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Larissa Nadai
ocasião, entusiasmados com as possibi- fluências. Para além deste texto base, o
lidades de cooperação, seus nove parti- leitor poderá ainda conhecer as contri-
Aluna de doutorado
cipantes – Antoinepelo Programa(Univer-
Jeammaud de Pós-Graduação
buiçõesemrealizadas
Ciências Sociais da UNICAMP).
por Cristina Man-
E-mail:
sité Lyonlarissa_unicamp@yahoo.com.br
III), Eric Millard (Université garelli, Eric Millard, Eros Grau, Leonel
Paris X), Eros Grau (USP), Evélyne Sé- Alvim, Maria Cristina Vidote, Rabah
vérin (Université Paris X), Leonel Al- Belaidi, Ronaldo Lobão, Tatiana Sachs
vim (UFF), Michel Miaille (Université e Olivier Leclerc. Nelas, discutem-se
Montpellier I), Rabah Belaidi (UFG), questões epistêmicas sobre as noções
Roberto Fragale Filho (UFF) e Tércio de direito e redistribuição, a articula-
Sampaio Ferraz (USP) – propuseram-se ção entre direito e sociedade, além de
a renovar o encontro no ano seguinte. questões específicas relacionadas à dis-
Assim, em março de 2012, agora sob o tribuição agrária e à existência de dis-
tema “Redistribuir por meio do direi- positivos incitativos à distribuição. O
to?”, ocorreu um segundo encontro em cardápio dos temas tratados é amplo,
Tiradentes (MG) cuja organização foi convidativo e antecipa as discussões
assegurada pelos professores Roberto que animariam o grupo em seu encon-
Fragale Filho, Leonel Alvim e Ronal- tro subsequente, sempre em Tiradentes
do Lobão, coordenadores do Núcleo (MG), agora sob o tema “O poder e o
de Pesquisas sobre Práticas e Institui- papel político dos juízes”, em abril de
ções Jurídicas (NUPIJ) do Programa de 2014, quando o presente dossiê, cons-
Pós-Graduação em Sociologia e Direito truído entre 2012 e 2013, ganhou fôlego
(PPGSD) da Universidade Federal Flu- para sua apresentação em Confluên-
minense (UFF). O grupo original foi cias. Que o leitor possa saboreá-lo como
ampliado, não obstante a ausência jus- antecipação de uma próxima rodada é o
tificada de Evélyne Sévérin, pois foram nosso maior desejo.
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FERREIRA, Letícia C de M.; NADAI, Larissa
Lugones (2012) são do mesmo modo trar em contato, já na vida adulta, com
exemplares. No âmbito de instituições documentos e prontuários produzidos
que lidam com conflitos dessa ordem, a seu respeito (Schritzmeyer, 2014);
as interações entre operadores do di- ou, ainda, o uso de bilhetes, cartões e
reito, policiais, assistentes sociais, fa- fotografias para disputar parâmetros
miliares e, algumas vezes, os próprios morais a partir dos quais famílias são
meninos e meninas em causa, revelam avaliadas em instituições do sistema de
que o que fica (ou não) registrado em garantia de direitos de crianças e ado-
documentos desempenha papel cen- lescentes (Ferreira, 2015) são apenas
tral na gestão de conflitos e nos desti- alguns exemplos de trabalhos bastante
nos de crianças e adolescentes. recentes que caminham nessa direção.
Mais recentemente, muitas etno- Em suma, antropólogos dedicados
grafias também têm dado atenção à a campos de pesquisa variados, notada-
produção e ao acionamento de docu- mente a antropologia do direito e a an-
mentos pelos diferentes sujeitos e cole- tropologia das práticas de poder, têm ex-
tividades que apresentam demandas e plorado o potencial analítico da lida com
disputam visões e decisões com agen- registros escritos variados e encarado
tes e agências estatais. Cartas “pesso- esses documentos como “artefatos etno-
ais” utilizadas como instrumentos de gráficos” (Hull, 2012; Lowenkron e Fer-
identificação e comprovação de rela- reira, 2014), superando a tendência de
ções familiares em contextos prisio- produzir análises apenas sobre o que su-
nais (Padovani, 2013); laudos periciais postamente pode ser visto através deles.
reinterpretados e acionados por mo- Nesse movimento, importantes discus-
vimentos de familiares para disputar sões em torno dos usos e efeitos da escri-
versões em torno de crimes contra a ta (Gupta, 2012), bem como da presença
vida (Farias, 2014); inquéritos poli- emblemática e incontornável dos arqui-
ciais confeccionados por delegadas e vos em instituições burocráticas (Riles,
escrivãs com vistas a diferenciar, ates- 2006) vêm sendo produzidas a partir de
tar, oficializar e convencionar os estu- etnografias diversas. Foi no bojo dessas
pros que chegam a essas repartições discussões que surgiu a proposta do GT
policiais (Nadai, 2012); documentos e que primeiro reuniu os autores dos arti-
investigações policiais e papeis e pro- gos compilados nesse dossiê, e são elas
cedimentos legislativos que produzem, que ganham densidade, aprofundamento
em diferentes planos, a pedofilia como e contundentes contribuições a partir das
infração criminal e problema moral pesquisas empíricas neles apresentadas.
