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71
CORTEZ EDITORA
Julho — 2001
. — São Paulo,
Cortez, 1999.
BIBLIOGRAFIA
ISBN 81-249-0708-8
Série.
CDD — 370.1
Cortez Editora
Capa: DAC
Preparação dos originais: Ana Maria Barbosa Revisão: Maria de Lourdes de Almeida
Coordenação Editorial: Danilo A. Q. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
duplicada sem autorização expressa da autora e do editor.
1999 by Autora
Direitos para esta edição
CORTEZ EDITORA
E-mail: cortez@sti.com.br
SUMÁRIO
Bibliografia — 111
DEDICATÓRIA
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APRESENTAÇÃO
Hoje, quando a humanidade caminha para a finalização de mais um milênio, a Educação tem
sido proclamada como uma das áreas-chave para enfrentar os novos desafios gerados pela
globalização e pelo avanço tecnológico na era da informação. A Educação é conclamada também
para superar a miséria do povo, promovendo o acesso dos excluídos a uma sociedade mais justa
e igualitária, juntamente com a criação de novas formas de distribuição de renda e da justiça
social. Neste cenário, observa-se uma ampliação do conceito de Educação, que não se restringe
mais aos processos de ensino-aprendizagem no interior de unidades escolares formais,
transpondo os muros da escola para os espaços da casa, do trabalho, do lazer, do associativismo
etc. Com isto um novo campo da Educação se estrutura: o da Educação não-formal. Ela aborda
processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade
civil, ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo
movimentos sociais, organizações não-governamentais e outra entidades sem fins lucrativos que
atuam na área social; ou processos educacionais, frutos da articulação das escolas com a
comunidade educativa, via conselhos, colegiados etc.
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O setor dos meios de comunicação sofreu uma revolução tecnológica, gerou novas relações
sociais, novas linguagens, alterou estilos e comportamentos sociais, transformou a cultura e
colocou novos desafios e necessidades à área da Educação. A mídia se transformou no quarto
poder na sociedade: abriu novas frentes e expandiu-se, tornou-se mais complexo, alterou os
conceitos de tempo e espaço.
No debate contemporâneo sobre a globalização da economia, fica cada vez mais claro que não
se trata apenas de uma nova forma de divisão internacional do trabalho, ou de uma simples
ampliação do mundo das trocas comerciais. A globalização é um novo sistema de poder, que
exclui e inclui, segundo as conveniências do lucro; que destrói a cultura e cria continuamente
novas formas de desejo no setor do consumo.
Com isto gera novas formas de dominação, principalmente de ordem cultural. Ao destruir, por
meio do mercado, os sistemas de controle da economia, os direitos sociais dos trabalhadores etc.,
cria-se um novo modo de desenvolvimento. A globalização desintegra a sociedade ao desmontar
o modelo assentado sobre um projeto político, com instituições e agências de socialização locais.
Torna-se uma sociedade de risco onde imperam as incertezas. Ignoram-se a diversidade das
culturas e a realidade das comunidades, que passam a se fechar ao redor delas mesmas, como
forma de se protegerem da “invasão” da cultura homogeneizadora que se apresenta. Com a
globalização da economia, a cultura se transformou no mais importante espaço da resistência e
luta social.
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Segundo alguns autores, o conflito social central da sociedade moderna ocorre na área da cultura.
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A crise atual tem novas dimensões, pois criou novas categorias de excluídos, desta vez no
próprio acesso ao mercado de trabalho, pelo fato de, simplesmente, deixar de existir certas
categorias funcionais devido à flexibilização/desregulamentação deste mercado ou eliminação de
direitos sociais conquistados por meio de lutas seculares por parte dos trabalhadores. Como
afirma Castelo (1998), trata-se não de uma sociedade com regras de integração/desintegração,
mas de uma sociedade com normas pontuais e inserção social segundo as prioridades dos que
detêm o capital expeculativo-financeiro internacional. Os países estão perdendo sua soberania
política, o poder de definir as regras de seus destinos, e cada vez mais fortalecem-se alguns pólos
hegemônicos de poder a nível internacional.
A política também se desintegrou com a globalização. Governar tornou-se, nos países tidos
como emergentes, sinônimo de ser compatível com as regras e exigências dos banqueiros
internacionais. As instituições públicas perderam força, capacidade de regulação e integração. O
que foi instituído no passado objetivando justiça social, como o sistema de saúde e a escola
pública, hoje é fonte de injustiça social, devido aos péssimos serviços prestados à população.
Ocorre uma perda no espaço público e um crescimento dos espaços da vida privada e das
organizações voluntárias; o espaço das instituições públicas passa a ser ocupado pelas
organizações financeiras internacionais e pela mídia. Os chamados “países emergentes”, como o
Brasil, ficaram à mercê das diretrizes do FMI — Fundo Monetário Internacional e dos
especuladores financeiros, nacionais e internacionais, numa crise econômica sem precedentes.
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Na última década observamos que a economia brasileira foi desregulamentada, as leis e políticas
sociais flexibilizadas, trabalhadores perderam ou tiveram seus direitos sociais reduzidos,
empresas estatais foram privatizadas, impostos provisórios se tornaram permanentes, os juros
atingiram cifras altíssimas, a política cambial foi controlada e depois deixada ao sabor do
mercado etc. Tudo em nome da busca do equilíbrio fiscal/financeiro, da necessidade de atrair o
capital externo para investimentos. O plano de conter a inflação via estabilização de moeda
esgotou-se. Os especuladores internacionais ganharam muito dinheiro com os juros altos que
lhes foram oferecidos, o país ficou mais endividado, mais pobre e com menos reservas
financeiras. E a dívida externa? Esta só cresceu. Resulta que está cada vez mais evidente que os
custos sociais da chamada “modernização” estão sendo altos demais, dentro de um modelo
globalizado que privilegia não o investimento produtivo, mas o capital financeiro especulativo.
Tudo isso tem gerado apreensão sobre a natureza do processo civilizatório que está sendo
construído na virada deste novo milênio.
A partir dessas questões podemos aventar algumas hipóteses sobre as atuais políticas sociais,
tomando como pressuposto as formulações de Boaventura Sousa Santos, Robert Castel e outros,
a saber: com a globalização ocorre uma metamorfose do sistema de desigualdade social no
capitalismo para um sistema de exclusão social. Neste novo cenário, as lutas sociais relevantes
serão pela inclusão social de setores sociais que antes eram excluídos por estarem em
desigualdade socioeconômica e que agora estão excluídos também por suas desigualdades
socioculturais (dadas pelo sistema educacional, pela raça, etnia, sexo etc.).
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Agora, a idéia de progresso diluiu-se, a fragmentação das fronteiras entre as nações obriga-nos a
redefinir a questão da cultura. É vital que se coloque a diversidade histórica e cultural e o
reconhecimento do outro como metas na formação dos indivíduos enquanto cidadãos. Antes os
indivíduos eram preparados para ocupar postos no mercado de trabalho, durante a etapa ativa dos
mesmos, num sistema que previa a seguridade social. Hoje, eles devem se preparar para o mundo
da vida e para sobreviver trabalhando por um período mais longo, pois o sistema de
aposentadorias está em crise.
A Educação ganha também centralidade nos discursos e políticas sociais porque competirá a
ela ser um instrumento de democratização, num mercado de escolhas e oportunidades. À escola
— assim como à cidade —
Trabalhamos, portanto, com uma perspectiva que aborda a Educação como promotora de
mecanismos de inclusão social, que promova o acesso aos direitos de cidadania. Trata-se de uma
concepção ampliada, que alarga os domínios da Educação para além dos muros escolares e que
resgata alguns ideais já esquecidos pela humanidade, como, por exemplo, o de civilidade.
Tanto em nível do governo central como dos governos estaduais, as reformas apresentam-se com
um grande objetivo: promover a modernização da rede escolar, avaliada como atrasada e
ineficiente em todos os sentidos (cobertura, processos de gestão, qualificação profissional dos
recursos humanos, resultados, infra-estrutura física etc.). Novos desenhos procuram dar respostas
aos desafios incluindo novas abordagens, metodologias e conteúdos cognitivos e sociais, de
acordo com os novos paradigmas emergentes. Segundo alguns dados ainda preliminares, os
locais onde as reformas educacionais têm sido bem-sucedidas contam com a participação de
membros da comunidade educativa. A publicização dos assuntos das escolas em conselhos,
colegiados ou a reforma curricular introduzindo temas inovadores que dizem respeito ao
cotidiano de alunos e pais (como a violência, drogas etc.), ou a abertura física da escola como
espaço alternativo de lazer e associativismo à comunidade, são todos fatores citados como
positivos e que têm contribuído para o sucesso daquelas reformas. Trata-se da articulação entre a
educação formal e a não-formal.
Concordamos com Touraine quando fala da necessidade de se desenvolver uma nova cultura
escolar que forneça aos alunos instrumentos para que saibam interpretar o mundo. Trata-se de
um acervo de conhecimentos que não têm sido desenvolvidos nas escolas, gerador de um saber
interpretativo, tão importante quanto o saber científico. O
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É preciso ver a televisão não apenas como um “mal”, mas utilizá-la como veículo de debate,
polemizar sobre seu conteúdo, e discutir sobre as diversas culturas que os filmes e programas
apresentam, desenvolvendo conhecimentos sobre o outro, seu passado, seus costumes e
tradições. É
preciso agregar ao ensino formal, ministrando nas escolas, conteúdos da educação não-formal,
como os conhecimentos relativos às motivações, à situação social, à origem cultural dos alunos
etc.
Mas todo o período de crise resulta não apenas em catástrofes, cataclismas, desilusão e
desesperança. A crise produz e/ou estimula também reações, resistências, oportunidades e
inovações. Dentre estas destacamos as que vêm ocorrendo na área do associativismo e a da
organização popular, onde podemos afirmar que um novo cenário tem sido construído, a partir de
três frentes básicas de ações coletivas, a saber: novas formas de gestão dos negócios públicos,
em políticas de parceria entre entidades da sociedade civil e governos; novas formas de fazer
política entre os movimentos sociais rurais, com o uso de recursos da mídia e de espaços urbanos
para dar visibilidade às ações; e novas articulações entre ONGs, governos e empresários, no
chamado terceiro setor da economia, que têm gerado novas modalidades de trabalho dentro do
que está sendo redefinido como “voluntariado”. Outras formas de associativismo e
associacionismo surgem fora do mundo dos movimentos sociais, ao redor das novas
organizações da sociedade civil. A novidade é que a grande força impulsionadora dos novos
processos não advém da política propriamente dita, mas da cultura.
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Raízes culturais são acionadas e tradições têm sido resgatadas, não para culturar a memória de
um passado já morto, mas para amalgamar novas práticas, para fincar raízes nas novidades que a
criatividade e a invenção, fruto da imaginação e das representações coletivas, estão gerando.
Inúmeros desses processos se inserem na esfera da educação não-formal. Com a globalização da
economia, a cultura se transformou num importante espaço de resistência e de luta social.
Segundo alguns autores, como Touraine e Samuel Huntington, os conflitos ao redor da cultura
serão centrais no século Xxi. Outros discordam, como Daniel Cohn-Bendit, que vê a articulação
dos conflitos culturais com a estrutura econômica da seguinte forma: os problemas econômicos
podem exacerbar os conflitos culturais.
Uma das conseqüências das transformações econômicas tem sido a de expandir o setor
informal da economia e nele as atividades do terceiro setor. A novidade está na estrutura e nos
objetivos deste terceiro setor: sua expansão ocorre não apenas no já clássico setor terciário da
economia, de prestação de serviços. E mesmo quando ocorre no terciário, os serviços são de
natureza distinta do setor terciário tradicional, pois tratam-se de atividades na área do social,
atividades públicas realizadas por organizações sociais privadas. E estas organizações, situadas
no âmbito não-governamental, reestruturaram o velho modelo das associações voluntárias
filantrópicas para um novo modelo onde combinam o trabalho voluntário com o trabalho
assalariado, remunerando profissionais contratados segundo projetos específicos.
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As novidades não se limitam à forma de organizar a divisão do processo de trabalho nas ONGs,
mas incluem também a articulação que as novas organizações passaram a ter com a
reestruturação do Estado, na economia e na sociedade, e com as políticas públicas para as áreas
do social, gerando um novo tipo de associativismo, de natureza mista: filantrópico-empresarial-
cidadão.
As novas ONGs passaram a atuar como mediadoras de ações desenvolvidas em parceria entre
setores da comunidade local organizada, secretarias e aparelhos do poder público, segundo
programas estruturados para áreas sociais como: educação, saúde, saneamento, meio ambiente,
geração de renda etc. Ou seja, as ONGs, via terceiro setor, entraram para a agenda das políticas
sociais. Na educação, por exemplo, atuam em programas com meninos e meninas nas ruas,
jovens/adolescentes em situação de risco face o mundo das drogas, treinamento e capacitação de
profissionais da rede escolar, creches e/ou escolas de educação infantil, campanhas e programas
de educação para os direitos humanos, civilidade no trânsito, prevenção de doenças e da AIDS,
educação ambiental etc.
O conjunto das atividades das ONGs e movimentos sociais, juntamente com os grupos sociais
organizados ao seu redor, têm gerado um tipo de associativismo em nível do poder local e passou
a constituir um setor na economia que está sendo denominado como uma “economia social” ou,
simplesmente, terceiro setor, que se apresenta como fins públicos não voltados para o lucro.
Alguns autores, como Offe (1998), diagnosticaram que este setor terá um grande crescimento e
um papel-chave, no próximo milênio, no conjunto das relações entre o Estado e a sociedade.
