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Novas tendências da extensão universitária em

Direito: da Assistência à Assessoria Jurídica (Ivan


Furmann)

Considerações iniciais

Escrever sobre o Direito e, em especial, sobre alternativas inovadoras


ao uso do Direito mostra-se como tarefa de múltiplas implicações.
Primeiramente, reconhecer que se lida com um saber-poder (1), com a
especial função de dominação e controle, desenvolvido na
racionalidade moderna. Por mais que se pretenda utilizar o Direito de
maneira inovadora e crítica deve-se atentar que: o Direito é um
instrumento de dominação social, o principal instrumento de
expressão do status quo. Obviamente, refere-se aqui ao Direito numa
perspectiva histórica. Trata-se do Direito Europeu Ocidental moderno
do qual o Brasil é eminente herdeiro. Não se pretende traçar
considerações pormenorizadas sobre a referida afirmação nesse
artigo mas apenas se ressalta que o Direito no Brasil é, salvo
exceções, instrumento de dominação. (2)

Em segundo lugar o Direito é um espaço de luta política. Assumir essa


perspectiva revoluciona o cenário jurídico. O Direito não é absoluto.
Os direitos são pautados em escolhas políticas. As escolhas políticas
podem mudar. Todavia, a mudança das escolhas políticas está
necessariamente vinculada a regras para sua mudança, ou seja, em
regras de poder. Numa sociedade democrática como a brasileira as
regras de poder são pautadas pela razões democráticas. E a própria
Democracia, por excelência, só é Democracia quando está aberta a
críticas, inovações e aperfeiçoamento.

Por fim, o Direito é um espaço de luta hegemônica. O Direito apesar


de ser utilizado, via de regra, como instrumento de dominação social
pode desenvolver um importante papel na luta contra-hegemônica. O
Direito pode ser usado para auferir conquistas políticas importantes
para populações oprimidas, através do chamado uso crítico do Direito
por operadores jurídicos conscientes do ideário político por detrás das
regras aparentemente neutras. Mas o Direito também pode servir
para uma outra função importante, quiçá mais importante, ele pode
servir para desvelar o mundo. O Direito pode servir como meio para
retirar o véu da dominação social, desmascarar a sociedade e auxiliar
a conscientização da população oprimida, isso ocorre quando
expostas suas contradições e revelada sua realidade política. Assim, é
possível desenvolver no povo brasileiro algo que lhe é estranho, a
experiência democrática através do diálogo político. É sobre esse
espaço de luta contra-hegemônico que se pretende dissertar
brevemente.
Portanto, o Direito, quando devidamente problematizado, pode torna-
se substrato para consciência política e democrática. E como Paulo
Freire já dizia: "O problema para nós prossegue, transcende a
erradicação do analfabetismo e se situa na necessidade de
erradicarmos também a nossa ‘inexperiência democrática’, através
de uma educação para a democracia, numa sociedade que se
democratiza" (FREIRE, 2001, p. 87).

O Tripé da Universidade e a Extensão

A expressão ‘extensão’ é utilizada pela Constituição da República


para nomear um dos "tripés" fundamentais da Universidade
brasileira. (3) Conforme o conceito delineado pelo Fórum Nacional de
Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas Brasileiras: "A
extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico
que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a
relação transformadora entre a universidade e a sociedade"
(NOGUEIRA, p. 11). Perceba-se que a extensão foi conceituada, via de
regra, pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores como processo educativo
que articula ensino e pesquisa. Extensão não é um elemento novo
dentro da Universidade mas uma maneira de articular ensino e
pesquisa. Nesse sentido Paulo Freire já sugeria não apenas a
substituição da expressão "extensão" por outra expressão
"comunicação" (FREIRE, 1975, passim), mas tentava demonstrar que
a extensão é o ato dialogal da Universidade com a sociedade. É o
momento em que a universidade conversa com a sociedade.

Nesse sentido, não se estranha que a extensão universitária tenha


emergido da perspectiva de responsabilidade social da Universidade.
A proposta que estimulou a extensão "(...) se traduziu na crítica do
isolamento da universidade, na torre de marfim insensível aos
problemas do mundo contemporâneo, apesar de sobre eles ter
acumulado conhecimentos sofisticados e certamente utilizáveis na
sua resolução" (SANTOS, 2002, p. 100-1).

Contra o objetivo genuíno da responsabilidade social da universidade


contrapuseram-se interesses diversos, especialmente os relacionados
à formação de uma massa de técnicos especializados para a
manutenção da burocracia estatal-social. Esse papel foi assumido de
maneira singular pelas Faculdades de Direito no Brasil, desde de suas
origens até os dias atuais. (4) Não é difícil observar a falta de
comunicação das Faculdades de Direito com a sociedade, em
especial, com as classes oprimidas. Sem dúvida, um dos grandes
equívocos das Faculdades de Direito é a manutenção de sua postura
tecnicista. (5) Assim, "As universidades parecem transformar-se cada
vez mais em escolas de profissionais destinadas a produzir
funcionários, técnicos em todos os níveis, esquecendo-se de sua
missão de formar a inteligência, de promover, inventar e reinventar, a
cultura no seio de um mundo que se desfaz e refaz" (JAPIASSU, p.
181).
Parte-se, portanto, da necessidade de renovação das perspectivas
sobre a função da universidade. Essa mudança se conjuga com a
idéia de extensão enquanto processo educativo e, principalmente,
comunicativo. O que se pretende com a extensão não é
simplesmente o aperfeiçoamento técnico mas sobretudo a educação
para o pleno desenvolvimento da cidadania a partir do diálogo.