(Lowenkron, 2015); “a experiência Nesse sentido, ao etnografar os mais
marcante” de crianças abrigadas de en- diversos papéis por meio de suas grafias,
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Foucault (2008), aos “regimes de veridi- deixa claro Natália Corazza Padovani.
ção”1, colocados em operação por ins- Reunindo essa rica variedade de tra-
tâncias estatais e burocráticas das mais balhos, o presente dossiê busca colocar
diversas – da polícia civil ao judiciário, da em diálogo, em suma, pesquisas que
perícia médico-legal à psiquiatria forense, reflitam sobre os documentos produzi-
de organizações não governamentais a dos, transacionados e/ou arquivados em
universidades públicas. Tais regimes são instâncias judiciais e policiais, exploran-
centrais, exatamente porque produzem do suas diferentes dimensões e capaci-
formas de “governo”2. (Foucault, 2008). dades. Isto é: seu papel na produção de
Fabricam, por assim dizer, uma louca e “provas” e verdades, sua materialidade,
uma assassina, no trabalho de Maria Lu- sua capacidade de associar pessoas ou
ísa Scaramella; um crime, uma autoria e provocar rupturas, seus possíveis efeitos
uma condenação, como vemos no texto de ocultamento ou exibição de assime-
de Cilmara Veiga; uma zona de tatua- trias, hierarquias e autoridades, e, ainda,
gem, uma execução e uma inconclusão, os afetos, agenciamentos e poderes que
conforme argumenta Juliana Farias; uma documentos exercem em determinados
morte opaca, um corpo não reclamado e contextos. Ademais, buscamos reunir
um tipo de humanidade, como susten- tanto etnografias das práticas de escrita
tam Rosemeire Barbosa da Silva e Tomás que estão a serviço da consolidação do
Henrique de Azevedo Gomes Melo; um controle estatal sobre sujeitos, popula-
sexo, um gênero e um nome, como mos- ções, territórios e vidas, quanto aquelas
tra Lucas Freire; e, não obstante, produ- que escapam a essa prescrição e permi-
zem também, sem dúvidas, uma antropó- tem que o Estado seja constantemente
loga, uma antropologia e uma mãe, como experimentado, construído e descons-
truído mediante a ilegibilidade de suas
1
Essas reflexões foram produzidas de forma coletiva, em próprias práticas e de seus documentos
interlocução direta com Everton de Oliveira e culminaram
em um Workshop intitulado “Sofrimento e modos de go- (Das e Poole, 2004). Esperamos que a lei-
verno: como fazer etnografia em contextos formados e in- tura dos textos seja tão prazerosa quando
formados pela dor”, realizado na Universidade Estadual de
Campinas, no dia 19 de novembro de 2015.
foi, para nós, a organização do volume.
2
Fazemos remissão aqui, a ideia de governo, formulada por Fou-
cault (2008). Pelo termo governo, Foucault (2008) busca mostrar REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
como se constituiu ao longo do século XIX uma nova governa-
mentalidade (nova razão de Estado) que tem como pano de fundo
CARRARA, Sérgio. 1998. Crime e
o poder pastoral (século XV e XVII) – uma arte de conduzir, diri- Loucura: o aparecimento do manicômio
gir, levar, gerir, controlar e manipular os homens. Assim, por téc-
nicas de governo devemos entender um conjunto de instituições,
judiciário na passagem do século. Rio de
procedimentos, análises, reflexões, cálculos e táticas que permita o Janeiro: EdUERJ; São Paulo: EdUSP.
exercício de um tipo específico e complexo de poder, e que tem por
objeto principal a população. Essa última, um conjunto de elemen-
DAS, Veena e Poole, Deborah. 2004.
tos sob o qual podemos depreender constantes e regularidades. “State and its margins: comparative eth-
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FERREIRA, Letícia C de M.; NADAI, Larissa
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REFLEXÕES SOBRE BUROCRACIA E DOCUMENTOS
Larissa Nadai
Aluna de doutorado pelo Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais
da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Mestre em Antropologia
Social pelo Programa de Pós-Graduação
em Antropologia Social da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP).
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