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As associações do terceiro setor estão passando a ocupar o papel que antes era desempenhado
pelos sindicatos e pelos partidos políticos. O
novo associativismo do terceiro setor tem estabelecido relações contraditórias com o “antigo”
associativismo advindo dos movimentos sociais populares (na maioria urbanos) dos anos 70 e
80. Enquanto estes últimos fizeram da política seu eixo básico de articulação e identidade,
atuando via reivindicações por direitos (sociais, políticos, econômicos, culturais, por cidadania
de forma geral), e eram amalgamados pelas ideologias da esquerda (num grande espectro de
matizes e tendências), o associativismo do terceiro setor é pouco ou nada politizado, na maioria
das vezes avesso às ideologias, e integrado às políticas neoliberais.
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Enquanto organizações-empresas que atuam na área da cidadania social, o terceiro setor
incorpora critérios da economia de mercado do capitalismo para a busca de qualidade e eficácia
de suas ações, atua segundo estratégias de marketing e utiliza a mídia para divulgar suas ações e
desenvolver uma cultura política favorável ao trabalho voluntário nesses projetos. O governo
federal tem colaborado com recursos financeiros nos projetos de parceria (sempre considerados
pelas ONGs como escassos, pontuais, sem linha de continuidade e de difícil planejamento quanto
a sua disponibilidade). Entretanto, a grande contribuição governamental tem sido na área
jurídica, de regulamentação de novas regras para o trabalho voluntário, por meio de leis que
normatizam e criam novos tipos de relações de trabalho, de prestação de serviços não-
remunerados por períodos superiores a noventa dias e que não criam vínculos empregatícios, e,
conseqüentemente, desobrigam os encargos trabalhistas.
O cenário até agora delineado forneceu o roteiro deste livro, que destaca problemática da
educação não-formal e o poder da cultura na sociedade contemporânea. Pesquisar sobre o
terceiro setor, a mídia, os meios de comunicação, o caráter do novo associativismo dos
programas da área da “nova economia social” etc. tornou-se tão necessário quanto pesquisar
sobre as formas de sobrevivência, de lutas e de resistência às mudanças avassaladoras deste final
de milênio, porque são todos fenômenos que ocorrem num mesmo campo de disputas e tensões.
E quando falamos em cultura, sabemos que é um terreno fértil na geração de inovações e de
construção de significados às novas situações colocadas pelo mundo a economia e da política.
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O livro é composto de três capítulos. O primeiro tem por objetivo explicitar as principais
categorias utilizadas, de uma forma clássica: resgatando a contribuição de alguns autores na
construção dos conceitos de cultura, cultura popular, cultura de massa e cultura política.
Esta obra é parte de pesquisa desenvolvida entre 1997-99 com o apoio do CNPq — Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Registro aqui sinceros agradecimentos
pelo suporte institucional e financeiro dessa agência.
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Sabemos que o termo cultura (1) Possui muitas acepções, foi interpretado de várias formas na
história e tem posições diferenciadas nos vários paradigmas explicativos da realidade social. No
senso comum, o termo é associado a estudo-educação-escolaridade, ou ao mundo das artes, aos
meios de comunicação de massa; ao mundo do folclore, lendas, crenças e tradições passadas ou,
ainda, a períodos ou etapas da civilização humana.
Santos (1983) sistematizou as concepções sobre cultura em dois blocos, ou seja, ligada com
aspectos da realidade social, a tudo aquilo que se relaciona à existência de um povo, de uma
nação etc.
Nota 1. Os principais autores que trataram o tema como fenômeno e objeto de estudo, no
século Xx, formam uma longa lista. Dentre os clássicos citamos: Max Weber, Alfred Weber,
Karl Manheim, M. Mauss, intelectuaios da Escola de Chigago, como Park, os interacionistas
simbólicos como Georg Simmel; pensadores e militantes políticos como A.
Gramsci, Lukács; estudiosos da sociedade de massas como Lipset, urbanistas como L. Munford.
Na Antropologia, destacam-se os trabalhos de Lévi-Strauss, não se esquecendo do pioneirismo
de Taylor, Jasper e Marx Scheler.
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A segunda tem uma ligação direta com o conhecimento, com o mundo das idéias e das crenças,
as maneiras como estas últimas existem na vida social.
A filosofia é um dos mais profícuos caminhos para o entendimento das diferentes concepções
de culturana história. A partir do século Xviii, observa Williams (1977), o termo cultura articula-
se com civilização, também derivado do latim (cives e civitas, homem educado, polido e ordem
social, respectivamente, que deu origem ao termo sociedade civil). Chaui assinala que em
“Voltaire e Kant, cultura e civilização exprimem o mesmo processo de aperfeiçoamento moral e
racional, o desenvolvimento das Luzes na sociedade e na história. Cultura torna-semedida de
uma civilização, meio de avaliar seu grau de desenvolvimento e progresso” (1986:12). Ao ser
promovida como exercício livre da razão, a cultura seria separada do reino natural, das causas
necessárias e mecânicas.
Nota 2. Flávio V. Di Giorgi (1995:27) acrescenta que o verbo latino original é o colo, que
significa cultivar, e o supino dele é cultum, de onde se origina cultura.
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A contraposição entre cultura e civilização é destacada em Rousseau, onde a civilização seria
“um artifício, cultivo da exterioridade, sujeição da sensibilidade e do ‘bom natural’ aos
espartilhos de uma razão artificiosa, decadente. Civilização seria o início e término da barbárie.
Cultura é bondade natural, interioridade espiritual, sentimento e imaginação, vida comunitária
espontânea. Na Ilustração a dualidade desaparece” (Chaui, 1986:13).
Com Hegel “a Cultura se torna conjunto articulado dos modos de vida concebida como
trabalho do Espírito Mundial á…ú campo das formas simbólicas. Em Marx a Cultura será
concebida como relação material determinada dos sujeitos sociais com as condições dadas ou
produzidas por eles á…ú momento da práxis social como fazer humano de classes sociais
contraditórias na relação determinada pelas condições materiais, e como história da luta de
classes” (Chaui, 1986:13-14).
Para tanto era importante “saber quais são, num estado dado, numa dada situação, as
informações que se pode transmitir, quais as que passam sofrendo deformações mais ou menos
importantes e quais as que não podem passar” (Goldmann, 1972:10).
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Isto porque segundo Goldmann, o conhecimento de um grupo não pode ir além de certo limite de
sua existência; seria uma consciência possível.
Para o estrategista político, o problema não estaria em saber o que pensa um grupo, mas “quais
as mudanças suscetíveis de se produzirem na sua consciência”. Podemos observar que a cultura
desempenha um papel estratégico, que é o de construir táticas para a ação.
Na abodagem marxista há outras interpretações sobre a cultura, que não a reduzem apenas às
questões da consciência e da ideologia de uma classe. Gramsci e Hobsbawm são exemplos de
pensadores que viram a cultura como força social transformadora para a liberdade humana.
Hobsbawm (1999) tem dado contribuições inovadoras ao tratar a cultura de uma forma
humanista, como base de princípios éticos e valores vitais amplos, fugindo do reducionismo
mercadológico que tem acompanhado as discussões sobre o tema nesta virada de milênio.
A antropologia é uma outra fonte de referência para o entendimento do termo cultura. Em sua
abordagem clássica, segundo Velho e Castro (1978), foi E. B. Tylor (1832-1917) quem, no
século passado, redefiniu e demarcou um capo específico à cultura, separado do de civilização.
Ele formulou uma concepção universalista da cultura, destacou sua dimensão coletiva e marcou a
especificidade da análise antropológica: o homem é, por essência, um ser produtor de cultura.
Cultura associa-se à idéia de uma ligação espiritual entre os homens e a civilização e supõe
determinado território. Cultura é definida como “um todo complexo que inclui conhecimento,
crença, arte, leis, moral, costumes e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo
homem enquanto membro da sociedade”.
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Com ela vem o reconhecimento do outro como um ser diferente e a pesquisa etnográfica.
Nota 3. A rigor, a questão da diversidade cultural é antiga. Laraia (1997) assinala que ela foi
tratada por Confúcio, quatro séculos antes de Cristo, e pelo grande historiador grego Heródoto,
ao se referir aos lícios. Laraia cita ainda Marco Polo, o Padre José de Anchieta, Montaigne e o
filósofo Jean Bodin como exemplos de abordagem do tema de diviersidade cultural na espécie
humana.
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Outro aspecto importante que a categoria da cultura adquiriu no século Xx será o seu caráter
“humanizador”, em contraposição às teses que defendiam a inevitabilidade do destino do homem
a partir de uma determinação da “natureza humana”. Mauss (1954) abordou a seleção cultural e
seus efeitos sobre a humanização do homem; Lévi-Strauss abordará os “modos de vida”
particulares dos homens e destacará a comunicação. A cultura será definida como “um conjunto
complexo de códigos que asseguram a ação coletiva de um grupo” (Lévi-Strauss, 1973).
Com a noção de “código”, que depois foi desenvolvida por Saussure na lingüística, a cultura
passou a ser vista, segundo Velho e Castro, como um “conjunto de regras de interpretação da
realidade que permitem a atribuição de sentido ao mundo natural e social (e) implica
fundamentalmente a idéia de sistema”. Isto pressupõe admitir a existência de esquemas de
racionalidades intrínsecos a qualquer cultura e admite-se também o poder do inconsciente dos
indivíduos e grupos.
Cultura deixa de ser vista como manifestações empíricas de grupos e passa a ser tratada como
um conjunto de princípios que subjazem às manifestações, de forma inconsciente. É um produto
social, um conjuntod e regras que é comum ao grupo. Os códigos que constituem a cultura
consistem essencialmente em aparelhos simbólicos. São símbolos organizados em diversos
subsistemas que caracterizam a natureza social do comportamento humano.
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“Sem perder de vista que a cultura é constituída de sistemas de símbolos que articulam
significados”, Arantes (1982: 35) afirma que na antropologia social foi Malinowski (1966), que
demarcou a necessidade de se ver qualquer objeto, costume, ação ou símbolo em relação ao
contexto da vida social do grupo. “A possibilidade de delimitar, reconstituir e interpretar os
processos sociais e os itens culturais não a partir de critérios abastratos e gerais, produzidos pela
visão de mundo do observador, mas com critérios inferiroes a partir da realidade estudada,
encontra-se justamente no conceito malinowskiniano de “instituição social” (Arantes, 1982: 38).
Malinowski chama a atenção para a importância do contexto cultural onde os fenômenos sociais
ocorrem.
Ele demoliu a concepção de cultura como colcha de retalhos, presente nas abordagens
evolucionistas, e reafirmou que ela é constituída por sistemas de significados que são parte
integrante da ação social organizada.
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Junto com a antropologia surgem outros campos de estudo da cultura dados pela sociologia,
história, filosofia, psicologia social, lingüística, política etc. Tais como: cultura erudita, cultura
de massas (Adorno), cultura popular (Canclini), cultura da pobreza (Lewis), cultura urbana
(Wirth), cultura nacional, cultura política (Verba, Almond, Tarrow), cultura de resistência
(Thompson), cultura organizacional, cultura do trabalho, cultura propositiva etc. A sociologia
criou várias áreas de especialização, como teoria sociológica da cultura, cultura urbana, cultura
da modernidade, cultura dos jovens, cultura da mídia etc. Já nos anos 40, Roger Bastide (1975)
destaca a importância do passado para se entender o presente e interpretava a cultura não como
uma tradição cristalizada, mas como uma “alma produtora, a expressão de uma certa filosofia”.
Nos processos de mudança social, os movimentos de resistência, revoltas, assimilação de
inovações etc. foram vistos como frutos de uma “psique coletiva”, fruto da imaginação e da
memória coletiva.
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Por sua vez, a memória coletiva era vista como uma fonte de estruturação e de orientação da
cultura. A memória sobrevive não apenas das tradições e dos costumes, mas ela também é a
manifestação de um “subconsciente social”.
“não é por acaso que o tema da cultura acompanha as ciências sociais desde as suas origens e
esteja sendo descoberto nos útimos anos e apresentado como a grande solução para os impasses e
dificuldades dos projetos de desenvolvimento e modernização contemporâneos. Aplicado às
ciências como um todo, o tema da cultura leva ao questionamento das pretenções de objetividade
dos cientistas e à desconstrução de seusprojetos tecnocráticos; aplicado às ciências sociais,
coloca em questão a utilidade dos estudos comparados, o valor das teorias e a confiabilidade dos
dados e declara a superioridade da intuição e da literatura, quando não da raça e da religião;
aplicado aos sistemas educacionais e de formação profissional, o tema da cultura sustenta a
crítica à educação formal, ao valor dos títulos e diplomar e ao sentidod as especializações
profissionais” (1997: 9).
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Dizer que as culturas são únicas e irredutíveis é aceitar como inevitável a desigualdade e recusar
o princípio básico de que a humanidade é uma só. O programa de pesquisa delineado pelos
clássicos da sociologia, de Marx a Durkheim, supunha que todos os fenômenos humanos
decorrem e são explicáveis a partir da organização social e da interação entre as pessoas na vida
familiar, na divisão do trabalho e na ocupação e defesa do espaço e do território. Era um
programa com uma ontologia naturalista e materialista (é a vida cotidiana, em sociedade, e não o
contrário) á…ú Em contraste, as teorias culturalistas, em suas diversas modalidades, tendiam a
afirmar o primado do espírito, da ética ou dos valores na explicação dos fenômenos humanos,
assentuavam as diferenças irredutíveis entre valores e padrões culturais que enfatizavam o uso da
intuição e da empatia, por definição inexplicáveis, para entender o que ocorre na sociedade”
(1997: 45-46). Mas, concluiu o autor, as culturas mudam e para tal é preciso entendê-las como
fenômeno sociológico.