Extensão e Pesquisa em Direito

A pesquisa e a extensão são duas atividades que contribuem


incisivamente para a superação do paradigma tradicional. "Pesquisa e
extensão são ausências injustificáveis no processo do ensinar,
ausências que fecham portas à realidade. A volta da escola à rua – a
consolidação da união entre ensino, pesquisa e extensão – permite o
confronto entre as teorias e o mundo, e permite arejar o discurso do
ensino" (CORTIANO JR., p. 237-8). Enfim, na Universidade é possível a
elaboração de novos saberes. Uma nova visão de extensão somente é
viável a partir do desenvolvimento de novas teorias sobre o Direito,
ultrapassando os limites da dogmática tradicional, ou seja,
conciliando a pesquisa e a extensão. Fazendo o saber acadêmico
dialogar com a sociedade.

O envolvimento da Universidade no mundo é essencial na construção


de um novo paradigma universitário. As Universidades Públicas, em
especial, detém o potencial desvelador da mentalidade pública entre
os estudantes, (6) qualidade essa que somente o desenvolvimento
cultural e cidadão pode proporcionar. Assim, o desenvolvimento
cultural e cidadão deve ser uma das prioridades das Universidades,
que não podem assumir um papel de centros técnicos superiores. "É
necessário imiscuir-se tanto em questões internas vividas pela
faculdade, como em questões externas, principalmente aquelas
ligadas ao acesso à justiça. Aproxima-se, por um lado, da atividade
desempenhada pelos movimentos sociais. Em poucas palavras,
politizam-se a entidade e os estudantes. Insere-os na realidade, não
como mero espectador, mas como sujeito atuante" (CARVALHO,
Lucas, p. 232), vislumbrando aos estudantes novas visões sobre a
realidade social. "A ‘abertura ao outro’ é o sentido profundo da
democratização da universidade, uma democratização que vai muito
além da democratização do acesso à universidade e da permanência
nesta. Numa sociedade cuja quantidade e qualidade de vida assenta
em configurações cada vez mais complexas de saberes, a
legitimidade da universidade só será cumprida quando as atividades,
hoje ditas de extensão, se aprofundarem tanto que desapareçam
enquanto tais e passem a ser parte integrante das atividades de
investigação e de ensino" (SANTOS, 1997 (2), p. 225). A extensão é
uma oportunidade única de pensar o ensino de forma indissociada da
pesquisa.

Pensar o ensino indissociado da pesquisa é pensar o ensino com base


na lógica da pesquisa, isto é, como ela se constitui. Percebe-se então,
que é possível tomar diferentes caminhos para a realização de uma
investigação, mas é forçoso admitir que não há pesquisa sem dúvida,
sem questionamento. Isso significa reconhecer que a pesquisa tem a
dúvida como princípio fundamental. É ela que nos impulsiona a
refletir, a levantar questões, a procurar respostas, a imaginar
possibilidades, enfim, a estudar e a construir o conhecimento. Foi
assim que, historicamente, a humanidade se comportou ao trilhar a
trajetória do conhecimento, O novo sempre foi fruto da necessidade,
da perplexidade e da insegurança, originárias do raciocínio e da
observação (CUNHA, p. 27-38).

Extensão e a democracia na Universidade

A inovação do paradigma universitário, logo, precede da


democratização do espaço universitário. A democratização do espaço
universitário começa com a rearticulação das relações alunos-
professores. Gramsci já denunciava o modelo asséptico que as
Universidades de seu tempo adotavam e que não é muito diferente
do atual:

(...) nas universidades, o contato entre professores e estudantes não


é organizado. O professor ensina, de sua cátedra, à massa dos
ouvintes, isto é, dá a sua lição e vai embora. (...) Para a massa dos
estudantes, os cursos não são mais do que uma série de
conferências, ouvidas com maior ou menor atenção, todas ou apenas
uma parte: o estudante confia nas apostilas, na obra que o próprio
professor escreveu sobre a matéria ou na bibliografia que indicou
(GRAMSCI, p. 146).

A inovação não pode ser feita sem se levar em consideração o


estudante. O método de ensino e de gestão universitária tradicional
imobiliza o estudante e o condiciona como um consumidor ou cliente
de um serviço. A educação não deve se constituir num serviço
mercantilizável. A Universidade, para que não se torne mera
mercadoria, precisa urgentemente de uma transformação gestionária
superando posturas unilaterais e coisificantes. É preciso, pois, sopros
de democracia nos ares viciados das Universidades. "A Universidade
é o lugar da prática democrática, pois nela é que os princípios, a
sociedade e o futuro são pensados. Espera-se que a Universidade
esteja sempre além de seu tempo pois, em um ambiente em que o
nível intelectual é bem superior à média da comunidade, o razoável é
ter sempre a Universidade como um modelo a ser seguido. Neste
sentido, é relevante a responsabilidade da Universidade para com a
democracia e o Estado de Direito" (MALISKA, p. 218). O papel dos
estudantes é fundamental nessa transformação. (7) "De fato, ‘sem a
ação dos estudantes não haverá muitos avanços significativos na
instituição de ensino à qual se vinculam. Mesmo sob a iniciativa de
professores progressistas, qualquer avanço estará condicionado à
politização do estudante do conteúdo das mudanças pretendidas’.
Fundamental assim é o papel do estudante" (CARVALHO, Lucas, p.
233).

