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408 páginas
A angústia de Abraão
As origens culturais do judaísmo, do cristianismo e do islamismo
Emilio González Ferrín
A partir da imagem da “angústia de Abraão”, construída pelo filósofo Kierkegaard no clássico O temor
e o tremor, Emilio Ferrín navega pela origem e a evolução do judaísmo, do cristianismo e do islã.
A ideia é propor uma mudança de paradigma que possibilite o estudo racional e científico da religião
na história. Leitura fundamental para interessados e estudiosos de Teologia e de Ciências da Religião.
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Políticas públicas,
direitos sociais e papel
do Estado
Luiza Erundina de Sousa*
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são contraditórios ou antagônicos e a media- dar o caráter historicamente assistencialista
ção entre eles é feita pelo Estado. das políticas públicas, por meio das quais o
Embora seja, teórica e conceitualmente, Estado responde às demandas dos setores
considerado como árbitro entre os interesses populares, não se pode afirmar que as rela-
conflitantes das classes sociais, o Estado ten- ções entre povo e governo sejam democráti-
de sempre a decidir e agir no sentido de favo- cas nem, muito menos, que haja respeito aos
recer os que detêm maior poder econômico, plenos direitos de cidadania.
os patrões, em detrimento dos que estão em Com o avanço dos movimentos sociais,
condição economicamente in- surgem novas formas de organi-
ferior, os trabalhadores. Entre- “Os movimentos zação e de exercício da cidadania;
tanto a mediação dos interesses sociais constituem formas diretas e descentralizadas
de classe feita pelo Estado não é espaços de de participação, que questionam
cristalizada; depende da corre- organização o autoritarismo do Estado e exi-
lação de forças existente em de- social e política gem democracia e respeito à von-
terminado momento ou con- da sociedade civil, tade popular. Assim, esses movi-
juntura e que resulta de um em suas diferentes mentos se propõem o desafio de
processo dialético. formas de ação” construir uma esfera pública que
Historicamente, o Estado amplie o espaço de decisão da so-
brasileiro, cujo caráter é elitista, autoritário e ciedade civil organizada e aponte na direção
centralizador, tem orientado sua ação pela di- de uma ordem política verdadeiramente de-
nâmica do processo econômico, atuando mocrática. Trata-se, portanto, da construção
sempre a favor da reprodução do capital (lu- de um espaço onde as diferentes forças sociais
cros) e como controlador das legítimas rei- e políticas se confrontam e travam suas lutas
vindicações dos trabalhadores e dos setores em defesa do interesse público.
populares em geral. Um dos mecanismos Nesse sentido, as políticas públicas se
usados pelo Estado para exercer esse controle tornam forte motivação, capaz de articular os
têm sido as políticas públicas, vistas como diferentes, amplos e difusos interesses mani-
concessões, e não como conquistas ou direi- festados, de forma organizada, pelos movi-
tos. Ao contrário disso, as políticas públicas, mentos sociais. Estes se relacionam com as
numa sociedade verdadeiramente democráti- políticas públicas, deixando transparecer a
ca, são a resposta do Estado às demandas dos complexidade da participação da sociedade
cidadãos e cidadãs, enquanto direitos sociais. na tomada de decisões, no encaminhamento
Na medida em que os setores populares de ações governamentais e no controle e fis-
da sociedade tomam consciência dos seus di- calização de sua implementação. Assim, os
reitos e de sua força, têm início as lutas rei- movimentos sociais constituem espaços de
vindicativas e a organização dos movimentos organização social e política da sociedade ci-
sociais, que passam a se relacionar com o Es- vil, em suas diferentes formas de ação coleti-
tado de forma autônoma e independente, va voltadas à construção da democracia, e de
transformando, dialeticamente, a própria re- um sistema político que propicie a criação de
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zação das relações entre Estado (sociedade letariado perdeu espaço como força social. A
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massa etc. geraram incertezas e perplexidade
nas classes trabalhadoras em todo o mundo. Haitianos no Brasil
Acrescentem-se a essa conjuntura as refor-
e a sua relação com
mas políticas do Estado e do novo ordena-
mento jurídico, que levaram à desregula- a comunicação, o
mentação das relações entre capital e traba- consumo e o trabalho
lho e à redução dos direitos sociais. Em razão
disso, os movimentos sociais adquirem maior Cristóvão Domingos de Almeida
importância e assumem novo protagonismo
como “sujeitos coletivos” na luta em defesa
de políticas públicas voltadas para o atendi-
mento das demandas da população, tendo
em vista as necessidades básicas como saúde,
habitação, educação, cultura, esporte e lazer,
transporte, segurança e outras tais como
igualdade de gênero, de raça, de etnia e de
respeito às conquistas e à garantia de direitos.
Na década de 1990, ao aderir ao neolibe-
ralismo e buscar atender às novas exigências
do mercado globalizado, o Estado brasileiro
se submete, de forma radical, às orientações
de políticas econômicas neoliberais ditadas
pelos organismos internacionais, como FMI,
por exemplo, sujeitando-se à lógica do mer-
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a transferência de recursos públicos suficien- “Passe livre” era a principal palavra de or-
tes para que estados e municípios possam dem ouvida, por entenderem os manifestan-
cumprir a contento as responsabilidades que tes que o transporte público é um direito so-
lhes foram atribuídas pela Constituição Fe- cial, historicamente negado pelos governos
deral de 1988 com a descentralização. das grandes cidades brasileiras, cujo sistema
Ademais, registre-se o empenho da so- de transporte está a serviço da indústria do
ciedade civil brasileira na construção da automóvel e é subsidiado pelo governo, en-
esfera pública de participação, base essen- quanto o usuário tem de pagar caro por um
cial da democracia, que, por serviço de péssima qualidade.
sua vez, deve expressar a com- “É na esfera pública Bradavam também: “Não são só
plexidade da sociedade e su- que a sociedade os centavos, são nossos direitos”,
põe a presença ativa do sujeito civil exercita ampliando as exigências para
político coletivo. Com efeito, a democracia educação e saúde públicas de
a esfera pública contribui para participativa na qualidade. Reivindicavam ainda
que os cidadãos identifiquem relação com o o fim da corrupção e acrescenta-
seus interesses comuns, defi- Estado” vam: “Vocês não nos represen-
nam a melhor forma de coor- tam; queremos participar”. A
dená-los e direcioná-los para o centro das respeito da Copa do Mundo de futebol no
decisões políticas, nas quais adquirem legi- Brasil, escreveram em um cartaz: “Trocamos
timidade. É na esfera pública, portanto, dez estádios por um hospital decente”. Esse
que a sociedade civil exercita a democracia foi o grito de guerra da multidão que tomou
participativa na relação com o Estado. as ruas do Brasil por cerca de um mês. Se-
gundo pesquisas, mais de 75% dos brasilei-
1. A realidade brasileira na ros apoiavam o movimento duas semanas
perspectiva dos direitos sociais e das após o seu início na Avenida Paulista, en-
políticas públicas na atual conjuntura quanto a maioria da classe política o recha-
Para compreender a realidade brasileira çou por considerá-lo “demagógico e irres-
na atual conjuntura, é necessário voltar no ponsável”. No entanto, a então presidente
tempo para identificar fatos e situações cujos Dilma Rousseff declarou que “tinha a obriga-
reflexos se fazem sentir no presente e proje- ção de escutar a voz das ruas”, recomendan-
tam luz sobre o futuro, sempre em relação do às autoridades locais que cancelassem os
aos direitos sociais e às políticas públicas. aumentos das tarifas de transporte e receben-
Destacaria, entre outros, os seguintes do em audiência representantes do Movi-
acontecimentos: mento Passe Livre. Ficou a lição, mas os des-
dobramentos não foram o esperado. Depois
1.1. Jornadas de Junho de algum tempo, ninguém falava mais no
Em junho de 2013, no Brasil, sem que assunto.
ninguém esperasse, sem líderes partidários ou Contudo, a partir das Jornadas de 2013,
sindicais e sem o apoio da mídia, explodiu de o país já não era o mesmo. Na esteira daque-
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do inicialmente pelo aumento de 20 centavos pos em gestação, que eclodiu após os resul-
no preço das tarifas de ônibus, difundindo-se tados das eleições presidenciais de 2014.
pelas redes sociais e levando multidões a ocu-
•
par as ruas em mais de 350 cidades brasileiras. Rousseff para um segundo mandato, após
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ter vencido no segundo turno o candidato
do PSDB, senador Aécio Neves, por uma Diásporas africanas
margem de votos relativamente pequena, e processos
reproduzindo assim a histórica polarização sociorreligiosos
entre PT e PSDB, o candidato derrotado de-
clarou guerra ao governo reeleito e entrou Fábio Baggio, Paolo Parise,
com representação na Justiça Eleitoral, Wagner Lopes Sanchez (orgs.)
questionando os resultados proclamados.
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aceito e aprovado em sessão da Câmara dos tos de tal política de austeridade recai sempre
Deputados em 17 de abril de 2016, dia que, sobre o conjunto da sociedade, no caso, os
na história do Brasil, ficará marcado como cidadãos e cidadãs brasileiros. Com efeito, a
aquele em que a soberania do voto popular, política de ajuste fiscal é a que o governo Te-
um dos pilares da Constituição cidadã de mer adotou, indiferente aos danos resultan-
1988, foi violada e o poder po- tes do aumento da desigualdade,
pular foi usurpado por um gol- “A expressão do empobrecimento e do mal-
pe parlamentar perpetrado con- ‘ajuste fiscal’ é -estar social.
tra a presidente da República frequentemente Medidas de ajuste fiscal im-
sem o necessário fundamento usada e aceita plicam contenção das despesas
legal. A consciência democráti- quase sem sociais do Estado; cortes sala-
ca do Brasil e de outras nações questionamento, riais, de pensões e subsídios;
soberanas do mundo se levan- por falta de flexibilização do direito ao tra-
tou para denunciar o golpe que compreensão do balho; reforma do sistema de
cassou o mandato, conquistado seu real significado saúde; injustiça tributária; pri-
democraticamente nas urnas, e de suas vatizações do patrimônio públi-
da primeira mulher eleita presi- implicações” co, significando tudo isso a na-
dente da República. turalização das desigualdades.
Além disso, o processo de ajuste fiscal segue
1.3. Medidas de ajuste fiscal: um uma lógica e envolve uma dinâmica política
ataque aos direitos sociais que resultam da atuação do governo, da mí-
A expressão “ajuste fiscal” é frequente- dia, dos burocratas e dos ideólogos ocupa-
mente usada e aceita quase sem questiona- dos em difundir a falsa ideia de que a “cul-
mento, por falta de compreensão do seu real pa” pela situação da crise econômica seria
significado e de suas implicações. Na prática, de todos os indivíduos, fazendo-os “pagar” e
ajuste fiscal significa a implantação de políti- acreditar que foram suas ações e o modo de
cas e medidas econômicas orientadas à disci- vida imprudente das famílias que contribuí-
plina, ao rigor e ao controle econômico e so- ram para a situação de crise.
cial, como resposta do Estado à crise do siste- As propostas encampadas sob o nome de
ma financeiro, do déficit público e do mode- ajuste fiscal seguem dupla lógica de ação. De
lo econômico neoliberal, só que os altos cus- um lado, o Estado detém o monopólio da aus-
Lucas tem grande preocupação social e está sempre atento aos humildes
e marginalizados. Esta obra convida você a conhecer o Evangelho que
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ele escreveu, um testemunho de que Jesus veio para trazer aos pobres a
224 pags.
e fraternidade.
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teridade, instrumento pelo qual assume as ta-
refas de combater a crise, para evitar a falência Mobilidade humana e
do país, e de proteger os indivíduos da incer-
identidades religiosas
teza em relação ao futuro. De outro lado, pro-
move-se o desmonte dos mecanismos de pro- Fábio Baggio, Paolo Parise e Wagner
teção social, cujo foco é a seguridade social e Lopes Sanchez (coords.)
os direitos sociais, mediante a privatização do
patrimônio público, a individualização dos
riscos sociais e a mercantilização da vida so-
cial. Enfim, o ajuste fiscal e a responsabilidade
fiscal retomam, de modo invertido, o tema da
equidade. Invocam uma “ética social” com a
“justa repartição dos sacrifícios”, ignorando,
de propósito, o fato de que a distribuição desi-
gual dos sacrifícios, numa sociedade econômi-
ca e socialmente muito desigual, é vantajosa
para os mais ricos, em detrimento da maioria
do povo brasileiro.
xa, uma política de ajuste fiscal apoiada in- Vendas: (11) 3789-4000
condicionalmente pela maioria do Congres- 0800-164011
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contra o povo em geral. A propósito, é bom do empresariado, enfraquecendo os sindica-
lembrar que foi esse mesmo Congresso tos dos trabalhadores.
que, em duas oportunidades, negou a au-
torização para que Temer fosse investigado O governo realizou uma reforma eleitoral
em casos de comprovada corrupção, nos antidemocrática para beneficiar os partidos
quais estão implicados praticamente todos maiores e que estão no poder, tentando tirar
os seus aliados mais próximos e membros da disputa partidos programáticos e com
de outros partidos que deram sustentação bancadas menores.
ao seu governo.
Além disso, essas mesmas “O governo O governo regulamentou o
forças políticas que atuavam interferiu nas sistema fundiário de modo a be-
no poder legislativo promove- relações entre neficiar a concentração da terra;
ram, junto com o governo, o o capital e o flexibilizou obrigações ambien-
desmonte dos direitos con- trabalho, em tais e trabalhistas; abriu cami-
quistados pelo povo brasileiro, prejuízo do nho para a regularização da gri-
senão vejamos. segundo, ao lagem; fragilizou o controle da
legalizar a fronteira agrícola na Amazônia;
Para deleite das petrolíferas terceirização facilitou a legalização de condo-
estrangeiras, uma das priorida- nas áreas-fins” mínios de luxo sem contraparti-
des do governo Temer foi atacar das; retirou critérios legais de
os interesses nacionais, como a presença defesa da segurança nacional ao permitir a
obrigatória da Petrobrás nos serviços de ex- privatização em massa do patrimônio da
ploração do pré-sal, abrindo mão de parte União, notadamente as áreas da marinha e
significativa de nossas riquezas estratégicas. de fronteira.
Esses mesmos conglomerados estrangeiros
receberam bilionária isenção fiscal em tem- O governo promoveu retrocessos contra as
pos em que alegadas dificuldades fiscais ser- mulheres e os direitos humanos. Uma das pri-
vem de pretexto para retirar direitos de tra- meiras medidas de Temer, ainda como presi-
balhadores e aposentados. dente interino, foi extinguir os Ministérios das
Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e
O governo apresentou e o Congresso apro- dos Direitos Humanos, transformando-os em
vou a PEC do teto, que gerou a Emenda meras secretarias, sob a aba do Ministério da
Constitucional n° 95/2017, congelando os Justiça e Cidadania. Tais alterações na estrutu-
gastos públicos nos próximos 20 anos, sem ra do poder executivo demonstraram o des-
que se cogitasse nenhuma medida de justiça compromisso daquele governo com as pautas
fiscal ou de auditoria do serviço da dívida das mulheres, dos negros, da juventude e dos
pública, e empurrando a conta para os traba- direitos humanos em geral.
lhadores, os que mais precisam dos serviços
públicos e da presença do Estado. O mais grave é que essas medidas e tantas
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capital e o trabalho, em prejuízo do segundo, que conspiraram para derrubar Dilma Rous-
ao legalizar a terceirização nas áreas-fins; seff, eleita democraticamente, o que afrontou
promoveu uma reforma trabalhista para fle- a Constituição Federal de 1988 e atentou
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1.5. Políticas públicas do governo
democrático-popular da cidade de A política da
São Paulo (1989-1992)
própria vida
O primeiro governo democrático-popular
Biomedicina, poder e
no município de São Paulo desenvolveu, du- subjetividade no século XXI
rante os quatro anos de gestão, um plano de
ação baseado em dois eixos programáticos: Nikolas Rose
– governar para a maioria, com inversão
de prioridades;
– governar com participação popular.
Quanto ao primeiro eixo, nosso governo
investiu prioritariamente nas políticas públi-
cas de saúde, educação, cultura, habitação,
assistência social, transporte coletivo, sanea-
mento básico, infraestrutura urbana e preser-
vação do meio ambiente. Para isso, destina-
mos, anualmente, mais da metade dos recur-
sos orçamentários às áreas sociais.
Quanto à participação popular, segundo
eixo orientador da ação do governo, criamos
diversos mecanismos de participação, tais
como: conselho gestor em cada equipamento
400 págs.
do crime e a psiquiatria.
avaliada e votada. Dessa forma, a população
interferia na definição das prioridades, partici-
pando, portanto, das decisões políticas mais
importantes do governo – pois não há decisão
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jetivos e metas.
