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TEMA DA AULA:

GESTÃO PÚBLICA
E
ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA
A BUROCRACIA CLÁSSICA:
origens, definição,
características, principais
problemas e sua reformulação
atual

Fernando Luiz Abrucio


1) Origens:
• O termo burocracia é muitas vezes
usado como correlato de grandes
máquinas administrativas que
existiram em Impérios antigos (como
o chinês) ou então para descrever a
estrutura organizacional da Igreja
Católica, na Idade Média.
• Em ambos os casos, a palavra
burocracia tem um sentido bem
diferente de sua conotação moderna.
• No mundo moderno, o conceito de
burocracia vai se relacionar, em suas
origens, com dois aspectos gerais:
- A criação do Estado-nação e seu
desenvolvimento
- A idéia de administração pública, que é
resultado da criação de um espaço estatal
onde o público é separado do privado.
• Primeira definição de Administração Pública:
Revolução Francesa – o funcionário da coroa
passa a ser funcionário do público
‰Para entender o surgimento da burocracia é
necessário primeiro descrever as bases
iniciais do Estado nação moderno.
• Origens: século XIV/século XVII (Paz de
Westphalia).
.
De maneira geral, o Estado Moderno pressupunha
a criação dos seguintes elementos:
1. Delimitação de um território com fronteiras bem
definidas;
2. Legitimidade do poder político: absolutismo e
surgimento da burguesia;
3. Centralização política.
4- Mercantilismo e o pacto coerção/capital
(Charles Tilly)
5- Constituição de uma estrutura administrativa
mínima (exército, tributos e os primórdios da
burocracia).
• Principal característica administrativa:
o modelo patrimonialista – é contra
este modelo que em boa medida a
administração burocrática
(Bureaucratic Public Administration)
será constituída
Definição do modelo patrimonialista:
Não há separação nítida entre o espaço
público e o privado;
Forma de constituição de lealdade
política entre o Estado absoluto e os
grupos privados mais fortes
(predominantemente aristocráticos)
O modelo patrimonial gerava nepotismo e
favorecimento aos protegidos pelo poder público –
caso francês.
No entanto, os primeiros passos de expansão do
espaço liberal-democrático, por meio de eleições,
embora bem restritas, não acabaram por completo
com o patrimonialismo.
Em muitos casos, houve a criação de outra lealdade
patrimonial, a clientelista (the political clientage),
cujo objetivo era retribuir com cargos públicos aos
apoios recebidos na eleição. Isso ocorreu nos
Estados Unidos, na Inglaterra, no Brasil (ver livro do
Richard Graham.
Causas que levaram à formação da administração
pública burocrática:
Há pelo menos três grandes causas, complementares
e não concorrentes

a) Processo de racionalização capitalista (Weber).


Mediante este processo, todas as organizações
complexas, privadas e públicas, devem
profissionalizar sua gestão, padronizar os
métodos administrativos e buscar maior eficácia
em suas ações, em termos de estrutura
hierárquica e qualificação prévia dos funcionários
(formação escolar). Argumento técnico e
funcionalista.
b) Expansão e complexificação do papel do Estado
- Primeiramente, exército regular e tributação
eficiente.
- Depois, direitos de propriedade, proteção legal
(rules of law)
- Ao longo do tempo, houve expansão para outras
atividades regulatórias e investimento em infra-
estrutura (o caso das ferrovias norte-americanas,
estudado por North).
- Nos países em desenvolvimento e mesmo nos casos
de modernização conservadora (Alemanha), o
Estado como vetor do desenvolvimento dependeu
da constituição de uma burocracia meritocrática.
Argumento da Economia Política.
c) Ampliação da liberal-democracia e a criação de
políticas públicas para garantir direitos sociais
- De forma tensa e conflituosa (under struggle of
class), o liberalismo transformou-se em liberal
democracia com a ampliação do sufrágio. A luta
por direitos se ampliou e levou à criação,
paulatina, de políticas sociais, que demandavam
de uma burocracia profissional e meritocrática
para realizar esta nova tarefa
- Esta luta por democratização e ampliação dos
direitos também resultou em medidas para tornar
mais igualitário o acesso aos cargos públicos.
- Em suma, a criação da burocracia esteve no
centro dos conflitos da montagem da liberal
democracia até a sua transformação mais adiante
em democracia. Argumento da Ciência política.
Nascimento da Burocracia: entre a segunda
metade do século XIX e a primeira metade
do século XX.