A universidade não poderá promover a criação de comunidades


interpretativas na sociedade se não as souber criar no seu interior,
entre docentes, estudantes e funcionários. Para isso é necessário
submeter as barreiras disciplinares e organizativas a uma pressão
constante. A universidade só resolverá a sua crise institucional na
medida que for uma anarquia organizada, feita de hierarquias suaves
e nunca sobrepostas. Por exemplo, se os mais jovens, por falta de
experiência, não podem dominar as hierarquias científicas, devem
poder, pelo seu dinamismo, dominar as hierarquias administrativas.
(SANTOS, 1997 (2), p. 225).

Democratizar, inclusive, a universidade, para a co-gestão de


professores, estudantes e funcionários, desmascarando o sofisma da
reação, que recusa o chamado ‘assembleísmo’, a fim de manter a
ditadura dos autoproclamados ‘competentes’: é claro que não se
pode resolver um problema científico pelo voto, mas pode-se
determinar pelo voto paritário a direção de programas, a distribuição
das verbas, a administração e, em geral, o destino da instituição
(LYRA FILHO, 1986, p. 314).

Os projetos de extensão constituem-se como espaço ideal para o


início desse novo paradigma democrático. Por isso, o ideal é que não
existam hierarquias internas nas atividades de extensão, rompendo a
tradição burocrático-hierarquizada da estrutura universitária. Assim, o
conhecimento produzido e sua gestão se tornam coletivos; a tarefa
do professor deixa de ser a de ‘coordenar’ para se tornar a de
‘orientar’ – seu conhecimento orienta as atividades mas não
prescreve as ações dos alunos; o coletivo não se submete à ordem ou
às idéias de uma pessoa pela simples condição hierárquica; a
integração é solidária e não existindo hierarquias verticais entre os
estudantes; cargos e funções são apenas distribuições de atividades e
não posições hierárquicas; a participação de funcionários também
não os coloca como empregados mas como participantes em
paridade de condições com os estudantes e professores; um espaço
interno democrático e sem hierarquias se refletirá na atividade de
extensão, na atividade com a comunidade, possibilitando a
participação da própria comunidade na organização do projeto de
extensão; a quebra da hierarquia serve de exemplo para a
comunidade e educa para a participação.

Atente-se, enfim, que um novo modelo de Universidade não teme


enfrentar a questão política. A Universidade, por estar inserida dentro
da sociedade e estar ligada a todas as forças políticas resultantes
desta. "Num notável texto de reflexão escrito no meio da turbulência
estudantil, Wallerstein afirmava que ‘a questão não está em decidir
se a universidade deve ou não deve ser politizada, mas sim em
decidir sobre a política preferida. E as preferências variam’ "
(SANTOS, 1997 (2), p. 207). (8) A Universidade, em sentido amplo, e as
atividades de extensão, em um sentido estrito, estão de alguma
forma ligadas a uma atuação política.

A extensão universitária pode se constituir em um elemento daquilo


que Gramsci denomina ação orgânica ou, ainda, ação pedagógico-
política. Quanto mais ela for acompanhada de pesquisa, mais força ou
caráter orgânico ela poderá ter. A ação orgânica, a nosso ver,
necessariamente tem de elevar as pessoas da camada popular e/ou a
camada popular como um todo (quando se trata de
políticas/iniciativas em nível de Estado ou em nível de sociedade
global). Em outros termos queremos dizer que a extensão,
caracterizada como orgânica, deve ser emancipadora, libertadora,
possibilitar a autonomia e elevar o pensamento para além do senso
comum (JANTSCH e SCHAEFER, p. 150).

Por isso é essencial ter-se em mente a pergunta: O que se pretende


estender? Ou melhor, o que se pretende dialogar? (9) Será que o
conhecimento que se pretende disponibilizar para a comunidade está
impregnado com alguma ideologia? Qual?

Atentar-se às referidas perguntas é essencial pois a atividade de


extensão pode (se feita sem reflexão) servir apenas para solver
problemas superficiais, sem atingir as causas efetivas. Estender o
Direito pode servir, portanto, para estender a ideologia dominante.
Por isso, o conteúdo e a forma não se resumem a uma ‘forma de
atuação’ mas se figuram como postura política da atividade de
extensão. O conteúdo e o método irão determinar que se estenda o
Direito como um espaço a ser conquistado – dialogando através dos
direitos uma postura de participação democrática e popular.

Método Tradicional de Extensão: Assistência

O discurso jurídico tradicional utiliza-se das expressões ‘Assistência’ e


‘Assessoria’ indistintamente e como sinônimas. A distinção ocorreu
apenas dentro dos movimentos sociais, sob a influência do discurso
pedagógico de Paulo Freire, ao repudiar a idéia de assistencialismo. O
movimento estudantil (em especial as denominadas AJUs –
Assessorias Jurídicas Universitárias) assumiu essa distinção, mas por
contradizer o conhecimento douto estabelecido acabou por conviver
com uma intrigante contradição. Mesmo sabendo na prática as
diferenças entre uma Assessoria e uma Assistência não há substrato
teórico estabelecido sobre o tema. Por isso, essa discussão ganha
relevância teórica e política.

O conhecimento "científico" do Direito conhece duas acepções de


Assistência, usualmente referida nos livros sobre acesso à justiça e
nos manuais de direito processual. A distinção ocorre entre
assistência jurídica e judiciária. Assistência judiciária seria a
elaboração de trabalhos processuais para defesa dos direitos dos
hipossuficientes pela via do Poder Judiciário e de forma gratuita. Os
exemplos de instituições que prestam assistência judiciária mais
citados são os escritórios-modelo, a defensoria pública e os escritórios
de advocacia popular. (10) O conceito de assistência jurídica pode ser
retirado da Constituição Federal da República do Brasil de 1988, em
seu artigo 5º, inciso LXXIV; " – O Estado prestará assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"
(11)
. Pode-se observar que a expressão utilizada na Constituição da
República é: ‘assistência jurídica integral’. Por isso a doutrina tem
considerado que a Constituição pretendeu ampliar a idéia de
Assistência, incluindo, além da assistência judiciária, o que se
entende por assistência jurídica. Logo, a assistência jurídica não está
mais limitada à utilização do Poder Judiciário, mas também inclui
meios extrajudiciais de conciliação, prestação de informações
jurídicas por meio de consultorias, representação junto à
administração pública, atividades de mediação de conflitos e
atividades com o objetivo da educação (como a criação de cartilhas
sobre direitos, palestras, etc.), entre outros.

