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Estratégias sociais e educação prisional na Europa

Estratégias sociais e educação prisional


na Europa: visão de conjunto e reflexões

Hugo Rangel
International Watch on Education in Prision, Canadá
Université du Québec à Montréal, Departamento de Ciência Política e Educação

Tradução: Anne-Marie E. Milon Oliveira

Introdução formações disponíveis e completamos com outros


recursos. Uma segunda fonte foi constituída pelos
Este artigo originou-se de uma pesquisa sobre o documentos oficiais dos países estudados, como, por
estado da educação prisional na Europa. Apresenta exemplo, os relatórios nacionais.2
uma reflexão, em vários planos e aspectos, sobre as Sabíamos, desde o começo, que o caráter frag-
atividades educacionais desenvolvidas nas prisões, mentário dos dados e a falta de informação das insti-
procurando identificar os problemas de ordem orga- tuições em questão constituíam um limite para qual-
nizacional, metodológica e social que as determinam quer pesquisa que tratasse do meio carcerário. É
ou que as limitam. preciso, portanto, mencionar o tempo suplementar
Diversas fontes foram utilizadas na elaboração considerável e o trabalho que foram investidos na pes-
da pesquisa. Um questionário foi distribuído às auto- quisa de informações junto às autoridades e às pes-
ridades penitenciárias, assim como às organizações soas capazes de fornecer recursos, a fim de obter a
não-governamentais e aos que intervêm no meio informação necessária e, às vezes, uma opinião sobre
carcerário dos países estudados. É preciso, todavia, essa informação.
sublinhar que esse instrumento, ainda que muito útil,
comportava limites importantes.1 Retiramos dele in- 2
Sabendo que os documentos oficiais negligenciam freqüen-
temente as críticas e as disfuncionalidades dos sistemas carcerários,
1
O questionário revelou-se perfectível e transitório, sendo acrescentamos, quando estavam disponíveis, outras informações,

ultrapassado pela própria natureza da pesquisa. No entanto, o aper- a fim de oferecer uma imagem mais equilibrada do assunto. Essas

feiçoamento de um instrumento não poderia constituir-se em um fontes encontram-se relacionadas no final do texto, logo após as

dos objetivos da pesquisa. Isso teria significado uma preocupação referências bibliográficas. As informações obtidas foram comple-

metodológica (e até acadêmica) que deixaria de lado o próprio tadas e, às vezes, validadas pelos profissionais da área educativa e

objeto da pesquisa. carcerária, ou ainda pelos próprios documentos.

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No artigo, os resultados da pesquisa são apre- ções dos detentos continuam precárias. Seria neces-
sentados em quatro blocos. Inicialmente, procuramos, sário, então, pensar em estratégias globais capazes de
pelos dados colhidos, estabelecer o contexto legal, traduzir as leis e os regulamentos em práticas e em
institucional e social no qual se insere a educação programas.
prisional na Europa, para tornar mais claro o entendi- Uma visão de conjunto da educação nas prisões
mento das informações trazidas na segunda seção, que européias permite identificar várias problemáticas na
se debruça sobre a organização, pelas administrações realidade muito complexa e diversificada da vida
penitenciárias, das atividades educacionais desenvol- carcerária. Essa complexidade obriga-nos a ser vigi-
vidas nas prisões, ou seja, sobre o ambiente educati- lantes, a fim de não cairmos na formulação de gene-
vo, as metodologias de ensino e as atividades ofere- ralizações. Nesse sentido, é preciso levar em consi-
cidas aos detentos, o pessoal envolvido, entre outros deração as diversas dimensões das práticas educativas
tópicos. O terceiro bloco aborda três grupos de que estão ou deveriam estar sendo desenvolvidas na
detentos que constituem populações específicas e que prisão, situando suas exigências específicas numa vi-
demandam atenção diferenciada nas atividades edu- são mais ampla dos sistemas de justiça e de adminis-
cacionais a eles oferecidas. Na quarta seção, tendo tração dos programas educativos.
em vista que a educação deve ser considerada na sua A complexidade do meio carcerário, sua nature-
integralidade, e como um processo que se estende ao za multidimensional, a importância dos contextos so-
longo da vida, são listadas algumas de suas dimen- cioeconômicos e o espírito crítico com o qual devem
sões que estão ou precisariam estar presentes na or- ser abordadas as práticas educativas permitem-nos
ganização geral das aprendizagens prisionais. Se- afirmar que o discurso das best practices, muito em
guem-se a este último bloco as conclusões da pesquisa. moda nos meios penitenciários, é incompatível com
a realidade da educação prisional. Esse discurso com-
O contexto legal, institucional e social porta riscos, pois veicula uma ingenuidade acrítica
que negligencia os contextos e os problemas
Na Europa, numerosos países aprovaram leis que sistêmicos. Um olhar comparativo sobre a educação
garantem o direito dos presos à educação. Essas nor- prisional na Europa obriga-nos a afirmar que não exis-
mas legais apresentam geralmente muita semelhan- tem fórmulas ou modelos a serem seguidos. Daí de-
ça, embora, principalmente nos países do Leste euro- corre a importância de valorizar as práticas educati-
peu, observe-se uma distância considerável entre o vas numa perspectiva geral.
que prescrevem as leis e a vida cotidiana nas prisões. Uma das constatações da pesquisa realizada é que
Países como a Bulgária, por exemplo, adotam siste- boa parte do “sucesso” de certos programas educati-
mas rígidos, altamente normativos. Em todos os paí- vos depende da implementação simultânea de dife-
ses, nota-se o crescimento significativo do número rentes estratégias, tanto no plano da administração
de detentos, o que acarreta incontáveis problemas no judiciária como no acompanhamento dos detentos
que tange à aplicação das normas. Além disso, pou- após sua liberação. O “sucesso” dos programas edu-
cos são os recursos destinados a atender às demandas cativos adotados nas prisões pelos países escandina-
de educação dos presos. vos pode, a nosso ver, ser explicado a partir dessa
Como mencionou MacDonald (2003), os países leitura e, é claro, de programas sociais que seguem
da Europa do Leste dão pouquíssima importância às uma estratégia social e comunitária fora da prisão.
prisões; seus responsáveis políticos concentram es- Organizando-se serviços e ficando-se atento à
forços em apenas alguns padrões, visando à adesão população de risco, tem-se a melhora das condições
do seu país à Comunidade Européia, mas as políticas de vida e evita-se a repetição do círculo (infernal)
penitenciárias não mudaram na essência e as condi- prisão-marginalidade-recidiva. Um modo de melho-