Schwartzman cita o trabalho de Aaron Wildawsky, Cultural theories, como a mais recente e
ambiciosa tentativa de análise da cultura como geradora de mudanças sociais. Segundo
Wildawsky: “O ponto de partida é extremamente simples. As pessoas, em sociedade, compartem
valores e crenças, que são suas orientações culturais. Além disso, elas mantêm relações entre si.
Uma cultura é um modo de vida que integra, de forma viável, orientações culturais e formas de
interação social, o qeu depende, por sua vez, da estrutura social da qual os indivíduos
participam” (1997: 47). E a estrutura social, que é a base de apoio dos modos de vida existentes,
é formada por duas variáveis básicas: Página 32
Leach (1978), Touraine (1973), Santos (1983), Chaui (1986), estão entre os autores que
associam cultura e mudança social. Em suas concepções, o estudo da cultura implica aceitar a
existência de uma historicidade, onde sociedade e cultura estão sempre se refazendo, porque não
são entidades estáticas. O resultado destas abordagens foi a construção da categoria dos
indivíduos como atores sociais, agentes de mudanças socioculturais, e não apenas entes
subjulgados por forças predeterminadas. Para Santos, “cultura é um território bem atual das lutas
sociais por um destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas
em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma parte
da sociedade por outra, em favor da superação da opressão e da desigualdade” (1983: 45).
Uma concepção de cultura que tem sido bastante divulgada e aceita na área das ciências
sociais contemporâneas é dada pelas análises de Nestor Garcia Canclini. Ele define a cultura em
termos de um processo social que envolve: a instância onde cada grupo organiza sua identidade,
a instância simbólica de produção e reprodução da própria sociedade, a instância da formação do
consenso e da hegemonia (neste sentido contribui para a formação da hegemonia política e a
legitimidade); e, finalmente, a instância da dramatização eufemizada dos conflitos sociais, como
teatro, como representação, nos moldes de Brecht, Benjamin e outros (1997: 37-42).
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A teoria cultural studies, desenvolvida por Mc Quail (1983) e Hall (1980 e 1998) é importante
para nosso objeto de estudo por duas razões.
Primeiro, porque destaca uma função importante para a mídia, à medida que a cultura tem
centralidade na análise e é vista não como uma prática, muito menos como mero conjunto de
hábitos e costumes. Segundo Hall, a cultura passa por todas as práticas sociais, e é a soma das
duas inter-relações. O próprio conceito de cultura englobaria os significados e os valores que
surgem e se difundem nas diferentes classes e camadas sociais, como as práticas por meio das
quais os valores e os significados se exprimem. As formulações postas nestes termos levam ao
conceito de modo de vida, visto como estrutura coletiva, e é neste campo que os meios de
comunicação de massa ganham destaque. Em segundo lugar, a cultural studies destaca a
importância de diferentes saberes construídos nos processos comunicativos, tais como o saber
prático dos próprios profissionais da mídia e o saber político das instituições envolvidas no
processo de produção, controle e gestão da mídia. Ou seja, a mídia não surge apenas como obra
maquiavélica de controle das elites dominantes sobre a sociedade, como nas teorias de mass
média (ou dos meios de comunicação de massa), mas é também sistema cultural e espaço de
conflito, além de controle social.
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Disto resultam outras considerações, como: as transformações culturais não são meras
conseqüências ou resultados da infra-estrutura de produção econômica da sociedade, mas fruto
da interação de vários processos sociais onde as relações de produção convivem com relação de
parentesco, religiosas, político-ideológicas etc.
Para Touraine, “reconhecemos a presença de culturas diferentes das nossas, suas capacidade
de anunciar um discurso sobre o mundo, o ser humano e a vida, e a originalidade dessas criações
culturais nos impõem respeito e nos incita ademais a conhecê-las” (1997: 15). Paralelamente as
políticas de identidade temos o triunfo dos nacionalismos culturais que apelam para as crenças e
heranças culturais do passado, mas recusam a diversidade e a comunicação inter-racial, por
exemplo.
Em síntese, a cultura passou a ser vista como tendo um caráter relacional, com sentido e
significados construídos nos processos de interação. A identidade cultural de um grupo é
construída neste processo, e há uma tensão constante entre os significados e os sentidos que um
grupo ou movimento social procura atribuir/construir via suas práticas, e os outros significados e
sentidos de outros grupos/movimentos.
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Isto ocorre porque as relações de poder não aludem apenas às relações de froça física, material.
A cultura é também uma força, enquanto uma prática plena de significados. Ela demarca
diferenças porque estas estão produzidas no interior dessas práticas de significações. O exercício
das práticas produzem continuamente novos significados, pois muitas vezes está se procurando
demarcar as diferenças de outra forma. O preconceito racial, por exemplo, é a diferença
carregada de negatividade, que busca separar, segregar, excluir. Contra ela, os grupos
organizados lutam e procuram construir outros significados para a questão da raça, baseados em
valores positivos. Ao fazer isto, geram identidade a partir da demarcação do campo de suas
diferenças.
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Essa dimensão tem múltiplas facetas: pelo lugar que ocupa na vida das pessoas, quer seja
consumindo telenovelas, leitura de jornais, filmes na TV ou no cinema, videogames, internet
etc., pelo mercado de bens que gera, pois fomentar e patrocinar a produção de bens culturais
passou a ser um dos grandes setores do próprio processo capitalista, e pela produção artística dos
homens em si, nas áreas da pintura, escultura, dança, música, teatro, cinema, fotografia e
audiovisual em geral, e literatura.
Finalizando, uma das melhores definições de cultura que conhecemos é elaborada por R.
Benedict: “Cultura é como a lente através da qual o homem vê o mundo” (apud Laraia, 1997:
69).
2. Cultura de massa
Segundo Wolf (1995), as teorias sobre a sociedade de massa correspondem a um dos
primeiros momentos dos estudos sobre os meios de comunicação. O interesse daqueles estudos
centravam-se no entendimento dos aspectos psicológicos das ações coletivas, e um tema central
se destacava na área de comunicação propriamente dita: o da propaganda.
Esta atuaria como estímulo sobre os indivíduos atomizados que reagiriam com respostas cegas e
irracionais, gerando movimentos. Bastava que indivíduos estivessem exposto aos estímulos
perniciosos de certas mensagens para que produzissem respostas comportamentais instantâneas.
Gustave Le Bon (1895) já havia falado em massas ao se referir aos movimentos políticos das
camadas populares do final do século passado como comportamento cego e irracional de
movimentos de massa.
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Ele atribuía à civilização industrial a origem das multidões, e a turbulência seria seu modo de
comportamento natural. Le Bon abriu o caminho para as análises de cunho psicológico do século
Xx ao falar da “alma humana”, abordando problemas do inconsciente, da parte reprimida dos
indivíduos que se manifesta com as rebeliões. Freud irá utilizar as análises de Le Bon a este
respeito, alterando o sentido que o primeiro lhes atribuía. Para Freud, “nas massas não há só
instinto, mas produção”
(apud Martin-Barbero, 1997:50). E muito antes de Le Bon, as massas tinha sido vistas na história
como agentes externos, “turbas” perturbadoras, que provocavam medo e desprezo nas elites
aristocráticas. Tocqueville, no século Xviii, viu as massas como chave para o entendimento do
início da democracia moderna, colocando-as dentro do processo histórico. Mas ele também
trabalhava com uma concepção de “massa” como ameaça a ordem social, composta por
ignorantes, sem moderação, desintegrando a cultura.
A massa se subordinaria a qualquer coisa ou poder para obter migalhas para seu bem-estar. Tal
pessimismo social já tinha tradição: La Boetie, que no século Xvi havia criado o discurso da
“servidão voluntária”, onde o fracasso moral gerava pessimismo cultural.
No século Xix, Marx e Engels trabalhavam com uma concepção de povo/massa radicalmente
distinta, em termos de classe trabalhadoras em processo de homogeneização das condições de
exploração e da capacidade de gerar uma consciência social em direção ao outro modelo de
sociedade.
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Será nos anos 40 que as teorias da sociedade de massa atingirão seu alge, especialmente nos
Estados Unidos, com as obras de Fromm (1941) e Kornhauser (1959).
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Em 1948, Lasswell publica a teoria na qual vinha trabalhando desde os anos 30, a respeito de
uma análise do conteúdo das mensagens contidas nas propagandas. Depois ele passou a analisar
também os efeitos da propaganda sobre a audiência, os papéis do comunicador e do destinatário.
É interessante destacar que, de um lado, a sociedade era vista como uma massa homogênea e, de
outro, as pesquisas se concentravam nos indivíduos isolados, visto como sujeitos singulares. Esta
foi uma fase de bastante desenvolvimento de pesquisas instrumentaisempíricas, que se
assentavam em um grande número de variáveis e faziam uso de instrumentos de pesquisa do tipo
formulário e questionários. Elas se destinavam a pesquisas eleitorais, de mercado, propaganda,
opiniões públicas etc. A fase posterior dirigiu-se às campanhas de persuasão do público, quer se
trate de eleições, venda de produtos ou construção de novos valores na cultura política vigente,
por meio de propagandas pelo rádio voltadas para a promoção do “espírito de tolerância e
integração ocial” (Lazarsfeld, 1940, apud Wolf, 1995: 34). Observa-se aqui a utilização da mídia
para a formação de valores e a busca de consenso qu servissem como contraponto ao clima de
conflitos étnicos e raciais que a sociedade americana passava, em especial em relação a questão
da raça negra.
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A exacerbação total do poder das massas seria feito por D. Riesman ao ver na cultura de massa o
princípio de inteligibilidade global do social, nos dizeres de Martin-Barbero (1997:60). Seu livro,
A multidão solitária (1981) é uma apologia do poder do consumo como fonte de referência aos
indivíduos (camadas médias no caso), que se diluem moldando seu “caráter” em relação ao
outro. Na abordagem que enfatiza a relaçãod as massas com os meios de comunicação, destaca-
se o trabalho de Moles (1967). E. Morin afirmou que a cultura de massas é um produto típico da
sociedade pós-industrial, sendo resultado de uma dialética produção/consumo e gestada
artificialmente no contexto da indústria cultural. Para Morin, “a cultura industrial nega de modo
dialético a cultura do impresso e a cultura folclórica; desintegra-as integrando-as; desintegra o
folclore, mas para com eles universalizar certos temas”
(1967-69).
Nos anos 90, na era da informação, o debate sobre a cultura de massa toma outros rumos.
Passa-se a falar mais em termos de cultura das mídias, midiáticas etc. (vide Dizard, 1998).
Segundo Touraine (1997), a uma dessocialização da cultura de massa e uma separação entre
cultura e economia, mundo instrumental e mundo simbólico. “A cultura de massa penetra no
espaço privado, ocupa uma grande parte dele e, como reação, reforça a vontade política e social
de defender uma identidade cultural, o que conduz ao recomunitarismo). Isto porque ao
submergirmos devido à globalização, temos nossa identidade ameaçada, e para protegê-la
“apoiamo-nos em grupos primarios e reprivatizamos uma parte e às vezes a totalidade da vida
pública, o que nos faz participar às vezes exem atividades completamente voltadas para o
exterior e inscrever nossa vida em uma comunidade que impõe seus mandametos […] e o que
chamamos prudente minoria tende a afirmar sua identidade e a reduzir suas relações com o resto
da sociedade” (Touranie, 1997: 11-2). Disto resulta uma sociedade dividida entre redes quee
instrumentalizam e comunidades fechadas que impedem a comunicação com os outros.
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3. Cultura popular
A categoria cultura popular foi objeto de muitas discussões nos anos 60 e no início dos 80 na
América Latina, principalmente no Brasil.
Vários fatos da conjuntura sociopolítica da época explicam esse destaque. Entre eles podemos
citar nos anos 60, os projetos nacionalistas de grupos de intelectuais, como o CPC da UNE —
Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes, quando a expressão “arte
revolucionária” foi utilizada num contexto da “cultura a serviço do povo, vista como sinônimo
dos interesses do país. Cultura popular era tratada como “consciência revolucionária” (Gullar,
1963).
Nos anos 80, o tema da cultura popular retorna ao cenário nacional, dada a difusão de
pedagogias de educação popular no esforço de setores da sociedade civil para se organizar e
participar na política, resultando na luta pela redemocratização do poder do Estado, então em
mão dos militares.
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Deve-se destacar também a crença na força da criatividade dos grupos populares, por parte de
um conjunto significativo de intelectuais da academia e do clero cristão; a crítica feita pelas
lideranças articuladas pela Igreja Católica às formas centralizadoras de organizar a população por
parte dos partidos tradicionais da esquerda; o surgimento de inúmeras experiências novas para a
solução de problemas socioeconômicos na área da habitação, geração de renda e condições de
inserção da mulher no mercado de trabalho (citamos, como exemplo, as casas construídas por
mutirões populares, a produção de pães caseiros, tapetes e “panos de prato” artesanais, as creches
comunitárais etc.).
A cultura popular foi redefinida como sinônimo de resistência popular. O livro de Chaui,
Conformismo e resistência — aspecto da cultura popular no Brasil (1986) é emblemática a este
respeito. E a cultura popular foi diferenciada d a cultura de massa. A primeira seria produzida
pelos seus participantes, criada e recriada continuamente. A segunda seria pré-fabricada para
integrar os indivíduos, como meros consumidores passivos.
