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17/08/2017 A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam...

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A Regulamentação da
Profissão Psicologia:
Documentos Que Explicitam o
Processo Histórico
The Regulation of Professional Psychology:
Documents That Explain The Historical Process

La Reglamentación de La Profesión Psicología:


Documentos Que Explican el Proceso Histórico

Marisa Todescan
Dias da Silva Baptista

Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
Artigo

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2010, 30 (núm. esp.), 170-191

http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 1/18
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CIÊNCIA E PROFISSÃO, Marisa Todescan Dias da Silva Baptista
2010, 30 (núm. esp.), 170-191

Resumo: O artigo em questão é uma versão histórica que reconstitui e analisa o processo de regulamentação
da profissão de psicólogo, e abrange o período que tem início no final da década de 40, quando os
profissionais brasileiros começaram a se manifestar sobre a questão e quando foram organizados os primeiros
cursos de especialização, e se encerra na década de 70, quando os principais atos regulatórios já haviam sido
aprovados e os conselhos de classe instalados. São utilizados como fontes documentos produzidos sobre a
regulamentação, literatura e notícias que fazem referência a esses documentos, ao processo de produção
e de avaliação crítica dos mesmos, aos movimentos e aos profissionais que os produziram, apoiaram e
rejeitaram, e também os depoimentos de três profissionais que participaram ativamente do processo. O
artigo aponta os grupos inseridos no contexto social brasileiro e no contexto histórico da Psicologia que foram
responsáveis por produções ou movimentos relacionados às propostas de formação e de regulamentação,
assim como os que criticaram e se opuseram às mesmas.
Palavras-chave: História da Psicologia. Regulamentação da profissão. Formação profissional. Documentos.

Abstract:This article is a historical version that reconstructs and analyzes the process of professional regulation
of the psychologist. It covers the period that begins in the late 40’s when the Brazilian professionals began
to manifest on the issue, when the first courses of specialization were organized and ended in the 70’s, and
when major government regulations were approved and the class councils installed. The manuscript uses as
sources the documents produced during the process of establishing regulation, literature and news that refer
to these documents, to their production process and critical evaluation, and to the professional movements
that produced, supported and rejected them. This article also uses the statements of three professionals who
participated actively in the process and it points the groups included in the Brazilian social context and in
the historical context of psychology, who were responsible for the production or movement related to the
proposed training and regulation, and those who criticized and opposed them.
Keywords: History of psychology. Professional regulation. Professional training. Documents.

Resumen: El artículo en cuestión es una versión histórica que reconstituye y analisa el proceso de
reglamentación de la profesión del psicólogo. Abarca el periodo que tiene inicio en fines de la década de
40, cuando los profesionales brasileños empezaron a manifestarse sobre esa cuestión, fueron organizados
los primeros cursos de especialización y se cierra en la década de 70, cuando los principales actos
reglamentarios ya habian sido aprovados y los consejos de clase instalados. Utiliza como fuentes, documentos
producidos sobre la reglamentación, literatura y noticias que hacen referencia a esos documentos, también
al proceso de producción y evaluación crítica de esos documentos, a los movimientos profesionales que
los produjeron, apoyaron y rechazaron. Además de eso, utiliza declaraciones de tres profesionales que
participaron activamente del proceso. Señala los grupos, insertados en el contexto social brasileño y en el
contexto histórico de la psicología, que fueron responsables por producciones o movimientos relacionados
a las propuestas de formación y reglamentación, así como los grupos que criticaron y se opusieron a esas
propuestas.
Palabras clave: História de la psicología. Reglamentación de la profesión. Formación profesional.
Documentos.

A história da regulamentação da profissão, possivelmente cada um deles atribuía ao


um dos feitos significativos da história da fato, como se organizavam para defender
Psicologia no Brasil, precisa ser conhecida suas ideias, quais atividades exerciam
com maior profundidade, pois, ao longo do como psicólogos e como elas repercutiam
tempo, ela vem sendo contada parcialmente, na sua forma de considerar a Psicologia. O
em fragmentos. Para que se possa ter uma artigo aborda a relação com participantes
visão do conjunto, é importante que esses de outros grupos que se opunham à ideia
fragmentos sejam reunidos. Esse raciocínio é de regulamentação (médicos, engenheiros)
que fundamenta a organização deste artigo, assim como sua relação com os políticos que
que pretende, então, principalmente através pudessem abraçar a causa e atuar diretamente
dos documentos produzidos para esse fim, na apresentação, defesa e aprovação da
analisar como se deu esse processo histórico, mesma.
descobrir o que pensavam os profissionais que
participaram do processo de regulamentação As questões básicas que surgiram durante a
da profissão, os diferentes significados que pesquisa realizada com documentos foram:

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em quais contextos esses documentos foram convidados para instrumentalizar


foram elaborados, a que necessidades brasileiros que pudessem assumir as atividades
estariam respondendo, que conflitos, lutas demandadas.
ou alianças suscitaram, quais aprovações,
questionamentos ou contestações receberam Apesar de Bernardes ter considerado
e quais continuidades ou rupturas foram breve o período, pode-se avaliar que sua

estabelecidas. Posteriormente, foram observação foi feita comparando o processo


realizadas entrevistas com três participantes de regulamentação da Psicologia com o de
do processo. Considero que a análise dessas outras profissões, cujo tempo de negociação
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do processo. Considero que a análise dessas outras profissões, cujo tempo de negociação
questões pode ajudar a entender o statusatual foi maior. Mas, focando o espaço de tempo
da Psicologia em nosso país, principalmente de aproximadamente 10 anos, delimitado
porque o processo de regulamentação se inicialmente pela exposição pública das
atrelou ao de formação, e, em consequência, primeiras ideias sobre a regulamentação –
repercutiu na preparação e na constituição década de 50 – e finalizado com a aprovação
identitária dos profissionais da área. da Lei nº 4119/62, é possível concluir que
o período foi caracterizado por um longo e
O início da pesquisa se deu com o sinuoso percurso histórico com discussões,
levantamento dos documentos disponíveis inúmeras idas e vindas de projetos, pré-
sobre esse marco, mais particularmente, projetos, substitutivos, emendas e muita
com a busca das diferentes propostas de negociação até que houvesse a aprovação
Bernardes (2004)
regulamentação que foram feitas antes oficial. É esse percurso que será analisado
considera que o
processo histórico da da Lei nº 4119, aprovada em 1962, e aqui. É importante lembrar, também,
regulamentação foi complementada pelos atos oficiais e pelas que a aprovação não foi o ponto final do
muito curto, apesar
legislações estabelecidas durante o período processo de profissionalização da Psicologia.
de reconhecer que
já havia no País que tem início em 1962 e avança até a Segundo Pereira e Pereira Neto (2003), o
um contexto social década de 70. Algumas dessas propostas já final do processo só se deu em 1975, após a
favorável à existência
estão historiadas, mas a pretensão, aqui, é aprovação do código de ética e a instalação
da Psicologia.
percorrer o processo como um todo. dos Conselhos.

Bernardes (2004) considera que o processo A década de 50, pela qual iniciaremos o
histórico da regulamentação foi muito percurso histórico, é caracterizada pelo
curto, apesar de reconhecer que já havia nacional-desenvolvimentismo, com a
no País um contexto social favorável à preocupação de modernização dos padrões
existência da Psicologia. Para ele, o início da industriais, início da associação com grupos
industrialização na década de 30 e o crescente estrangeiros e expansão dos órgãos públicos
processo de urbanização demandaram acompanhado de um intenso processo de
práticas psicológicas não só para favorecer urbanização.SegundoGraciani(1984),énesse
a organização do trabalho mas também momento que os modelos de organização
para atuar nas escolas e clínicas infantis, científica de Taylor e Fayol mais influenciaram
principalmente. A meta nacionalista daquele o sistema organizativo brasileiro e que a classe
momento era possibilitar a construção de média se ampliou significativamente. Ocorreu
um homem novo para um país novo, e a ainda uma preocupação com a modernização
fundamentação dessa meta era buscada no do sistema de ensino e, em especial, da
positivismo e no tecnicismo, com a Psicologia universidade, de forma a poder responder
funcionando como um apoio. Instituições às necessidades de desenvolvimento do País.
foram criadas, e profissionais conhecidos No final da década, começaram a circular as
no exterior, principalmente na Europa, concepções das reformas de base: agrária,

