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Thiago de Mello

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Zilda Arns Neumann
última conferência, Haiti, 2010

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Os Estados Partes são instados a
desenvolver estratégias baseadas em
direitos, coordenadas e multissetoriais, a
fim de que o interesse superior a criança
seja sempre o ponto de partida no
planejamento e na prestação de serviços.

Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas,


2005, parágrafo 22.

A criança é inocente, vulnerável e


dependente. Também é curiosa, ativa e
cheia de esperança. Seu universo deve
ser de alegria e paz, de brincadeiras, de
aprendizagem e crescimento. Seu futuro
deve ser moldado pela harmonia e
pela cooperação. Seu desenvolvimento
deve transcorrer à medida que amplia
suas perspectivas e adquire novas
experiências. Mas para muitas crianças a
realidade da infância é muito diferente.

ONU – Encontro Mundial de Cúpula pela Criança,


30 de setembro de 1990.
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Todas as crianças pequenas devem ser cuidadas e educadas
em ambientes seguros de sorte que cresçam saudáveis, vivazes,
com amplas possibilidades de aprender. A última década for-
neceu mais evidências de que a boa qualidade dos programas
de cuidados e educação na primeira infância, na família e em
programas mais estruturados tem impacto positivo sobre a so-
brevivência, o crescimento, o desenvolvimento e o potencial de
Não existe um ver que não seja também aprendizagem da criança.
um olhar nem um ouvir que não seja Esses programas devem ser abrangentes e enfocar todas as ne-
também um escutar e o modo como cessidades da criança, inclusive saúde, nutrição e higiene, assim
como seu desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Devem ser
olhamos e escutamos é plasmado oferecidos na língua materna da criança e identificar e aprimo-
pelas nossas expectativas, pelas nossas rar os cuidados e a educação das crianças com deficiências. Par-
cerias entre governos, ONGs, comunidades e famílias podem
posições e pelas nossas intenções. ajudar a garantir o provimento de programas de cuidados e
educação de boa qualidade às crianças, principalmente àquelas
em situações mais desfavoráveis, por meio de atividades centra-
Jerome Bruner.
das na criança, focadas na família, baseadas na comunidade e
apoiadas por políticas nacionais, multissetoriais e com recursos
adequados.
Este Plano mostra as nossas expectativas,
posições e intenções ao olharmos e Os Governos (…) têm a responsabilidade primária de formu-
lar políticas de cuidado e educação para a primeira infância no
escutarmos as crianças de nosso País. contexto dos planos nacionais de Educação para Todos – EPT,
mobilizando apoio político e popular, e promovendo progra-
mas flexíveis e adaptáveis para crianças pequenas, que sejam
adequados para sua idade e que não sejam simplesmente uma
antecipação dos sistemas escolares formais.
UNESCO, Plano de Ação – Dacar, 2000
Um Brasil para as
sumário
crianças 12

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17
Apresentação

Introdução

I. O desafio da mudança

23 II. Caracaterísticas do Plano Nacional pela Primeira Infância

Em maio de 2002, a 27ª Sessão Especial da Assembleia das ­Nações 27 III. Princípios e diretrizes
Unidas aprovou o documento Um Mundo para as Crianças,
no qual os Chefes de Estado e de Governo e representantes­dos 33 IV. Ações finalísticas
países participantes se comprometem a trabalhar para construir­
um mundo mais justo para as crianças. O Brasil também ­assinou 35 1.
Crianças com Saúde
o documento. O compromisso começa aqui: Um Brasil mais 45 2.
Educação Infantil
justo para suas crianças. 53 3.
A Família e a Comunidade da Criança

sumário
58 4.
Assistência Social a Crianças e suas Famílias
“Nós, Chefes de Estado e de Governo estamos decididos a 64 5.
Atenção à Criança em Situação de Vulnerabilidade:
­aproveitar essa oportunidade histórica para mudar o mundo Acolhimento institucional, Família acolhedora, Adoção
para as crianças. 72 6.
Do Direito de Brincar ao Brincar de todas as Crianças
76 7.
A Criança e o Espaço – a Cidade e o Meio ­Ambiente
Convocamos todos os membros da sociedade para juntarem-se 82 8.
Atendendo à Diversidade: Crianças Negras, Quilombolas e Indígenas
a nós, em um movimento mundial que contribua à criação de 88 9.
Enfrentando as Violências contra as Crianças
um mundo para as crianças apoiando-nos nos compromissos­ 94 10.
Assegurando o Documento de Cidadania a todas as Crianças
com os princípios e objetivos seguinte: 99 11.
Protegendo as Crianças da Pressão ­Consumista
102 12.
Controlando a Exposição Precoce das Crianças aos
1. Colocar as crianças em primeiro lugar Meios de Comunicação
2. Erradicar a pobreza – investir na infância 106 13.
Evitando Acidentes na Primeira Infância
3. Não abandonar nenhuma criança
4. Cuidar de cada criança 113 V. Ações meio
5. Educar cada criança Medidas estratégicas para realização do Plano Nacional pela Primeira Infância
6. Proteger as crianças da violência e da exploração
7. Proteger as crianças da guerra 115 1.
Formação dos Profissionais para a Primeira ­Infância
8. Combater o HIV/AIDS (proteger as crianças) 119 2.
O Papel dos Meios de Comunicação
9. Ouvir as crianças e assegurar sua participação 122 3.
A Atuação do Poder Legislativo
10. Proteger a Terra para as crianças”. 125 4.
A Pesquisa sobre a Primeira Infância
130 5.
Planos Estaduais e Municipais pela Primeira Infância

133 VI. Financiamento

135 VII. Acompanhamento e controle

137 VIII.Avaliação

139 IX. Autores


apresentação
Rede Nacional Primeira Infância1 entrega ao Governo e à sociedade Este documento é a expressão da vontade nacional de cumprir os compromis-
brasileira esta proposta de Plano Nacional pela Primeira Infância elaborada sos internacionais assumidos pelo País em documentos como a Convenção
pelas instituições que a compõem, com ampla participação de outras organi- dos Direitos da Criança, o Plano de Educação de Dacar 2000/2015, os Obje-
zações sociais, de especialistas, pesquisadores, técnicos e pessoas que atuam tivos do Milênio, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
diretamente com as crianças. documentos dos quais o Brasil é signatário e com os quais está comprometido.
apresentação

apresentação
Ele se articula, também, com outros Planos e compromissos nacionais como
Trata-se de um documento político e técnico que visa a orientar durante os o Plano Nacional de Educação (2001/2011), Plano Nacional de Saúde, Plano
próximos doze anos` a ação do governo e da sociedade civil na defesa, promo- Nacional de Assistência Social, Plano Nacional de Cultura, Plano Nacional de
ção e realização dos direitos da criança de até seis anos de idade. Seu marco Combate à Violência contra a Criança, Plano Nacional de Promoção, Prote-
final – 2022 - é o ano do bicentenário da Independência, data que merece um ção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar
panorama de vida e desenvolvimento mais justo para todas as crianças. Viver e Comunitária etc. e se atualizará e complementará com outros planos que
a primeira infância com plenitude é um direito de toda criança cujo cumpri- venham a ser elaborados.
mento depende da decisão, do compromisso político e ético e do persistente
empenho do Governo e da sociedade. A proposta para este Plano foi construída num processo de ampla participa-
ção social e política, à luz da diretriz constitucional expressa § 7° do art. 227
O foco na primeira infância é coerente com a relevância que os seis primeiros – de “participação da população, por meio de organizações representativas, na
anos de vida têm no conjunto da vida humana. Descurar, por omissão, igno- formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” –, pelas
rância ou displicência, o tempo da infância é um crime contra as crianças e instituições que compõem a Rede Nacional Primeira Infância; em seguida, foi
contra a sociedade. Contra a criança porque lhe nega direitos fundamentais, submetido a um amplo processo de análise, crítica, debate, ajustes e comple-
como o direito à vida, à saúde, à alimentação, à família e à convivência familiar mentações do qual participaram organizações governamentais e não governa-
e comunitária, ao brincar, à cultura, à educação própria dos anos iniciais da mentais, especialistas, técnicos, pesquisadores e trabalhadores “de campo” nos
vida, ao meio ambiente saudável. E contra a sociedade porque significa manter diversos direitos da criança.
seu rosto desfigurado pelas feridas sociais como a mortalidade, a morbidade e
a desnutrição infantil, a violência, o abandono, a exclusão. Agora ela é entregue ao Governo Federal com o desejo de que este a acolha,
aperfeiçoe e encaminhe ao Congresso Nacional e que, naquela Casa legislativa,
Nesta proposta de Plano Nacional pela Primeira Infância são traçadas as di- passe por mais uma etapa de debate democrático e aperfeiçoamentos, e seja
retrizes gerais e estabelecidos os objetivos e as metas para o País realizar por aprovada e convertida em lei.
suas crianças em cada um dos direitos proclamados pela Constituição Federal
e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelas leis setoriais da educação,
da saúde, da assistência, da cultura, dos direitos da criança e do adolescente, da
convivência familiar e comunitária e de outros setores que lhe dizem ­respeito.

1. Articulação nacional de organizações de sociedade civil, do governo, do setor privado, de outras redes e de organizações multilaterais que atuam na
promoção da primeira infância como item prioritário na defesa dos direitos da criança e do adolescente. A Rede foi constituída em maio de 2006 e contava, 2. Considera-se o início em 2011 e o término em 2022 – bicentenário da República Federativa do Brasil, uma data símbolo para uma sociedade que se quer
no início de 2010, com 70 organizações membro. democrática, inclusiva, que acolhe, protege e promove suas crianças nos primeiros seis anos de vida.

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introdução
ornou-se lugar comum afirmar que as crian- ca dar plenitude ao momento da infância por ela de toda forma de negligência, discriminação, explo- c) assumir a execução de ações, na ausência do Po-
ças são o futuro da nação e que o país que não cui- ter sentido em si mesma. Isto quer dizer: a criança ração, violência, crueldade e opressão”. der Público ou em parceria com ele, ­podendo,
da de suas crianças não terá um futuro melhor do vive um conteúdo próprio da existência humana, nesse caso, o Poder Público repassar ­recursos
que o presente. intransferível para outras idades e sedimentadora A Família, por mais que esta tenha se modificado na ou autorizar, mediante lei e, se absolutamente
da adolescência, da juventude e da vida adulta. sua estrutura, nas formas de exercer suas funções e necessário, incentivos fiscais e isenção de im-
Já não há mais dúvida de que investir na infância Adicionalmente, implica, nessa mesma dinâmica, nos papéis intra-familiares em relação à reprodução postos, taxas e serviços;
é fincar as bases de um futuro mais sólido, de que situá-la num processo de formação cuja meta é o das condições materiais e culturais de sobrevivência
priorizar a infância é uma estratégia inteligente para sempre mais adiante. e na função geracional, continua sendo a instituição d) desenvolver programas, projetos e ações com-
obter ganhos sociais ou econômicos superiores aos primordial de cuidado e educação dos filhos, mor- preendidas no conceito de responsabilidade
gerados por quaisquer outros ­investimentos. Mais do que desenhar um cenário para o futuro – mente nos seus primeiros anos de vida. Não lhe é social e de investimento social privado;
a Primeira Infância no Brasil no ano 2022 –, o Plano facultado delas abdicar (art. 229 da CF e art. 22 do
introdução

introdução
No entanto, para as crianças, mais importante do traça objetivos e metas para agora e para o tempo ECA). De uma parte, há o direito da família aos filhos, e) promover ou participar de campanhas e ações
que preparar o futuro é viver o presente. Elas preci- que vai seguindo, assinala compromissos políticos que envolve seu cuidado e educação inicial. A pobre- que promovam o respeito à criança, seu acolhi-
sam viver agora e na forma mais justa, plena e feliz. imediatos e sequenciais. Se, de uma parte, é con- za não lhe retira esse direito, nem este pode ser con- mento e o atendimento de seus direitos.
fortante imaginarmos um cenário de vida feliz e fiscado pelo Estado por causa daquela. Antes, com-
Se a infância é “o tempo das silenciosas prepara- grande desenvolvimento de nossas crianças num pete ao Estado garantir à família as condições para O Estado, se, por uma parte, não é pai nem mãe
ções”, no verso de Péguy3, uma vez que “a criança é futuro ao alcance de nossa própria vida, de outra exercê-lo (ECA, art. 23). De outra parte, há o direito a ponto de assumir integral e satisfatoriamente o
o pai do homem”4, ela é, igualmente, o agora, como parte, é imperiosa a ação de construí-lo diariamen- da criança à convivência familiar e, como parte dela, papel de cuidador e educador da infância, por ou-
poeticamente a definiu Gabriela Mistral5: “Para te, persistentemente. Aquele sem esta é ficção, essencial para a constituição da personalidade infan- tra, não pode dele eximir-se ou estabelecer metas
elas não podemos dizer ‘amanhã’: seu nome é ‘hoje’”. alienação e projeção irresponsável. Ao contrário, a til, à formação dos vínculos afetivos. Qualquer forma tímidas sob o argumento de que não dispõe de re-
ação-hoje, inserida na perspectiva daquele cenário, de substituição da convivência familiar nos anos ini- cursos financeiros suficientes. A vontade política e
A ambivalência da infância – presente e futuro – impregna de dignidade a nossa vida atual. ciais da vida será parcial e deverá ser transitória. as decisões governamentais criam, localizam e mo-
exige que cuidemos dela agora pelo valor da vida bilizam os recursos existentes. Assim, se cumprirá a
presente, e, simultaneamente, mantenhamos o É para nós que este Plano fala6. Para cada governan- Quanto à Sociedade, por mais indefinido ou im- opção da sociedade e da Nação brasileira inscrita
olhar na perspectiva do seu desenvolvimento te, político, técnico, profissional, cidadão que vive preciso que pareça o que lhe compete fazer para em sua Carta Magna de que os direitos da crian-
rumo à plenificação de seu projeto de existência. aqui e agora. Ninguém de nós está isento de res- garantir os direitos da criança, algumas áreas de ça e do adolescente devem ser assegurados com
ponsabilidade nem liberado desse compromisso. atuação são claras: absoluta prioridade (art. 227). Segundo o ECA, “a
Em que pese ser a criança projeto, prenúncio e Sábia é nossa Constituição Federal que, no paradig- garantia de prioridade compreende
preparação da vida adulta – e esse sentido de mático artigo 227, atribui à família – e aí estão os a) participar, por meio de organizações represen-
crescimento exerça fascínio, funde esperanças e pais, os irmãos, os parentes –, à sociedade – e nela tativas, na formulação das políticas e no con- a) primazia de receber proteção e socorro em
arregimente investimentos dos adultos na primei- estão compreendidos todos os cidadãos e suas or- trole das ações (de saúde – art. 198, III; de as- quaisquer circunstâncias,
ra infância – é necessário ver, também, na crian- ganizações representativas –, e ao Estado, dirigido sistência social – art. 204, II; de educação – art.
ça um valor nela mesma, isto é,como criança. A pelo governo, nas suas três esferas de Poder – Exe- 213; de todos os direitos – art. 227, § 7º da CF); b) precedência de atendimento nos serviços pú-
infância constitui uma etapa da vida com sentido cutiva, Legislativa e Judiciária, a responsabilidade blicos ou de relevância pública,
e conteúdo próprios. Adultos inteligentes, cria- perante os direitos da criança: b) participar de conselhos paritários com repre-
tivos, empreendedores, com ampla flexibilidade sentantes governamentais, como Conselhos c) preferência na formulação e na execução das
mental, são, antes, consequência que objetivos da “É dever da família, da sociedade e do Estado asse- de Educação, de Saúde, de Assistência Social, políticas sociais públicas e
ação nos primeiros anos de vida. Por isso, não olha- gurar à criança e ao adolescente, com absoluta prio- de Acompanhamento e Controle Social do
mos para as crianças na perspectiva do adulto que ridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à Fundeb, Conselho de Defesa dos Direitos da d) destinação privilegiada de recursos públicos
queremos ver nela; olhamos para elas por serem educação, ao fazer, à profissionalização, à cultura, à Criança e do Adolescente etc., que têm funções nas áreas relacionadas com a proteção à infân-
crianças, cidadãs, sujeitos de direitos. Entender a dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência de planejamento, acompanhamento, controle cia e à juventude” (art. 4º, parágrafo único).
criança como pessoa-em-desenvolvimento impli- familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo ­social e avaliação;

5. Gabriela Mistral, pseudônimo de Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga, Poetisa, professora e diplomata chilena (1889-1957), Prêmio Nobel
3. Charles Péguy, poeta e escritor francês (1873-1914). de Literatura em 1945.
4. William Wordsworth (poeta inglês, 1770-1850). A frase foi retomada por Sigmund Freud (1856-1939) para explicar a relevância das experiências infantis 6. Desta parte em diante, a expressão “Plano Nacional pela Primeira Infância” equivalerá às expressões “projeto de Plano”, “esboço de Plano”, “proposta
que marcam a vida adulta. de Plano”.

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o desafio
da mudança
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o desafio da
mudança
I A realidade da primeira
infância no Brasil
A taxa de mortalidade infantil caiu, entre 1997 e
2007, de 31,9 para 19,3 por mil nascidos vivos e, en-
tre menores de cinco anos, de 30,4, no ano 2000,
quatro meses, e o apoio governamental à amplia-
ção da licença maternidade para seis meses, visan-
do ao aleitamento materno exclusivo durante esse
sociais, nas ações governamentais e na participa-
ção da sociedade brasileira relativas à proteção, à
promoção e à participação da criança. O progresso
Há vários diagnósticos e estudos sobre a situação para 23,1, em 2007. A porcentagem de óbitos en- período é uma clara demonstração da importância que o Brasil fez nesses campos nos últimos anos
da infância no Brasil7. Os dados estatísticos e análi- tre menores de 1 ano por causas mal definidas que a política de saúde dá a essa prática. No entan- é reconhecido nacional e internacionalmente. A
o desafio da mudança

ses qualitativas têm melhorado sensivelmente nos reduziu-se de 12,3, no ano 2000, para 5,3, em 2005. to, ela ainda está muito aquém do recomendado. Constituição Federal de 1988 é o marco de um
últimos anos, possibilitando um conhecimento A redução maior se deu na região Nordeste, que novo olhar político, pedagógico e social para a
mais real das condições de vida e desenvolvimen- baixou de 21,8 para 6,2. Mas a taxa de mortalida- Cerca de 8 milhões de crianças de quatro meses criança: ela passa a ser considerada cidadã, sujeito
to das crianças. Este Plano não pretende repeti-los. de materna notificada cresceu de 52,3, em 2000, a seis anos frequentavam creche e pré-escola, em de direitos e a família, a sociedade e o Estado são
Apenas alguns traços dessa realidade são feitos para 53,4 em 2005. Também aqui, na probabilida- 2008, sendo inexpressiva a diferença entre meninos declarados responsáveis por garantir, com absolu-
nesta parte. Nos diferentes capítulos temáticos é de de morrer no início da vida, a desigualdade de e meninas. Em 2007, havia 9 milhões de crianças de ta prioridade, os seus direitos. O termo “menor” é
apresentada uma breve análise da realidade, sufi- renda registra suas marcas: a mortalidade infantil até 3 anos sem atendimento em creche e 2 milhões substituído pela expressão “criança e adolescente”,
ciente para estabelecer os pontos de partida para ­entre crianças filhas de mães negras é cerca de 37% sem pré-escola. A baixa oferta de creches públicas sem distinção econômica, social, jurídica, familiar
os objetivos e metas a serem alcançados no hori- maior do que entre as filhas de mães brancas; e, se torna mais grave pelo fato de afetar predomi- ou de qualquer outra natureza.
zonte de tempo deste Plano. entre as indígenas, chega a ser 138% mais alta do nantemente as crianças de mães trabalhadoras,
que entre as crianças brancas. Do total de crian- das famílias de renda mais baixa. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei
O Brasil tem aproximadamente 20 milhões de ças e adolescentes indígenas, 63% são crianças de 8.069, de 1990, dá um novo passo, com a criação
crianças com idade entre zero e seis anos, corres- até seis anos de idade que vivem em situação de Os esforços para que todas as crianças sejam re- do sistema de garantia dos direitos, a instituição de
pondendo a 10,6% da população total. Segundo pobreza. gistradas logo após o nascimento e tenham sua conselhos paritários (governo e sociedade) para a
a Pnad 2006, aproximadamente 11,5 milhões de certidão vêm dando resultados palpáveis: o subre- formulação, acompanhamento e controle social da
crianças de até seis anos viviam em famílias com Nos últimos cinco anos, a desnutrição entre crian- gistro diminuiu de 30,3%, em 1995, para cerca de política de atenção à criança e ao adolescente, a
renda mensal abaixo de ½ salário mínimo per ca- ças de menos de 1 ano diminuiu em torno de 60%, 11%, em 2009. Mesmo assim, o número daquelas substituição da doutrina da situação irregular pela
pita, o que, na época, representava metade das mesmo assim, há cerca de 60 mil desnutridas. A que não têm esse direito assegurado ainda é muito doutrina de proteção integral. Em seguida, são ela-
crianças nessa situação. Os níveis de desigualdade proporção de crianças com baixo peso para a ida- alto. Novamente aqui é enorme a diferença entre boradas, num processo amplamente participati-
de renda e de pobreza sofreram uma queda expres- de caiu, entre 2000 e 2006, de 12,7% para 3,5%, os Estados. vo, as leis setoriais de saúde, educação, assistência
siva nos últimos anos, com a incorporação de… ou seja, teve uma redução de 72,4%. O Sistema social, entre outras, em que as especificidades da
milhões de famílias, o que beneficia diretamente Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Um problema que vem aumentando nos últimos criança são consideradas. Na sequência, são for-
as crianças, que passam a ter melhor qualidade SISVAN, recentemente criado, é um mecanismo anos é o número de bebês nascidos de mães com muladas as políticas públicas sociais e criados pro-
de vida e condições mais adequadas de desenvol- sólido para enfrentar os problemas nutricionais e menos de 15 anos. Em 1994, nasceram 17,6 mil, gramas setoriais para a primeira infância. O novo
vimento. Mesmo assim, de cada cinco crianças e de alimentação, com repercussão benéfica direta mas em 2006 eles já somaram 27,6 mil, ou seja, pas- enfoque tende a substituir o viés assistencialista
adolescentes de até 17 anos, pelo menos uma ain- sobre a qualidade de vida das crianças. No entan- sou-se de 6,9 para 9,4 filhos de adolescentes para pela concepção de uma assistência social voltada à
da vive em uma família sem renda suficiente para to, “A insegurança alimentar prossegue, para 37.5% cada mil nascidos vivos. Eles constituem um grupo garantia dos direitos básicos. Em síntese, a visão da
garantir a satisfação das necessidades nutricionais dos lares brasileiros, cifra inaceitável para uma na- de alta vulnerabilidade e de atenção mais comple- criança objeto de atenção e cuidados cede lugar à
básicas de seus membros8. As chances de viver na ção rica como o Brasil”9. Desdobrando essa média xa do que as demais crianças. da criança sujeito de direitos.
pobreza são bem maiores para as crianças negras, nacional, verifica-se a acentuada diferença regional
uma evidente situação de discriminação, de origem (25% para a região Sul e 55% para o Nordeste), ren- 2. O que o Brasil está fazendo por Entre os avanços recentes, destacam-se:
histórica e que só aos poucos vem sendo revertida. da familiar, escolaridade da mãe e por fator étnico suas crianças
O mesmo vale para as que vivem em áreas rurais. (a insegurança alimentar é duas vezes maior em 1. O Sistema de Garantia dos Direitos da Crian-
O desenvolvimento da primeira infância no Brasil, famílias negras). A política de orientação, apoio e As últimas décadas do século passado e a primei- ça e do Adolescente: É a articulação das ins-
portanto, se faz sob a marca da desigualdade. incentivo ao aleitamento materno vem conseguin- ra deste século XXI foram palco de amplas e pro- tâncias públicas governamentais e da socieda-
do aumentar o aleitamento materno exclusivo até fundas mudanças no quadro jurídico, nas políticas de ­civil com a finalidade de zelar pela aplicação

8. Desenvolvimento Infanto-Juvenil no Brasil e seus Determinantes, Ricardo Barros e outros, Ipea, 2009, versão preliminar, citado por Situação da
7. Os estudos do UNICEF sobre a situação da infância no Brasil fornecem, a cada ano, um novo panorama com os dados mais recentes. Os desta seção Infância Brasileira 2009, Brasília, DF : UNICEF, 2009.
constam, com suas respectivas fontes, da Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009 – O Direito de Aprender – potencializar avanços e 9. Oliver De Schutter, Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação, na Missão ao Brasil, entre 12 e 18/10/2009, em
reduzir desigualdades. Brasília, DF : UNICEF, 2009 e Situação Mundial da Infância 2008 – Caderno Brasil. Brasília DF : UNICEF, 2008. http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G10/111/28/PDF/G1011128.pdf?OpenElement

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dos instrumentos normativos e o funcionamen- Direitos Humanos, Plano Nacional de Direitos para as Crianças” e faz recomendações ao go- à saúde,
to dos mecanismos de promoção, defesa e con- da Criança e do Adolescente, em construção, verno, apoiando a sociedade civil no controle à alimentação,
trole, para a efetivação dos direitos da criança Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defe- social das ações governamentais. A dimensão à educação infantil,
e do adolescente, nos níveis federal estaduais, sa do direito de crianças e adolescentes à con- que a Rede adquiriu no país, ao replicar-se em ao brinquedo,
distrital e municipais. Dele participam os Con- vivência familiar e comunitária, Plano Nacional redes estaduais, a quantidade de entidades que à informação,
selhos Nacional, Estaduais, Distrital e Munici- de Cultura e outros). entram nessas redes locais e a diversidade de à cultura e à diversidade cultural,
pais de Direitos da Criança e do Adolescente, o programas e ações monitoradas fazem dela um à dignidade,

I
Juizado da Infância e da Juventude, a Defensoria 4. Investimento crescente de recursos finan- instrumento estratégico para melhorar a situa- ao respeito,
Pública, as Secretarias e órgãos de Segurança e ceiros na infância e adolescência. A criança ção das crianças e adolescentes no País. à liberdade e
Justiça, o Ministério Público (inclusive do Tra- é atendida no contexto dos programas globais, à convivência familiar e comunitária
balho), os Centros de Defesa e os Conselhos mas precisa, também, de programas específicos 7. O Observatório Nacional dos Direitos da
­Tutelares. como grupo etário, em função de suas necessi- Criança e do Adolescente, na Secretaria Es- e agir, por todos os meios de que dispõe, para que ela
dades de crescimento e desenvolvimento. Entre pecial de Direitos Humanos, reúne e serve de
o desafio da mudança