O autor que inspirou tais concepções foi Antônio Gramsci, em seus trabalhos sobre o papel da
cultura presente no folclore e nas reivindicações das associações populares, como elementos
fundamentais para a construção de uma nova hegemonia política de determinada nação.
Como sabemos, o conceito de hegemonia gramsciniano inclui a cultura como processo social
global e o transforma em ferramenta fundamental para o processo de transformação social, à
medida que ele forma a visão de mundo dos grupos sociais. Construir visões de mundo
diferenciadas das elites dominantes é tarefa do novo intelectual orgânico. Desenvolver as práticas
de resistências embutidas na cultura popular faz parte deste processo. A cultura popular assume,
portanto, uma concepção estratégica, parte do processo de busca de mudanças e transformações
sociais. Para Gramsci, portanto, “o poder de uma classe se define, sobretudo, no campo da
cultura, criticada de fora por Marx e Lênin como simples ideologia.
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Gramsci, de fato, mostra como o poder de uma classe não depende tanto do controle do aparelho
estatal, mas, antes de mais nada, de sua capacidade para dirigir, intelectual e moralmente, o
conjunto da sociedade e para gerar ‘consenso’ em tornod ela. Desse modo, pode chegara exercer
uma ‘hegemonia’ sobre as demais classes sociais. O
controle do Estado é apenas a conseqüência” (Restrepo, 1990: 75). A construção de uma nova
visão de mundo, uma nova moral, uma nova ética, um novo consenso, são todos elementos
básicos sem o qual a sociedade civil estará sempre subjulgada aos propósitos das classes
dirigentes.
Desenvolver uma nova cultura política a partir de fragmentos da cultura popular composta de
“aglomerados indigestos de fragmentos que só podem viver isolados em guetos culturais”, de
forma quea cultura subalterna — feita de pedaços de culturas e civilizações precedentes e de
restos da cultura dominante — se transforme em cultura autônoma, crítica, homogênea e, aos
poucos, hegemônica. Isso implica transformar a sociedade civil, criando-se as bases para a
absorção da sociedade política. E neste ponto entra o papel dos intelectuais nos aparelhos do
Estado. Penetrar nos órgãos governamentais, alterar a cultura organizacional da administração,
construir uma nova cultura antes mesmo de se tornar o poder. Estas concepções alimentaram
intelectuais e políticos de variadas matizes políticas, que se uniram para restaurar a democracia
em vários países da América Latina. Uma das metas desta grande tarefa era construir uma cultura
democrática que fundamentasse a nova cultura política. Minando, pelas bases, a cultura
autoritária vigente no Estado e na sociedade brasileira, desde o tempo colonial.
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Ao final dos anos 80, as mudanças na conjuntura internacional, com as alterações no regime
político do Leste Europeu e a hegemonia das políticas econômicas neoliberais, levarama
construçãod e um novo significado para o termo cultura, por parte dos intelectuais engajados
ideologicamente na luta contra as injustiças sociais e em busca de uma sociedade menos
desigual. Aos poucos a expressão “cultura de resistência” foi sendo substituída por “cultura
propositiva”. Trata-se de engendrar ações que não fiquem apenas em críticas e denúncias, mas
que coloquem propostas, estabeleçam metas, objetivem um agir “ativo” e não só resistência,
passiva. A nova postura tem lançado os movimentos sociais, em especial os populares, em novas
experiências associativas.
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E ele conclui: “a única base possível de legitimação para a participação das associações civis nos
processod e proposição política (discussão de políticas públicas etc.) é, exatamente, seu
enraizamento nas teias sociais de resistência. á…ú Se abandonarem a resistência e
especializarem-se na proposição, os movimentos estarão abrindo mão de sua própria razãod e
ser, do pressuposto ontológico de sua legitimação”
Rennó ao realizar uma resenha sobre o tema também destacou que “os conceitos e categorias
da teoria da cultura política — como subculturas políticas, cultura política das elites, socialização
e mudança na cultura — estão presentes, de forma subentendida, desde os primórdios da ciência
política. Maquiavel, Montesquieu, Rousseau e Tocqueville, além de Platão e Aristóteles, são
exemplos de autores que empregaram alguma das categorias culturais em sua análise” (1998:
139-40).
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O paradigma marxista de análise da realidade constrói um quadro geral da análise que confere
importância fundamental à infra-estrutura da sociedade, ao modo de produção da vida material.
Naquele paradigma, o fenômeno das idéias, dos valores e das ideologias não são vistos como
dotados de autonomia. Os valores fundamentais de uma época histórica são produzidos pela
classe dominante e difundidos por meio das ideologias. Nesse sentido, a cultura política
dominante seria a cultura da classe dominante. Na teoria marxista, a cultura política só ganhou
destaque coma abordagem de Gramsci.
Entretanto, é Max Weber o grande teórico do século Xx, que forneceu as bases para o
desenvolvimento de uma teoria da cultura política.
estudo da relação entre o ethos capitalista e a ética protestante, por exemplo, demontrou a
importância dos fatores subjetivos na análise da realidade social. E os valores são a base de
construção daquele ethos.
Nos anos 50 e 60 deste século, a cultura política se estabeleceu a partir do uso de métodos de
amostragem estatística, especialmente técnicas de escalas e uso de sistema de inferências, e
tivemos o desenvolvimento de escalas de medição da cultura política de um grupo, envolvendo
testes empíricos e especulações teóricas. Para que se entenda estas transformações é preciso
resgatar os traços principais dessa abordagem tida por alguns autores como “clássica” na
construção de uma teoria cultural política.
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Nos anos 60, Almond e Verba publicaram The civis culture (1963), um estudo que se tornou
clássico na ciência política sobre a cultura política. Preocupados em explicar a estabilidade ou a
mudança dos regimes políticos em termos de um suposto caráter nacional dos povos, os autores
utilizaram as emergentes pesquisas de opinião, segundo uma abordagem behaviorista.
Afirmavam que as orientações subjetivas dos indivíduos são cruciais para explicar a estabilidade
dos regimes políticos. As orientações envolveriam três dimensões: cognitiva, afetiva e valorativa.
Com base em análises sociopsicológicas que buscavam apreender as atitudes individuais,
pesquisaram cinco países diferentes e construíram a categoria “cultura cívica”, aquela que
“combina tendências de participação política com atitudes de moderada deferência do público
diante das autoridades” (in Moisés, 1992:16). Além da psicologia social, outras fontes de
inspiração para Almond e Verba foram a antropologia sociopsicológica e a política. O processo
de socialização na infância passou a ser destacado para explicar a presença de determinados
valores.
A política, vista por um ângulo liberal, deu seu toque ao introduzir as noções de consciência
cívica e cidadania. O envolvimento e a participação dos indivíduos em assuntos da coletividade e
o respeito às leis e às autoridades passaram a se destacados como elementos de um modelo de
cidadania. Ou seja, a estrutura e a cultura política eram associadas segundo uma perspectiva de
“consciência cívica” dos cidadãos.
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The civic culture levou ao desenvolvimento de um grande número de pesquisas e deu origem
ao chamado modelo culturalista que enfatiza atitudes e valores. As pesquisas sobre o caráter
nacional de uma sociedade (a partir do cruzamento de dados sobre cultura e personalidade)
passaram a ser vistas como “parte do contexto da ação política e (ela) provê o ambiente para a
mudança ou continuação de um certo regime político. á…ú A cultura política e a estrutura
política só são separadas no nível analítico para permitir o estudo de sua congruência. Os
objetivos de testar a compatibilidade entre cultura política e de delinear o tipo de cultura
associada à democracia — isto é, a cultura cívica — estão implícitos no desenho de pesquisa
desse estudo” (Street, 1993:98, apud Rennó, 1998:75). Para Street, a abordagem de Almond e
Verba buscava integrar atitudes e valores políticos de um lado e funcionamento do sistema
político de outro, o micro ao nível dos comportamentos individuais, o macro no que se refere ao
sistema político.
Em 1966 Almond e Powell publicaram um novo trabalho definindo a cultura política como:
“o padrão de atitudes e orientações individuais com relação à política compartilhadas por
membros de um sistema político” (1980:37). Observa-se a primazia do indivíduo na
conceituação do autor, onde orientações cognitivas, credos, orientações afetivas dadas por
sentimentos e orientações avaliativas determinariam as escolhas dos indivíduos. Para ele, a
cultura política envolve um conjunto de fenômenos que podem ser identificados e até certo ponto
medidos por meio de índices.
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Atribuo a importância que foi dada ao seu estudo o fato de conter a possibilidade de
previsibilidade: a cultura política teria o poder de prever tendências individuais diante das
característcas de certo sistema social como o comportamento das pessoas em relação ao voto.
Entre elas existe a cultura política ideológica, onde os indivíduos desenvolveriam um conjunto
de atitudes políticas mas num estilo fechado, rígido, fixado pela ideologia. As culturas políticas
de uma sociedade seriam mantidas ou transformadas por meio do processo da socialização
política. A família e o sistema escolar foram vistos como os principais mecanismos de
sociolização política, seguidos pelos meios de comunicação de massa, grupos formais e
informais.
A teoria “culturalista” da cultura política sofreu críticas ao longo dos anos 70, tanto por parte
da esquerda como da própria direita. Para a esquerda, pesquisas baseadas em atitudes,
comportamentos e opiniões nada mais refletiam que uma visão fetichizada da realidade,
denotando a falsa consciência, e não a realidade dos fatos e fenômenos. Haveria na análise de
Almond e Verba, por exemplo, a ausência de consideração quanto as estruturas econômica e
política. Quanto à direita, sua crítica esteve associada à emergência da teoria da mobilização
política e suas escolhas racionais.
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A economia substituiu a psicologia na explicação das ações coletivas dos indivíduos e grupos.
Atores dotados de racionalidade, priorizando escolhas que contemplassem seus interesses, eram
destacados como matrizes explicativas das ações coletivas, e não mais indivíduos influenciados
pela socialização familiar ou pels constrangimentos dados pelas estruturas macroeconômicas e
políticas Em 1980, Almond publicou mais um livro, organizado novamente em conjunto com
Verba, onde faz uma revisão da teoria anterior. A partir de Almond, Rennó escreve: “Se na
década de 60 e 70, a ciência política viu-se dominada pelos reducionismos de esquerda e de
direita, nos anos 80 esses movimentos começaram arrefecer e a perder o crédito. O
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A cultura política passa a ser vista como “o conjunto de orientações subjetivas de determinada
população” (1990: 144 apud Rennó, 1998). “A cultura política incluiria conhecimentos, crenças,
sentimentos e compromissos com valores políticos e com a realidade política. O seu conteúdo é
resultado da socialização na infância da educação, da exposição aos meios de comunicação, de
experiências adultas com o governo, com a sociedade e com o desempenho econômico do país”
(Rennó, 1998: 71). A conclusão a que chegamos é a de que Almond alterou um pouco sua visão
do fenômeno incluindo o lado macroeconômico e estrutural. A experiência histórica de vivência
dos indivíduos, num dado território, submetido a determinado regime político, passou a ser
considerada um dado relevante por Almond, em contraposição à ênfase psicológica e a
intrafamiliar dada anteriormente.
Rennó (1998), citando Pye (1969), afirma que “a cultura política define o contexto no qual a
ação política se desenvolve e é produto das experiências particulares de cada cidadão com o
sistema político e da história coletiva desse sistema. A cultura política forma o pano de fundo das
expectativas dos cidadãos sobre a realidade política e enfatiza idéias acerca de qual é o melhor
sistema público disponível”.
Ainda na trilha do uso de conceito de cultura política de forma instrumental, como uma
ferramenta de aferição e de controle social, Rennó afirma que “a aplicação dos conceitos de
cultura política às questões de desenvolvimento político contribui para elucidar os distintos
padrões desse processo, além de indicar as causas da sua frustração”. O processo de
desenvolvimento político é visto como “o crescente respeito à população como um todo,
passando os cidadãos a serem vistos como sujeitos da ação e não como sujeitos à ação” (1998:
80-1).
A vertente que relaciona cultura política e desenvolvimento político trabalha com os seguintes
indicadores sociais: atitudes políticas envolvendo valores como confiança e desconfiança,
liberdade e coerção, igualdade e hierarquia, interesses universais e paroquiais. Segundo
Kavanagh (1980), existem quatro fontes de mudanças na cultura política, a saber: a própria
configuração da população de um país, as mudanças de uma geração para outra, as alterações no
estilo de vida das pessoas decorrentes das fases e situações diferentes que vivenciam, e as
mudanças culturais geradas por mudanças na estrutura política e econômica do país.
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Nos últimos dez naos a cultura polítca voltou a ser um conceito-chave em todas as áreas das
ciência sociais, e não apenas na ciência política. Uma das explicações pode ser dada pela
importância que a cultura passou a ter nas análises dos cientistas sociais, enquanto eixo
paradigmático fundamental nas explicações sobre as ações humanas vivenciadas na realidade,
em detrimento das análises econômicas e políticas das décadas anteriores. Os meios de
comunicação também passarama ter também papel central na sociedade e na política, obrigando
os analistas a recorrer ao estudo dos códigos lingüísticos e audiovisuais, aos processos interativos
via multimídia, para poder compreender as novas realidades virtuais etc. Novas abordagens sobre
a cultura política foram elaboradas, resultando numa teoria neoculturalista da política. As
referências e preferências nos comportamentos humanos não são apenas as herdadas, mas,
principalmente, as aprendidas. A educação ganha destaque, não tanto por seus aspectos na área
do ensino formal, mas pelos aspectos não-formais, do aprendizado gerado pela experiência
cotidiana. Os indivíduos escolhem, optam, posicionam-se, recusam-se, resistem ou alavancam e
impulsionam, as ações sociais em que estão envolvidos, segundo a cultura que herdaram do
passado e na qual estão envolvidos no presente.