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rar a educação nas prisões é trabalhar também fora Quase todos os países que têm leis ou regulamen-
dos muros, no âmbito comunitário. Saliento que as tos prevendo e garantindo o direito à educação na pri-
administrações dos países escandinavos têm como são aceitam geralmente que esses direitos sejam im-
preocupação a formação dos detentos para a autono- plementados por organizações não-governamentais.
mia, inclusive nos atos da vida cotidiana. Essa dimen- Todavia, verifica-se com excessiva freqüência que tais
são educativa, por dirigir-se a pessoas freqüentemente iniciativas se limitam a uma visão da educação como
dependentes, deveria ser generalizada e fundamentar intervenção terapêutica ou de reabilitação ou, pior ain-
os programas educativos. Se o objetivo é que os da, a um tratamento especial para os detentos. É muito
detentos possam superar sua condição, não se deve raro constatar que as autoridades nacionais conside-
habituá-los à vida carcerária (a serviços de cozinha e ram a educação prisional um direito universal, embora
de limpeza, por exemplo). essa opção lhes pudesse conferir uma legitimidade in-
Poder apresentar uma gestão eficaz das prisões e ternacional e reforçar a coesão nacional.
dedicar atenção aos detentos depende também do ní- Essa ausência de estratégias nacionais no que se
vel de estabilidade da população carcerária. A Euro- refere à educação prisional foi identificada com fre-
pa beneficiou-se, nos últimos tempos, de uma estabi- qüência na pesquisa. Conclusões similares foram
lidade em suas taxas de encarceramento. Mas, como enunciadas por comissões parlamentares, tanto na
já foi mencionado, essa situação está mudando: a Ale- Inglaterra como na França, salientando a ausência de
manha, a Inglaterra, os Países Baixos e, particular- coordenação das políticas e das instituições governa-
mente, a Espanha tiveram taxas de crescimento im- mentais no desenvolvimento de estratégias para a
portantes das suas populações carcerárias ao longo educação prisional e assinalando a impossibilidade,
destes últimos anos.3 A superpopulação, como se sabe, muitas vezes, de identificar responsáveis públicos.
provoca numerosos problemas e acentua os que já Volta e meia, reina certa confusão quando se trata de
existem. Freqüentemente, e cada vez mais se acentu- designar o organismo responsável pela educação
ando, as políticas de encarceramento estão ligadas a prisional: o ministério da justiça ou o da educação,
uma visão punitiva e securitária, produzindo mais ou organismos de formação para ao trabalho etc.
problemas do que soluções. Nessa situação, a educa- Essa confusão é produto ou expressão de uma
ção fica em segundo plano, sendo muitas vezes cor- falta de vontade política? Os centros penitenciários
tada ou reduzida nas prisões superpovoadas. ficam enredados nessa indefinição institucional. Eles
Salvo exceções, constata-se, mesmo nos países administram as urgências com um financiamento in-
da Europa Ocidental, que os recursos destinados às suficiente e, na falta de interlocutor público, vêem-se
administrações penitenciárias são insuficientes para empurrados para a improvisação.
permitir o desenvolvimento de programas educativos,
embora estes sejam considerados necessários. Isso A educação e a administração penitenciária
reflete a pouca importância das prisões nas preocu-
pações políticas e nas decisões econômicas. A neces- As questões de segurança têm um impacto sobre
sidade de uma perspectiva global de educação inte- a organização e sobre o desenvolvimento dos progra-
grada não atrai o interesse dos detentores do poder de mas educacionais que se destinam aos detentos. Em
decisão e tampouco da opinião pública. razão disso, não é de surpreender que as restrições e
as regras mais severas de alguns países reduzam os
espaços e as possibilidades de aprendizagem, enquanto
3
A Espanha duplicou sua população carcerária desde 1990, países com restrições menos severas, como os da
e atualmente a taxa de detentos por 100 mil habitantes é de 146, a Escandinávia, oferecem mais flexibilidade para a or-
mais alta da Europa. ganização das atividades e dos programas educativos.

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Outro dado importante a ser considerado é a atua- percebida por eles como muito positiva. Além de
ção dos agentes penitenciários, que, segundo vários motivá-los, ela é um meio para que superem sua si-
países assinalam, recebem uma formação especiali- tuação e, às vezes, para evitar que caiam em recidi-
zada; alguns a adquirem no interior mesmo da insti- vas. A legislação de vários países concede uma redu-
tuição penitenciária. Apesar disso, os profissionais e ção de pena para os prisioneiros que trabalham, mas
as outras pessoas que intervêm na prisão insistem no a sua participação em atividades educativas é ainda
fato de que esses agentes são freqüentemente pouco pouco recompensada dessa forma.
qualificados, que pouco colaboram, dificultam, ou até, Existem países que concedem a liberdade condi-
às vezes, sabotam as atividades educativas. cional após o exame de um dossiê pessoal, que men-
Assim, constata-se uma carência no que se refe- ciona e valoriza o trabalho e a participação do detento
re à sensibilização do pessoal para as atividades edu- em atividades de estudo. Por diversas razões, essa
cativas e o seu lugar na prisão. O mesmo dá-se quan- medida não pode ser generalizada, mas poderia ser
to ao percurso individual de cada detento. O interesse concedida com maior freqüência se houvesse uma
suscitado pelas questões de segurança justifica-se, mas coordenação das libertações condicionais, acompa-
não deve servir de motivo para a imobilidade ou a nhada de uma redução das penas, e se fosse estabele-
inatividade dos presos. cido um programa de acompanhamento educacional
Conforme relatam vários organismos e várias após a liberação.
pessoas que intervêm nas prisões, essa falta de sensi- Alguns países da Europa Ocidental oferecem
bilidade para com o que está em jogo nas questões outra forma de recompensa aos presos que partici-
educativas está também presente em algumas autori- pam dos programas educativos: uma remuneração
dades penitenciárias. simbólica. Esse dispositivo pode certamente contri-
É importante assinalar que vários países afirma- buir para atenuar ou até contrabalançar a concorrên-
ram que a opinião dos detentos era levada em consi- cia entre o trabalho e os estudos na prisão. Assim, as
deração na programação das atividades, apesar de, por autoridades presidiárias devem prioritariamente levar
falta de recursos, só uma parte mínima dessas suges- em consideração os interesses simultâneos dos
tões ter sido concretizada por meio de cursos. Nesse detentos (necessidade de renda para alimentar-se, e
contexto, compreende-se a participação nessas ativi- de educação com vista à saída) e, ao mesmo tempo,
dades apenas de uma minoria, estimada em 30% dos estar a par da demanda imediata do mercado de em-
presos (18% na França, 11% na Finlândia; na Bulgária, prego fora da prisão. Apesar disso, os recursos huma-
de um total de 11.000 presos, apenas 650, isto é, me- nos e financeiros continuam sendo um obstáculo à
nos de 6%, faziam algum curso). Portanto, a oferta de resposta a ser dada aos pedidos de formação.
cursos e de programas educativos deve, imperativa-
mente, ser aumentada. Um perfil das atividades educacionais
Como motivar os detentos? Essa é a pergunta que
se coloca para as administrações das prisões, que se A organização da educação nas prisões não dei-
vêem, volta e meia, confrontadas com a falta de inte- xa de guardar relações com a que existe fora delas,
resse dos detentos em participar das atividades edu- principalmente no que se refere à atribuição de certi-
cativas. A motivação por meio de recompensas (por ficados e à sanção dos estudos pelas autoridades aca-
exemplo, a redução da pena, a liberdade condicional dêmicas. Isso se verifica mesmo quando a especifici-
e a remuneração simbólica) é, sem dúvida, um cami- dade do setor faz com que os próprios sistemas
nho. judiciários determinem o conteúdo dos programas e
Constata-se que a redução de pena para os as abordagens educativas a serem implementadas na
detentos que participam das atividades educativas é prisão.