2. A política de atendimento dos direitos da 2006 e 2009, o investimento do País em progra- fonte de consulta sobre legislação, estatísticas, não seja vítima de negligência,
criança e do adolescente. Ela é composta pe- mas de atenção à criança e ao adolescente do- indicações científicas, políticas e institucio-
las políticas públicas, especialmente as políticas brou. Nesse período, os recursos do Orçamento nais; registra iniciativas, difunde boas práticas, não seja discriminada em razão de gênero, et-
sociais básicas, pela política de assistência social passaram de R$ 28,9 bilhões para 56,6 bilhões10. monitora projetos e elenca indicadores, com nia, cor, idade, condição familiar, condição eco-
e pela política de proteção especial (destinada No entanto, a primeira infância ainda ocupa um o objetivo de facilitar o acompanhamento e a nômica, crença religiosa, localização geográfica
àqueles que em seus direitos extremamen- fragmento inexpressivo: dos programas, apenas avaliação as políticas sociais e programas foca- de sua residência,
te violados). A Secretaria Especial de Direitos um é voltado diretamente à primeira infância dos nos direitos da infância e da adolescência.
Humanos – SEDH e o Conselho Nacional dos e dois a incluem em seu escopo (Fundeb e Sa- O Observatório, atualmente focado na redu- não seja explorada pelo trabalho infantil,
Direitos da Criança e do Adolescente – CO- lário Educação). O primeiro representa apenas ção e prevenção da violência contra a criança como objeto sexual, como ator de promoção
NANDA articulam e apoiam as ações desenvol- 0,079% do total. e o adolescente, tem potencial para ampliar o comercial­,
vidas pelos órgãos que têm atribuições relativas diálogo, estimular análises e pesquisas e ações
à promoção: ministérios, secretarias estaduais 5. Os Fundos da Criança e do Adolescente. Fo- conjuntas com vistas ao aperfeiçoamento das não seja vítima de violência física, moral, psi-
e municipais de políticas sociais, secretarias de ram criados para incrementar, de forma com- políticas públicas nos âmbitos federal, estadual, cológica, cultural, econômica ou sequestro, no
direitos humanos ou órgãos equivalentes, en- plementar, o orçamento dos programas, proje- distrital e municipal. ambiente familiar, escolar ou social
tidades de atendimento e conselhos dos direi- tos e ações voltadas para o fortalecimento da
tos. O CONANDA é o órgão responsável pela política de atendimento dos direitos da criança 8. O Pacto Nacional Um mundo para a não sofra crueldade,
definição das diretrizes que orientam a política e do adolescente. Eles apoiam financeiramente ­criança e o adolescente do Semiárido, de
de atenção integral e pelo acompanhamento programas e projetos e induzem as entidades iniciativa do UNICEF, assinado pelo Presidente não sinta opressão psicológica, física ou moral e
e controle das ações que põem essa política que apresentam suas demandas aos Fundos a da República, por ministros, pelos governado- não seja assediada por publicidade contrária a
em prática. Os Estados, o Distrito Federal e os focalizar a atenção nesse grupo etário. Eles po- res dos 11 Estados do Semiárido, parlamenta- qualquer um de seus direitos.
Municípios contam respectivamente com os derão crescer muito em importância na me- res, empresários e representantes da sociedade
conselhos estaduais, distrital e municipais dos dida em que dispuserem de maior volume de civil, é um exemplo de ação focalizada, interse- Para isso, nas esferas federal, estaduais e municipais
direitos da criança e do adolescente. O Poder recursos e servirem de indutores às entidades torial, coordenada e integrada, e no Distrito Federal,
Público - por meio dos órgãos de Segurança Pú- para seguirem as diretrizes da política dos direi-
blica, Ministério Público, Poder Judiciário e De- tos da criança e do adolescente. 9. O Selo UNICEF Município Aprovado vem • o Poder Executivo formulará e implementará
fensoria Pública – e a sociedade civil – por meio comprovando eficiência na mobilização pelos políticas, programas e projetos que garantam a
dos Conselhos Tutelares e Centros de Defesa – 6. A Rede de Monitoramento Amiga da direitos das crianças e dos adolescentes. Jun- realização de cada um dos direitos assinalados
desenvolvem ações articuladas e harmônicas, ­Criança. Criada em 2003 para acompanhar tos, o Pacto e o Selo mobilizam os governos e na Constituição, no ECA e em leis específicas
visando a garantia dos direitos e a responsabi- a implementação dos compromissos descri- a sociedade pela melhoria de vida de crianças e nos diferentes setores da atividade governa-
lização dos agentes. tos no Termo Presidente Amigo da Criança, é adolescentes do Semiárido nas áreas de saúde, mental; executará este Plano, segundo os prin-
formada por organizações da sociedade civil educação e proteção. cípios, as diretrizes, e os objetivos e metas nele
3. As políticas, planos e programas setoriais es- e por quatro organismos intergovernamentais especificados,
pecíficos para a primeira infância ou que a (UNICEF, UNESCO, OIT e PNUD). Sua função 3. O que o Brasil quer fazer por
incluem em seu escopo. Elas estão presentes é monitorar o Plano de Ação Presidente Amigo suas crianças • o Poder Legislativo aprovará as leis necessárias
na saúde, da educação, da assistência social, dos da Criança e do Adolescente – PPACA e anali- para disciplinar o cumprimento dos ditames
direitos humanos, dos direitos da criança e do sar os avanços das metas nas áreas de educa- O Estado – no âmbito do governo federal, dos go- constitucionais, do ECA e de outras leis perti-
adolescente, da cultura (Plano Nacional de Saú- ção, saúde e proteção, tendo como referência vernos estaduais e do Distrito Federal e dos gover- nentes sobre os direitos da criança, asseguran-
de, Plano Nacional de Educação, Plano Nacio- os relatórios anuais enviados pelo governo e nos municipais – vai atender com prioridade ab- do-se de que nos instrumentos próprios, esteja
nal de Educação Infantil, Programa Nacional de as metas descritas no documento “Um mundo soluta o compromisso constitucional de garantir à prevista a dotação orçamentária corresponden-
criança o direito te, acompanhará e fiscalizará as ações governa-
mentais relativas a esses direitos, determinadas
10. Fonte: SIAFI – Contas Abertas. Atualizado em 11/3/2020. Ver detalhes em www.investimentocrianca.org.br/SimIC/investimentoCrianca.aspx à vida, neste Plano,

20 21
• o Ministério Público zelará para que os direitos
sejam cumpridos e as determinações deste
­Plano, aprovado por lei, sejam executadas pelos
órgãos aos quais é atribuída a responsabilidade

• o Poder Judiciário estabelecerá a justiça no


cumprimento das determinações legais relati-

I
vamente aos direitos da criança.

Este Plano é um compromisso com as


crianças brasileiras.
o desafio da mudança

Estamos determinados a trabalhar


para que todos os seus direitos sejam
atendidos.
Esta determinação pautará nossas
opções pessoais, a elaboração dos
orçamentos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios,
a vigilância sobre a definição de
prioridades governamentais, sobre os
programas, projetos e atividades e sobre
a elaboração de leis relativas a seus
direitos.
Esta geração e estes governos querem
ser vistos como geração e governos que
fizeram a opção prioritária por suas
crianças.

características do
plano nacional pela
primeira infância
22
características do plano nacional
pela primeira infância
II eis características externas dão forma e sus-
tentação social e política ao Plano e quatro carac-
terísticas internas lhe dão consistência e conteúdo.
essencial para uma população específica – que
são as crianças pequenas. Cada governo o assu-
me como dever político e instrumento técnico
2. Características internas
O conteúdo do Plano Nacional pela Primeira Infân-
firmado como pacto social; cia tem quatro dimensões:
1. Características externas
características do
plano nacional pela primeira infância

4. Longa duração: doze anos – segundo a previ- 1. Dimensão ética de compromisso pessoal e
1. Abrangência: O Plano Nacional pela Primeira são de vigência de 2011 a 2022, é o horizonte profissional em dar o melhor de nós mesmos
Infância abarca todos os direitos da criança na de tempo no qual este Plano percorre o olhar e e da competência administrativa dos governos
faixa etária considerada, não apenas os tradi- pontua os marcos do caminho a ser percorrido para que as crianças brasileiras sejam felizes e
cionais, que chamam mais atenção ou que vêm até alcançar o novo panorama da primeira in- alcancem o melhor de si mesmas;
sendo objeto de cuidados há anos. São exem- fância no Brasil. As diferentes metas têm prazos
plos de direitos que mais recentemente vêm de realização situados nesse lapso de tempo. 2. Dimensão política, que diz respeito à respon-
sendo objeto da ação governamental: a convi- Por atravessar três períodos governamentais, os sabilidade da Nação brasileira, e de cada uma
vência familiar e comunitária, a defesa da inte- planos de cada governo serão elaborados com de suas unidades federadas (Estados, Distrito
gridade física, psicológica e moral, o direito de base nele; Federal e Municípios) para com todas as suas
brincar, que implica o direito a ter brinquedos, crianças de até seis anos de idade;
espaço e tempo de brincar, o direito à cultura já 5. Aprovação por lei: a tramitação como projeto
na primeira infância, o direito ao nome (registro de lei no Congresso Nacional enseja ampliação 3. Dimensão científica, embasada nos aportes
civil de nascimento), o direito à individualidade, do debate político sobre a primeira infância e os das várias ciências, que, nos últimos cinquenta
que implica o respeito à diversidade etc.; desafios da nação brasileira frente a suas crian- anos e tão proficuamente no presente, estão
ças de até seis anos de idade e novos aperfeiço- investigando os processos e os fatores determi-
2. Participação social na sua elaboração: o pro- amentos técnicos do Plano. Aprovado, adquire nantes e condicionantes do desenvolvimento e
cesso de elaboração envolveu grande número status de lei, de cumprimento obrigatório; da formação da criança;
de entidades da sociedade civil, além de setores
governamentais, e organismos intergoverna- 6. Descentralização: coerente com o sistema fe- 4. Dimensão técnica, baseada em experiências
mentais, além de pais, militantes da área dos derativo, o Plano Nacional pela Primeira Infân- reconhecidas como de boa qualidade nos di-
direitos da criança, profissionais de diferentes cia estabelece diretrizes gerais, objetivos e me- versos campos da atividade profissional no
setores. Essa participação gerou um sentimen- tas nacionais, e prevê a elaboração de planos atendimento dos direitos das crianças em suas
to de “ser parte”, de compromisso, que se des- correspondentes nas esferas estaduais e mu- diferentes circunstâncias de vida.
dobrará em interesse no acompanhamento e nicipais, bem como no Distrito Federal. Estes
no controle social de sua execução. O debate terão espaço para as especificidades regionais e
e aperfeiçoamento do Plano nas instâncias do locais, as necessidades e potencialidades, a de-
Poder Executivo e do Poder Legislativo am- manda e os recursos de cada ente federado. A
pliam a participação, aumentam sua visibilida- articulação entre o Plano Nacional, os 27 planos
de e o inserem nos âmbitos desses Poderes; estaduais e do Distrito Federal e 5.540 planos
municipais se dará segundo os princípios cons-
O Plano Nacional pela Primeira Infância
3. Plano de Estado: o Plano Nacional pela Pri-
meira Infância transcende a visão de Plano de
titucionais da autonomia dos entes federados
e do regime de colaboração. Da mesma forma é uma carta de compromisso do Brasil
Go­verno. Participação da sociedade na sua
construção, aprovação pelo Poder Legislativo,
que o Nacional, os planos estaduais e munici-
pais pela primeira infância passarão pelo deba- com suas crianças.
que envolve debate democrático, pluriparti- te e aprovação das Assembleias Legislativas e
dário, com nova escuta da sociedade, e prazo das Câmaras de Vereadores, assim como o do
que transcende os períodos administrativos Distrito Federal passará pela Câmara Distrital.
de mandatos governamentais, desvinculam o
plano de um determinado Partido e de um Go­
verno em particular e o ligam às funções perma-
nentes do Estado na prestação de um ­serviço

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princípios e
diretrizes
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princípios e
diretrizes
III Princípios
Este Plano é “para” as crianças. Elas são a razão e o
ção para a vida, e uma presença pessoal na cultura
e na sociedade –, com valor em si mesmo, que vai
além do argumento sobre a preparação para a fu-
e comunidade; criança e meio ambiente; educação
infantil e cultura; mas é muito maior o número de
temas tratados como coisas independentes, e que
timável, mas, sem o calor do humanismo, se torna
asséptica e fria.

motivo das ações aqui definidas. Portanto, é pre- tura inserção produtiva no mercado de trabalho e poderiam ganhar em eficiência e eficácia se che- O esforço do olhar humanista sem o aporte das
ciso focar o olhar nas crianças em suas realidades do retorno econômico do investimento. gassem à criança como ações integradas. ciências fica restrito à boa vontade e à importan-
princípios e diretrizes

concretas de vida: elas têm um rosto, um nome, te, mas sempre precária experiência pontual. Daí
uma história, vínculos afetivos e sociais, um dese- Há um “rosto” a ser visto, com tudo o que ele signi- A inclusão. porque é importante a formação específica dos
jo, um destino a ser construído com liberdade e fica de direito à vida mais plena possível. profissionais que têm a criança como meta ou que
­confiança. Para que a sociedade brasileira seja uma sociedade executam ações que afetam a sua vida.
A diversidade étnica, cultural, de gênero, inclusiva, todas as crianças devem dela participar
Estatísticas, descrições globais de problemas, com- geográfica. como sujeitos de pleno direito. Em que cada uma A articulação das ações.
parações, taxas e índices são construções abstratas exerça e veja cumpridos todos os direitos da infân-
que ajudam no planejamento das intervenções Esse princípio assegura o respeito à criança na sua cia. Uma sociedade inclusiva abraça todos e cada Esse princípio diz respeito a três âmbitos: (a) às
mais urgentes e adequadas, mas elas são frias, identidade pessoal e coletiva e na sua relação com um dos indivíduos, nas suas expressões próprias, ações dos entes federados (União, Estados, DF e
distantes e insensíveis ao drama de uma criança o grupo ou os grupos aos quais pertence. Assevera, segundo as quais cada um é si próprio e dife­rente Municípios), (b) aos setores da administração pú-
concreta, de uma família, de um grupo social que também, a atenção à sua individualidade e parti- dos demais; abarca todos e cada um dos grupos blica (educação, saúde, assistência, cultura, justiça
vive o problema ou sucumbe a ele. Quando se me- cularidade, naquilo que lhe é próprio e pessoal, no étnico-raciais, sociais e culturais; manifesta zelo etc.) e (c) à relação governo e sociedade.
lhoram estatísticas de mortalidade infantil não se que a distingue dos demais e no que a faz pertencer pela igualdade e pela especificidade de direitos na
muda um número apenas, mas se salva a vida de a um grupo e a torna única como pessoa e como diversidade de gênero. Coerente com ele, este Plano agrega, nos princí-
crianças; quando se expande o atendimento em membro de um grupo. pios, diretrizes, objetivos e metas, as políticas, os
creches e pré-escolas de qualidade não se atinge O princípio da inclusão age no interior do Plano planos e os programas gerais ou setoriais referentes
uma meta apenas, mas se incluem crianças na tra- Esse leque de realidades diversas abre um olhar Nacional pela Primeira Infância como lanterna po- à primeira infância. De acordo com o mesmo prin-
jetória educacional e se lhe assegura base sólida de para a existência não de uma infância, mas de derosa que traz à cena aquelas crianças que foram cípio, propõe que sejam elaborados, em coerência
êxito; quando se restabelecem os laços familiares várias infâncias em nosso País; assumir esse olhar postas à margem dos valores socioeconômicos e com o Nacional, planos estaduais e municipais pela
ou os vínculos afetivos de uma criança com seus num plano nacional pela primeira infância contri- culturais, dos laços familiares, das condições dig- primeira infância, articulando políticas, planos e
pais, responsáveis ou cuidadores se dá à criança buirá para o aprimoramento das políticas públicas nas de moradia, da alimentação saudável, da saúde programas dos diferentes setores, naqueles entes
novamente a chance de constituir-se como sujeito, voltadas à criança no País. e bem-estar, da educação familiar e da educação federados. Esse princípio tem três consequências:
seguro e confiante. infantil, da segurança e proteção, das condições
A integralidade da criança. adequadas de acessibilidade, de acompanhamen- (a) evita duplicidade,
Vale essa lógica para cada um dos direitos da crian- tos especializados, do brincar como ocupação (b) racionaliza a utilização dos recursos públicos e
ça. Esse enfoque determina uma atitude humana No atual estágio do conhecimento sobre a criança própria, intensa, livre e exuberante da infância, evita desperdícios e
solidária e corresponsável e dá uma nova visão e seu processo de desenvolvimento, impõe-se su- enfim, do ambiente heurístico que promove o (c) aumenta a eficiência e a eficácia dos esforços
à ação política do governo em relação à infância perar a visão fragmentada pela prática profissional desenvolvimento mais amplo possível de suas governamentais para atender os direitos da
brasileira: não se trabalha por números, mas por e pela administração e pelas políticas públicas se- ­potencialidades. criança.
­pessoas. torializadas. Um esforço de aproximação progres-
siva dos vários departamentos, seções, programas A integração das visões científica e A sinergia das ações.
Os princípios a seguir orientarão o olhar, a atenção dentro de um mesmo setor e de órgãos setoriais humanista.
e as ações que visam à proteção e promoção dos convergindo para um olhar abrangente da criança Ações articuladas se complementam e, assim, al-
direitos da criança de até seis anos. é o caminho mais curto para chegar à visão integral Os parâmetros das ciências e a visão humanista cançam maior eficiência e eficácia se realizadas
dessa pessoa, que, por definição, é una e indivisa. devem articular-se nas ações dirigidas à criança. no mesmo espaço e tempo, de forma integrada.
Criança sujeito, indivíduo, único, com Uma visão holística, integrada, senão imediata- Assim, pediatria, neurociências, pedagogia, psico- Ganha-se tempo, gasta-se menos e se alcançam
valor em si mesmo. mente “todo” pelo menos progressivamente mais logia, psicanálise, antropologia, ciência jurídica..., resultados mais consistentes. Não se trata de trans-
abrangente, vai nos ajudar a ver as inter-relações de um lado, e, de outro, valores, destino humano, formar a creche num centro de saúde ou de atri-
Sujeito, não objeto de atenção, cuidado ou educa- ou intersecções que foram artificialmente afasta- sentido da vida, respeito à Terra… precisam enten- buir a um ambulatório hospitalar as funções de
ção –, indivíduo, não número nas estatísticas de- das como campos específicos de atividades profis- der-se como complementares da visão holística um estabelecimento de educação infantil, mas de
mográficas, educacionais, de saúde, da violência, sionais distintas. São exemplos de articulações e in- da primeira infância e das crianças concretas. A encontrar as complementaridades de serviços e
da pobreza –, único, insubstituível, com uma voca- tegrações já presentes nas políticas: criança, família contribuição das ciências é imprescindível e ines- as possibilidades de expansão das ações em cada

28 29
um dos lugares em que as crianças são atendidas crianças. O primeiro nível dessa responsabilidade do Estado, da sociedade e das famílias. Assim pela maneira com que é tratada pelos adultos;
– em casa, na creche ou na pré-escola, no centro está no respeito aos direitos da criança. Nenhuma como o PNPI resulta de um processo de coo-
de ­saúde, no hospital, no consultório médico, nos pessoa organização ou empresa pode desrespeitar peração sociedade e governo, desde sua con- 6. Foco nos resultados: insistir e persistir no alcan-
espaços institucionalizados do brincar. qualquer direito nem omitir-se diante de situações cepção até a redação final, inicialmente no seio ce dos objetivos e metas do PNPI e divulgar os
que ofender aqueles direitos. Além disso, por meio da Rede Nacional Primeira Infância, em seguida avanços que se vão obtendo;
A prioridade absoluta dos direitos da de suas organizações sociais, culturais, religiosas, em debate aberto a toda sociedade e, finalmen-
criança. comunitárias, ela tem: (a) o direito de participar da te, na análise e aperfeiçoamentos no âmbito do 7. Transparência, disponibilidade e divulgação dos

III
formulação de políticas voltadas para as crianças e Poder Executivo e Legislativo, também os pla- dados coletados no acompanhamento e avalia-
O princípio estampado no art. 227 da Constituição de conselhos paritários com o Governo em assun- nos estaduais, distrital e municipais deverão ser ção do PNPI. Esses dados servirão de indicado-
Federal, regulamentado pelo art.4º do ECA, tem tos atinentes aos direitos da criança e (b) o dever elaborados num processo participativo. Esse res para controle social da execução do Plano.
que ser levado às suas consequências. As ações e de zelar pelas suas crianças, com projetos e ações princípio é a aplicação do que determina o art.
os recursos financeiros, nos três níveis da admi- de apoio às políticas públicas e de atendimento di- 227, § 7º, combinado com o art. 204, II da Cons-
nistração pública, devem ser decididos segundo reto às crianças e suas famílias. tituição Federal;
princípios e diretrizes

a primazia absoluta dos direitos da criança e do


­adolescente. O Estado não substitui a família nas suas funções 5. Participação do Poder Legislativo no processo de
básicas de cuidado e educação das crianças; cabe- elaboração do Plano. O PNPI conta com a par-
A prioridade da atenção, dos recursos, lhe, antes, formular e implementar políticas eco- ticipação da Frente Parlamentar em Defesa dos
dos programas e das ações para as nômicas e sociais que dêem a elas as condições Direitos da Criança e do Adolescente, mem-
crianças socialmente mais vulneráveis. necessárias para cumprir tais funções. Além disso, bro da RNPI. Frentes Parlamentares de Defesa
o Estado tem o dever de formular e manter políti- dos Direitos da Criança e do Adolescente das
Embora a obrigação do Estado de proteger e ofe- cas públicas, programas e ações voltados para as Assembleias Legislativas podem ser o vínculo
recer meios de promoção se estenda a todas as crianças, como grupo etário específico, visando à inicial do Poder Legislativo estadual nos planos
crianças, suas contingências financeiras e adminis- garantia de seus direitos fundamentais. estaduais;
trativas lhe exigem que estabeleça uma escala de
prioridades em função da maior vulnerabilidade 2. Diretrizes políticas 6. Atribuição de prioridade para regiões, áreas geo-
individual ou de grupos e da maior necessidade gráficas ou localidades com maior necessidade­.
econômica da família, da comunidade, dos Muni- 1. Atenção à prioridade absoluta na Lei de Diretri-
cípios, do Estado ou da Região. zes Orçamentária – LDO, no Plano Plurianual 3. Diretrizes técnicas
– PPA e no Orçamento. A determinação cons-
Todas as crianças têm todos os direitos afirmados titucional e a opção política de situar a crian- 1. Integralidade do Plano, abrangendo todos os
na Convenção dos Direitos da Criança, na Consti- ça (como também o adolescente) no topo das direitos da criança no contexto familiar, comu-
tuição Federal, no Estatuto da Criança e do Adoles- prioridades do Estado acarretam a obrigação de nitário e institucional;
cente e nas leis setoriais, mas sendo os meios atuais incluir e manter na LDO e no PPA as determina-
insuficientes para atender a todos simultaneamen- ções para que os Orçamentos anuais assegurem 2. Multissetorialidade das ações, com o cuidado
te, o Estado tem obrigação de voltar-se em primei- os meios financeiros para que essa prioridade para que, na base de sua aplicação, junto às
ro lugar àqueles que, sem a atenção pública, estão seja efetivada na prática. As crianças estão nos crianças, sejam realizadas de forma integrada;
ou ficariam privados de direitos fundamentais. nossos corações, nas leis e no discurso…, mas se
não estiverem no orçamento, suas vozes ecoa- 3. Valorização dos processos que geram atitu-
A ordem da atenção às crianças é inversa à ordem rão no vazio; des de defesa, de proteção e de promoção da
das condições econômicas das famílias. Aqui o ­criança;
princípio da justiça, no Estado Democrático, atri- 2. Articulação e complementação dos Planos na-
bui-lhe a tarefa de assegurar aos que mais precisam cional, estaduais, distrital e municipais pela pri- 4. Valorização e qualificação dos profissionais que
as condições que lhes possibilitem ser iguais aos meira infância: cada esfera elabora seu Plano, de atuam diretamente com as crianças ou cuja ati-
mais aquinhoados no acesso e usufruto dos bens tal maneira que todos estejam articulados e se vidade tem alguma relação com a qualidade de
sociais, econômicos, tecnológicos e culturais. Essa complementem, respeitadas as competências vida das crianças de até seis anos. Recomenda-
é uma condição para que a igualdade como princí- respectivas; se prestigiar o papel estratégico, expressar reco-
pio universal possa tornar-se igualdade real. nhecimento, ações que demonstrem eficiência
3. Manutenção de uma perspectiva de longo ­prazo: e eficácia e divulgá-las;
Dever da família, da sociedade e do É preciso persistir por vários anos nos objetivos
Estado. e metas para garantir condições dignas de vida 5. Reconhecimento de que a forma como se olha,
e promotoras do desenvolvimento pleno a to- escuta e atende a criança expressa o valor que
A família continua sendo a instituição primordial das as crianças brasileiras; se dá a ela, o respeito que se tem por ela, a soli-
de cuidado e educação da primeira infância. dariedade e o compromisso que se assume com
4. Elaboração dos planos em conjunto pelo gover- ela; reconhecimento, também, de que a criança
Mas a sociedade também é responsável por suas no e sociedade, gerando corresponsabilidade capta a mensagem desses sentimentos e valores