Alguns casos:
- Inglaterra: 1854-1870 – Northcote-
Trevelyan Report até a reforma de 1870
• França: da Revolução francesa (mais
princípios do que realidade), passando
pela reforma de 1872 (poder para o
Conselho organizar os concursos), até
chegar à criação da ENA, em 1945
• Estados Unidos: do spoil system ao
Pendleton Act (1883), passando pelas
reformas da progressive era (as idéias de
W.Wilson, por exemplo), chegando ao
Personnel Classification Act (1923) e
terminando com as Comissões Nacionais
de Reforma Administrativa, criadas por
F.Roosevelt, que funcionaram até o final
da década de 1960
O modelo de administração pública
burocrática é muitas vezes citado como
modelo burocrático weberiano, pois foi o
sociólogo Max Weber o primeiro a
descrever uma estrutura burocrática em
sua forma típica ideal (descrição das
principais características).
• No entanto, Max Weber tinha um duplo
sentimento em relação à burocracia:
considerava que ela era imprescindível
para a racionalização das atividades
estatais, algo que a classe política não
conseguiria fazer sozinha, mas temia que
a burocracia tivesse poder demasiado e,
por isso, sempre propôs um controle
político sobre ela.

.
Ademais, não há um único modelo de
administração burocrática.
Há diferenças de origem, implementação e
mesmo de sentido entre países e regiões
Principais causas destas diferenças entre os
modelos de administração pública burocrática:
a) A cultura política: o sentido da meritocracia.
b) O modelo de construção capitalista.
c) Relações entre Estado e Sociedade:
democracia e burocracia (Silberman) – os
modelos profissional (EUA e GBR) e
organizacional (França e Japão)
Principais características do modelo burocrático:

• Separação nítida entre as esferas pública e


privada, a fim de evitar a interferência de
interesses particulares na administração
pública – é a luta contra o patrimonialismo;
• Rotinas e procedimentos formalizados segundo
regras definidas a priori;
• Impessoalidade e neutralidade do corpo de
funcionários
• Estrutura fortemente verticalizada de
hierarquia funcional;
• Seleção meritocrática do corpo de
funcionários, a partir de critérios de
seleção e promoção baseados em
competências definidas pela
especialização profissional;
• Profissionalização da carreira
administrativa, com critérios de proteção e
ascensão definidos de antemão, em
contraposição ao arbítrio pessoal;
• Predominância do controle legal como
critério de avaliação da ação
administrativa (due process);
• A eficácia (efficacy) como princípio
norteador da racionalidade, isto é, a
criação de meios para atingir certos
resultados definidos como produtos
tangíveis, com pouca preocupação sobre
os custos, a otimização, a democratização
e o impacto da ação governamental
(efetividade)
‰Rígida divisão entre políticos e burocratas
– embora o próprio Weber propusesse o
controle dos primeiros em relação aos
segundos, não obstante ele manteve a
separação entre os que têm o saber
técnico e os que têm a legitimidade
política.
Entre as principais vantagens da burocracia,
proclamadas por seus criadores iniciais,
estariam:
- A racionalização da ação administrativa, numa
era de expansão do Estado;
- Uma definição precisa de cargos e processos
operacionais e a delimitação clara dos limites e
responsabilidades de cada função;
- A continuidade da administração, estabelecendo
mais claramente a diferença entre Estado e
Governo;
- E, sobretudo, a erradicação dos princípios
patrimoniais de poder.
Em análise sobre oitenta países, estudo de Peter
Evans & Rauch (1999) mostrou que a
substituição de um modelo patrimonial pela
criação de uma burocracia profissional foi uma
condição não suficiente porém necessária para
o desenvolvimento dos países no século XX. Na
verdade, é possível dizer que sem uma
administração pública baseada no mérito,
nenhum Estado pode realizar com sucesso suas
atividades.
Sem entrar ainda nas críticas mais recentes
à burocracia, muitos autores do século XX
perceberam que poderiam surgir
disfunções vinculadas intrinsecamente ao
modelo. Entre eles destacam-se Michels,
Merton, Crozier, Claude Lefort, e na
América Latina, lembraria de Hélio
Jaguaribe (década de 50), Bresser Pereira
(décadas de 60 e 70) e Maurício
Tragtenberg (décadas de 70 e 80)
Entre os problemas endógenos da
burocracia, poderíamos citar
a) A separação entre Política e
Administração
- O mito tecnocrata e a visão negativa
em relação aos políticos e a falta de
accountability
- criação de espaços de poder definidos por
aqueles que controlam a produção das
regras, que concentrariam para si as
informações e as decisões referentes à
interpretação dos regulamentos,
estabelecendo verdadeiros cartórios
- A complexificação da atividade política:
o nascimento dos policy-makers
b) O fortalecimento do formalismo
- O apego exagerado a regulamentos,
meios dominando os fins: o processo
organizacional seria mais voltado a
responder, quase que exclusivamente, à
legalidade e não aos resultados das
políticas.
- O controle da delegação torna-se mais
difícil
c) Uma evolução em prol do insulamento
- A Burocracia e o interesse público: os
“caçadores de renda” e o corporativismo
d) Os problemas de desempenho
- Procedimentos versus resultados
- A complexificação dos “Es” da
Administração Pública (economia,
eficácia, eficiência, efetividade,
eqüidade e ética)
A crise atual da burocracia é vinculada sim a
seus problemas endógenos, mas
principalmente aos novos desafios colocados
pelo mundo contemporâneo, desde pelo
menos a década de 1970. Tais desafios
relacionam-se à crise do Estado, às
mudanças sociais e tecnológicas do mundo
contemporâneo e á democratização. Tudo
isso leva à necessidade de reconstrução do
modelo de administração pública, sob o
alicerce do lado mais positivo do modelo
burocrático, que é a profissionalização do
serviço civil.
Primeiro fator: Crise do Estado
- paradoxo: nunca o Estado foi tão
necessário e tão frágil para resolver os
dilemas coletivos