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O modelo de atividades educacionais que predo- e um ambiente educativo para todos. Na Noruega, por
mina nas prisões é aquele que liga o trabalho em ofi- exemplo, a biblioteca de uma prisão feminina é utili-
cinas às empresas. Nesse contexto, a oferta de cursos zada como centro de reuniões e de trocas para as mu-
limita-se às oficinas e às formações disponíveis. O lheres que se apropriaram desse lugar.4
trabalho para oficinas terceirizadas é freqüentemente Os detentos são preparados para prestar exames
percebido ou apresentado como “a verdadeira forma- estandardizados, formatados, universais. Como con-
ção”, embora esse modelo comporte limites para a seqüência, os docentes têm pouca margem de mano-
formação e a reinserção do indivíduo. Se a formação bra e devem seguir os currículos das instituições ou
técnica ou profissional é primordial para desenvolver dos ministérios da educação. O fato de nem os con-
as habilidades dos detentos, seus limites e suas con- teúdos nem os métodos serem adaptados para essa
tradições devem ser assinalados e até denunciados. população constitui um grande obstáculo para a apren-
Além disso, apesar de existir, às vezes, uma oferta dizagem. É preciso lembrar que a maioria dos detentos
generosa de programas, os cursos realmente disponí- viveu fracassos no sistema escolar e que as mesmas
veis são freqüentemente aqueles que se referem ao metodologias, transpostas para a prisão, estão fada-
ensino fundamental ou ao ensino médio: os da pri- das a produzir o mesmo resultado.
meira à quarta série são amiúde estandardizados e
pouco adaptados, do ponto de vista metodológico, à O dossiê pedagógico e a avaliação
população carcerária.
Em vários países são utilizados para alguns cur- Com muita freqüência, os cursos ministrados aos
sos materiais pedagógicos destinados a crianças, em- detentos são iniciativas pouco estruturadas e sistemá-
bora se saiba que, por serem inapropriados para as ticas. A ausência de avaliação desses programas é
populações às quais se dirigem, se revelarão inefica- evidente. As autoridades presidiárias não dispõem de
zes, ou até contraproducentes. Enfim, a maior parte informação sobre o acompanhamento dos detentos, a
do material é concebida para uma pedagogia de gru- não ser em caso de reincidência. Nessa situação, tor-
po, quando, no caso das prisões, assim como para toda na-se difícil estabelecer um balanço dos processos de
população desfavorecida –, a atenção individual seja aprendizagem nas prisões. Fica patente a necessida-
um elemento importante do trabalho pedagógico, de de instaurar-se toda uma cultura da avaliação. A
como, por exemplo, nos cursos de alfabetização, de constituição de um dossiê pedagógico pode facilitar
expressão etc. um acompanhamento acadêmico no interior das pri-
Ainda que numerosos países mencionem a exis- sões, em caso de transferência para outras prisões e
tência de bibliotecas acessíveis aos detentos, é neces- na hora da liberação do indivíduo. Sem estabelecer
sário assinalar que o material disponível é freqüente- normas abusivas e sem que sejam utilizados para fins
mente vetusto e limitado. Em contrapartida, as punitivos, sua generalização pode ser muito útil para
restrições quanto à mobilidade no interior das prisões um acompanhamento sociocultural e profissional de
e uma concepção ainda tradicional de cultura impe- cada preso.
dem uma utilização maximizada dos lugares. Espaços Uma comissão parlamentar do Reino Unido con-
institucionais, tais como bibliotecas, são subutilizados, firmou essa necessidade de um sistema individual de
desprovidos de qualquer projeto dinâmico, quando aprendizagem estruturado em função da sentença a
poderiam e deveriam propor atividades e serviços va-
riados ao conjunto da comunidade que vive dentro e
em volta da prisão. Assim, a biblioteca poderia tornar- 4
Observação realizada durante a visita organizada pela
se um centro de atividades culturais variadas, benefi- International Adult Learners Weck (IALW), em Oslo, em outubro
ciando os detentos. Tornar-se-ia um espaço específico de 2005.