É possível observar que essa distinção está calcada no uso (ou não)
do Poder Judiciário. Enquanto a Assistência judiciária mantém-se
ligada ao uso do Poder Judiciário a Assistência jurídica aceita novas
possibilidades de resolução de conflitos. A primeira está ligada a uma
concepção monista de Direito (o Direito é tudo que provém do
Estado), já a segunda a uma concepção utilitarista do Direito (o
Direito é tudo que resolve conflito). Além disso, ao se adotar essa
terminologia proposta nos manuais, adota-se a idéia de que interessa
apenas distinguir o que ‘é’ ou ‘não é’ assistência processual oficial,
colocando-se todas as demais atividades de resolução de conflitos
dentro do mesmo balaio de gato.

Não seria demasiada ousadia afirmar que a influência do positivismo


jurídico está arraigada na base dessa concepção, adotando um viés
monista e formalista do Direito. O que, obviamente, não se presta a
atividades inovadoras de extensão jurídica universitária. Além do que,
separa o Direito das demais áreas do conhecimento, ignorando a
interdisciplinariedade.

Através das idéias de Paulo Freire, foi possível observar que as


atividades de extensão universitárias (nesse caso as relativas ao
Direito) se revelam, via de regra, como Assistência. Esse autor
distingue duas possibilidades de Assistência: a intelectual e a
material. Na primeira o sujeito recebe informações que são
depositadas em sua mente, geralmente por meio de palestras (pelo
que Freire chama de método bancário de ensino), ignorando-se a
cultura popular e a experiência do sujeito, não transformando nem o
"atendido" em sujeito do conhecimento (12) e muito menos a
universidade. A segunda possibilidade é mais autoritária ainda,
apenas se fornecendo algum produto pronto, como no caso de
elaboração de petições sem a menor disposição ao diálogo. Esses
duas possibilidades de assistência pautam-se na centralidade do
solvimento do litígio pelo sujeito da universidade. O objetivo de
ambas é a diminuição da litigiosidade. Mesmo quando a ‘assistência
intelectual’, pretensamente, quer estimular a educação para
autonomia e cidadania não o faz efetivamente porque atua como se o
‘atendido’ fosse apenas um ‘objeto’, um depósito a ser preenchido.
Além disso, tanto a assistência intelectual quanto a material se
limitam ao legal instituído. Portanto não superam a concepção
monista de Direito, ignorando o pluralismo jurídico.

Ao primeiro contato com o tema, não raro, confunde-se ‘Assistência


intelectual’ com a ‘Assessoria Jurídica’ pois a primeira objetiva a
educação para os direitos assim como a segunda. Todavia, algumas
características da primeira fulminam tal compreensão. Assistência
intelectual objetiva a educação para a solução de litígios. A cidadania
se resume a entender os direitos conferidos e exercê-los através do
ordenamento jurídico já instituído. A assistência intelectual serve
apenas para informar o cidadão de sua cidadania. A cidadania existe
pronta em alguma legislação. O vazio da proposta de ‘assistência
intelectual’ se encontra no conceito de cidadania, o qual se resume a
um amontoado de direitos. Se assim se considerar, educar não
conferirá cidadania a ninguém, mas somente a aperfeiçoará e torná-
la-á consciente. A cidadania não seria uma conduta desejável (ética
cidadã), porém apenas um conjunto de direitos concedidos pelos
Getúlios desse berço esplêndido. (13)

A Assistência jurídica é predominante no meio acadêmico de Direito


porque se utiliza de preconceitos para se naturalizar. Acredita-se na
superioridade do conhecimento universitário, o que,
consequentemente, leva à invasão cultural e à supressão do diálogo.
"O diálogo verdadeiro só é possível entre iguais ou entre pessoas que
desejam igualar-se" (BORDENAVE, p. 51). Para a Assistência o
conhecimento universitário é dádiva que solverá todos os problemas
da sociedade e a experiência histórica do sujeito comunitário de nada
vale. De outro lado, acredita-se na vanguarda da universidade, a qual
intitula-se centro da crítica na sociedade, pretendendo conferir a
todos um conhecimento superior e puro (14). Por fim, com especial
relevância nas universidades públicas, acredita-se retribuir (e até
pagar) a gratuidade do ensino oferecendo um ‘serviço’ a sociedade.
Na perspectiva de ‘serviço’ se oferece o conhecimento universitário
na forma de ‘mercadoria’, mesmo que gratuita. (15)

Essa perspectiva, pautada em preconceitos, é chamada por Paulo


Freire de ‘assistencialismo’ e, em resumo, é criticada pelo mesmo
pois:

