Você está na página 1de 4

Bárbara Mançanares - #textou

é preciso estar desatento

para sonhar.

derrubar muros distribuir sementes

reverenciar o céu

nas tarde de outono

fechar os olhos e sentir o vento

que atravessa os sete fícus

de uma praça do interior.

para sonhar

toda receita serve mas

nenhuma é preciso.

roscas trançadas crescem ao sol

e proclamam aleluias

porque apesar do café amargo

a mesa mineira é farta de doces.


o primeiro e último casamento dizem muito

sobre os sonhos e o que sobra deles

junto aos pedaços de pão sobre a mesa.

o que se destina a impregnar os corpos

a cada morte?

uma placa de ouro em uma caixa escura

iodetos de prata

mercúrio

tiossulfato de sódio sobre as nossas lembranças

campos de batalha com nome e sobrenome

sobrepostos à minha identidade.

oito almas descalças percorrem procissões

ao redor da minha cama mas

eu só poderia deixar o que tive –

essa escrita em luz e sombra

componentes fotoquímicos

aquilo que está

mas que só se captura aos fragmentos:

o amor.
oitenta tiros atravessam

as costelas expostas

desse país fálico.

a pele puída a carne

gangrena

o pau-brasil e suas falácias.

corpos pretos amarelos

corpos pobres femininos

corpos boiam em um vale doce de lama

tóxica

corpos gritam

definham resignados

corpos queimados sob o sol das três da tarde

em um banco, pataxós incinerados

corpos resilientes

esticados

atrapalhando o trânsito

obstruindo asfalto.
o dia me aflita

com seus caminhos

curvamente traçados.

não reconhece em minha voz

os desejos

e ânsias.

confunde meus sinais

de felicidade.

a noite chega.

no fundo de mim

um galo canta raiares de um ínfimo sol

que ainda cega.

Você também pode gostar