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política, universitária, jurídica, etc. São essas Psicologia de 1952 veiculou essa informação,
características do período que, funcionando acrescentando que esse grupo formulou um
como um pano de fundo, permitem situar questionário e o distribuiu para um grande
o desenvolvimento das ideias sobre a número de profissionais que trabalhava com
regulamentação da profissão. práticas psicológicas. O material coletado
pelos questionários seria objeto de estudo.
Em São Paulo, a movimentação dos Os números posteriores da revista não deram
profissionais de Psicologia, procurando continuidade ao assunto, e, nesse mesmo ano,
esclarecer a existência da profissão e profissionais brasileiros realizaram inúmeras
descrevendo os tipos de atividades exercidas visitas a centros internacionais onde se
em outros lugares do mundo, fica evidente desenvolvia a Psicologia, e essas experiências
a partir do final da década de 40 e início da foram, posteriormente, relatadas em palestras
década de 50. O registro de alguns desses e artigos. Assim, nesse mesmo número do
eventos demonstra esse fato. Anita Cabral, Boletim , Maria José Garcia publicou um
artigo sobre tendências atuais da Psicologia
em junho de 1949, proferiu uma palestra
na França , que teve como primeira versão
intitulada A profissão do psicólogo e a
uma palestra proferida em junho de 1952,
associação de psicólogos norte-americanos:
e Arrigo Angelini escreveu sobre a Psicologia
sugestões para a organização de nossa
em algumas universidades americanas . Há
sociedade, e, em dezembro do mesmo ano,
ainda o registro das conferências de Aniela
Betti Katzenstein falou sobre impressões de
Ginsberg sobre impressões de visita a centros
viagem de estudos a centros europeus (cf. de Psicologia europeus, proferida em outubro
Boletim de Psicologia , 1950). No Boletim de 1952, e a de Carolina Bori,visita a centros
de Psicologia de 1950-1951, Oswaldo de de Psicologia – impressões de viagem (em
Barros publica um artigo sobre aspectos da
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 3/18
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de Psicologia de 1950-1951, Oswaldo de de Psicologia – impressões de viagem (em
Barros publica um artigo sobre aspectos da maio de 1952). No volume seguinte do
orientação e seleção profissional na Europa . mesmo Boletim de Psicologia(1952-1953), há
Ainda em 12 de setembro de 1950, uma referência a duas outras palestras organizadas
aluna que cursava Filosofia na USP, Elza pela sociedade. A primeira, proferida por
dos Santos Lima, entregou um memorial no Noemy Rudolfer, teve como tema Da
Segundo Congresso Estadual de Estudantes , legitimidade da função do psicólogo clínico
reivindicando a criação de uma seção e das clínicas psicológicas, e a segunda, por
independente para a Psicologia (separada do Anita Cabral, Formação do profissional em
curso de Filosofia), de um laboratório para Psicologia.
a mesma área e também a regulamentação
da profissão de psicologista (Botelho, 1989, Em março de 1953, Anita Cabral publica
Anexo B, p. 255). um artigo na revista Ciência e Cultura
sobre requisitos básicos da formação de
Já em 1952 são iniciadas algumas discussões psicologistas. Ela aponta três requisitos:
sobre a regulamentação. A Sociedade de
Psicologia de São Paulo, que havia sido preparo específico, teórico, experimental e
fundada em 1945, instituiu uma comissão prático; ...o psicologista (entendido como o
profissional da Psicologia) não deve ser um
de carreira do psicólogo com a finalidade de simples técnico. .. nem cientista. .., mas há
realizar estudos e debates para caracterizar a de ter como centro de gravidade o humano,
profissão no Brasil. Essa comissão era formada na indissociável unidade dos aspectos da
personalidade individual e do meio social. ...
por: Raul de Morais, Joel Martins, Anita
Só quando teoria, espírito experimental
Cabral, Virginia Bicudo, Marcos Pontual, e habilidade técnica se unem num todo
Carlos Oliveira Penteado, Betti Katzenstein e solidário é que podemos estar frente a um
Aniela Ginsberg. O noticiário do Boletim de psicologista. (p. 43)

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No mesmo texto, a autora menciona a assistentes sociais). Em Porto Alegre, no mês


necessidade dos cursos de Psicologia se de junho de 1953, foi criado na PUC/RS um
tornarem autônomos, distintos de outros curso de especialização em Psicologia, que se
cursos (Filosofia, pedagogia), assim como propunha a dar formação para profissionais
deixa clara a importância do “estado atual que quisessem trabalhar na área.
da Psicologia ser eminentemente científico”.
Essa valorização da ciência é um aspecto que Pereira e Pereira Neto (2003) consideram
passa a ser acentuado na defesa dos cursos que, com a regulamentação da formação
de Psicologia a serem oferecidos em cursos dos especialistas em Psicologia, “iniciou-
universitários (faculdades de Filosofia). se oficialmente o exercício dessa profi-
ssão. ... Assim, a profissão legitimou-se
Madre Cristina, nessa mesma época, faz academicamente para lutar pelo domínio
visitas à França, à Suíça e aos Estados Unidos de segmentos importantes no mercado de
da América, mas só em junho de 1955 trabalho” (p. 23). Para eles, essa situação
profere uma palestra sobre impressões de foi um dos fatores que impulsionou os
uma viagem de estudo na França , publicada movimentos que buscavam a regulamentação
no Boletim de Psicologia (1955-1956). Todos da profissão.
esses temas revelam a preocupação dos
profissionais paulistas em conhecer e discutir O ano 1953, quando foi realizado em Curitiba
modelos de profissionalização da Psicologia. o I Congresso Brasileiro de Psicologia, foi
identificado como uma data importante no
No final da década de 40 e início da década processo histórico da regulamentação, pois
de 50, começaram a funcionar alguns cursos as ideias sobre a questão passaram a ser
de especialização na área de Psicologia. Em discutidas por profissionais de todo o País e
São Paulo, o primeiro foi o de Psicologia publicadas em periódicos.
educacional, organizado pela cátedra de
Psicologia Educacional da USP no ano 1947. A Associação Brasileira de Psicotécnica,
Em 1953, foi organizado, na Faculdade de sediada no Instituto de Seleção e Orientação
Filosofia Ciências e Letras Sedes Sapientiae, Profissional (ISOP), no Rio de Janeiro, também
o de Psicologia Clínica, e na USP, o de organizou, no ano 1953, uma comissão para
Psicologia Clínica teve início em 1954. No estudar o problema. Era formada por José da
final da década de 50, a matéria denominada Silveira Pontual, Eliezer Schneider e Pierre
Ensino, publicada naRevista Ciência e Cultura Gilles Weil, responsáveis por um relatório que
(Marcondes, 1959), traz algumas informações foi apresentado para a Associação e discutido,
fornecidas por Durval Marcondes sobre Arquivos
posteriormente, em várias reuniões (
esse curso de especialização em Psicologia Brasileiros de Psicotécnica, 1954, (1)).
clínica. O relato menciona a psicoterapia
dos alunos como um novo método de No mês de julho de 1953 foi realizado, na
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dos alunos como um novo método de No mês de julho de 1953 foi realizado, na
ensino, nos moldes dos que existiam nos Faculdade Sedes Sapientiae, o I Simpósio das
institutos de formação psicanalítica. Durval Faculdades de Filosofia do Brasil, relatado no
defende tal proposta, dizendo que assim documento Histórias e Memórias (Instituto
os alunos estariam sendo preparados para Sedes Sapientiae, 1998). Resultou do
atuar com os pacientes que os procurariam, encontro um documento, não encontrado
e sugere, ainda, que esse método deveria nos periódicos consultados, mas que
ser usado com todos os profissionais que se posteriormente foi citado por Anita Cabral
envolvessem com aspectos emocionais da (Boletim de Psicologia , 1953-1954, p. 64) e
relação interpessoal (médicos, psicólogos e noticiado no Parecer nº 412 da Comissão de

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Ensino Superior do Ministério de Educação Esse anteprojeto foi elaborado a pedido do


e Cultura (Brasil, 1959b). Talvez os textos Conselho Nacional de Educação, que tinha
apresentados no I Congresso Brasileiro de a intenção de regulamentar a profissão
Psicologia, por Madre Cristina e Anita Cabral, de psicologista e a formação regular de
tenham sido produzidos para esse Simpósio tais profissionais ( Arquivos Brasileiros de
ou logo após o mesmo. Psicotécnica, 1959). NosArquivos Brasileiros
de Psicotécnica de 1954, aparece como
Nesse mesmo ano, já havia se iniciado o título do anteprojeto: O problema da
curso de formação em Psicologia na Pontifícia regulamentação da profissão de psicologista
Universidade Católica do Rio de Janeiro. – anteprojeto de lei apresentado ao Ministério
Segundo Mancebo (1999a), a criação do curso da Educação pela Associação Brasileira de
foi possibilitada pela ocorrência simultânea de Psicotécnica. No memorial, que acompanha
vários fatos: o projeto universitário da Igreja o anteprojeto, é mencionado o surgimento
Católica, que tinha como objetivo formar de necessidades sociais que exigiriam a
uma elite católica, a existência, desde 1942, aplicação da Psicologia principalmente
de várias práticas psi na instituição, o fato em três ramos: psicotécnica escolar,
de a disciplina Psicologia já estar sendo psicotécnica do trabalho e Psicologia
ministrada em vários cursos, a contratação, clínica. Os profissionais exerceriam as
em 1949, de Hanns Ludwig Lippmann, que, atividades de orientadores educacionais,
ao elaborar o projeto do curso de Psicologia, psicologistas escolares, professores para
incluiu as práticas já desenvolvidas no ISOP, anormais e desajustados, selecionadores
assim como, por influência de Nilton Campos, de pessoal, conselheiros de formação
uma forte base teórica. Também houve em profissional, técnicos em psicodiagnóstico e
São Paulo uma proposta para a organização em ajustamento psicológico. Foi apontado
de um curso de formação em Psicologia, na ainda que tais necessidades já haviam
USP, projeto elaborado pela professora Anita sido explicitadas em legislações federais,
Cabral, apoiada pelos alunos dos Cursos haja vista a obrigatoriedade, criada pelo
de Especialização em Psicologia Clínica e Ministério, da existência de gabinetes de
Educacional, que foi encaminhado para a Psicologia experimental em ambulatórios de
congregação, mas só obteve a aprovação em doenças mentais e dos serviços de orientação
1957. O currículo desse curso seria composto educacional em estabelecimentos de ensino
por 17 matérias, 12 específicas de Psicologia secundário, comercial e agrícola. O segundo
(Ramozzi-Chiarottino, 2001). motivo apresentado diz respeito à inexistência
de pessoal habilitado para responder a essas
O primeiro anteprojeto de lei sobre a exigências, o que demandaria, então, o
formação e a regulamentação da profissão de estabelecimento de uma formação regular
psicologista, apresentado em novembro de em nível técnico superior, de cunho teórico-
1953 ao Ministério de Educação e Cultura, prático. O texto estabelece uma diferença
foi organizado por alguns profissionais do Rio entre a formação técnica de cunho teórico-
de Janeiro filiados à Associação Brasileira de prático, considerada indispensável naquele
Psicotécnica. O documento foi assinado por momento, e a formação especificada.
quatro profissionais, membros da diretoria
dessa associação: Manuel B. Lourenço Filho, A exposição de motivos evidencia que:
José da Silva Pontual, Emilio Mira y Lopes
Não parece possível, nem conveniente,
e José Moacir de Andrade Sobrinho. Esses
traçar desde já planos para formação tão
profissionais também eram ligados ao ISOP, especificada, mesmo porque a profissão
órgão da FGV (Fundação Getulio Vargas). demanda não apenas conhecimentos

