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Rádio – O veículo, a história e a técnica (Introdução)

Book · January 2007

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Luiz Artur Ferraretto


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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LIVRO ESGOTADO
CÓPIAS QUE CIRCULAM NA INTERNET SÃO ILEGAIS.

A PARTE REFERENTE AO MEIO E À TÉCNICA RADIOFÔNICA


APARECE ATUALIZADA EM: “RÁDIO – TEORIA E PRÁTICA”,
LIVRO QUE PODE SER COMPRADO NO SITE DO GRUPO SUMMUS:
http://www.gruposummus.com.br/.

A PARTE REFERENTE À HISTÓRIA APARECE, PARCIALMENTE, EM:

FERRARETTO, Luiz Artur. Uma proposta de periodização


para a história do rádio no Brasil. Eptic – Revista
de Economia Política das Tecnologias da Informação e
Comunicação, Aracaju: Observatório de Economia e Co-
municação da Universidade Federal de Sergipe, v. XIV,
n. 2, maio-ago. 2012. Disponível em:
<http://www.seer.ufs.br/index.php/eptic/article/viewF
ile/418/332>.

INTRODUÇÃO

A voz corta a noite de outubro e é ouvida em milhares de casas de um


lado a outro da América que tem medo. Medo da guerra que se aproxima no ho-
rizonte europeu, embalada pelas marchas militares e pelos soldados em passo
de ganso nas ruas da grande Alemanha. Para o ouvinte que sintoniza naquele
momento as emissoras da Columbia Broadcasting System, do lado norte-
americano do Atlântico, a voz do locutor interrompe a música. Quem preten-
dia talvez escutar a big band de Tommy Dorsey1 ou a de Benny Goodman2, tal-

1 Músico e líder de uma das mais famosas big bands (orquestras) dos anos 30 e 40,
Tommy Dorsey (1905-1956), junto com seu irmão Jimmy (1904-1957), chegou ao sucesso
nos primeiros anos do rádio norte-americano. As apresentações da big band dos dois
eram marcadas pelos solos de Tommy, no trombone de vara, e de Jimmy, no clarinete ou
no saxofone. Em 1935, os dois passaram a liderar suas próprias orquestras que, poste-
riormente, em 1953, transformaram-se em uma só.
2 Considerado um dos bons clarinetistas da história do jazz, Benny Goodman (1909-

1986) dividiu, nos anos 40, a preferência norte-americana no gênero big band music
com Tommy Dorsey, Glen Miller e Artie Shaw. Foi ainda solista - tocando o seu instru-
mento, o clarinete - em concertos sinfônicos.
12
vez até os boletins informativos de Edward Murrow3
com o seu tradicional
“This is London” iniciando a transmissão, é surpreendido por uma voz firme
interrompendo a programação da CBS nesta noite de halloween, dia 30 de ou-
tubro de 1938 4:
- Vamos mostrar, agora, ao vivo, o que está acontecendo na Fazenda
Wilmouth, em Grovers Mill, New Jersey. Voltamos, portanto, a falar de lá
com você, Carl Phillips.
A voz calma do locutor, entrecortada pela música no estúdio de rádio
da CBS, em Nova Iorque, dá lugar à do repórter, nervosa, intercalada por
sons estranhos que ganham os ares da América, ainda a se recuperar da Gran-
de Depressão econômica, pós-1929.
- Senhoras e senhores... Alô? Estou no ar? Senhoras e senhores, estou
atrás de um muro na divisa do jardim da família Wilmouth, de onde é possí-
vel ter uma visão completa do que está acontecendo e relatar cada detalhe
do que se vê e do que se ouve por aqui. Há pouco, chegaram mais policiais.
Eles estão colocando um cordão de isolamento em torno da cratera. São quase
30 homens da Polícia Estadual, tentando manter a multidão à distância. Nes-
te momento, o delegado está consultando alguém. Não é possível ver quem
é... Oh! Sim! Acho que é o professor Pearson... Sim, é ele. Agora, eles es-
tão se separando. O professor desloca-se, estudando o objeto, enquanto o
delegado e mais dois policiais avançam com alguma coisa nas mãos.
Carl Phillips hesita. Um som algo metálico, algo cristalino, se ouve
ao fundo da voz que, cada vez mais, denota nervosismo.
- Já posso ver o que é. Um lenço branco atado a uma vareta de madeira.
É uma bandeira de paz, se é que essas criaturas sabem o que isso significa.
Ou o que qualquer coisa significa para nós.
O som metálico cresce à medida que o delegado e os dois guardas pare-
cem, pela narração do repórter, se aproximar do estranho objeto vindo das
profundezas do espaço, inspirando medo em dose semelhante ao provocado pe-
las crises entre os países da Europa. O ruído do ambiente em torno de Phil-
lips aumenta como o tom da voz do repórter.
- Esperem um momento... Algo está acontecendo... Uma forma estranha
está surgindo de dentro da cratera. É possível distinguir um pequeno raio
luminoso saindo de uma espécie de vidro espelhado.
Surpresa total.
- O que é aquilo? Um jato de chamas está saltando sobre os homens que
avançavam, atingindo diretamente os três policiais...