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ações
finalísticas
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saúde
crianças com
A melhoria das condições de
saúde e de nutrição da criança é uma
obrigação primordial e, também, uma
tarefa para a qual existem soluções ao
nosso alcance. A vida de dezenas de
ações milhares de meninos e meninas pode
finalísticas ser salva, todos os dias, porque as
causas dessas mortes são
facilmente evitáveis. sobre o desenvolvimento confirmam a impor-
tância do ambiente, dos cuidados parentais e das
cializados, que atendem as situações que necessi-
tem de um suporte específico.
crianças com saúde

relações estabelecidas na primeira infância. Eles


ONU – Conferência Mundial de Cúpula sobre a Criança, 1990. são referências fundamentais para a saúde física e 2. Panorama atual
psíquica da criança: neles estão implicados a cons-
trução de sua subjetividade em bases estáveis, as- 2.1. Da situação de saúde da primeira infância
proposta do PNPI em relação à saúde na relaciona-se a direitos básicos da criança, tais como sim como seu desenvolvimento global. Contudo,
primeira infância apoia-se sobre o direito universal o direito à saúde, à nutrição e à alimentação, ao apesar dos avanços nessas áreas do conhecimento, A mortalidade infantil12 pode ser considerada o in-
de acesso à saúde, entendida em seu conceito am- desenvolvimento e à proteção especial quando constata-se carência no que diz respeito à sua apli- dicador mais sensível para medir o nível de saúde
pliado, que “envolve reconhecer o ser humano como necessário, o Plano Nacional pela Primeira Infância cação prática na vida das crianças e das famílias. de uma população. Segundo os dados da RIPSA13,
ser integral e a saúde como qualidade de vida”11. considera que devem ser incentivadas e apoiadas o Brasil conseguiu reduzir, no período de 1990 a
algumas diretrizes das políticas públicas de saúde Ao nascer, a criança é completamente dependen- 2007, em 59,7% a taxa de mortalidade infantil (de
Durante muito tempo, predominou o entendi- para as quais os recursos de investimento deverão te da existência de um ambiente humano que a 47,1/1.000 nascidos vivos para 19,3/1.000). Essa re-
mento de que saúde era sinônimo de ausência ser prioritariamente dirigidos. Tais diretrizes envol- ampare e atenda de maneira apropriada às suas dução indica que o país está a caminho para alcan-
de doenças físicas e mentais. Nesse sentido, os vem ações integradas para a saúde da gestante e necessidades físicas e emocionais. O não cumpri- çar a meta 4 dos Objetivos de Desenvolvimento do
serviços de saúde privilegiaram a atenção médica da criança até seis anos, por meio de estratégias mento dessas exigências, em algum grau, acarreta Milênio, estabelecida para o ano de 2015. Entre-
curativa. Esse entendimento foi substituído por consideradas fundamentais. Essas ações referem-se consequências para sua saúde física e mental. Por tanto, é necessário levar em consideração que os
uma visão holística, de acordo com a definição de à humanização, ao acesso aos serviços e à qualifica- essa razão, numa criança pequena não é possível dados nacionais escondem enormes desigualdades
saúde, pela Organização Mundial de Saúde, como ção da atenção à saúde da mulher e da criança. Elas separar a saúde física e da saúde psíquica. Corpo regionais e iniquidades, em particular as relaciona-
“o completo bem-estar físico, mental e social e não também dizem respeito a uma melhor integração e psique estão estreitamente relacionados, influen- das a populações vulnerabilizadas pela pobreza,
apenas a simples ausência de doença”. Essa defini- dos vários serviços e a uma efetiva participação da ciando-se mutuamente. A separação que se costu- indígenas e afrodescendentes das Regiões Norte e
ção aponta para a complexidade do tema, e a refle- família e da comunidade como agentes promoto- ma fazer, seja por tradição do exercício profissional Nordeste do país.
xão mais aprofundada sobre seu significado leva a res de saúde, de modo a aumentar a eficácia do setorializado, seja por razão didática do seu estudo,
considerar a necessidade de ações intersetoriais e controle social sobre as ações públicas em seus vá- não corresponde à experiência vivida pela criança, Outra questão relacionada à mortalidade infantil
interdisciplinares com o propósito de criar condi- rios níveis. sobretudo na primeira infância. Quando o ambien- que deve ser levada em conta é a mortalidade de
ções de vida saudáveis. te inicial é desfavorável, os riscos para desenvolvi- crianças na primeira semana de vida (mortalidade
Nesse sentido, o PNPI considera de fundamental mento harmonioso da pessoa se fazem presentes, neonatal precoce). Das mortes antes de um ano,
O Brasil já dispõe de uma Agenda de Compromis- importância uma capacitação diferenciada dos deixando-a vulnerável, durante toda a vida, a pro- 67,4% ocorrem no primeiro mês de vida, mais da
so para a Saúde Integral da Criança, que serviu de profissionais de saúde, por meio da formação e blemas sociais, emocionais e cognitivos. metade nos primeiros seis dias. Na análise da cau-
base para as proposições deste Plano, mas este ofe- educação continuada, preparando-os para lidar sa de óbitos realizada pelo Ministério da Saúde
rece elementos para aperfeiçoar e complementar com a complexidade dos vários aspectos envolvi- Por essas razões, e considerando a concepção de com base nos dados das declarações de óbito de
a Agenda em alguns aspectos específicos da saúde dos na atenção à criança e à sua família. E, acima saúde apresentada acima, os vários setores de crianças menores de um ano, em 2006, observou-
da criança nos seus primeiros anos de vida, parti- de tudo, o PNPI considera que a valorização dos atendimento, mesmo quando especializados, não se que 71% dos óbitos poderiam ser evitados por
cularmente no que tange à saúde mental, visando profissionais da primeira infância, com o reconhe- deveriam ter uma perspectiva estanque de seus uma adequada assistência à gestante ao parto e ao
ao desenvolvimento das funções de proteção, pro- cimento da complexidade de todos os aspectos objetivos. Nessa perspectiva, o PNPI propõe que as recém-nascido.
moção, recuperação e reabilitação da saúde. envolvidos nas práticas profissionais dirigidas à ações de saúde mental sejam transversais, opera-
criança, é de fundamental importância para alcan- cionalizadas em todos os níveis de atenção, desde 2.2. Das políticas públicas de saúde para a
1. Prioridades estratégicas çar os objetivos que propõe. a saúde básica, incluindo o atendimento pré-natal, primeira infância
ao parto e ao puerpério, até o acompanhamento
A partir da compreensão de que o estado de ­saúde Os estudos das ciências da saúde e da psicologia do desenvolvimento da criança e os serviços espe- No estado atual das políticas dirigidas à primeira

12. Número de óbitos de menores de um ano por cada 1.000 nascidos vivos/ano.
11. Relatório final da 12ª Conferência Nacional de Saúde. 13. Rede Interagencial de Informações para a Saúde/MS.

36 37
infância no Brasil, já há várias ações em andamento qualidade da atenção ao pré-natal o universo psicossocial da mãe e sua rede de critérios simples de identificação de risco, para
ou em fase de implementação, que o PNPI consi- sustentação, com especial atenção à gestante permitir uma transferência a tempo, para um
dera relevantes. • Qualificação de profissionais para urgências e com sintomas de depressão, à mãe adolescente local de maior complexidade para a atenção
emergências obstétricas e à gestante vítima de violência. perinatal.
1. O Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade
Materna e Neonatal • Expansão de ações de planejamento 3.2. Atenção Obstétrica e Neonatal Humanizadas 10. Planejar e executar programas de preparação
­reprodutivo dirigidos aos pais visando favorecer uma pater-
2. Atenção Básica – NASF – Núcleos de Apoio à 1. Organizar o acesso, adequar a oferta de servi- nidade responsável.
ações
finalísticas
Saúde da Família • Promoção, proteção e apoio ao aleitamento
materno
ços e fortalecer a Rede Hospitalar, incluindo a
expansão e qualificação de hospitais de referên- 11. Ampliar o número de Hospitais Amigo da
3. Atenção ao puerpério e acompanhamento do cia para as gestantes e recém-nascidos (RN) de Criança e, nestes, dar a devida atenção ao vín-
recém-nascido durante a primeira semana de • Qualificação da atenção ao recém-nascido risco. culo mãe-bebê e estimular o envolvimento do
vida pai na atenção neonatal.
crianças com saúde

• Implementação e monitoramento da Política 2. Garantir assistência adequada nas maternida-


4. Promoção, Proteção e Apoio ao Aleitamento de Atenção Integral à Saúde da Criança, com des à hora do parto, evitando contratempos 3.3. Aleitamento materno e alimentação infantil
Materno ampla distribuição da Caderneta da Criança e que fazem com que a gestante percorra uma
consequente acompanhamento do crescimen- via crucis à procura de vaga. O aleitamento materno é um fator importantís-
5. Vigilância do Óbito Materno, Neonatal e to e desenvolvimento infantil simo para o crescimento e desenvolvimento ade-
­Infantil 3. Garantir, quando necessário, a realização do quado do bebê, sendo uma das ações mais efi-
• Investigação do óbito infantil para o enfrenta- teste rápido para HIV no dia do parto. cientes na redução da mortalidade infantil e para
6. Incentivo e Qualificação da Vigilância do Cres- mento racional de seus determinantes e condi- o fortalecimento do vínculo entre mãe e filho. É
cimento e Desenvolvimento Infantil, por meio cionantes 4. Apoiar a articulação da equipe de referência fundamental que seja assegurado o direito das
da Caderneta de Saúde com o serviço de saúde onde ocorrerá o ­parto, gestantes e do bebê às adequadas condições de
• Monitoramento das ações do Programa Nacio- envolvendo ambas as equipes no pré-natal e amamentação, em sintonia com a recomendação
7. Programa Nacional de Imunização nal de Imunização cuidado no puerpério, e na realização de alta internacional de que o aleitamento materno seja
conjunta. exclusivo até os seis meses de idade e que, a partir
8. Rede Nacional de Bancos de Leite Humano • Implementação e monitoramento da Política daí, outros alimentos sejam introduzidos de forma
Nacional de Alimentação e Nutrição, com con- 5. Garantir, antes da alta, o agendamento da gradual, mantendo o leite materno até os dois anos
9. Hospitais Amigos da Criança trole das carências nutricionais e adição de mi- consulta de puericultura e de puerpério ou o de idade.
cronutrientes na dieta infantil e promoção da deslocamento de profissional, em especial da
10. Atenção à Saúde do Recém-nascido alimentação saudável na infância atenção básica, até a residência da puérpera e 1. Ampliar a Rede Nacional de Bancos de Leite Hu-
do recém-nascido, visando reduzir os riscos de mano nos hospitais/maternidades que tenham
11. Norma de Atenção Humanizada ao Recém- • Prevenção de acidentes, maus tratos e violência mortalidade neonatal. unidades de terapia intensiva ou cuidados in-
nascido de baixo peso. Método Canguru. na infância. termediários aos recém-nascidos e implantar
6. Assegurar o direito à presença do acompanhan- serviços de coleta nas unidades de saúde.
12. Prevenção e Controle de Acidentes, Violência, 3. Recomendações te durante o trabalho de parto, durante o parto
Maus Tratos e Negligências na Infância e no pós-parto, conforme a Lei Nº 1.108/2005, 2. Apoiar a implementação da licença maternida-
3.1. Atendimento Pré-natal e ao Alojamento Conjunto, inclusive na rede de até os seis meses de vida do bebê.
13. Política Nacional de Alimentação e Nutrição. ­privada.
1. Fortalecer a capacidade técnica, o tratamento e 3. Apoiar a alimentação complementar ao leite
14. Câmara de Políticas Sociais. a qualidade da atenção dos serviços de saúde e 7. Apoiar o parto natural com segurança. A re- materno após o 6º mês de vida e o seguimento
de educação dirigidos às gestantes. dução das taxas de cesáreas desnecessárias, in- dos 10 passos para a alimentação saudável.
Outra iniciativa recente do Ministério da Saúde é corporada como ação estratégica do Pacto Na-
a instituição da Estratégia Brasileirinhas e Brasileiri- 2. Garantir a realização de seis ou mais consultas, cional pela Redução da Mortalidade Materna 3.4. Alimentação saudável, combate à
nhos Saudáveis com o objetivo de construir novas incluindo a realização do teste de HIV e demais e Neonatal, é uma ação recomendada por este desnutrição e às anemias carenciais e prevenção
ofertas de cuidado humanizado à saúde e fortale- exames laboratoriais. Plano. do sobrepeso e obesidade infantil
cer aquelas tradicionalmente dirigidas a mulheres e
crianças, na perspectiva do vínculo, do crescimen- 3. Garantir a proteção contra o tétano neonatal 8. Assegurar a presença de um pediatra treinado A desnutrição é uma das formas mais inaceitáveis
to e desenvolvimento integral da criança de zero a por meio da imunização das gestantes. em reanimação neonatal em todos os partos de violação de direitos que ainda coloca em risco
cinco anos. institucionais. a vida de milhares de meninos e meninas. Para ga-
4. Preparar a gestante para o parto e a maternida- rantir o Direito Humano à Alimentação e a Segu-
Este Plano destaca algumas dessas ações, a respeito de, dando maior ênfase ao apoio psicológico. 9. Qualificar a assistência ao parto domiciliar e ar- rança Alimentar e Nutricional, o Governo Brasilei-
das quais faz sugestões e recomendações. ticular o cuidado à equipe de atenção básica de ro aprovou a Implementação da Política Nacional
5. Criar estratégias e ações interdisciplinares no saúde. Capacitar parteiras tradicionais e doulas de Alimentação e Nutrição e adotou a Estratégia
• Humanização das maternidades e melhoria na pré-natal com o objetivo de melhor configurar nas regiões onde isso é necessário e desenvolver Global para a Alimentação de Bebês e Crianças da

38 39
Primeira Infância (OMS/UNICEF). Essa política está e do recém-nascido à unidade básica de saúde: médicos. médico específico para gestantes, bebês e
lastreada na relevância da nutrição nos primeiros ­crianças com diabetes.
meses e anos de vida, bem como no papel crucial • Avaliação da mulher e do recém-nascido, 2. Capacitar e qualificar a família, bem como os
que práticas alimentares adequadas desempe- com atenção especial ao estado psicológico cuidadores de crianças da rede social extra-fa- 3.8. Necessidades Especiais. Cuidados com
nham na obtenção dos mais positivos resultados da puérpera e ao desenvolvimento do vín- miliar, observando e favorecendo a construção Crianças com Deficiência.
para a saúde dos indivíduos. culo entre a mãe e o bebê; de vínculos afetivos com a mãe, sua figura subs-
• Vacinação da puérpera e do recém-nascido; tituta, o pai, a família e a rede social. 1. Promover e realizar estudos e pesquisas com
Nos últimos anos, os índices de desnutrição infantil • Teste de Triagem Neonatal (conhecido com o objetivo de prevenir, detectar e intervir para
ações
finalísticas
no Brasil caíram sensivelmente. Mas a situação, so-
bretudo da desnutrição crônica, ainda é grave nas
teste do pezinho). 3. Inserir a atenção e os cuidados com o desenvol-
vimento psíquico nos programas de assistência
tratar o mais precocemente possível as dificul-
dades de desenvolvimento.
periferias das grandes cidades, no semi-árido, na 2. Qualificar e sensibilizar as equipes de atenção materno-infantil de saúde pública, tendo em
região amazônica ou em comunidades indígenas e básica para a realização de visitas domiciliares vista o atendimento integral à saúde da criança. 2. Desenhar, implementar e fortalecer progra-
quilombolas, em quase todos os Estados. desde a primeira semana de vida do bebê, vi- mas intersetoriais de saúde integral e educação
crianças com saúde

sando a estimulação para o desenvolvimento 4. Formar equipes interdisciplinares de cuidados especializada dirigidos às crianças com defi-
É também importante acompanhar a qualidade ótimo da criança, atenção e apoio a crianças à criança nas unidades de saúde materno-in- ciência ou com transtornos globais do desen-
dos alimentos consumidos pelas crianças. ­Quando com necessidades especificas. fantil e de atendimento exclusivo à criança, em volvimento, dos quais participem a família e a
a dieta da criança não é balanceada, ela corre o especial colocar profissionais de saúde mental comunidade.
­risco de sofrer da chamada fome oculta, corres- 3. Capacitar as equipes para a atenção às famílias na equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da
pondente à falta de nutrientes básicos cuja carên- de crianças com déficit nutricional e sobrepeso, ­Família (NASF). 3. Informar, assessorar e orientar os pais ou tuto-
cia pode ocasionar vários problemas de saúde. identificação de sinais de maus tratos e negli- res sobre as implicações médicas, psicológicas,
gência, bem como atenção à criança em situa- 5. Capacitar os profissionais das unidades de legais e o tratamento adequado que necessitam
Nas últimas décadas, as diversas mudanças de ção de violência e transmissão de informações ­saúde para a detecção e o manejo dos transtor- as crianças com dificuldades de desenvolvi-
comportamento relacionadas à dieta e atividades preventivas em relação a acidentes na infância. nos mentais infantis. mento, tão logo sejam detectadas.
físicas agravaram a incidência da obesidade infan-
til. As famílias de baixo poder aquisitivo estão ex- 3.6. Acompanhamento do Crescimento e 3.7. Ações de controle e assistência. 4. Desenvolver programas de atenção integral à
postas ao problema, que também tem relação com Desenvolvimento saúde para crianças, adaptados às realidades
a desnutrição na infância, pois pesquisas indicam 1. Expandir a estratégia de Atenção às Doenças das comunidades indígenas, quilombolas e ou-
que crianças com antecedentes de desnutrição A Caderneta de Saúde é um instrumento impor- Prevalentes na Infância (AIDPI). tras comunidades isoladas.
apresentam maior risco de desenvolver a obesida- tante para a melhoria da qualidade de vida, pois
de no futuro. permite aos profissionais e à família o acompanha- 2. Reduzir a Transmissão Vertical do HIV/AIDS 5. Focalizar esforços de promoção do desenvolvi-
mento do processo de crescimento e desenvol- por meio da capacitação de profissionais de mento integral das crianças em áreas de grande
1. Desenvolver ações visando à redução da desnu- vimento da criança. Ela evidencia precocemente saúde e mobilização de gestores, com foco nas vulnerabilidade.
trição crônica e da desnutrição aguda em áreas transtornos que possam afetar sua saúde, nutrição, regiões Norte e Nordeste.
de maior vulnerabilidade. capacidade mental e social. Além disso, alerta so- 3.9. Ações conjuntas e intersetoriais
bre as vacinas e mostra o cumprimento ou não do 3. Prestar apoio psicossocial às crianças soroposi-
2. Desenvolver campanhas de informação, edu- programa de vacinação individual da criança. tivas e seus cuidadores, com direito à convivên- 1. Elaborar e colocar em prática projetos para o
cação e comunicação para uma alimentação cia familiar e comunitária e acesso universal ao desenvolvimento integral da criança, incluindo
adequada em quantidade e qualidade, pro- Essas ações de caráter preventivo podem reduzir tratamento. seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
movendo práticas alimentares e estilos de vida custos com atendimentos de maior complexidade. Implementar processos de trabalhos junto as
­saudáveis. Além disso, as consultas pediátricas representam 4. Reduzir a prevalência da sífilis congênita, equipes de saúde e áreas do controle social que
um momento privilegiado para o acompanha- apoiando e esclarecendo os casais sobre a permitam o acompanhamento da criança por
3. Estimular as ações intersetoriais com vistas ao mento do desenvolvimento global das crianças detecção e tratamento da gestante e seu uma equipe profissional de saúde desde seu
acesso universal aos alimentos. e para detecção de possíveis riscos no campo de ­companheiro. nascimento até os seis anos de idade, estabe-
saúde mental. No entanto, na maioria das vezes as lecendo sólidos vínculos terapêuticos e de per-
4. Fortalecer o Sistema de Vigilância Alimentar e equipes não se encontram preparadas para exercer 5. Promover a saúde auditiva e ocular com espe- tencimento.
Nutricional – SISVAN. essa parte de suas funções. É urgente, portanto de- cial atenção aos testes de triagem.
senhar e aplicar planos de capacitações para esses 2. Realizar, em creches e pré-escolas, ações de
3.5. Vigilância à saúde pela equipe de Atenção profissionais. 6. Promover a saúde bucal. promoção de saúde articuladas com a área da
Básica ­educação.
1. Assegurar o acompanhamento do crescimento 7. Fomentar as medidas necessárias para a detec-
1. Intensificar o cuidado com o recém-nascido e a e desenvolvimento integral da saúde de todas ção precoce de doenças crônicas graves como 3. Fortalecer a articulação dos diferentes progra-
puérpera na primeira semana após o parto, pe- as crianças, por meio da Caderneta de Saúde da o diabetes tipo 1 em toda a população infantil mas de estimulação do desenvolvimento que
ríodo em que se concentram os óbitos, desen- Criança, que deverá estar disponível em ­todos brasileira. operam em diferentes setores do Estado e da
volvendo as seguintes ações que melhorarão a as Unidades de Básica de Saúde Centros de Sociedade Civil, entre organismos governamen-
cobertura e reforçarão a vinculação da mulher Saúde, Maternidades, Hospitais e consultórios 8. Promover programas públicos de ­atendimento tais e organizações não-governamentais.

40 41
porais, afetivas e simbólicas que se estabelecem en- veis do ponto de vista racional, ela não se dá dessa As equipes das creches, pré-escolas e estabeleci-
4. Reforçar a necessidade de articulações interse- tre o bebê e sua mãe (ou substituto). Essas relações forma. Tal preparação, além de reduzir o elevado mentos equivalentes têm um papel preponderante
toriais, em especial nas estratégias relativas ao promovem a inserção do ser humano na cultura e número de cesarianas, pode favorecer o estabeleci- na promoção de saúde mental na primeira infância
aleitamento materno, ao acesso a uma alimen- constroem uma subjetividade, eixo organizador do mento do vínculo com o bebê após o nascimento, e na prevenção de riscos futuros. No que diz res-
tação saudável e no atendimento às crianças desenvolvimento em todas as suas vertentes. Fa- ao ajudar a futura mãe a enfrentar o que muitas peito às creches, espaços educacionais por defini-
com deficiência. lhas nesse processo de constituição da subjetivida- vezes é antecipado por ela como uma experiência ção, mas também espaços potenciais de saúde e
de ocasionam transtornos psíquicos e problemas traumática. assistência,é urgente trabalhar em duas frentes, já
5. Apoiar o desenvolvimento de ações de suporte no desenvolvimento global da criança. assinaladas no capítulo sobre educação infantil: a)
ações
finalísticas
social, em articulação com outros ministérios,
como Ministério da Educação, Ministério do Assim sendo, o bem-estar e o estado saudável da
4.3. Apoio ao pai e à família aumentar a oferta de instituições, para atender à
população infantil que se encontra sem nenhum
Desenvolvimento Social. criança são reflexos do conjunto de suas experiên- Durante o período pré-natal é fundamental o atendimento e b) melhorar a qualidade do acolhi-
cias vitais, vividas em seu ambiente psicossocial, apoio do pai, além do de outros membros da fa- mento das estruturas já existentes. A creche, ofer-
6. Estabelecer parcerias com serviços da socieda- e envolvem, além dos espaços familiares, as ações mília, para a futura mãe e seu bebê. A paternidade tando educação e cuidados complementares aos
crianças com saúde

de civil, como ONGs e OSCIPs, para a imple- próprias dos profissionais de saúde, como também envolve mudanças profundas no papel familiar e prestados pela família, pode ser um ambiente favo-
mentação de ações específicas em situações os espaços educacionais, comunitários e sociais. E social do homem, com repercussões às vezes mar- recedor para a constituição do psiquismo do bebê,
onde os serviços públicos ainda não dispõem uma constatação de grande importância é a de que cantes em seu estado psicológico e em seu rela- se os seus profissionais forem criteriosamente­ se-
dos meios necessários. as formações psicopatológicas têm um alto grau cionamento com a companheira. Com frequência lecionados, capacitados e supervisionados. Em
de mobilidade quando surgem nos primeiros anos considerada erroneamente como secundária pelos caso contrário, essas instituições são fatores de
4. Atenção à saúde mental de vida e, principalmente, que há remissão dessas serviços de atendimento pré-natal, a atenção ao fu- risco para o desenvolvimento e a constituição das
formações quando os cuidados são imediatos. turo pai deve ser incluída nos programas públicos ­crianças.
Os cuidados adequados no início da vida, sejam de promoção de saúde da gestante e do bebê.
eles familiares ou profissionais, são o fator mais Este Plano indica as seguintes modalidades para a Os serviços sociais e educacionais, da mesma ­forma
importante de promoção de saúde mental, en- promoção da saúde mental na primeira infância: 4.4. Acompanhamento no período do pós-parto que os de saúde básica, são, na maioria das vezes,
tendida como resultante de todas as situações de aqueles que primeiro detectam os fatores e sinais
vida da qual a criança participa e pelas quais é in- 4.1. Atenção à gestante A volta para casa com o recém-nascido configura de risco para a criança. O que lhes falta, geralmente­,
fluenciada. É sabido, há décadas, que a privação da um período de adaptação de toda a família, que é o preparo para a observação e o encaminhamen-
relação afetiva contínua e de boa qualidade impri- Durante o pré-natal, assegurar modalidades de deveria ser acompanhado como rotina pelos ser- to adequado aos serviços especializados, tais como
me na criança marcas muitas vezes tão graves que atendimento que ofereçam a atenção à gestante viços de saúde. Em primeiro lugar, com uma liga- os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil
podem levar ao adoecimento e à morte. O laço considerando também suas necessidades e fragili- ção em rede efetiva entre a maternidade e o centro – CAPSI e serviços equivalentes. Realizar essa qua-
afetivo funciona como principal veículo do desen- dades psicológicas. A gestação é um período de in- de saúde ou o serviço de saúde básica, que fará o lificação é tarefa importante para a saúde mental
volvimento humano, a forma mais fundamental de tensas mudanças físicas e psíquicas e, consequen- acompanhamento do bebê. As primeiras consul- das crianças que frequentam creches e pré-escolas.
comunicação. temente, de grande vulnerabilidade emocional, o tas, nas primeiras semanas de vida do bebê, podem
que é frequentemente ignorado ou mesmo negado permitir ao pediatra avaliar não só o estado físico 4.6. Equipes especializadas em saúde mental da
Em condições normais, o bebê nasce com aptidões pelo discurso e pelas práticas sociais vigentes. Os da criança, como também o estabelecimento dos primeira infância
e competências para a vinculação com o outro profissionais das equipes de base devem ser capaci- primeiros vínculos entre mãe e bebê. Além disso,
humano, para a instauração do laço social. Daí a tados para observar e acolher as manifestações de visitas rotineiras em domicilio, a serem realizadas O PNPI enfatiza a necessidade do desenvolvimen-
importância da sensibilização e da capacitação de insegurança e ansiedade da gestante. Sabe-se hoje por agentes de saúde capacitados para apoiar a fa- to dos centros de atendimento especializado, com
todos os profissionais com os quais a criança se re- que as depressões pós-parto, um sério problema mília nos aspectos práticos de cuidados iniciais e equipes multiprofissionais atuando numa pers-
laciona, sendo eles da área de saúde, da educação de saúde pública em razão de sua alta incidência e na relação inicial pais-bebê, pode resultar em pro- pectiva interdisciplinar para o tratamento dos dis-
infantil, ou de abrigos. Nesses últimos casos, a rela- dos riscos que representam para o desenvolvimen- moção importante de saúde num período crítico túrbios precoces do desenvolvimento e da cons-
ção com a criança, por sua duração e importância to do bebê, na maioria das vezes já se prenunciam da vida da criança. Tais propostas envolvem a ca- tituição psíquica das crianças, preparadas para o
quotidiana, é da maior relevância para o estabele- durante a gravidez. Muitas das tensões emocionais pacitação dos profissionais de saúde para sensibi- atendimento do bebê ou da criança pequena e de
cimento de uma base segura para a saúde física e da gravidez podem ser aliviadas por uma escuta lizá-los às dimensões psíquicas das relações iniciais sua família. Tais equipes podem ser inseridas nos
psíquica da criança. atenciosa e aberta da parte dos profissionais. entre a criança e seus pais, como também para serviços já existentes, em especial na rede de aten-
prepará-los para a observação de eventuais fatores ção psicossocial composta pelos CAPSI e outros
As experiências infantis precoces adquirem hoje Essa função pode ser desempenhada pelos agentes de risco para o desenvolvimento global do bebê, serviços ligados ao SUS. Tais ações exigem a for-
maior relevância em decorrência das descobertas de saúde básica devidamente sensibilizados para permitindo o encaminhamento a tempo para os mulação de políticas públicas consistentes e con-
sobre a maturação, o desenvolvimento, os pro- essa dimensão emocional da experiência da mater- serviços de atendimento especializado em saúde tínuas, permitindo a ampliação do acesso e quali-
cessos psíquicos e seus correlatos neuroquímicos nidade. mental da infância. Sabe-se que as intervenções ficação da atenção oferecida pela rede pública às
que ocorrem nos primeiros anos de vida. A noção precoces têm maiores chances de sucesso quanto crianças pequenas que apresentem manifestações
de subjetividade se relaciona de modo solidário 4.2. Preparação e atenção ao parto mais cedo forem realizadas. de sofrimento psíquico.
e interdependente com as noções de maturação,
crescimento e desenvolvimento. As bases da saú- Há décadas, em outros países, a preparação para 4.5. Serviços complementares: Assistência Social e 4.7. Construção de redes profissionais de atenção
de mental se estabelecem, portanto, nos primeiros o parto conduzida por uma equipe multiprofissio- Educação e cuidados à primeira infância
anos de vida e são dependentes das relações cor- nal. No Brasil, por razões dificilmente compreensí-

42 43
A construção de redes de apoio à parentalidade

educação infantil
torna-se um imperativo em função das mudanças
culturais e sociais que isolam os pais em famílias
nucleares, deslocados em ambientes urbanos mui-
tas vezes hostis e violentos, distantes de seus gru-
pos familiares de origem. A rede é resultante de um
trabalho coletivo, construída a partir de iniciativas
múltiplas. Profissionais com características, res-
ações
finalísticas
ponsabilidades e funções diferentes realizam um
trabalho em conjunto, tendo como foco comum
o bebê e seus familiares. Trata-se de um dispositivo
que exige a complementaridade das ações e pres-
supõe necessariamente a diversidade dos papéis e
crianças com saúde

das responsabilidades de cada um dos agentes en-


volvidos, o que indica a complexidade e a delicade-
za da sua construção.