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técnicos mas também formação cultural e a 7 de dezembro, por Gabriel Munhoz da


aprimoramento das qualidades intelectuais Rocha, professor de Filosofia e Psicologia da
e morais nos candidatos a seu exercício. ...
A formação técnica de cunho teórico- Universidade do Paraná. Foram encontrados
prático torna-se, no entanto, absolutamente dois relatos mais completos desse congresso.
indispensável. (Brasil, 1959a, p. 46) O primeiro foi publicado no noticiário
dos Arquivos Brasileiros de Psicotécnica
O anteprojeto estabelece que a formação (dezembro de 1953), com a denominação
técnica de cunho teórico prático, ou seja, do II Congresso Latino-americano de Psicologia.
psicologista, se daria em dois níveis: curso de O segundo também foi publicado em junho
bacharel (três anos) e licenciado (dois anos). O de 1954, no mesmo periódico, é assinado
nível de licenciado poderia ser cumprido em por Aniela Meyer Ginsberg, e tem como
institutos ou serviços de Psicologia aplicada denominação Impressões do I Congresso
(centros de orientação educacional, instituto Brasileiro de Psicologia. Os nomes dos
de pesquisas educacionais, serviços ou congressos escolhidos para os dois relatos do
instituições de seleção profissional, serviços encontro já apontam uma controvérsia. Anita
de psiquiatria ou clínicas psicológicas) Cabral (Morais, 1999) e Chiarottino (2001) se
autorizadas por mandato universitário. referem a alguns fatos que podem explicitar
O curso de bacharel em Psicologia, a ser essas diferenças. Ambas mencionam que
Jacó-Vilela (1999)
destaca no projeto realizado em faculdades de Filosofia (O teria havido um acordo anterior entre Gabriel
uma distinção entre problema..., 1954, p. 49), daria direito ao Munhoz da Rocha e Radecki (naquele
formação básica, exercício da profissão de auxiliar-psicologista
teórica, que deveria
momento transitando entre Uruguai e
ser fornecida por em serviços de Psicologia aplicada. O Argentina) para que Curitiba fosse sede do
uma faculdade profissional já formado nesse nível não II Congresso Latino-americano de Psicologia
de Filosofia, e a poderia, em qualquer circunstância, ser
formação técnica,
(o primeiro congresso havia sido realizado
a ser realizada diretor desses serviços. O curso de licenciado em julho de 1950, em Montevideu). Como
em instituições formaria o psicotécnico da educação e ambos se desentenderam, Anita sugeriu
que mantivessem
do trabalho e o do ajustamento clínico, então a Gabriel que organizasse em Curitiba
atividades de
Psicologia aplicada. permitindo ainda o exercício da direção. o I Congresso Brasileiro de Psicologia. Havia
o interesse do governador do Paraná em
Jacó-Vilela (1999) destaca no projeto uma comemorar com um grande evento os 100
distinção entre formação básica, teórica, que anos da fundação de Curitiba, e Gabriel, irmão
deveria ser fornecida por uma faculdade de do presidente do partido do governador, já
Filosofia, e a formação técnica, a ser realizada havia programado várias atividades por
em instituições que mantivessem atividades ocasião do acordo com Radecki. Isso talvez
de Psicologia aplicada. Segundo a autora, a explique porque, em dezembro de 1953,
formação técnica fora da universidade é o no noticiário dos Arquivos Brasileiros de
aspecto do projeto que recebe maior número Psicotécnica , aparece a denominação II
de críticas e gera movimentos em outros Congresso Latino-americano de Psicologia e
contextos, que, a partir daí, se preocupam nenhuma menção ao I Congresso Brasileiro.
em organizar propostas alternativas de Seria uma homenagem a Radecki, que
regulamentação. havia trabalhado no Rio de Janeiro, ou uma
negação do papel de São Paulo e Paraná na
A segunda proposta de regulamentação organização? Esse noticiário não é assinado,
começou a ser formulada um mês depois, em mas, no último parágrafo, há um informe
dezembro de 1953, no âmbito doCongresso
I sobre a participação de Mira y Lopez no
Brasileiro de Psicologia. Esse congresso foi Congresso, assim como a aprovação, no
realizado em Curitiba, no período de 1º âmbito do mesmo, de uma recomendação

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feita a partir das discussões dos técnicos do psicólogo e a regulamentação da profissão.


ISOP sobre a extensão do exame psicotécnico Para ela, a função do debate era levantar
para motoristas em todo o território nacional. “as bases para uma definição jurídica da
Esse fato permite concluir que o noticiário profissão” (p. 60), já que o grande progresso
partiu do próprio ISOP. Munhoz da Rocha do desenvolvimento científico da Psicologia
(1955) esclarece porque a denominação no século XX havia aberto possibilidades
Congresso Latino-americano: “sentimento no campo de trabalho que deveriam ser
de fraternidade histórica e racial, e até
regulamentadas. Propôs ainda as seguintes
geográfica, mas sobretudo humana, o que nos atribuições para esse profissional: professor
leva a chamar os povos latinos da América... de Psicologia, psicólogo clínico, psicotécnico,
para participarem, como irmãos vizinhos, das orientador educacional e psicopedagogo
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para participarem, como irmãos vizinhos, das orientador educacional e psicopedagogo
nossas reuniões de família” (p. 148). (pp. 60-63). Anita Cabral discorreu sobre os
problemas de formação do psicólogo , citando
Por outro lado, no Boletim de Psicologia três propostas de currículos já conhecidas:
– 1953-1954, publicado em São Paulo, Instituto de Psicologia da Universidade
a denominação utilizada é: I Congresso do Brasil, 1º Simpósio das Faculdades de
Brasileiro e Jornada Latino-americana de Filosofia e Instituto de Psicologia Aplicada
Psicologia. Esse segundo nome também da Pontifícia Universidade Católica do Rio
é mencionado no corpo do texto escrito de Janeiro (Cabral, 1953-1954, pp. 60-68).
por Aniela Ginsberg, mas não no título. Segundo Aniela, esses dois trabalhos foram
Essas diferenças podem estar apontando as considerados pelo grupo fundamentais para
perspectivas opostas dos dois grupos em dirigir as discussões e deram o tom final do
alguns aspectos da regulamentação. documento elaborado para ser discutido em
assembleia.
No texto escrito por Aniela Ginsberg (1954),
Impressões do Primeiro Congresso Brasileiro Um aspecto ressaltado nos textos das duas
de Psicologia , são descritas a estrutura e autoras é que a formação do psicólogo
a organização do evento. Segundo ela, deveria acontecer integralmente no âmbito
no período da manhã, eram realizadas de uma faculdade de Filosofia. Madre
reuniões de pequenos grupos denominados Cristina escreve: “a formação do psicólogo
comissões, que elaboravam relatórios no é da competência exclusiva da faculdade de
início da tarde. No final da tarde, eram Filosofia” (Madre Cristina, 1953-1954, p. 61).
realizadas conferências para os participantes E Anita Cabral menciona que:
e, durante as noites, conferências solenes,
abertas ao público em geral. Os participantes A formação dos psicólogos no Brasil
dos vários Estados brasileiros se distribuíram deve ser feita em nível universitário. Deve
nas comissões. A Comissão I discutiu a ser dedicado um currículo de estudos
específicos, com a duração mínima de 4 anos
temática ensino de psicologia e profissão do para a formação básica e de 2 anos ou mais
psicólogo. Participaram dos debates dessa para a especialização profissional. ... Esse
comissão representantes de vários Estados: currículo deve ser desenvolvido nos quadros
de São Paulo, Carolina Bori, Me. Cristina, das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras.
Anita Castilho Cabral e Betti Katzenstein; do (Cabral, 1953-1954, p. 64)

