NA PSICOTERAPIA DA CRIANÇA
A) A ENTREVISTA INICIAL
Assim como ocorre em um Psicodiagnóstico, a Entrevista Inicial em Psicoterapia deve obter,
entre outros aspectos, uma demarcação clara do motivo da consulta que originou a busca pelo
atendimento.
Se o cliente já foi submetido, anteriormente, a um Psicodiagnóstico, essa informação já deve ter
sido fornecida pelo psicoterapeuta anterior. Além desta, o Psicodiagnóstico (se adequadamente
realizado) também possibilitou a identificação de hipóteses envolvendo: (a) as origens da
situação-problema trazida à consulta; (b) das características (as adaptadas e as que se mostram
frágeis) das várias dimensões psicológicas do indivíduo: aspectos cognitivos, afetivo-emocionais,
biológicos, sociais, etc.
Tais informações prévias são valiosas ao psicoterapeuta que realizará a Ludoterapia e, portanto,
não devem ser menosprezadas. Mesmo que as abordagens teóricas nos lembrem sobre o constante
processo de transformação do indivíduo, os resultados de um diagnóstico possibilitam estabelecer
um parâmetro, no qual o psicoterapeuta pode se apoiar para aprofundar as informações que
considerar pertinentes e planejar o processo psicoterápico que desenvolverá.
No caso de não ter ocorrido nenhuma modalidade de atendimento anterior, a Entrevista Inicial da
Ludoterapia será o primeiro momento de contato com a criança e seus responsáveis. Por
consequência, nessa entrevista deverão ser identificadas
(a) as razões que motivaram a buscar a psicoterapia (motivo da consulta);
(b) conhecer as expectativas dos responsáveis sobre a psicoterapia;
(c) oferecer informações sobre o modelo de atendimento que será empreendido;
(d) estabelecer o contrato de trabalho.
Um aspecto a ser considerado é quem serão os participantes da primeira entrevista. Quanto a isso,
os autores divergem, influenciados pelo referencial técnico e teórico no qual se apoiam: criança
e responsáveis juntos? Apenas os pais participarão? Ambas as condutas apresentam pontos
positivos e negativos, devendo, então, ao terapeuta decidir qual se mostra mais adequada de ser
aplicada.
A criança deve ser informada sobre os motivos pelo qual foi trazida à Ludoterapia para que
adquira consciência de tais motivos, e “se o negar devemos formular uma interpretação que lhe
dê novamente consciência dessa enfermidade, de que somos seusterapeutas e não estamos
jogando comela, mas analisando-a.” (ABERASTURY, 1982, p. 108);
Embora sejam considerados componentes gerais em uma primeira entrevista, a postura e a
conduta do psicoterapeuta sobre cada um deles será influenciada pela concepção teórica que
fundamentará a Ludoterapia.
B) ENQUADRE
-O enquadre se constitui como um marco no qual vão se dar as condições necessárias e
imprescindíveis para o desenvolvimento do processo psicoterapêutico. Obviamente, o marco
teórico influenciará as condições em que o enquadre será organizado;
-O enquadre deve proporcionar ao cliente(no caso a criança)um meio estável e confiável para que
a Ludoterapia se desenvolva. Em adicional, aforma como o cliente reage aoenquadre
(aceitação/recusa; negação; passividade, etc.) proporcionará informações valiosas sobre os
conteúdos e funcionamento mental do cliente. Informações essas que devem ser utilizadas na
Ludoterapia.
-Segundo Donnald Winnicott,o enquadre pode ser entendido como um Espaço Transicionale
deve ser similar ao holding materno;
O espaço transicional [...] dimensão do viver que não pertence nem a realidade externa nem à
realidade interna, mas ainda assim, se trata do lugar-espaço no qual os dois, o interno e o externo
se conectam e se separaram [...], o espaço transicional começa no início como uma ferramenta de
separação da díade mãe-bebê, e é neste espaço onde se colocarão e assentarão as capacidades
hibridas e criativas de toda criança” (BLINDER; KNOBEL; SIQUIER, 2011, p. 56-57).
-Na relaçãoterapêutica deve ser aplicada a regra de abstinência, de forma que oenvolvimento
emocional do terapeuta seja devidamente equilibrado:
O analista se abstém de formular e formar juízos de valor ou rótulos que classificam o paciente
em quadro nosológico preconceituoso, iatrogênico e facilitador de estigmas e lhe permite
construir um espaço de escuta onde o realmente criativo, verdadeiro e próprio da criança pode se
desenvolver (BLINDER; KNOBEL; SIQUIER, 2011, p.57).
ELEMENTOS DO ENQUADRE:
-Elementos relativos ao contrato: honorários, dias, horários e duração da psicoterapia.