Nesse sentido, a rede CAPSI, que exerce um papel


estratégico na articulação com outros serviços de
saúde e com os equipamentos de assistência social,
educação e justiça, entre outros, tem um papel
preponderante na construção e desenvolvimento
das redes de atenção à primeira infância. Por essa
razão, o PNPI enfatiza a necessidade de expansão,
fortalecimento e qualificação profissional dessas
estruturas.

O atendimento à criança pequena e aos seus fa-


miliares requer formação e preparação específicas,
para o que é prioritário o interesse e o investimento
público.

5. Campanhas educativas e
informativas.
O PNPI recomenda a realização de campanhas
de informação, educação e comunicação sobre a
criança, por meio de ampla divulgação na mídia, a
respeito da importância do aleitamento materno e
da alimentação saudável, da estimulação do desen-
volvimento, da prevenção de atrasos, transtornos e
violência familiar, e outros tópicos relevantes para
a vida saudável durante a primeira infância.

Considerando que a melhor estratégia de saúde


visando à redução da morbi-mortalidade infantil
e, consequentemente, à promoção de saúde, está
vinculada ao alcance de maior grau de escolaridade
materna, medidas que criem oportunidades de es-
tudo para as mulheres devem ser priorizadas.

44
Desde a mais tenra idade,
(todas as crianças) devem ser
incentivadas a participar da vida
cultural da sociedade
em que vivem.
ações
finalísticas
ONU – Conferência de Cúpula sobre a Criança, 1990.

Análise da realidade período é a mais perdulária e a mais injusta atitude mais feliz, sedimenta a base do desenvolvimento de educação infantil não anula o direito de cada
que se pode ter contra o ser humano e contra o pessoal posterior, assegura maior resultado na edu- criança, antes deve ensejar uma decisão política
educação infantil

A educação é o mais poderoso instrumento de for- País. O descuido com a infância é a negação prévia cação escolar, traduzido em melhor aprendizagem mais eficaz e a busca de novas fontes ou volumes
mação humana e de desenvolvimento intelectual, da criança e, consequentemente, é uma restrição, no ensino fundamental e médio16, aumenta ganhos mais consistentes de recursos. Estabelecer metas de
social e econômico. Dela depende o progresso nas deliberada ou não, mas nunca sem responsabilida- financeiros futuros e reduz gastos posteriores em alcance progressivo da universalização do direito
ciências, a inovação tecnológica, a invenção do fu- de moral, à formação da pessoa. programas sociais17. universal, como faz o Plano Nacional de Educação,
turo. Mas ela é, também, a condição indispensável é uma estratégia que compatibiliza dever e esforço,
para a realização do ser humano. É considerada bá- No Brasil, há 20 milhões de crianças de até seis anos Mesmo sendo constatado que o investimento na desejo e compromisso. Pois o dever do Estado não
sica aquela educação que toda pessoa precisa ter de idade, sendo 10,9 milhões do nascimento aos infância produz a maior taxa de retorno econô- está condicionado às disponibilidades de recursos,
para integrar-se na dinâmica da sociedade atual e três anos e 9,1 milhões dos quatro aos seis anos. mico e também social, comparativamente com antes deve providenciar formas de cumpri-lo18.
realizar seu potencial humano. Dessas, tão somente 17,1% estão tendo oportuni- outros investimentos, o propósito principal, mais
dade de acesso a algum tipo de atendimento edu- digno e justo, é cumprir o dever de atender, com 2. Diretrizes
A educação infantil é a primeira etapa da educação cacional em creches (0 a 3 anos) e cerca de 77,6% prioridade, o direito a criança aos meios necessá-
básica. Esta não pode mais se constituir a partir na faixa de 4 a 6 anos (pré-escola)15. Considerando rios para o seu desenvolvimento. Em termos hu- A ação do Estado na educação infantil se realiza
do ensino dito “fundamental” ou obrigatório, pois que nos ambientes de miséria – que afeta cerca de manos, o retorno que o País deve buscar para seus em instituições próprias, chamadas, pela LDB, de
este já é considerado a segunda etapa do processo 15% da população brasileira – e de pobreza, que investimentos na infância não deve ser medido em creches e pré-escolas e que a prática dos sistemas
educacional da pessoa, construído sobre as estru- atinge a 27% de pessoas – a proporção de crianças cifrões, em inserção no mercado de trabalho, em de ensino vem consagrando como centros de edu-
turas psicomotoras, afetivas, sociais e cognitivas pequenas é maior do que nos ambientes socioeco- renda familiar futura e em produtividade e, sim, cação infantil.
dos primeiros cinco ou seis anos de vida. Diversas nômicos mais aquinhoados, e que, inversamente, na expressão de vida, no desenvolvimento e no
ciências comprovam a importância da educação é naqueles ambientes que o atendimento é mais bem-estar de suas crianças pequenas. Nosso sen- Este Plano Nacional pela Primeira Infância con­
infantil, tanto na formação da personalidade, na precário, que as crianças têm menos chance de fre- so de justiça diz que é inadmissível que as crianças signa, da legislação, da política educacional e da ex-
constituição do sujeito, no auto-conceito, nos valo- quentar uma creche e uma pré-escola, a exclusão sofram violência, sejam abandonadas ou passem periência pedagógica, as seguintes diretrizes para
res que vão sustentar as opções e decisões ao longo no início da vida está causando uma sequência de fome… porque são seres humanos, porque tem orientar as ações nele previstas:
da vida, quanto no que diz respeito à capacidade exclusões que vão se agravando e consolidando ao direitos à integridade física e moral, à satisfação
de aprender e agir. Mais recentemente, a neuroci- longo dela. de suas necessidades básicas… Segundo o mesmo 1. A educação infantil é a primeira etapa da edu-
ência vem descobrindo a importância de uma es- raciocínio, não é justo serem as crianças privadas cação básica. Essa designação não quer caracte-
timulante interação educativa e de um ambiente Intervir nessa primeira etapa, com um programa da educação inicial que enriquece de sentido sua rizar, primeiramente, uma posição cronológica
heurístico nos primeiros anos de vida, sobretudo de educação infantil de qualidade, é uma estraté- infância e fortalece suas capacidades de desenvol- no processo de aprendizagem. Ela é primordial-
porque é nesse período que se formam com mais gia inteligente e eficaz, como atestam pesquisas re- vimento e aprendizagem. mente conceitual. Segundo as ciências que es-
celeridade e consistência as sinapses cerebrais, que centes, pois garante uma vida mais plena para toda tudam a criança, é nesse período da vida que
definem as capacidades, as habilidades e o poten- criança de qualquer ambiente socioeconômico, A dificuldade do Poder Público em conseguir os re- se constroem as estruturas do aprender, que
cial intelectual e social da pessoa14. Descuidar desse possibilitando que as crianças vivam uma infância cursos necessários para atender a toda a demanda abrem vias para as aprendizagens seguintes. A

14. SHORE, Rima. Repensando o Cérebro – novas visões sobre o desenvolvimento inicial do cérebro. Porto Alegre : Mercado Aberto. 2000. Ele diz: http://www.odi.org.uk/publications/working_papers/wp280.pdf. SEN, A. Romper el ciclo de la pobreza. Invertir en la infancia. Banco Interamericano de
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preschool experience in children’s development: Longitudinal Findings From 10 countries. Ypsilanti, MI: High/Scope Press. Weikart, D. P., Olmsted, P.P., & PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO
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de Edward Anderson and Sarah Hague. Overseas Development Institute, Working Paper 280, London - June 2007, en: EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

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primeira base da educação e da aprendizagem t­ écnicas que conduzam à melhoria da quali- 11. A qualificação inclui, entre outras coisas, o co- 16. Embora a educação infantil seja um direito de
é construída nesse período. Em coerência com dade dos serviços oferecidos, nhecimento das bases científicas do desenvol- toda criança, em vista da progressividade no
essa concepção, a educação infantil entra no • tomadas medidas de natureza política, tais vimento integral da criança, o processo de pro- alcance da meta de atendimento, a expansão
planejamento dos sistemas de ensino não tan- como decisões e compromissos dos gover- dução de aprendizagens em todos os campos da oferta pública há de priorizar as crianças das
gencialmente, mas constitutivamente; nantes em relação às crianças, da atividade humana – pensamento e lingua- famílias de menor renda. As novas instituições
• adotadas medidas econômicas que garan- gem, vida social, a habilidade de reflexão sobre de educação infantil serão construídas primeiro
2. A educação infantil forma estrutura de base do tam os recursos financeiros necessários e a prática e uma boa prática metodológica que nas áreas socioeconômicas de maior necessida-
desenvolvimento da pessoa. Sobre essa base se • postas em prática ações administrativas dê segurança para o início do trabalho; de (demanda, déficit de atendimento, propor-
ações
finalísticas
levanta o edifício das aprendizagens posteriores
e o modo de ser ao longo da vida. Em razão des-
visando articular os setores envolvidos no
atendimento dos direitos das crianças, 12. Deverá ser organizado um processo de forma-
ção de mulheres exercendo trabalho extra-
domiciliar, baixa renda familiar, baixo índice de
sa verdade, ela tem que ser tratada como algo como a educação, a saúde, a assistência so- ção permanente, em que o conhecimento e as desenvolvimento da educação básica – IDEB,
muito sério, de grande responsabilidade social, cial, a justiça, o trabalho, a cultura, a comu- competências na educação das crianças irão se entre outros), nelas concentrando o melhor de
de profundo compromisso ético e político; nicação social e outras. nutrindo do cotidiano da educação, da cultura, seus recursos técnicos e pedagógicos;
educação infantil

da ética e da estética;
3. Uma vez que a educação da criança pequena 7. A articulação das instituições de educação in- 17. O atendimento em tempo integral deve con-
acontece na família, na sociedade e nas ins- fantil com as famílias visa primordialmente ao 13. A dicotomia histórica entre a creche e a pré-es- templar em primeiro lugar os filhos de pais tra-
tituições especializadas para esse fim, os es- conhecimento mútuo dos processos de edu- cola, expressa no binômio cuidado x educação balhadores e as crianças em situação de vulne-
tabelecimentos de educação infantil devem cação, valores éticos e culturais, necessidades e no atendimento de crianças das classes popu- rabilidade, nas suas diferentes formas;
­estar presentes para complementar a educação e expectativas existentes em ambos, de tal lares x educação das crianças da classe média
recebida pela criança em sua família e em sua maneira que a educação familiar e a escolar se e alta vem sendo superada progressivamente 18. Às famílias que optem por cuidar e educar seus
comunidade­; complementem e se enriqueçam, produzindo por duas vias. Administrativamente, ela come- filhos de até três anos em casa, o Estado ofe-
trocas de saberes, com aprendizagens coeren- ça a ser superada pela determinação da LDB de recerá apoio e orientação técnica pelos meios
4. A oferta da educação infantil é dever do Estado tes, mais amplas e consistentes; que as creches integrem o respectivo sistema de que melhor se adéquem;
e deve ser assegurada a toda criança que dela ensino. Mas é preciso alcançar uma superação
necessite ou por ela demande, por meio de sua 8. As três esferas administrativas do Poder Público estrutural, o que pode ser realizado pela elabo- 19. O princípio constitucional e as determinações
família ou de seus responsáveis. A obrigatorie- – União, Estados e Municípios – têm compe- ração de uma proposta pedagógica integrada legais de integração das crianças com deficiên-
dade constitucional da pré-escola, introduzida tências e responsabilidades frente à educação para o segmento 0 a 5 anos e onze meses, que cia no sistema regular, bem como a política da
pela Emenda nº 59/2009, deve ser entendida infantil. Aos Municípios compete atuar priori- conduza a uma prática que respeite o processo educação inclusiva, serão, na educação infantil,
como reforço ao dever do Estado de garantir tariamente nessa etapa e no ensino fundamen- sequencial de aprendizagem e desenvolvimen- implementadas com programas específicos de
essa educação para todas, considerando que tal, somente podendo oferecer ensino médio to da criança. Mesmo considerando o ingresso orientação às famílias, qualificação dos profes-
sua relevância para o desenvolvimento integral ou superior depois de universalizado o aten- das crianças no ensino fundamental a partir do sores na formação inicial e na educação conti-
é tão grande que nenhuma criança dela seja pri- dimento nos dois níveis anteriores. A União e início do sexto ano de vida, é pedagogicamente nuada e com a incorporação dos parâmetros
vada. Sobre o caráter impositivo da norma so- os Estados devem atuar subsidiariamente na recomendável que o conteúdo e o método de do Desenho Universal e da acessibilidade aos
breponha-se o fascínio pelo espaço do brincar, educação infantil por meio de apoio técnico e educação nesse sexto ano sejam objeto de tra- projetos dos estabelecimentos quanto às con-
do relacionar-se, do aprender. Medidas especí- financeiro aos Municípios, consoante o art. 30, balho conjunto da educação infantil e do ensi- dições físicas, mobiliário, equipamentos e ma-
ficas devem ser postas em prática para que a VI, da Constituição Federal; no fundamental; teriais pedagógicos;
obrigatoriedade de frequência à pré-escola não
coloque a creche em segundo plano quanto à 9. As inversões financeiras na expansão e na me- 14. O direito à educação infantil é assegurado por 20. A educação infantil seguirá, entre outras, as se-
sua relevância no desenvolvimento e aprendi- lhoria da educação infantil são aplicações em lei – art. 10, § 4º da Lei nº 11.494/2007 – até o guintes diretrizes pedagógicas nacionais:
zagem. Entre essas medidas, a garantia de recur- direitos básicos dos cidadãos na primeira etapa término do ano letivo em que a criança com-
sos financeiros tem grande relevância; de suas vidas, não devendo ser caracterizados pleta seis anos de idade. Esse direito deve ser a) indissociação entre educação e cuidado:
como gasto, mas como investimento. Tais in- defendido sob o enfoque do respeito à infância. ambos são aspectos de uma mesma e única
5. As propostas pedagógicas devem ser formula- versões resultarão em maior qualidade de vida Os tempos da criança não devem ser forçados realidade. A superação das práticas histó-
das com a participação dos professores e das na infância, redução da vulnerabilidade social e artificialmente por interesses em antecipar o ricas de que a creche existe para cuidar da
famílias, a partir e fundamentadas nas diretri- melhoria do Índice de Desenvolvimento ­Infantil desenvolvimento de habilidades ou a aquisição criança e a pré-escola para ensinar vem se
zes curriculares e operacionais para a educação – IDI de nosso País; de conhecimentos, o que pode acarretar riscos dando na medida em que os profissionais
infantil, elaboradas pelo Conselho Nacional de para a integridade psíquica da criança; vão percebendo que uma ação aparente-
Educação e complementadas, respectivamente, 10. Os professores são mediadores no processo de mente só de cuidado transmite valores, en-
pelos sistemas de ensino do Estado, do Distrito aprendizagem e desenvolvimento da criança. 15. Além da diversidade regional, a proposta peda- sina e forma percepções sobre algum ângu-
Federal e/ou do Município; Considerando a peculiar condição de desen- gógica de cada instituição levará em conta os lo da vida e que uma ação aparentemente
volvimento e formação da personalidade na valores e as expressões da cultura local como só “educacional” é envolvida por gestos de
6. Para que possa ser cumprido esse direito, primeira infância, os sistemas de ensino de- base sócio-histórica sobre a qual as crianças ­cuidado;
­deverão ser vem primar para que essa etapa da educação iniciam a construção de suas personalida-
básica seja atendida pelos profissionais mais des. Infância e cultura formam um binômio b) a faixa etária do nascimento até cinco anos
• elaboradas orientações pedagógicas e ­qualificados; inseparável;­ e onze meses deve ser entendida como um

48 49
período único, sequencial, evitando-se as diação do professor para que o processo de volvimento das atividades, conforme as municipal de educação preparados para essa
segmentações de conteúdo de aprendiza- aprendizagem e desenvolvimento alcance diretrizes curriculares e a metodologia da função e, quando necessário, com apoio de ins-
gem, áreas de desenvolvimento ou proces- níveis sempre mais elevados. educação infantil, incluindo o repouso, a ex- tituições de ensino superior, e com a coopera-
sos pedagógicos entre creche e pré-escola e pressão livre, o movimento e a brincadeira; ção técnica e financeira da União e dos Estados,
primeiro ano do ensino obrigatório. A dis- g) proposta pedagógica deve contemplar os Esse programa visa à atualização permanente
tinção entre aquelas duas instituições é me- princípios que fundamentam a formação e) mobiliário, equipamentos e materiais peda- e o aprofundamento dos conhecimentos dos
ramente etária, para efeito de organização da criança para o exercício progressivo da gógicos na escala da criança, seguros e com profissionais que atuam na educação infantil,
dos grupos e dos espaços; autonomia, da responsabilidade, da sensi- manutenção e reposição permanentes, sus- bem como à formação do pessoal auxiliar.
ações
finalísticas c) a pedagogia adotada na educação de crian-
bilidade, da solidariedade, da criticidade e
guiar uma prática de cuidado e educação
tentados, na sua concepção, pelo projeto
pedagógico; 7. Assegurar que todos os Municípios tenham seu
ças de seis anos de idade, mesmo no ensino na qual os aspectos físicos, emocionais, afe- Plano Municipal de Educação, do qual faz parte
fundamental, deve corresponder às carac- tivos, cognitivos, sociais e culturais estejam f) adequação às características das crianças a educação infantil, em consonância com o Pla-
terísticas da infância, à forma própria da sempre integrados e, finalmente, promover com deficiências, incorporando os parâme- no Nacional de Educação.
educação infantil

criança expressar-se, participar, aprender. a interação com as famílias; tros do Desenho Universal e da acessibilida-
Compete às instituições e aos profissionais de aos projetos arquitetônicos, de mobiliá- 8. Assegurar que, em três anos, todas as institui-
de educação infantil manter uma interlo- h) os espaços físicos devem obedecer a padrões rio, assim como aos materiais pedagógicos; ções de educação infantil tenham formulado,
cução com os do ensino fundamental para de infra-estrutura para o atendimento da di- com a participação dos profissionais de edu-
assegurar a continuidade com o mínimo de versidade das crianças, suas características e 3. Adaptar os atuais prédios de educação in­fantil cação, das famílias e das organizações repre-
rupturas na sequência de conteúdos e mé- necessidades e a realização das atividades de sorte que, em cinco anos, todos estejam sentativas da comunidade, seus projetos pe-
todos entre as duas instituições; pedagógicas. Somente serão autorizados conforme os padrões mínimos de infra-estru­ dagógicos, atendendo as diretrizes curriculares
a construção e o funcionamento de novas tura estabelecidos; nacionais e as diretrizes curriculares para a pro-
d) a busca por fazeres pedagógicos cada vez unidades de educação infantil que atendam moção da igualdade racial, do Conselho Nacio-
mais qualificados deve constituir uma deci- aos referidos padrões, consagrados pelo 4. Estabelecer um Programa Nacional de Forma- nal de Educação. E assegurar que esses projetos
são e um esforço permanente para todas as Desenho Universal e pelos parâmetros de ção inicial e continuada dos profissionais de estejam sendo aplicados.
instituições de educação infantil. Embora o ­acessibilidade. educação infantil, com a colaboração da União,
conceito de qualidade se modifique ao lon- Estados e Municípios, inclusive das universida- 9. Estabelecer em todos os Municípios, no prazo
go do tempo, esteja relacionado à cultura 3. Objetivos e metas des e institutos superiores de educação e or- de três anos, um sistema de acompanhamento,
do grupo, da comunidade e da região, ele ganizações não-governamentais, que realize as controle e supervisão da educação infantil, nos
envolve parâmetros mínimos nacionais e 1. Ampliar a oferta de educação infantil de forma seguintes metas: estabelecimentos públicos e privados, visando
locais. Tais parâmetros devem ser bem co- a atender, até 2016, a 40% da população de até ao apoio técnico-pedagógico para a melhoria
nhecidos e utilizados como referentes para 3 anos de idade e 100% da população de 4 e a) que, em cinco anos, 70% dos dirigentes de da qualidade e à garantia do cumprimento dos
a avaliação da instituição, do trabalho do- 5 anos e, até o final deste Plano, em 2022, al- instituições de educação infantil possuam padrões mínimos estabelecidos pelas diretrizes
cente e da atuação das crianças, bem como cançar a meta de 70% das crianças do primeiro formação apropriada em nível superior e, nacionais e estaduais. Estimular nesse trabalho,
para a construção de um plano de busca grupo, mantendo a universalização do atendi- em 10 anos, 100%; a participação das instituições de ensino supe-
permanente da qualidade; mento obrigatório na faixa de 4 e 5 anos; rior, bem como de organizações da sociedade
b) que, em cinco anos, todos os professores te- civil com comprovada experiência na área.
e) a ludicidade deve ser sempre presente nas 2. Promover as complementações e especifica- nham habilitação específica de nível médio
relações e ações educacionais, tanto na sua ções para adequar às características climáticas e, em dez anos, 100% tenham formação es- 10. Instituir mecanismos de colaboração entre os
dimensão de cuidado quanto de educação e culturais locais, aos padrões mínimos de infra- pecífica de nível superior; setores da educação, cultura, saúde e assistên-
e cultura, condizente com o modo de ser, estrutura das instituições de educação infantil cia na manutenção, expansão, administração,
­viver e aprender da criança pequena; (creches e pré-escolas) públicas e privadas, ela- c) que, em dez anos, todos os professores te- controle e avaliação das instituições de atendi-
borados pelo Ministério da Educação, nos itens: nham formação em educação inclusiva e mento das crianças de zero a três anos de idade.
f) a avaliação ocorre permanentemente, e em libras.
emprega diferentes meios, como a observa- a) espaço interno, com iluminação, insolação, 11. Garantir, por meio de uma ação conjunta da
ção, o registro, a reflexão sobre o desenvol- ventilação, visão para o espaço ex­terno, 5. A partir da vigência deste plano, somente admi- União, dos Estados e dos Municípios, a alimen-
vimento das atividades e projetos, sobre as rede elétrica e segurança, água potável, tir profissionais graduados em curso de peda- tação escolar para as crianças atendidas, nos
hipóteses e descobertas das crianças; ­nunca ­esgotamento sanitário; gogia ou similar, com habilitação em educação estabelecimentos públicos e conveniados de
como ato formal de teste, comprovação, infantil e, esgotada essa disponibilidade, os que educação infantil.
atribuição de notas e atitudes que sinali- b) instalações sanitárias e para a higiene possuam a titulação de nível médio, modali-
zem punição – processos externos e arti- ­pessoal das crianças; dade normal, com habilitação específica. Nos 12. Assegurar, em todos os Municípios, o forneci-
ficiais que bloqueiam a manifestação ­livre concursos públicos para a educação infantil, mento de materiais pedagógicos adequados
e espontânea da criança. Ela será sempre c) instalações para preparo e/ou serviço de ali- seja exigida a formação em libras. às faixas etárias e às necessidades do trabalho
­sobre a criança em relação a si mesma e não mentação; educacional, e representativo da diversidade ét-
comparativamente com as outras crianças, 6. Criar, em cada Município, ou por grupo de Mu- nico-cultural das crianças, segundo os padrões
com o objetivo de melhorar a forma de me- d) ambiente interno e externo para o desen- nicípios, um programa de formação contínua mínimos de infra-estrutura definidos a que se
em serviço, coordenado por técnicos do órgão

50 51
a família e a
refere a meta nº 2.

13. Implantar progressivamente o atendimento em

comunidade da criança
tempo integral para as crianças de 0 a 5 anos
e onze meses ou, segundo normas do sistema
municipal de ensino, adotar diversidade de ho-
rários que atendam à necessidade das famílias.

ações
finalísticas
14. Realizar estudos sobre custo da educação in-
fantil e sobre os efeitos de curto, médio e longo
prazo da frequência à educação infantil. Asse-
gurar financiamento público nos órgãos com-
petentes para tais estudos. Divulgar amplamen-
educação infantil

te os resultados desses estudos.

15. Ampliar a oferta de cursos de formação de


professores em nível superior, com conteúdos
e prática pedagógica específicos sobre desen-
volvimento e educação na primeira infância,
visando a que todos os profissionais que atuam
na educação infantil sejam formados em curso
de pedagogia, com habilitação em educação
infantil.

16. Estabelecer uma política de conveniamento do


setor público com entidades sociais beneficen-
tes de assistência social sem fim lucrativo que
oferecem educação infantil, que inclua, entre
outros itens, diretrizes, critérios de qualidade,
orientações operacionais e garantia de assis-
tência técnica visando ao alcance do padrão
de qualidade estabelecido para o atendimento
público.

17. Participar, com ações de educação infantil, de


programas desenvolvidos pelos setores de as-
sistência social, saúde e justiça, voltados às fa-
mílias ou responsáveis por crianças com idade
entre zero e seis anos, que ofereçam orientação
e apoio à educação de seus filhos, assistência
financeira, jurídica e de suplementação alimen-
tar nos casos de pobreza, violência e outras for-
mas de violação de direitos.

18. Solicitar aos diretores dos estabelecimentos de


educação infantil que orientem os professores
para que, ao constatarem caso de violência
contra as crianças, o relatem à direção e esta
faça o devido encaminhamento aos setores
competentes.

52
A família, como grupo fundamental
e ambiente natural para o crescimento
e o bem-estar da criança, deve
receber toda a proteção e a
assistência necessárias.
ações
finalísticas
ONU – Conferência de Cúpula sobre a Criança, 1990.