Rio de Janeiro, Hans Ludwig Lippmann; do


Nenhum dos profissionais envolvidos com a
Rio Grande do Sul, Francisco Pedro Pereira
elaboração do primeiro projeto da Associação
de Sousa; de Minas Gerais, Flávio Neves
e Irene Lustosa. A fala de Madre Cristina Brasileira de Psicotécnica participou das
(1953-1954) teve como tema a formação do discussões dessa comissão. Os membros da

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ABP que compareceram ao Congresso – e de codificação da profissão (Ginsberg,


Marcus Vinicius Machado Vieira, Alfredo 1954, p. 106). Tal projeto foi discutido no
de Oliveira Pereira, Armando Vaz de plenário do Congresso, aprovado e entregue
Carvalho e Major Manoel Carlos de Souza a uma comissão de professores de Psicologia
Ferreira – fizeram parte da comissão de que se incumbiu da redação final e do
encaminhamento para o Ministro da Educação
psicodiagnóstico e psicotécnica que discutiu
e Cultura. A presidência dessa comissão seria
questões ligadas aos seguintes testes:
exercida por Nilton Campos, secretariado
inteligência, personalidade, Max Pfister,
por Anita Cabral. Nilton Campos era opositor
Rorschach, Olmo, Wartegg e escala de
dos processos desenvolvidos no ISOP. Era
Bogardus. Mira y Lopez proferiu uma
professor de Psicologia Geral, desde 1944,
conferência solene sobre novas orientações
na seção de Filosofia da Faculdade Nacional
no exame da inteligência(Arquivos Brasileiros
de Filosofia e, como tal, trabalhava com as
de Psicotécnica, 1953, p. 132). teorias psicológicas no contexto universitário,
sem possibilidade de desenvolver uma prática
Outras comissões tiveram como tema: que se contrapusesse ao trabalho do Instituto
Psicologia geral, Psicologia infantil e de Mira y Lopes, e era também presidente
psicopedagogia, psicopatologia, psicoterapia da Sociedade Brasileira de Psicologia (Rio
e psicanálise, Psicologia social e jurídica. de Janeiro). A comissão, constituída durante
o Congresso, realizou várias reuniões no Rio
Comparando os resultados da discussão da de Janeiro. Nilton Campos foi substituído
Comissão I, que trabalhou com a temática por Lourenço Filho, professor da mesma
ensino de Psicologia e profissão do psicólogo instituição que Nilton, mas um dos autores
,
e o projeto já enviado para o Ministério do projeto do ISOP. Participaram ainda das
da Educação pela Associação Brasileira de reuniões dessa comissão: Arrigo Angelini,
Psicotécnica, várias questões conflitantes se Madre Cristina e Pedro Parafita Bessa (de
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 7/18
17/08/2017 A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam...
Psicotécnica, várias questões conflitantes se Madre Cristina e Pedro Parafita Bessa (de
evidenciam: a formação devia ser realizada Minas Gerais). Segundo Morais (1999), essas
integralmente em faculdades de Filosofia reuniões ocorreram no mês de janeiro de
(apoiada pela comissão) x parte da formação 1954, e, além dos já mencionados, estiveram
presentes: Pórcia Guimarães Alves e Gabriel
seria realizada em faculdades, e a outra em
Munhoz da Rocha (Paraná), Hanns Ludwig
instituições envolvidas com a Psicologia
Lippmann (Rio de Janeiro) e Anísio Mosca
aplicada, com mandato universitário
de Carvalho e Henrique Justo (Rio Grande do
(apoiada pela Associação Brasileira de
Sul). Ramozzi-Chiarottino (2001) relata que
Psicotécnica – ABP); a denominação e o
foram realizadas várias reuniões, acrescenta
nível de profissionalização: o psicologista, o
à lista anterior de participantes os nomes de
técnico (defendido pela ABP) e o psicólogo Antonio Gomes Penna (Rio de Janeiro) e João
(defendido pela comissão), assim como Mendonça (Bahia) e reproduz, em seu livro,
a valorização da ciência (defendida pela uma ata da 3ª reunião dessa comissão, que
comissão), inexistente no projeto. Não ocorreu em 30 de janeiro. Morais (1999, p.
expresso no grupo, mas implícito, estava, 90) menciona que houve muita divergência
possivelmente, a questão de os técnicos no grupo, principalmente entre as propostas
serem profissionais que se subordinariam do Rio de Janeiro e São Paulo na questão
aos médicos, ideia que posteriormente foi da formação do profissional em Psicologia.
muito criticada. Alguns dos participantes consideravam que a
formação poderia ficar a cargo de instituições
A Comissão I elaborou, como documento não universitárias, e outros eram contra
final, um projeto de formação de psicólogos essa ideia, propondo que a formação só

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PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO, Marisa Todescan Dias da Silva Baptista
2010, 30 (núm. esp.), 170-191

fosse realizada em faculdades de Filosofia. Angelini, Oswaldo de Barros, Ligia Amaral,


Também as questões da denominação do José Novaes Pastrenostro, Anita Cabral,
profissional, do nível de profissionalização e Carolina Bori, Romeu Almeida, Nelson Pires,
da subordinação ou não aos médicos podem Ana Maria Poppovic e Mathilde Neder. Essas
ter influenciado o resultado. Como esse reuniões foram realizadas na sala da Cátedra
material não foi publicado, não há certeza de Psicologia da Educação da USP, na Rua
sobre o seu conteúdo, mas ele foi entregue ao Dr. Vila Nova (Boletim de Psicologia , 1957,
Ministério de Educação e Cultura, tal como pp. 31-34).
consta do Parecer nº 412 da Comissão de
Ensino Superior do Ministério de Educação É importante ressaltar que, no final da década
e Cultura (Brasil, 1959b, pp. 3-4). de 50, mais duas sociedades de Psicologia
haviam sido criadas, uma em Minas Gerais
Em abril de 1955, foi realizado oI Seminário e outra no Rio Grande do Sul. A Sociedade
Latino-americano de Psicotécnica . As Mineira de Psicologia foi fundada em Belo
entidades que participaram da organização Horizonte, em 1958. Participaram da
foram: Associação Brasileira de Psicotécnica, fundação, entre outros, Helena Antipoff
Confederação Nacional das Indústrias, (eleita sua primeira presidente), Daniel
IDORT, IBECC, CAPES, SENAC, CNPq, SENAI Antipoff (secretário), Ângelo Correa Viana
e FGV. Parte do seminário realizou-se no (tesoureiro), José Nava (publicações), Pedro
Rio de Janeiro (dias 18-20) e parte em São Parafita de Bessa, (diretor científico), Halley
Paulo (dias 21-23). Entre outros temas, foi Alves Bessa (comissão fiscal) e Pierre Weil
discutida a questão da formação de pessoal (noticiário dos Arquivos Brasileiros de
especializado, e as conclusões aprovadas Psicotécnica , 1958). No Rio Grande do
por unanimidade em relação a esse tema Sul, em 1º de julho de 1959, foi criada
foram: 1) solicitar à Associação Brasileira a Sociedade de Psicologia, cujo ato de
de Psicotécnica que examinasse todos os fundação foi assinado por 21 profissionais:
projetos de curso já existentes ou a serem Alfredo Richter, Ana Íris do Amaral, Arthur
iniciados, 2) solicitar pareceres de todos de Matos Saldanha, Edela Lanzer Pereira
quantos desejassem se manifestar sobre de Souza, Elmira Flores Cabral, Emília
o assunto, e 3) elaborar um programa ou Flores, Flávia Sant’Ana, Francisco Pedro
plano geral (Benkö, 1955). No discurso da E. Pereira de Souza, Graciema Pacheco,
sessão inaugural do evento, Lourenço Filho Isolde Sylvia Bechlin, Ítala Maria Gobbi,
(1955) enfatizou a “importantíssima questão José Carlos Fenianos, Juracy Marques,
da formação regular e do status legal dos Jurema Alcides Cunha, Leda Jenisch Raya,
trabalhadores da Psicologia aplicada” (p. 12). Maria Helena Câmara Schmit, Nilo Antunes
Maciel, Nadir Saldanha da Rocha, Suely
Teitelbaum e Salomé Hemb. Foi escolhido
A Sociedade de Psicologia de São Paulo
promoveu várias reuniões no ano 1957 para como presidente Arthur de Mattos Saldanha
discutir a questão da regulamentação. Essas (Museu Virtual de Psicologia). Essas duas
reuniões foram organizadas por Rachel Vieira sociedades também se mobilizaram para
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 8/18
17/08/2017 A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam...
reuniões foram organizadas por Rachel Vieira sociedades também se mobilizaram para
da Cunha, chefe da III Divisão da Sociedade, discutir a regulamentação.
que abrangia as áreas de psicopatologia,
Psicologia clínica, correcional e higiene No ano 1958, foi elaborado, pela Comissão
mental. São mencionados como participantes, de Ensino Superior do Ministério de Educação
entre outros: Aniela Ginsberg, Aidyl Macedo e Cultura, o Projeto de Lei nº 3825-A, de
de Queiroz, Odette Lourenção, Enzo Azzi, 1958, referente à formação de psicologistas
Madre Cristina, Dante M. Leite, Arrigo no Brasil. Essa comissão era composta por