Isto é resultado de dois aspectos


a) Crise fiscal do Estado, resultante, inicialmente,
da crise econômica mundial da década de 1970
(as duas crises do petróleo) e das suas
conseqüências nos anos 1980. Após ter crescido
por décadas, principalmente no período seguinte
ao pós-guerra, a maior parte dos governos não
tinha mais como financiar seus déficits. Além
disso, a pressão por novos gastos derivados das
mudanças sociais originadas após a Segunda
Guerra Mundial (como a elevação da expectativa
de vida e aumento da participação da mulher no
mercado de trabalho, com o conseqüente
aumento das despesas previdenciárias) tem
dificultado o financiamento dos déficits
governamentais;
b) Internacionalização e enfraquecimento do
poder estatal:a globalização do capital e a
interdependência dos mercados
financeiros tornaram o Estado mais frágil
perante o capital internacional; por
exemplo a circulação de capital entre as
grandes economias, que até a década de
1980 respondia por menos de 25% do PIB
destes países, hoje supera, e muito, esse
produto interno bruto.
Segundo Fator: As transformações
tecnológicas e produtivas, que exigem um
Estado mais ágil e eficiente
Terceiro Fator: mudanças sociais e
culturais, como o envelhecimento da
população, a maior inserção das mulheres
no mercado de trabalho, aumento da
escolaridade média, a urbanização, entre
as principais, aumentaram as demandas
por direitos e novas políticas estatais, com
melhor qualidade na provisão.
Quarto Fator: Democratização e ampliação
da esfera pública, aumentando o número
de atores sociais importantes e criando
novas formas de controle e participação
na esfera pública (por exemplo: o papel do
Terceiro Setor, a descentralização etc.)
O modelo burocrático, afora os seus
problemas endógenos, não consegue
responder a estes novos desafios. A
administração pública atual precisa
responder a estes novos imperativos,
aumentando a eficiência, a efetividade e a
accountability pública
Dessa conclusão, nasceu a Nova Gestão
Pública, cujas características principais
são, resumidamente, as seguintes:
a) Profissionalização da alta burocracia

É o ponto de partida da Nova Gestão Pública.