Opúnhamo-nos a estas soluções assistencialistas, (...) Em primeiro


lugar, contradiziam a vocação natural da pessoa – a de ser sujeito e
não objeto, e o assistencialismo faz de quem recebe a assistência um
objeto passivo, sem possibilidade de participar do processo de sua
própria recuperação. Em segundo lugar, contradiziam o processo de
‘democratização fundamental’ em que estávamos situados. (...) O
grande perigo do assistencialismo está na violência do seu
antidiálogo que, impondo ao homem o mutismo e passividade, não
lhe oferece condições especiais para desenvolvimento ou a ‘abertura’
de sua consciência que, nas democracias autênticas, há de ser cada
vez mais crítica. (...) O assistencialismo (...) é uma forma de ação que
rouba ao homem as condições à consecução de uma das
necessidades fundamentais de sua alma – a responsabilidade. (...) É
exatamente por isso que a responsabilidade é um dado existencial.
Daí não pode ser ela incorporada ao homem intelectualmente, mas
vivencialmente. No assistencialismo não há responsabilidade. Não há
decisão. Só há gestos que revelam passividade e ‘domesticação’ do
homem (FREIRE, 1969, p. 57-8).

Observe-se que, quando a Assistência Jurídica ganha traços de


‘assistencialismo’, sua proposta perde todo o significado político e
social radicais que a extensão universitária inovadora pretende. Um
Estado democrático deve oferecer ‘Assistência jurídica’ como direito
fundamental ao hipossuficiente e a Universidade Pública pode ser um
caminho para possibilitar tal direito. Todavia, duas características são
estreitas a essa questão: a necessidade e a excepcionalidade da
Assistência. (16) Quando a Assistência não é necessária ou se
normaliza recai-se no paternalismo e no assistencialismo. A
‘Assistência jurídica’ se justifica pelos obstáculos econômicos ao
acesso à justiça. Todavia, a moderna doutrina sobre o Acesso à
Justiça identifica, além dos obstáculos econômicos, obstáculos
socioculturais (17). Ao se falar em obstáculos ao Acesso à Justiça não se
trata só da pobreza econômica, mas também de seus efeitos
culturais, sociais e políticos que levam ao desconhecimento e à
descrença nos direitos. A Assessoria jurídica desenvolveu-se,
precisamente, sobre a crítica do ‘assistencialismo’ e não sobre a
crítica da ‘Assistência’ jurídica como direito fundamental.

Na exemplificação das atividades assistencialistas interessa referir-se


ao chamado escritório-modelo. Sua influência está presente em todas
as demais atividades de ‘extensão’ em Direito, as quais, em geral,
buscam levar o escritório-modelo para comunidades marginalizadas.
Esse talvez seja o grande problema da extensão em Direito: reproduz-
se um método sem reflexão. Daí a importância de desconstruir a
concepção metodológica do escritório-modelo para se visualizar a
ideologia que o permeia. Obrigatório para a formação do aluno, o
escritório-modelo parte, tanto na teoria como na prática, de uma
concepção assistencialista. O grande problema metodológico da
concepção do escritório-modelo é a tentativa de conciliação da
prática assistencialista com o ensino da prática judiciária (18) para o
acadêmico de Direito. Entretanto, geralmente, não se pratica
"Assistência" jurídica livre do assistencialismo, assim como o ensino
de prática é muito limitado e improvisado.
Outras propostas de extensão em Direito se limitam a "Assistência"
intelectual, como na formulação de cartilhas, panfletos, folders e todo
o tipo de material informativo sobre o Direito, ou na realização de
palestras, conferências e cursos. Todavia, não há diálogo com a
comunidade e a efetividade destas atividades de pretensa educação
é questionável. Falta atenção a metodologia de ensino. As atividades
de mediação e conciliação, geralmente, são feitas com o intuito de
solver problemas específicos como separações, divórcios, pequenos
danos, acidentes de trânsito, brigas de vizinhos, entre outros.
Objetivam evitar o trâmite no Poder Judiciário, o que demonstra falta
de sincronia desse com os problemas e a realidade social atual.
Muitas vezes se oferecem acordos (su)geridos por um ‘conciliador’
que irá avaliar a situação jurídica, prever as conseqüências e propor a
solução. As partes figuram como espectadores. Sua participação se
resume a concordar ou discordar do acordo, sob a coação de
enfrentamento do moroso e custoso Poder Judiciário.

Comparando os serviços legais tradicionais e os inovadores


Campilongo desenvolveu no início da década de 80 uma tipologia dos
serviços legais no Brasil, sendo a primeira reflexão sobre a questão
dos serviços legais e o surgimento de novas realidades sociais. Sua
tipologia divide os serviços legais tradicionais e inovadores:

Características dos Serviços Jurídicos na Tipologia de Celso


Fernandes Campilongo

Serviços Legais Tradicionais: individual; paternalismo; apatia;


mistério; legal; controle de litigiosidade; técnico jurídico; demandas
clássicas; ética utilitária; certeza jurídica.

Serviços Legais Inovadores: coletivo; organização; participação;


desencantamento; extralegal; explosão de litígios;
multiprofissionalismo; demandas de impacto social; ética
comunitária; justiça. (19)

A partir da crítica aos modelos de tradicionais de serviços legais


começaram a surgir novas experiências de extensão universitária em
Direito. A conciliação dessa nova perspectiva de serviços legais
desenvolvida no período de redemocratização brasileira com as
críticas pedagógicas freirianas formularam a nova perspectiva de
extensão que os estudantes, apropriando-se do nome criado nos
movimento sociais, denominaram Assessoria.