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CIÊNCIA E PROFISSÃO, Marisa Todescan Dias da Silva Baptista
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Lourenço Filho (que trabalhou como relator), Noruega, França, Suíça, EUA, Argentina,
Cesário de Andrade, Samuel Líbano, Pedro Cuba, México e Chile, considerando que
Paulo Penido, Nelson Romero, José Barreto em todos haveria dois níveis de formação:
Filho, Paulo Parreiras Horta. O complemento um preliminar, com iniciação teórica-prática,
desse projeto foi o Parecer nº 412 (Brasil, e outro de especialização técnica. Ambos
1959b). eram realizados no âmbito universitário, em
faculdades de Filosofia, considerando que, em
O texto do Parecer nº 412, aprovado em alguns países, havia também a utilização de
20/09/1957, que teve como relator Lourenço estágios em instituições oficiais ou privadas.
Filho, historia o processo de trabalho vivido
pela comissão. Inicia relatando um fato A seguir, o Parecer analisa a necessidade e
ocorrido em 1951, quando o Ministério da a possibilidade de formação do psicologista
Educação recebeu uma consulta de pessoa no Brasil, partindo das diferentes propostas
interessada em abrir um “consultório de que chegaram ao Conselho. Quanto às
formação e correção psicológica”. Foi então diferentes sugestões apresentadas, considera
delegado, ao Conselho Nacional de Educação, que existiam divergências com relação à
o estudo sobre a formação e a regulamentação formação de licenciados, de técnicos ou de
da profissão. O Conselho solicitou aos profissionais mais especializados, e menciona
órgãos relacionados à Psicologia naquela o fato de a ABP ter sugerido que a formação
época que se pronunciassem a respeito: da licença pudesse ser realizada em outras
Associação Brasileira de Psicotécnica, autora instituições que não as universitárias, assim
da primeira proposta, em 1953; Sociedade como a opinião contrária a essa proposta de
Brasileira de Psicologia (Rio de Janeiro); muitos professores universitários. Sendo assim,
Associação Brasileira de Psicólogos (criada confirma a necessidade dessa formação para a
em São Paulo, no ano 1954, para discutir realidade brasileira, mas sugere, tendo em vista
a questão da profissão em nível nacional a realidade das instituições de ensino superior
(Morais, 1999); Sociedade de Psicologia de existentes no período, que a autorização e
São Paulo; Associação Mineira de Psicologia; o reconhecimento dos cursos levassem em
Instituto de Psicologia da Universidade do consideração as condições necessárias ao
Brasil; outras entidades interessadas na ensino, não só quanto às instalações mas
matéria (responsáveis pela proposta surgida também quanto aos serviços abertos ao
do I simpósio das Faculdades de Filosofia); público. Finalmente, o Parecer estabelece que
I Congresso Brasileiro de Psicologia e I a regulamentação da Psicologia clínica deveria
Seminário Latino-americano de Psicotécnica. ocorrer no âmbito da regulamentação da
O Parecer nº 412 trata, ainda, de vários profissão médica, sugerindo que as Faculdades
outros aspectos: da denominação psicologista de Medicina disciplinassem a especialidade
a ser dada ao profissional – considerada (Brasil, 1959b).
mais adequada do que a de psicólogo
(muito ampla) e a de psicotécnico (muito Em 20/09/1957, a Comissão de Ensino
restrita). O Parecer ressalta a importância Superior enviou para o Ministro da Educação,
da regularização da formação regular, frente Clóvis Salgado, o Parecer nº 412, assim como
à realidade de vários autodidatas estarem o Projeto nº 3825-A, que regulamentava a
exercendo as atividades, e informa que, na formação e a profissão de psicologista. O
época, já existiriam mais de mil profissionais art. 1º do projeto estabelece: “ a formação
trabalhando na área. Menciona, também, em Psicologia científica e aplicada far-se-á
o tipo de formação utilizada em vários nas faculdades de Filosofia em cursos de
outros países: Inglaterra, Bélgica, Holanda, bacharelado e de licença” (p.87). A formação

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era prevista em dois níveis: o curso de instâncias que praticavam a Psicologia para
bacharelado (em três anos), composto cada a elaboração do projeto, tal como constava
ano por um conjunto de quatro disciplinas do Parecer nº 412. O Ministro justificou
obrigatórias (estabelecidas no projeto), e também o tipo de formação proposto,
duas a serem escolhidas pela instituição apontando a preocupação de não focar
de uma lista de 12 disciplinas proposta só no aspecto técnico mas também no
pela lei. O segundo curso era de licença, humano, considerando ainda a necessidade
a ser efetivado em dois anos. O primeiro de serem propostas atividades práticas e, em
ano era considerado de ensino comum, consequência, a preparação das instituições
e o segundo possuía duas modalidades: para que tal pudesse ocorrer. Acentuou,
pesquisa e ensino e aplicação. O diploma de novamente, a questão de a Psicologia clínica
bacharel habilitaria o formando a trabalhar ser de responsabilidade das faculdades de
como psicologista auxiliar nos serviços de Medicina (Brasil, 1959a).
Psicologia; o diploma no curso de licença, na
modalidade ensino e pesquisa, permitiria ao Em 19 de março de 1958, o Presidente
profissional exercer as funções de orientador Juscelino Kubitschek, através da Mensagem
educacional em estabelecimentos de ensino, nº 47-58, encaminhou o Projeto de Lei nº
e, após um ano de exercício nessa função, 3825-A ao Congresso Nacional. Esse projeto
dirigir serviços aplicados à educação. Os obteve, em 22/10/1958, parecer positivo da
diplomados em licença aplicada poderiam Comissão de Constituição e Justiça, através de
organizar e dirigir serviços de Psicologia seu presidente, Joaquim Duval, que o enviou
aplicada à educação e ao trabalho. Nos para parecer da Comissão de Educação e
serviços de Psicologia clínica, os licenciados Cultura (Brasil, 1959c).
só poderiam exercer as funções de assistentes
técnicos, e não poderiam organizar ou dirigir Essa proposta, elaborada pelo Conselho
tais serviços. Para que o curso de Psicologia Nacional de Educação, tenta equacionar
pudesse ser autorizado, a faculdade de algumas das ideias surgidas nas várias
Filosofia interessada teria que, além de discussões anteriores: a importância do
organizar um instituto de Psicologia, com reconhecimento da Psicologia como
serviços abertos ao público, já possuir científica e as necessidades decorrentes
cursos de pedagogia/Filosofia “em regime de desse fato. Para justificar a formação em
reconhecimento” (p.89), e, quando incluísse cursos superiores e não desagradar os que
serviços de Psicologia clínica, estes deveriam haviam proposto somente uma formação
ser dirigidos por um médico especializado técnica, o Conselho cita as experiências
em psiquiatria (Brasil, 1959b). de outros países, as opiniões contrárias e
menciona a necessidade de adequação das
O Ministro Clovis Salgado acrescentou, instituições de ensino superior para que
a esses dois documentos, a Exposição pudessem oferecer uma formação adequada.
de Motivos nº 112/1958, e, a seguir, A proposta atende também as expectativas
encaminhou o processo ao Presidente da da classe médica, na medida em que sugere
República. Nessa exposição, justificou a que a formação em Psicologia clínica deveria
importância da Psicologia para a sociedade permanecer junto aos cursos de Medicina.
brasileira, em processo de desenvolvimento, Matilde Neder, em entrevista, refere-se a
citando a inexistência, naquele momento, esse projeto como o “projeto dos médicos”,
de formação específica que tivesse objetivos talvez por terem sido, pela primeira vez,
científicos e éticos. Acentuou a história explicitadas as discordâncias dos médicos
do processo de consulta às diferentes em relação ao fato de os psicólogos poderem

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CIÊNCIA E PROFISSÃO, Marisa Todescan Dias da Silva Baptista
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atuar com psicoterapia, considerada, até O substitutivo foi acompanhado por uma
então, atividade específica dos médicos. justificativa elaborada por Dante Moreira
Esse fato desagradou profundamente os Leite, que continha várias críticas ao Projeto
que já exerciam a profissão de psicólogo, nº 3825-A, e sugestões de várias modificações.
principalmente os que atuavam em clínica, A justificativa ao substitutivo ressalta que o
por permanecerem sem o reconhecimento projeto não atenderia as necessidades da
oficial à sua atividade, e mais ainda, formação de um profissional que pudesse
subordinados aos médicos. ser equiparado à formação de “outras
carreiras liberais, e que o psicólogo, uma