-Será firmado com os pais um enquadre real (definindo, inclusive,se serão ou não ouvidos não
longo da psicoterapia);
-Para a Psicanálise dinheiro e o pagamento possuem significados inconscientes, tanto para o
cliente como para o psicoterapeuta (dívida, culpa, excremento, um presente, símbolos
psicossexuais).
Existem divergências entre os autores sobre a maneira como o psicoterapeuta deve lidar com a
criança em relação aos honorários (BLINDER; KNOBEL; SIQUIER, 2011):
✓ Melanie Klein defende que a criança deve saber que são pagos honorários mas que não deve
ser discutido o valor dos honorárioscom ela;
C) A ESTRUTURA DA ENTREVISTA
Esse aspecto está relacionado ao tipo de entrevista a ser realizada (aberta, semidirigida ou
dirigida) e aos aspectos que serão investigados pelo psicoterapeuta: a postura do psicoterapeuta
nas sessões, o tipo de informação que ele considera relevante, as técnicas e o material que utiliza.
Novamente, as influências das concepções teóricas se farão sentir nesse aspecto.
D) O BRINQUEDO E DEMAIS MATERIAIS LÚDICOS
Os brinquedos e outros materiais poderão ser dispostos de várias maneiras: num armário, em
prateleiras e numa caixa (Caixa Lúdica), sendo esta última muito utilizada por psicoterapeutas
infantis de abordagem psicanalítica.
A utilização da Caixa Lúdica individual torna-se um recurso de observação sobre como acriança
lida e organiza materiais que lhe são particulares. Nesse sentido, a caixa pode ser considerada
uma representação do seu mundo interno
OMATERIAL LÚDICO:
Os materiais utilizados devemser simples, de boa qualidade,resistentese de vários tipos.São
inúmeras as possibilidades! De modo geral, utilizam-se materiais estruturados e não estruturados.
Tudo que a criança produzir na sessão deveráficar dentro da caixa lúdicaou guardado pelo
terapeuta, devendo ficar, no entanto,acessível àcriança.
-Aberastury (1982) recomenda a utilização de água e da inclusão de brinquedos e jogos que
tenham sido identificados,na fase de avaliação,como preferidos da criança;
-Blinder,Knobel e Siquier (2011)mencionam as seguintes situações que devem ser assinaladas em
sessão:
✓ Trazer um brinquedo de casapara a sessão: pode ser permitido, masdeve ser interpretado o seu
significado;
✓ Levar para casa um brinquedo ou alguma produção da sessão: não deve ser permitido, pois
constitui-se uma resistência a ser interpretada.
Outras solicitações:
Outras situações podem ocorrer ao longo da sessão. Em todos os casos a conduta deve ser a mesma
das situações anteriores: observar, identificar conteúdos e assinalar.
-Acriança pede para deixar suas produções de sessão fora da caixa(e nesse caso serão vistos por
outras crianças; ela pede para ver a caixa de outras crianças);
-Quando a criança não quer ir embora ao final da sessão: a caixa deve ser fechada e o
psicoterapeuta deve se despedir dela.
Anna Freud:
-Defendia a necessidade de participação dos pais no processo psicoterápico, realizando entrevistas
com estes na busca por informações, além de oferecer-lhes orientações acerca da educação do
filho.
-Enfatizava que as crianças estavam ligadas a pais reais e atuais e, por isso, temia a deterioração
das relações da criança com seus pais, caso fossem analisados seus sentimentos negativos a
respeito deles;
Melanie Klein:
-Defendia que análise da criança poderia se desenvolver com a instalação da transferência. Por
sua vez, esse fenômeno só seria possível de ocorrer se o consultório ou a sala de jogos fosse
sentido como algo separado da vida da criança em casa;
Dessa forma, o contato com os pais ou a participação deles no tratamento não eram estimulados,
embora, reconhecesse que o analista deveria estabelecer uma relação de confiança com os pais.
Maud Manonnie Françoise Dolto (psicanalistas francesas):
-No sintoma da criança estão envolvidas questões imaginárias e inconscientes dos pais. Portanto,
nele existe uma dimensão simbólica que oculta ‘fantasmas’ e desejos dos pais. Assim, acriança,
[...] fica fixada em um determinado lugar em virtude dos desejos e das fantasias deles. [...] a
criança procura se identificar com o que suspeita ser o desejo materno, sujeitando-se a preencher
o que falta na mãe, dessa forma evitando a angústia de castração. (STÜRMER; RUARO;
SARAIVA, 2009, p. 121)
Entretanto, tal escola teórica assinala que o sintoma da criança não depende exclusivamente dos
pais. Acriança tem suas próprias singularidade e dessa forma, o sintoma emerge na interseção
entre o “lugar” estabelecido à criança pelos pais e, a produção de fantasias e do desenrolar do
processo edípico da própria criança.
Nessa perspectiva, as intervenções clínicas do psicoterapeuta são dirigidas tanto às questões
familiares ou para a escuta dos desejos e do discurso próprio da criança.