Método Inovador de Extensão: Assessoria

Como anteriormente aludido, a Assessoria parte do diálogo entre a


Universidade e a Sociedade. (20) O agente do processo de Assessoria
Jurídica não é somente o membro da comunidade nem somente o
operador jurídico. Dentro da Assessoria jurídica somente o diálogo
pode construir um conhecimento. Parte-se da proposta de que cada
um, por ter uma experiência de vida diferenciada, detém um
conhecimento e somente a partir do diálogo entre o popular e o
acadêmico é possível construir um conhecimento crítico. Somente
com a congruência do conhecimento acadêmico e do popular, um de
cunho preponderantemente teórico e outro de cunho
preponderantemente prático, é possível estabelecer diálogo e, por
fim, um conhecimento crítico a partir de práxis (direito vivo). O que se
busca não é impor conhecimentos ao membro da comunidade mas
lhe possibilitar, a partir do diálogo, a construção do seu próprio
conhecimento.

Para o membro da comunidade o conhecimento não se limitará à


experiência inativa, pois adquirirá experiência de ‘como’ a questão
jurídica pode ser problematizada e ‘como’ poder-se-á encontrar uma
solução a partir do intercâmbio de conhecimentos. O diálogo
desenvolver-se-á com outros sujeitos, com o próximo, com a própria
comunidade (21). Ocorre neste sentido o desenvolvimento da postura
coletivista. Logo, quem irá desenvolver a solução para as questões
será o coletivo, pois o individual precisa do coletivo para dialogar e
construir o seu conhecimento.

A Assessoria se encontra na terceira onda de Acesso à Justiça,


preocupada com os obstáculos socioculturais ao acesso à justiça.
"Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira
‘onda’ desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda
dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representações
jurídicas para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da
proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é
o que nos propomos a chamar simplesmente ‘enfoque de acesso à
justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito
além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as
barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo"
(CAPPELLETTI e GARTH, p. 31). (22)

A Assessoria articula-se também a partir da crítica a linguagem


pedante ou academicista do saber jurídico. "Na verdade, as
linguagens não se esgotam nas informações transmitidas, pois elas
engendram uma série de ressonâncias significativas e normalizadoras
das práticas sociais" (WARAT, p.15). Essa característica da linguagem
de transmitir mais do que o seu significado tem extrema relevância
para o Direito e sua democratização. A linguagem adornada e
pomposa da ciência jurídica transmite algo além da informação nela
contida. Foucault aprofunda a questão quando afirma que: "(...)
suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo
tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes
e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada
e temível materialidade" (FOUCAULT, p. 09). O controle do discurso se
faz através da linguagem. Linguagem dominada por poucas pessoas.
Domínio que se confunde com poder. Enfim, o que Foucault denomina
saber-poder. (23)

Marilena Chauí, por viés epistemológico diverso, elenca a questão do


discurso competente, discurso que é proferido por determinadas
pessoas em determinadas posições sociais. Assim, o Direito é assunto
que somente ao jurista cabe tratar. "O discurso competente é aquele
que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou
autorizado (...) porque perdeu os laços com o lugar e o tempo de sua
origem. (...) O discurso competente é o discurso instituído. É aquele
no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim
resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro
qualquer coisa em qualquer lugar em qualquer circunstância" (CHAUÍ,
p. 07). (24) Na atual sociedade o Direito é isolado da maioria da
população, sendo assunto de pequena casta de intelectuais.

Além do referido controle discursivo, pode-se afirmar que a


linguagem utilizada não detém o significado (a norma) em si. "Texto e
norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto
normativo" (GRAU, p. 17). A ambigüidade e a imprecisão, ao contrário
do que pretendia o positivismo, são características do discurso
jurídico. "Assim, ambigüidade e imprecisão são marcas características
da linguagem jurídica. Manifesta-se a primeira virtude de as mesmas
palavras em diversos contextos designarem distintos objetos, fatos ou
propriedades. A mesma palavra em contextos diversos conota
sentidos diversos. (...) Quanto à imprecisão, decorre da fluidez de
certas palavras, cujo limite de aplicação é impreciso" (GRAU, p. 197-
8). (25)

Os juristas tradicionais protegem-se na masmorra do discurso


competente e nas calabouços da ambigüidade e vagueza formando
um enorme castelo jurídico kafkaniano. "(...) Na perplexidade em que
se encontram, percebem sua perda de prestígio, para que não
encontram salvação no preciosismo de sua linguagem, precisamente
porque ela lhes é demasiado peculiar e, por isto, incapaz de
comunicar significados por que o povo anseia e espera" (AZEVEDO, p.
14).

O primeiro passo na democratização do Direito, para a Assessoria


jurídica, é a democratização da linguagem jurídica, simplificação que
não recaia em simplismo. (26) "É preciso transmutar a linguagem
jurídica para a linguagem do povo, tornando-a compreensível e real"
(ARAUJO e OLIVEIRA, p. 156). Tal democratização não ocorre por um
ato de autoridade mas por uma transformação cultural. "A
democratização da justiça, na verdade, deve passar pela
democratização do ensino e da cultura, e mesmo pela
democratização da linguagem, como instrumento de intercâmbio de
idéias e informações" (MARINONI, p. 79-80).
De outro lado, busca a materialização de democracia, não apenas de
cunho formal mas de cunho material. Pretende-se instrumentalizar o
povo com conceitos críticos para o desenvolvimento de uma
democracia radical. Assim, a Assessoria é uma proposta pautada no
anseio de uma sociedade democrática e socialista. Logo, a Assessoria
Jurídica pretende educar os indivíduos para o exercício da
democracia.

Objetivando orientar o desenvolvimento das atividades de ‘Assessoria


jurídica’, reporta-se à delimitação principiológica apresentada na
oficina desenvolvida pelo projeto SAJUP-UFPR (24 de maio de 2003):

1.Superação do individualismo e preferência pelo coletivo (negar o


individualismo);

2.Participação Comunitária e Acadêmica Horizontais para


Conscientização (negar o paternalismo e a subordinação);

3.Construção de um Direito Crítico (negar o dogmatismo e o


positivismo jurídicos);

4.Presentificação (negar o absenteísmo).