3 A voz de Edward R. Murrow (1908-1965) foi uma das mais identificadas nos países de
língua inglesa em todo o mundo durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1937, passou a
dirigir a sucursal londrina da CBS - uma das principais redes de rádio dos Estados
Unidos, na época. Na capital britânica, Murrow organizou um grupo de correspondentes
que narraram ao mundo o desenrolar do conflito no front europeu.
4 Os trechos aqui apresentados são uma tradução livre do original (cf. O’MOORE, Rory.

The day the martians landed. Speak up, Rio de Janeiro: Globo, ano 5, n. 56, p. 36-8,
nov. 1991.).
13
Gritos lancinantes acompanhados de sons nunca ouvidos nesta América
saída da crise econômica cortam a noite de costa a costa dos Estados Uni-
dos. A narração dramática de Phillips prende a atenção.
- É horrível! Eles ardem em chamas e caem carbonizados em frente ao
objeto alienígena. Agora, o campo inteiro está pegando fogo, as árvores, os
automóveis... O fogo se espalha por toda a parte.
Em minutos, a América está em pânico. Pessoas, histéricas, acorrem aos
hospitais. Com os nervos à flor da pele, os ouvintes ligam para delegacias
de polícia. Naves espaciais são avistadas em Buffalo, Chicago, Saint Louis
e em diversas outras cidades norte-americanas. Em Boston, os moradores de
vários edifícios sobem para os terraços na tentativa de avistar o clarão de
Nova Iorque em chamas ao sul. Fiéis rezam pela salvação em igrejas de di-
versos credos.

Histórica hoje pelos efeitos que causou, a versão de Orson Welles para
Guerra dos mundos, transmitida no The Mercury Theater on the air, consti-
tui-se no exemplo mais emblemático da força do rádio. A adaptação radiofô-
nica para o livro do britânico Herbert George Wells mexeu com as mentes dos
norte-americanos naquela noite. A voz e os sons cuidadosamente escolhidos
traçaram poderosas imagens mentais, muito mais inócuas - sem dúvida - do
que as produzidas ao longo daquela mesma década na Europa. Na Alemanha na-
zista, desde a ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933, o ministro da
Propaganda 5, Joseph Paul Goebbels, soube controlar o rádio, transformando-o
no grande difusor da ideologia nazista. Na mesma época, o Brasil de Vargas
começava a ver na radiodifusão sonora um poderoso instrumento de integração
nacional em um país de dimensões continentais.
Todo este impacto do rádio como veículo de comunicação e este interes-
se político na sua utilização atestam somente o seu poder e a sua influên-
cia. Em termos numéricos, para se ter uma idéia, é o veículo de comunicação
mais presente nos lares brasileiros. Conforme a Pesquisa Nacional por Amos-
tra de Domicílios6, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística, 88,8% dos domicílios no país possuíam, em 1995, pelo menos um apa-
relho receptor de rádio.
Analisando os dados do IBGE, pode-se observar que a presença do rádio
dá-se em índices superiores aos da televisão. Em alguns casos, 100% superi-
ores. Leva vantagem, inclusive, nas regiões de difícil acesso. Convém sali-
entar que nas zonas rurais não pesquisadas pelo IBGE (estados de Rondônia,
Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá), o único veículo de comunicação du-
rante muitos anos foi e, em grande parte, continua sendo a Rádio Nacional
5 O título completo de Goebbels era ministro do Esclarecimento Público e da Propagan-
da. Ele controlou os meios de comunicação da época e todas as manifestações artísti-
cas incentivando o belicismo germânico e o anti-semitismo pela divulgação enfática do
conceito nazista da superioridade racial e do destino histórico da raça ariana (cf.
Adolf Hitler. Compton’s Interactive Encyclopedia. Carlsbad: Compton’s NewMedia, 1995.
CD-ROM.).
6 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de

Domicílios. Disponível na Internet http://www.ibge.com.br. 26 nov. 1996.


14
da Amazônia, transmitindo em ondas curtas de Brasília para a Região Norte.
Os números são significativos mesmo nas regiões pobres e com maior número
de analfabetos - está aí, por sinal, um dos poderosos diferenciais do veí-
culo. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste brasileiros, os percentuais ficam
entre 70 e 85%. Já nos estados mais ricos do país, no Sul e no Sudeste, o
rádio chega a estar presente em mais de 90% dos domicílios.
DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES
GRANDES REGIÕES
7
BRASIL Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul
(Urbana) Oeste
SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO
URBANA 31.475.591 1.491.708 6.708.259 2.185.657 16.032.305 5.052.233
RURAL 7.494.123 - 3.683.670 493.435 1.888.667 1.347.574
TOTAL 38.969.714 1.491.708 10.391.929 2.679.092 17.920.972 6.399.807
PRESENÇA DE RECEPTORES DE RÁDIO
URBANA 28.582.854 1.169.547 5.591.056 1.903.089 15.120.929 4.794.569
RURAL 6.024.068 - 2.711.992 400.424 1.616.028 1.246.769
TOTAL 34.606.922 1.169.547 8.303.048 2.303.513 16.736.957 6.041.338
PRESENÇA DE RECEPTORES DE TELEVISÃO
URBANA 27.975.621 1.210.198 5.252.216 1.897.136 14.992.518 4.620.152
RURAL 3.600.317 - 1.152.298 249.180 1.208.123 970.750
TOTAL 31.575.938 1.210.198 6.404.514 2.146.316 16.200.641 5.590.902