Seguindo uma corrente totalmente distinta de Almond e da ciência política norte-americana,
Luis Morfin, por exemplo, definiu cultura política como: “o conjunto de significados e valores
com o que se constrói o sentido da comunidade política, da tomada de decisões para o bem de
todos, através dos conflitos inerentes à coexistência e convivência humana.
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Esta cultura abrange e se sustenta na cultura dos direitos humanos e políticos dos membros de
uma comunidade. Para que este conjunto de significados seja construído, há dois momentos:
primeiro constitui-se um credo, um conjuntos de certezas assumidas como válidas. Em segundo
lugar, para que este conjunto de significados e valores opere na tomada de decisões, requer-se
que a comunidade se aproprie deles, como um desígnio, com uma vontade política de ir a algum
lugar. Estes fatores seriam os impulsionadores das discussões e busca de soluções de um
determinado grupo”. (Morfin, 1994: 468). Observa-se que aqui a cultura política não é uma
determinação passiva que explique os comportamentos humanos, pelo desejo de busca de
soluções. A originalidade do autor mexicano está em aliar a questão da cultura política à
educação. Para ele, a educação é um processo que requer a intergração de conhecimentos com
habilidades, valores e atitudes. Concordando, acrecentamos: a apreensão do processo educativo
está associada ao desenvolvimento da cultura política. Juntas, educação e cultura política têm a
finalidade de ser instrumento e meio para se compreender a realidade e lutar para transformá-la.
Nos anos 90, a retomada dos estudos na área da psicologia social e o interesse sobre como
operam os mecanismos dos processos cognitivos dos indíviduos e como els influenciam as
atitudes e os comportamentos das pessoas têm levado a se elger a cultura política como o espaço
de fusão entre a tradição e a inovação. Disto resulta outras formas de apreensão da cultura
política — de ordem mais qualitativa — foram produzidas, gerando abordagens que privilegiam
nao as escalas de indivíduos, mas a identidade criada em um coletivo de atores sociais, a partir
do conjunto de valores e reoresentações simbólicas que eles têm sobre a realidade social.
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Nesta linha de interpretações, Ponte vê a cultura política como “um conjunto de códigos que
permite o estabelecimento de relações políticas entre indivíduos e grupos, e que portanto tem a
ver com a dimensão subjetiva da vida pública e com a interpretação e produção de sentido”
(1992: 165). A este respeito, deve-se ver também o trabalho de Jordan e Weedon (1996).
A importância do papel da cultura política passou a ser atribuída à possibilidade que esta
oferece para explicar a ação política dos indivíduos nos grupos sociais, o comportamento político
dos indivíduos enquanto seres políticos, no sentido aristotélico e não apenas em relação à
instituição política e/ou aos governantes, em especial no momento do voto. Com isto a ênfase
desloca-se das atitudes e opiniões dos indivíduos isolados como membros participantes de
grupos, de coletivos sociais com uma identidade: ser sem-terra, negro, mulher, defensor de
causas ambientalistas etc.
As redefinições do próprio conceito de cultura, nos moldes propostos por Chaui (1986),
propiciam à cultura política ser vista como um legado histórico, mas como prática viva e atuante.
A interação permanente entre valores antigos (que persistem por meio das tradições) e valores
novos (que são agregados no repertório das pessoas pelo fato de elas viverem no mundo
globalizado, competitivo em busca de contínuas inovações que produzem diferenciais entre os
indivíduos) faz com que a cultura polítca seja resultado de um processo que a constrói
cotidianamente, por meio de um jogo de reciprocidade.
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Os atores sociais possuem suas crenças e valores, mas reagem em face dos acontecimentos da
política segundo a interpretação que captam as das ações dos atores do mundo da política oficial,
governamental. Esta interpretação é usualmente mediada pelos meios de comunicação. De tal
forma que, para se entender a política de um grupo social, ou de seus atores em particular, termos
que decodificar o conjunto de significados — atribuídos ou construídos — no universo do
imagináriod as representações sociais daqueles grupos ou indivíduos.
5. O uso da teoria da cultura política no Brasil É interessante destacar que, apesar da postura
conservadora de Almond e Verba, sua influência metodológica e sua ênfase no uso do conceito
para deterctar o comportamento dos eleitores, nas análises contemporâneas na ciência política,
no Brasil, são consideráveis. A forma como eles construíram a teoria possui um charme tentador:
a relação entre a cultura e a estrutura política pressupõe a capacidade humana de intervir e/ou
controlar um regime político desde que se capte as orientações culturais dos indivíduos. Seu
referencial baseado em análises de sistemas políticos e atitudes dos indivíduos está presente nso
poucos estudos existentes sobre a cultura política no Brasil.
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Nos anos 80, o processo constituinte motivou alguns cientistas polítcosa pesquisar a cultura
política dos eleitores face a transição do regime militar para a democracia. Moisés utilizou a
abordagem ao analisar as atitudes do eleitorado brasileiro buscando captar suas orientações
políticas em relação à democracia. Ele concluiu que havia formado no Brasil uma nova cultura
polítca para constatar a adesão a valores democráticos. E como isso foi captado? A partir de
atitudes e orientações políticas dos indivíduos. Ele não utiliza plenamente o esquema de Almond,
procurando construir o perfil de “identidades polítcas” na nova cultura, mas continuou a tradição
de associar a cultura política a posicionamentos e comportamentos eleitorais. Segundo Bank
(1991), a noção da cultura política permanece indefinida em seu trabalho e ele descarta a tradição
como algo arcaico, em contraposição à nova cultura política. Sousa e Lamounier (1989)
tambémd esenvolveram uma pesquisa sobre as atitudes do eleitorado em relação à democracia
como parte de um conjunto de dilemas da vida política nacional.
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Os movimentos populares estariam colocando em crise as idéias que fundamentam noções como:
“subir fácil na vida”, “rouba mais faz”, “é dando que se recebe”, “a política é uma cordo de
cavalheiros”, “você nãos abe com quem está falando”, “quem é a autoridade aqui”, “aos amigos
tudo, aos inimigos nada” etc. ou seja, os movimentos populares estariam apontando para uma
modernidade política no sentido de se redefinir a noção de cidadania, em seu aspecto público-
privado. Mas este processo foi heterogêneo, contraditório, cheio de fluxos e refluxos e bastante
desigual.
Portanto, falar de cultura política é tratar do comportamento de indivíduos nas ações coletivas,
os conhecimentos que os indivíduos têm a respeito de si próprios e de seu contexto, os símbolos
e a linguagem utilizadas, bem como as principais correntes de pensamento existentes.
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Mas é muito complicado falarmos em cultura política de forma isolada do contexto histórico e de
outros conceitos de apoio. Isto porque cada época histórica engendra determinada cultura
política, segundo os valores e crenças que são resgatados ou construídos, num universo dos
temas e problemas com os quais homens e mulheres defrontam-se naquele momento histórico.
Os conceitos de apoio são o de cidadania, direitos humanos, identidade cultural, participação
sociopolítica etc. Em 1992
Avritzer (1996) destaca que o desenvolvimento do processo democrático no Brasil dos anos
80 e 90 sempre estevwe marcado pela descrença da população em relação ao sistema político e
aos representantes políticos. supõem um processo mais longo, de transformação da cultura políca
e das relações Estado/sociedade.
Avritzer aponta a existência de duas culturas políticas que disputam espaços entre si: uma não
totlamente autoritária e outra não totalmente democrática. Elas configuram as práticas da
sociedade, enquanto sistema de referência.
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Mainwaring e Viola (1987) concebem a cultura política como “os valores políticos que
provêm a base tanto do discurso e das ideologias políticas como da prática política”. Esses
valores são formados históricamente e, portanto, possuem estruturas de ancoragem. A presença
deles no dia-a-dia das pessoas não diz respeito apenas a uma simples escolha individual ou gosto
por esta ou aquela posição ou ação. Segundo os autores, os valores dão origem a cinco tipos de
cultura política: autoritária de direita (misto de autoritarismo político e elitismo social),
autoritária de esquerda (combinação de igualitarismo social e autoritarismo político),
semidemocrática (postula a democracia representativa de forma não-instrumental), democracia
radical (combina a crença na democracia política com o igualitarismo social). Mainwaring e
Viola concluem que no Brasil a forma autoritária tem predomiado e demarcado as relações
sociais.
Coelho (1997) realizou uma pesquisa interessante com jovens universitários, em São Paulo,
buscando captar qual era a cultura política deles. O autor trabalhou com uma concepção de
cultura política próxima a de identidade cultural. Analisando o interesse doa jovens pela leitura
de jornais e o interesse pela matéria lida, ele demonstrou que mais de 50_} de sua amostra lia
algum tipo de jornal, que o assunto mais lido era sobre a cultura e o menos lido, ou o lido por
último, era sobre a política. Sua pesquisa demonstrou também que os jovens, em seu tempo livre,
preferem as práticas de sociabilidade tradicionais, como sair com amigos, conversar, ficar em
cas, ou ir a algum espetáculo ou evento, ou seja, eles preferem práticas de contato direto, sem a
mediação de outros agentes.
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Coelho conclui que a entrada dos jovens na cultura política parece ocorrer pela porta da cultura e
que não há, no momento, no Brasil, uma política cultural que caminhe no sentido da tendência
societária dos jovens. Agregamos às conclusões do autor outras: não há também uma política
cultural para os jovens no movimentos sociais populares.
A análise da cultura política também foi tratada por Renato Ortiz e Paulo Freire. O primeiro a
localizou em determinados espaços especializados, como os partidos, os sindicatos, as ONGs, os
movimentos sociais etc. Afirmou que é atribuído a esse espaço o papelm de formulação,
construção e realização da consciência política, assim como a formulação de projetos para
equacionar os problemas da sociedade, via determinadas estratégias políticas. Mas ele questiona
a exclusividade dada à política e indaga se não há outros espaços, compostos por instituições
como a família, a religião, a escola, a mídia etc., que participam da socialização dos indivíduos, e
também contribuem para a cultura política destes. Ortiz conclui que, nos tempos atuais, “a esfera
da política se tornou mais flexível, plural. Se, no passado, nela atuavam predominamente o
Estado e os partidos, hoje temos uma multiplicidade de movimentos sociais enquanto atores
sociais á…ú há toda uma cultura que escapa da esfera da política especializada, que não coincide
nem com a perspectiva tradicional nem com uma ‘nova cultura política’.
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Dito de outra forma, os partidos, os movimentos sociais, as ONGs atuam dentro de um contexto
que reflete a própria modernidade da sociedade brasileira. Essas organizações atuam no interior
desse jogo de forças. É
no interior desse jogo que surgem alguns valores mediáticos e que não se enquadram na cultura
política no sentido estrito do termo. Não se trata, portanto, de desvalorizar sua importância mas
de mostrar outro lado do problema” (1995: 69). Destacamos esta longa citação por
considerarmos que ela vai ao encontro das primissas básicas desta obra, ou seja, a possibilidade
de construção de nova cultura política em espaços de educação não-formal.
Paulo Freire afirmou que quando falamos em nova cultura política, estamos supondo que
exista uma velha. Isso obriga-nos a refletir sobre como se constitui o novo. Ela recorda que toda
novidade nasce no corpo de uma ex-novidade, que começou a envelhecer. E as novidades não
surgem por decreto, pois há uma intrligação entre as coisas que vão ficando velhas e as coisas
que vão nascendo. Freire destaca que “uma das preocupações daqueles que pretendem
transformar a sociedade é exatamente lutar pela novidade. á…ú Uma das formas de se engajar
nessa luta pela novidade é buscar diferentes formas de ajuizar a prática política. Quer dizer: fazer
exigências de natureza ética, para que seja possível uma nova cultura política” (1995: 71). Dentre
essas exigências, Freire cita a coerência entre o discurso e a prática, a tolerância e a humildade,
na vida cotidiana de todos. Cita também a importância de uma escola pública de todos. Cita
também a importância de uma escola pública para a construção da cidadania, uma das exigências
para uma nova cultura política.
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Conclui dizendo: “Não dá para dizer que a educação crie a cidadania de quem quer que seja. Mas
sem a educação é difícil construir a cidadania.
A cidadania se cria com uma presença ativa, crítica, decidida, de todos nós com relação à coisa
pública. Isso é dificílimo, mas é possível. A educação não é a chave para a transformação, mas é
indispensável. A educação sozinha não faz, mas sem ela também não é feita a cidadania”
(1995: 74).
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ASSOCIATIVISMO
1. Definindo os termos
Partirei de formulações propostas por alguns autores para a seguir analisar a forma como os
conceitos acima têm sido apresentados na mídia e na literatura a respeito, a saber: em conjunto
com outras categorias de apoio, como terceira onda, terceira via, ONGs, voluntarismo etc.
Gostaríamos de destacar à primeira vista a ênfase no termo “terceira (o)”. Fala-se em terceira
onda, terceira via, terceiro setor, terceiro milênio, além do setor terciário, Terceiro Mundo,
terceira idade, terceiro escalão, terceira classe etc. Diferentemente da posição dos “terceiros” na
filosofia dialética, onde o terciro termo é a síntese, e resulta da interação entre os dois primeiros,
a tese e a antítese; a utilização do termo na modernidade aponta para caminhos alternativos, para
a busca de novos modelos que superem os problemas contidos na “Primeira” e na “Segunda”
proposição em tela.