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ser cumprida pelo detento (System of Individual cente de grupos voluntários no interior das prisões.
Learning Plans Linked to Sentence Plans), sistemati- Isso seria inegavelmente um fator positivo se as auto-
zando e registrando suas aquisições. Esse dossiê pe- ridades públicas não aproveitassem para se livrar, com
dagógico pode ser uma ferramenta valiosa, desde que tanta freqüência, de suas responsabilidades (serviços,
esteja a serviço do detento, não devendo penalizar educação), entregando as tarefas que lhes cabem para
aqueles que têm competências intelectuais reduzidas. as organizações não-governamentais, organismos re-
Existe o risco de um detento apresentar um dossiê ligiosos beneficentes. Pessoas que intervêm nas pri-
pedagógico fraco (em virtude das suas carências es- sões assinalaram a falta de formação e de supervisão
colares iniciais), que influa negativamente sobre uma dos voluntários que participam das atividades, parti-
decisão de liberação condicional, mesmo que o detento cularmente das atividades educativas. É preciso en-
tenha empenhado os esforços dele requisitados. É es- tão pensar numa supervisão e numa formação ade-
sencial, portanto, proceder a uma avaliação indivi- quada dos voluntários envolvidos com os programas
dual que leve em conta seus progressos escolares, educativos, os quais devem estar bem estruturados.
mesmo que ainda muito fracos. Uma redução de pena Em certos países, as organizações não-governa-
ou uma liberação condicional não podem ser adiadas mentais coordenam seus esforços; que se apropria-
por uma avaliação estritamente “escolar” das ativi- ram desse lugar 5 em outros, elas ficam isoladas e pou-
dades de formação cursadas pelo detento. Ou seja, co estruturadas, o que torna mais imperativa ainda a
um dossiê pedagógico não é um boletim escolar. publicização de políticas educativas fortes por parte
dos governos nacionais. Mas, acima de tudo, a parti-
A atribuição de certificados cipação dessas organizações não pode fazer esquecer
que o Estado continua responsável pelas prisões, pe-
Como ocorre em outras burocracias, as adminis- los seus programas educativos e pelas políticas de
trações penitenciárias são regularmente convidadas a reinserção social. A atuação delas, cujos interesses e
entregar relatórios e balanços sobre sua “produtivi- estruturas são diferentes do poder público, deve ser
dade”. Assim, dados quantitativos começam a estar complementar, apoiando a ação do Estado e sendo
disponíveis sobre as iniciativas de base: estatísticas, coerente com ela. Assim, a coesão da oferta educati-
número de cursos ministrados, número de detentos va será fruto da formulação e da implementação de
inscritos, número de diplomas expedidos. uma política governamental forte.
Algumas administrações atribuem diplomas para
cursos de curta duração; esses diplomas têm freqüen- Após a liberação
temente um valor simbólico, muito importante para
os detentos que os recebem, mas de pouco valor le- Após a liberação, a implementação de progra-
gal, pois dão poucas informações sobre as aprendiza- mas socioeducativos de acompanhamento reduz os
gens efetivas. Além disso, observou-se que o grande riscos de recidiva, mas eles são ainda muito escassos.
número de diplomas atribuídos é uma forma de pres- Muitas vezes discriminados e estigmatizados por cau-
são sobre as autoridades: ao salientarem a amplitude sa do seu passado, os egressos das prisões deveriam
das realizações, fortalecem e legitimam os pedidos poder beneficiar-se de projetos educativos específi-
de meios financeiros suplementares.

Os atores voluntários 5
Tal é o caso na Bélgica, onde a Federação das Associações
para a Educação e a Formação nas Prisões (FAFEP) coordena o
Ligada à escassez de recursos financeiros, mate- trabalho associativo do governo com as organizações não-gover-
riais e humanos, observa-se uma participação cres- namentais.

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cos, capazes de assegurar continuidade nos estudos e na França e 45% na Bulgária. Os programas educati-
no trabalho. As necessidades constatadas na prisão vos destinados a jovens detentos devem propor alter-
são ainda mais gritantes fora dela, após a liberação, nativas realistas de vida ante as difíceis condições
em virtude da ausência de iniciativas e mecanismos sociais que freqüentemente foram as suas, antes do
que auxiliem os egressos a abrir caminhos. Assim, as encarceramento, principalmente porque esse grupo
instituições carcerárias devem preocupar-se (como apresenta graves problemas de aprendizagem. Apren-
ocorre nos países escandinavos, conforme já mencio- der a aprender constitui certamente um objetivo
nado) com a preparação dos detentos para que vivam prioritário.
de maneira autônoma, inserindo-se, após cumprirem Em vários países, como na Inglaterra, foram cria-
suas penas, numa perspectiva de educação ao longo das escolas para jovens presos, mas essas iniciativas
da vida. são ainda por demais escassas. Programas de educa-
ção não-formal devem ser propostos, a fim de que a
Populações específicas expressão das emoções e das frustrações, que é uma
necessidade para toda vivência coletiva, possa ser
As mulheres adquirida.

As mulheres detentas são nitidamente menos As minorias culturais


numerosas que os homens. Mas o que poderia repre-
sentar uma vantagem em termos de gestão torna-se Constata-se um número crescente de pessoas
uma desvantagem, pois as administrações não costu- pertencentes a minorias culturais nas prisões euro-
mam fornecer-lhes cursos específicos em razão do péias. A super-representação dessas populações em
número reduzido de mulheres “interessadas” em fre- comparação com sua presença nas populações nacio-
qüentar determinado curso. Note-se que, recentemen- nais constitui, por si só, uma expressão da condição
te, em vários países, o número de detentas vem au- social marginal desses grupos. A presença das mino-
mentando. rias culturais representa um fenômeno marcante,
Na pesquisa realizada, queríamos saber se os pro- identificável em vários aspectos da vida carcerária,
gramas educativos ministrados às mulheres limita- entre os quais a saúde e as atividades educativas. O
vam-se aos cursos tradicionais. Infelizmente, em vá- fato de os migrantes não dominarem a língua oficial
rios países, eles sequer existem. Por falta de recursos falada na prisão condena-os a um isolamento suple-
e de iniciativas, a formação das mulheres está à deri- mentar que não favorece a sua reinserção e incentiva
va, ou então se reduz a um ensino muito tradicional. a formação de enclaves comunitários. Deve-se assi-
As condições de superpopulação dos presídios cons- nalar que vários países criaram programas especiais
tituem ainda, mesmo nesses grupos menores, um en- para esses detentos. Apesar disso, de uma forma ge-
trave para a organização da educação. ral, existe um claro déficit de programas educativos e
As mulheres pertencentes a minorias étnicas são de ajuda para essa população.
geralmente ainda mais necessitadas e isoladas, e têm, A participação das minorias culturais em ativi-
freqüentemente, mais problemas de saúde, como será dades é ambígua: às vezes, esses detentos participam
visto adiante. das atividades educativas ou de outros programas por
razões de segurança e de conformismo. Seria interes-
Os jovens sante valer-se dessa realidade para tirá-los dessa par-
ticipação passiva e levá-los a um processo de valori-
O número de jovens está em alta nas prisões eu- zação individual durante a detenção, na perspectiva
ropéias: eles constituem 46% da população carcerária de preparar e favorecer sua saída.