Análise da realidade de diversos tipos e funções, às quais a família foi da criança. as oportunidades de desenvolvimento das crianças
atribuindo parcial ou totalmente as funções que e mantém os mecanismos de transmissão interge-
a família e a
comunidade da criança

As pessoas têm diferentes concepções e defini- lhe eram inicialmente exclusivas em relação aos É na família que a criança deve receber os cuidados racional de pobreza e exclusão. As crianças são as
ções de família, moldadas pelas diversas experiên- filhos pequenos. Um expressivo número de famí- (que incluem a alimentação, a saúde e a higiene) mais atingidas com essa situação adversa, agravada
cias pessoais e práticas culturais. Nesse texto ela é lias, com tendência crescente, vem renunciando ao e educação que garantam a sobrevivência e o de- pelo fato de o maior o número de crianças até os
entendida num sentido amplo, de modo a evitar exercício do direito e dever de zelar por seus filhos senvolvimento. É também ali que ela estabelece seis anos estar nas famílias mais pobres.
qualquer exclusão. O termo família não se refere a e prover seu cuidado e educação desde seus pri- relações íntimas e constantes com a mãe, o pai e
um objeto, a uma coisa material, mas diz respeito meiros anos de vida. A responsabilidade e a função outras pessoas de seu grupo, que desencadeiam 2.2. A família precisa ser valorizada nas suas
ao sentimento que as pessoas têm e que emerge essencial de cuidar e educar seus filhos pequenos seu processo de socialização humana, desenvol- possibilidades de discutir, refletir e definir seu
de formas particulares de se relacionarem entre si. não podem ser alienadas ou delegadas pela família vem a auto-estima e, de modo geral, formam a próprio projeto de vida, e isto inclui a forma de
A noção de família vincula-se, pois, a algo que per- a instituições sociais, mas, antes com elas partilha- ­personalidade. criar e educar suas crianças.
tence ao mundo social, das relações humanas, em das. Essas instituições apoiam e complementam
suas diferentes formas de organização e relações de tais ações. Em benefício da criança, portanto, é Com dinâmica própria, na diversidade da forma- No passado, as famílias sabiam como criar os seus
parentesco. São relações de solidariedade e total preciso reforçar as funções familiares e as condi- ção étnica e cultural, nas múltiplas maneiras como filhos com base nas tradições e orientadas pelos
comprometimento entre os seus membros. ções necessárias para exercê-las. vêm se configurando, a família é vista”… como mais velhos. Nas ultimas décadas, com o desen-
espaço privilegiado para a prática de valores co- volvimento das ciências e a grande quantidade de
Por dizer respeito a um sentimento, o termo famí- No Preâmbulo da Convenção dos Direitos da munitários e o aprofundamento de relações de informações que elas recebem pelos meios de co-
lia pode ser estendido a todo agrupamento huma- Criança, os chefes de Estado afirmaram estar “con- ­solidariedade”19. municação, e, do outro lado, pela modificação da
no que assim se auto-denomina. Além disso, por vencidos de que a família, como grupo fundamental estrutura familiar, percebe-se insegurança e deso-
ser um sentimento que emerge e pertence ao mun- da sociedade e ambiente natural para o crescimento A Constituição Federal estabelece que a “família rientação que toma conta da maioria e que atin-
do das relações humanas, ele é histórico e cultural. e bem-estar de todos os seus membros, e em particu- é a base da sociedade” (Art. 226) e que, portanto, ge todos os âmbitos da vida: qual é a alimentação
A família muda na sua concepção, nas formas de lar das crianças, deve receber a proteção e assistên- compete a ela, juntamente com o Estado e a so- adequada? O que devo fazer em caso de doença?
organização e nas suas funções, em decorrência de cia necessárias a fim de poder assumir plenamente ciedade e, nesta, particularmente as comunidades, O que devo permitir e o que não? Como lidar com
fatores históricos e sociais. A industrialização foi suas responsabilidades dentro da comunidade”. assegurar à criança e ao adolescente o exercício de a televisão, com os jogos eletrônicos, com o com-
um dos fatores mais veementes, no século XVIII, seus direitos fundamentais (Art. 227). Neste artigo, putador? Muitas perguntas e muitas respostas
da alteração dos padrões tradicionais de cuidado Entende-se então, neste Plano, a família como o a Constituição especifica os direitos fundamentais contraditórias. É um desafio hoje para qualquer
e educação familiar das crianças pequenas. Em grupo primário que acolhe, apoia e acompanha a da criança, dentre os quais o direito às diferentes família, independentemente da classe social, achar
decorrência dela e de outros fenômenos, a urba- criança em seu lar, e que satisfaz suas necessidades formas de convívio familiar e coletivo. o seu caminho, o seu estilo, no meio das muitas in-
nização passou a influir grandemente na estrutu- de saúde, alimentação, afeto, brincadeiras, comuni- formações.
ra e nos papéis familiares com repercussões sobre cação, segurança e aprendizagem e conquista pro- Temos um contingente numeroso de famílias com
aquelas funções de cuidado e educação. No século gressiva de autonomia nos anos iniciais da vida. crianças pequenas lutando para sobreviver. Ape- O que antigamente eram ações intuitivas, apoiadas
XX, são citadas a globalização, a informatização e a sar de os dados censitários e amostrais, levantados pelas tradições familiares, pelas crenças religiosas,
flexibilização do mercado de trabalho, entre outros Este Plano inclui ações por meio das quais o Estado pelo IBGE, apontarem melhorias em vários aspec- pelos saberes que vicejavam nas comunidades, hoje
fatores, como fortes determinantes das formas de pode assistir as famílias no cumprimento de suas tos que têm relação com o desenvolvimento das precisa ser conquistado conscientemente, levando
convivência e da qualidade das relações familiares. funções primordiais de cuidado, socialização e crianças, como a diminuição do analfabetismo e em conta a observação das próprias crianças e as
Esses fenômenos causam impactos que alteram a educação conforme estabelece o art. 227 da Cons- o maior número de residências com saneamento descobertas científicas. Só assim as famílias serão
relação dos genitores com os filhos pequenos: re- tituição Federal. A decisão por essas ações se fun- básico, a desigualdade na distribuição de renda se capazes de elaborar e executar seus projetos de
duz o tempo de convivência, separa pais e filhos damenta nos seguintes pressupostos: alterou muito pouco nos últimos anos. A alarman- vida na realização da função social de criar e edu-
por ocupações – trabalho e brinquedo, modifica te desigualdade socioeconômica das famílias bra- car suas crianças. E é o exercício mesmo do cuidar
os papéis no cuidado e educação, induz ao surgi- 2. Pressupostos sileiras, além de injusta e inaceitável, compromete e educação que aperfeiçoa a família nessa função.
mento e ampliação de instituições sociais de apoio
à família no cuidado e educação de seus filhos. 2.1. A família é, na sociedade atual, a instituição
que desempenha o papel central e ­insubstituível
Na sociedade moderna, foram surgindo i­nstituições de atender às necessidades de desenvolvimento 19. MAURÁS, M. e KAYAYAN, A. Apresentação, em: KALOUSTIAN, S.M. (org.). Família brasileira: a base de tudo. São Paulo: Cortez, Brasília : UNCEF, 1998.

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2.3. É preciso construir novas práticas sociais é preciso criar oportunidades de diálogo em que técnicas que propiciem, nos espaços de atendi-
com as famílias, de caráter coletivo, participati- pais e familiares sejam os protagonistas, e os profis- mento à família, o fortalecimento do sentimen-
vo e solidário, que envolvam instituições, asso- sionais ou outras pessoas envolvidas sejam os co- to de família e de infância, que torne possível
ciações e movimentos da comunidade. adjuvantes. Estes devem ter por certo e prática de unir as pessoas para “viverem em comum”, dan-
que os pais e familiares são capazes de refletir sobre do expressão viva ao sentido de comunidade.
A unidade família e comunidade são os pontos de seus problemas, de buscar e encontrar as formas
partida das práticas sociais de cuidado e educação de resolvê-los, com o apoio de interlocutores que 4. Utilizar os espaços mais adequados para o en-
das crianças. Ambas precisam ser fortalecidas, por podem lhes trazer as orientações e informações de contro com os grupos familiares, entre os quais:
ações
finalísticas
meio de apoios direcionados ao maior e melhor
usufruto de bens e serviços de sorte que produzam
que necessitam. (a) os locais que as famílias já frequentam, apro-
veitando-se das unidades de saúde, as institui-
efeitos reais na melhoria da qualidade de vida e 2.5. Uma base de apoio às famílias é construída ções de educação infantil e do serviço social, as
revertam o processo de exclusão a que estão sub- com uma política social que erradique a miséria igrejas, as associações de moradores e outros;
metidas. Exemplificando, a saúde e a educação são e a pobreza, supere o assistencialismo, o indivi- (b) o próprio domicílio, nas visitas às famílias,
a família e a
comunidade da criança

serviços estratégicos e essenciais, porém não basta dualismo e a visão setorizada das necessidades como vem sendo feito pelos profissionais do
garantir consultas médicas e matrícula da criança dos indivíduos. Programa de Saúde da Família – PSF, pelos líde-
na escola. O bom resultado desses serviços de- res comunitários da Pastoral da Criança e pelos
pende da conjugação de ações e apoios advindos O acesso a bens essenciais (moradia, alimentação, visitadores do Programa Primeira Infância Me-
das demais políticas e, sobretudo, de uma rede de educação e saúde básicas, segurança, justiça, trans- lhor- PIM/RS.
apoio e envolvimento das famílias e comunidades porte urbano, saneamento básico) e bens culturais
no eficaz proveito destas atenções20. como escola, trabalho, bibliotecas, cinemas, teatro, 5. Estabelecer com os grupos familiares uma rela-
espaços de lazer e brinquedo e outras experiências ção de valorização, de respeito, de alteridade,
A família pode contar com as bases de apoio de enriquecimento humano são condições básicas evitando-se assumir o seu papel, promovendo
existentes na comunidade na qual está inserida. que o Estado deve prover para que a família possa o encontro entre o conhecimento sistematiza-
Elas são os alicerces fundamentais do desenvolvi- exercer sua função social de criação e educação de do dos profissionais e o saber cotidiano da fa-
mento integral da criança21: oferecem segurança, suas crianças. Metas a esse respeito se encontram mília em prol do aprendizado dos dois.
relacionamentos afetivos, oportunidades para o nos capítulos correspondentes deste Plano. Além
desenvolvimento de habilidades, amizades e auto- dessas, temas prioritários no âmbito das macro- 6. Construir formas comunitárias, que respeitem a
confiança; bem como atividades e serviços que políticas são a geração massiva de empregos, o as- diversidade cultural, para o enfrentamento dos
contribuam para sua realização plena como pes- sentamento de famílias no campo, o saneamento problemas vividos pelas famílias dos estratos
soa. Portanto, fortalecer as bases de apoio fami- básico, programas de segurança alimentar, com- mais baixos de renda, de sorte que as próprias
liares e comunitárias significa fortalecer a própria plementação da renda familiar, entre outros. No famílias, num processo coordenado de discus-
família e, consequentemente, a criança que nela que diz respeito ao âmbito municipal, a política são, ajuda e compromisso mútuos, vão criando
cresce e se desenvolve. social de apoio às famílias deve contemplar a im- e ampliando suas possibilidades de participa-
plantação ou implementação de redes de serviços ção social, principalmente no que diz respeito
2.4. O apoio e fortalecimento das famílias deve eficientes e de boa qualidade de saúde, educação e ao cuidado e educação de suas crianças.
ser pautado em relações dialógicas. assistência social; de redes de geração de emprego
e renda e redes de serviços comunitários. Todavia, 7. Preparar os futuros pais, incluindo no currículo
Dialogar é perceber e aceitar o outro na sua intei- mais do que isso, é necessário que a questão da fa- do ensino médio os conteúdos, com dinâmicas
reza, na unidade, na singularidade e na pluralidade mília seja introduzida na agenda da política social. apropriadas, para a construção dos sentimen-
cultural. Saber lidar com a diversidade significa, tos, pensamentos, conhecimentos e auto-con-
entre outras coisas, reconhecer, aceitar e valorizar 3. Objetivos e metas fiança, baseados nos direitos humanos, com
os diferentes conceitos de família. Dialogar com as uma concepção de cidadania plena e do ciclo
famílias implica vê-las como sujeitos, e não como 1. Ir ao encontro das famílias para construir com vital, numa perspectiva holística. Dessa forma,
meio ou estratégia para se atingir certos resultados elas práticas sociais que lhes dêem maiores e os jovens poderão preparar-se para assumirem
socialmente esperados, mesmo o de garantir bom melhores possibilidades de participar de trans- a paternidade e a maternidade responsáveis
ambiente de desenvolvimento das crianças. Logo, formações na direção de melhoria na sua quali- desde a gestação da criança.
para apoiar e fortalecer as famílias é preciso renun- dade de vida e, consequentemente, na de suas
ciar a imposição de ideias pré-estabelecidas vai em crianças.
direção oposta ao objetivo de apoio e fortaleci-
mento das famílias. Dialogar não é somente ouvir, 2. Valorizar, por meio de políticas públicas de
nem somente falar; tampouco é apenas ouvir e fa- apoio, a unidade familiar como locus próprio
lar. O verdadeiro diálogo implica a atitude de aber- de produção de identidade social básica para a 20. CARVALHO, M.C. Brandt. A priorização da família na agenda da política social, em: KALOUSTIAN, S.M. (org.) Família brasileira: a base de tudo. São
tura: perceber o que as famílias dizem e responder- ­criança. Paulo: Cortez Editora, 1994.
lhe sentindo-se comprometido com elas e criando 21. RIZZINI, BARKER & ZAMORA, em: CESPI/USU & INSTITUTO PROMUNDO. Criança não é risco, é oportunidade. Fortalecendo as bases de apoio
um sentimento de corresponsabilidade. Para isso, 3. Adotar, em cada município, metodologias e familiares e comunitárias para crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: USU Ed. Universitária, Instituto Promundo, 2000, pág. 9.

56 57
assistência social Em cenários de desigualdade
econômica e social, desemprego,
condições precárias de moradia, de
a crianças e suas famílias saneamento básico, de instabilidade
familiar, a distância entre o desejo, o
direito e o dever dos pais de cuidar
e educar seus filhos se torna
mais difícil, senão, em casos
específicos, impossível.

A atenção à criança nos novos e à universalização dos direitos sociais. Segundo


cenários a Constituição Federal, a assistência social, no que
diz respeito à criança pequena, tem por objetivos
As mudanças sociais, econômicas e culturais das a proteção à família à maternidade e à infância, o
últimas décadas vêm produzindo modificações no amparo a crianças carentes, à promoção da inte-
comportamento e nos valores dos indivíduos, das gração das crianças com deficiência à vida comu-
famílias e da sociedade, com impacto direto sobre nitária23. A assistência social passa a ser direito
as condições e as formas de cuidado e educação do cidadão e dever do Estado e adquire status de
das crianças. Em cenários de desigualdade econô- política pública. Trata-se de uma inovação radical
mica e social, desemprego, condições precárias de em relação à visão anterior, pois via à garantia da
moradia e saneamento básico, instabilidade fami- universalização dos direitos sociais como dever do
liar, entre outros fatores que se interpõem entre o Estado.
desejo dos pais de cuidar e educar seus filhos pe-
quenos e suas reais possibilidades de fazê-lo ade- A concepção de Assistência Social explícita na
quadamente e segundo os direitos da criança, a LOAS – Lei 8.742/1993, cuja implementação vem
política de atenção à primeira infância é investida sendo buscada ao longo dos anos, inova ao superar
de novos desafios. Um deles é o de complementar a visão de programas focalistas, opor-se à ideia do
os papéis dos pais e outros cuidadores no cuidado clientelismo e assistencialismo, promover a descen-
e educação das crianças nos seus primeiros anos tralização, sobretudo à esfera municipal, e abrir-se
de vida22. à participação social na formulação da política, dos
planos e programas e no controle e sua execução.
Nesse contexto, as políticas e os programas volta-
dos para a primeira infância adquirem maior rele- 3. Ações e diretrizes
vância e demandam novas feições.
3.1. O direito da criança à assistência social
2. A política de assistência social
A partir da Constituição Federal de 1988, o aten-
À política de assistência social compete, de for- dimento em creches e pré-escolas é um direito da
ma abrangente, articular a aplicação das demais criança e um dever do Estado, a ser cumprido pelo
políticas sociais e, especificamente, garantir o setor educação (art. 208, IV). Entretanto, esse direi-
atendimento dos direitos sociais dos excluídos, to, principalmente em relação às creches, foi asse-
assegurando que eles sejam universalizados. Ela gurado, ao longo dos anos, em grande parte pela
visa ao enfrentamento das desigualdades sociais, Assistência Social, mormente em creches públicas
à garantia dos mínimos sociais, ao provimento ou conveniadas com instituições comunitárias,
de condições para atender contingências sociais filantrópicas e confessionais, sem fim lucrativo.

22. UNESCO. Relatório de Monitoramento Global. Bases Sólidas. Educação e Cuidados na Primeira Infância. São Paulo. Editora Moderna, 2007.
23. Constituição Federal, art. 203, I, II e IV (partes).

59
Os instrumentos legais básicos que disciplinam e Essa Norma estabelece que sejam ofertados, no ação o trabalho com famílias e o desenvolvimento sociais caracterizam situações de risco pessoal e
orientam a assistência social à criança são o Esta- âmbito do SUAS, serviços para famílias com crian- de ações para a população que vive em situação de social e exigem intervenção do Estado. O alcance
tuto da Criança e do Adolescente – ECA, de 1990, ças de até seis anos em situação de vulnerabili­ vulnerabilidade social, decorrente de pobreza. Para das crianças nessas situações é feito por meio do
e a LOAS, de 1993. O ECA apoia-se em três eixos: dade social, visando ao fortalecimento de vínculos isso, trabalha os vínculos afetivos, relacionais e de referenciamento no âmbito da proteção social es-
promoção, defesa e controle social, funcionando familiares e comunitários, com centralidade na pertencimento social, fragilizados por discrimina- pecial, devendo ser incluídas também nas ações de
de maneira articulada por meio das ações governa- família. O público considerado prioritário dessas ções etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, proteção básica.
mentais e não-governamentais, da União, dos Esta- ações compreende: (a) famílias com crianças com dentre outras. Ela opera no CRAS e pela rede sócio-
dos, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 86). deficiência e beneficiárias do Benefício de Presta- assistencial, e inclui o Programa de Atenção Inte- A PSE presta atendimento a crianças que se encon-
ações
finalísticas
O ECA dispõe sobre a proteção integral à criança e
ao adolescente e os concebe como sujeitos de di-
ção Continuada – BPC que vivem no território de
abrangência dos Centros de Referência da Assis-
gral à Família – PAIF e os demais serviços ofertados
no CRAS, onde as famílias e indivíduos são atendi-
trem em situação de: contingência; necessitando
de cuidados especializados em decorrência de de-
reito (art. 1º). E, segundo a LOAS (art. 2º), o aten- tência Social – CRAS ou que estejam a eles refe- dos em seu contexto comunitário, visando à orien- ficiência; risco pessoal e social, por ocorrência, de
dimento à criança pequena é uma das prioridades renciadas e (b) famílias com crianças inseridas em tação e o convívio sócio-familiar e c­ omunitário. abandono; violência física ou psicológica; abuso ou
da política de Assistência Social. Ambas as leis ado- ações de Proteção Social Especial e encaminhadas exploração sexual; situação de rua; trabalho infan-
assistência social
a crianças e suas famílias

tam o mesmo paradigma de defesa da cidadania, à Proteção Social Básica. Além do atendimento individual da família (aco- til e outras. Ela contempla serviços de média com-
se opõem ao assistencialismo e ao clientelismo, lhimento no CRAS, entrevistas e visitas domicilia- plexidade (atendimentos às famílias e indivíduos
abrindo a perspectiva da proteção integral. 3.2. Rede e serviços à criança de até seis anos na res), existe o trabalho com grupos: o grupo sócio- com seus direitos violados, mas cujos vínculos
assistência social educativo, no qual se enfatiza a informação e a familiares e comunitários não foram rompidos) e
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação articulação com a comunidade, o grupo de con- alta complexidade (situação de abandono ou risco
Nacional – LDB situou a creche no âmbito da edu- Segundo a LOAS, a Assistência Social deve (a) pro- vivência familiar, que visa desenvolver habilidades pessoal/social, necessitando de atendimento fora
cação, ao lado da pré-escola. As duas compõem a ver serviços, programas, projetos e benefícios de relacionadas à sociabilidade e o grupo de desen- do núcleo familiar).
educação infantil, definida como primeira etapa da proteção social básica e/ou especial para famílias, volvimento familiar, que reflete sobre as relações
educação básica. Essa concepção lhe deu um cará- indivíduos e grupos que deles necessitarem; (b) familiares ou comunitárias. Entre as ações dirigidas Os serviços de média complexidade são referencia-
ter de essencialidade na formação da pessoa e, por- contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários especificamente para as crianças de até seis anos, dos ao CREA. Entre eles estão: Serviço de Enfrenta-
tanto, de caráter necessariamente universal, embo- e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens estão os Serviços do PAIF, o Programa Bolsa Família mento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual
ra não obrigatória em instituições específicas. Em e serviços sócio-assistenciais básicos e especiais, em – PBF, as ações cofinanciadas pelo Piso Básico de Contra Crianças e Adolescentes; Serviço de Orien-
2009, a EC 59 estendeu a obrigatoriedade da edu- áreas urbana e rural; (c) assegurar que as ações no Transição – PBT e o Serviço Sócio-educativo. No tação e Apoio Especializado a Famílias com crian-
cação básica à faixa etária de 4 a 17 anos, tornando, âmbito da assistência social tenham centralidade PAIF são combinados ações e serviços sócio-assis- ças e adolescentes com direitos violados; Serviço
assim, a pré-escola obrigatória para a criança. na família, e que garantam a convivência familiar e tenciais de prestação continuada, que se destinam de Orientação e Acompanhamento a Adolescen-
comunitária. O Sistema Único de Assistência Social a assegurar a proteção social básica às famílias por tes em Cumprimento de Medida Sócio-Educativa
Em consequência desses novos dispositivos legais, a – SUAS regula e organiza em todo território nacio- meio de mecanismos que previnem o rompimento em Meio Aberto e Suas Famílias.
Assistência Social vai modificando a forma de aten- nal as ações sócio-assistenciais, disciplinadas pela dos vínculos familiares e a violência no âmbito de
der à demanda por creches e pré-escolas. Seu Pro- Norma Operacional Básica – NOB24. suas relações, garantindo o direito à convivência Os serviços de alta complexidade oferecem aten-
grama de Atenção à Criança passa a integrar a Rede familiar e comunitária. dimento personalizado e em pequenos grupos, de-
de Serviços de Ação Continuada e adota três mo- Duas funções se destacam: a de defesa social e ins- vendo favorecer o convívio familiar e comunitário,
dalidade de atendimento: Jornada Integral, Jorna- titucional, que visa dar à família e à comunidade Deve-se mencionar, também, que as ações volta- utilizando os equipamentos e serviços disponíveis
da Parcial (incluindo ações como brinquedotecas acesso a informações sobre os direitos da criança das para as famílias em situação de pobreza benefi- na comunidade local. Seguem a lógica da desinsti-
fixas e volantes, creches comunitárias, que ­devem e orientações sobre os serviços a ela destinados ciam também seus filhos pequenos, como é o caso tucionalização e funcionam como moradia transi-
incluir crianças com deficiência e crianças em situ- na localidade que lhe assegurem condições à vida do Programa Bolsa Família. tória até que seja viabilizado o retorno à família de
ação de extremo risco) e a modalidade Ações só- ­digna e a de vigilância social, para que as crianças origem, o encaminhamento para família substitu-
cio-educativas de apoio à família da ­criança de zero estejam protegidas na vulnerabilidade da faixa etá- No atendimento às crianças e suas famílias serão ta, quando for o caso, ou o alcance da autonomia.
a seis anos (que contempla ações comunitárias de ria e nas perversas consequências de situações de priorizadas crianças com deficiência, por meio de É importante que estejam inseridos na comuni-
promoção e informação às famílias com crianças pobreza e à salvo da negligência, omissão, explora- acompanhamento sócio familiar, sensibilização e dade, em áreas residenciais, oferecendo ambiente
de 0 a 6 anos). Com a criação, em 2004, do Sistema ção, discriminação, crueldade e opressão. articulação da rede social, assegurando ações in- acolhedor, o mais parecido possível com o de uma
Único de Assistência Social – SUAS e a aprovação tegradas, intersetoriais e interinstitucionais, procu- residência familiar, sem, todavia, distanciar-se ex-
da Política Nacional de Assistência Social – PNAS, A Proteção Social Básica – PSB e a Proteção Social rando desconstruir preconceitos e romper a lógica cessivamente, do ponto de vista geográfico e so-
a gestão do atendimento à creche e à pré-escola foi Especial – PSE oferecem serviços sócio-assistenciais da institucionalização, informando à família sobre cioeconômico, da realidade de origem dos benefi-
transferida para a área da Educação. E, na Assistên- nos Centros de Referência da Assistência Social – os serviços disponíveis na rede sócio-assistencial e ciários. Devem afiançar acolhimento e desenvolver
cia Social, começou a ser implantado o serviço de CRAS25 e Centros de Referência Especial da Assis- em outros serviços (saúde, educação e cultura). atenção especializada, visando à reconstrução dos
proteção social básica à infância. tência Social – CREAS. A PSB tem como foco de vínculos familiares e comunitários e a conquista de
3.3. A Proteção Social Especial e as ações maior grau de autonomia e independência indivi-
direcionadas às crianças dual/familiar e social.
24. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica NOB/SUAS:
construindo as bases para a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Resolução nº 130, de 15 de julho de 2005.
25. Unidade pública estatal, que atua como pólo de referência, coordenador e articulador da proteção social especial de média complexidade; no qual são Ocorrências de negligência, abandono, ameaças, São exemplos de serviços de alta complexidade:
ofertados orientação, apoio especializados e continuados a indivíduos e famílias com direitos violados. Os serviços têm a família como foco das ações, maus tratos, violências físicas, psíquicas, discrimi- albergue; serviço de família acolhedora; abrigo
visando potencializar a capacidade de proteção e socialização de seus membros. nações sociais e violação aos direitos humanos e institucional para pequenos grupos; casa lar; casa

