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Memória e Aprendizagem
Rodrigo Pavão
Laboratório de Neurociências e Comportamento
rpavao@gmail.com
Figura 1 – Sinapses axo-somática (esquerda) e axo-axônica (direita). A atividade do botão
axonal “B” pode modular a liberação de neurotransmissores do botão terminal “A” (modificado de
Carlson, 1998).
Em seu livro Principles of Psychology, William James (1890) denominou esses tipos
de memória como (1) memória consciente primária e (2) memória consciente secundária,
respectivamente. Além disso, esse autor mencionou também, em capítulos distintos,
“habilidades / hábitos”, envolvendo experiência não consciente. Curiosamente, essas idéias
foram ignoradas até a década de 1960.
No início do século XX, o fisiologista russo Ivan Pavlov e o psicólogo americano
Edward Thorndike, descreveram, respectivamente, o Condicionamento Clássico, em que
um animal aprende a associar dois estímulos (e.g., som de campainha a apresentação de
comida) pela sua apresentação contígua, e o Condicionamento Operante em que o animal
aprende a associar uma resposta motora a uma recompensa e uma segunda resposta a
uma punição.
Esses paradigmas estabelecidos por Pavlov e Thorndike influenciaram de modo
decisivo uma escola de pensamento denominada Behaviorismo, que almejava tornar a
psicologia uma “ciência objetiva”, baseada na observação de comportamentos,
desprezando conceitos como pensamento, imaginação, consciência ou mente, que eram
consideradas entidades subjetivas, não passíveis de abordagem experimental. A história
do Behaviorismo pode ser contada por seus conflitos com outras escolas de pensamento,
como sua disputa com a Psicologia Clínica, em que os behavioristas criticavam os
psicanalistas por uma suposta falta de controle experimental e de embasamento lógico e
científico. Os behavioristas defendiam que deve-se estudar as relações entre os estímulos
apresentados e as respostas geradas.
Uma escola alternativa de pensamento também baseada nos estudos iniciais de
Pavlov e Thorndike, denominada Cognitivismo, investigava não apenas como estímulos
geravam reações, mas também os processos não observáveis diretamente, mas que
intervêm entre o estímulo e a resposta. Essa escola de pensamento admite a flexibilidade
do comportamento animal, incluindo conceitos como representação, criação, inteligência,
memória e atenção, conceitos não admitidos pelo behaviorismo por não serem restritos à
relação entre estímulos e respostas.
O cognitivista Edward Tolman (1948) defendeu a idéia de que ratos arquivam em sua
memória uma representação espacial do ambiente, um mapa cognitivo, que permite a
orientação flexível no ambiente, inclusive encontrar atalhos nunca percorridos, mas
dedutíveis a partir do mapa cognitivo. Na esteira dos etologistas, Cooper e Zubek (1958)
realizaram estudos sobre as relações entre os comportamentos inatos e aprendidos (ver
Figura 5).
Fisiologia do Comportamento
Figura 5 – Ratos de uma mesma população inicial, que apresentavam diferentes níveis
de desempenho em uma tarefa envolvendo a aprendizagem de um labirinto foram cruzados
por gerações sucessivas, gerando uma linhagem “burra” e uma linhagem “brilhante” no
desempenho dessa tarefa. Em seguida, esses animais foram expostos a três condições
ambientais distintas, envolvendo (1) crescimento em ambiente empobrecido (gaiola com
animais isolados), (2) crescimento em ambiente padrão (caixa com um pequeno grupo de
animais), e (3) crescimento em ambiente enriquecido (caixa grande, com muitos animais,
brinquedos etc). Os animais das linhagens “burra” e “brilhante” crescidos em ambientes
empobrecido ou enriquecido exibiram desempenho equivalente. Diferentemente, animais
dessas duas linhagens crescidos em ambiente padrão exibiram marcada diferença de
desempenho; o desempenho dos animais da linhagem “brilhante” foi marcadamente melhor.
Em outras palavras, a diferença existe apenas condição padrão de criação. Os autores
concluíram que tanto fatores inatos como ambientais influenciam o comportamento
(modificado de Cooper e Zubek, 1958).
Figura 7 – Experimentos de Shashoua (1985) envolvendo aprendizagem em peixes dourados
(para detalhes ver o texto) (modificado de Shashoua, 1985, e Xavier, 2004).
Em outro teste, Shashoua (1985) injetou valina marcada com hidrogênio radioativo
(valina-H*) no ventrículo encefálico de animais que ficaram por 4h com o flutuador, ou
valina marcada com carbono radioativo (valina-C*) no ventrículo de animais que não foram
Fisiologia do Comportamento
Figura 8 – Franz Gall e um mapa frenológico.
Figura 9 – Esquema representativo de redes neurais de Hebb. Os pontos pretos são os
neurônios e as linhas são as conexões. A rede tem uma organização inicial como representado em
(A); ao receber um estímulo, é ativada (B); esse estímulo pode ser apresentado repetidas vezes, ou
pode ter reverberado nessa rede, de modo que as conexões entre os neurônios são fortalecidas (C e
Fisiologia do Comportamento
D); então, um estímulo mais fraco ou mesmo incompleto, mas que mantenha algumas das
características do inicial (D) é capaz de ativar a rede fortalecida (E) (modificado de Bear, 2002, e de
Helene e Xavier, 2007b).
Figura 10 – O paciente H.M. teve parte do lobo temporal medial removido bilateralmente
(porção cortical, amígdala e hipocampo). A amnésia exibida por H.M. era anterógrada (ele era
incpaz de formar novas memórias) e retrógrada, neste último caso, temporalmente graduada
(lembranças da juventude e de eventos ocorridos até 2 anos antes da cirurgia foram preservados,
mas as lembranças são gradualmente prejudicadas até o momento da cirurgia (modificado de Bear,
2002 e Xavier, 2004).
Fisiologia do Comportamento
É possível fazer uma comparação, que poderia ser interpretada como provocação,
entre a Frenologia do século XIX e o modelo de memória atual. Apesar de um pouco
agressiva, essa comparação é útil, pois estimula a interpretação de que os modelos são
aproximações incompletas que nos ajudam entender a realidade (ver
http://fisio.ib.usp.br/fisioteorica). De fato, algumas limitações do modelo de memória podem
ser apontadas, como não levar em conta a dramática plasticidade do sistema nervoso e a
clara inspiração nos equipamentos eletrônicos.
O primeiro aspecto pode ser evidenciado pelo estudo realizado por Leah Krubitzer
(1998) sobre a estrutura cortical de gambás. O córtex de um gambá adulto normal exibe
uma estrutura como a representada na Figura 11 (esquerda); se nos estágios fetais o
animal é submetido à remoção parcial do córtex, seu córtex adulto exibirá estrutura
bastante diferente da do gambá normal (Figura 11, direita). Isso mostra que estruturas
relacionadas com determinados tipos de processamento podem assumir funções distintas
(o animal lesado apresenta uma reorganização generalizada do sistema, não limitado a
prejuízo no processamento visual). Assim, uma interpretação alternativa a dos correlatos
anátomo-funcionais obtidos dos estudos envolvendo lesões é de que o sistema lesado
funcione de modo distinto, não limitado ao prejuízo naquela função.
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