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Além desses, outros mecanismos de partici- ternidade de 2019: “Fraternidade e políticas
pação foram criados, como as Coordenadorias públicas”, visto que, na atual conjuntura, são
Especiais da Mulher, do Negro, da Juventude, registradas enormes perdas das conquistas so-
das Pessoas com Deficiência, dos Idosos. Eram ciais e dos direitos de cidadania do povo brasi-
coletivos ligados a diversos segmentos da socie- leiro, como efeitos perversos de uma crise mul-
dade civil e integrados por pessoas escolhidas tifacetada que penaliza, sobretudo, a popula-
pelos seus respectivos movimentos para repre- ção mais pobre do país.
sentar seus interesses quando da definição das Ao golpe parlamentar de 2016, seguiu-se o
políticas setoriais do governo. governo ilegítimo e fraudulento de Michel Te-
O método democrático de gestão e a atenção mer, rearticulador das forças conservadoras de
voltada, prioritariamente, para os interesses da direita que tomaram de assalto o poder conquis-
maioria da população da cidade foram as princi- tado democraticamente nas urnas. Desde então,
pais marcas do governo democrático-popular do instalou-se no país um ambiente de instabilida-
município de São Paulo durante o período de 1989 de, frustração e desalento, com elevado poten-
a 1992. O êxito daquela rica experiência se deveu cial de desmobilização e paralisia das organiza-
principalmente a dois fatores: o apoio e a participa- ções sociais progressistas, o que passou a ser
ção imprescindíveis dos setores populares organi- mais uma expressão da crise.
zados da sociedade paulistana e os excelentes qua- Esperamos que a Campanha da Fraternida-
dros que compuseram o primeiro escalão do go- de contribua para despertar a consciência dos
verno, ou seja, o secretariado. Citaria, entre ou- cristãos e cristãs no sentido de reafirmarem seu
tros(as), o mestre Paulo Freire e o respeitável pro- compromisso de fé e retomarem, com coragem
fessor Paul Singer, secretários de Educação e de e determinação, a luta por justiça social e pela
Planejamento, respectivamente. Ambos, lamenta- igualdade de direitos para todos e todas.
velmente, já não estão entre nós; deixaram precio- É preciso reagir ao desalento e à desesperança,
so legado às futuras gerações. Aproveitamos, pois, sentimentos conservadores paralisantes, substi-
a oportunidade para homenageá-los e, por meio tuindo-os pela esperança, que, ao contrário, é re-
deles, a todos os admiráveis brasileiros e brasileiras volucionária e transformadora. Voltemos, pois, a
que conosco governaram a cidade de São Paulo e nos inspirar no saudoso pastor e profeta da espe-
aos quais pertencem os méritos da gestão. rança dom Paulo Evaristo Arns, que nos animava
ao repetir sem cessar: “Coragem! De esperança em
Conclusão esperança, ter esperança sempre!”, e acrescentava:
Queremos destacar, finalmente, a oportu- “A esperança subsiste e se torna força de resistên-
nidade do tema central da Campanha da Fra- cia mesmo nas situações mais adversas”.
Referências bibliográficas
DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
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FERREIRA, Mary (Org.). Mulher, gênero e políticas públicas. São Luís: Rede Feminista Norte e Nordeste
de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher e Relações de Gênero (Redor); Núcleo de Estudos e Pesquisa
Mulher e Relações de Gênero/UFMA; Grupo de Mulheres da Ilha, 1999.
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JACOB, Pedro. Movimentos sociais e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1998.
NASCIMENTO, Mariângela. A esfera pública na democracia brasileira: uma reflexão arendtiana. In:
•
CORREIA, Adriano; NASCIMENTO, Mariângela (Org.). Hannah Arendt: entre o passado e o pre-
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Campanha da
Fraternidade 2019
Luis Fernando da Silva*
Introdução
de São João da Boa Vista – SP. Secretário-executivo seguidores para Jerusalém. Ao longo da ca-
da Campanha da Fraternidade e da Evangelização e minhada, Jesus vai revelando o seu projeto
membro do Conselho Gestor do Fundo Nacional de
salvífico de libertar o ser humano das amar-
•
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13
Nesse sentido, a Campanha da Fraterni- atingem a vida cotidiana e o que pode ser
dade (CF) é um instrumento valioso, que ser- feito para que sejam efetivas, além de acom-
ve a toda comunidade como apoio e motiva- panhá-las com uma boa fiscalização, pois só
ção para a conversão social. Cada ano, em assim são aprimoradas. Tal reflexão contri-
cada temática aprofundada, são bui ainda para a distinção entre
apresentadas situações que fe- “Celebrar a “política” e “política pública”,
rem a dignidade humana, e as- Páscoa é caminhar oportuna sobretudo por causa
sim a Igreja faz um apelo para com Jesus e a da semelhança entre as pala-
que, enquanto sociedade, nos comunidade de vras, que pode gerar confusões,
convertamos, buscando um agir seus seguidores sugerindo que possuem o mes-
mais pautado pelo evangelho. para Jerusalém” mo significado.
A reflexão proposta pelo A palavra “política” vem do
tema da CF deste ano convida-nos a com- grego politikós, que se refere a pólis, o lugar
preender: O que são políticas públicas? onde os gregos tomavam as decisões em vista
Como são construídas? E nós, movidos pe- do bem comum; era o espaço para garantir a
los valores do evangelho, que contribuição ordem e estabilizar a sociedade de maneira
podemos dar a esse processo? pacífica, sendo marcado pelo conjunto de in-
terações e conflitos de interesses.
1. O bem comum e o cotidiano A política direciona a vontade daqueles
do povo que participam dela, estando em toda parte, e
O tema escolhido para a Campanha da não somente na ação do Estado. Ou seja, a po-
Fraternidade deste ano, “Fraternidade e polí- lítica está na arte, nas relações de trabalho, nas
ticas públicas”, tem o objetivo de estimular a empresas, nos clubes, nas associações etc.
participação em políticas públicas, à luz da O conceito de políticas públicas é recen-
Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igre- te, e seu entendimento tem diferentes inter-
ja, para fortalecer a cidadania e o bem co- pretações. Há uma correlação entre as políti-
mum, sinais de fraternidade. cas públicas e as ciências sociais, as ciências
Trata-se de tempo propício para refletir- políticas, as ciências econômicas e as ciências
mos sobre essa temática, pois, nos últimos da administração pública. Essas grandes
anos, tem se verificado no Brasil uma com- áreas contribuem para compreendermos o
plexa realidade na convivência entre os três que é política pública e sua influência no co-
poderes, e estamos inaugurando novo perío- tidiano da população.
do em nosso país com o novo executivo, As políticas públicas, portanto, represen-
eleito em outubro passado juntamente com tam soluções específicas para necessidades e
o legislativo. problemas da sociedade. São ações do Esta-
A participação da população não se en- do, que busca garantir a segurança e a ordem
cerra com o voto. Pelo contrário, ali se inicia por meio da garantia dos direitos, e expres-
o compromisso de acompanhar os eleitos sam, em geral, os principais resultados oriun-
para que garantam à população seus direitos dos da presença do Estado na economia e na
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elementares, façam bom uso do dinheiro sociedade brasileira (CNBB, 2018, n. 15).
público e em tudo zelem pelo bem comum, Podemos resumir, afirmando que políti-
•
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que pressupõe sempre justiça, transparência ca pública é a ação do governo e a sua rela-
e equidade. ção com as instituições da sociedade, bem
Refletir sobre políticas públicas é impor-
•
tante para entender a maneira pela qual elas buscam uma solução para determinado de-
14
safio. Essa solução necessariamente deve ciência e incentivar a participação de todo
respeitar aquilo que já está garantido na cidadão na construção dessas ações em âm-
Constituição Federal e em outras leis fede- bito nacional, estadual e municipal constitui
rais, estaduais e municipais. Ou seja, o go- um dos objetivos específicos desta CF, bem
verno, as instituições e os indivíduos da so- como propor políticas que assegurem os di-
ciedade precisam estar articulados para que reitos sociais dos mais frágeis e vulneráveis,
os direitos garantidos por lei sejam de fato trabalhando para que as políticas públicas
os direitos de todos, não só de alguns. eficazes de governo se consolidem como po-
Deveria fazer parte do cotidiano do líticas de Estado. Mais uma vez, assegura-
povo acompanhar essas articulações. Não mos a importância da presença da Igreja ca-
podemos simplesmente delegar isso a al- tólica, por meio do clero e dos leigos, em
guns e lavar as mãos. Precisamos participar, busca de participação na resolução dos pro-
pois nossa participação é sementeira produ- blemas sociais e em todo o processo de for-
tiva para que sempre nasça e cresça para to- mulação das políticas públicas (CNBB,
dos o bem comum. 2018, n. 21).
Diante da realidade apresentada, cabe- Nos últimos anos, temos vivido uma cri-
-nos responder a algumas perguntas: Quais se do modelo da democracia representativa,
são as luzes e as sombras da democracia hoje? em que as tomadas de decisões ficam a cargo
Como fazer políticas públicas? Como fazer de técnicos e agentes políticos, sobretudo,
crescer a participação do povo? em razão da complexidade da sociedade e de
seus interesses. As pessoas já não se sentem
1.1. Sociedade democrática: luzes e representadas pelos que ocupam cargos eleti-
sombras vos (presidente, governadores, prefeitos, de-
O Brasil é um país democrático: nele o putados, senadores e vereadores).
exercício do poder emana do povo, que, Contudo, não é só a instituição política
com liberdade, escolhe homens e mulheres que sofre com essa crise, mas também diver-
para o representarem na gestão da Federa- sas instituições tradicionais, como escolas,
ção, dos estados e dos municípios, execu- movimentos sociais, sindicatos. Tais institui-
tando as leis, criando novas e fiscalizando a ções vivem em crise de representatividade.
execução de todas. Dessa maneira, cada vez mais pessoas ten-
A Constituição Federal de 1988 possibili- dem a participar e reivindicar o direito à par-
tou introduzir no panorama político brasileiro ticipação no processo decisório.
o que está afirmado no parágrafo único do ar- As diferentes pessoas e organizações en-
tigo 1º: “todo poder emana do povo, que o volvidas no debate sobre políticas públicas e
exerce por meio de representantes eleitos ou na participação nessas políticas são conheci-
diretamente”, de modo que foram criados me- das como atores sociais, podendo ser indiví-
canismos para o exercício de uma democracia duos, grupos, movimentos sociais, partidos
direta, tais como os plebiscitos, os referendos políticos, instituições religiosas, organizações
e os projetos de lei de iniciativa popular. Pos- públicas e privadas. A interação acontece na
nº- 326
sibilitou, ainda, que a gestão das políticas liga- esfera pública, mas é também aí onde ocorrem
das à seguridade social fosse descentralizada e os conflitos, as disputas, a cooperação e a ne-
•
ano 60
tivesse a participação direta da sociedade civil gociação, para confrontar ou apoiar a imple-
(artigos 194, 198, 204, 206 e 227). mentação de determinada política pública.
Compreender melhor o papel e o senti-
•
do das políticas públicas, despertar a cons- te escura paradoxal: por um lado, há des-
15
crença nos líderes; por outro, existe o desejo exemplos, podemos citar o Sistema Único
de envolvimento nos processos participativos de Saúde (SUS), o Sistema Único de Assis-
– apesar de que, na maioria das vezes, os que tência Social (SUAS), o Sistema Nacional da
querem se envolver não o fazem. Juventude (SNJ), o Sistema Nacional dos
É preciso lançar luzes sobre esse processo Direitos Humanos etc.
por meio do envolvimento, da participação, Uma vez que a política pública é dese-
do sentir-se corresponsável da luta pelos direi- nhada e implementada, precisa estar em
tos. Cabe recordar que, se alguns constante avaliação. Sem avalia-
passam situações difíceis por “As pessoas já ção, tem-se a tendência de fazer
causa das chamadas crises, exis- não se sentem as mesmas coisas sempre do
tem tantos mais vulneráveis que representadas mesmo jeito, e isso não ajuda a
possuem menos ou não pos- pelos que ocupam avançar. A avaliação ajuda a per-
suem nada. Em tempos difíceis, cargos eletivos ceber o que é positivo e o que
não podemos nos esquecer dos (presidente, não é e abre novas vias para no-
pobres. Por eles vale a pena cada governadores, vos processos. E o mais impor-
processo que visa à participação prefeitos, tante: isso sempre deve ser feito
em função do bem comum. deputados, em constante diálogo entre todas
senadores e as partes. Vale reforçar que a ela-
1.2. Como fazer políticas vereadores)” boração das políticas públicas é
públicas? um esforço conjunto.
Não podemos cair na tentação de achar
que a elaboração das políticas públicas é algo 1.3. Fazer crescer a participação
restrito a um grupo seleto da sociedade – Participar efetivamente da elaboração das
apesar de, infelizmente, muitas vezes isso políticas públicas requer mais do que apenas
acontecer. votar nas eleições ou sugerir demandas pon-
A elaboração das políticas públicas nasce tuais: é estar presente nos mais diversos me-
de um desejo sincero de dialogar. Todos os canismos de participação, garantidos pela
homens e mulheres são candidatos e autori- Constituição da República Federativa do Bra-
zados ao diálogo; neste, todos são bem-vin- sil, que colaboram na tomada de decisões, na
dos: indivíduos, organizações, instituições implementação, na avaliação e no monitora-
públicas e privadas. O diálogo desses grupos mento dessas políticas.
sempre deve visar ao bem comum de todos, Historicamente, a humanidade superou
e o direito a tudo aquilo que envolve o bem diversas dificuldades com ações e decisões
comum já está garantido na Constituição. coletivas. Portanto, podemos afirmar que a
Esse caminho deve ser concreto, partindo participação é essencial no desenvolvimen-
sempre da realidade, dos dados, dos fatos para, to das sociedades. Estar presentes nos es-
com base neles, em conjunto, tentar responder paços e canais de participação cidadã é ser
às perguntas: O que podemos fazer juntos? protagonistas da execução das políticas pú-
Como vamos fazer? O que a lei já nos garante? blicas e fazer ouvir as demandas e necessi-
nº- 326
Por fim, com base em todas as informa- pação estão: audiências públicas, conselhos
ções do processo de formulação das políti- gestores ou de direitos, conferências, fóruns e
•
cas públicas, tem-se então a estrutura dese- reuniões, organizações da sociedade civil e
Vida Pastoral
16
Cabe aqui um aceno especial à juventu-
de. É preciso estimular os jovens a se senti- Governando o presente
rem atores sociais no processo de construção
das políticas públicas. Peter Miller e Nikolas Rose
Faz-se necessário um resgate da impor-
tância dos movimentos sociais. Estes já aju-
daram o país a dar passos muito importan-
tes e podem colaborar ainda mais no con-
trole social, na fiscalização dentro dos con-
selhos gestores de políticas públicas, de
modo deliberativo, tendo em vista sempre o
bem comum.
Dessa forma, a democracia vai ganhando,
cada vez mais, rosto participativo. A não par-
ticipação faz que os conselhos gestores das
políticas públicas percam força, limitando a
fiscalização a agentes públicos.
Não obstante, nos últimos anos, tem
crescido o processo de criminalização dos
288 págs.