60 61
de passagem; moradias provisórias. Além destes, o com o Sistema de Garantia de Direitos e de Segu- no BPC, por meio de serviços sócio-educativos e­ rradicando, até 2015, todas as situações de tra-
serviço de atendimento domiciliar à pessoas com rança Pública, na perspectiva de operacionalizar a e o desenvolvimento de ações socioassisten- balho infantil de crianças menores de seis anos.
deficiência também pode ser acessado por crian- proteção da vítima e responsabilização dos agres- ciais e de convivência para essas crianças.
ças nesta condição. sores; (c) oferta de acompanhamento psicossocial 13. Restabelecer os vínculos familiares e comu-
que contribua para a conscientização da violência 5. Universalizar, até 2015, o acompanhamento das nitários das crianças abrigadas por motivo de
3.4. Erradicação do Trabalho Infantil vivida, o fortalecimento da auto-estima, dos vín- famílias inseridas no Programa Bolsa-Família e pobreza, por meio de aporte financeiro emer-
culos familiares e comunitários e a construção que não estão cumprindo as condicionalidades, gencial às suas famílias, fazendo acompanha-
Muitas crianças pequenas são vítimas da violência de novos projetos de vida; (d) articulação com a priorizando as famílias com crianças de até seis mento sistemático pelos CRAS e CREAS, bem
ações
finalísticas
do trabalho, fazendo parte, assim, da infância ex-
plorada26. As famílias se utilizam de seus filhos pe-
rede de serviços, procedendo ao encaminhamen-
to e fortalecimento do processo de inserção social,
anos por meio de serviços sócio-educativos e o
desenvolvimento de ações sócio-assistenciais e
como sua inclusão prioritária nos programas de
transferência de renda.
quenos para aumentar a renda e como mecanismo trabalhando para a superação de estigmas e pre- de convivência.
para enfrentar emergências e situações de agrava- conceitos; e (e) encaminhamento para serviços de
mento da subsistência. Isso acontece, por exemplo, acolhimento, quando necessário. 6. Ampliar a cobertura de ações sócio-educativas
assistência social
a crianças e suas famílias

em casos de invalidez, acidente, separação, desem- e de convivência à crianças em situação de tra-


prego e doença. Neste Serviço, o atendimento deve, portanto, vi- balho infantil, alcançando a erradicação total
sar à defesa e resgate do direito e da dignidade da dessa situação até 2015.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infan- criança e suas famílias, contribuindo, ainda, para:
til – PETI27 visa erradicar todas as formas de tra- (a) identificar o fenômeno e os riscos dele decor- 7. Manter atualizado o mapeamento de todas as
balho infantil, dentre as quais a exploração sexual rentes, (b) prevenir o agravamento da situação, (c) crianças de até seis anos com deficiência bene-
comercial, que é uma de suas piores formas. Ele potencializar recursos da família e da criança para ficiários do BPC no território nacional.
oferece o Serviço Sócio-educativo (jornada am- o enfrentamento da situação de violência sofrida,
pliada na escola) para as crianças e adolescentes (d) fortalecer a auto-estima e o protagonismo da 8. Contribuir para a inserção de 100% das crianças
afastadas do trabalho precoce e, complementar e criança vitimizada, bem como de sua família, (e) entre 5 e 6 anos em situação de trabalho infantil
simultaneamente, inclui suas famílias no PBF. Para contribuir para o fortalecimento dos vínculos na rede pública, na pré-escola ou no primeiro
permanecer no PETI (inclusive receber a transfe- comunitários e das redes sociais de apoio, preve­ ano do ensino fundamental.
rência de ­renda), as famílias precisam assumir o nindo a estigmatização da criança e de sua família,
compro­misso de retirar todas as crianças de ati- (f) proceder aos encaminhamentos, quando ne- 9. Contribuir para que, até 2022, todas as crian-
vidades laborais e de exploração e acompanhar o cessário, para a responsabilização dos agressores e ças de até seis anos, recebam atendimento em
crescimento e desenvolvimento infantil, da vaci- (g) comunicar a autoridade competente, por meio período integral na educação infantil, priorita-
nação, bem como da vigilância alimentar e nutri- de relatório, os casos em que haja a necessidade riamente aquelas das famílias beneficiárias do
cional de crianças menores de sete anos. A partir de afastamento do agressor do ambiente familiar, Programa Bolsa família.
de 2016, quando a obrigatoriedade da pré-escola ou da criança, para a preservação de sua integrida-
deverá ser universalizada, será exigida também a de, e de avaliação acerca da destituição do poder 10. Garantir, até 2015, o restabelecimento do vín-
comprovação de frequência às atividades de edu- ­familiar29. culo familiar e comunitário de 100% das crian-
cação ­infantil. ças abrigadas por situação de pobreza.
4. Objetivos e metas30
3.5. Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à 11. Estabelecer, até 2012, diretrizes nacionais e
Exploração Sexual28 1. Aperfeiçoar os mecanismos de integração do prestar apoio técnico e financeiro aos Muni-
SUAS com o Sistema Nacional de Atendimento cípios para que estes realizem programas de
O atendimento é feito no CREAS. A intervenção Sócio-educativo (SINASE) e com o Sistema de capacitação de todas as pessoas, profissionais
profissional deve proporcionar à família, à criança Garantia de Direitos. e auxiliares, que trabalham em instituições de
e ao adolescente espaço de escuta, expressão e di- acolhimento (abrigos).
álogo, procedendo, ainda, aos encaminhamentos 2. Alcançar a cobertura dos serviços de enfren-
necessários. tamento de situações de negligência, violência 12. Ampliar a cobertura de atendimento do Pro-
doméstica e as demais situações de exploração grama de Erradicação do Trabalho Infantil,
Nos casos de violência ou abuso intra-familiar, a de crianças, abrangendo, em 202, a todas as
intervenção deve contribuir para a quebra do si- crianças do País.
lêncio e dos ciclos intergeracionais de violência, 26. Em 2006, havia 213 mil crianças entre cinco e nove anos de idade no trabalho infantil (1,3% da população nessa faixa etária (IPEA - Instituto de Pesquisa
bem como para a reconstrução das relações e pa- 3. Universalizar, até 2015, o acompanhamento e o Econômica e Aplicada. PNAD 2006. Primeiras Análises. Demografia, educação, trabalho, previdência, desigualdade de renda e pobreza. Brasília/Rio de
péis familiares, superação de padrões violadores desenvolvimento de ações de prevenção à fra- Janeiro, setembro de 2007).
27. BRASIL. Resolução 212, de 19 de outubro de 2006. Estabelece as Diretrizes e Normas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI
de relacionamento, fortalecimento dos vínculos e gilização dos vínculos afetivos com as famílias
28. Esse tema é detalhado no capítulo IV.9: Enfrentando as Violências contra as Crianças.
restabelecimento da função protetiva da família. das crianças em abrigos. 29. Para maiores detalhes, ver: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Departamento da Criança e do Adolescente. Plano
Nos casos de exploração sexual comercial, que en- Nacional de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Brasília, 2002. E também: CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS
volvem redes de crime organizado, o acompanha- 4. Universalizar, até 2022, o acompanhamento das DA CRIANÇA – CONANDA, CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CNAS. Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006.
mento deve incluir: (a) busca ativa; (b) articulação famílias das crianças de até seis anos inseridas 30. As metas constam do Plano Decenal de Assistência Social – SUAS, 2007-2017 e são, aqui, ampliadas até 2022.

62 63
O Estatuto da Criança e do
atenção à criança em situação de vulnerabilidade Adolescente, em consonância com
acolhimento institucional, o preceito constitucional assevera
em seu artigo 19 que “toda criança e
família acolhedora e adoção adolescente tem direito de ser criado
e educado no seio de sua família”.

Análise preliminar em “O direito à convivência familiar e comunitária:


os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil”.
O direito da criança à convivência familiar e comu- Seu universo limitou-se às entidades que recebiam
nitária é um dos direitos fundamentais contem- recursos federais pelo então sistema SAC (Serviços
plados no art. 227 da CF. O Estatuto da Criança e de Ação Continuada), correspondendo, aproxima-
do Adolescente, em consonância com o preceito damente a 20% das instituições de abrigo então
constitucional, assevera, em seu artigo 19, que existentes.
“toda criança e adolescente tem direito de ser cri-
ado e educado no seio de sua família”. Eles refletem Garantir o desenvolvimento saudável das crianças
o reconhecimento da importância da família como afastadas de suas famílias por determinação ju-
espaço social privilegiado para a constituição do dicial e que vivem em entidades de acolhimento
sujeito. passa, em primeiro lugar, pela adoção de políticas
públicas que fortaleçam as famílias e lhes dêem
Contudo, o reconhecimento da relevância da famí- condições de cuidar de seus filhos. Esta é uma atu-
lia não se pode confundir com o desconhecimen- ação preventiva fundamental que reduzirá enor-
to de que é também no e também no seu próprio memente o quantitativo das crianças afastadas de
meio que ocorre a maior parte das violações aos di- suas famílias, pois, ainda de acordo com a pesquisa
reitos fundamentais da criança. A depender da gra- referida, 87% das crianças têm famílias e a princi-
vidade da violação, justifica-se a retirada da criança pal razão para o abrigamento relaciona-se com a
do contexto familiar e, como medida de proteção, pobreza. A adoção das medidas preconizadas no
a sua colocação em abrigo31 ou em família acolhe- presente Plano, notadamente aquelas vinculadas à
dora até que se alterem as condições que levaram à moradia, à educação infantil e cuidados com saúde
adoção da medida. Esgotando-se as possibilidades integral da criança e de sua família, são essenciais
de retorno à família de origem, é indicada a coloca- para que a família possa efetivamente exercer seu
ção em família substituta. papel. Nunca é demasiado lembrar que a “capa-
cidade da família para desempenhar plenamente
Uma pesquisa que contemple todas as entidades suas responsabilidades e funções é fortemente in-
de abrigo e delineie o perfil das crianças institu- terligada ao seu acesso aos direitos universais de
cionalizadas no país é tarefa tão necessária quan- saúde, educação e demais direitos sociais”32.
to difícil, dado o fato de que inúmeras instituições
exercem essa função sem se encontrarem registra- Superadas aquelas situações e mesmo assim persis-
das nos Conselhos Municipais e/ou Estaduais dos tindo a necessidade de abrigamento como medida
Direitos da Criança e do Adolescente. Assim, o de proteção à criança, é imprescindível que sejam
mais próximo que temos de uma pesquisa nacio- asseguradas condições às instituições para que
nal sobre as instituições de abrigo decorre da pes- esse abrigamento lhe seja propício. Essas condi-
quisa encomendada ao IPEA pelo CONANDA em ções não podem se limitar aos aspectos físicos dos
2002, cujos resultados encontram-se publicados abrigos, embora adequadas características físicas

31. A terminologia para designar a instituição que oferece atendimento nos casos de aplicação da medida protetiva prevista no ECA, art. 101, tem sido objeto
de modificações nos últimos anos. No Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, utilizam-se os termos: “abrigo”; “acolhimento institucional” e
“casa-lar”, como uma modalidade específica de acolhimento institucional. Ao longo do texto, faz-se a opção de utilizar de modo genérico o termo “abrigo”
para designar toda e qualquer entidade responsável por oferecer a proteção referida no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 101, parágrafo
único.
32. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, 2006- CONANDA- MDS- CNAS.

65
sejam essenciais ao exercício da função de prote- O Programa pode ser implantado tanto em cida- guarda, de criança órfã ou abandonada. processo, para que possam criar meios de enfren-
ção. Especialmente para os bebês e as crianças que des de grande e médio porte, quanto em metrópo- tar os problemas e as dificuldades que aparecem.
se encontram nos primeiros anos de vida, tempo les, coexistindo com instituições de abrigamento. Esse programa pode ser implantado nos níveis de Para isso, supõe-se a existência de uma equipe téc-
sobre o qual há unanimidade entre os pesquisado- Em cidades de pequeno porte, pode ser implan­ complexidade média e alta do SUAS. Na primeira nica e respaldo operacional, sugeridos na Norma
res quanto à importância da vinculação afetiva de tada como a única modalidade de acolhimento. estão os programas de guarda subsidiada, destina- Operacional Básica – Recursos Humanos ­– NOB–
qualidade, o abrigo pode vir a ser um espaço de da à proteção de crianças na família extensa ou na RH, do SUAS.
reparação dos traumas tão precocemente vividos O acolhimento de emergência pode durar uma rede significativa. Com isso, evita-se entrar na alta
ou, ao contrário, mais um espaço de negligência e noite apenas ou um final de semana. As famílias complexidade (acolhimento institucional e acolhi- Essa construção oferece segurança a todos os en-
ações
finalísticas
abandono. Reconhecer essas duas possibilidades e
fazer uma clara opção pela organização do abrigo
devem estar disponíveis para receber a criança em
qualquer horário, de forma imediata e emergencial,
mento familiar). Na proteção social especial de alta
complexidade incluem-se os programas de reinte-
volvidos nas ações, tornando-se eles co-responsá-
veis. O trabalho em rede pode oferecer maior se-
como espaço de reparação e verdadeira proteção, em decorrência de um fato como a internação do gração familiar com subsídio financeiro à família gurança para a tomada de decisão, uma vez que
este é o compromisso a ser viabilizado pela adoção único responsável pela criança e a impossibilidade extensa ou na rede significativa. cada parte, de seu lugar, enriquece a todos. Deve
de diferentes medidas e estratégias. de se contar com outro familiar. ser alertado, finalmente, que o acolhimento é algo
atenção à criança em situação de vulnerabilidade
acolhimento institucional, família acolhedora e adoção

O acolhimento, em qualquer das modalidades excepcional e provisório, submetido sempre ao


Outra modalidade de proteção para os casos em O acolhimento de curta e média permanência dura previstas legalmente, configura um trabalho com- superior interesse da criança. Este Plano insiste
que se faz necessário o afastamento da criança de algumas semanas ou meses, enquanto a equipe de plexo que requer, necessariamente, a articulação em que o objetivo é a reintegração. A adoção é a
sua família é o Programa de Famílias Acolhedoras, atendimento trabalha com a família de origem, re- de diferentes sujeitos, em diversos âmbitos de exceção. Quando se dá a reintegração familiar da
que figura no Sistema Único de Assistência Social alizando avaliação diagnóstica e plano de trabalho ­intervenção: criança, pode-se considerar que as formas de agir
ao lado de outras modalidades como Albergue, para reverter a situação que levou ao acolhimento. alcançaram o desiderato maior.
Atendimento Integral Institucional (abrigo), Casa O objetivo é promover o retorno da criança com a (a) no âmbito do Estado, articula a ação do execu-
Lar, República, Moradias Provisórias e Casa de maior brevidade possível. A experiência revela que tivo municipal, do judiciário e do legislativo; O abrigamento e a inclusão em programas de fa-
­Passagem. um período prolongado, de um ano, por exemplo, mílias acolhedoras, ainda que se constituam em
interfere nos vínculos estabelecidos entre a família (b) no âmbito da sociedade, envolve a participação efetivo espaço de proteção, não podem negligen-
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa acolhedora, a família de origem e os profissionais dos Conselhos de Direito e Tutelar, das institui- ciar o fato de serem, ambos, medidas provisórias.
do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivên- do Programa. ções sociais e empresariais, de profissionais de A definição do destino da criança deve ser buscada
cia Familiar e Comunitária. (PNCFC 2006) enfa­ diferentes áreas de atuação, de pessoas interes- o mais brevemente possível. Para tanto, duas vias
tiza que o Programa de Famílias Acolhedoras deve Um acolhimento de longa permanência ocorre sadas na questão e, notadamente, das famílias se abrem como possibilidades: a reintegração da
­atuar em contínua articulação com os demais ser- quando uma criança não pode voltar a morar com que acolhem, criança à sua família de origem e, mostrando-se
viços que compõem as Políticas Públicas e a Justiça seus pais biológicos, havendo, no entanto, uma re- aquela inviável, a inserção em uma família substitu-
da Infância e da Juventude, no sentido de oferecer lação importante entre eles. Ele possibilita que a estabelecendo parcerias e construindo uma rede ta, para guarda ou adoção. Em qualquer caso, um
a proteção integral às crianças e adolescentes e o criança seja criada por outra família, em ambiente de inclusão e de proteção social, em um trabalho trabalho de fortalecimento da família de origem é
retorno mais breve possível à família de origem. seguro, sem interromper o contato com sua família conjunto com as demais políticas setoriais. fundamental e é ele que vai possibilitar a decisão
de origem. por uma ou outra via. Lamentavelmente, a grande
Família acolhedora é aquela que voluntariamente A interrelação permanente de diferentes protago- maioria das instituições de abrigo não contempla,
tem a função de receber a criança em seu espaço Um cuidado compartilhado pode ser empregado nistas pertencentes a contextos institucionais di- entre suas prioridades ou atribuições, o trabalho
familiar, pelo tempo que for necessário, respei­ em diferentes situações em que uma criança fica versos exige que se leve em conta a multiplicidade com a família de origem. O efeito da ausência des-
tando sua identidade e sua história, garantindo-lhe sob os cuidados de uma família acolhedora em re- de sentidos e de significados que eles atribuem às se trabalho é de a medida de proteção, que deveria
os cuidados básicos, afeto, amor e orientação para gime de meio período, fins-de-semana ou nas fé- questões que emergem no processo. Para ser viável ser provisória, tornar-se permanente, pois a criança
que se desenvolva integralmente e lhe seja assegu- rias escolares. Costuma ser utilizado como forma essa interação, é fundamental que se contemple a fica institucionalizada por vários anos e tende a sair
rada a convivência familiar e comunitária. A família de atender as famílias biológicas que têm crianças pluridisciplinaridade dos olhares e a pluridirecio- do abrigo apenas ao completar 18 anos. Cria-se um
de origem, extensa ou parte da rede significativa da com deficiência, por exemplo, dando-lhes a possi- nalidade das intervenções exigidas e possibilitadas. perverso círculo vicioso: por ausência do trabalho
criança e do adolescente, é um importante recurso bilidade de ocupar-se em outras atividades além É a compreensão dessa complexidade que irá pos- com a família de origem, reduzem-se as chances de
a ser utilizado no processo de reintegração familiar. do cuidado que a criança requer. Esta modalidade sibilitar a articulação das ações e a consolidação que esta venha a reassumir as funções parentais;
Na impossibilidade de retorno à família de origem/ também pode ser usada para oferecer a mesma das parcerias de acordo com cada situação: a qua- mas, também, em função da ausência desse traba-
extensa, deve ser realizado o trabalho de encami- oportunidade para as famílias que acolhem, em lidade e o grau de participação e a integração das lho, não há parecer técnico para fundamentar uma
nhamento para uma família substituta. longa permanência, crianças com deficiência ou ações desses atores institucionais, no decorrer da decisão de destituição do poder familiar e poste-
não. intervenção, estão relacionadas com o modo como rior encaminhamento a uma família substituta.
Diferentes modalidades de acolhimento podem são trabalhadas as diferenças de percepção das Desta forma, ambas as vias possíveis de convivên-
ser realizadas: (a) acolhimento familiar informal Além dos programas acima descritos, há o Pro­ questões e as lógicas de operação. Elas vão depen- cia familiar ficam inacessíveis.
(Circulação de Crianças), (b) acolhimento emer- grama de Guarda Subsidiada na família extensa, der, também, do reconhecimento partilhado dos
gencial, de curta e média e de longa permanência, que se fundamenta no disposto no Art. 227, § 3º – âmbitos de trabalho e de responsabilidades e, ain- Comumente se pensa a adoção como a solução
(c) guarda subsidiada na família extensa, (d) apa- VI da Constituição Federal, como também no Art. da, dos recursos disponibilizados pelas instituições. para a criança abrigada. Muitas reportagens na mí-
drinhamento familiar, operado pelos Abrigos, que 260 do ECA: o estímulo do Poder Público, por meio dia impressa e televisiva, ao tratarem do tema, in-
têm se revelado como possibilitadores de adoções de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsí- As famílias (de origem e acolhedoras) precisam ser correm em dois equívocos: (1) ignoram que a maio-
tardias. dios, para promover o acolhimento, sob a forma de acompanhadas e apoiadas no desenrolar de todo o ria das crianças abrigadas tem vínculos familiares e,

66 67
portanto, a solução não é, de imediato, a adoção, comportamento materno, paterno, familial e so- Um dos maiores desafios para todo abrigo é cui- do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
mas a reintegração familiar e (2) apresentam da- cial para com a criança. Natural e/ou cultural, ele dar da criança em um espaço coletivo sem perder Familiar e Comunitária” lançado em dezembro de
dos comparativos entre o número de crianças que responde a uma necessidade fundamental do pe- a dimensão de singularidade e individualidade de 2006 sob o patrocínio do CONANDA e CNAS.
carecem de um novo lar e o número de pessoas queno ser humano para sobreviver, desenvolver-se cada uma. É certo que cuidar de várias crianças ao
que aguardam há anos pela possibilidade de se tor- e formar uma personalidade autônoma, equilibra- mesmo tempo, personagens fruto da pluralidade O reconhecimento de que 87% da população abri-
narem pais, como se o encontro entre esses dois da, segura. O que dizer, contudo, daqueles casos cultural, impõe dificuldades específicas, não en- gada não são órfãos e que as principais razões para
estivesse sendo impedido pela “morosidade da em que, por alguma razão, o bebê não pode contar contradas no contexto da família. Como atender à a retirada da criança de sua família vinculam-se à
justiça”. As considerações feitas acima delimitam o com a proteção e cuidados maternos? necessidade da criança de receber um olhar singu- pobreza, impõem que políticas públicas de prote-
ações
finalísticas
primeiro desses erros e indica a solução. Em relação
ao segundo, deve-se esclarecer que o desencontro Quando os cuidados ocorrem no contexto
larizado no âmbito de uma instituição? Para aten-
der a essa diretriz, será necessário desenvolver a
ção social à família sejam prioridade.

entre crianças adotáveis e adultos desejosos de ­institucional, espera-se que a criança encontre nos sensibilidade e capacidade de observação dos edu- Garantindo-se às famílias as condições para os
adotar decorre da assimetria existente entre “perfil adultos que neles trabalham uma referência afetiva cadores em relação a cada uma das crianças sob cuidados adequados aos seus filhos, somente os
da criança adotável” e “perfil da criança desejada e emocional consistente e sólida. E se desenvolva seus cuidados. Ora, cada criança é um universo­. casos excepcionais exigirão a medida de abriga-
atenção à criança em situação de vulnerabilidade
acolhimento institucional, família acolhedora e adoção

para adoção”. Enquanto no primeiro grupo situam- de forma harmoniosa, com recursos psíquicos para Cada criança tem seu ritmo próprio, sua própria mento. Esse pressuposto deve ser explicitado para
se crianças com idade superior a dois anos negra e lidar com as dificuldades que a vida lhe impôs. capacidade de reagir ao meio e tantas outras ca- que não se tomem as observações que se seguem
integrante de grupo de irmãos, no segundo grupo racterísticas que a singularizam e fazem dela um como apologia da institucionalização. Os objetivos
estão os bebês, preferencialmente meninas, branca Nenhum abrigo deve se propor a ser um lar perma- ser único. Capacitar os educadores a respeitar essas em relação aos cuidados especiais nos abrigos deri-
ou morena clara, e que possam ser adotadas isola- nente. A situação de abrigamento tem que ser um particularidades enriquecerá o seu contato com a vam de quatro eixos de mudanças de concepções,
damente. Em grande medida, é pela ausência do período transitório e o mais breve possível na vida criança, promoverá seu senso de identidade e será abaixo explicitadas, como diretrizes em relação aos
trabalho com a família de origem que a criança mi- de uma criança. Contudo, por mais curto que seja uma fonte de experiência emocional que é funda- cuidados institucionais.
gra do perfil dos “desejáveis” para o de “adotáveis, esse tempo, ele pode ser decisivo. É impor­tante mental para a constituição psíquica da criança.
mas com reduzidas chances de adoção” e perma- considerar que o tempo da criança é dife­rente do 2.1. O abrigo como dever do Estado: do
necem institucionalizadas até os 18 anos. tempo do adulto. Para compreender o quão di- Toda criança necessita, para seu desenvolvimento assistencialismo à noção de direito do cidadão
ferentes são esses tempos, é fundamental ter em saudável, de um ambiente seguro, previsível, cons-
Embora a grande maioria dos processos de adoção, mente que para o bebê tudo está em construção: tante. Ora, a criança que chega ao abrigo passou É dever do Estado garantir a proteção da criança
caracterizando-se como intuitu personae, se inicie ou seja, os primeiros anos de vida são um período nos primórdios de sua vida, quando mais precisa- nos casos em que se configura a negligência fa-
sem intermediação da autoridade judiciária, e so- de extrema flexibilidade, grandes mudanças ocor- va de um ambiente confiável, por uma experiên- miliar, podendo exercer essa função com equi-
mente se recorra a esta no momento de legalizar o rem de uma semana para outra. Basta passar uma cia oposta. Mais do que qualquer outra criança, pamentos próprios ou por meio de organismos
procedimento, o reconhecimento de que os efei- semana sem olhar um bebê para comprovar isso: o ela precisa perceber no ambiente em que agora não-governamentais. O Estado, em suas três es-
tos da ausência de vinculações afetivas estáveis nos tempo todo está adquirindo novas competências, se encontra que haverá o atendimento a essas feras federativas, deve alocar recursos financeiros
primeiros anos de vida poderão ser não catastrófi- agora já rola na cama quando poucos dias antes necessidades fundamentais. É a existência dessas condizentes com o desempenho adequado desta
cos para a personalidade da criança, sena também não o conseguia; vocaliza quando antes só sabia condições que lhe possibilitará se recuperar das função. A grande maioria das instituições de abri-
irreversíveis, impõe que a temática da adoção seja manifestar-se pelo choro, etc. privações pelas quais passou e, consequentemen- go vive, hoje, na dependência de ações de volun-
tratada no âmbito de um Plano Nacional pela Pri- te, desenvolver-se com segurança. De que maneira tários para a realização dos serviços essenciais de
meira Infância. Estudos nessa área, desenvolvidos notadamente esses aspectos são transmitidos à criança, espe- funcionamento, como de doações financeiras, de
por René Spitz e Anna Freud, nos anos 40 e 50 do cialmente as muito pequeninas? De várias formas. alimentos, brinquedos, etc. O que se vê, portanto,
2. Diretrizes século XX, demonstraram as consequências dra- Uma delas é por meio dos cuidados corporais que é o Estado se omitindo em relação ao seu dever e
máticas de abrigamento nos quais não se deu a de- lhe são dispensados. Ao banhar um bebê, o adulto delegando às entidades beneficentes essa função,
Os primeiros anos de vida são determinantes para vida atenção à qualidade da relação educador(a)- (educador/cuidador) está fazendo muito mais que sem, contudo, lhes prover condições financeiras
o futuro do ser humano. Esse é um tempo da vida bebê. Privadas de uma interação viva e calorosa simplesmente atendendo à necessidade de mantê- mínimas, nem supervisão técnica adequada às suas
no qual amplas possibilidades encontram-se aber- com a educadora, mesmo que dispensados a elas lo limpo e higienizado. Por seus gestos, pelo modo necessidades.
tas. Sabe-se que o ser humano é o mais complexo todos os cuidados materiais e alimentares, algumas como o segura ou lhe fala nesse momento, está lhe
dos seres vivos e também o mais frágil e depen- crianças eram vítimas de profunda depressão que transmitindo um amplo campo de experiências 2.2. O abrigo não pode ser concebido apenas
dente de cuidados dos adultos. Em geral, é a mãe poderia levá-las até mesmo à morte. Aqueles es- emocionais que servirão de marcadores psíquicos como espaço físico de cuidado e proteção, mas
que protege e cuida de atender às necessidades vi- tudos foram contundentes em demonstrar que o essenciais para a constituição de seu psiquismo. também como lugar de desenvolvimento psíquico
tais do bebê. Como bem ressalta D. W. Winnicott, bebê se alimenta não apenas do leite, mas também Portanto, é diretriz fundamental de um plano que
a maioria das mães tem um saber natural que as do olhar carinhoso, da palavra que lhe é dirigida, procura contemplar os cuidados sob essas condi- Desde o advento do Estatuto da Criança e do
possibilita exercer esse papel de proteção e cuida- da atenção que lhe é dispensada. Na ausência des- ções especiais o reconhecimento quanto à impor- Adolescente a temática DO atendimento oferta-
do. Pode-se discutir quanto de cultural foi incor- sas outras modalidades de alimento, o bebê não se tância da qualidade do vínculo que se estabelece do pelos abrigos entrou em pauta, buscando-se
porado pela civilização nos hábitos e costumes de constitui psiquicamente ou o faz de forma muito entre adulto (educador/cuidador) e criança. melhorar suas condições. Contudo, a ênfase tem
cuidar, proteger e educar os bebês33. A questão não precária. sido posta no reordenamento dos aspectos físicos:
está em inclinar-se por uma ou outra fonte desse Em acréscimo aos princípios acima expostos, cabe unidades menores, substituição dos antigos pavi-
ressaltar que as diretrizes aqui descritas dialogam lhões por casas, preferencialmente inseridas na co-
intrinsecamente com aquelas contempladas no munidade, armários e pertences individualizados,
33. BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado – O mito do amor materno. Rio de Janeiro : Nova Fronteira. 1985. “Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa etc. Se comparadas às condições existentes sob a