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A diversidade cultural constatada nas prisões Esses problemas conjugam-se com a superpopu-
manifesta-se também pela expressão religiosa. A in- lação e com a grande necessidade de renovação da
dagação que permanece é: de que forma as atividades infra-estrutura das prisões. A educação para a saúde
educativas poderiam levar em consideração essas di- é, assim, uma necessidade absoluta. O tratamento das
ferenças religiosas a fim de favorecer o espírito críti- doenças deve imperativamente ser acompanhado de
co, permitir a compreensão das atitudes e criar um programas educativos de prevenção, sensibilização e
ambiente de tolerância, propício à vida coletiva? formação dos detentos. A prevenção das doenças por
meio de programas de educação para a saúde consti-
Dimensões da educação tui também uma forma de economizar fundos e re-
cursos, mas esse não é, evidentemente, o argumento
Partindo-se do entendimento de que a educação essencial.
deve ser considerada na sua integralidade, e como um A distribuição de preservativos deve ser acom-
processo que se estende ao longo da vida, são listadas panhada de programas educativos (sexualidade, res-
a seguir algumas de suas dimensões que estão ou pre- peito pelo outro, higiene, contracepção etc.). Como
cisariam estar presentes na organização geral das menciona Macdonald (2005), é preciso também re-
aprendizagens prisionais. lembrar que a situação sanitária das mulheres é parti-
cularmente preocupante na Europa do Leste. O esta-
A educação para a saúde do de saúde dos detentos imigrantes e das minorias
étnico-culturais (ciganos, por exemplo) é freqüente-
A oferta de programas de educação para a saúde mente precário, e não é raro que o exame médico fei-
é imperativa, ainda mais se levando em conta que o to na prisão seja o primeiro de suas vidas.
número e a gravidade das doenças ocorrem de forma A tuberculose permanece um problema grave. É
proporcionalmente mais importante na prisão do que preciso desenvolver estratégias de prevenção e de
fora dela. As infecções, como o HIV e as hepatites, sensibilização, assim como apoiar a implementação
são particularmente numerosas. A taxa de suicídios é de amplos programas de higiene. É preciso também
também proporcionalmente muito mais elevada que que os prédios penitenciários passem por reparos, o
no exterior. que raramente acontece. O estado sanitário de certas
Na Europa Ocidental, o HIV está particularmen- prisões provoca o aparecimento ou aumenta a inci-
te presente nas prisões de Portugal (20%) e da Espanha dência de certas doenças (sem falar na influência da
(16%). A partir de um estudo realizado em dez países “arquitetura” das prisões sobre a saúde psíquica dos
da Europa do Leste, Macdonald (2005) afirma que o detentos).
consumo de drogas está em crescimento nesses paí-
ses, e que às vezes drogas são injetadas nas próprias As tecnologias da informação e comunicação
prisões; há também uma incidência crescente de ca-
sos de hepatite entre os presos. A aprendizagem da informática foi mencionada
Sabe-se que os programas de distribuição de se- em diversos casos como uma das atividades organi-
ringas para as pessoas dependentes de drogas podem zadas na prisão. Parece de fato difícil ignorar as tec-
reduzir as infecções. Mas isso pressupõe que as auto- nologias da informação, inclusive no meio carcerário.
ridades admitam a existência e a circulação de drogas Vários países mencionam a acessibilidade aos com-
dentro dos estabelecimentos penitenciários, e que essa putadores (reduzida por razões evidentes de seguran-
distribuição seja acompanhada de informações ça). Aprender informática é uma necessidade, mas
psicomédicossociais. Chega-se aqui a uma das maio- utilizá-la como metodologia é questionável. Efetiva-
res dificuldades de implementação de tais programas. mente, é extremamente importante colocar a questão

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da informática como instrumento de aprendizagem dos com populações hispanófonas estudando inglês.
para os indivíduos privados de liberdade. Estudos re- Alguns desses estudos explicam o esquecimento da lín-
centes salientam a necessidade de oferecer tutorias gua materna, às vezes por razões financeiras.
adequadas, que venham obrigatoriamente em com- Pesquisas recentes mostram, todavia, que o co-
plemento dos programas educativos online ou por nhecimento de sua própria língua, longe de retardar
softwares. Ou seja, o ensino tem uma dimensão co- os progressos do aluno, lhe permite adquirir mais ra-
munitária. Como dizia Paulo Freire, a educação é pidamente as mesmas aptidões numa outra língua. Em
dialógica, exige a comunicação. um plano estritamente econômico, esse método tam-
As administrações penitenciárias apresentam bém se justifica. No âmbito dessa comunidade im-
(como o fazem as universidades) a incorporação das posta, que é a prisão, os detentos poderiam assim de-
tecnologias da informação como uma imagem da senvolver novas oportunidades de comunicação,
modernidade. No plano simbólico, a sua apropriação como, por exemplo, a edição de jornais.
é útil para os detentos, mas, em linhas gerais, não subs-
titui o acompanhamento. A alfabetização
Apple (2004) salienta que, para seguir essa idéia
de modernidade, as instituições educativas gastam Programas de alfabetização são organizados em
excessivamente em computadores e em equipamen- numerosas prisões e assumem às vezes um caráter
tos, mas que isso serve cada vez menos para melho- obrigatório, sobretudo para os jovens. Mais do que
rar a educação e a supervisão. É preciso, então, supe- qualquer outro tipo de ensino, a alfabetização neces-
rar essa imagem de modernidade e compreender o sita de uma abordagem dinâmica, crítica e participa-
papel das tecnologias da informação (certamente in- tiva – tal como propôs Paulo Freire. Apesar disso,
dispensáveis na vida cotidiana) em um meio marca- constata-se que as aulas de alfabetização são freqüen-
do pelas carências financeiras e educativas. temente organizadas de modo convencional, com con-
Em compensação, a informática e os meios tec- teúdos rígidos e pouco propícios a gerar interesse nos
nológicos de informação e comunicação não devem, alunos.
em caso algum, substituir a equipe pedagógica. O Durante um seminário sobre educação não-for-
computador não substitui o docente. Essa restrição mal organizado pela Organização das Nações Unidas
não significa que não se deva encorajar o estudo da para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
informática, ferramenta essencial da formação pro- foi colocada a questão da natureza da alfabetização:
fissional. Para além do símbolo da modernidade, há o será ela formal ou não? Essa distinção não é unica-
domínio de um instrumento; isso é também seguir uma mente semântica, mas também metodológica e
direção pedagógica. conceptual: a alfabetização escolarizada, tal como é
abordada em vários países europeus, pode ser um
As línguas utilizadas no ensino obstáculo para o desenvolvimento de uma educação
dinâmica e participativa. Acompanhar a evolução de
A presença, por vezes significativa, de imigrantes um indivíduo requer uma metodologia mais flexível.
e de pessoas oriundas de grupos minoritários constitui E deve-se prever necessariamente um apoio que faci-
um questionamento para os processos de alfabetiza- lite a transição para o nível primário.
ção. A aprendizagem de uma segunda língua não pode
ser confundida com a alfabetização na língua materna. O trabalho e a formação
Com freqüência, a utilização da língua materna ajuda
na aprendizagem de uma segunda língua, como o pro- Como já foi mencionado, observa-se que os pro-
vam numerosos estudos realizados nos Estados Uni- gramas educativos desenvolvidos nas prisões enfati-