Negar o individualismo. A perspectiva do coletivo em contraposição


ao individual é uma tendência do movimento de Acesso à Justiça. A
perspectiva da ‘solidariedade’ ganha nova feição pois os direitos e a
cidadania deixam de ser entendidos individualmente para se
tornarem uma condição coletiva. Basta observar a moderna
concepção de Direitos Humanos (27) e a indivisibilidade entre os
direitos individuais e sociais. Isso não significa um abandono do
individual, pelo contrário, entende-se que o indivíduo somente terá
capacidade de afirmar-se enquanto tal quando coletivamente
inserido, culturalmente inserido em sua comunidade. Tendo em vista
o sistema econômico capitalista, o qual desnatura o indivíduo no
individualismo, cabe à Assessoria propor o reencontro com o coletivo,
com o comunitário. Vale dizer, ainda, que coletivamente a força
política para o exercício de direitos e para a conquista de novos
direitos se potencializa. Portanto, também é uma estratégia para luta
política.

Negar o paternalismo e a subordinação. A Assistência pressupõe o


comando das atividades por aquele que detém o conhecimento para
resolver o problema jurídico: quando Assistência judiciária propõe a
solução dada pelo Poder Judiciário; quando Assistência material a
solução dada pelo técnico (advogado, estudante, ou jurista); quando
Assistência intelectual a solução (conhecimento) ministrada pelo
intelectual. Percebe-se o assistente dirigindo a atividade. Isto porque
para a Assistência o membro da comunidade não é capaz de resolver
a questão. Ao incapaz se destina o paternalismo. A relação de
subordinação é conseqüente. Para superar tal aspecto a Assessoria se
baseia na participação ativa do membro da comunidade em todos os
momentos da atividade de Assessoria. No mesmo sentido, a
participação só é efetiva quando se trava de maneira horizontal.

Negar o dogmatismo e o positivismo jurídicos. A Assistência, desde


suas classificações até sua prática, apresenta-se conexa ao Direito
estatal concebido estritamente pela lei (28). Diversas são as críticas ao
positivismo, que resume o direito a lei estatal, e ao dogmatismo. Uma
das principais tarefas da Assessoria jurídica é desconstruir os mitos
do positivismo e do dogmatismo principalmente quando ligados à
noção de cidadania (29). O que qualifica essencialmente a Assessoria
enquanto Jurídica é exatamente a sua crítica, não apenas teórica,
mas de igual sorte prática, ao Direito tradicional.

Negar o absenteísmo. Este princípio se mostra enquanto postura ética


da Assessoria. Absenteísmo significa o estado de alheamento à
realidade, ao ambiente e ao mundo exterior. Quando pratica a
‘Assistência jurídica’, o jurista não detém verdadeiro contato com a
sociedade, não há interação entre os seres humanos. Para que os
seres humanos realmente interajam é preciso uma intenção ética. É
preciso deixar de ser um técnico jurídico e se tornar um ser humano
(30)
. Estar presente na atividade de Assessoria é sentir, vivenciar
sentimentos. Nisto consiste a presentificação. O envolvimento
pessoal, humano e emocional com o coletivo. Isso não significa o
abandono do racional ou da técnica, pelo contrário, se pretende
desmitificar o pressuposto da neutralidade axiológica impregnado
naqueles. Entender-se humano, repleto de emoções que não podem
ser ignoradas, perfaz um novo sentido no contato entre humanos
presentes na comunidade.

Para encontrar os limites de distinção da Assistência e da Assessoria


interessante é a provocação do professor Pedro DEMO: "Mesmo
fazendo parte do mesmo contexto da política social e dos direitos
sociais, assistência e promoção comunitária contêm lógicas diferentes
e mesmo polarizadas dialeticamente" (DEMO, p. 98). (31)

A contradição entre os métodos é nítida. A ‘Assistência jurídica’


pretende a igualdade mediante reformas, solução de litígios. Para a
Assistência as reformas diminuem as desigualdades sociais. A
perspectiva é reformista, melhorista. Já a Assessoria parte da noção
de revolução porque fundada na contestação ao sistema social. A
conscientização do homem se realiza na sua humanização, na
passagem da posição de objeto para sujeito. O sujeito ao se
humanizar não pode mais conviver com um mundo que o reifica, o
coisifica. Por outro lado, questionando-se sobre a perspectiva politico-
ideológica, de igual sorte incongruentes as metodologias da
Assistência e da Assessoria. Enquanto a ‘Assistência jurídica’ visa à
manutenção do capitalismo e da democracia meramente formal, a
‘Assessoria jurídica’ busca, ao contrário, o socialismo democrático
(democracia material). Operando-se com propostas assistencialistas,
estimula-se a confiança nas medidas reformistas do sistema (do
status quo). Por isso, quando se desenvolvem propostas
assistencialistas, coopta-se o membro da comunidade ao sistema (e,
consequentemente, à ideologia da reforma) ao invés de lhe despertar
uma concepção crítica sobre o mesmo. Por isso, a mudança do
método de educação (32) acaba por despertar no homem uma nova
postura política. Conclui-se pela impossibilidade de conciliação dos
métodos.

Assessoria e Assistência não podem ser conciliadas. Suas concepções


ideológicas e políticas são estranhas. Logo, o que identificará a
metodologia empregada é seu fim político-ideológico.