68 69
égide do “Código de Menores”, as mudanças foram da necessidade de prevenir o abrigamento, tarefa 2. Profissionalizar o atendimento nos abrigos por 2. Capacitar profissionais para desenvolver a me-
significativas e importantes, mas ficaram aquém da urgente e imperiosa. Dentre os objetivos citados meio da formação e capacitação continuada de todologia do Programa Famílias Acolhedoras
compreensão de que o abrigo tem função extre- em diferentes partes deste Plano e que têm como seus dirigentes, coordenadores, equipe técnica,
mamente importante no desenvolvimento e cons- finalidade central propiciar condições estruturais educadores e auxiliares. 3. Criar uma dotação orçamentária para paga-
tituição psíquica das crianças abrigadas. Essa fun- e materiais para o adequado exercício das funções mento de subsidio financeiro às famílias aco-
ção se faz mais relevante quanto menor a criança. É familiares, destacamos: 3. Elaborar parâmetros de qualidade e monitora- lhedoras
preciso adotar procedimentos de rotina institucio- mento para os serviços de acolhimento institu-
nal que assegurem o ambiente afetivo-emocional 1. Instalar/Ampliar a rede de atendimento de cional, contemplando (a) os aspectos físico-es- 3.4. Objetivos específicos em relação aos
ações
finalísticas
para o desenvolvimento saudável das crianças que
ali se encontram.
educação em período integral para a primeira
infância, priorizando-se as áreas populacionais
truturais dos abrigos, (b) o número máximo de
crianças por unidade, (c) a avaliação do desen-
processos de adoção

mais carentes. volvimento global da criança, nas suas dimen- 1. Promover campanhas para a adoção legal vi-
2.3. O abrigo tem funções semelhantes às da sões física, psíquica e emocional e cultural e (d) sando reduzir as adoções intuitu personae.
família, mas deve se reconhecer como instituição 2. Ampliar as políticas públicas de fortalecimento o trabalho com a família de origem.
atenção à criança em situação de vulnerabilidade
acolhimento institucional, família acolhedora e adoção

diferente dela. das famílias. 2. Articular serviços de saúde e das Varas de In-
4. Garantir o efetivo trabalho com a família de ori- fância para acompanhamento e apoio psíquico
A constatação de que os abrigos, em sua quase 3. Instalar/ampliar serviços especializados para gem da criança desde o momento de sua che- e jurídico às gestantes que se decidem pela en-
totalidade, cuidam mal dos abrigados, levou ao atendimento de dependentes químicos e de ál- gada ao abrigo. trega do bebê.
desenvolvimento da noção de que o abrigo deve cool e de crianças de mães encarceradas.
“imitar a família”. Assim, passaram a ser denomina- 5. Acompanhar pelo menos durante um ano o 3. Promover trabalho de preparação dos candida-
dos “casas-lares”; a profissional passou a ser a “mãe- 4. Estabelecer, em todos os Municípios, com a co- processo de retorno da criança à família. tos a adotantes, especialmente quando se tra-
social”, etc. Por mais que se mudem os rótulos, há laboração dos setores responsáveis pela educa- tar de adoção tardia (crianças maiores de dois
especificidades na organização do abrigo que não ção, saúde e assistência social e de organizações 6. Garantir o acompanhamento e fiscalização dos anos de idade).
podem ser ignoradas. Reconhecer essas especi- não-governamentais, programas de orientação serviços de acolhimento institucional pelos ór-
ficidades é o primeiro passo para se adotarem os e apoio aos pais com filhos entre 0 e 3 anos, ofe- gãos competentes (Vara da Infância e Juventu- 4. Acompanhar o processo de guarda e adoção,
procedimentos mais compatíveis com a realidade. recendo, inclusive, assistência financeira, jurídi- de, Conselho Municipal dos Direitos da Criança especialmente nos primeiros seis meses, vi­
Reconhecer essas especificidades é condição para ca e de suplementação alimentar nos casos de e do Adolescente, Ministério Público) com fun- sando garantir que a criança esteja efetivamen-
que o abrigo possa efetivamente exercer função si- pobreza, violência doméstica e desagregação damento nos parâmetros de qualidade acima te recebendo os cuidados adequados.
milar à da família: espaço de desenvolvimento psí- familiar extrema. referidos.
quico, construção da autonomia, socialização, etc.
5. Prestar atendimento integral à gestante, in- 7. Elaborar parâmetros mínimos para a criação de
2.4. Para ser medida provisória, o abrigo deve cluindo apoio psicológico e contemplando o protocolos para avaliação e acompanhamento
priorizar ações que promovam o retorno da acolhimento às dificuldades e inseguranças continuado da criança abrigada, garantindo-se,
criança ao convívio familiar quanto ao exercício da função materna com assim, a preservação de sua história e cultura e
vistas à, dentre outros objetivos, redução dos a atenção singularizada.
Para tanto, a família de origem deve receber aten- casos de abandono do recém-nascido. Se a mãe
ção desde o momento de chegada da criança no se sentir impossibilitada para cuidar do bebê, 8. Elaborar parâmetros mínimos para a criação de
abrigo. Um efetivo, sistemático e profissionalmente que pelo menos possa fazer uma entrega amo- protocolos para avaliação e acompanhamento
competente trabalho com a família permitirá de- rosa dele a outrem. continuado das famílias de origem.
cidir, no tempo mais breve possível, se a reintegra-
ção será possível ou se, no interesse da criança, o 6. Acompanhar a mãe no período pós-parto, tal 9. Aprimorar/implementar a comunicação en-
melhor será a solicitação de destituição do poder como explicitado no capítulo dedicado à saúde tre a Vara da Infância e Juventude, o Ministé-
familiar que possibilitará, então, à criança, vir a ser mental na primeira infância, visando a redu- rio Público, os Conselhos Tutelares e entidades
colocada em família substituta. zir o índice de abrigamentos por negligência de abrigo, por meio do Sistema de Informação
­parental. para Infância e Adolescência - SIPIA, visando a
3. Objetivos integração e otimização de suas ações e maior
3.2. Objetivos específicos em relação aos celeridade nas decisões relativas ao destino da
3.1. Objetivos gerais em relação às famílias cuidados nos abrigos criança.

Coerente com o pressuposto de que o abrigamen- 1. Garantir, no prazo máximo de dois anos, o 3.3. Objetivos específicos em relação aos
to deve ser medida de exceção aplicada somente cumprimento das normas básicas de recursos Programas de Famílias Acolhedoras.
nos casos em que, tendo o Estado efetivamente humanos do MDS (NOB-RH) que indicam a ne-
propiciado o apoio psicossocial à família, esta se cessidade de uma equipe técnica composta de 1. Promover campanhas para esclarecimento
mostra impossibilitada de bem exercer sua função, um psicólogo e um assistente social para cada sobre o Programa Famílias Acolhedoras, vi-
acolhem-se aqui objetivos gerais contemplados em vinte crianças. sando a ampliar o número de famílias para o
outros tópicos deste Plano e que vão ao encontro ­acolhimento.

70 71
do direito de brincar Toda criança tem o direito ao descanso
e ao lazer, a participar de atividades
ao brincar de todas de jogo e recreação apropriadas à sua
idade e a participar livremente da vida
as crianças cultural e das artes.
Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança, da ONU.

Análise Preliminar infantil é a atividade que tem por característica a


livre escolha da criança, ou seja, uma atividade re-
Orientar processos de formação de sujeitos ple- gida por ela. O papel do adulto deve ser de parti-
nos de direitos significa considerar como ponto cipante atento, disponível e que pode – e deve, no
de partida o que é relevante e necessário para seu caso de ser professor de educação infantil – fazer
o desenvolvimento integral. Nesta perspectiva, é uma mediação a fim de prolongar o caminho tri-
fundamental destacar o brincar e a sua importân- lhado pela criança, mas sempre respeitando a von-
cia para o desenvolvimento físico, cognitivo, emo- tade dela em aceitar ou não as propostas quanto à
cional e de valores culturais, bem como para a so- brincadeira.
cialização e o convívio familiar da criança. Deve ser
reconhecido como uma das formas que possibilita A função mediadora do adulto requer uma am-
a ela, que está descobrindo o mundo ao seu redor, pliação do conhecimento sobre a importância do
constituir sua identidade sem que se baseie em um brincar no desenvolvimento infantil e também, em
único modelo, às vezes carregado de rótulos e pre- muitos deles, o resgate da esquecida ou recusada
conceitos. dimensão lúdica de sua infância. Sendo assim, é
preciso incluir nos encontros com as famílias das
Quando uma criança brinca, entra em contato crianças e nos cursos de formação dos profissionais
com suas fantasias, desejos e sentimentos, conhece da educação infantil os meios que possibilitem a
e reconhece a força e os limites do próprio corpo e esses adultos dialogar sobre o brincar e reviver a
estabelece relações de confiança com o outro. No brincadeira em si próprios. O resgate de sua di-
ato de brincar, tem a oportunidade de experimen- mensão lúdica torna o adulto mais sensível aos
tar as situações de maneiras diferentes daquelas processos de desenvolvimento da criança.
vividas na forma “real”. Nele, consegue testar suas
habilidades e competências, aprende regras de Nas famílias, nas comunidades, nas instituições de
convivência, desenvolve as diversas linguagens ou educação infantil o espaço para a brincadeira deve
formas de expressão e amplia a visão que tem do ser defendido e resguardado. Nestas instituições o
mundo que a cerca. A brincadeira tem um papel brincar livre da criança deve ser priorizado, o que
decisivo nas relações entre a criança e o adulto, não impede que haja momentos em que os educa-
entre as próprias crianças e delas com o meio am- dores procurem ampliar as aprendizagens constru-
biente. Em síntese, a brincadeira é uma condição ídas pela criança durante a brincadeira. Mas, an-
para que a vida aconteça e o meio para que se ex- tes de tudo, é necessário conservar a plenitude da
presse, seja compreendida e transformada. É, pois, brincadeira, ou seja, sua espontaneidade, caráter
seguro afirmar que a criança estando em situação desafiador, arrebatamento, mistério e surpresa, sob
lúdica cria uma relação prazerosa com o conheci- pena de destruir seu encanto, destruindo precisa-
mento, ou seja, explora, testa, descobre, aprende. mente aquilo que nela atrai, envolve e faz crescer.
Além disso, o envolvimento em atividades lúdicas,
em ambientes protegidos, diminui a exposição de A veracidade das constatações pedagógicas, so-
crianças aos riscos presentes no meio físico e social ciais e psicológicas sobre a relação entre a criança
e as instrumentaliza cognitiva e afetivamente para e o brincar assegura à família e aos diferentes pro-
reagirem a situações complexas e ameaçadoras. fissionais do atendimento à criança que o brincar é
um instrumento valioso que nossa cultura dispõe
O que, neste Plano, se denomina brincadeira para uma educação integral. Em acréscimo a esse

73
objetivo, eles podem estar seguros de que têm, lúdicas, com e para as crianças, bem como na acessibili­dade, sendo um requisito indispensá-
no brincar, uma ferramenta de comunicação efe- área de produção de bens culturais direciona- vel a existência de áreas externas com equipa-
tiva para compreensão do universo infantil e seus das às crianças, reconhecendo seu saber teórico mentos condizentes com a atividade lúdica da
­anseios. e/ou prático e disseminado as informações des- criança de até seis anos.
te trabalho.
Para garantir o direito ao brincar das crianças, os 5. Criar, nos dois primeiros anos deste Plano, edi-
espaços e o tempo para as brincadeiras devem 7. Formar profissionais que atuam diretamente tais específicos de incentivo à cultura, que esti-
ser pensados em todos os lugares que as crianças com a criança para compreenderem as etapas mulem, em lugares de baixo poder aquisitivo,
ações
finalísticas
­vivem: nas casas, nas instituições de educação in-
fantil, nas comunidades, nas cidades.
e características do desenvolvimento infantil e
a relevância do ato de brincar para a formação
projetos de trabalhos em arte para e com as
crianças, bem como ampliem o acesso à cultura
de identidade de um indivíduo. e o conhecimento das crianças sobre os lugares
Reconhecemos que estamos numa cidade que e costumes do país, atentos, também neste as-
respeita e valoriza o brincar de todas as crianças 8. Ampliar a discussão sobre a importância do pecto, aos parâmetros de acessibilidade.
do direito de brincar
ao brincar de todas as crianças

quando vemos as brincadeiras presentes nas pra- brincar e a produção cultural para a primeira
ças, parques, calçadas; nas instituições que cuidam infância, visando que formadores de opinião e 6. Incluir nos programas de formação continuada
e educam crianças, nas suas famílias. tomadores de decisão acolham a criança como de professores e profissionais que atuam com
membro da sociedade. crianças de até seis anos, das três esferas gover-
2. Objetivos e metas namentais, conteúdos, informações e práticas
9. Promover, explicitamente, a inserção do brincar que os habilitem a perceber e valorizar, na reali-
2.1. Objetivos como conteúdo essencial das políticas públicas zação de seu trabalho, o lúdico como forma de
de Educação Infantil. desenvolvimento e aprendizagem da criança.
1. Priorizar o direito ao brincar, considerando a
criança como sujeito desse direito com suas 2.2. Metas 7. Criar oficinas do brincar, visando ao resgate e
necessidades e características próprias, possibi- à vivência lúdica dos familiares e adultos que
litando que se desenvolva integralmente. 1. Elaborar, no prazo de dois anos, um documento ­atuam com crianças de até seis anos.
referência que consolide as estratégias utiliza-
2. Reconhecer o brincar como uma necessidade e das pela sociedade civil organizada e pelos pro- 8. Realizar anualmente, em datas significativas
forma privilegiada de expressão da criança. gramas governamentais direcionados a crianças para os direitos da criança, campanhas de infor-
de 0 a 6 para assegurar a elas o direito de brin- mação e sensibilização da sociedade, em espe-
3. Incentivar o lúdico como inesgotável e fluente car e reúna boas práticas de garantia desse di- cial das famílias e comunidades, sobre o direito
conteúdo de aprendizagem da criança sobre si reito, dando-lhe ampla divulgação como instru­ e a importância do brincar.
mesma, sobre a cultura e sobre as formas de re- mento de incentivo de novas ações.
lação com os outros, sem que sua função sub- 9. Disseminar brinquedotecas nas comunidades
sidiária de recurso didático ou procedimento 2. Fazer um levantamento de espaços públicos de baixo poder aquisitivo, não para substituir
para organizar o processo de educação esvazie disponíveis, governamentais e das comuni­ a educação infantil em instituições específicas,
o verdadeiro sentido que ele tem para a criança. dades, e prepará-los de acordo com os parâme- mas para ampliar e diversificar as oportunida-
tros de acessibilidade, para que sejam transfor- des de interação das crianças de até seis anos
4. Oferecer espaços lúdicos que atendam às de- mados em lugares do brincar das crianças de com crianças de idades superiores, com avós e
mandas da infância, acolhendo a singularidade até seis anos , sendo estes espaços praças, par- outras pessoas da comunidade. Nessas brinque-
do indivíduo, e que contemplem a diversida- ques, cinemas, museus, entre outros. Aumentar dotecas, sempre que possível, deverá existir um
de cultural, produzida também pelas crianças gradualmente a oferta destes espaços de sorte espaço de criação e conserto de b
­ rinquedos.
e que formam um conjunto de padrões de que todas as crianças possam frequentá-los
comportamento, crenças e valores morais e ­alternadamente. 10. Criar e manter brinquedotecas nos hospitais
­materiais. e brinquedotecas itinerantes, que percorram
3. Envolver a comunidade em todas as etapas de vilas, bairros, ruas, praças, com professores e
5. Criar espaços lúdicos de interatividade, de cria- construção dos espaços do brincar, possibilitan- ­animadores culturais.
tividade, de expressão de desejos e opiniões e do, principalmente às crianças e seus familiares,
construção de valores coletivos diversos da ló- que manifestem suas necessidades; identificar e 11. Ouvir os sujeitos da brincadeira sobre o brincar:
gica vigente e democratizar o acesso a eles. Par- capacitar representantes da comunidade para realizar pesquisas com crianças e encaminhar
ticular atenção deve ser dada na criação e no acompanhar o funcionamento ou desempe- aos gestores públicos suas ideias, desejos e ex-
acesso e uso desses espaços por crianças com nhar funções naqueles espaços. pressões sobre a brincadeira, os brinquedos, os
deficiência. espaços do brincar.
4. Elaborar diretrizes que orientem a construção
6. Valorizar a produção de conhecimento produ- de espaços formais de educação infantil, de
zido por profissionais que atuam em atividades acordo, entre outros, com os parâmetro de

74 75
a criança Devemos somar forças para gerar uma
sociedade sustentável global baseada
e o espaço no respeito pela natureza, nos direitos
humanos universais, na justiça
a cidade e o meio ambiente econômica e numa cultura da paz.
Carta da Terra. Preâmbulo.

espaço que as pessoas ocupam, no mundo O ambiente não é apenas um dado: ele é um com-
de hoje, não é mais o natural; ele é modelado so- plexo de significados que entram na formação da
cialmente e distribuído politicamente. As famílias pessoa que nele vive e com ele interage. O espaço
e as pessoas individualmente pouca possibilida- não é neutro: fala pela forma como está disposto e
de têm de fazer suas escolhas e moldar o espaço organizado, pelas suas corres e cheiros, pelos seus
que habitam, segundo seus gostos e necessidades. barulhos, ruídos e silêncios. Ele define as relações
Além das outras questões que influem na organi- entre as pessoas, desafia ou inibe iniciativas, suscita
zação e distribuição do espaço de vida, trabalho ou restringe movimentos. O ambiente é o “terceiro
e lazer das pessoas, das famílias, da população professor” da criança, no dizer do fundador da pe-
adulta, sua definição não leva em consideração o dagogia de educação infantil (abordagem) de Reg-
universo específico da primeira infância, com suas gio Emilia, Loris Malaguzzi, para quem o primeiro
características etárias e de desenvolvimento. Res- são os pais; o segundo, os professores nas escolas.
salvadas admiráveis exceções, nem se cogita a pos-
sibilidade das crianças participarem do desenho do Qualidade do ambiente e qualidade de vida são
espaço em que vivem. profundamente relacionadas. Assim a desorgani-
zação do espaço repercute negativamente na vida
A criança tem direito a uma vida saudável, em har- das crianças, influencia na sua visão do mundo e
monia com a natureza34, a inserir-se e viver como na organização de suas mentes. A deterioração do
cidadã nas relações sociais, o que implica o direito ambiente, a forma desordenada de ocupação do
ao espaço na cidade adequado às suas característi- espaço na periferia das cidades, o caos nos centros
cas biofísicas e de desenvolvimento, a participar da urbanos, a favelização, a baixa qualidade dos servi-
definição desses espaços e finalmente, a participar ços públicos, como transporte e saneamento nas
da construção de uma sociedade sustentável. áreas em que a população mais pobre consegue
levantar suas moradias, déficit habitacional, a não
Esses direitos, no entanto, encontram obstáculos regularização fundiária, comunidades consolida-
de diferentes matizes e intensidade. As políticas das sem título de posse do terreno, lixo e esgoto a
públicas têm por escopo removê-los, garantindo céu aberto, inexistência ou precariedade de áreas
as condições ambientais para a criança viver uma de lazer e espaço do brincar são fatores presentes
vida plena como criança, na sua peculiar condição na maioria das cidades que agem em oposição ao
de desenvolvimento. direito da criança a uma vida saudável em harmo-
nia com a natureza.
Este capítulo trata do direito da criança ao am-
biente, considerando três subtemas intrinseca- A desigualdade ambiental expressa também a de-
mente relacionados: (a) o meio ambiente físico e sigualdade social: as camadas empobrecidas da po-
cultural em que vive, (b) a cidade como lugar de pulação estão mais expostas aos riscos decorrentes
vida e cidadania e (c) a sociedade sustentável, que da localização e da vulnerabilidade de suas mora-
envolve a sustentabilidade do Planeta e a educação dias, como por exemplo inundações, deslizamen-
ambiental. tos, esgotos a céu aberto, assim como a agressões
à saúde. Essa situação estabelece uma forte corre-
1. O meio ambiente lação entre indicadores de pobreza e ocorrência de

34. De acordo com o Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92).

77
doenças associadas à ausência de água potável e como sujeitos capazes de opinar, sugerir, criar e dar brincar em espaços interiores cobertos e fechados gens decisivos no espaço urbano: podem exercer
rede de esgoto. um rosto mais humano à cidade: soprando-lhe a de menor dimensão, opondo os interesses dos pais um papel humanizador da cidade. A espontanei-
vida de sua presença, seus movimentos, suas vozes, – deixar seus filhos em locais seguros – aos anseios dade das crianças em conversar com aqueles que
Os progressos que o Brasil tem feito nos últi- sorrisos e brincadeiras. e desejos dos filhos – brincar com liberdade em es- encontram pelas ruas, sem mesmo conhecê-los,
mos anos na redução das desigualdades entre as paços abertos. faz pernas aceleradas pararem, bocas conversarem
­Regiões, entre pobres e ricos e no acesso a bens A realidade social está dada: há um aumento do e olhares se cruzarem; faz sorrisos serem esboçados
como educação e saúde repercutem na melhoria tempo de permanência de crianças de 0 a 6 anos As ruas e praças como local da sociabilidade inter- em faces sérias e sisudas.
das condições ambientais e na qualidade de vida de idade dentro das instituições escolares, devido a geracional desaparecem e passam a desempenhar
ações
finalísticas
e desenvolvimento das crianças. No entanto, as
ações, nesse campo, devem associar-se a outras, in-
inserção cada vez maior das mulheres no mercado
de trabalho. Assim, a criança participa e é inserida
a função de uma ponte de ligação entre um espaço
privado e outro, fazendo do espaço público um in-
Para compreender a importância da presença das
crianças na cidade é preciso ver a cidade como um
dicadas neste Plano, que tomem a primeira infân- no espaço público pela via da escolarização. terstício e um não-lugar. espaço educador, com possibilidades de aprendi-
cia como foco. Entre essas ações estão as de saúde zagens formais e informais. Todo e qualquer lugar,
pública, de educação infantil, de apoio às famílias, As expressões corriqueiras “lugar de criança é na Os espaços do brincar com os parques infantis, e espaço ou elemento urbano é potencialmente cul-
a criança e o espaço
a cidade e o meio ambiente

entre outras. Qualquer reducionismo, nesse pro- escola” ou “a rua não é lugar de criança” revelam os espaços educativos com as escolas, constroem tural, histórico e educativo. Uma esquina, uma rua
blema social complexo, revela-se inócuo e estéril35. quais são os lugares da infância na cidade e que uma cartografia urbana da infância, uma conse- ou uma praça podem possibilitar aprendizagens
tipo de relação devem estabelecer com a ela. quência das transformações sociais, econômicas, tão ricas quanto museus ou livros.
2. A cidade culturais e políticas que interferem na organização
É importante pensar em uma rede de integração ocupação dos espaços públicos. Não é pelo fato delas falarem diferente do adulto,
Às crianças são destinados dois espaços: a casa, entre a escola e a cidade, através de uma proposta utilizarem meios de expressões e linguagens que
ou o espaço privado, e instituições de acolhimen- pedagógica que extrapole os muros da escola para As crianças extrapolam os limites destes espaços próprias, que devem ser consideradas inaptas a
to e atendimento, ou espaço público. Na cidade, utilizar o meio urbano e social como agente edu- que lhes são concedidos brincando com os equi- participar e contribuir com a cidade. Pelo contrá-
há dois principais espaços destinados a elas: os cativo. Afinal, a escola não é a única via de apren- pamentos urbanos através da ludicidade fazendo rio, por trazerem sua diferença e um outro ponto
parques infantis e os estabelecimentos de educa- dizagem, mas sim uma entre muitas possibilidades da cidade o seu próprio brinquedo. de vista, são capazes de apontar uma outra pers-
ção infantil (creche e pré-escola), respectivamente de se adquirir conhecimento. A escola integrada pectiva, de ver a cidade muitas vezes oculta aos
como espaço do brincar e espaço educativo. Ou com os espaços públicos – ruas, parques, praças, A relação lúdica e imaginativa que as crianças es- olhos dos adultos.
seja, as crianças ocupam o lugar que os adultos museus – promove a participação e alfabetização tabelecem com a cidade, atribuindo outros signifi-
prescrevem, que a sociedade lhes reserva e que a urbana das crianças. cados e usos aos espaços e equipamentos urbanos, 3. Sociedade sustentável
administração simbólica lhes indica. precisa ser vista pelos adultos como ações criativas
Esta rede de integração se sustenta em três pilares e lúdicas da infância e não como transgressões, Esta seção aborda o direito da criança viver
As crianças passam mais tempo nos espaços pri- promovidos pela escola: conhecimento, ocupação, ações não permitidas. numa sociedade sustentável e participar de sua
vados do que nos públicos. Essa privatização da participação e intervenção nos espaços e equipa- ­construção.
infância oculta e restringe a condição social da mentos urbanos pelas crianças. O primeiro passo A presença das crianças na cidade mostra inúme-
criança. é possibilitar às crianças passeios urbanos para que ras possibilidades de construir e reconstruir os es- 3.1. Sustentabilidade social, sustentabilidade do
conheçam os espaços e equipamentos urbanos de paços e equipamentos urbanos. Elas ensinam que Planeta Terra
Com o surgimento das escolas, a socialização e a sua cidade. Na medida em que realizam estes pas- estes podem ser utilizados de muitas maneiras
aprendizagem que antes aconteciam no espaço seios, elas vão ocupando os espaços urbanos dan- com diferentes funções. O desenvolvimento trouxe e continua produzindo
público, numa troca intergeracional, passam a se do visibilidade a sua presença na cidade. A partir melhoria nas condições de vida da humanidade e é
dar predominantemente nos espaços específicos do momento em que as crianças conhecem a cida- A relação das crianças com a cidade possibilita a o grande objetivo dos governos, dos cientistas, dos
e segregados entre sujeitos pertencentes à mesma de, elas começam a participar e intervir nos espa- aquisição de conhecimentos urbanos e sociais que técnicos, dos trabalhadores, enfim, de todo o mun-
condição geracional: a infância. ços e equipamentos urbanos, participando da (re) desvendam a complexidade citadina. Estar na ci- do. Mas, no seu bojo, comportamentos que acaba-
criação da cidade. dade e viver a cidade e seus acontecimentos diá- ram demonstrando-se adversos à vida, ameaçam o
Os espaços públicos, antes tidos como locais de rios é aprender e apreender seus códigos e signos, próprio desenvolvimento. A lista desses comporta-
encontro e troca geracional, transformam-se em A dimensão relacional da escola não pode ser se- é realizar descobertas, conhecer as relações sociais mentos é enorme e continua crescendo em diver-
espaços fragmentados e segregados, frutos de uma parada da dimensão relacional da própria comuni- e como as pessoas as estabelecem, aprender a se sificação e gravidade: consumismo e desperdício,
sociedade individualista que não tem prezado pela dade. Entre a escola, o bairro, a habitação, o clube, locomover pelo espaço, enfim, conhecer a cidade destruição de florestas e nascentes de água, uso
socialização entre as pessoas. A delimitação de lu- as associações culturais e recreativas, os locais de na qual se mora. de produtos tóxicos na produção de alimentos e
gares determinados para as crianças na cidade de- lazer e trabalho, há que se estabelecer uma corren- no controle de insetos, poluição e acúmulo de lixo,
nuncia uma situação de exclusão urbana da infân- te de integração capaz de dar sentido ao cotidiano Na multidão de estranhos que transitam diaria- emissão de gases poluentes e destruição da cama-
cia, já que elas não são vistas como atores sociais urbano das crianças. mente pelos espaços urbanos, os olhos não se cru- da de ozônio, efeito estufa, aumento da tempera-
pertencentes e com direito à cidade. Para reverter zam, as pernas não param, as bocas não conversam tura e aceleração do degelo das calotas polares e
esta situação é preciso enxergar e tratar as crianças O brincar ao ar livre foi sendo substituído pelo e o silêncio das palavras paira sobre uma cidade de geleiras, extinção de espécies da flora e da fauna,
sons ininterruptos. As cidades que tem crianças desequilíbrio na cadeia da vida…
35. Essa afirmação se baseia no documento Vigilância da Saúde Ambiental – Dados e Indicadores Selecionados, 2006, do Ministério da Saúde, e IDB circulando e ocupando os espaços públicos vivem
2007 Brasil – Indicadores e Dados Básicos para a Saúde, editada pela RIPSA – Rede Interagencial de Informações para a Saúde. Ministério da Saúde e a experiência inédita e reveladora do resgate das As crianças estão nesse meio. Não apenas seu fu-
OPAS – Organização Panamericana de Saúde. relações entre as pessoas. As crianças são persona- turo depende de medidas que hoje sejam tomadas