DOMICÍLIOS PARTICULARES PERMANENTES (%)


GRANDES REGIÕES
BRASIL8 Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul
(Urbana) Oeste
SITUAÇÃO DO DOMICÍLIO
URBANA 80,8 100,0 64,6 81,6 89,5 78,9
RURAL 19,2 - 35,4 18,4 10,5 21,1
PRESENÇA DE RECEPTORES DE RÁDIO
URBANA 90,8 78,4 83,3 87,1 94,3 94,9
RURAL 80,4 - 73,6 81,2 85,6 92,5
TOTAL 88,8 78,4 79,9 86,0 93,4 94,4
PRESENÇA DE RECEPTORES DE TELEVISÃO
URBANA 88,9 81,1 78,3 86,8 93,5 91,4
RURAL 48,0 - 31,3 50,5 64,0 72,0
TOTAL 81,0 81,1 61,6 80,1 90,4 87,4
Em termos qualitativos, a trajetória do rádio no Brasil desenvolve-se
quase ao mesmo tempo que a do veículo em outros países, sofrendo influência

7 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios não inclui as áreas rurais de Rondô-
nia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.
15
em especial dos Estados Unidos. A sua introdução no país é fruto do inte-
resse de empresas em expansão, como a Westinghouse International Corpora-
tion e a Western Electric Company, desejosas em obter novos mercados para
seus produtos. Já constituído em veículo de comunicação, vai ser influenci-
ado pelas transmissões experimentais das emissoras dos EUA, captadas por
clubes ou sociedades de radiófilos, comuns nos anos 20 8.
No início da década de 30, é também nas estações dos Estados Unidos
que os pioneiros profissionais do novo meio de comunicação - o primeiro a
ganhar contornos massivos - irão buscar inspiração. As noções de equipe
própria de trabalho - o elenco fixo, expressão adotada na época em função
do caráter de entretenimento das emissoras - e de programação organizada em
horários9 foram importadas de emissoras norte-americanas que, no início dos
anos 30, já se constituíam em redes nacionais, da costa do Atlântico à do
Pacífico. Mesmo hoje, os modelos mais difundidos de radiojornalismo ou do
chamado rádio jovem seguem os padrões norte-americanos.
Em paralelo à influência estrangeira, a produção radiofônica das gran-
des emissoras concentradas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto
Alegre serve de referencial ao resto do país, ainda mais depois do início
das transmissões em rede de rádio via satélite, em alguns casos captáveis
em parabólicas sem nenhuma necessidade de decodificação de sinal. Porém,
tanto a influência externa quanto a interna sofrem adaptações à realidade
regional, uma vez que o rádio tem extremo potencial comunitário. Embora
possa parecer dicotômico, este veículo de comunicação de massa é também
aquele que mais diminui distâncias. O canadense Marshall McLuhan, que cu-
nhou a expressão aldeia global, definiu o rádio como uma espécie de tambor
tribal da era eletrônica10:
“O rádio provoca uma aceleração da informação que também
se estende a outros meios. Reduz o mundo a uma aldeia
(...). Mas, ao mesmo tempo em que reduz o mundo a dimen-
sões de aldeia, o rádio não efetua a homogeneização dos
quarteirões da aldeia. Bem ao contrário.”

Dentro deste quadro amplo e pleno de inter-relações, o rádio é estuda-


do a seguir, dando continuidade, assim, a um trabalho iniciado em 1992,
quando da publicação de Técnica de redação radiofônica 11, obra que sinteti-
zava as principais formas do texto em rádio e suas aplicações. Constatando,
pela utilização didática do livro em sala de aula e pelo uso no meio pro-
fissional, que ele não respondia a uma série de outras questões a respeito
do rádio em si e de suas repercussões na sociedade, começou-se um novo le-
vantamento de material de referência, cujo resultado aqui está na forma
deste Rádio - O veículo, a história e a técnica. Para tanto, uma ampla pes-
quisa foi realizada, envolvendo a bibliografia existente, entrevistas e do-

8 Ver Capítulo 5 - Origens do rádio.


9 Ver Capítulo 6 - A implantação no Brasil (de 1919 a 1932).
10 Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964. p. 344.
11 Escrito em co-autoria com a jornalista Elisa Kopplin e editado pela Sagra-DC Luz-

zatto, de Porto Alegre, o livro foi adotado e, em seguida, distribuído pela Associa-
ção Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert) a todos os seus associados como
sugestão de manual de redação.
16
cumentos. Tudo foi feito com base em duas preocupações: pretendeu-se, de um
lado, sintetizar os principais padrões do rádio brasileiro e, de outro,
fornecer material didático-pedagógico que sirva de referencial a estudantes
e profissionais.

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