Não incluiremos na definição deste texto o termo “terceiro milênio”, dada a polêmica
existente se estaríamos entretanto no segundo ou no terceiro milênio. Mas ele parece sintetizar o
grande enigma a ser decifrado na atualidade e talvez explique o porquê da busca por vias
alternativas, numa era dominada pela incerteza e pelo pessimismo em relação ao futuro.
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Para onde estamos indo? Como seremos no próximo século? Quais as principais tendências? Ou
seja, o terceiro milênio parece ser a justificativa para a busca de respostas, enquanto tendências e
perspectivas, no cenário que estamos analisando.
O termo “terceira onda” está na agenda dos chamados termos emergentes da modernidade e se
relaciona diretamente com o terceiro setor. Sabemos que foi cnhado no campo da prospecção e
desenhos de cenários futuros, por Alvin Toffer (5) ao se referir ao desenvolvimento de
tecnologias avançadas no campo da informação. A “primeira onda”
teria surgido há mais de dez mil anos , com a revolução agrícola, que transformou o homem
nômade e caçador em agricultor, fixado na terra; a “segunda” teria mais ou menos trezentos anos
e foi dada pela Revolução Industrial, originando a civilização urbana centrada nas fábricas.
com um outro sentido, para denominar as revoluções políticas democráticas deste final de século.
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Em 1998, Toffler, em debate sobre “Como se muda um país através da Educação” promovido
pela Rede Globo no Parlatino, em São Paulo, voltou ao tema afirmando que a crise na educaçao
na sociedade informacional não pode ser resolvida dentro das salas de aulas, nos moldes como
estas se organizam e funcionam atualmente. As escolas teriam sido criadas em certo tempo
histórico para simular a vida real futura dos alunos em organizações do tipo fábricas, e hoje
seriam um sistema que adota um regime absoleto de ensino-aprendizagem. Segundo ele, muitas
coisas devem acontecer fora das salas de aulas e devem ser incluídas no planejamento do
processo de aprendizado dos alunos para que de fato as crianças sejam preparadas para o século
Xxi. Ele enumera cinco elementos, a saber: O
computador, que deveria estar ligado à redes com as famílias, pois não basta ter computadores
nas escolas; a mídia, em sua fase atual, que seria parte da terceira onda tecnológica, com seus
efeitos interativos, e não pode ser ignorada pelos educadores; a participação ativa dos pais nas
escolas, que não se resume a meras visitas por ocasião de festas, problemas com os filhos ou
raras reuniões formais; e a participação da comunidade, tomando-se o cuidado de aproveitar o
conhecimento que está diluído em seu interior. O quinto elemento é o professor, que deve ser
liberado da escola tipo fábrica, criada de acordo com o modelo da segunda onda na época da
Revolução Industrial e solicitado a participar de um redesenho do projeto educacional.
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O termo Terceira Via é a expressão política do momento. Embora tenha origem mais remota,
tem sido utilizado por movimentos políticos, desde a social-democracia clássica alemã nos anos
20 deste século, até por Mussolini nos anos 30. Mussolini falou de uma terceira via como um
caminho entre o bolchevismo e o laissez-faire. Nos anos 60, o termo foi retomado por aqueles
que se referiam a um socialismo de mercado, como o alemão Ota Sik, que escreveu a obra A
terceira via e em 1973
acrescentou-lhe novos elementos com outro livro, Argumentos para uma terceira via, cujo
subtítulo era “Nem comunismo soviético nem capitalismo”. Nos anos 70 a idéia reaparece no
Partido Comunista italiano, na figura de personagens como Peter Igrao, ao discutir crise do
socialismo. Enrico Berlinguer propôs um atalho entre a socio-democracia e o comunismo.
Segundo o semanário Carta Capital, “nos anos 70, Michel Rocard, um dos pilares da política
francesa, falou em deuxième gauche, a segunda esquerda. Há poucas semanas Felipe Gonzales, o
ex-premiê espanhol, declarou, em tom sardônico: Quando eu era menino, Franco era a ‘terceira
via’. O próprio Giddens admite que a ‘terceira via’ já era um debate na França em 1890.
Resumindo: em época de crise ou de incerteza, a solução é enveredar para um caminho
intermediário”
Nos anos 90, a terceira via reaparece com grande força na Inglaterra e na Alemanha para
depois se difundir pelo mundo ocidental como uma nova alternativa ao capitalismo neoliberal da
era da globalização. Na Inglaterra, a proposta é de retomada tanto como nome de um partido
político que luta para obter a descentralização do poder, via reforma constitucional, num espectro
ideológico que une reformismo, nacinalosmo e ecologia;
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como na proposta do primeiro-ministro do Parlamento britânico, Tony Blair (1998), que com o
suporte de assessoria sociológoca de Anthony Giddens (1998), levou o termo para a mídia
criando uma moderna versão da socio-democracia trabalhista onde há um Estado que procura
humanizar o capitalismo, numa economia mista, globalizada, atuando em rede. Com estes
pressupostos ele busca novas alternativas às políticas neoliberais da era “Thatcheriana”. Na
Alemanha, o social-democrata Gerhard Schroeder, com o slogan “Um novo centro”, conseguiu
se eleger primeiro-ministro, retirando do poder, após dezesseis anos, o governo dos
conservadores, então liderado por Helmut Kohl.
A grande novidade sobre a terceira via nos anos 90 é que ela não se contrapõe ao capitalismo
e ao comunismo ou socialismo. Agoras ela contrapõe o laissez-faire econômico, denominedo
primeira via (portanto, o velho capitalismo liberal) à velha social-democracia e sua forte
dosagem estatal, denominada segunda via. Para Tony Blair, a terceira via é uma social-
democracia moderna, uma nova opção dentro do centro-esquerda, e sua vitalidade deriva da
união das duas grandes correntes de pensamento à esquerda e ao centro — o socialismo
democrático e o liberalismo. “Não é simplesmente um acordo entre a esquerda e a direita. Ela
busca pegar os valores essenciais do centro e do centro-esquerda e aplicá-los a um mundo de
mudanças sociais e econômicas fundamentais — e fazer isso livre de ideologias ultrapassadas.
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A terceira via dos anos 90 é, portanto, uma discussão nos marcos do sistema capitalista, nos
cenários desenhados por duas forças: de um lado, o livre mercado, com toda a sua
irracionalidade e busca desenfreada por lucros via a livre concorrência entre os agentes
econômicos privados; de outro, a atuação estatal via intervenção naquele mesmo mercado. A
“antiga esquerda”, termo utilizado para a via política dos países socialistas ou comunistas, é
denominada como “fundamentalista” e rejeitada como sinônimo de controle estatal, como um
fim em si mesmo, de um “Estado onipotente” (Blair, Folha de S.
Paulo, 20/9/98).
Segundo Clóvis Rossi (Folha de S. Paulo, 20/9/98), os pilares da discussão sobre a terceira via
nos anos 90 são a liberdade de mercado e a coesão social. Entretanto, a crise dos mercados
financeiros de 1997 e 1998 erodiu um dos fundamentos que levou à construção da terceira via.
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O fantasma das revoluções sociais de séculos passados voltou ao cenário das previsões dos
pessimistas ou catastrofistas, como resultado da crise econômica, exclusão de contingentes da
população que estão fora do mercado de trabalho porque simplesmente não há emprego
suficiente, o mercado de trabalho eliminou, encolheu ou substituiu pela máquina milhares de
postos de serviço.
Eric Hobsbawm (1999) se pronunciou a respeito dizendo que a “terceira via é uma invenção
retórica. Estou mais próximo de uma terceira via que fique entre uma economia planificada e o
livre comércio” (Folha de S.
Paulo, 1/1/99:12). Alain Touraine, em entrevista para o mesmo jornal, também declarou:
“Quando eu falo de terceira via, falo de Tony Blair mais precisamente, que é uma solução de
centro-dirieta e não de esquerda. Significa aceitar o essencial da lógica liberal e juntar algumas
medidas sociais — a educação, no caso da Inglaterra. É normal, passando de um regime de
direita de Margareth Thatcher, chegar ao de centro-direita” (28/1/99).
Mas o que a terceira via tem a ver com o tema da educação não-formal, nosso item
principalneste livro? Muita coisa é nossa resposta. Isto porque um dos eixos principais dem ação
da terceira via é no setor da educação. Segundo o próprio Blair, “é necessário um governo ativo
na educação, capaz de abrir o acesso ao capital e aos mercados, que promova a competição nos
mercados de produtos e coordene o investimento em infra-estrutura”. Em outro trecho ele diz: “A
meta para a política é aproximar o governo do povo e reetruturar os serviços públicos que cercam
as pessoas, em lugar de esperar que as pessoas moldem suas vidas em torno da estrutura do
governo”.
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O terceiro setor é uma expressão com significados múltiplos devido a sentidos históricos
diferenciados, em termos de realidades sociais.
o que o insere a expressão terceiro setor no mundo dos negócios, no mercado, de uma forma
contrária. Grandes empresas e pequenos e médios empresários apóiam ou investem no setor
como forma de diminuir o pagamento de taxas e impostos.
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Fundações são criadas para gerir os recursos destinados a obras sociais, muitas delas dedicam-se
ao apoio à educação (inclusive atuando nas universidades, pois sendo a maioria das faculdades
pagas, há um leque enorme de sistemas de bolsas e apoios para os cidadãos de origem norte-
americana propriamente dita que advêm daquelas fundações). Outros criam as próprias
fundações para diversificar seus bens, a exemplo de Ted Turner, o ex-proprietário majoritário da
rede de televisão CNN, ou para gerir bens de espólios, como os de Jacqueline Kennidy Onassis.
graças a uma outra fonte de referência. Isto porque, após a Segunta Guerra Mundial, outra
expressão se incorporou ao campo do terceiro setor: as ONGs — Organizações Não-
Governamentais. Sabemos que a nomenclatura ONG, inicialmente, esteve associada à ONU e se
referia a um universo de entidades que não representavam governos, mas tinham presença
significativa em várias partes do mundo, como a OIT —
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o Conselho Mundial das Igrejas, a Cruz Vermelha Internacional, e outras mais que passaram a
ser estruturas articuladas à própria ONU, como a UNESCO, suas missões de paz, a FAO etc.
Após as lutas pelos direitos civis americanos — as lutas dos negros, contra a guerra do Vietnã e
as campanhas pacifistas decorrentes, a emergência dos movimentos ecológicos e ambientalistas,
a luta das mulheres e de outras categorias pelos direitos sociais, políticos, culturais etc. — um
novo tipo de ONG se constrói, atuando no campo da cultura política, dos valores de uma
sociedade e seu campo de juridização. Surgem ONGs com trabalhos sem perfil caritativo ou
filantrópico. Muitas redescobrem os ideais dos socialistas utópicos, de Saint-Simon, Fourrier e
outros, e redefinem o mito e as utopias das comunidades autogestionadas. Outras irão propor
projetos de desenvolvimento auto-sustentado, dentro de uma economia capitalista onde as regras
do mercado teriam que ser redefinidas. Outras ainda investirão em grandes campanhas
educativas, em diferentes áreas, como a ecologia Greenpeace; ou de defesa dos direitos da pessoa
humana contra todas as formas de vilência, como a Anistia Internacional (vide ainda Levy,
1996).
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Em alguns países, como no Peru, as ONGs desenvolvimentistas foram combatidas pelos grupos
radicais da esquerda porque eram vistas como conservadoras ou representates de interesses
imperialistas etc. Mas em outros países, como no Chile e no Brasil, as ONGs encontraram um
outro campo de atuação dados pelos regimes políticos militares vigentes nos anos 70 e parte dos
80. Surgem ONGs de luta contra o regime político, em função da questão dos presos políticos,
torturas etc.; e ONGs para atuarem no campo da organização popular, de luta por direitos e
condições mínimas de sobrevivência cotidiana no que diz respeito a necessidades básicas. Estes
campos delinearam novos perfis às ONGs, que denomino de ONGs cidadãs e militantes. Este
cenário fez com essas entidades se aproximassem e movimentos e grupos da esquerda ou de
oposição ao regime militar.
No Brasil, nos anos 70-80, as ONGs cidadãs e militantes estiverem por detrás da maioria dos
movimentos sociais populares urbanos que delinearam um cenário de participação na sociedade
civil, trazendo para a cena pública novos personagens, contribuindo decisivamente para a queda
do regime militar e para a transição democrática no país. As ONGs contribuíram para a
reconstrução do conceito de “sociedade civil”, termo originário do liberalismo, que adquire
novos significados, menos centrado na questão do indivíduo e mais direcionado para os direitos
de grupos.
Nos anos 90, o cenário das ONGs cidadãs latino-americanas de saltera completamente. As
atenções das agências patrocinadoras de fundos de apoio financeiro e de pessoal para trabalho de
base, articuladas às Igrejas, voltaram-se para os processos de redemocratização do Leste europeu.
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Ele lutará basicamente para vender seus produtos em mercados mais competitivos. O mesmo
ocorre com o movimento dos índios: eles pressionarão pela demarcação das terras, mas também
querem vender castanhas, ervas etc. no mercado nacional e internacional, a preço justo e certo, e
não como mercadoria “alternativa”, a preços baixos.
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Outro resultado das mudanças da conjuntura sobre as ONGs foi a necessidade de qualificação
de seus quadros. A palavra de ordem passou a ser eficiência e produtividade na gestãod e
projetos sociais, para gerir recursos que garantam a sobrevivência das próprias entidades. Ter
pessoal qualificado com competência para elaborar projetos com gabarito passou a ser a diretriz
central, e não mais a militância ou o engajamento anterior à causa em ação. Os antigos militantes
foram procurar programas de especialização e pós-graduação. Algumas ONGs, como o Projeto
Axé, da Bahia, declarou formalmente que a militância anterior é um problema para a entidade, e
foi um equívoco, no início do trabalho deles, buscar profissionais com esta trajetória.