Isaías: “Serás libertado pelo direito e pela jus- Vendas: (11) 3789-4000
tiça” (Is 1,27). 0800-164011
•
ano 60
paulus.com.br
Vida Pastoral
17
ordem é respeitada na vida real, a referida pa- justiça, pois, para conhecer a Deus, é necessá-
lavra vem invariavelmente acompanhada de rio praticá-la. Eles proclamam, por isso, sem
outra, sedáqâ (justiça), designativa da obriga- cessar, o direito do pobre. Acentuam não o
ção moral do direito em sentido subjetivo, direito do possuidor, mas sim o dos que nada
interno, que torna possível vi- possuem.
vê-lo a fundo (SICRE, 1990, p. “Jesus não é mero No Novo Testamento, depa-
600). Assim, a “justiça” obriga observador, mas se ramos com Jesus de Nazaré, Fi-
moralmente a pessoa a se preo- envolve na vida do lho de Deus, que assumiu a
cupar com os mais pobres do seu povo, participa condição humana, nascendo
povo, representados pela tríade: e incentiva os seus pobre entre os pobres.
viúva, órfão e estrangeiro,1 para seguidores Ele passou de aldeia em aldeia
que haja o direito na sociedade a participar” anunciando o Reino de Deus e fa-
(CNBB, 2018, n. 127). zendo o bem a todos. O evange-
lho o mostra sempre próximo dos pobres. O
2.1. A Palavra de Deus ilumina contexto do nascimento de Jesus foi marcado
a luta pelos direitos pelos desmandos do império romano, um sis-
A Palavra de Deus é luz para todos os que tema causador de injustiça que colocava os
se empenham na participação e na constru- mais vulneráveis sempre à margem, privados
ção das políticas públicas. Deus se compade- dos direitos mais básicos, como o alimento, a
ce do seu povo sofrido e não deixa de se en- saúde e a dignidade.
volver, de fazer aliança. Mesmo quando o Jesus não é mero observador, mas se envol-
povo se afasta, Deus encontra novos modos ve na vida do seu povo, participa e incentiva os
de se achegar e renovar a sua aliança. seus seguidores a participar. Com sua ação, ele
No Antigo Testamento, tanto no Penta- vai devolvendo aos pobres o que lhes foi tirado.
teuco quanto na literatura dos profetas, en- O povo não tinha pão, Jesus partilha o pão; o
contramos uma tríade dos chamados pobres povo não tinha saúde, Jesus cura os doentes;
de Deus: “órfão, viúva e estrangeiro”, catego- muitos do povo eram colocados à margem da
rias desprezadas no antigo Israel, porém não sociedade, Jesus os traz para o centro.
desprezadas por Deus, que sempre se coloca Jesus não só agiu para o povo e pelo
do lado dos pobres. povo, mas também ensinou seus discípulos a
Deus se revela como aquele que viu a mi- fazer o mesmo: “Dei-vos o exemplo para que
séria do seu povo e ouviu o seu clamor, des- vades e façais o mesmo” (Jo 13,15).
cendo para libertá-lo (cf. Ex 3,7-8). Por isso,
essa experiência libertadora constituiu o cen- 2.2. A Igreja pobre para os pobres:
tro da fé do povo de Israel (cf. Dt 26,5-9) e o continuadora da missão de Jesus
paradigma da pregação dos profetas, que ten- A Igreja é continuadora da missão de Je-
tam reorientar a vida do povo em direção à sus. Ao longo de sua história, não faltaram
pessoas que, movidas pelos valores do Reino
1
As pesquisas bíblicas inserem a tríade formada por (ger) de Deus anunciado por Jesus, se comprome-
nº- 326
18
As alegrias e as esperanças, as tristezas e as dom não exclui a justiça nem se justa-
angústias dos homens de hoje, sobretudo põe a ela em um segundo tempo e de
dos pobres e de todos aqueles que sofrem, fora; e, por outro, que o desenvolvi-
são também as alegrias e as esperanças, as mento econômico, social e político pre-
tristezas e as angústias dos discípulos de cisa, se quiser ser autenticamente hu-
Cristo; e não há realidade alguma verda- mano, dar espaço ao princípio da gratui-
deiramente humana que não encontre dade como expressão de fraternidade
eco no seu coração. Porque a sua comu- (BENTO XVI, 2009, p. 34).
nidade é formada por homens que, reu-
nidos em Cristo, são guiados pelo Espíri- O papa Francisco, ao falar da dimensão
to Santo na sua peregrinação em deman- social da evangelização, insiste no diálogo
da do reino do Pai, e receberam a mensa- como caminho concreto para alcançar o bem
gem da salvação para a comunicar a to- comum:
dos. Por este motivo, a Igreja sente-se real
e intimamente ligada ao gênero humano A evangelização implica também um ca-
e à sua história. Por isso, o Concílio Vati- minho de diálogo. Neste momento, exis-
cano II […] não hesita agora em dirigir a tem sobretudo três campos de diálogo
sua palavra, não já apenas aos filhos da onde a Igreja deve estar presente, cum-
Igreja e a quantos invocam o nome de prindo um serviço a favor do pleno de-
Cristo, mas a todos os homens (GS 1). senvolvimento do ser humano e procu-
rando o bem comum: o diálogo com os
O papa Bento XVI, em seu ensinamento Estados, com a sociedade – que inclui o
social, ao falar da participação conjunta dos diálogo com as culturas e as ciências – e
seres humanos, afirma a necessidade do prin- com os outros crentes que não fazem par-
cípio da gratuidade como expressão da fra- te da Igreja católica. Em todos os casos,
ternidade e atesta que esta sempre nasce da “a Igreja fala a partir da luz que a fé lhe
relação com Deus: dá”, oferece a sua experiência de dois mil
anos e conserva sempre na memória as
Enquanto dom recebido por todos, a ca- vidas e sofrimentos dos seres humanos.
ridade na verdade é uma força que cons- Isto ultrapassa a razão humana, mas tam-
titui a comunidade, unifica os homens bém tem um significado que pode enri-
segundo modalidades que não conhecem quecer a quantos não creem e convida a
barreiras nem confins. A comunidade razão a alargar as suas perspectivas
dos homens pode ser constituída por nós (FRANCISCO, 2013, n. 238).
mesmos; mas, com as nossas simples for-
ças, nunca poderá ser uma comunidade Por isso, na ação pastoral da Igreja, deve
plenamente fraterna nem alargada para ser estimulada a participação das comunida-
além de qualquer fronteira, ou seja, não des eclesiais, em parceria com outras institui-
poderá tornar-se uma comunidade ver- ções privadas ou públicas, bem como com
nº- 326
para além de qualquer divisão, nasce da execução de políticas públicas voltadas para
convocação da palavra de Deus-Amor. Ao a defesa e a promoção da vida e do bem co-
enfrentar esta questão decisiva, devemos mum, segundo a Doutrina Social da Igreja”
•
Vida Pastoral
19
3. Participar com espírito cidadão em de sensibilização e mobilização, tendo em
vista do bem comum vista contribuir com a necessária reforma po-
O Texto-base da CF-2019 apresenta pistas lítica e renovação do quadro de agentes polí-
de ações muito concretas para estimular a ticos nos três níveis de governo (União, esta-
participação de toda a Igreja e da sociedade dos e municípios);
na elaboração das políticas públicas. Mesmo • estimular a participação de pessoas idô-
que na participação popular permaneçam neas e de caminhada ilibada, como verdadei-
“encontros e desencontros”, é nela que se ros discípulos missionários, no bem comum,
consolida a realização e a missão humana na por um processo político de pleno exercício
terra, e é ela também que nos possibilita ser da cidadania e isento de interesses não condi-
sujeitos e assim fazer da socie- zentes com a grande maioria
dade um “lugar” de aconche- “A Igreja é da população;
go, para que a vida seja plena continuadora da • estimular a criação de
independentemente do “local missão de Jesus. observatórios sociais pelo país,
social” em que se desenvolve. Ao longo de sua em âmbito municipal, esta-
Assim, vamos resgatar as história, não dual e/ou nacional, com mem-
pistas de ação da CF-2019, faltaram pessoas bros competentes e idôneos e
para que nos estimulem a ser que, movidas pelos com estrutura mínima de ou-
um povo que participa com valores do Reino vidoria, diagnóstico, pesquisa,
espírito cidadão em vista do de Deus anunciado comunicação e monitoramen-
bem comum. por Jesus, se to das iniquidades e/ou incon-
comprometeram com sistências, para que se tornem
a) Participação: a causa dos mais uma referência de seriedade e
• buscar uma participa- pobres” um porto seguro e isento para
ção mais efetiva, com a atua- qualquer cidadão brasileiro;
ção voluntária nas pastorais sociais, esfor- • estimular a participação dos cristãos
çando-se por priorizar a solicitude e o cui- leigos e leigas na política. Há necessidade de
dado com as pessoas em situações de margi- romper o preconceito comum de que a polí-
nalização, exclusão e injustiça, como o em- tica é coisa suja e conscientizar os leigos e as
penho sociopolítico da ação evangelizadora leigas de que ela é essencial para a transfor-
da Igreja nas complexas questões sociais mação da sociedade;
ameaçadoras da vida; • impulsionar os cristãos a construir me-
• estimular o uso dos serviços públicos canismos de participação popular que contri-
de forma consciente, organizada e cuidadosa, buam para a democratização do Estado e
valorizando e respeitando sempre os profis- para o fortalecimento do controle social e da
sionais que lá trabalham, com vistas ainda a gestão participativa;
melhor otimização dos recursos existentes; • incentivar e preparar os cristãos leigos e
• pensar em formas de contribuir para a leigas para participarem de partidos políticos
resolução de situações agravantes dos direi- e serem candidatos para o executivo e o legis-
nº- 326
tos sociais, considerando as capacitações re- lativo, contribuindo, deste modo, para a
queridas para as ações de enfrentamento da transformação social;
•
ano 60
de conversa ou outras formas de encontros, maneiras de tomar parte na política: nos Con-
Vida Pastoral
20
movimentos sociais, nos conselhos de escola, co, Fóruns de Justiça, entre outros, para
na coleta de assinaturas para projetos de lei acompanhar e denunciar situações de irregu-
de iniciativa popular, nos comitês da Lei nº laridades na condução da coisa pública.
9.840/99 de combate à corrupção eleitoral e
da Lei nº 135/2010, conhecida como Lei da c) Bem comum:
Ficha Limpa.2 • conhecer serviços mediante os quais a
Igreja se faz solidária aos pequeninos das
b) Cidadania: nossas comunidades e empenha-se pela su-
• incentivar as comunidades a promover peração das injustiças e pela construção de
seminários, cursos e encontros de conscienti- relações segundo o evangelho na sociedade;
zação e formação política que visem desen- • garantir que a prevenção avance para
volver a participação cidadã cada vez mais além da informação. É necessário visar não
responsável dos cristãos; só ao bem-estar individual, mas também ao
• fortalecer canais de participação efeti- familiar e de todos, por meio de ações educa-
va da sociedade e de suas entidades repre- tivas abrangentes e inclusivas;
sentativas na formulação, na implantação e • promover momentos para exercer o
no controle das políticas públicas. Por discernimento evangélico acerca do que
exemplo, a participação em conselhos de ocorre no cenário político com repercussão
Controle Social, em suas diversas instâncias, na comunidade, no bairro e/ou na cidade e
constituindo espaços privilegiados para o identificar eventuais ameaças à harmonia e
alcance desse objetivo; boa convivência familiar;
• articular a participação efetiva de mem- • incentivar a intersetorialidade das
bros das comunidades nas instâncias colegia- ações (saúde, educação, desenvolvimento
das do Controle Social nas políticas públicas social, justiça, esporte, emprego e renda),
(Conselhos de Saúde e/ou Educação e/ou Se- para a promoção, prevenção, proteção, tra-
gurança Pública, Conferências de Saúde e/ou tamento, reabilitação e recuperação do
Educação e/ou Segurança Pública), nas três bem-estar, construindo uma sociedade jus-
esferas de governo, oferecendo o respaldo ta e saudável;
necessário e o acompanhamento adequado • refletir nas famílias sobre o que edifica
nesse trabalho; uma sociedade justa e solidária, buscando es-
• reivindicar atendimento humanizado, tratégias de solução efetivas, viáveis e ade-
acolhedor, de qualidade e digno a todo cida- quadas ao bem comum.
dão em qualquer estabelecimento público;
• dar continuidade às discussões inicia- Conclusão
das com as CFs de 2012, 2015 e 2017, refor- A Campanha da Fraternidade de 2019
çando a necessidade de um equilíbrio justo e quer ser um convite para maior participa-
oportuno de todos os brasileiros nos campos ção das pessoas na elaboração de políticas
sociais, como a saúde pública, a sociedade públicas, projetando, assim, o presente e o
em geral e a segurança pública; futuro do Brasil, amparado no direito e na
nº- 326
• estabelecer parcerias com Defensoria justiça, livre das desigualdades que assolam
Pública, Controladoria Geral, Advocacia Ge- os mais pobres.
•
ano 60
2
As ações práticas dos quatro últimos itens foram extraí-
das de CNBB (2016, n. 263). lazer, da educação e da cultura, dos impostos
21
e das responsabilidades sociais dos cidadãos. cer o passado. Quanto ao futuro, porém, não
Não se engendrará novo modelo de socieda- sabem mais do que os cidadãos, atuando
de por leis ou decretos. como cidadãos, não como especialistas.
A construção de novo modelo de vida po- Atualmente, a política mais importante é a
lítica não é assunto para especialistas, pois a que prepara as tarefas dos governos futuros, ajei-
sociedade global não é objeto de estudo de ne- tando o terreno, abrindo o espaço em que as en-
nhuma especialidade, de nenhuma ciência. É tidades políticas, as instituições antigas ou novas
problema de cidadãos, não de especialistas. poderão organizar o novo modelo de sociedade
Estes podem trazer dados, isto é, dar a conhe- que satisfaça as expectativas dos cidadãos.
Referências bibliográficas
BENTO XVI. Carta encíclica Caritas in Veritate. Brasília, DF: CNBB, 2009. (Documentos Pontifícios, 3).
CNBB. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019. Brasília, DF: CNBB, 2015.
(Documentos da CNBB, 102).
______. Campanha da Fraternidade 2019: texto-base. Brasília, DF: CNBB, 2018.
______. Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade: sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14).
Brasília, DF: CNBB, 2016. (Documentos da CNBB, 105).
CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes. In: SANTA SÉ. Concílio Ecumênico
Vaticano II: documentos. Brasília, DF: CNBB, 2018.
FRANCISCO. Exortação apostólica Evangelii Gaudium. Brasília, DF: CNBB, 2013. (Documentos
Pontifícios, 17).
FRIZZO, Antonio Carlos. A trilogia social: estrangeiro, órfão e viúva no Deuteronômio e sua recepção
na Mishná. 2009. Tese (doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro,
2009.
SICRE, José Luís. A justiça social nos profetas. São Paulo: Paulus, 1990.
22
Fraternidade
e políticas públicas
Nicolau João Bakker*
Introdução
Teologia Pastoral no Instituto Teológico São Paulo (Itesp/SP). a opção foi por um tema específico, no caso a
Publica regularmente em Vida Pastoral, REB, Convergência e “violência”, este ano temos novamente um
Grande Sinal. Acesso ao seus artigos em:
tema geral: “as políticas públicas”. Certamen-
•
Vida Pastoral
artigospadrenicolausvd.blogspot.com.br – E-mail:
nijlbakker@hotmail.com te pesa o fato de a Igreja, em razão de sua
23
configuração ainda predominantemente cle- o “amai-vos uns aos outros, como Eu vos
rical, sentir-se mais à vontade com aborda- amei” (Jo 15,12) define a essência do evange-
gens genéricas. Já os/as leigos/as, profissio- lho e da vida cristã. Uma das principais ca-
nalmente e no dia a dia, lidam com questões racterísticas das nossas CFs tem sido o empe-
específicas de educação, famí- nho em superar o assistencialis-
lia, trânsito, biomas, justiça do “As Campanhas mo. Mais do que em outros con-
trabalho, violência, e, na ques- da Fraternidade tinentes, a teologia entre nós
tão política, só podem atuar constituem um dos evoluiu no sentido de captar
“partidariamente”. As aborda- mais ricos legados melhor a necessidade de mudan-
gens genéricas são necessárias, das comunidades ças estruturais e sistêmicas. A
mas perdem sua utilidade se cristãs do Brasil” maldade individual e a coletiva
não abrirem perspectivas para a se alimentam mutuamente, po-
ação concreta. rém, mais importante do que combater o mal
Inicialmente gostaríamos de relembrar a nas pessoas, é combater as “estruturas de pe-
importância e a riqueza pastoral das CFs, jus- cado” (Sollicitudo Rei Socialis, n. 38), o mal
tamente agora no nosso tempo pós-moder- entranhado nos modos de ser da sociedade:
no, quando uma imaginária “volta ao sagra- seu modo específico de lidar com a econo-
do” parece sugerir que se abandone de vez a mia, a política, as questões sociais, culturais,
preocupação com as políticas públicas, ambientais etc. Assistir o pobre continua a
quaisquer que sejam. Em seguida, refletire- ser um testemunho poderoso da fé cristã,
mos sobre a necessidade de melhor elabora- mas não basta deixar as migalhas ao pobre
ção do que hoje se entende por “teologia pú- Lázaro. É preciso apontar também para a si-
blica”. Especialmente no mundo cultural do tuação injusta dos que “recebem os bens na
Ocidente, impuseram-se as democracias lai- vida”, enquanto outros, “por sua vez, os ma-
cas. Mas são realmente democracias? E qual a les” (Lc 16,19-31). É o que fez Jesus. Superar
laicidade que se pode admitir se todo ser hu- o assistencialismo não é um modismo apenas,
mano é, na sua essência, um ser religioso? Fa- fruto da teologia da libertação. Seu imperati-
lar em políticas públicas requer uma análise vo está solidamente ancorado no Magistério
teológica mais apurada sobre o que nós, como da Igreja. Basta dar uma olhada nos escritos
cristãos/ãs, podemos e devemos esperar de dos papas João Paulo II (Sollicitudo Rei Socia-
qualquer governo. Finalmente gostaria de lis, n. 38-43), Bento XVI (Caritas in Veritate,
apontar para algumas pistas pastorais concre- n. 56-58) e Francisco (encontros com os
tas na perspectiva da CF-2019, levando em movimentos sociais). O mesmo incentivo
conta especialmente uma experiência recente- encontramos na Doutrina Social da Igreja:
mente vivida num país onde a secularização DSI 184, 201, 208, 351 e 524. Na atual con-
alcançou, talvez, o seu grau mais elevado. juntura da nossa Igreja, percebemos, aqui e
ali, certo mal-estar com as CFs. Em muitos
1. As Campanhas da Fraternidade: um lugares, elas são simplesmente “esquecidas”.
legado insubstituível Enfrentar o mal sistêmico (este ano nas “po-
nº- 326
é Igreja”. De lá para cá, anualmente, num au- desânimo, especialmente no clero. Nunca é
têntico processo de “formação permanente”, hora de “jogar a toalha”, porém. As CFs
constituem um dos mais ricos legados das
•
24
2. O grande desafio da “teologia
pública”: qual o espaço da religião em Quando a fé
governos laicos?
se torna social
Pouco se tem falado no Brasil de uma
“teologia pública”, mas, crescentemente, me- Antonio Spadaro
lhor elaboração se impõe.1 Tratando, generi-
camente, de políticas públicas, a questão que
se coloca é: o que a teologia (e a Igreja) tem a
dizer sobre o dever do Estado, se este Estado
é laico e possui sua autonomia própria? Nesta
perspectiva, a Doutrina Social da Igreja, redi-
gida pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz”
e apresentada de modo orgânico em 2004,
traz rica fonte de informação e inspiração. O
nº 424 lembra o fundamento exposto na
Gaudium et Spes, n. 76: “No terreno que lhes
é próprio, a comunidade política e a Igreja
são independentes e autônomas”. No nº 571,
a autonomia política recebe limites: “A dou-
trina moral católica, todavia, exclui clara-
mente a perspectiva de uma laicidade conce-
48 págs.
a se exprimir.
torna-se pobre de motivações, e a política
assume um rosto oprimente e agressivo.