A avaliação de que esse projeto não atendia vez diplomado, deveria exercer os seus
os interesses dos psicólogos fica registrada misteres com inteira responsabilidade,
no Relatório de Diretoria da Sociedade de sem o patrocínio ou a tutela de outros
Psicologia de São Paulo, que atuou durante profissionais” ( Revista de Psicologia Normal
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 10/18
17/08/2017 A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam...
sem o patrocínio ou a tutela de outros
Psicologia de São Paulo, que atuou durante profissionais” ( Revista de Psicologia Normal
o biênio 57/58, que esclarece as atividades e Patológica , 1958, p. 397). A justificativa
efetuadas em relação a esse Projeto de Lei sugere a formação em seis anos, em vez de
(Boletim de Psicologia , 1959). Segundo cinco previstos pelo Projeto, a inclusão em
depoimento de Matilde Neder, foram
seu currículo de disciplinas científicas, que
marcadas muitas assembleias para discutir a
pudessem ampliar a perspectiva técnica, a
questão até que resolveram transformá-las
denominação psicólogo, e não psicologista, a
em assembleia permanente. Segundo ela,
ser dada ao profissional, e critica a organização
ficava configurada a seguinte situação: as
da profissão em dois níveis (psicologista e
pessoas mais presentes e mais interessadas
psicologista auxiliar), esclarecendo que tal
eram as que trabalhavam com atividades
divisão ocasionaria confusão junto ao público
clínicas. Nader avalia que os que atuavam
em geral. O documento aponta, ainda, uma
em Psicologia do trabalho não se sentiam
distorção nas atribuições dos médicos x
tão incomodados com as propostas do
psicólogos, considerando que a formação
projeto oficial, pois havia no mesmo um
especializada do psicólogo, durante seis anos,
reconhecimento de suas atividades, por
não permitia que o mesmo pudesse assumir
isso sua partipação era menor. O grupo que
a direção dos serviços de Psicologia clínica,
não se sentia protegido, segundo ela, era o
mas ressaltava que um médico que cursasse
que atuava na clínica. Como as assembleias
não estavam resolvendo a questão, foi apenas seis meses da disciplina Psicologia
organizada uma comissão composta por poderia ser diretor, e amplia essa crítica
Odette Lourenção, Aidyl Macedo Queiroz, referindo-se ao fato de ter sido atribuída às
Carolina Bori e Mathilde Neder, que estudou faculdades de Medicina a responsabilidade
a legislação e analisou o projeto encaminhado pela formação do clínico. A justificativa avalia
à Câmara Federal. Essa comissão discutiu que esses equívocos ocorreram em função
em reunião, com os membros das duas de a Psicologia não estar sendo considerada,
associações (Sociedade de Psicologia de São ainda, uma ciência independente, e sugere
Paulo e Associação Brasileira de Psicólogos), que a Psicologia clínica, incluída no currículo
se deveriam apresentar emendas ou um do substitutivo, deveria formar o aluno
substitutivo ao projeto, tendo sido vencedora para atuar com diagnóstico psicológico
a última opção. Esse substitutivo ao Projeto e tratamento de distúrbios emocionais,
nº 3825-A/58 foi enviado para o Ministério de prevendo ainda que esse mesmo aluno fosse
Educação e Cultura em nome da Associação submetido à psicoterapia como elemento
Brasileira de Psicólogos e da Sociedade de de formação ( Revista de Psicologia Normal e
Psicologia de São Paulo. Patológica, 1958).

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As propostas desse substitutivo foram: Segundo depoimento de Anita Cabral (Morais,


formação nas faculdades de Filosofia em 1999), Adaucto Cardoso foi contatado por
dois níveis de curso: bacharelado, cursado seu irmão, Carlos Castilho Cabral, Deputado
em três séries: 1ª e 2ª com seis disciplinas Federal e vice-presidente da bancada paulista.
básicas cada uma, e a 3ª, com quatro básicas O depoimento de Mathilde Neder revela
e duas a cargo da faculdade, e licença, outro caminho pelo qual o mesmo Deputado
também composta por três séries: a 1ª e teria sido localizado. Mathilde relata que era
a 2ª, com cinco disciplinas comuns, e a amiga de Therezinha Lins de Albuquerque
3ª, com disciplinas específicas a cada uma (psicóloga que atuava no Rio de Janeiro),
das três modalidades: Psicologia Aplicada que, por sua vez, era amiga de Elisa Veloso,
ao Trabalho, Psicologia Aplicada à Escola e psicanalista e amiga de outra psicanalista,
Psicologia Clínica. Estavam ainda incluídos esposa do deputado Adaucto Cardoso.
na licença estágios obrigatórios de 12 horas Através dessa cadeia de amizades é que o
semanais, havia a previsão de realização mesmo se dispôs a analisar o substitutivo
de terapia em grupo no 2º ano da licença, enviado por São Paulo, só que concluiu que
e, para os alunos de clínica, uma terapia eram muitas as emendas e elaborou um novo
individual no 3º ano. Ao aluno concluinte projeto. A Comissão de Educação e Cultura
do 1º ano de licença que fosse aprovado em que aprovou esse substitutivo, elaborado
Didática Geral e Especial, seria conferido o e defendido por ele, era formada por 14
diploma de licenciado, que lhe dava o direito deputados. O Deputado Lauro Cruz, que
de ministrar a disciplina Psicologia. O aluno assumiu posteriormente a defesa do Projeto,
que concluísse o currículo todo deveria era um dos componentes desse grupo.
receber o título de psicólogo, e teria como
atribuições privativas: “direção e execução de Adaucto, em seu parecer, menciona uma

serviço de diagnóstico psicológico, aplicação, comparação que havia feito entre o Projeto
avaliação e interpretação de provas e testes nº 3825-A, encaminhado pelo presidente à
psicológicos, realização de aconselhamento Câmara dos Deputados, e o substitutivo de
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 11/18
17/08/2017 A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam...
psicológicos, realização de aconselhamento Câmara dos Deputados, e o substitutivo de
psicológico, emprego de técnicas psicológicas autoria das duas associações de Psicologia
no tratamento de distúrbios emocionais, de São Paulo. Considera o substitutivo mais
seleção e orientação de pessoal” (Revista de exigente, “dando à Psicologia, como profissão,
Psicologia Normal e Patológica , 1958, p. 396). garantias de subsistência digna, mas afastando
Há ainda especificações sobre as condições privilégios injustos nos quadros burocráticos,
de autorização dos cursos e as condições nas cátedras, nas tabelas de vencimentos ou
para registro dos que já exerciam a profissão. em quaisquer outras situações” (Brasil, 1959e,
p. 105). São efetuadas algumas críticas em
Segundo relatos de Angelini e de Mathilde relação ao substitutivo: quanto ao nome do
Neder, antes de ser encaminhada para profissional, Adaucto Cardoso dá preferência
o Conselho Nacional, essa proposta foi ao de psicologista, sugere uma ampliação na
avaliada pela Associação Mineira e por alguns parte prática, a exigência de monografia final
profissionais do Rio de Janeiro: Pe. Benkö, e de análise pessoal completa para os que
Aroldo Rodrigues e outros que trabalhavam se dedicassem à Psicologia clínica; explicita
no ISOP. que as divergências que apareceram entre
o projeto nº 3825-A e o substitutivo de
O Parecer da Comissão de Educação e São Paulo revelavam uma disputa entre a
Cultura de 22 de junho de 1959, que Psicologia e a Medicina, sugerindo que, em
analisou o substitutivo, foi assinado pelo vez de competirem, deveriam colaborar na
deputado Adaucto Cardoso, seu relator. constituição de equipes, e também destaca

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que a formação dos professores de Psicologia da Revista de Psicologia Normal e Patológica


não deveria ser menor do que a formação (1959, pp. 220-221), Enzo Azzi declara ter
do psicólogo. recebido um ofício do Centro de Estudantes
do Instituto de Psicologia da Pontifícia
Esse segundo substitutivo, denominado Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
Adaucto Cardoso, é, em alguns veículos, datado de 24/4/59. Nesse ofício, os estudantes
denominado Projeto nº 3825 B, e prevê a manifestavam apoio ao substitutivo enviado,
formação do psicologista em seis anos: os mas sugeriam que fosse dada nova redação
três primeiros anos constituiriam o curso de aos casos de credenciamento para os que já
bacharel, como um currículo fixo. As três séries exerciam a profissão.
seguintes constituiriam o curso de licença. As
Por outro lado, os Arquivos Brasileiros de
duas primeiras séries seriam compostas por
Psicotécnica (1960, p. 1) publicam Memorial
estudos comuns e a terceira seria dividida em
encaminhado aos Srs. Deputados, a propósito
três áreas: Psicologia aplicada ao trabalho,
da regulamentação da profissão depsicologista.
Psicologia clínica e Psicologia aplicada à
A elaboração desse documento foi sugerida
escola. O substitutivo estabelece também
por 60 psicólogos que já trabalhavam no ISOP
trabalhos práticos obrigatórios durante
há 13 anos. Foram feitas três solicitações: 1)
todo o curso, e, no final, um trabalho a ser
que, na formação da comissão de registros,
apresentado e defendido. Para obtenção
fosse incluída, além das associações paulistas,
da licença em Psicologia clínica, o aluno
a Associação Brasileira de Psicotécnica, que
deveria comprovar ter concluído análise
congregava, naquele momento, a maior parte
pessoal a cargo de profissional credenciado
dos especialistas, 2) que o registro pudesse ser
pela Sociedade Internacional de Psicanálise.
obtido pelos que trabalhavam há dois anos,
São estabelecidas, como funções privativas e não cinco, conforme o texto, e 3) referente
dos psicologistas: diagnóstico psicológico, às atribuições do formado em Psicologia,
orientação e seleção profissional, orientação propunham a) como função privativa, a
educacional e solução de problemas de utilização de métodos e técnicas psicológicas
ajustamento que não se enquadrassem na visando: ao diagnóstico psicológico, à
área da psicopatologia, específica da profissão orientação e à seleção psicológica e à
médica. Essa última atribuição mostra assistência psicológica, b) a exclusão, como
substancial mudança de linguagem e de função, da área psicopatológica, específica
conceitos em relação ao texto enviado pelas do médico, c) a colaboração em assuntos
duas associações paulistas, que se referiam psicológicos a outras disciplinas. Nesse
a tratamento de distúrbios emocionais . Em momento, a questão que inicialmente foi
depoimento, Mathilde Neder menciona ter defendida pelos membros do ISOP, a dupla
sido sua a ideia de substituir a terminologia. formação em faculdades de Filosofia e
Quanto às condições para autorização em centros de Psicologia aplicada, não foi
dos cursos, entre outras, seria exigido da retomada, o que sugere que a proposta do