Junto com a crise das ONGs cidadãs militantes dos anos 80, emergiram nos anos 90, no
cenário nacional, outros tipos de entidades, próximas do modelo norte-americano non-profits,
articuladas às políticas sociais neoliberais, dentro do espírito da filantropia empresarial, atuando
em problemas cruciais da realidade nacional, como as crianças em situações de risco,
alfabetização de jovens e adultos etc. Essas entidades não se colocarão contra o Estado, como as
da fase anterior, originárias dos movimentos e mobilizações populares. Elas querem e buscam a
parceria com o Estado. As novas entidades autodenominam-se como terceiro setor, pois
procuram definir-se pelo que são e não pelo que não são. Segundo seus coordenadores, as ONGs,
como o próprio nome indica, se definiram por uma negatividade: ser não-governo.
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O terceiro setor procura se firmar na positividade, com ações propositivas e afirmativas. Ele
clama por uma forma de desenvolvimento sustentável (ao contráriod as ONGs dos anos 80, que
falavam do auto-sustentável). As novas entidades que estão se expandindo estruturam-se como
empresas, autodenominam-se cidadãs por se apresentarem sem fins lucrativos e atuarem em
áreas de problemas sociais, criam e desenvolvem frentes de trabalho em espaços públicos não-
estatais; algumas nasceram por iniciativas de empresários privados e se apresentam
juridicamente como ONGDS — Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento Social.
Este fato ampliou o universo da participação para campos pouco ou nada politizados e
desenvolveu inúmeras novas formas de associativismo ao nível do poder local.
Como exemplo de ONGDS, citamos o Projeto Axé, na Bahia, o Projeto Travessia, em São
Paulo, os Programas de Fundação Abrinq e do CEMPECE
Um aspecto que deve ser destacado nas ONGs é o da sua relação com o Banco Mundial. As
primeiras experiências de relações das ONGs com o Banco Mundial ocorreram nos anos 70, na
operacionalização de projetos.
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Segundo Arruda (1996), a partir de 1981 o Banco inaugurou um deabate sobre políticas com as
ONGs, focalizando o tema “Educação e Desenvolvimento”, criando então um fórum. As próprias
ONGs organizaram em 1984 um grupo de trabalho sobre o Banco Mundial. A partir dos anos 90,
o Banco Mundial adotou uma postura de diálogo e privilegiamento de ações e parcerias com as
ONGs. A maioria dos empréstimos do Banco envolve parcerias com ONGs. Assim, enquanto
entre 1973 e 1988 apenas 6_} dos projetos financiados pelo banco envolviam ONGs, em 1993 o
percentual eleva-se para um terço dos financiamentos e, logo a seguir, em 1994, metado dos
projetos de financiamentos aprovados pelo Banco envolviam ONGs, de diferentes tipos de
objetivos.
Deve-se destacar que o crescimento das ONGs neste final de milênio é um fenômeno
mundial, e o terceiro setor já tem sido caracterizado como um novo setor da economia, o da
“economia social”. Peter Drucker (1994) constatou que o terceiro setor foi o que mais cresceu,
mais movimentou recursos e gerou empregos, e foi o mais lucrativo na economia norte-
americana nos últimos vinte anos. Diariamente são criadas fundações e associações para
promover o desenvolvimento econômico local, impedir a degradação ambiental, defender os
direitos civis e atuar em áreas onde o Estado é incipiente, emo em relação aos idosos, à mulher,
aos índios, aos negros etc., ou é de triste memória, como a das crianças nas ruas em situação de
risco em países como o Brasil.
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Deve-se destacar ainda que esta imensa rede de organizações privadas autônomas, localizadas
à margem do aparelho formal do Estado, sem fins lucrativos, mobilizadora de trabalho
voluntário, passou a ter uma relação íntima com as mudanças sociais e tecnológicas do final
deste século, em duas direções: além de atuar na área da economia informal e gerenciar milhares
de empregos, ela também começa a se fazer presente na economia formal, por meio de
cooperativas de produção que atuam em parceria com programas públicos e demandas
terceirizadas das próprias empresas.
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As ONGs passaram a atuar não apenas na geração de empregos e oportunidades de trabalho
temporário, sem vínculo empregatício, sob a forma de cooperativas, onde a renda é gerada pela
quantidade produzida.
Para finalizar esta longa exposição de definição de nossos termos, assinalamos que o
fenômeno das ONGs nos anos 90 reafirma o poder das teses e discussões acerca da importância
da sociedade civil atual (Wolfe, 1992; Arato E. Cohen, 1992). As ONGs estão mudando de nome
para simplesmente terceiro setor. Para uns trata-se apenas de mais uma forma de exploração da
força de trabalho, uma resposta das elites à organização e mobilização sindical e popular dos
anos 80, bem assim como parte das estratégias neoliberais para desobrigar o estado de atuar na
área social (vide Gentili, 1995). Para outros, o terceiro setor é algo realmente novo, pois o Estado
não consegue mais penetrar nas microesferas da sociedade. E ele só saberia atuar no nível macro,
e as políticas públicas necessitam de mediadores para serem efetivas. Quanto ao poder local, o
terceiro setor estaria contribuindo para o desenvolvimento de novas formas de associativismo.
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Na prática, o terceiro setor parece estar caminhando para uma articulação conjunta, em termos
de frentes de trabalho, entre movimentos sociais (também renovados, com perfil mais
propositivos e menos reivindicativos), asmodernas ONGs (“empresas-cidadãs” organizadas ao
redor de temas sociais e voltadas para o mercado com justiça social), determinadas associações
comunitárias, fundações sem fins lucrativos e algumas entidades tradicionais filantrópicas
(principalmente as que atuam na área da terceira idade). E em termos de política social, esta nova
frente está avançando a passos largos na formulação de uma legislação específica que normatize
as atividades do terceiro setor, em especial as relativas ao trabalho do setor do “voluntariado”,
sem vínculos empregatícios nem obrigações de natureza empregatícia ou previdenciária. É
interessante destacar que no discurso dos defensores deste tipo de trabalho, a independência em
relação ao sindicato é bastante destacada. Ou seja, o trabalho voluntário não possui, até o
momento, redes de articulações ou de pressões.
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Deve-se destacar ainda a nova cultura política que vem sendo gerada em relação ao espaço
público e aos temas de interesse coletivo, como meio ambiente, saúde, lazer etc., ou temas de
interesse de coletivos específicos como os portadores de deficiência física, mental, do vírus da
AIDS etc.
Uma nova cultura política, de base local, passou a surgir a partir de experiências advindas de
base, tanto do ponto de vista espacial, onde o município ganha proeminência, como a partir da
pirâmide social, onde setores populares carentes e outros segmentos sociais empenhados na
construção de uma democracia radical fundada em valores éticos, de eqüidade e justiça social
organizaram-se em redes associativas. Estas redes constituíram-se como comunidades políticas e
passaram a ter direito a ter direitos. Com sentido distinto das comunidades sociais anteriores, as
novas comunidades políticas estão exigindo também novas categorias teóricas para dar conta
deste novo fenômeno associativo, que redefine o próprio conceito de comunidade e faz das redes
comunicacionais o seu modo e estilo de atuar. As novas comunidades poíticas unem o agir
societário, próprio da modernidade, ao agir comunitário, próprio das comunidades baseadas nas
relações diretas, face a face, onde a subjetividade tem grande importância no desenrolar das
relações sociais (vide Laville e outros, 1998).
As ONGs dos anos 80 eram politizadas e articuladas a partidos, sindicatos e alas da Igreja
progressista. O associativismo predominante nos anos 90 não deriva de processos de mobilização
de massa, mas de processos de mobilizações pontuais. Qual a grande diferença? No primeiro
caso, a mobilização se faz a partir de núcleos de militantes que se dedicam a uma causa segundo
as diretrizes de uma organização.
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No segundo, a mobilização se faz a partir do entendimento a um apelo feito por alguma entidade
plural, fundamentada em objetivos humanitários. Pode ser uma organização internacional
(Anistia, Greenpeace), nacional (Campanha contra a Fome) ou local. Mas em todos os casos é no
local que se desenvolvem as formas de mobilização e sociabilidade. Este tipo de associativismo
não demanda dos indivíduos obrigações e deveres permanentes para com uma organização. E a
mobilização se efetua independentemente de laços anteriores de pertencimento, o que não ocorre
com a militância do primeiro tipo.
Os conflitos culturais se acirram devido ao modelo de desenvolvimento vigente que trata todos
de forma homogênea e ignora as diferenças culturais. Surgem movimentos culturais em torno de
questões de gênero, raça, etnia, que buscam mais a afirmação do que a negação ou a contestação.
A identidade deles não se constrói pela identificação com uma causa geral, mas com uma causa
específica, do grupo. Por ser mais fechados, centrados em si próprio, as grandes mobilizações
tornam-se escassas.
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Os temas das demandas situam-se no plano da ordem moral, com a liberdade, projetod e vida
pessoal, respeito aos direitos fundamentais etc. E, usualmente, não tratam de reivindicações
materiais ou políticas propriaemnte ditas. Não objetivam mudar o curso da História, nem
combatera exploração do trabalho, nem mudar o regime político ou combater os detentores do
capital. Els combatem a exclusão e a privação a que estão submetidos, combatem as elites
tradicionais e sua moral reacionária. Buscam afirmar suas diferenças, tratam a igualdade de
forma peculiar: igualdade de acesso, de uso, como equivalência, não como coisa homogênea,
única, igual propriamente dita.
Assim, nos anos 90 são estruturadas ações a partir de redes associativas compostas por atores
coletivos remanecentes de alguns movimentos sociais dos anos 80, ONGs de variados tipos,
entidades de classe que apóiam os setores populares, departamentos específicos das
universidades e de alguns órgãos públicos que desenvolvem trabalhos em parcerias com
entidades populares voltadas para a população, pequenas empresas organizadas sob forma de
cooperativas etc. Sem um entendimento dessas novas formas de representação popular é
impossível perceber as alterações em relação aos anos 80, até porque as formas antigas não
desapareceram; elas coexistem em várias localidades, como mobilização e protestos de massa
desordenadas ou, no pior dos casos, como práticas clientelistas e/ou corporativas.
Giddens (1987) assinala que política não pode ser vista apenas como algo distante, corrupto e
exclusivo das elites porque o Estado é o mais importante container do poder na era moderna.
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Ele diz também que os movimentos sociais estão obrigados a se interessar pela questão do
Estado. Isto supõe a existência de um “movimento político” na revolução dos movimentos e se
opõe à concepção de que eles contribuem única ou primordialmente para a democracia por
intermédio de suas ações na sociedade civil, isto é, colaborando paraa democratização das
relações na sociedade civil. Consideramos fundamental a participação dos movimentos sociais
nos espaços interinstitucionais. (5)
O eixo articulatório que passou a fundamentar a participação nos anos 90 é dado pelo
princípio da identidade e da solidariedade. E não se trata mais de uma identidade exclusiva de
classe, construída segundo a situação socioeconômica e de inserção de indivíduos e grupos no
processo produtivo, mas de uma identidade mais complexa, abrangendo cor, raça, sexo,
nacionalidade, idade, herança cultural, religião, culturas territoriais, características
sociobiológicas etc. Causas humanitárias também passaram a agregar as pessoas em entidades
como a Anistia Internacional, organizações pela paz, contra a fome, contra a violência em geral e
contra as crianças e as mulheres em particular etc.
Nota 5. Estamos trabalhando com a concepçãod e movimento social defendida por Castells
(1997: 3)., “como ações coletivas propositivas, as quais resultam, na vitória ou no fracasso, em
transformações nos valores e instituições da sociedade”. Também estamos de acordo com a
clarificação feita por Touraine (1998) sobre o próprio conceito de movimetno social no que se
refere a três formas de conflitos envolvidos: um localizado na esfera da organização social, outro
na da mudança social e o terceiro na esfera cultural.
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No Brasil, a construção da cidadania ocorre de forma inversa àquela que se dá nos países do
chamado Primeiro Mundo. Aqui, não basta a promulgaçãod e leis porque elas são insuficientes.
A cidadania surge então como resultado de um processo histórico de lutas no qual as leis são um
de seus momentos. A mudança gradual e lenta da cultura política é fator e resultado do exercício
da cidadania, sob a forma ativa, aquela que opera via a participação do cidadão, de forma que
interfere, interage e influencia na construção dos processos democráticos em curso nas arenas
públicas, segundo os princípios da eqüidade e da justiça, tendo como parâmetros o conhecimento
e a vontade expressa de universalização dos direitos.
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Em resumo, lentamente tem sido construído no Brasil um novo tecido social onde desponta
uma nova cultura política ao lado das antigas formas de representação política integradoras,
assistenciais e/ou clientelistas, que, infelizmente, ainda são hegemônicas. Inaugura-se uma nova
era de fazer política na gerência dos negócios públicos, à medida que surgem, a partir de novas
formas de representação pública popular, exemplos da nova era da participação, agora ativa e
institucionalizada.
E tudo isso ocorre nos marcos de um cenário de profunda crise econômica, conforme a
caracterização feita na apresentação deste livro, onde se destacam as lutas e tensões entre velhos
e novos atores sociais, em busca de espaços na arena sociopolítica existentes.