Os direitos humanos correm risco de não
ser respeitados, porque ficam privados
nº- 326
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
1
Cf. BAKKER, Nicolau João. O “mensalão/petrolão” e a
•
paulus.com.br
Vida Pastoral
25
mo, perde-se a possibilidade de um diá- ção religiosa onipresente, mais instituída e
logo fecundo e de uma profícua colabo- legalizada, caracterizada por grande respeito
ração entre a razão e a fé religiosa. A ra- à autoridade, às normas e às leis.
zão tem sempre necessidade de ser puri- Vejamos um exemplo. Na aldeia rural
ficada pela fé, e isto vale também para a onde nasci, todas as famílias católicas (sem
razão política, que não se deve crer oni- exceção!) frequentavam a missa dominical, e
potente. A religião, por sua vez, precisa muitas delas ainda uma segunda missa, de
sempre ser purificada pela razão, para manhã, além das vésperas cantadas à tarde.
mostrar o seu autêntico Ninguém deixava também de
rosto humano. A ruptura A religião precisa receber os sacramentos ofere-
deste diálogo implica um sempre ser cidos. Hoje, 50 anos depois,
custo muito gravoso para purificada pela já não existe um único vestí-
o desenvolvimento da razão, para mostrar gio daquela tradição. As mes-
humanidade. o seu autêntico mas famílias, antes sempre
rosto humano” presentes, hoje estão sempre
Cremos que estão aí os ausentes. No máximo umas
parâmetros principais para adequada teolo- 20 ou 30 cabecinhas brancas se reúnem para
gia pública. O que, contudo, mais importa, a celebração dominical, geralmente dirigida
do ponto de vista pastoral, é verificar o que por leigos. Os últimos padres vivos, também
esses parâmetros nos têm a dizer sobre polí- de cabeça branca, esforçam-se para atender,
ticas públicas, no atual contexto da realida- sozinhos, o que antes eram 5, 10 ou até 15
de brasileira. paróquias. Nesse país minúsculo, 1.200
(grandes) igrejas estão oficialmente à venda.
3. As políticas públicas e o Até os cegos podem ver que, em 20 anos, os
indispensável aporte da religiosidade bispos estarão lacrando a última das igrejas
humana ainda abertas. “Fechadas para reforma.”
Recentemente tive a oportunidade de Vitória final da secularização e fim da
passar um tempo na Holanda, país onde vivi Igreja católica na Holanda? Ledo engano. Ve-
até os meus 21 anos de idade e onde o pro- jamos outro exemplo. Seis anos atrás, perma-
cesso de secularização parece ter chegado ao neci também uma temporada na Holanda
seu nível mais elevado. Grande número de (onde ainda tenho muitos familiares) e, de
pensadores atuais entende que o fenômeno bicicleta, passei por uma grande igreja que
da secularização é fenômeno típico da mo- havia sido lacrada pelo bispo. Vendo a igreja
dernidade, sendo a tão comentada e atual aberta, entrei para ver. Encontrei um anima-
“volta ao sagrado” fenômeno típico da pós- do grupo de velhinhos e velhinhas, tomando
-modernidade. Nós entendemos que a mes- café após a celebração: “Nossa igreja foi fe-
ma modernidade continua existindo, mas chada pelo bispo, mas nós é que fizemos esta
adquirindo novas feições ou novas “fases”, igreja e nós a abrimos de novo!”, disseram.
aprofundando o clima laico da sociedade e Agora, seis anos depois, sabendo que a igreja
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atingindo faixas sempre crescentes da popu- acabou sendo comprada por uma grande
lação. Nessa perspectiva, a “volta ao sagrado” imobiliária, mandei um e-mail para uma das
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não é uma volta, mas o “aparecimento” de lideranças do grupo: “Que pena que a longa
centenas de novas formas de religiosidade batalha de vocês não frutificou e mais esta
humana e buscas de sentido que antes eram comunidade teve um triste fim”. Imediata-
•
Vida Pastoral
abafadas ou “invisibilizadas” por uma tradi- mente veio um e-mail de volta: “O senhor
26
está muito enganado. Nossa comunidade
agora se reúne no antigo conventinho tal e O evangelho social
tal, e venha nos visitar, ela está mais animada de Jesus
do que nunca!” De fato, encontrei o grupo O reino de Deus em
bem-disposto, acompanhado discretamente perspectiva mediterrânea
pelo ex-pároco (muito entristecido) e por
dois padres dispensados das obrigações deri- Bruce J. Malina
vadas de seu estado clerical, ambos casados e
bem animados. Além deles, milagrosamente,
alguns jovens participando do grupo! Um
desses jovens, bem formado, mas sem ceri-
mônia, disse-se: “Aquela Igreja de mitra e bá-
culo não nos empolga mais!”
Uma “comunidade de base” renascendo
das cinzas? Creio que sim. Para um observa-
dor atento, é fácil perceber que, debaixo de
uma laicidade mal digerida, existe fortíssima
procura de novas formas de espiritualidade e
buscas de sentido. O próprio “ateísmo mo-
derno”, tão em voga atualmente no mundo
ocidental, não passa de nova forma de lidar
com a fé. Deus – sempre um “mistério” ina-
176 págs.
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Vida Pastoral
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pluralista, a laicidade é um lugar de comuni- melhores frutos do Concílio Vaticano II. Leo-
cação entre as diferentes tradições espirituais e nardo Boff (mais crítico) teria usado para a
a nação”. Políticas públicas que não respeitam Renovação a mesma definição usada para as
as tradições espirituais das sociedades, hoje CEBs: “um novo modo de ser Igreja”. Os
multirreligiosas, não vêm ao en- teólogos, porém, ressaltam al-
contro daquilo que mais preser- “A melhor forma gumas diferenças significativas.
va uma democracia autentica- de lidar com Na nossa análise, uma vertente
mente humana: a boa ética so- políticas públicas (a das CEBs) absorveu mais ple-
cial e ambiental, que, quando é a constituição namente a secularização, a ou-
aberta ao transcendente, consti- de ‘fóruns sociais tra não. Para sobreviverem no
tui o coração de todas as religio- regionais’” mundo secular, ambas precisam
sidades existentes. abrir-se uma à outra. Tendo em
vista a CF-2019, quais propostas pastorais
4. Políticas públicas e a ação pastoral concretas surgem dessa abordagem?
concreta 1) A melhor forma de lidar com políti-
Entrando agora na ação pastoral con- cas públicas é a constituição de “fóruns so-
creta, seria oportuno nos aconselharmos ciais regionais”.
com um autor ainda pouco conhecido en- 2) Os “fóruns sociais regionais” devem
tre nós, mas atualmente com grande desta- estar abertos para ampla participação multir-
que nos países europeus: o teólogo, filóso- religiosa.
fo, sociólogo (e místico) tcheco Tomáš Ha- Já, já a explicação. Após argumentar que
lík. É professor de Filosofia e Sociologia na a secularização é um processo histórico irre-
Universidade de Praga e foi o confidente versível e universal, embora de feições muito
pessoal do papa João Paulo II. É considera- variadas, de acordo com o contexto histórico
do um dos autores que, com maior profun- local e a receptividade individual (também em
didade, aborda a questão da fé em socieda- meio ao clero), Tomáš Halík vai concluindo:
des seculares. Seus dois livros principais,
Paciência com Deus e A noite do confessor, “A Igreja dará a melhor resposta às diver-
são best-sellers na Europa. sificadas necessidades espirituais das fu-
Por que insistir no enfoque da seculariza- turas gerações se conseguir apresentar o
ção? Porque este não é apenas um problema cristianismo como um “modo de vida”
“do lado de lá”; a secularização é também for- com profunda dimensão espiritual e, como
te e crescente realidade entre nós. Quais são segunda característica, forte testemunho
as duas metodologias pastorais ou, podería- de solidariedade, especialmente para com
mos dizer, quais são as duas “Igrejas” que aqueles que foram excluídos dos bens da
mais se fazem presentes entre nós? Não são a sociedade” (A noite do confessor, cap. 9).
Igreja do movimento carismático e a Igreja
das CEBs? Há muitos motivos para concor- Qual o ponto central nas reflexões do
dar com isso. Quanto à Renovação Carismá- autor? A Renovação Carismática é uma re-
nº- 326
tica, seguimos o pensamento do teólogo Pe- presentante típica da religiosidade não secu-
dro Rubens,2 vendo no movimento um dos larizada: prioriza não a razão, mas a emo-
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ano 60
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textos históricos); trabalha bem a indispensá- não vem nem da esquerda nem da direita
vel adesão pessoal à fé, mas fecha a pessoa na [...] mas da profundidade, de uma profun-
sua tradição religiosa, sem mostrar as “estru- da renovação teológica e espiritual [cap. 9]
turas de pecado” que a aprisionam; mobiliza o [...]. Por isso, cada passo em direção [...] à
laicato, mas não desenvolve uma consciência formação de um novo clima social é da
crítica que possibilita superar o clericalismo. maior importância [cap. 11] [...]. Um dos
As CEBs, por sua vez, são exemplos típi- paradoxos do nosso tempo é este: aquela
cos de uma religiosidade mais secularizada. parte da Igreja que se considera ser seu
Nascem da mesma fonte conciliar, mas apre- “burgo inexpugnável”, na verdade, pode
sentam uma dinâmica oposta à da Renovação ser “a casa construída sobre a areia” [...].
porque usam uma metodologia diferente, Em diversos lugares neste livro [...] distan-
mais racional. Por confrontar a Bíblia e a teo- ciei-me dos “novos movimentos religio-
logia sempre com os contextos históricos sos” [...]. No calor do fervor religioso pode
(antigos e novos), captam melhor os “sinais não ser percebida a profunda crise em que
do tempo” e desenvolvem a consciência críti- o atual contexto religioso se encontra [...]
ca que favorece uma espiritualidade mais e assim perder a chance de um novo co-
profética ante as estruturas de pecado na so- meço [cap. 16].
ciedade (e até na Igreja). Quem, porém, pen-
sa que essa postura pastoral mais racional Claramente o autor, para o mundo secu-
está livre da tentação se engana muito. A se- lar que vem se impondo, não vê futuro nos
cularização é um processo histórico normal “renascimentos espirituais” à moda antiga,
de purificação da fé, mas, em virtude de sua mas também não vê futuro numa “solidarie-
índole racional, fica facilmente presa a uma dade” (das pastorais sociais) baseada exclusi-
racionalidade desvinculada da “dimensão es- vamente em modernos critérios racionais.
piritual” ressaltada por Halík. Ele insiste nes- Apenas a fé, que vai além da objetividade ra-
te ponto: a fé começa onde a ciência acaba. A cional (política, econômica, cultural etc.),
fé capta o que está para além do racional- pode indicar o rumo do “outro mundo” a
mente observável. Na sociedade secular, in- construir. Sem profunda dimensão espiritual,
sistir nessa fé é questão de vida ou morte. o mundo secular torna-se facilmente secula-
Diz o autor: rista ou antirreligioso. O Espírito de Deus,
presente em todo ser humano em qualquer
Religião, no sentido mais amplo desta pa- lugar do mundo, rebela-se contra isso. A bus-
lavra, é tão natural à vida humana quanto ca de um sentido para a existência faz parte
a ética, a estética ou o erotismo [...]. Muita da própria antropologia humana – faz parte
gente confunde a indispensável neutrali- da “gramática” humana, dizia Bento XVI –, e
dade religiosa (ou “confessional”) do Esta- apenas na fé é possível encontrar resposta.
do com uma nova forma de “ateísmo esta-
tal” [...]. A neutralidade religiosa do Esta- Conclusão
do é a garantia jurídica para a liberdade e Está aí toda a urgência da constituição
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com política” é uma postura política, as- com base na fé – requer imenso esforço,
sim também o “não se envolver com Deus” persistente e coletivo, da grande comunida-
reflete uma postura religiosa [...]. Estou de religiosa. Os fóruns não querem substi-
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Vida Pastoral
29
a ação de qualquer grupo ou entidade exis- especialistas da área; caminhadas ecológicas
tente. Querem, sim, “integrar” e “fortalecer” ou manifestações de protesto; participação em
esforços e interesses comuns. Basta uma reu conselhos e eventos municipais etc. O impor-
nião mensal dos representantes dos diferentes tante é trabalhar de forma multirreligiosa, com
grupos, pastorais ou entidades. Diversas dinâ- portas abertas também para grupos não reli-
micas são possíveis: inquirir a população sobre giosos (associações de bairro etc.), e que a fra-
suas propostas; apresentá-las às autoridades ternidade (a “solidariedade” nas políticas pú-
em encontros coletivos ou seminários; ouvir blicas) não deixe de acontecer.
Referências bibliográficas
BENTO XVI. Carta encíclica Caritas in Veritate. São Paulo: Paulus, 2009. (Documentos da
Igreja).
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Paulo: Paulus, 2004. (Documentos da Igreja).
HALÍK, Tomáš. A noite do confessor: a fé numa era de incerteza. São Paulo: Paulinas, 2014.
JOÃO PAULO II. Carta encíclica Sollicitudo Rei Socialis. Disponível em: <http://w2.vatican.
va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_30121987_sollicitudo-rei-
socialis.html>. Acesso em: 6 out. 2018.
A Reforma Litúrgica
(1948 – 1975)
Annibale Bugnini
30
Teologia do
Evangelho de Lucas:
um caminho sempre atual
Aíla Luzia Pinheiro de Andrade*
Maria Nivaneide de Abreu Lima**
**Maria Nivaneide de Abreu Lima é bacharela em Teologia discípulos, que aderiram a Jesus e foram im-
pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Possui pactados pela vida, palavras e comportamento
graduação em Letras – Português e Espanhol – pela
•
31
reencontraram, em sua ressurreição, sentido e – o serviço à Palavra com docilidade
resposta para a existência. pressurosa, percebendo os sinais dos tempos
É importante sublinhar que cada evange- e a urgência do Reino de Deus;
lho está referido a uma comuni- – a oração pessoal e a vivên-
dade determinada. Cada autor “O Evangelho cia litúrgica como “espaços” pri-
narra a história de Jesus de um de Lucas é uma vilegiados da experiência com o
modo que faça sentido para a proclamação Cristo ressuscitado, que evange-
comunidade à qual escreve e do acontecido liza o mundo atual mediante a
que suscite nela a adesão à sua com Cristo Jesus ação do Espírito Santo nos discí-
proposta do Cristo. Assim, os e da salvação pulos missionários.
evangelhos não são neutros; realizada por ele
pelo contrário, estão profunda- no mistério de sua 1.1 O autor e sua proposta
mente marcados pela fé da co- encarnação, morte O autor do Evangelho de Lu-
munidade, bem como por seus e ressurreição” cas seria um convertido ao se-
desafios e crises. Neste artigo, guimento de Jesus, proveniente
refletiremos sobre alguns aspectos do Evange- do ambiente da cultura helenista, pertencen-
lho de Lucas que poderão nos ajudar em nos- te à classe social alta, conhecedor da retórica
so caminho de seguimento de Cristo e em grega e da exegese judaica e muito familiari-
nossos esforços de evangelização. Nosso intui- zado com a versão grega do Antigo Testa-
to é apresentar a mensagem central do terceiro mento (LXX); um gentio que, entre os anos
evangelho, sublinhando seu caráter atual, de 80-85 d.C., escreve a comunidades cristãs
forma que a Palavra proclamada seja eficaz fora de Israel (CASALEGNO, 2003, p. 235-
para o tempo presente. 240), que não entendem a cultura na qual
surgiu a mensagem de Jesus. Sua intenção –
1. A obra lucana em seu projeto explicitada no prólogo do evangelho: “para
literário e teológico que conheças a solidez dos ensinamentos
O Evangelho de Lucas é uma proclama- que recebestes” (Lc 1,4) – revela seu interesse
ção do acontecido com Cristo Jesus e da sal- de revigorar a fidelidade ao ensinamento e à
vação realizada por ele no mistério de sua prática transmitidos pela tradição apostólica
encarnação, morte e ressurreição. É um ma- e garantir a autenticidade da doutrina, mos-
nual de catequese, que ajuda no processo de trando que as práticas e os ensinamentos as-
iniciação e de reiniciação à fé. É fruto do es- sumidos pelas comunidades de sua época
forço da Igreja depois de longo desenvolvi- estão enraizados no tempo de Jesus.
mento da prática evangelizadora. Assim, A perspectiva adotada pelo autor está em
apresenta as características de quem deseja se função da apresentação do cristianismo como
tornar discípulo missionário de Jesus e as uma continuidade e um desdobramento legí-
exigências que lhe são feitas, tais como: timos do judaísmo (cf. At 23,6; 24,21). O au-
– a opção radical por Jesus e pela pro- tor pretende afirmar que a salvação prometida
posta do Reino, na qual é priorizada a vida a Israel e realizada em Jesus é transmitida pela
nº- 326
plena para todos, sem discriminações ou corrente da tradição apostólica. Para isso, re-
privilégios; colhe as tradições sobre o ministério de Jesus,
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ano 60
fica assumir, com liberdade e responsabilida- cuja unidade é defendida pela maioria dos es-
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2005, p. 29-32). Desse modo, o autor indica
como as ações e as palavras de Jesus foram O Novo Testamento
compreendidas e prolongadas por seus discí-
em seu ambiente social
pulos (GEORGE, 1982, p. 6).