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Hugo Rangel

zam por demais o desenvolvimento de competências qualquer restrição a esse direito; oito países o sus-
para o trabalho. A princípio, a escolha desse caminho pendem para os detentos condenados a algumas sen-
é perfeitamente justificável, a fim de possibilitar aos tenças bem precisas. Apenas uma minoria de países
presos sua reinserção social. Mas a realidade é bem (oito), entre os quais a Inglaterra, a Bulgária, a
diferente, pois a formação em oficinas, que são, na Romênia e a Rússia, suprimem automaticamente o
realidade, muitas vezes, fábricas terceirizadas, de- direito de voto dos presos a partir de sua condenação.
monstrou poucos resultados convincentes no que se Várias organizações, como a Penal Reform, pro-
refere à formação dos detentos e à sua absorção pelo põem que os detentos sejam encorajados a votar para
mundo do trabalho. que adquiram, progressivamente, o conhecimento e a
Experiências feitas na França e no Reino Unido consciência da sua responsabilidade cidadã. O direi-
mostram que essas oficinas se vêem confrontadas com to de votar (e a pedagogia que o acompanha) pode
os dilemas e as exigências que opõem a produção com- provocar neles um sentimento de interesse para as-
petitiva à organização de uma formação adequada. suntos que ultrapassem sua própria sobrevivência na
O modelo de formação pelo trabalho na prisão prisão e, eventualmente, motivá-los a participar de
está em crise, tanto no plano europeu como no plano atividades na prisão e, depois, na sociedade.
internacional; países da América Latina, da Ásia e da Outro argumento é que o voto de numerosos
África estão desenvolvendo programas educativos detentos favorecerá um crescimento de interesse, por
centrados principalmente na formação para o traba- parte dos políticos, para com a organização geral das
lho, e isso mediante oficinas de produção. Consta- prisões. Como foi visto, as prisões não constituem,
tou-se que esse modelo não se adapta às reais neces- ainda, uma prioridade dos governos, tampouco da
sidades educativas dos detentos, pois o objetivo opinião pública. Integrar os detentos nos processos
principal dessas oficinas é a produção, e sua exigên- de votação (e de participação social) pode, eventual-
cia imediata, a rentabilidade. A preocupação com uma mente, “tirar as prisões” do isolamento e dessa falta
formação mais adequada dos detentos torna-se, en- de interesse por parte do poder público e da socieda-
tão, secundária. de em geral.
A insuficiência dos recursos públicos destinados
aos sistemas carcerários obriga as administrações a A educação não-formal
realizar parcerias com a iniciativa privada. Nesse con-
texto, podemos compreender melhor a participação Tendo em vista os limites comprovados do mo-
crescente do setor privado nas prisões, e o debate em delo de formação baseado em oficinas, outras alter-
torno dessa participação comporta certamente nume- nativas educativas têm de ser consideradas. A educa-
rosos elementos. No entanto, não é certo que essas ção não-formal oferece um leque de possibilidades
parcerias tornem as condições menos desfavoráveis de formação, de sensibilização e de expressão para
para as prisões, nem, particularmente, para os detentos. os detentos, que devem ser analisadas com interesse.
Quando a terceirização impõe seus interesses, os dos Embora vários países venham implementando a edu-
detentos e os das instituições carcerárias caem para o cação não-formal (por exemplo, Bélgica e Espanha),
segundo plano. não se assiste ainda à criação de redes de troca. Mais
ainda, contata-se uma falta de valorização desse tipo
O direito de voto e a cidadania de educação, persistindo uma visão segundo a qual
as atividades educativas não-formais são, essencial-
Na maioria dos países europeus, os detentos têm mente, “ocupacionais”.
direito de votar. Dezoito países da Europa, dentre eles Na Europa, os numerosos projetos de educação
a Espanha, a Irlanda e os Países Baixos, não impõem não-formal são geralmente de uma grande riqueza e

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Estratégias sociais e educação prisional na Europa