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Até os anos 80, a educação não-formal foi um campo de menor importância no Brasil, tanto
nas polítcas públicas quanto entre os educadores. Todas as atenções sempre estiveram
concentradas na educação formal, desenvolvida nos aparelhos escolares institucionalizados. Em
alguns momentos, algumas luzes foram lançadas sobre a educação não-formal, mas ela era vista
como uma extensão da educação formal, desenvolvida em espaços exteriroes às unidades
escolares. Nos anos 70, por exemplo, Coonbs e Ahmed definiram-na como “uma atividade
educacional organizada e sistemática, levada a efeito fora do marco de referência do sistema
formal, visando propiciar tipos selecionados de aprendizagem a subgrupos particulares da
população, sejam estes adultos ou crianças”
(Coombs e Ahmed apud La Belle e Verhine, 1975: 170). Na maioria das vezes, entretanto,
tratavam-se de programas ou campanhas de alfabetização de adultos cujos objetivos trancediam a
mera aquisição da compreensão da leitura e da escrita e se inscreviam no universod a
participação sociopolítica das camadas populares, objetivando integrá-las no contexto urbano-
industrial.
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Podemos observar, nas colocações dos autores, uma abordagem conservadora, que objetivava em
última instância o controle social.
Mas não são apenas as mudanças na economia e os apelos da mídia que têm configurado um
novo campo para a educação não-formal. Agências e organismos internacionais, como a ONU e
a UNESCO, bem como alguns estudiosos, também têm contribuído. Assim, a conferência
realizada em 1990, na Tailândia, elaborou dois documentos denominados “Declaração mundial
sobre educação para todos” e “Plano de ação para satisfazer necessidades básicas da
aprendizagem” onde, à luz das condições particulares da América Latina e das experiências de
ONGs em programas de educação na região, um quadro de novas possibilidades de trabalho foi
delineado a área da educação.
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Neste novo cenário, o modelo desenhado pela ONU para a área da educação passou a vigorar
com toda a força. Proclama-se o poder do conhecimento (como na terceira onda), e não mais da
economia. Ou seja, exige-se das pessoas novas habilidades, entre elas a de gestão. Não importa
mais possuir um grande acervo de conhecimentos, mas sim o domínio de certas habilidades
básicas, tais como comunicar-se (de preferência em mais de uma língua), domínio da linguagem
das máquinas e, sobretudo, habilidade de gestão (de gerir sua própria vida e carreira, equipes,
conflitos, etc.) ou seja, todos têm de planejar e administrar suas vidas e carreiras.
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A habilidade de gestão acaba sendo não o ensino de conhecimentos que capacite os indivíduos
a aprofudnar o conhecimento de sua profissão ou administrar suas vidas, mas o treinamento para
a aquisição de novas habilidades que possibilite ao indivíduo arumar outro emprego, usualmente
em outra área de sua qualificação, gerindo seu próprio negócio etc. Enquanto ele faz o curso,
recebe uma bolsa que, além de ajudá-lo financeiramente até se “habilitar” para a nova função, faz
com que não seja computado nas estatísticas do desemprego. Não é de se estranhar que, na
avaliação destes programas, tais indivíduos não consigam se recolocar no mercado de trabalho.
De fato, não foram preparados para tal, mas sim para entrar no mercado informal, em trabalhos
alternativos. Deve-se registrar ainda que são as verbas nacionais — do FAT — Fundo de Apoio
ao Trabalhador (que administram os recursos do FGTS, PIS/PASEP etc.) e as verbas
internacionais, principalmente do Banco Mundial, que subsidiam financeiramente tais
programas. Disso resulta que um grande volume de dinheiro edistribuído pelo governo para
instituições e sindicatos promoverem os cursos. Alguns sindicatos alteraram sua rotina e
passaram a se dedicar a organizar filas e inscrições de trabalhadores desempregados à espera de
uma vaga nos cursos. O governo federal exerce um controle sobre a distribuição das verbas
segundo seus interesses. Os cursos são, portanto, parte das políticas do modelo econômico
vigente, na nova sociedade globalizada, que priorizam os interesses do capital especulativo
internacional em detrimento do desenvolvimento nacional.
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Temos observado que o resultado prático da nova ordem mundial tem sido uma sociedade
cada vez mais competitiva, individualista e violenta. Os indivíduos estão cada vez mais isolados
e estressados. São pessoas desenraizadas, sem pertencimentos. Uma sociedade onde incluídos
competem em grupos seletos e muitos excluídos vagam e migram em diferentes áreas e espaços
porque são “sobrantes”, não há mais vagas ou lugar para eles no mercado de trabalho. Não são se
quer explorados porque não têm salários. Estão desterritorializados. São pertencentes às camadas
populares, são os novos párias, os “vagabundos pré-industriais” perdidos na modernidade.
Desde a apresentaçãod este livro, estamos enfatizamos que trabalhamos com um conceito
amplo de educação a que cocnebemos de forma associada a outro conceito, o de cultura. Isto
significa que a educação é abordada enquatno forma de ensino/aprendizagem adquirida ao longo
da vida dos cidadãos;
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pela leitura, interpretação e assimilação dos fatos, eventos e acontecimentos que os indivíduos
fazem, de forma isolada ou em contato com grupos e organizações. A educação escolar, formal,
oficial, desenvolvida nas escolas, administradas por entidades públicas ou privadas, é abordada
como uma das formas da educação.
A cultura é concebida como modos, formas e processos de atuação dos homens na história,
onde ela se constrói. Está constantemente se modificando, mas, ao mesmo tempo, é
continuamente influenciada por valores que se sedimentam em tradições e são transmitidos de
uma geração para outra. A educação de um povo consiste no processod e absorção, reelaboração
e transformação da cultura existente, gerando a cultura política de uma nação.
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A educação transmitida pelos pais na família, no convício com amibos, clubes, teatros, leitura
de jornais, livros, revistas etc. são considerados temas da educação informal. O que diferencia a
educação não-formal da informal é que na primeira existe a intencionalidade de dados sujeitos
em criar ou buscar determinadas qualidades e/ou objetivos. A educação informal decorre de
processos espontâneos ou naturais, ainda que seja carregada de valores e representações, como é
o caso da educação familiar. Conforme Afonso (1992), a educação informal ocorre nos espaços
de possibilidades educativas no decurso da vida dos indivíduos, como a família, tendo, portanto,
caráter permanente. Mas o termo informal não abenge as possibilidades da educação não-formal
que estamos aqui destacando, ou seja, as ações e práticas coletivas organziadas em movimentos,
organizações e associações sociais. Alguns autores teimam em denominar o aprendizado de
conteúdos não-escolares, em espaços associativos, movimentos sociais, ONGs, etc. como sendo
educação informal. Achamos que essa terminologia e classificação é incorreta, pois trabalha-se
com um paradigma bipolar onde existe apenas dois tipos de aprendizagem: o escolar e o não-
escolar. Tudo o que ocorre fora dos muros das escolas é pensado como aprendizagem não escolar
e perde seu caráter de educação propriamente dita.
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Concluímos que os dois únicos elementos diferenciadores que têm sido assinalados pelos
pesquisadores são relativos à organização e à estrutura do processo de aprendizado.
Os espaços onde se desenvolvem ou se exercitam as atividades da educação não-formal são
múltiplos, a saber: no bairro-associação, nas organizações que estruturam e coordenam os
movimentos socais, nas igrejas, nos sindicatos e nos partidos políticos, nas Organizações Não-
Governamentais, nos espaços culturais e nas próprias escolas, nos espaços interativos dessas com
a comunidade educativa etc. Entretanto, as categorias de espaço e tempo também têm novos
elementos na educação não-formal porque eventualmente o tempo da aprendizagem não é fixado
a priori e são respeitadas as diferenças existentes para a absorção e reelaboração dos conteúdos,
implícitos ou explícitos, no processo ensino-aprendizagem. Como existe a flexibilidade no
estabelecimento dos conteúdos, segundo os objetivos do grupo, a forma de operacionalizar esses
conteúdos também tem diferentes dimensões em termos de sua operacionalização. Assim, o
espaço também é algo criado e recriado segundo os modos de ação previstos nos objetivos
maiores que dão sentido ao fato de determinado grupo social estar se reunindo.
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TIPOS DE APRENDIZAGEM
Escolas Tradicionais:
— Promovem a solidariedade;
— Visam o desenvolvimento;
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As ações interativas entre os indivíduos são fundamentais para a aquisição de novos saberes, e
essas ações ocorrem fundamentalmente no plano da comunicação veral, oral, carregadas de todo
o conjunto de representações e tradições culturais que as expressões orais contém.
Habermas é um dos autores que mais se debruçou no estudo dos processos das ações
comunicativas entre os indivíduos e grupos sociais organizados.
Cumpre destacar nas duas modalidades acima que a educação não-formal tem sempre um
caráter coletivo, passa por um processo de ação grupal, é vivida como práxis concreta de um
grupo, ainda que o resultado do que se aprende seja absorvido individualmente. O processo
ocorre a partir de relações sociais, mediadas por agentes assessores, e é profundamente marcado
por elementos de intersubjetividade, à medida que os mediadores desempenham o papel de
comunicadores.
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O conjunto desses elementos fornece o amálgama para a geração de soluções novas, construídas
em face dos problemas que o dia-a-dia coloca nas ações dos homens e das mulheres.
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Disto resulta espaços institucionais novos na arena públic aonde podemos observar uma
combinação de formas de exercício da democracia direta com formas de democracia
representativa, que geram novas estruturas coletivas. Na realidade, podemos denominar estas
estruturas de representação de coletivos, e não simplesmente “representações coletivas” de
determinados grupos organizados. Há um longo processo de aprendizado entre todos os atores
envolvidos, até a constituição do coletivo como uma representação institucionalizada. No caso
do orçamento participativo, este processo contém três etapas, onde há o envolvimento de setores
da administração local com movimentos, grupos e ONGs. O
São falas que estiveram caladas e passaram a se expressar por algum motivo impulsionador
(carência socioeconômica, direito individual ou coletivo usurpado ou negado, projeto de
mudança, demanda não atendida).
Os códigos culturais são acionados, e afloram as emoções contidas na subjetividade de cada um.
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Encerramos este livro, lançando algumas idéias sobre a escola que necessitamos construir
para o próximo milênio: a escola da liberdade e criatividade. Com ela buscamos uma articulação
entre a educação formal e a não-formal. Partiremos de uma proposta elaborada por Touraine
(1997), introduzindo-se algumas alterações. Ele propõe uma nova escola que substitua o modelo
clássico, que estaria desintegrado. Denomina-a “escola do sujeito”. Não devemos ver este sujeito
como atores individuais ou personagens específicos. Para Touraine, trata-se de um novo sujeito
histórico. Ele defende os direitos sociais e culturais que formam a base de suas demandas e
combina a identidade pessoal e a cultura.
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Para nós importa reconstruir a escola, principalmente a pública, de forma que se rompa a
diferença entre a escola pública, ineficiente e excludente, para os pobres, e escola privada, para
os demais. Deve ser uma escola que una a formação para a cidadania, a transmissão competente
de conhecimentos básicos e prepare os indivíduos para o mundo da vida.
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A Educação não deve ser apenas uma agência, uma socialização de conhecimentos, mas deve
contribuir para a formação de capacidades para atuar e pensar de forma criativa, inovadora, com
liberdade. A escola deve ser o centro da vida social, e não um serviço administrativo, “odiada”,
por muitos de seus alunos, que se sentem livres apenas quando estão fora dela.
Tal modelo exige uma escola social e culturalmente heterogênea e supõe a exclusão do
modelo de escola homogênea; definida por um forte elo de pertencimento, de sentimento de
“nós”. Pressupõe uma educação não mais voltada para a preparação genérica dos indivíduos para
a sociedade mais ampla, ou voltada exclusivamente para a inserção econômica no mundo do
trabalho — como preconizam os modelos neoliberais —,
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mas exige uma preparação voltada para recompor a personalidade dos indivíduos, para que se
convertam em seres capazes de encontrar e preservar a unidade de sua experiência por meio das
emoções da vida e da força das paixões que se exerce sobre ela. Ou seja, o mundo da
subjetividade humana entra em ação, no processo educacional, com força total, para entender a
complexidade do mundo da vida e do trabalho.
Os valores que fundamentam esta preparação devem ser de caráter universal, de civilidade
humana, de respeito ao outro, valores que aspirem a uma vida sem violência, ódios e
preconceitos raciais. Touraine adverte: “Transformações culturais tão profundas não podem
introduzir-se de uma vez mediante uma reforma e um texto de lei. Devem ser lançadas através de
iniciativas e inovações em princípio limitadas. E é possível que hoje, quando se multiplicam
fracassos e dificuldades, que elas sejam aceitas mais do que ontem” (1977: 291).
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Para os atos de violência e vandalismos nas escolas, a única solução aventada tem sido,
infelizmente, aumentar o policiamento, como se a “proteção” policial resolvesse o problema, que
tem raízes no modelo de desenvolvimento de um país, em sua cultura, mas é também uma
questão educativa. Certamente a solução não virá de simples cruzadas heróicas pela paz, mas há
necessidade de campanhas intensivas no campo da educação não-formal que retomem o eixo da
civilidade, contra a exploração das cenas de violência no cinema, na televisão, na imprensa, no
rádio, contra o sensacionalismo barato das “desgraças alheias”. A sociedade do espetáculo, nos
dizeres de Debord (1997), tem que reordenar seu eixo. Por isso acreditamos que a proposta da
escola da liberdade e criatividade é uma alternativa. Trata-se da busca de uma saída para a crise
na atual cultura escolar.
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