O Evangelho de Lucas e os Atos dos John E. Stambaugh e David L. Balch
Apóstolos, em sua unidade literária e teológi-
ca, apresentam o caminho profético e salva-
dor através do qual Deus Pai percorre um
trajeto com a humanidade, inicialmente com
o povo da aliança, depois por meio de Jesus e
das primeiras comunidades de seus seguido-
res e, enfim, com cada geração, até a plenitu-
de do Reino para todos preparado.
8,1) por palavras e obras: por meio de pará- SAC: (11) 5087-4214
bolas que mostram como se deve ouvir a Pa-
V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
lavra de Deus, dar-lhe atenção (cf. 8,4-21), e
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Vida Pastoral
33
(cf. 8,22-56). No sermão da planície, é apre- cobradores de impostos (cf. 19,1-10). Nesse
sentado como profeta, que traz uma mensagem ponto, mostra-se a opção por Jesus e o aban-
de fraternidade, filiação, amor e dono do ídolo das riquezas. O
misericórdia (cf. 6,12-49). “O caminhar com relato mostra o processo de ini-
Em Lc 9,51, Jesus toma de- Cristo deve ser ciação à fé realizado por Zaqueu.
cididamente o caminho de Jeru- entendido como No início, ele demonstra um fas-
salém (cf. 9,51-19,27), seguido relacionamento cínio por Jesus, mas poderia ter
por seus discípulos e grande profundo e íntimo se detido aí. A admiração por Je-
multidão. Seu destino é Jerusa- com Deus, tendo sus ainda não é uma adesão de
lém, centro e símbolo do antigo consequências vida aos propósitos do Reino. Foi
povo de Deus, o coração de to- práticas na vida a atitude de Jesus, contrária à da
das as expectativas e esperanças cotidiana” multidão, que levou Zaqueu a
de Israel, onde morrerá para en- uma fé madura, com consequên-
trar na glória e, desse modo, cumprir todas as cias práticas para a própria vida.
profecias a seu respeito (cf. 24,27). O caminhar de Jesus não termina com a
No caminho para Jerusalém, além das ins- chegada a Jerusalém e com a paixão que so-
truções acerca das condições do seguimento freu. Essa caminhada continua nas cenas se-
(cf. 9,51-10,42), da oração (cf. 11,1-13) e das guintes após sua morte, com os discípulos de
características do verdadeiro discípulo (FA- Emaús (cf. 24,28). Ela se conclui em Jerusa-
BRIS, 2006, p. 13) – para que os discípulos lém, quando, reunido com os discípulos, Je-
compreendam as implicações da mensagem sus sobe aos céus (cf. At 1,10-11) e derrama
de Jesus na práxis cotidiana –, é narrada a pa- o seu Espírito sobre a Igreja (cf. At 2,32.35).
rábola que foi universalizada com o título de Esta, por sua vez, continuará a “caminhar”. O
“o Bom Samaritano” (cf. 10,25-37). Nessa pa- protagonista dessa caminhada é, a partir de
rábola, a vivência do seguimento de Jesus é a então, a “Palavra”, que será anunciada com
execução da vocação do ser humano expressa intrepidez pelos apóstolos desde Jerusalém
na totalidade das Escrituras, vocação que, em até os confins do mundo, conforme o progra-
resumo, implica a tarefa de amar efetivamente ma apresentado em At 1,8.
a Deus e ao outro que nos interpela no cami-
nho para a vida eterna. 1.3 Assumir com liberdade e
No capítulo 15 do Evangelho de Lucas, responsabilidade as consequências da
encontramos três parábolas que tratam do opção por Cristo
tema da alegria em encontrar o que se havia Pensar a vida e a comunidade cristã à
perdido e nos revelam a maneira como Deus luz da metáfora do caminho implica aber-
age – norma para a vida dos discípulos e da tura a uma experiência dinâmica e pro-
comunidade cristã. Prosseguindo o caminho, gressiva, a uma aventura que brota do en-
continuam as instruções sobre o uso dos contro com Jesus e da adesão à sua pro-
bens (cf. Lc 16), sobre a espera vigilante do posta: “Segue-me” (5,27). É ao longo des-
Filho do homem (cf. 17,22-37; 18,1-8; se caminho que cada discípulo, de ontem
nº- 326
19,11-27) e sobre a salvação e o perdão uni- e de hoje, aprende do Senhor que o segui-
versais, oferecidos também aos excluídos e mento dele exige uma opção radical: “Se
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ano 60
pecadores (cf. 17,11-19; 18,9-14; 19,1-10). alguém quer vir após mim, renuncie a si
O último episódio da parte central do mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me”
•
Evangelho de Lucas, a grande viagem de Jesus (9,23); aprende que, nesse percurso, pode
Vida Pastoral
34
como na casa de Marta e Maria (cf. 10,38-
42), mas também recusa e rejeição, como Origem do sofrimento
no território dos samaritanos (cf. 9,53). do pobre
O caminho de Jesus oferece riscos, não se Teologia e antiteologia no
amolda ao projeto de alguém que pretende livro de Jó
viver um cristianismo light ou sonha com su- Luiz Alexandre Solano Rossi
cesso ou prestígio.
to, Jesus nos mostrou que essa atitude partia Vendas: (11) 3789-4000
de Deus mesmo: “Sede misericordiosos, como 0800-164011
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Vida Pastoral
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citado, passam por um processo de reinicia- relato pode ser organizado em cinco partes, a
ção na fé. Eles vão do desânimo à esperança saber: a) 13-16 – os discípulos se afastam, Jesus
e da religião à experiência de fé, se aproxima, mas os olhos estão
que consiste em uma adesão da “O processo de impedidos de reconhecê-lo; b)
própria vida ao projeto do Rei- assimilação do 17-24 – o diálogo de Jesus com os
no, celebrado e proclamado. acontecido com dois: frustração e desesperança; c)
Tornam-se discípulos e são in- Jesus se realizou 25-27 – a longa explicação das Es-
vestidos como missionários progressivamente, crituras; d) 28-31 – o convite, a
pelo Cristo ressuscitado, pre- ao longo de uma fração do pão e o reconhecimento:
sente na caminhada, na Palavra caminhada de abertura dos olhos; e) 32-35 – à
e na liturgia. É bom exemplo de reflexão sobre as experiência do encontro com o
como podemos, hoje, reencan- Escrituras à luz dos Senhor segue o retorno para a co-
tar os desencantados com o eventos pascais” munidade.
cristianismo. No relato, a abertura das Es-
crituras constitui um divisor de águas no itine-
2. O caminho para Emaús rário da fé pascal. Anteriormente, o aconteci-
O episódio do caminho para Emaús (cf. Lc do com Jesus parecia incompreensível, mas
24,13-35), resumo da obra lucana, encontra-se quem conhece as Escrituras, quem as com-
no contexto da atividade de Jesus em Jerusalém preende bem, é capaz de perceber a lógica do
(cf. 19,28-24,53), lugar onde acontece a pleni- agir de Deus na história. Por isso, Jesus re-
ficação da salvação operada em Cristo. O evan- preende a lentidão dos discípulos em crer que
gelista segue estruturando sua narrativa no con- ele ressuscitou. A explicação das Escrituras é
texto de uma caminhada e, como escreve na essencial para compreender o evento Cristo.
perspectiva da história da salvação, acentua a Os profetas dão testemunho da inevitabilidade
sucessão dos acontecimentos em um relato da morte de Jesus e da entrada dele na glória
marcado por oposições e contrastes entre seu do Pai (CASALEGNO, 2003, p. 195).
início e seu final, tanto no que diz respeito à O processo de assimilação do aconteci-
situação – no início os discípulos estão saindo do com Jesus se realizou progressivamente,
de Jerusalém (cf. v. 13) e, no final, retornam (cf. ao longo de uma caminhada de reflexão so-
v. 33) – quanto o que toca à sua compreensão, bre as Escrituras à luz dos eventos pascais.
passando da ignorância ao conhecimento: no Tal processo consistiu não apenas na abertu-
início estão com os olhos impedidos de ver (cf. ra das Escrituras, mas também em longo
v. 16), no final estes se abrem e reconhecem percurso pela história de Jesus, consideran-
Jesus (cf. v. 31) (SKA, 2001, p. 48-49). do-a inserida na história do povo de Israel.
Essa estrutura nos revela ser preocupação Os discípulos releram toda a vida de Jesus à
do autor a transmissão de uma experiência que luz da páscoa, pois a ressurreição não tem
é fundadora para a comunidade. Experiência sentido em si mesma, mas ganha sentido por
que todo cristão deve fazer para seguir Jesus. O meio da correspondência com o modo como
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Jesus viveu e morreu. Há íntima relação entre
a vida, a morte e a ressurreição de Jesus. Como ler o livro de Amós
No final da caminhada para Emaús, a A denúncia da injustiça social
meta foi atingida. Verdadeiramente o Senhor
Euclides M. Balancin e Ivo Storniolo
ressuscitou! E agora? O que fazer, senão re-
tornar à comunidade? De fato, esse itinerário
não teria sentido se não fosse partilhado, se
não fizesse parte da experiência de uma co-
munidade. Por isso a urgência de retornar a
Jerusalém para anunciar os acontecimentos
do caminho, uma vez que essa experiência
não é vivida isoladamente, mas em comuni-
dade, junto àqueles que professam e vivem
essa mesma fé no Ressuscitado.
A cidade de Jerusalém simboliza o lugar
de irradiação da salvação. Não é simples-
mente um lugar geográfico, mas sim teoló-
gico. Para Lucas, as nações todas não preci-
sarão se dirigir a Jerusalém para obter a sal-
vação. Ao contrário, é Jerusalém, simboliza-
da por cada cristão, que irá a cada nação
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Vida Pastoral
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de Deus. Assim, o relato da caminhada de seguimento de Jesus e da opção por ele.
Emaús torna-se uma catequese pascal, cujo O ponto de partida da catequese pascal situa-
ponto de partida é o evento Cristo. Portanto, -se na realidade existencial das pessoas com as
para compreender a ressurreição de Jesus, é quais Jesus se encontra. Isso porque o conteúdo
necessário vê-la em continuidade com sua da fé cristã é a vida de Jesus e, por isso, tal fé so-
vida e morte; ou seja, a história de Jesus não mente poderia ser acolhida na situação existencial
termina na cruz. de cada pessoa e por meio da pertença à comuni-
No processo de abertura dos olhos dos dade. Não obstante, mesmo partindo de uma si-
discípulos, a explicação das Escrituras torna- tuação existencial, a experiência com o Ressusci-
-se indispensável. Ela prepara o terreno com tado é sempre uma proposta. Esta vem de fora,
suas sementes, cujos frutos serão colhidos pois é Jesus quem interpela as pessoas pela media-
mais tarde, na “fração do pão”. E as sementes ção da comunidade, a qual guarda e transmite o
lançadas despertam nos ouvintes o desejo de depósito da fé. A comunidade narra esse evento
ser discípulos de Jesus, de se pôr a caminho para que o ouvinte de todos os tempos se ponha a
com ele, de conhecê-lo mais intimamente, e caminho, faça o mesmo percurso e se deixe inter-
para isso é necessário entrar na dinâmica do pelar pelo Senhor, como fizeram os discípulos.
Referências bibliográficas
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RICHARD, P. O movimento de Jesus depois da ressurreição: uma interpretação libertadora dos Atos dos
nº- 326
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Loyola, 2001.
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STORNIOLO, I. Como ler o Evangelho de Lucas: os pobres constroem a nova história. 5. ed. São Paulo:
Vida Pastoral
Paulus, 1997.
38
homiléticos
Roteiros
Também na internet:
vidapastoral.com.br 8º Domingo do Tempo Comum
3 de março
A humanização
*Luiz Alexandre Solano Rossi é
das relações interpessoais
doutor em Ciências da Religião
pela Universidade Metodista de I. Introdução geral
São Paulo (Umesp) e pós-doutor A liturgia deste 8º domingo do Tempo Comum nos pro-
em História Antiga pela
Universidade Estadual de Campinas
põe uma reflexão sobre a maneira pela qual nos construímos
(Unicamp) e em Teologia pelo como discípulos e discípulas no seguimento de Jesus Cristo. É
Fuller Theological Seminary preciso ter consciência de que estamos sempre em processo de
(Califórnia, EUA). É professor no
programa de Mestrado e ser discípulos. Não se trata de projeto que atinge seu fim em
Doutorado em Teologia da determinado ponto de nossa vida. Nesse processo de progre-
Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUCPR). Publicou diversos
dir sempre, a maturidade se faz presente, e a cada dia nos pa-
livros, a maioria pela PAULUS, entre recemos mais com Jesus Cristo: “Não vivo eu, mas Cristo vive
os quais: A falsa religião e a em mim” (Gl 2,20).
nº- 326
solidariedade; A origem do
A segunda leitura nos traz a teologia da ressurreição de
Pastoral
39
Roteiros homiléticos
Jesus. Num ambiente em que, mesmo na co- que, no movimento dele, as relações mútuas
40
devem ser diferentes e diferenciadas. Lucas,
portanto, não somente mostra Jesus interes- Amoris lætitia: sobre
sado na proclamação da boa notícia do Rei-
o amor na família
no; vai além da proclamação do querigma, ao Exortação apostólica pós-sinodal
inserir em suas palavras as exigências do do Papa Francisco
amor cristão. De fato, de pouco valor seria
um movimento no qual seus integrantes fos-
sem absolutamente responsáveis quanto ao
querigma e completamente irresponsáveis no
cuidado com o próximo.
Os discípulos são chamados a ser guias
de outras pessoas. Todavia, como poderiam
guiar os outros se não conhecem o caminho
a fazer e a direção a seguir? Guiar pessoas
exige clareza tanto dos caminhos interiores
quanto dos caminhos exteriores. Por isso, é
possível também concluir que a máxima so-
bre um cego guiar outro cego se relaciona
como a máxima sobre não julgar; dessa for-
ma, cego seria aquele que não consegue reco-
nhecer os próprios defeitos, isto é, alguém
incapaz de elaborar uma autocrítica. Assim, a
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Vida Pastoral
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Roteiros homiléticos
que alguém possa ter de corrigir os outros a presença de Jesus promove dupla constru-
antes de haver aplicado a si mesmo as mes- ção em seus seguidores: produz não só ínti-
mas normas de correção. ma e necessária relação com ele como mes-
A metáfora das árvores que Lucas utiliza tre, Senhor e salvador, mas também íntima e
nos vv. 43-44 é emprestada das leis da natu- necessária relação de comunhão uns com os
reza e facilmente compreendida no âmbito outros, a fim de que a vida de Cristo brilhe
do comportamento moral. O fruto como em meio aos relacionamentos.
imagem de ações boas ou más não é inven- Muito possivelmente, poderíamos resu-
ção do evangelista; de fato, já a encontramos mir a mensagem de Cristo desta forma: so-
no Antigo Testamento, em textos como Os mos definidos pela maneira como nos rela-
10,13, Is 3,10, Jr 17,10 e 21,14. cionamos. Em conformidade com essa possi-
“A boca fala daquilo que o coração está bilidade, algumas perguntas são necessárias
cheio” é sentença que leva a refletir sobre o para a nossa reflexão:
que se armazena no coração. Aquilo que se – Se somos definidos pela maneira como
extrai do coração – tanto o que produz o nos relacionamos, como nos definimos?
bem quanto o que produz o mal – é sempre – Se somos definidos pela maneira como
um ato segundo; afinal, o ato primeiro será, nos relacionamos, como as outras pessoas
invariavelmente, aquilo que se armazenou nos definem?
com antecedência.