Para isso, deve-se constituir um núcleo estatal
estratégico, fundamental na formulação,
supervisão e regulação das políticas, e
formado por uma elite burocrática
tecnicamente preparada e motivada. Esta elite
burocrática terá também que desenvolver a
capacidade de negociação e
responsabilização perante o sistema político.
b) Transparência

A administração pública deve ser


transparente e seus administradores,
responsabilizados democraticamente
perante a sociedade. Isto porque a
profissionalização da burocracia não a
torna completamente imune à corrupção,
fenômeno mundial que tem aumentado
demasiadamente na América Latina.
c) Descentralização

Descentralizar a execução dos serviços públicos


é tarefa essencial no caminho da modernização
gerencial do Estado latino-americano.
Primordialmente, as funções que podem ser
realizadas pelos governos subnacionais e que
antes estavam centralizadas, devem ser
descentralizadas. Esta medida busca não
somente ganhos de eficiência e efetividade,
mas também aumentar a fiscalização e o
controle social dos cidadãos sobre as políticas
públicas
d) Desconcentração

Nas atividades exclusivas de Estado que


permanecerem a cargo do Governo Central, a
administração deve ser baseada na
desconcentração organizacional. Os órgãos
centrais devem delegar a execução das funções
para agências descentralizadas ou para
organizações públicas não estatais. Dessa
maneira, orienta-se a administração pública
pelo controle dos resultados obtidos pelas
agências autônomas ou organizações sociais
(exemplo: Holanda)
e) Gestão por resultados

A Nova Administração Pública (New Public


Management) orienta-se, basicamente, pelo
controle dos resultados, ao invés do controle
passo a passo das normas e procedimentos,
como fazia o modelo burocrático weberiano. No
caso latino-americano, entretanto, as normas e
procedimentos estatais terão de receber ainda
um destaque especial, em razão da fragilidade
histórica do Estado de direito.
f) Novas formas de controle
A maior autonomia gerencial das agências e
de seus gestores deve ser
complementada por novas formas de
controle. O controle deixa de ser o
primordialmente burocrático, que buscava
aferir se todos os procedimentos tinham
sido cumpridos de forma correta, para se
preocupar mais com os ganhos de
eficiência e efetividade das políticas.
Combinação de quatro tipos de controle.
• Controle por resultados: realizado a
partir de indicadores de desempenho
estipulados de forma precisa nos
contratos de gestão.

• Controle contábil de custos: que estará


preocupado não somente com a
checagem dos gastos realizados, mas
também com a descoberta de formas
mais econômicas e eficientes de fazer as
políticas públicas
• Controle por competição administrada
(ou por quase-mercados): nos quais as
diversas agências buscam oferecer o
melhor serviço público aos usuários

• Controle social: por meio do qual os


cidadãos avaliarão os serviços públicos
ou participaram de sua gestão.
g) Orientação para o cidadão-usuário
Outra característica importante da Nova
Gestão Pública é a orientação da prestação
dos serviços para o cidadão-usuário. Trata-
se de uma revolução na administração
pública, já que o antigo modelo burocrático
weberiano era auto-referenciado, isto é,
voltado mais para a afirmação do poder do
Estado e da burocracia estatal do que para
responder às demandas dos cidadãos.
h) Accountability (responsabilização)
Finalmente, é fundamental modificar o papel
da burocracia em relação à
democratização do Poder público.
Segundo os princípios da Reforma
Gerencial, é preciso aumentar o grau de
responsabilização do servidor público em
três aspectos:
(i) Perante a sociedade, tornando a
administração pública mais transparente,
voltada para a prestação de contas. Neste
sentido, é preciso treinar os funcionários
públicos para que comecem a tratar os
cidadãos como consumidores cujos
direitos devem ser respeitados. Além
disso, a burocracia terá que enxergar o
usuário do serviço como um possível
aliado na busca para resolver os
problemas
(ii) Perante os políticos eleitos nos termos
da democracia representativa, sejam do
governo sejam da oposição; e
(iii) Perante os representantes formais e
informais da sociedade que estejam
atuando junto à esfera pública não-estatal
CONCLUSÕES

1) A BUROCRACIA CLÁSSICA E SUA


IMPORTÂNCIA NO MUNDO
CONTEMPORÂNEO
2) REFORMULAR PARA DEMOCRATIZÁ-LA E
MELHORAR SEU DESEMPENHO
3) É PRECISO CAMINHAR PARA UMA NOVA
GESTÃO PÚBLICA, APROVEITANDO-SE
E/OU CONSTITUINDO UMA BUROCRACIA
PROFISSIONAL, SOB NOVAS BASES
MERITOCRÁTICAS. AS TRAJETÓRIAS
NACIONAIS NÃO SERÃO BASEADAS NUM
MODELO ÚNICO, MAS É POSSÍVEL
APRENDER COM AS EXPERIÊNCIAS DOS
OUTROS PAÍSES

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