instituição que comprovasse a possibilidade projeto ministerial havia sido aceita. Mas
de manter um corpo docente habilitado ainda havia, de sua parte, a preocupação em
nas disciplinas a serem oferecidas, além da preservar o espaço médico e interferir nas
organização de serviços clínicos, de aplicação regras que seriam propostas para o registro
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 12/18
17/08/2017 A regulamentação da profissão psicologia: documentos que explicitam...
nas disciplinas a serem oferecidas, além da
organização de serviços clínicos, de aplicação regras que seriam propostas para o registro
à educação e ao trabalho, abertos ao público dos que já exerciam a profissão, assim como
(Brasil, 1959e). participar da comissão que se responsabilizaria
por esses registros. Esse último aspecto
Foram localizadas duas sugestões de também preocupava os estudantes do Rio
modificação desse substitutivo. No noticiário Grande do Sul que haviam se manifestado.

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O substitutivo Adaucto Cardoso também Parecer Alcântara-Cabernite; em 1980, o


não foi aprovado, pois não conciliava Projeto Julianelli; em 2002, o ato médico.
os diferentes interesses envolvidos, de
políticos, médicos, psicotécnicos, psicólogos É importante mencionar alguns fatos ocorridos
e governo. Mathilde Neder, em entrevista, concomitantemente ao processo de discussão
menciona a pressão feita por aqueles que ela da regulamentação. Internamente ao campo
denomina médicos novos, que pertenciam da Psicologia, outros cursos de graduação
principalmente a um grupo de jovens foram criados; o da USP, em 1958, em função
psiquiatras que trabalhavam no Juqueri. de uma legislação estadual, era um curso de
Angelini (1994) também se refere à resistência bacharelado realizado em três anos. Em 1959,
dos médicos explicitando que clínica e em Belo Horizonte, também foi constituído
psicoterapia eram consideradas expressões o Curso de Graduação em Psicologia na
privativas do médico. Odette Lourenção Pontifícia Universidade Católica (Boschi &
Van Kolk (1989, 1990) complementa, Marçolla, 2009). No mesmo ano (1959), o
mencionando ainda a existência de grande Curso de Especialização de Psicólogos da
número de deputados médicos contrários à PUC/RGS amplia seu currículo para três anos
aprovação da regulamentação. Tal questão e passa a atribuir o título de psicólogo aos
já vinha sendo apontada desde o início concluintes (Gomes, Lhullier, & Leite, 1999).
da década pelos alunos dos cursos de
especialização mantidos pela Universidade A realidade brasileira também estava se trans-
de São Paulo. Um dos depoimentos contidos formando. O desenvolvimento econômico,
na tese de Botelho (1989, p. 121) menciona que se iniciou a partir de meados da década
o movimento dos médicos contra a utilização de 50, com o governo Juscelino Kubitschek,
da terapia por psicólogos. Esse movimento a internacionalização do mercado, o milagre
foi liderado, segundo o depoente, por um econômico, a entrada da lógica neoliberal,
psiquiatra famoso, que havia sido diretor a ascensão da classe média, a ampliação
do Manicômio Judiciário, e que exigia o do poder da mídia e, posteriormente, o
fechamento do Curso de Especialização golpe de 64, criaram novas necessidades e,
em Psicologia Clínica da USP, mas os principalmente, exigiram novas aplicações
alunos se movimentaram e conseguiram da Psicologia.
impedir o fechamento. Essa disputa entre
médicos e psicólogos sistematicamente Mancebo (1999a) relata a introdução,
volta à cena. Antonio Gomes Penna relata nesse momento, do que ela chama de
um fato interessante ocorrido em 1967, cultura psicológica, com uma perspectiva
quando da organização do currículo do 5º individualista e intimista, que confirma o
ano do curso de Psicologia da Faculdade ideal da lógica liberal capitalista apregoando a
Nacional de Filosofia: os médicos psiquiatras liberdade de escolha e de oportunidades iguais
pertencentes ao Departamento de Psiquiatria para todos. Em outro artigo (Mancebo, 1999b,
consideravam que a disciplina Teoria e p. 149), ela afirma que “o sujeito psicológico
Técnicas Terapêuticas não deveria ser passa a ser a medida de todas as coisas. ...
ministrada aos psicólogos por ser exclusiva Não constitui mais um homem econômico
da especialidade médica (Penna, 1999). Tal ou político, mas um indivíduo portador de
querela só foi resolvida com a interferência especificidades internas particulares, que
do reitor, que intercedeu a favor do curso se tornam a referência dominante para a
de Psicologia. Jacó-Vilella (1999) relembra análise de si e do mundo”. Para a autora, é
outros episódios, com o mesmo significado, essa cultura que estimula a regulamentação e
ocorridos em outras datas: em 1973, o a criação dos primeiros cursos de formação,

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além de contribuir com “teorias, técnicas e Psicologia. Foi elaborado, nessa reunião,
modelos de intervenção” para a manutenção um memorial de seis páginas datilografadas,
da sociedade psicologizada. denominado Respostas e sugestões às
questões surgidas em reunião de 27/12/60 ,
Outros autores ampliam essa análise. seguindo a ordem e numeração do substitutivo
Coimbra (1999) denomina esse movimento Adaucto Cardoso, que, posteriormente, foi
de “psicologização da vida social e política”, defendido por Lauro Cruz. No noticiário
com ênfase na atividade clínica curativa desse mesmo boletim, consta o envio de um
decorrente de uma perspectiva que via telegrama de agradecimento ao Deputado,
inicialmente crianças como problemas, por parte da Sociedade de Psicologia de
carentes, com dificuldades, e que eram, São Paulo e da Associação Brasileira de
posteriormente, consideradas desadaptadas, Psicólogos, pelo empenho na aprovação da
difíceis. Para ela, não se considerava a lei (Brasil, 1962, p. 77).
prevenção como uma tarefa importante da
Psicologia. No número 42 do Boletim de Psicologia
(1961), há uma notícia sobre a Sociedade
Bernardes (2004) acrescenta ainda que tal de Psicologia de São Paulo ter recebido da
perspectiva justifica as desigualdades sociais a Sociedade Mineira de Psicologia as emendas
partir do próprio indivíduo, considerado livre, que a mesma havia proposto ao Projeto nº
autônomo, consciente de si, independente, e, 3825B, de 1958. Segue-se o comentário
em consequência, responsável, assim como de que as emendas não puderam ser
sua família, pelos seus desajustamentos. incluídas porque o substitutivo já estava em
Nesse sentido, as demandas sociais e mãos da Comissão de Educação e Cultura
políticas são transformadas em demandas da Câmara Federal. O mesmo noticiário
psicológicas. É essa trama caracterizadora da registra que a Associação Universitária de
situação que permite entender o momento Estudos Psicológicos (representando os
em que os debates sobre a regulamentação alunos do curso de Psicologia da FFCL USP/
atingiram seu ápice. SP) havia organizado uma campanha pela
regulamentação do curso de Psicologia já
Descontentes com a não aceitação do existente na instituição e pela oficialização
substitutivo, as associações de São Paulo da profissão de psicólogo.
marcaram encontros para discutir e
propor novas reformulações. Segundo Após inúmeros embates, algumas mudanças
relato de Mathilde Neder, a presidente foram propostas ao último projeto, dentre
da Sociedade de Psicologia de São Paulo, as quais a divisão do curso de formação
Carolina Bori, recebeu um telefonema em três etapas (diferentemente das duas
do senador Lauro Cruz informando que etapas propostas anteriormente): curso de
havia uma pressão dos médicos para não bacharel, de licenciado e de psicólogo. Não
aprovarem na regulamentação o que se há especificação, como no projeto anterior,
relacionasse à psicoterapia, mas dispunham- do número de anos de cada um dos cursos. A
se pessoalmente a trabalhar para a aprovação formação de psicólogo voltado para a clínica
do projeto. Correspondências entre Lauro também não previa análise pessoal. Outra
Cruz e Carolina Bori tiveram como resultado diferença em relação ao projeto anterior
a participação do primeiro em uma reunião foi a mudança na formulação de duas das
realizada no dia 27/12/60, em São Paulo. funções privativas: a orientação educacional
Participaram dessa reunião 20 psicólogos, passou a orientação psicopedagógica, e a
representando 26 entidades paulistas de solução de problemas de ajustamento não