1º Domingo da Quaresma
III. Pistas para reflexão 10 de março
Uma das expressões mais importantes
para os discípulos e discípulas de Jesus Responsabilidade
pode ser resumida nas palavras “progredir
sempre”. Não nascemos prontos. Talvez por e protagonismo
isso encontramos, em nossas leituras, metá-
foras que se relacionam com o crescimento.
Assim, o discípulo é aquele que se encontra
de cada cristão
permanentemente em processo. Não se
contenta em apenas dar alguns passos ou I. Introdução geral
produzir alguns frutos. Sente-se incomoda- Ser protagonista exige responsabilidade.
do ao se perceber como menos quando po- Muito mais fácil é permanecer na dependên-
deria ser mais. No sentido específico da pa- cia dos outros e deixar que decidam tudo
lavra, o discípulo não é medíocre, ou seja, quanto for necessário. Por causa dessa aco-
não é “mediano”. Ele, por se saber sempre modação, muitos deixam de ser senhores de
em processo de construção, não se contenta si mesmos e abandonam a autonomia que
em ser mediano. Com efeito, ao seguir Jesus lhes é própria. Deus, quando se insere na his-
Cristo, não podemos nos relacionar com ele tória dos escravos no Egito, age como prota-
com base em migalhas. Nesse processo, ou gonista, libertando-os. Todavia, o protago-
nº- 326
nos entregamos totalmente a ele, ou não nos nismo divino abre as portas para que os es-
entregamos. cravos se sintam estimulados a assumir eles
•
ano 60
42
na terra prometida um projeto de liberdade
que nasceu, para eles, do próprio Deus. A ditadura continuada
Fatos, factoides e partidarismo
II. Comentários aos textos da imprensa na eleição de
bíblicos Dilma Rousseff
1. I leitura: Dt 26,4-10 Jakson de Alencar
A primeira leitura representa não somen-
te uma confissão de fé, como também um
itinerário espiritual. O povo se encontrava
numa jornada que incluía desde o desapare-
cimento até a escravidão, seguida de requin-
tes de violência, situação na qual não parecia
haver nenhum tipo de esperança de que um
dia a vida iria melhorar. Em meio à brutaliza-
ção da vida e à antecipação da morte, os es-
cravos clamaram a Deus, e o seu clamor foi
ouvido por ele. Aflição, sofrimento e opres-
são ameaçavam e, na verdade, punham abai-
xo não somente o presente, mas também o
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Roteiros homiléticos
desejam instalar, ele combate cada uma das fraqueza e esgotamento não são nada se com-
tentações com a libertação que vem da Palavra parados com duas expressões que fazem toda
•
ano 60
poderíamos imaginar; revela que Jesus tinha sus parece ser mais fraco que ele é mais forte!
44
III. Pistas para reflexão A felicidade e a realização
– Na experiência do povo do êxodo, Deus
humana no trabalho
se manifestou desde a periferia do Egito. Em Elementos fundamentais à luz
meio àqueles/as destinados a morrer antes do da Doutrina Social da Igreja
tempo e a viver marcados pela dor e pelo deses-
pero, aí Deus fez seu lugar preferencial. Aqueles Anderson Francisco Faenello
que haviam sido esquecidos pelos governantes
e por seus deuses foram objeto preferencial e
solidário do amor divino. Desde a periferia
existencial, econômica e social dos escravos/as
é que se dá a mais bela das experiências da ação
de Deus na história. Ele caminha pelas perife-
rias do mundo. E por onde vão nossos passos?
– Uma das tentações mais fortes e mais pre-
judiciais ao povo de Deus é a tentação do po-
der. Não conseguimos compreender como o
poder, na dimensão evangélica, está extrema-
mente ligado ao serviço. Podemos até mesmo
sair vencedores em dois dos três rounds das ten-
tações. No entanto, fazemos questão de sucum-
bir diante da tentação do poder. Afinal, deseja-
144 págs.
da caixa”
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Roteiros homiléticos
de ser e de viver. Cristalizamos de tal manei- mos frágeis! Não somos tão fortes quanto
ra, que até Deus parece ser incapaz de alterar. pensávamos. Às vezes, podemos até nos
Vivemos engessados e, por isso, temos difi- apresentar como fortes e fazer cara de fortes.
culdades de pensar “fora da caixa”. Tudo pa- Isso, contudo, não dura muito tempo. O nor-
rece já bem decidido e refletido. Não damos mal é termos consciência da fraqueza huma-
espaço a novas possibilidades, novas desco- na. Se somos fracos, é forte quem nos acom-
bertas, novos caminhos, novos estudos, no- panha. Essa é a experiência de Abraão. Não
vas percepções. Em determinado momento há problema quando alguém se sente muito
da vida de Abraão, Deus o chamou para sair fraco ou com medo. O ruim é a pessoa se
de si mesmo, para sair de sua terra, para sair sentir com muito medo e se esquecer de que
de sua tenda, para ver, de maneira nova, o junto a ela está alguém todo-poderoso, que
céu que já havia visto inúmeras vezes. Deus supre a fraqueza humana com a sua força di-
sempre deseja que vejamos de forma diferen- vina. Não é errado sentir medo, não é peca-
te. Pensar fora da caixa é permitir-se estar do. Não podemos, porém, ser reféns do
aberto às muitas surpresas de Deus. medo, só porque ele tem a força de nos para-
lisar e nos impedir de caminhar pelos lugares
II. Comentários aos textos para onde Deus nos convida. O medo impe-
bíblicos de que pensemos, sonhemos, acreditemos
1. I leitura: Gn 15,5-12.17-18 nas coisas de Deus. Até pode inviabilizar o
Deus conduziu Abraão para fora de sua projeto do Pai.
tenda não apenas para que visse algo novo, Faz-se necessário que repensemos o que
mas também para que pensasse algo novo, somos, ao vivermos essas experiências nega-
isto é, para que pensasse fora da caixa! Uma tivas. Abraão sente medo, mas não vai viver
das maiores dificuldades é nos considerar- com medo a vida toda. Episodicamente, ele
mos, de fato, filhos e filhas de Deus. Muitas tem experiências de medo. Muito mais do
vezes não acreditamos em Deus como deve- que isso, no entanto, tem a certeza de que o
ríamos. Quando erguemos os olhos ao céu, Deus que o acompanha é aquele que garante
precisamos também acreditar que o Deus coragem sobre o medo e poder sobre a fra-
que criou a multidão incontável de estrelas é queza. Um texto que demarca a experiência
o mesmo que verdadeiramente caminha jun- cotidiana de Abraão: “o sol se pôs e veio a
to a nós e dentro de nós. Acreditar é empe- noite”. Deus se relaciona conosco na ordem
nhar a vida. É se projetar em Deus. Não é do cotidiano. As experiências que temos com
apenas um sentimento que passa pelo cora- Deus se inserem na ordem do dia. Para nos
ção; tem algo de prático, que nos leva a dedi- relacionarmos com ele, não podemos negar a
car o que somos ao próprio Deus. Não é mero história de nossa vida ou negar o mundo em
exercício mental. Novamente o texto revela a que vivemos. No dia exato, Deus novamente
fragilidade de Abraão. As situações se tornam aparece e se insere na nossa vida; acontece,
difíceis. Nem sempre temos controle sobre os então, uma experiência significativa.
fatos que ocorrem em nosso dia a dia. Quan- Uma orientação clara do texto: Deus fala
nº- 326
seu coração numa velocidade vertiginosa. So- humano, caminha com ele como companhei-
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ro e faz uma aliança. Não é só diálogo, vai apareceram e conversavam com ele: Moisés e
muito além. Não apenas conversa, não joga Elias. Conversavam a respeito do conflito final
conversa fora... Faz uma aliança, um acordo, que, no texto, é tomado como “êxodo”.
que nos leva a viver uns para os outros, uns Depois de acordar de sono profundo, Pe-
se doando aos outros. Não é apenas para vi- dro entra na conversa e dá sinais de que não
vermos uma experiência (ainda que seja uma estava sintonizado com o projeto de Jesus.
experiência maravilhosa). Deus se envolve Poderia um discípulo, mesmo após um tem-
em nossas experiências de vida. Quer que se- po considerável, não compreender os planos
jamos seus filhos e filhas. É algo muito mais do mestre? Parece justamente esse o caso de
profundo. É algo que faz a diferença entre Pedro. O texto bíblico é de clareza impressio-
sermos filhos bem conhecidos de Deus. Co- nante: “Ele não sabia o que estava dizendo”.
nhecer a Deus significa fazer aliança com ele. “Mestre, é bom estarmos aqui”, diz Pe-
dro. Ele reconhece a experiência sublime que
2. II leitura: Fl 3,17-4,1 está vivendo. Na verdade, se pudesse, o após-
Imitar a Paulo porque ele é imitador de tolo congelaria esse momento para eternizá-
Jesus. Paulo apóstolo frequentemente se apre- -lo. É o momento em que a antiga e a nova
senta como modelo. Sabe que tem algo a ofe- aliança estão presentes. Dois grandes perso-
recer. Nem sempre é fácil ou simples apresen- nagens da antiga aliança se apresentam me-
tar-se como modelo aos outros. No entanto, moravelmente. Pedro, Tiago e João são teste-
em que perspectiva Paulo será modelo? Pode- munhas privilegiadas desse evento. Pedro,
mos observar que o v. 18 nos ajuda a respon- contudo, fala mais rápido do que pensa: “Va-
der. É modelo pelo caminho da cruz que esco- mos armar três tendas: uma para ti, uma para
lheu. Muitos outros escolhiam o caminho da Moisés e outra para Elias”.
facilidade, do comodismo e da glória pessoal. Ele se deixou encantar com o que via e
Paulo, ao contrário, escolheu o caminho da resolveu acomodar todos no alto da monta-
humilhação, do sofrimento, do esvaziamento nha. Nem mesmo se mostrou incomodado
de si próprio. Nesse sentido, o apóstolo, como com a falta de uma tenda pessoal. Que Jesus,
discípulo que era, reproduzia em si os mes- Moisés e Elias ficassem bem acomodados,
mos sentimentos que havia em Jesus. Isto é ser contanto que fosse no alto da montanha. O
discípulo: trazer na própria vida as marcas/ grande problema é que Pedro, ao fixar o
características que lembram o Cristo. Cada olhar no alto da montanha, se esqueceu da
discípulo, de fato, deveria reproduzir em si missão que deveria acontecer na cidade. Qual
mesmo, em seu modo de viver, os mesmos seria a relevância de um evangelho restrito a
sentimentos existentes em Jesus. Dessa forma, poucas pessoas no alto de uma montanha?
seremos modelos uns para os outros. Talvez o apóstolo esperasse, com essa
atitude, desviar Jesus de sua missão. No en-
3. Evangelho: Lc 9,28b-36 tanto, uma voz celeste afirmou: “Este é o
Em certa ocasião, Jesus levou três discípu- meu Filho escolhido. Ouçam-no!”. Para Je-
los seus para rezar: Pedro, Tiago e João. Foram sus, a missão devia realizar-se em meio ao
nº- 326
divinas. Quando Jesus estava rezando, aconte- trocar o conflito pelo conforto de uma visão
ceu uma mudança espetacular: o rosto dele celestial, enquanto Jesus queria que suas pa-
mudou de aparência e sua roupa ficou branca lavras e ações fossem relevantes na história
•
Vida Pastoral
e brilhante. Além disso, duas outras pessoas do povo pobre que o seguia.
47
Roteiros homiléticos
O verdadeiro discipulado não é aquele árvore frutífera que não produz frutos? Às
que se esconde em visões celestiais, e sim o vezes, quando restringimos essa experiência
que assume as contradições da história, en- de Jesus ao universo das árvores, pouco nos
carnando os valores do evangelho. incomodamos. E se, porém, em vez de árvo-
res, pensássemos que Jesus está diante de
III. Pistas para reflexão cada um de nós à procura de frutos? Qual
– Deus nos fala em meio ao cotidiano. seria a ação dele?
Por isso se faz necessário sermos bons intér-
pretes da realidade, a fim de o encontrarmos II. Comentários aos textos
justamente aí. Muitas vezes, temos predile- bíblicos
ção por um evangelho que nos desconecta da 1. I leitura: Ex 3,1-8a.13-15
vida e nos faz perder nossas raízes. Deus, po- Estamos no monte Horeb (também co-
rém, revela-se dentro da história. Por isso é nhecido como Sinai), “a montanha de Deus”.
necessário valorizar o cotidiano como lugar Nesse local, Moisés viverá uma experiência
privilegiado de encontro com Deus. Sim, ele extraordinária, que o marcará para o resto
nos chama para vivermos um evangelho inte- da vida. Ele é atraído pela manifestação di-
gral na história, assumindo-a, ao construir- vina e não acredita no que seus olhos veem:
mos nela o Reino. um arbusto que queima e não se consome.
– Vivemos numa sociedade que, a todo Nesse momento, contudo, recebe uma ad-
momento, produz modelos e os expõe 24 ho- vertência: deve tirar as sandálias dos pés,
ras por dia. No entanto, são modelos que não porque o lugar em que se encontra é terra
se sustentam, porque são frágeis e artificiais. santa. Moisés é um errante que está fugindo
A quem devemos imitar? Quais modelos de- de si e dos outros. Contudo, nesse encontro,
vemos eleger para orientar a vida de nossos Deus lhe reaviva a memória, dizendo: “Eu
filhos? É claro que Jesus é o modelo mais sou o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”.
bem-acabado que pode existir e que vale a Não era um deus ligado ao império egípcio,
pena imitar. Paulo descobriu essa verdade e o que promovia escravidão e morte; não era
imitava. Por isso, podia dizer com toda a uma divindade que legitimava os atos vio-
convicção: sejam meus imitadores. Quanto a lentos do império.
nós, poderíamos dizer a mesma coisa? O Deus que falara com os antepassados
de Moisés continuava falando. Agora, fala
3º Domingo da Quaresma dentro de uma situação de profunda dor: “Vi
24 de março a aflição do meu povo... Ouvi seu clamor por
gueira e percebeu que nela não havia fruto do povo. Não é somente um Deus que fala.
algum. Depois de um tempo, passou nova- Trata-se de um Deus que ouve e age; que não
mente e, mais uma vez, não encontrou abso- permanece numa zona de conforto, enquan-
•
Vida Pastoral
lutamente nada. Qual é a utilidade de uma to o povo sofre toda sorte de violências que
48
antecipam a morte. Além disso, é um Deus tação a Deus (v. 9) e na murmuração (v. 10).
que vê o que acontece com os escravos: seus O que determina a vida cristã não é a autos-
olhos estão voltados para os que sofrem, para suficiência, mas a atitude de dependência
as vítimas do reino das trevas, representado, diante de Deus.
nesse momento, pelo império egípcio.
Deus desce, mas não como os deuses do 3. Evangelho: Lc 13,1-9
faraó, que, ao descerem, permanecem ao re- A parábola tem como função principal
dor daquele que tem o poder e promove seu causar certo impacto no ouvinte e arrancar
reino à custa de milhares de vítimas. Deus uma resposta. Não há, diante de uma parábo-
desce em direção à periferia do Egito e se so- la, a possibilidade de ficar neutro; é necessá-
lidariza com os oprimidos; identifica-se com rio que o ouvinte responda! Na parábola da
os escravos e cria para eles nova possibilida- figueira estéril, encontramos três referenciais:
de histórica numa terra que mana leite e mel, o dono da parreira, Deus; o cultivador de
onde poderão construir nova sociedade, ca- uvas, Jesus; a figueira estéril, o povo judeu.
racterizada por relações que já não sejam A audiência dessa parábola eram os judeus
marcadas pela violência e pela escravização, e que, apesar de sua pompa religiosa, deixavam
sim pela solidariedade e pela fraternidade. de lado o espírito de arrependimento. Eles
achavam que, pelo simples fato de morarem em
2. II leitura: 1Cor 10,1-6.10-12 Jerusalém, seriam superiores a todos os outros,
Há, na segunda leitura, clara orientação assumindo um comportamento radicalmente
de Paulo aos coríntios: devem caminhar re- condenado por Jesus (cf. Lc 13,4-5).
cordando a história da salvação. Para isso, o Aquela figueira era marcada pela esteri-
apóstolo segue uma ordem: nuvem (cf. Ex lidade. Nos três primeiros anos, esperava-se
13,21), mar (cf. Ex 14,21), maná (cf. Ex que a árvore crescesse (cf. Lv 19,23). No en-
16,4), água (cf. Ex 17,6), revolta (cf. Ex tanto, já eram passados seis anos (cf. v. 7) do
32,6). A caminhada da libertação do povo seu plantio e, como não produzira nada,
havia sido marcada pela ambiguidade; por confirmando sua esterilidade, não cumpria
isso, ao fazer memória da história, Paulo de- sua missão. Há um propósito específico
seja reavivar os coríntios e comparar a histó- para a figueira, assim como há para cada di-
ria da peregrinação pelo deserto com a expe- ferente árvore frutífera. No caso da figueira,
riência atual da comunidade. Pedagogica- seu propósito consiste em produzir figos.
mente, demonstra que os crentes coríntios Para a da parábola, não bastava fazer som-
poderiam cair em adversidades tão fortes bra e abrigar pássaros. Afinal, qualquer ár-
quanto as dos israelitas no deserto. vore podia abrigar pássaros em seus galhos
Paulo faz belíssima releitura da história e fazer sombra. Aquilo que era específico da
de Israel, para atualizá-la na comunidade de figueira, próprio de sua natureza, ou seja,
Corinto. Assim, a nuvem e o mar prefiguram produzir figos, não acontecia.
o batismo; o maná e a água da rocha simboli- A natureza de uma árvore é conhecida
zam a presença constante de Cristo, que pelos frutos que produz (cf. Mt 7,16). À se-
nº- 326
rações, mas passa a aplicar à realidade do estavam exercendo sua missão. Ao contrá-
povo de Deus em Corinto os fatos negativos rio, com sua falsa religiosidade, impediam
do deserto, a saber: não cair na cobiça (v. 6), que as pessoas se relacionassem com Deus.