de um valor educativo comprovado. Esses programas terapêuticos são disponibilizados. Eles deveriam inte-
constituem meios de expressão e são portadores de grar uma educação para a sexualidade e para o respeito.
uma visão mais aberta, que é necessária à prisão e Quanto aos motoristas alcoolizados, a educação
aos detentos. Quando se sabe que a maioria dos pode fazer parte dos programas de tratamento
detentos teve dificuldades com o ensino formal (na terapêuticos, como é o caso de projetos desenvolvi-
Inglaterra, 60% têm pouca habilidade com a leitura e dos na Noruega (Anger, Stress Management, Drunk
a escrita), a educação não-formal aparece como uma Drivers, Sexual Offences), que procuram ir além da
possibilidade de aprender de outra forma. punição. Os detentos acusados de infrações ligadas a
condutas agressivas são tratados de forma indireta,
A educação e as necessidades terapêuticas mediante ateliês de gestão da cólera ou de autoco-
nhecimento, que visam fazer com que cheguem a com-
O número crescente de detentos que enfrentam preender as razões que os levam a cometer diversas
problemas com drogas provocou a reação das autori- infrações.
dades, e cada vez mais governos têm implementado Projetos artísticos, como o teatro, podem contri-
(ou deixado implementar) programas visando ao tra- buir para canalizar a agressividade e ajudar a expressá-
tamento desses dependentes. Certos programas desen- la de outra forma. Segundo relataram pessoas que in-
volveram uma abordagem sistemática. Os chamados tervêm nas prisões, cursos de ioga que são realizados
programas de desintoxicação são, de per si, uma for- em várias delas ajudaram a neutralizar detentos ante-
ma de lutar contra o tráfico, fonte de violência e de riormente violentos.
corrupção no interior das prisões. A educação ao longo da vida, entendida como
Os programas que se referem às drogas pesadas um processo que engaja o educando, constitui um ele-
são, evidentemente, difíceis de ser desenvolvidos, por mento fundamental do encaminhamento terapêutico.
demandarem um acompanhamento constante. Além Para superar a visão terapêutica, a educação não-
disso, a presença importante de drogas nas prisões (o formal permite uma objetivação na tentativa de reso-
que incomoda as autoridades) constitui uma dificul- lução de problemas concretos (tratamento da violên-
dade suplementar. cia, perturbações do comportamento etc.). Ela é parte
O alcoolismo é outra realidade muito presente, integrante da educação nas prisões e oferece um es-
e também muito difícil de ser tratada num lugar de paço de encontro às diversas personalidades reunidas
desesperança. Ainda assim, propor pistas para en- por acaso nesse lugar fechado.
frentar essa doença favorecerá uma diminuição da
reincidência. A educação para a tolerância
É, portanto, necessário identificar as necessida-
des terapêuticas ligadas aos comportamentos delituo- Assiste-se atualmente a um aumento do racismo
sos. Uma avaliação de cada detento deve ser feita, e da xenofobia em vários países da Europa e no inte-
em uma perspectiva terapêutica, mas também como rior das prisões (entre os detentos, assim como entre
forma de fornecer-lhe, progressivamente, as chaves eles e os carcereiros). Um número cada vez maior de
da compreensão da sua dependência. O objetivo não delitos tem uma origem racista ou xenófoba. Progra-
é, evidentemente, “tratar os doentes” ou medicalizar mas como o Xenos, na Alemanha, tentam prevenir
a delinqüência. Mas existe um campo de pesquisas e esse tipo de crime, sensibilizando os detentos e os
de experiências para uma abordagem que não seja que intervêm nas prisões, preparando-os para enfren-
incompatível com a eficácia terapêutica. tar, compreender e aceitar as diferenças.
No que se refere aos delitos sexuais, em alta nas É preciso também sensibilizar e formar os agen-
prisões de vários países, programas e tratamentos tes penitenciários, que têm de conviver com detentos

Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 91


Hugo Rangel

imigrantes, pertencentes a diversas religiões. Uma uma falta de visão política em educação. A educação
formação para a diversidade cultural e religiosa deve de jovens e adultos não é uma educação para crianças
ter seu lugar no currículo desses agentes, facilitando, grandes; a formação não é a educação ao longo da
assim, a coabitação no interior da prisão. vida. O fato de o ensino resumir-se, com tanta fre-
qüência, à educação profissional é revelador dessa
Conclusões falta de horizontes.
Aprender a viver de forma independente, A educação ao longo da vida almeja um objetivo
porém em uma comunidade mais amplo, que vai além das aptidões e da distribui-
ção de informações, como ocorre nas salas de aula. A
Um bom número de programas de educação educação refere-se a atitudes, que não devem ser re-
prisional adota atitudes paternalistas, moralistas ou produzidas sem que se entenda seu sentido, mas que
abordagens terapêuticas. Não há dúvida de que certos devem ser compreendidas.
detentos necessitam de serviços de saúde mental, se- Duguid (2000) afirma, com razão, que a educa-
rem reconfortados ou receberem um apoio individual ção, se não provocar uma mudança de atitudes nos
personalizado. Além disso, boa parte dos detentos mar- detentos, só faz criar criminosos qualificados. É pre-
ginalizados, às vezes sem teto, sem laços familiares, ciso relembrar aqui o perfil majoritário dos detentos:
busca referências, apoio para viver de uma forma au- a maioria cometeu crimes ligados às drogas, roubos e
tônoma, fazer parte de uma comunidade. Nesse senti- atos contra a propriedade (os assassinos são mino-
do, é fundamental diversificar as pistas de reflexão para ria). A mudança bem interiorizada de atitudes consti-
responder a uma demanda tão difusa e não-verbalizada. tui, com certeza, um objetivo da educação, mas ela
O processo educativo, na sua integralidade, deve deve ser acompanhada de alternativas. O contexto vai
ser implementado na prisão. Não se trata apenas de determinar as atitudes que se quer mudar: a situação
organizar sessões de formação (em contraparida, de uma mãe solteira que cometeu um furto leve ou
muito necessárias), senão de aderir – em toda medida transportou droga para alimentar seus filhos é muito
possível – à realidade cotidiana, para fazer dela um diferente da situação de um pedófilo.
terreno de aprendizagens: relacional, social, acadê- O essencial da educação ao longo da vida é que
mica, não-formal, econômica. Ainda se está longe ela seja reconhecida como um direito universal, ine-
disso na organização geral das prisões. rente à formação cidadã. E isso é uma verdade, tanto
É preciso propor, de novo e sem parar, o ensino no interior da prisão como fora dela.
de base que é perdido freqüentemente durante a esta-
dia na prisão. É preciso encorajar a divulgação e a Referências bibliográficas
pesquisa de informações sobre a realidade econômi-
ca, o consumo, os recursos comunitários, os cuidados APPLE, Michael W. Are we wasting money on computers in
de saúde, a procura de empregos, o funcionamento schools? Education Policy, n. 18, p. 513-522, 2004.
das instituições, o Estado, os direitos humanos e os DUGUID, Stephen. Can prisons work? The prisoner as object and
valores universais. subject in modern corrections. Toronto: University of Toronto
Para poder encarar os múltiplos desafios da edu- Press, 2000.
cação prisional, é necessário prever uma grande reor- MACDONALD, Morag. A study of the health care provision,
ganização. Esse desafio requer, também e principal- existing drug services and strategies operating in prisons in ten
mente, uma visão e uma abordagem que vê na countries from Central and Eastern Europe. Helsinki: Heuni, 2005.
educação um processo ao longo da vida. Nesse senti- . A comparative report of health care provision in
do, a improvisação e a inadequação constatadas nos prisons in Poland, Hungary and the Czech Republic. Finland:
programas destinados a adultos são reveladoras de Heuni, 2003.