Na atualidade, não se subestima a participação dos pais/responsáveis no processo psicoterápico
da criança, tornando-se um consenso, entre as diferentes abordagens, que o envolvimento desses
na Ludoterapia (e na psicoterapia de adolescentes)é fundamental. Portanto, deve ser estimulado e
exercido pelo psicoterapeuta.
Essa afirmação possui, inclusive, um amparo nas legislações relativas à infância e adolescência,
bem como no Código de Ética do psicólogo. Estas especificam a necessidade de autorização e
envolvimento dos pais em atendimentos sistemáticos à criança e ao adolescente.
Em adicional, a presença dos pais fornece informações precisas e valiosas sobre as características
das relações familiares.
ALTA OU FINALIZAÇÃO??
- Alta tem uma herança da medicina e está relacionada à cura. O que nem sempre é uma meta
presente em todas as concepções teóricas;
- O termo Finalização está relacionado mais ao fim do trabalho psicoterápico já que o processo
interno é infindável.
- Para M. Klein existirá sempre uma ansiedade vital que temos que suportar, pois é inerente à vida
e é ela que nos impulsiona a agir.
REAÇÕES FREQUENTES:
- Repentina ‘piora’ da criança (Retorno do Sintoma). O terapeuta deve estar atento e avaliar essa
reação. Ela pode indicar 2 aspectos distintos:
1) Uma resistência a finalização do processo psicoterápico;
2) Pode significar um ‘alerta’ do cliente, comunicando que existe, ainda, conteúdos que não foram
esclarecidos em relação ao sintoma. Exemplo: dependências não solucionadas em relação ao
terapeuta.
- Antes de ser anunciada pelo terapeuta, o cliente anuncia que deixará a psicoterapia: para
minimizar o sofrimento da perda, o cliente busca ‘controlar’ a situação, ameaçando deixar antes
de ser ‘deixado’.
CRITÉRIOS DE FINALIZAÇÃO
- A observação do brincar fornece informações sobre a evolução interna da criança. Ao observar
os jogos e brincadeiras avaliamos se houve ou não mudanças nos conflitos e fantasias
inconscientes da criança, presentes nas camadas mais profundas do seu psiquismo;
- A criança manifesta progresso nos seus interesses lúdicos, usa de forma mais adequada o
material, utilizando brinquedos adequados a sua idade (se antes não o fazia);
- A criança aumenta o uso da expressão verbal para comunicar seus sentimentos e desejos. Não
importando a idade da criança, uma psicoterapia precisa auxiliar a criança a empregar toda sua
capacidade de falar.
- Aumento da capacidade da criança integrar seus aspectos agressivos e amorosos (M. Klein);
- Aumento da capacidade de enfrentar a realidade e suas frustrações;
- Diminuição de atividades agressivas;
- Decréscimo da angústia e culpabilidade;
- Ocorrendo a diminuição da angústia, a imaginação infantil torna-se mais espontânea
aumentando a capacidade de representação simbólica;
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
- A literatura sobre o tema sugere que Freud foi um de seus precursores. Seus primeiros casos
foram realizados em períodos de tempo bastante abreviados. Os pacientes apresentavam queixas
específicas, sintomatologia claramente configurada em categorias nosológicas e o objetivo do
tratamento era a remissão dos sintomas;
- Na medida que os objetivos da psicanálise se tornaram mais ambiciosos os tratamentos
tornaram-se cada vez mais extensos. De certa forma a 2ª tópica diminuiu muito a possibilidade
de se abreviar a técnica psicanalítica, uma vez que a ênfase passou a recair sobre a “Reorganização
estrutural" e não mais em tornar o "inconsciente consciente".
-Um efeito das grandes guerras mundiais, principalmente na Segunda Guerra: preocupação em
buscar formas que tornassem possível tratamentos de curta duração.
Particularidades:
- Na Psicoterapia Breve Infantil (PBI) devem ser incluídos outros contextos terapêuticos como o
atendimento conjunto com os pais/responsáveis e a escola da criança;
- O processo de psicoterapia da criança é diretamente afetado pelo seu meio familiar, e as
mudanças que ocorrerem precisarão ser toleradas e reforçadas pelo ambiente familiar.
- Encontra-se menção na literatura sobre o tema que o Foco da PBI deveria ser direcionado a uma
“área de conflito mútuo”, que segundo Cramer (apud OLIVEIRA, 2002) consiste de uma área de
indiferenciação entre os pais e a criança em que ocorrem projeções e identificações recíprocas.
(OLIVEIRA, 2002, p.43)
- A motivação para o tratamento e para a mudança, em crianças, bem como o estabelecimento de
um bom vínculo terapêutico está relacionada à motivação dos pais e com a possibilidade deles se
perceberem como fazendo parte do processo de mudança. (OLIVEIRA, 2002)