•
Vida Pastoral
na idolatria (v. 7), na impureza (v. 8), na ten- Não se apresentavam, portanto, como elos
49
Roteiros homiléticos
de comunhão, e sim como empecilhos. Ne- por isso, vê, conhece, ouve e visita seu povo,
les não se encontravam o perdão (cf. Mt para libertá-lo. Não se trata de um Deus in-
18,35), a misericórdia (cf. Mt 9,13) e a jus- sensível, que se acomoda numa zona de con-
tiça (cf. Lc 11,42). forto. Ele está atento ao sofrimento do seu
O drama vivido pela figueira não se rela- povo e age a favor dele. Deus não é marcado
cionava com a qualidade de sua sombra pela passividade e pela apatia. Nele encontra-
nem, muito menos, com a beleza de suas mos ação libertadora e coração generoso.
folhas. O problema estava na ausência per-
manente de frutos. A árvore é conhecida pe- Aíla Luzia Pinheiro Andrade
los frutos que produz, e a ausência de frutos
impede a verdadeira identificação de sua 4º Domingo da Quaresma
natureza. Nesse caso, ela perde seu sentido 31 de março
de existir; torna-se inútil.
O problema da esterilidade da figueira
não estava, portanto, em sua aparência, e É necessário
sim na sua raiz, no seu coração. O viticultor
(Jesus) acena com esperança para recuperar celebrar
a figueira estéril, dando tratamento às raí-
zes. Sem dúvida se trata de ação recheada de
esperança e graça. Jesus se apresenta como o
a reconciliação
cultivador que quer fazer algo excepcional e I. Introdução geral
não costumeiro, ou seja, quer tentar a últi- Nas leituras de hoje, há um convite para a
ma ação possível. Não se trata necessaria- celebração e para a reconciliação. Nesse convi-
mente de uma declaração de julgamento, te, está implícita a necessidade de mudarmos
mas sim de conversão. A misericórdia de nossa visão sobre Deus e, consequentemente,
Deus chega a ponto de suspender a decisão nossa relação com ele. Deus não é como o fa-
de castigar que já fora tomada. Em Jesus en- raó do Egito, e nós não devemos manter com
contramos profunda graça e misericórdia, ele uma relação interesseira, mas de amor gra-
que faz nosso coração se converter e produ- tuito e filial. Somente à luz desse novo olhar
zir frutos em abundância. para Deus é que poderemos compreender o
modo pelo qual ele atua na história. Enquanto
III. Pistas para reflexão pensarmos que somos justos, faremos mau
– Pelo fruto os conhecereis, disse certa vez julgamento das pessoas que não seguem nos-
Jesus. Uma árvore boa não pode produzir fru- sos padrões religiosos. Agindo assim, seremos
tos ruins, e uma árvore ruim não pode produ- incapazes de sentir a necessidade de reconci-
zir frutos bons. Se estamos inseridos em Jesus, liação com Deus e com o próximo.
damos bons frutos. Trata-se, no final, exata-
mente disto: qual o fundamento de nossa II. Comentários aos textos
vida? Quais frutos produzimos por causa de bíblicos
nº- 326
vivemos marcados pela esterilidade e as pes- da obra de Jesus: Deus sai em busca do per-
soas não encontram fruto algum em nós? dido. Os vv. 1-3, introdutórios, apresentam o
– O Deus que se revela nas Escrituras não contexto e a motivação das parábolas. Os co-
•
Vida Pastoral
50
ximam de Jesus para ouvi-lo, enquanto os
fariseus e os escribas criticam a atitude de Novo Comentário Bíblico:
Jesus, que toma refeição com os pecadores.
São Jerônimo
Sabe-se que participar da mesma mesa signi-
Novo Testamento
fica comungar das ideias e do estilo de vida.
e artigos sistemáticos
Ao partilhar a refeição com os pecadores, Je-
sus põe em jogo sua reputação de homem de Raymond E. Brown, Joseph A.
Deus. Mas as parábolas que ele contará vão Fitzmyer e Roland E. Murphy (orgs.)
contrapor-se às murmurações dos seus ad-
versários, mostrando a ação do Pai, que se
reflete na atuação de Jesus.
O texto se divide em duas cenas: o filho
mais jovem (15,11-24) e o filho mais velho
(15,25-32). Estas são unidas pela ação do
pai, o protagonista de todo o relato. O ponto
central é o encontro com o pai, comentado
pelo refrão que sela toda a cena: “Este meu
filho estava morto e tornou a viver, estava
perdido e foi encontrado” (15,24).
Os vv. 11-16 narram a situação do filho
mais novo, sua emancipação e o desperdício
de sua herança. A herança não significa exa-
1800 págs.
digno de ser acolhido como filho. Por fim, re- Vendas: (11) 3789-4000
cordando-se da bondade do pai, que não mal- 0800-164011
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Vida Pastoral
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Roteiros homiléticos
filho amado. Ordena aos empregados que tra- mente, a gratuidade do Senhor, que os
gam roupa nova, joia e sandália, para que o amou e os libertou da escravidão, os ali-
filho seja restituído em sua dignidade filial. mentou e lhes deu uma terra onde pudes-
Em seguida, exige que se celebre o retorno à sem viver com dignidade.
vida. É a alegria pelo pecador que foi converti- Portanto, o texto enfatiza esse novo co-
do, pelo perdido que foi encontrado. Aqui se meço, essa nova etapa na vida e na história de
justifica a atitude de Jesus de partilhar a refei- Israel que implicava uma ruptura com a de-
ção com os pecadores. sobediência do deserto. A celebração da Pás-
Nos vv. 25-32 entra em cena o filho mais coa atualiza, ritualmente, a libertação da es-
velho. Ele se ressente porque o pai acolheu o cravidão, mas também serve para fazer me-
filho mais novo sem reservas. O ressentimen- mória da história, aprender com os erros e
to o leva a manter-se fora, a não comungar solidificar a fidelidade a Deus.
com a atitude paterna, e por isso até critica o Além de enfatizar a reconciliação na cele-
pai. Este sai ao encontro desse filho também bração da Páscoa, o texto ressalta que os he-
e suplica-lhe que entre, pois é necessário ale- breus comeram do produto da terra e depois
grar-se e festejar o retorno do filho mais jo- disso o maná cessou (cf. vv. 11b e 12a). Esse
vem. Contudo, o filho mais velho está enciu- detalhe mostra uma mudança. O povo pas-
mado, porque não mantém com o pai uma sou do maná providenciado durante a pere-
relação afetiva, mas sim serviçal. grinação no deserto para o alimento que era
A narrativa termina com um convite para fruto da terra. Assim como o maná, o fruto da
celebrar o retorno do pecador arrependido. terra é símbolo da provisão generosa de Deus,
Jesus mostra que o Pai sai em busca dos perdi- agora de forma diferente, porque a etapa his-
dos e festeja porque são resgatados. Essa era tórica também é diferente.
também a atitude de Jesus e deve ser a nossa. Os hebreus estavam na terra da qual
Deus havia dito que manava leite e mel, e a
2. I leitura: Js 5,9a.10-12 palavra de Deus se cumpria agora que prova-
Embora o Senhor tenha sido sempre fiel, vam dos frutos dessa terra fértil, onde pode-
a aliança ficou parcialmente interrompida riam viver com dignidade. O povo confirma-
por causa da desobediência daqueles que saí- va a generosidade do Senhor e o total cum-
ram do Egito. Conforme o v. 9, a entrada na primento de suas promessas.
terra prometida faz que Deus remova defini- A posse da terra prometida exigia um
tivamente a vergonha do povo. Consideran- povo renovado, distinto do que estava no
do a expressão “opróbrio dos egípcios”, os Egito, com um estilo alternativo de viver,
mestres judeus interpretam que os egípcios como uma nova humanidade. Era a consoli-
escarneciam dos hebreus peregrinos no de- dação das relações entre Deus e seu povo e a
serto, duvidando de que Deus lhes cumprisse afirmação da identidade de povo de Deus.
a promessa. Por isso era necessário celebrar.
A Páscoa não havia sido celebrada no
deserto. Agora, nova geração de hebreus 3. II leitura: 2Cor 5,17-21
nº- 326
coa na terra prometida é renovação da ressaltam que o começo dessa vida nova é
aliança e reinaugura o processo histórico marcado pelo modo como julgamos os ou-
•
salvífico para o povo de Deus. Na festa da tros. A sociedade atual avalia as pessoas pela
Vida Pastoral
Páscoa, os hebreus celebram, principal- aparência, pela cultura, pela inteligência, pe-
52
las posses e por sua habilidade em manipular
as circunstâncias. No âmbito religioso, há a Novo Comentário Bíblico:
tendência de julgar os menos engajados ou
São Jerônimo
os desengajados da Igreja como “pessoas do
Antigo Testamento
mundo” e de má conduta.
Paulo declara enfaticamente que a pers- Raymond E. Brown, Joseph A.
pectiva do cristão, ao ver todas as coisas, Fitzmyer e Roland E. Murphy (orgs.)
deve ser a mesma de Jesus. O apóstolo é cre-
denciado para afirmar isso porque houve um
tempo em que ele julgou erroneamente os
seguidores do Messias.
Os vv. 17-19 salientam que em Cristo to-
das as coisas são velhas e agora tudo é novo,
e isso ocorre por causa da graça de Deus, que
reconciliou o mundo inteiro consigo. Estar
“em Cristo” (v. 17a) representa uma relação
íntima, e Paulo a expressa com o termo “nova
criatura” (v. 17b). Falar de nova criação era a
maneira usual com que se descrevia um pro-
sélito judeu (alguém que se convertia ao ju-
daísmo). Esse conceito adquiriu um sentido
mais profundo. Os cristãos são novas criatu-
1264 págs.
53
Roteiros homiléticos
Deus pôs em nossas mãos a palavra de guém que faz a vontade de Deus em relação
reconciliação e espera que sejamos seus ao outro. Os textos de hoje chamam a aten-
mensageiros (cf. v. 19c). A reconciliação não ção sobre o que é a verdadeira justiça ou so-
é iniciativa nossa, mas é algo que Deus rea- bre o que agrada a Deus e lhe dá louvor.
lizou por meio de Cristo (cf. v. 20). O Se-
nhor pôs de lado tudo aquilo que significa- II. Comentários aos textos
va distanciamento a fim de proclamar a paz bíblicos
entre o Criador e a criatura. O evangelho é 1. Evangelho: Jo 8,1-11
boa notícia, a reconciliação realizada por Os fariseus querem uma prova concreta
Deus merece e deve ser proclamada à huma- para incriminar e prender Jesus. Este retorna
nidade inteira. ao Templo para ensinar a multidão presente
Paulo nos leva ao ápice do ministério naquele lugar. Enquanto ensinava, os fari-
cristão com a declaração de que “somos em- seus trouxeram-lhe uma mulher surpreendi-
baixadores de Cristo” (v. 20a). O papel do da em adultério e, recorrendo à Lei de Moi-
embaixador é singular, porque está creden- sés, inquiriram-lhe sobre que sentença daria
ciado pela autoridade que o enviou. Deus (cf. v. 6). Naquele tempo, o adultério não era
nos delega como embaixadores para a obra considerado somente a relação sexual. Aque-
reconciliadora. la mulher poderia apenas ter se insinuado
para um homem, e isso já a identificava
III. Pistas para reflexão como adúltera. Nesse contexto, uma pessoa
Enfatizar que nossa condição de cristãos pode adulterar sozinha (cf. Mt 5,27; Jesus
não nos identifica com o filho mais velho, cum- aplica essa lei também para o homem).
pridor dos mandamentos, mas sim com o filho Os fariseus põem Jesus à prova, pois, de
pecador e necessitado de perdão. Procurar fazer um lado, não poderia ficar contra a Lei, o que
que cada pessoa da assembleia se identifique seria um pretexto para acusá-lo de blasfêmia,
com o filho mais novo, porque somente assim e, de outro, era de conhecimento público sua
será possível celebrar a nossa libertação defini- misericórdia para com os pecadores.
tiva do pecado e da morte na Páscoa do Senhor. Jesus, de imediato, não responde, parece
ignorá-los. Sabe que a preocupação de seus
5º Domingo da Quaresma interlocutores, nesse momento, não é saber a
7 de abril vontade de Deus para ajustar-se a ela, mas
à vontade de Deus tre vós não tiver pecado atire a primeira pe-
dra”. Nessa reviravolta, Jesus não recusa o
juízo de Deus, mas deseja que os fariseus o
I. Introdução geral apliquem primeiramente a si mesmos. Como
nº- 326
O termo justiça, na Bíblia, denota confor- o conceito de adultério era muito mais amplo
midade com um padrão. Significa amoldar-se naquela época que nos dias atuais, então os
•
ano 60
à vontade de Deus com base na Escritura. interlocutores já não têm como continuar com
Justiça, portanto, é a qualidade de estar con- a acusação sobre a mulher, visto que também
forme com o que Deus espera do ser huma-
•
54
Não tendo como continuar, cada um
vai embora, começando pelos mais velhos A nova perspectiva
– os mais prudentes. Assim, Jesus fica a sós
sobre Paulo
com a mulher e lhe dirige a palavra, per-
guntando se alguém a condenou. Diante da James D. G. Dunn
resposta dela, ele afirma que também não a
condena. A mulher é despedida de forma
imperativa por Jesus, que lhe ordena que
não volte a pecar.
Jesus se revela, nesse episódio, como o
enviado do alto que mostra o rosto miseri-
cordioso de Deus, mas também o seu juízo.