Por outro lado resta averiguar a questão relativa aos


projetos/programas de extensão universitária que se utilizam das
metodologias, simultaneamente, da Assistência e da Assessoria – seja
por falta de reflexão do método, seja por outro motivo. Essas
atividades tenderam a adotar apenas uma metodologia. Isto ocorre
face a contradição finalística das metodologias, as quais caminharão
para fins diversos. A tendência, portanto, será a de se adotar apenas
um método.

Em geral, tendencialmente, predominará a metodologia


assistencialista porque esta confere resultados imediatos e
quantitativos (mesmo que superficiais e momentâneos), apreciáveis
em menor tempo. Portanto, além de serem inconciliáveis, inexistindo
método misto, também não permaneceram sendo desenvolvidas
simultaneamente.

Se de um lado inexiste método misto de Assessoria e Assistência, por


outro lado se deve ponderar pela dificuldade de aplicação pura dos
referidos métodos. Para se identificarem, na prática, as diferenças,
sugere-se a avaliação teórica e prática da finalidade e o resultado da
atividade de extensão. Uma avaliação qualitativa só é possível em
contrastando-se a teoria a que se propõe a atividade e sua prática.
Isso sugere, portanto, um olhar casuístico.

Servindo como indicativo, as atividades de Assistência não precedem


de explicitações teóricas pois se utilizam apenas das teorias
dominantes de Educação e Direito. Já a Assessoria necessita de
constante pesquisa teórica sobre Educação e Direito. A contestação
não se suporta, enquanto atividade acrítica, sem reflexão teórica. Já a
consecução prática da Assessoria depende de avaliações
metodológicas (e não quantitativas) constantes. Portanto, a constante
busca pela teorização caracteriza a Assessoria jurídica como método
inovador.

Como se pode observar, nem sempre as Assessorias conseguiram


(talvez nunca conseguirão) superar todos os obstáculos a que se
propõem. A superação, portanto, exige um constante e rígido
processo de auto-avaliação.

Considerações Finais

Interessa, aqui, notar que atualmente os modelos institucionais da


metodologia da Assessoria jurídica são os denominados SAJUs
(Serviços de Assessoria Jurídica Universitária). Alguns contêm longo
histórico, como o SAJU- UFRGS (33) e SAJU-UFBA - este fundado em
1963, e aquele em 1950. (34) Apesar de inicialmente desenvolverem
projetos de cunho assistencialista, começaram a tomar uma nova
configuração metodológica em suas atividades a partir do fim da
década de 80 e início da década de 90 devido à redemocratização, à
eclosão da teoria crítica do Direito no Brasil (35) e à influência dos
novos movimentos sociais. Com a crítica do modelo jurídico existente
logo criticou-se também a extensão (a final, um ato de ‘estender’)
desse modelo. A interdisciplinaridade também renovou os ares das
propostas extensionistas, o que gerou a progressiva mudança
metodológica desses projetos (36). Especialmente neste sentido, a
metodologia freiriana e sua ‘Pedagogia do Oprimido’ tiveram
influência decisiva para a tentativa de superação do método
assistencialista.

Na década de 90 surgem os novos SAJUs. Estes se diferenciam pela


proposta baseada, desde a origem, na concepção metodológica da
AJUP. O apoio institucional aos SAJUs é reduzido e a grande luta é pela
existência. Entre eles podem ser citados: NAJUP – Negro
Cosme/UFMA, CAJU/UFCE, NAJUC/UFCE, Cajuína/UFPI, SAJU/UFS,
SAJU/UNIFOR-CE e o SAJUP-UFPR. Há notícia ainda de novos projetos
ainda não integrados à RENAJU como: SAJU-USP, SAJU-PUCAMP e o
NAJUP-PUC/RS. Para o desenvolvimento destes projetos foi criada em
meados da década de 90 a Rede Nacional de Assessoria Jurídica
Universitária (RENAJU), que pretende, por meio de trocas de
experiências, discutir e desenvolver a concepção da metodologia da
AJUP, bem como divulgar e expandir esta proposta inovadora através
do movimento estudantil de Direito, em especial através de encontros
universitários. Além disso, existe o estímulo a teorizar as experiências
a fim de que não ocorra o retrocesso às atividades de cunho
assistencialista.

Recuperar essa história, micro-história, é tarefa contínua dos


movimentos inovadores. Como afirma Walter Benjamin: "O cronista
que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os
pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia
aconteceu pode ser considerado perdido para a história" (BENJAMIN,
p. 223). A partir da experiência de novas propostas inovadoras pode-
se vislumbrar um novo rumo para o uso do Direito no Brasil e,
especialmente, para a finalidade da extensão na Universidade.
Trabalho que pode parecer pequeno mas que gera grandes mudanças
em quem atua com disposição nele.
Notas

1
Diversas obras de Michel FOUCAULT trabalham esse conceito. Todavia,
recomenda-se a leitura de pequeno artigo que resume a percepção do Direito para
Foucault: LOSCHAK, Danièle. A questão do Direito. In: ESCOBAR, Carlos Henrique
de.(org.) Michel Foucault - Dossier. Rio de Janeiro: Taurus, 1984. (122-4)

2
Para maiores detalhes recomenda-se a leitura da primeira parte do livro:
FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e Contrato de Trabalho: do sujeito de
direito a sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2002.

3
"Art. 207 - As universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão." Constituição da República
Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 22ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1999.

4
"(...) sustentam que as academias de Direito foram responsáveis por uma prática
de tal modo comprometida com os processos de exploração econômica e de
dominação política que o bacharel não foi preparado para o exercício da função
crítica" (ADORNO, p.159).

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