92 Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007


Estratégias sociais e educação prisional na Europa

Outras fontes consultadas RESPONSE of the government of the Czech Republic to the report
of the European Committee for the Prevention of Torture and
BARRED from voting. Prison reform trust. London: PRT, 2001. Inhuman for Degrading Treatment or Punishment (CPT).
BASIC facts. Information and statistics about the Swedish prison Strasbourg, 2002.
and probation service. Swedish Prison and Probation UNITED KINGDOM. House of Commons report from the
Administration, 2006. Education & Skills Select Committee. London: Forum on Prisoner
CZECH prisons. Prague: Prison Service of the Czech Republic, Education, 2005.
2006. ZIPPERER, M. Tackling tuberculosis in Latvia. PLoS Med, v. 2,
GALERA, Laura. La educación en las prisiones españolas. Bar- n. 5, e1. 22, 2005.
celona: Universidad de Barcelona, 2004.
ILOVICSNÉ TÖRÖK, Ágota. Hungary prison report. Budapest:
HUGO RANGEL, mestre em ciências da educação pela
Hungary Ministry of Justice, 2005.
Universidade de McGill, mestre em sociologia e doutor em ciên-
INFORME general. Dirección General de Instituciones
cias da educação pela Universidade de Montreal, é membro do
Penitenciarias, Ministerio del Interior de España, 2003.
Sistema Nacional de Investigadores do Consejo Nacional de
IRISH prison annual report. Dublin: Irish Prison Service, 2004.
Ciencia e Tecnologia (SNI/CONACYT), no Canadá, e docente-
LOI de principes concernant l’administration des établissements
pesquisador (pós-doutorado) na Université du Québec à Montréal,
pénitentiaires. Bruxelles: Gouvernement de la Belgique, 2005.
no Departamento de Política e Educação. Dirigiu vários projetos
NORDIC prison education, a lifelong learning perspective.
de pesquisa sobre a educação de adultos no meio carcerário, com
Copenhagen: Nordic Council of Ministers/TemaNord, 2005.
a Internacional Watch on Education in Prison (IWEP), notada-
PRACTICE and collaboration for education in European prisons.
mente o projeto “Educação prisional, estado da arte na Europa”,
The case study of Greece. Thessaloniki, Greece: ARSIS –
em colaboração com a Comissão Européia e o Instituto da Orga-
Association for the Social Support of Youth Reality, 2004.
nização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
PRISON treatment act. Norrköping: Swedish Prison and Probation
(UNESCO) para a Educação de Hamburgo. Suas pesquisas dedi-
Administration, National Labour Market Board, 1999.
cam-se também às identidades coletivas, à cidadania, à democra-
RÉPONSE du gouvernement italien au rapport du Comité
cia, às políticas educativas e à filosofia política. Publicou:
Européen pour la Prévention de la Torture et des Peines ou
International trends in education in prison (ICAE, Conseil
Traitements Inhumains ou Dégradants (CPT). Strasbourg, 2004.
International pour l’Education des Adultes, 2003), e, recentemen-
REPORT to the Lithuanian government on the visit to Lithuania
te, “Le principe de liberté académique dans l’ère du conservatisme
carried out by the European Committee for the Prevention of Tor-
et la globalisation” (McGill Journal of Education, 2006). E-mail:
ture and Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (CPT).
hugo.rangel@elf.mcgill.ca
Strasbourg, 2004.
REPORT to the Polish government on the visit to Poland. European
Committee for the Prevention of Torture and Inhuman or Degrading Recebido em outubro de 2005
Treatment or Punishment (CPT). Strasbourg, 2002. Aprovado em outubro de 2006

Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007 93


Resumos/Abstracts/Resumens

Resumos/Abstracts/Resumens

and reflection objetivo identificar los problemas de


Hugo Rangel This text is based on the results of a orden organizacional, metodológica y
Estratégias sociais e educação research project and constitutes an social que la limitan o la determinan.
prisional na Europa: visão de overview of the state of the art in Comporta una reflexión, en varios pla-
conjunto e reflexões prison education in Europe with the nos y aspectos, sobre las actividades
Este texto tem por origem uma pesqui- aim of identifying organizational, educativas desenvueltas en las
sa e constitui um sobrevôo do estado methodological and social problems prisiones, así como sobre el papel y la
da arte sobre a educação prisional na which limit or determine it. It contains significación de esas actividades edu-
Europa, tendo por objetivo identificar a reflection, on various levels and cativas para las sociedades, sus siste-
os problemas de ordem organizacional, aspects, on the educational activities mas judiciales y penitenciarios. Procu-
metodológica e social que a limitam ou developed in prisons, as well as on the ra establecer una relación entre las
a determinam. Comporta uma reflexão, role and meaning of these educational estrategias sociales y la educación
em vários planos e aspectos, sobre as activities for societies, their judiciary desenvuelta en las prisiones europeas.
atividades educativas desenvolvidas and penitentiary systems. It seeks to Palabras claves: educación de jóvenes
nas prisões, assim como sobre o papel establish a relationship between social y adultos; derecho a la educación; al-
e a significação dessas atividades edu- strategies and that education fabetización; educación prisional;
cativas para as sociedades, seus siste- developed in European prisons. educación a lo largo de la vida;
mas judiciários e penitenciários. Procu- Key words: prison education; lifelong educación para el trabajo; educación y
ra estabelecer uma relação entre as education; education for work; ciudadanía
estratégias sociais e a educação desen- education and citizenship
volvida nas prisões européias. Estrategias sociales y educación en
Palavras-chave: educação prisional; las prisiones en Europa: visión de
educação ao longo da vida; educação conjunto y reflexión
para o trabalho; educação e cidadania Este trabajo tiene por origen una pes-
Social strategies and prison quisa y constituye un sobrevuelo del
education in Europe: an overview estado del arte sobre la educación en
las prisiones en Europa, teniendo por

180 Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 34 jan./abr. 2007

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