A justiça do ser humano é, principalmente,
condenatória, diferente do juízo de Deus. A
justiça de Deus é feita de perdão e de orien-
tação para a mudança de vida. Na atitude de
Jesus para com a mulher pecadora, não
transparece apenas a sua identidade messiâ-
nica e profética, posta em xeque pelos fari-
seus, mas, sobretudo, a fé da mulher, que
752 págs.
paulus.com.br
Vida Pastoral
55
Roteiros homiléticos
em fazer o povo voltar para a terra de sua diferente tudo o que antes eram coisas im-
herança. As caravanas que saíam da Babilô- portantes para ele.
nia em direção a Israel levavam muito tempo Paulo descobriu que conhecer e agradar a
contornando o deserto. Deus é o mesmo que entregar-se a Cristo, vi-
Deus não se limitará a libertar o seu ver como ele viveu e, se necessário for, mor-
povo, mas cuidará dele como no passado, rer como ele morreu. Essa é a verdadeira jus-
fazendo surgir rios no deserto, onde antes tiça, que vem da fé, não do legalismo.
tinha feito brotar água da rocha. A repeti- Depois de ter se dado conta da riqueza
ção ampliada das maravilhas do êxodo do que é a verdadeira justiça, ou seja, a confi-
Egito é testemunha de que Deus escolheu e guração da própria vida à de Cristo, o após-
constituiu um povo (cf. v. 20) para o seu tolo se conscientiza de que ainda há longo
louvor (cf. v. 21). caminho a percorrer, pois ainda não chegou
Toda a criação é atingida pelos atos sal- à perfeição, isto é, à maturidade cristã.
víficos de Deus em favor do ser humano. Contudo, sua união com Cristo o leva a
Isso é mostrado simbolicamente quando o avançar, tendo em vista esse alvo almejado.
autor afirma que os animais do deserto Essa união inclui a participação nos sofri-
agradecem a Deus (cf. v. 20) porque, na mentos de Jesus como parte do processo de
sua infinita misericórdia, o Senhor supre a maturidade cristã. Sofrimento é algo que
sede do povo durante a viagem de volta à todo ser humano experimenta, mas sofrer
terra prometida. unido a Cristo significa ter participação
Esse simbolismo do louvor dos animais também na sua ressurreição.
está em contraposição ao louvor do ser hu- Trata-se de santidade ativa, ajustamen-
mano endereçado a Deus. Na concepção bí- to ao que Deus espera do ser humano por
blica, o verdadeiro louvor consistia em um meio da configuração a Cristo. Não se trata
sacrifício de ação de graças (cf. Lv 7,12), cujo de esforço para comprar a salvação me-
aspecto fundamental era uma conduta reta, diante um relacionamento com Deus ba-
ajustada à vontade de Deus (cf. Sl 50,23). Pa- seado na retribuição. Antes, significa uma
lavras bonitas endereçadas a Deus, mas uni- resposta à salvação, dom de Deus, dada
das a obras injustas, faziam o louvor não ser com a própria vida, fazendo dela um lou-
aceito (cf. Sl 50,13.23b). vor agradável a Deus.
rios que a sua fé em Jesus Cristo o tinha surreição. Não podemos participar da euca-
levado a uma mudança radical de vida e de ristia e viver em conformidade com valores
perspectiva. O encontro com o Ressuscita-
•
56
Domingo de ramos
14 de abril Evangelhos sinóticos
Humilde Comentário à luz das
ciências sociais
a morte, e morte
de cruz
I. Introdução geral
As leituras de hoje destacam a humilda-
de como fundamento da obediência. Ser
humilde é despojar-se do orgulho. É tornar-
-se uma pessoa integrada, que sabe lidar
com todas as coisas e situações de forma
harmoniosa. O orgulho desarmoniza, faz
pessoas, ideias, objetos e situações ocupar o
lugar de Deus na vida do ser humano, tor-
nando-o escravo de um ídolo. A palavra
504 págs.
sua saída para o Pai, Jesus põe-se a cear com SAC: (11) 5087-4214
seus discípulos. Essa última refeição que V I S I TE N OS S A L OJ A V I RTU AL
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57
Roteiros homiléticos
missão. Por isso, ela é cheia de significados. A profissão de fé cristã. O Filho do homem foi
morte de Jesus não é um fracasso, um cami- humilhado e menosprezado pela humanida-
nho sem saída, mas inauguração da paz e sal- de, mas agora está glorificado por Deus como
vação plena na presença de Deus. É conse- um Messias-rei (cf. Sl 110,1).
quência de sua vida, de sua doação plena ao Após ser rejeitado pela liderança religiosa,
projeto de salvação operado por Deus na his- Jesus é submetido ao poder político, que, ape-
tória humana. É a manifestação do Reino de sar de estar ciente de sua inocência, o conde-
Deus, ou seja, da justiça e fidelidade. É o na. Acusado de rebeldia e subversão, Jesus é
cume do anúncio do Reino, proclamado des- entregue à morte. Na obstinação dos sumos
de a Galileia, o qual foi o programa de toda a sacerdotes, dos magistrados e da multidão em
sua atuação pública. Por isso, ao dizer “dese- condená-lo, transparece a total rejeição ao
jei ardentemente”, Jesus quis dar um signifi- projeto de Deus realizado no homem de Naza-
cado à sua morte iminente. Ela é promessa de ré. A morte de Jesus situa-se ao final de uma
restauração da humanidade decaída. Nessa série de infidelidades e rebeliões obstinadas
promessa, Jesus associa os discípulos a um contra o projeto de Deus ao longo da história.
gesto retomado do banquete judaico, inse- No caminho da cruz, Jesus deixa entender
rindo os seus no mesmo destino: o destino que, na sua morte violenta, se decide o destino
de alguém que enfrenta a morte na firme es- do povo de Deus e da humanidade. O julga-
perança de antecipar a realeza de Deus no mento histórico de Deus abater-se-á sobre a
mundo e na história. cidade de Jerusalém, símbolo da humanidade
Após a ceia, Jesus vai ao monte das Oli- infiel e rebelde aos apelos dos profetas.
veiras e, como de costume, ora ao Pai, princí- Jesus é crucificado entre malfeitores. O
pio e fonte de seu ministério. Ao vislumbrar que veio para buscar os perdidos encontra-se
o destino que o aguarda, ele recorre ao Pai. agora entre eles, partilhando da mesma sorte.
Na agonia, pede que lhe afaste o cálice do Aqui, revela-se o rosto salvador de Deus. O
sofrimento. Mantém-se, porém, fiel à vonta- libertador de Israel não tira o Messias da cruz
de de Deus. Não uma vontade desejosa da nem o livra da vergonha e da violência, con-
morte de seu Filho, mas vontade que revela o tudo permanece fiel ao amor também na si-
amor fontal e fiel de Jesus àquele de quem tuação mais extrema.
tudo recebe. Em nome desse amor, Jesus per- A inocência de Jesus é reconhecida por
manece firme até o fim. E, movido por esse um dos criminosos ao seu lado. E este procla-
amor, enfrenta os que o capturam. É com ma sua total confiança em Jesus. A resposta do
esse amor e fidelidade filial que enfrenta a Filho de Deus é uma afirmação solene da sal-
traição de Judas, a negação de Pedro, a dor e vação já hoje, da salvação escatológica que co-
a humilhação infligidas a ele por aqueles a meça no hoje da história humana. Então o
quem fora enviado: seu povo. pecador arrependido pode escutar a “Boa-No-
No Sinédrio, Jesus é rejeitado de forma va”, o evangelho da salvação, que consiste na
definitiva pelos líderes do seu povo. Diante comunhão com Jesus no Reino dos justos. É
do Sinédrio, o evangelista estabelece a posi- com este último gesto de solidariedade que Je-
nº- 326
ção e a identidade de Jesus em face da autori- sus dá a salvação a quem crê e se converte.
dade judaica. Sua identidade é apresentada Após sua morte, a ação de Deus é reco-
•
ano 60
de forma progressiva: o Cristo (cf. 22,67), o nhecida pelo centurião, ao proclamar que Je-
Filho do homem, glorificado à direita de sus era um homem justo. A morte não é, po-
•
Deus (cf. 22,69), o Filho de Deus (cf. 22,70). rém, o fim e nos lança para o que acontecerá
Vida Pastoral
58
2. I leitura: Is 50,4-7
O texto mostra que, apesar dos sofrimen- Introdução ao Novo
tos, o Servo está empenhado em obedecer à Testamento: História,
vontade divina. Está qualificado para a obra
Literatura e Teologia
que Deus o destinou a realizar. Essa qualifica-
ção transparece em duas afirmações: – Volume 1
Questões introdutórias do Novo
1) Ele tem uma língua hábil para instruir
Testamento e Escritos Paulinos
as pessoas de sua época cansadas e desanima-
das. A “língua hábil” significa que as palavras M. Eugene Boring
são pronunciadas por alguém que é uma auto-
ridade no que diz, em vez de ser um “blá-blá-
-blá” sem consistência. A habilidade para fazer
isso vem de uma relação íntima com Deus.
2) Ele tem ouvido de discípulo e toda
manhã recebe a instrução vinda de seu conta-
to com Deus. É alguém que está alerta, aten-
to, acordado; é isso que significa a expressão
“cada manhã”.
Enfim, ter a língua hábil e o ouvido aten-
to constitui o missionário competente, que
750 págs.
ria ter evitado esse sofrimento se tivesse vol- Vendas: (11) 3789-4000
tado atrás na sua missão (cf. v. 5). Várias ex- 0800-164011
•
ano 60
59
Roteiros homiléticos
aliado do Servo. Por causa dessa cumplicida- Deus que caracterizaram aquele a quem se-
de com o Senhor, o Servo não fracassou em guem: Jesus Cristo.
sua missão (cf. v. 7).
III. Pistas para reflexão
3. II leitura: Fl 2,6-11 Evitar falar da paixão de Cristo como se
Esse texto, um hino litúrgico inserido em esta fizesse parte de um plano sádico de Deus
um contexto missionário e pastoral, tem em Pai com o objetivo de lavar os pecados da hu-
vista a práxis cristã, e não abstrações sobre a manidade. Deus é amor infinito e não teria sen-
essência de Deus. tido esse tipo de atitude para com seu próprio
A primeira parte do hino (vv. 9-11) se re- Filho. O plano de salvação de Deus foi a encar-
fere à atitude de Jesus, a qual deve ser toma- nação de Jesus e a elevação da humanidade por
da como exemplo por todos os cristãos. meio de toda a vida e ação dele; porque Jesus
Nesse texto bíblico, encontramos um re- assumiu muito bem esse plano e decidiu não se
sumo da história da salvação. Jesus foi visto arredar dele nem sob as piores ameaças e riscos,
pela maioria dos seus contemporâneos apenas os poderes políticos, econômicos e religiosos
como um homem simples do povo. No entan- contrários o crucificaram. Também evitar cul-
to, ele pertencia também a outra esfera: era de par grupos judaicos ou o império romano pelo
condição divina (cf. v. 6). Tornou-se humano, acontecido a Jesus, pois todos eles estão no pas-
como tal viveu e morreu (cf. vv. 7-8), e foi sado temporal. Ao contrário, ressaltar que, na
exaltado junto a Deus (cf. vv. 9-11). condenação de Jesus, se manifesta o orgulho de
A ideia central do texto é que Cristo não todo ser humano e sua rebelião contra o projeto
quis apoderar-se da divindade ou usurpá-la, de amor e fraternidade do Pai.
mas, sendo de condição divina, estava dis-
posto a renunciar aos privilégios inerentes a Os Roteiros Homiléticos do Tríduo Pascal
ela em favor do ser humano. (Quinta-feira Santa; Sexta-feira Santa e Vigí-
É para essa atitude de desprendimento em lia Pascal) podem ser acessadas no site da
revista: vidapastoral.com.br
relação à grandeza divina que Paulo chama a
atenção de seus destinatários. Jesus se despo-
jou dos privilégios específicos da natureza di- Domingo da Páscoa
vina e adotou a postura de um servo. Essa ati- 21 de abril
tude de serviço e obediência, até mesmo dian-
te do tipo de morte mais vergonhoso em sua Os sinais
época, significa que Cristo não usou as prerro-
gativas divinas em favor de si mesmo. da ressurreição
A disposição para o despojamento em fa-
vor do ser humano é o que Paulo está pro-
pondo como critério para a vida cristã.
de Cristo
Esse Jesus, que se humilhou até a morte I. Introdução geral
na cruz, Deus o exaltou e lhe submeteu o Nas Sagradas Escrituras, um sinal não é sim-
nº- 326
universo em todas as suas dimensões. A plesmente um evento milagroso, mas algo que
menção de todos esses aspectos da história aponta para uma realidade de significado mais
•
ano 60
da salvação tem por objetivo fazer que os amplo. Por analogia, é como um sinal de trânsi-
cristãos aprendam a viver com o mesmo to, que serve para orientar os viajantes na estra-
da, de sorte que ninguém erre o caminho ou cor-
•
pelo ser humano e a mesma obediência a ra risco de acidentes. Um sinal na estrada faz-nos
60
chegar a nosso destino sem incorrer em nenhum
dano. Nos textos bíblicos, os sinais indicam que Introdução ao Novo
Deus está realizando algo que não é percebido
Testamento: História,
por quem não fez a experiência de fé e amor. Os
sinais não servem como provas ou argumentos
Literatura e Teologia
lógicos para convencer ninguém, porque somen- – Volume 2
te podem ser percebidos por quem faz a expe- Cartas católicas, Sinóticos
e Escritos Joaninos
riência de fé e amor. É esta que indica que um
acontecimento comum é sinal da ação de Deus. M. Eugene Boring
II. Comentários
aos textos bíblicos
1. Evangelho: Jo 20,1-9
O trecho divide-se em duas cenas no ce-
nário do sepulcro: a visita de Maria Madalena
(vv. 1-2) e a visita dos discípulos (vv. 3-9).
Na manhã do primeiro dia da semana, an-
tes da alvorada, Maria Madalena vai ao sepul-
cro, vê a pedra removida e volta correndo para
avisar os discípulos. Ela não entra, mas suspeita
de que o corpo do Senhor tenha sido roubado.
750 págs.
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Vida Pastoral
61
Roteiros homiléticos
daísmo, eram sempre impuros em relação de das pessoas. Os “de fora” da comunidade
ao aspecto do culto. percebem “algo mais” quando observam o es-
•
ano 60
Agora Pedro admite que Deus purificou os tilo de vida cristã. É nesse sentido que a Igreja
gentios e que os apóstolos, testemunhas da é luz, sal e fermento para o mundo. Resta sa-
ressurreição, receberam o encargo missionário
•
62
2º Domingo da P áscoa
28 de abril Linguagens sobre Jesus
Testemunhas 4 – As linguagens das juventudes
e da libertação
I. Introdução geral
As leituras de hoje apresentam três temas
importantes: a realidade da ressurreição, a
confissão de fé, a relação entre ver e crer. A
experiência do encontro com Jesus ressusci-
tado leva o discípulo a professar: Meu Senhor
e meu Deus! A profissão de fé resume a cami-
nhada de Israel e da Igreja. Todos os sinais
que perpassam a Escritura pedem do leitor
uma profissão de fé como a de Tomé.
tro sinal senão o de Jonas. Esse sinal é dado Vendas: (11) 3789-4000
agora: Cristo ressuscitado está no meio de 0800-164011
•
ano 60
63
Roteiros homiléticos
No domingo seguinte, Jesus aparece no- No “dia do Senhor”, o Espírito Santo fez
vamente aos discípulos, desta vez na presen- que João, homem atribulado por causa da
ça de Tomé, a quem repreende pela incredu- palavra e do testemunho, contemplasse a
lidade. Jesus mostra-lhe as mãos e o lado atuação do Ressuscitado na Igreja.
para certificar-lhe que o Ressuscitado é o A comunidade dos seguidores de Jesus
Crucificado, mas está diferente, vive em nova em sua totalidade, simbolizada pelo número
realidade, além do tempo e do espaço. sete, recebe a luz de Cristo e a reflete para o
O medo transforma-se em alegria. A paz e mundo. A visão do Filho do homem em
a alegria são dons do Cristo ressuscitado e, ao meio ao candelabro de ouro assegura a pre-
mesmo tempo, condição para reconhecê-lo. Je- sença do Ressuscitado em sua Igreja até o
sus realiza as promessas feitas aos discípulos, fim dos tempos.
enviando sobre eles o Espírito. A missão a que Seus cabelos brancos simbolizam a eter-
são destinados continua a missão de Jesus (cf. nidade. Seus olhos “como chamas de fogo”
17,18). Como o Pai enviou seu Filho para per- representam a visão penetrante, ou seja, seu
doar os pecados, assim Jesus envia os discípu- conhecimento de realidades não percebidas
los. Ao soprar sobre eles (cf. v. 22), expressa a por mais ninguém. Essas realidades escondi-
ideia de criação renovada. O Espírito recria a das ao olho natural é que serão reveladas ao
comunidade dos apóstolos e descerra suas por- ser humano.
tas para a missão. Os pés de bronze simbolizam a sua estabi-
lidade inabalável. As sete estrelas são os líderes
2. I leitura: At 5,12-16 das comunidades em sua totalidade. Eles estão
O relato é uma descrição resumida da amparados na mão direita do Ressuscitado,
vida das primeiras comunidades. Os milagres que sustenta e mantém a sua Igreja.
realizados pelos apóstolos ratificam a assis- O Filho do homem diz palavras de conso-
tência do Espírito Santo à comunidade, con- lo: “Não temas!” (v. 17). Sua natureza é divina:
firmando com sinais a palavra anunciada pe- ele é o “primeiro e o último”, título de Deus no
los apóstolos. Antigo Testamento (cf. Is 44,6; 48,12).
A menção ao “pórtico de Salomão” desta- O texto afirma que o Filho do homem es-
ca a proclamação do evangelho, já que esse teve morto, é o crucificado, mas venceu a
local, no Templo de Jerusalém, ficava no átrio morte e possui a vida eterna. Seu domínio se
dos gentios e era destinado à instrução. estende sobre os céus, sobre a terra e sobre o
O número dos fiéis crescia cada vez mais reino da morte. Ele controla a história.
(cf. v. 4), e o evangelho despertava o interesse
das cidades vizinhas, dando ocasião para que III. Pistas para reflexão
a Igreja se expandisse para além de Jerusa- Felizes os que creem sem ter visto, pois con-
lém, estendendo-se pela Judeia. fiam nas testemunhas da ressurreição de Cristo.
As pessoas de todos os tempos e lugares encon-
3. II leitura: Ap 1,9-11a.12-13.17-19 tram nas Escrituras o testemunho dos apóstolos.
A expressão “dia do Senhor”, no Antigo Isso, contudo, não dispensa um encontro pes-
nº- 326
Testamento, significa principalmente a inter- soal e íntimo com o Ressuscitado. Esse encontro
venção de Deus por meio do Messias, no fim se dá nos locais onde ele está presente de manei-
•
ano 60
dos tempos. Para o Novo Testamento, a res- ra mais profunda: a liturgia da Igreja (culto ecle-
surreição de Cristo inaugurou os últimos sial), a liturgia do coração (adoração a Deus em
tempos, que já estão presentes, embora ainda âmbito pessoal e interior) e a liturgia da vida
•
Vida Pastoral
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