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aparece acompanhada de ressalvas. Essa complementa essas avaliações: “a formação. ..


proposta é transformada na Lei nº 4119, de se orienta para um profissional com uma
27/08/1962, que “dispõe sobre a formação concepção tecnicista e fragmentada de seu
em Psicologia e regulamenta a profissão de saber, especializada em torno de uma lógica
psicólogo”, que foi assinada pelo presidente individualista, de uma relação dual, asséptica,
João Goulart e subscritada por Brochado ahistórica, centrada em seu consultório. ..”
da Rocha e Roberto Lyra (Brasil, 1962, pp. As críticas aos currículos instituídos vêm
71-76). acompanhando o processo histórico da
Psicologia, e foram vários os momentos de
Em 17/12/1962, foi aprovado o Parecer retomada da reflexão sobre esse processo
nº 403, elaborado pelas Comissões de e sobre as propostas de transformação

Ensino Superior e de Legislação e Normas (Bernardes, 2004).


do Conselho Federal de Educação, que
trata do currículo mínimo e da duração do Logo após a aprovação da Lei, foi nomeada,
curso de Psicologia. Segundo a justificativa pelo Ministro da Educação, uma Comissão
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trata do currículo mínimo e da duração do
curso de Psicologia. Segundo a justificativa pelo Ministro da Educação, uma Comissão
que acompanha o Parecer, essas comissões de Avaliação de Registros de Diplomas
trabalharam com vários profissionais da constituída por Lourenço Filho (presidente da
Psicologia: Lourenço Filho, Nilton Campos comissão) e pelo Pe. Antonius Benkö, ambos
(Universidade do Brasil), Carolina Bori do Rio de Janeiro, por Carolina Bori e Enzo
(USP), Pe. Antonius Benkö (PUC/RJ) e Pedro Azzi, de São Paulo, e por Pedro Parafita Bessa
Parafita Bessa (UFMG). O Parecer propunha (Minas Gerais) (Boletim de Psicologia, 1962,
quatro anos para a formação do bacharel e pp. 76-77). A análise dos processos só se
licenciado, e o quinto, para a formação de encerrou no início da década de 70, o que,
psicólogo. O currículo previa um elenco de alguma forma, pode ser explicado pelas
de matérias comuns e outro de disciplinas questões já colocadas no último substitutivo
específicas para a formação de psicólogo: sobre a questão dos registros. Houve também
duas fixas e uma variável, e a exigência de muitos embates e conflitos a respeito durante
um estágio supervisionado de 550 horas todo o período, e até hoje há questões
(Brasil, 1963, n. 1-2). levantadas sobre a pertinência do processo
de reconhecimento.
Alguns pesquisadores expressaram seu
ponto de vista sobre a formação proposta No ano seguinte à aprovação da Lei nº
por essa legislação. Para Jacó-Vilela (1999), 4119/62, ocorreu em Campinas, no âmbito
há um “caráter científico” nessa proposta da XV Reunião Anual da Sociedade Brasileira
de currículo, que, segundo ela, tinha como para o Progresso da Ciência, um simpósio
fundamento o positivismo evidenciado promovido pela Associação Brasileira de
na diferenciação entre a formação básica Psicólogos e pela Sociedade de Psicologia de
(bacharelado teórico) e a aplicada (formação São Paulo, que teve como temaA situação atual
técnica do psicólogo). Coimbra (1999, p. da Psicologia no Brasil. O objetivo era discutir
81) concorda com essa avaliação de Jacó, questões que passaram a ser significativas após
ressaltando os pressupostos contidos na a regulamentação da profissão: a questão da
proposta: cientificidade, neutralidade, seleção para frequentar o curso, do currículo,
objetividade e tecnicismo. A inclusão, no das disciplinas e técnicas a serem ensinadas,
currículo, do behaviorismo, da psicanálise das modificações na formação provocadas
e da Psicologia experimental provocaria, pela Lei, como deveriam ser equacionadas a
segundo ela, uma “psicologização da vida formação básica e técnica ou especializada
social e política”. Bernardes (2004, p.100) e a relação entre a formação e o exercício

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profissional. Os expositores foram: Arrigo concretizaram respectivamente em 1973 e


L. Angelini, Madre Cristina, Enzo Azzi, 1974 (Conselho Regional de Psicologia, 1994).
Rodolfo Azzi, Dante Moreira Leite e Pe.
Antonius Benkö. Os relatos reproduzidos Para Pereira e Pereira Neto (2003), segundo o
no Boletim de Psicologia (1964-1965, pp. referencial usado por eles, da Sociologia das
1-89) apontam algumas críticas à situação profissões,
dos cursos existentes naquele momento:
É possível constatar que a Psicologia conse-
pequena procura pelos cursos, dificuldades
guiu... todos os requisitos necessários para ser
com professores não preparados para a considerada uma profissão: conhecimento
tarefa, falta de infraestrutura nas instituições pouco acessível e institucionalizado, mercado
de trabalho formalmente assegurado e auto-
universitárias, pouca literatura nacional,
regulação instituída em Conselhos e códigos
consequência de pouca pesquisa, uso de ética. Nesse sentido, o ano 1975 assinala
excessivo de literatura estrangeira, formação o fim do processo de profissionalização da
muito técnica, questões éticas em suspensão Psicologia no Brasil. (p. 25)
e complexidade e multiplicidade de teorias.
A maior parte dessas questões já havia sido Esse processo histórico da regulamentação
abordada durante o processo de discussão da profissão revela, por um lado, várias
da regulamentação, mas o fato de ainda necessidades sociais atendidas pela Psicologia,
permanecerem após esse período demonstra e, por outro, a movimentação dos profissionais
que os cuidados tomados no texto legal já envolvidos com as atividades da área.
não bastaram para resolver os problemas Campos (1992) caracteriza bem esse processo:
existentes.
A definição legal é, portanto, um registro
Mas os embates continuaram, e, em 21/1/1964, histórico dos dois movimentos que lhe
o Decreto nº 53.464 regulamentou a Lei nº 4119. deram origem: o movimento social de
progressiva racionalização das funções
O Título I, ao referir-se ao exercício profissional, a serem desempenhadas nas modernas
inclui várias categorias não contempladas no sociedades industriais, entre as quais se
texto da Lei. No artigo 4 do referido Decreto, insere o conjunto de funções atribuídas ao
psicólogo, e o movimento dos profissionais
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texto da Lei. No artigo 4 do referido Decreto, insere o conjunto de funções atribuídas ao
as funções dos psicólogos aparecem ampliadas: psicólogo, e o movimento dos profissionais
já engajados na prática em busca do
1) usar métodos e técnicas psicológicas para reconhecimento e de segurança para exercer
realizar diagnósticos psicológicos, orientação e a profissão. (p. 6)
seleção profissional, orientação psicopedagógica
e solução de problemas de ajustamento, 2) Por outro lado, retomando a questão proposta
dirigir serviços de Psicologia 3) ensinar Psicologia por Bernardes (2004) sobre a brevidade do
nos vários níveis de ensino, 4) supervisionar tempo da regulamentação da Psicologia,
profissionais e alunos, 5) assessorar tecnicamente podemos elaborar a hipótese de que dois
e 6) realizar perícias e emitir pareceres (Brasil, condicionantes devem ser considerados nesse
1966-1967, pp. 150- 156). caso: o clima psicológico mencionado por
Coimbra, Mancebo e pelo próprio Bernardes,
Após a publicação desse Decreto, duas outras diluído na cultura brasileira durante o período
questões permaneciam sem resolução: a estudado, associado à possibilidade de
elaboração e a aprovação do código de ética, preparação de indivíduos pertencentes à classe
cuja primeira versão foi aprovada em julho média, em ascensão no período, para exercer
de 1966 (Brasil, 1966-1967, pp. 159-169), uma carreira liberal.
e a instalação do Conselho Federal e dos
Conselhos Regionais de Psicologia, que se

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Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Psicologia (NEHPSI) da PUC, São Paulo – SP – Brasil
http://www.redalyc.org/html/2820/282021786014/ 16/18
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Marisa Todescan Dias da Silva Baptista
Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em História da Psicologia (NEHPSI) da PUC, São Paulo – SP – Brasil
E-mail: marisatdsb@terra.com.br

*Endereço para envio de correspondência:


Rua João de Lèry, 243, Jardim Aerporto, São Paulo – SP –Brasil CEP 04356-030

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A Regulamentação da Profissão Psicologia: Documentos Que Explicitam o Processo Histórico

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