78 79
para aplicar o conceito de sustentabilidade, quan- O currículo da educação infantil geralmente inclui o atendimento das nossas necessidades na cidade. o estudo sobre as questões relativas à susten-
to seu presente já se encontra comprometido. Se é duas áreas de trabalho relacionadas ao ambiente: tabilidade da sociedade e ao desenvolvimento
justa a preocupação com a sobrevivência da huma- (a) conhecimento, por meio de experiências con- Entre as ações do Estado para garantir um ambien- de práticas de educação de crianças de até seis
nidade, é justo também voltar o olhar para a infân- cretas, da natureza e dos problemas que a estão te com qualidade de vida para as crianças, estão: anos sobre essa temática
cia, comprometendo-se a trabalhar pela qualidade afetando e (b) ressignificação de materiais, pela
do ambiente para aquelas que estão chegando à transformação e reutilização. 1. A formulação e aplicação de políticas de ocu- 6. Realizar oficinas com profissionais que defi-
vida. pação e uso do espaço que atendam aos direi- nem, criem, organizem, administrem espaços
A primeira área é relativamente recente e consis- tos de moradia, saúde, segurança, movimento, (arquitetos, urbanistas, designers de interiores,
ações
finalísticas
A maioria dos governos e das organziações da so-
ciedade já compreendeu que é preciso, urgente e
te em explorar e conhecer os espaços naturais.
Passeios, exploração dos ambientes, cuidado de
brinquedo; especialistas em meio ambiente etc.) visando à
criação e ao desenvolvimento de projetos que
possível reverter esse caminho de auto-destruição, pequenos animais, cultivo de horta, pomar e jar- 2. Ações diretamente voltadas à melhoria das respeitem a presença e participação dos cida-
mas que a virada do rumo só tem chance de acon- dim levando as crianças ao encontro da natureza condições de moradia das famílias sem renda dãos de até seis anos de idade;
tecer se a humanidade se entender parte de um e, também, projetos pedagógicos sobre temas do ou de renda insuficiente para possuir, com re-
a criança e o espaço
a cidade e o meio ambiente

sistema mais amplo, que é o Planeta Terra. Que meio ambiente, como a despoluição do rio ou da cursos próprios, uma moradia digna; 7. Elaborar diretrizes que orientem a construção
sustentabilidade Social é o mesmo que sustentabi- lagoa, o destino adequado do lixo, a coleta sele­tiva de espaços lúdicos para a criança de zero a seis
lidade do Planeta. na escola, a preservação das nascentes etc. A se- 3. Saneamento básico; anos;
gunda é a reciclagem de materiais da natureza ou
Mas as crianças estão nesse meio não apenas como da indústria que já passaram pelo seu primeiro uso 4. Educação ambiental (educação para uma so- 8. Ampliar/criar ofertas de disciplina na formação
vítimas indefesas; elas estão como sujeito, capazes e finalidade. Papéis, plásticos, pedaços de madei- ciedade sustentável); dos Arquitetos engenheiros, urbanistas, paisa-
de contribuir, a seu modo e a seu tempo, na cons- ra, cascas… adquirem, nas mãos das crianças ad- gistas, relativas à infância;
trução de uma sociedade sustentável, de um pla- quirem novas formas e significados e passam a ter 5. Campanhas de conscientização e formação
neta sustentável e, com os adultos, celebrar a vida, nova vida e presença. Em vez da atitude de consu- de comportamentos em relação à proteção 9. Promover uma rede de integração entre a es-
com justiça, paz e alegria. mir e descartar, as crianças formam atitudes de res- e restauração a terra, ao meio ambiente, ao cola e a cidade, possibilitando a participação
peito e preservação da natureza e dos animais, de ­consumo. urbana das crianças;
“Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar conservação, transformação e reutilização de coi-
de uma nova reverência face à vida, pelo compro- sas que passíveis desses processos. Ou a dos quatro 5. Objetivos e metas 10. Incluir os desejos, ideias, necessidades das
misso firme de alcançar a sustentabilidade, a in- “r”: reduzir (o consumo), reciclar (ressignificando), crianças no planejamento urbano.
tensificação dos esforços pela justiça e pela paz e a reutilizar e respeitar. 1. Determinar que as políticas que tratam dos es-
alegre celebração da vida” (Carta da Terra). paços urbanos dêem atenção às características
À medida que a educação ambiental assume o físicas, sociais e de aprendizagem das crianças
3.2. Educação ambiental processo de formadora de identidade cultural, o de até seis anos de idade;
interesse por essas questões faz com que a educa-
A problemática ambiental é uma das discussões ção desperte para possíveis soluções para a proble- 2. Estabelecer, em adequado instrumento legal,
mais urgentes da nossa sociedade, uma vez que a mática ambiental, concretizando um projeto em que os Planos Diretores das cidades prevejam
frequência com que ocorrem as novas formas de defesa do meio ambiente. espaços públicos para as crianças que atendam
agressão à natureza é cada vez maior. às necessidades e características das diferentes
A educação ambiental começando na educação idades (praças, brinquedotecas, postos de saú-
O item 14 dos princípios da Carta da Terra, que infantil é a melhor maneira de estimular a prática de e de assistência, instituições de educação in-
propõe sejam integrados, na educação formal e na de atitudes e a formação de novos hábitos com re- fantil, áreas de lazer coletivo etc.);
aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, lação à utilização dos recursos naturais e favorecer
valores e habilidades necessárias para um modo de a reflexão sobre a responsabilidade ética com o 3. Determinar, por instrumento legal, que os pro-
vida sustentável, recomenda: “Prover a todos, espe- Planeta. jetos de loteamento reservem espaços próprios
cialmente a crianças e jovens, oportunidades edu- para equipamentos sociais que atendam aos
cativas que lhes permitam contribuir ativamente 4. Ações direitos das crianças à saúde, assistência, educa-
para o desenvolvimento sustentável.” ção e lazer;
O Estatuto da Cidade tem como uma das suas di-
Na lei 9.795/99, que institui a Política Nacional de retrizes a garantia do direito a cidades sustentáveis, 4. Incentivar a realização de atividades abertas, ao
Educação Ambiental – PANEA, a promoção da entendido como direito à terra urbana, à moradia, ar livre, nas cidades, especialmente nos bairros,
educação ambiental é colocada como obrigação ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, vilas, favelas ou áreas de escassas oportunida-
de todos os segmentos da sociedade e da edu- ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho des e espaços de lazer, onde as crianças de até
cação formal e informal. Ela deve ser promovida e ao lazer, para as gerações presentes e as futuras, seis anos de idade possam interagir entre si e
desde a educação infantil, de forma transversal e de acordo (art, 2º, inciso I). Não são poucos os nos- com outras de idades superiores, inclusive com
multidisciplinar, evitando ser tratada como uma sos direitos a uma cidade saudável, assim como adultos;
disciplina isolada e à parte dos valores e das atitu- não são poucos os deveres do Estado para a imple-
des cotidianas da vida. mentação de políticas públicas que materializem 5. Incluir nos cursos de formação de professores

80 81
atendendo a Assegurar o direito à diferença implica
o respeito às personalidades e aos
projetos individuais da existência, bem
diversidade como a consideração e valorização dos
diferentes saberes e culturas.
crianças negras, quilombolas e indígenas
Crianças brasileiras e mente do movimento negro, traços de “estereoti-
afrodescendentes pia” e “caricatura” da população negra. “A criança
negra era ilustrada e descrita através de estereóti-
O propósito de que a criança afrodescendente pos inferiorizantes e excluída do processo de co-
receba uma atenção específica no Plano Nacional municação, uma vez que o autor se dirigia apenas
pela Primeira Infância se coaduna com o art. 5º do ao público majoritário nele representado, constitu-
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, por ído por crianças brancas e de classe média” (SILVA,
sua relação direta com a proibição da discrimina- 2005, p. 23). A história e a cultura dos ancestrais
ção racial. O ECA as protege,mas a vida real, ainda africanos também não são contadas. Muitas vezes
não. Elas sofrem preconceitos, constrangimentos a história fica restrita à fase da escravidão.
e até mesmo violência em decorrência da sua ori-
gem e ascendência. E não conseguem, na primei- Na área da literatura infantil também predomina
ra infância, dadas as características dessa etapa essa visão, mas começam a ser publicados livros
do desenvolvimento, significar essas situações, de com um novo olhar. Mitos, lendas, heróis e hero-
modo a superá-las. Atitudes discriminadoras dei- ínas da cultura negra e indígena vêm surgindo em
xam marcas profundas na constituição subjetiva páginas de livros para crianças. Considera-se rele-
das crianças. vante uma política de apoio a tais publicações para
que a ausência de personagens negros ou sua pre-
Oprimidas, na maioria das vezes as crianças ne- senças desfigurada como escravos, crianças débeis
gras não encontram suporte nem mesmo em suas ou frágeis, trabalhadoras domésticas bobas, gordas
famílias que, também marcadas pela mesma dis- e risonhas cedam lugar às qualidades e à riqueza
criminação, raramente sabem como oferecer for- humana e cultural d, além de imagens de negros
mas de enfrentamento à opressão racial. Assim, o humilhados e vistos como animais37.
racismo persiste ao longo das gerações, podendo
acarretar consequências na constituição da criança Em função das características da idade, a criança
enquanto sujeito. pequena não só tem direito como carece de espe-
cial atenção da sociedade, do Estado e da família
Em seus primeiros anos de vida, a criança negra que a proteja das diversas formas de discriminação
não encontra exemplos, os vê raros, com os quais que possam acometê-la. Entretanto, as leis não
possa se identificar. Poucos são os brinquedos in- são suficientes para barrar o racismo arraigado
fantis que representem a cor negra da pele, os na sociedade. Crianças brancas e negras crescem
cabelos crespos, ou mesmo a cultura negra; bone- marcadas pelo racismo, contudo as crianças ne-
cos e bonecas são quase exclusivamente brancos, gras têm sua vida assinalada de forma desumana,
muitos de cabeleira loura36. É quase exceção ver tendo sua infância e, em muitos casos, toda a vida
negros e negras em peças publicitárias ou com comprometida.
imagem veiculada de modo positivo, nos meios de
comunicação. O forte impacto do racismo sobre a sociedade bra-
sileira denuncia-se nos dados que apontam a pre-
Nos livros observam-se, ainda, apesar do esforço cária condição de vida à qual a população negra
governamental e das organizações sociais, mor- está exposta. Tais dados mostram o grande número

36. PODKAMENI, Ângela Baraf e GUIMARÃES, Marco Antônio Chagas. Afrodescendência, família e prevenção. In: MELLO FILHO, Júlio de e BURD, Miriam
(org.). Doença e Família. 2004.
37. LIMA, Heloisa Pires. Personagens Negros: Um breve perfil na literatura infanto-juvenil. In: MUNANGA, Kabengele (org.) Superando o Racismo na
Escola. Brasília, 2005.

83
de indigentes, analfabetos, sub-empregados, com Combater os mecanismos de manutenção das de- o papel da educação infantil na promoção da 2. Divulgar para os profissionais de saúde de modo
menos acesso a serviços de saúde, entre esta po- sigualdades étnico-raciais é trabalhar por uma so- igualdade. geral, independente de sua formação, as fragilida-
pulação. De acordo com o Atlas Racial Brasi­leiro38 ciedade justa e equânime para todos. des de saúde dos negros (por exemplo, anemia fal-
as pessoas negras, que representam 45% da popu- 2. Rever os currículos, propostas pedagógicas ciforme e hipertensão).
lação brasileira, correspondem a 60% dos pobres Dois contextos – o educacional e o de saúde – me- e materiais didáticos da educação infantil de
e 70% dos indigentes. A taxa de analfabetismo em recem uma consideração especial, dado seu papel sorte a que não incorram em discriminação 2. Crianças indígenas
2001 entre os brasileiros com 15 anos ou mais era na produção e reprodução do racismo, bem como étnico-racial, mas promovam a compreensão
de 12,4%: ao ser desagregada por cor, apontava na reeducação das relações étnico-raciais e de da igualdade e sejam representativos da diversi- As especificidades culturais ganham espaço cada
ações
finalísticas
18,2% entre os negros e 7,7% entre os brancos. atendimento que respeita o princípio da igualdade. dade étnica e cultural da sociedade brasileira. vez maior nos debates sobre políticas da diferen-
ça, desdobrando-se em aplicações práticas na le-
Torna-se importante destacar que apesar da re- A educação infantil constitui um dos primeiros 3. Incluir nos cursos de formação inicial e educa- gislação e nas ações. Contudo, há ainda um longo
conhecida importância das condições socioeco- espaços de convivência e socialização das crian- ção continuada dos profissionais da educação caminho a percorrer. Os povos indígenas como um
nômicas para as condições de saúde, elas por si só ças. Acolhendo a criança cada vez mais cedo – a infantil as questões relativas às crianças negras, todo, em especial as crianças indígenas, permane-
atendendo à diversidade
crianças negras, quilombolas e indígenas

não explicam algumas desigualdades. É reconheci- demanda crescente por creches vem exercendo além da história e cultura da África e dos afro- cem como sujeitos invisibilizados nas políticas pú-
do que a mortalidade infantil no Brasil vem apre- pressão cada vez mais forte sobre a oferta – a edu- descendentes no Brasil, capacitando-os para a blicas. Enquanto a Constituição brasileira sublinha
sentando queda significativa nas últimas décadas, cação infantil deve possibilitar o aprendizado das reeducação das relações étnico-raciais. a diversidade e a multiculturalidade que nos cons-
contudo ao ser desagregados por cor, os dados re- relações étnico-raciais de forma lúdica, pois o brin- titui como nação, os povos tradicionais inseridos
velam a desigualdade nas mortes de crianças ne- car é o eixo da prática pedagógica. É por meio dela 4. Destinar recursos no orçamento da educação no território, agora nacional e outrora originário,
gras e brancas. De acordo com Cunha39, a redução que as diferentes culturas passam a ser conhecidas, para a aquisição de literatura infantil que apre- são cercados pelo processo colonizador.
da mortalidade das crianças negras tem sido feita compreendidas e integradas na visão da criança. A sente de forma positiva a diversidade étnico-
de forma mais lenta que a das crianças brancas, o cultura se torna viva nas canções, nas brincadeiras, racial do Brasil. Para visualizar as crianças indígenas, é mister per-
que leva a ampliação da desigualdade entre a mor- nos jogos, nas danças e nas produções artísticas. A ceber os limites da aplicação da noção de infância
talidade destes dois grupos. Assim, as melhorias cultura afro-brasileira, bem como outras culturas, 5. Na aquisição de brinquedos e outros materiais em seus respectivos povos. Em expressivo número
nas condições de saúde voltadas para a redução da entra no cenário das instituições de educação in- pedagógicos para a educação infantil por parte deles, não há compreensão da infância como um
mortalidade infantil têm tido menos impacto so- fantil por meio dos contos, das histórias dos mais do Governo (ex. no Programa Nacional de Ma- período específico, caracterizado por determina-
bre as crianças negras, denunciando que políticas velhos. O patrimônio cultural das crianças e de terial Didáticos), incluir bonecas negras, perso- das particularidades. As relações das crianças com
voltadas para todos nem sempre atendem a todos seus familiares deve ser valorizado e trazido para nagens negros e jogos expressivos da diversida- os demais membros da comunidade são baseadas
da mesma forma. Mais além, estudos destacados as rodas de conversas. Artes, ciências, linguagem de étnica, sem discriminação de raça ou cor. na vivência do que acontece a vida social da co-
por Lopes40 apontam que mulheres negras têm interagem em um palco de construção coletiva de letividade: a autonomia, o ensino-aprendizagem, a
menos chances de passar por consultas ginecoló- saberes que envolvem a instituição educacional, a 6. Inserir, nas diretrizes operacionais da educação fluência na língua nativa, o trabalho, os rituais. A
gicas completas e de pré-natal. Ou seja, mulheres comunidade, os movimentos culturais e sociais. O infantil, a determinação de que a decoração, as noção de “faixa etária”, por exemplo, não dá acesso
negras são menos cuidadas durante seu período pátio, o quintal, o terreiro viram espaços de apren- exposições, as ilustrações, cartazes ou pinturas às realidades indígenas. Nesses contextos, as eta-
gestacional, o que leva a maiores riscos a mãe e ao der e ensinar. A criança é compreendida em sua dos estabelecimentos, tanto creches quanto pas da vida não são contabilizadas por uma noção
bebê. A política de promoção da igualdade racial, totalidade e valorizada integralmente. pré-escolas, sejam representativos da diversida- temporal, como idade, mas pela aquisição de sabe-
formulada e implementada a partir de 2003 vem de étnica do Brasil. res e substâncias que permitem que uma pessoa
mudando esse quadro, principalmente na saúde, Projetos que visam trabalhar com a educação das indígena demonstre para os demais que está apta
na educação e, na cultura, mas ainda persistem si- relações étnico-raciais questionam estereótipos de 7. Oferecer incentivo à produção e à divulgação a mudar ritualmente de fase, adquirindo um novo
tuações dado seu enraizamento histórico. beleza, padrão de humanidade, fontes de conhe- de pesquisas voltadas para a diversidade huma- status social. Uma criança que nasce não é logo
cimentos únicas. Essas vivências contribuem para na, com ênfase na população negra. feita humana. Ela passa por um longo processo de
Dados como estes fazem parte de uma produção a construção de uma auto-estima positiva pela transformação e adaptação de seu corpo para que
crescente, mas ainda incipiente, de estudos que criança negra e possibilita à criança branca repen- Saúde mostre desenvoltura na vida social.
destacam a realidade epidemiológica da popula- sar valores e concepções.
ção negra. Eles apontam a maior vulnerabilidade 1. Cuidar para que nos equipamentos públicos de As mudanças de ciclo de vida ou status ocorrem
de crianças negras e suas mães, e que, por isso, 1.1 Objetivos e metas saúde infantil a decoração contemple a pluralida- com base na conquista e demonstração públicas
constituem um item importante de atenção para de étnica da nação brasileira. de determinados índices de sociabilidade. No caso
as políticas públicas. Educação das crianças pequenas, um momento importante
2. Divulgar pesquisas que apontam o cunho dis- é o aprendizado e a destreza no caminhar sozinha,
Deste modo, quer nos processos educacionais, 1. Promover, sistemática e continuamente, nas criminatório de algumas práticas em saúde (por mostrando-se independentes de suas mães. Outro
quer nos de saúde, o racismo é reproduzido e per- instituições de educação infantil, estudos, de- exemplo, o menor tempo nas consultas pediátricas momento de transformação de status das crianças
petuado, atingindo de forma perversa e intensa bates e pesquisas, com a participação da co- com mães e filhos negros). se dá pela aquisição da fala. Para povos cuja trans-
a criança negra no período da primeira infância. munidade, sobre a diversidade étnico-racial e missão de conhecimentos se dá pela oralidade,

38. PNUD/UFMG. ATLAS RACIAL BRASILEIRO Brasília : 2004


39. CUNHA, Estela M. Condicionantes da Mortalidade Infantil segundo Raça/Cor no Estado de São Paulo, 1997-1998. São Paulo, 2001. Tese de 40. LOPES, Fernanda. Experiências Desiguais ao Nascer, viver, adoecer e morrer: Tópicos em Saúde da população negra no Brasil. In Seminário
doutorado apresentada a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Saúde da População Negra no Estado de São Paulo 2004. São Paulo: Instituto de Saúde, 2005.

84 85
falar bem é índice de humanidade. Em geral, uma cadeiras e responsabilidades. Em geral, as crianças legitimar a condição das próprias comunidades de 1. Levando-se em conta as especificidades dos po-
criança não recebe um nome antes de realizar es- maiores são responsáveis pelo cuidado das meno- cuidarem e educarem suas crianças. vos indígenas e suas demandas educacionais de
ses feitos, sendo chamada pelos demais apenas res, numa cadeia que chega aos bebês. É comum maneira sistêmica, é necessário rever e atuali-
por meio de tecnonímias (“fulana é filha de…”). O haver grupos compostos apenas por crianças, cui- A adoção de crianças indígenas tem sido objeto de zar as Diretrizes Curriculares Nacionais de Edu-
­ritual de nominação ocorre, portanto, em um pe- dando-se, educando-se e divertindo-se entre si. polêmica, que a Lei 12.010, aprovada em agosto de cação Escolar Indígena, de 1999, do Conselho
ríodo que varia de criança para criança. Receber 2009, pretende dirimir. Ela insere um novo capítulo Nacional de Educação, incluindo a Educação In-
um nome é transformar-se, passando a assumir Essas responsabilidades não vêm em oposição ao no ECA regulamentando essa questão, mas a ima- fantil, e que essa revisão conte com a participa-
responsabilidades com a coletividade. “ser criança”, o lúdico não é antagônico à aquisição gem de miséria que a mídia costuma veicular deixa ção de pessoas com experiência em educação
ações
finalísticas A “primeira infância” seria mais elástica para os
de responsabilidades e à importância da realiza-
ção de pequenas tarefas. Como agentes de suas
a opinião pública confusa sobre a “capacidade” dos
índios em assegurar os necessários cuidados a suas
infantil indígena.

povos indígenas, não se restringindo à idade nem próprias relações, participando de maneira plena crianças, em confronto com as denúncias e pro- 2. A recente ampliação da oferta de educação
ao imaginário da infância como uma etapa da vida da vida comunitária, as crianças também têm sua testos de mães e parentes sobre a retirada de seus infantil para crianças indígenas, sem estudos
limitada ao lúdico, à inocência ou à carência de contribuição. Colaborar com a vida da parentela filhos da aldeia por agentes estatais de saúde, mis- prévios sobre seu impacto nas formas de socia-
atendendo à diversidade
crianças negras, quilombolas e indígenas

­conhecimentos. é próprio do aprender a “ser índio”, no sentido de sionários ou resultado de adoções por não-índios. lização das crianças de zero a seis anos, aponta
tornar-se um humano para os seus. para a necessidade normatizar essa oferta de
Cada novo status que uma pessoa adquire implica Não há dúvida de que são exatamente os povos sorte que os princípios da educação escolar in-
alteração nas suas relações com a comunidade. Ao A faixa de idade até seis anos corresponde à fase indígenas quem tem o direito e legitimidade para tercultural sejam assegurados.
nascer, a criança cria também uma nova mãe e um em que a educação das crianças ocorre prioritaria- expressar as necessidades e desejos em relação às
novo pai, cria avós – o requisito para tornar-se um mente na vida familiar e comunitária. Por volta dos crianças indígenas. E cada povo tem aspectos cul- 3. Os cursos de formação de docentes indígenas
“velho” –, desencadeando uma série de novos sta- cinco anos, algumas começam a ser inseridas na turais próprios, sendo que no Brasil há cerca de e seu impacto na aprendizagem das crianças
tus sociais. Para os povos indígenas, há uma conti- educação formal fornecida pelo Estado. Contudo, 240 povos, com diferentes culturas. A Convenção pequenas devem ser avaliados conjuntamente
nuidade do nascimento até a morte – e também estes limiares etários não são um bom parâmetro nº 169 da OIT, que trata sobre povos indígenas e pelo governo e representações indígenas, ou-
após esta – num ciclo de transformações de cor- para caracterizar as realidades indígenas. tribais em países independentes, determina, no vindo, em especial, as mulheres, as mães e as
pos humanos e não humanos. Diferente da pers- seu artigo 6º, que os governos devem consultar próprias crianças.
pectiva regulada por uma biopolítica que associa Considerando que as crianças inseridas na rede os povos interessados, mediante procedimentos
o nascimento à aquisição de humanidade, entre os de ensino estadual recebem a merenda escolar, é apropriados e, particularmente, pelas suas institui- 4. Cabe ao Estado orientar e auxiliar os povos in-
ameríndios nascer não é simultâneo à inserção no importante considerar que essa alimentação seja ções representativas, sempre que tenham em vista dígenas a formular as Diretrizes para a forma-
mundo social. Esta transição efetiva para o mundo oferecida com a variedade, na quantidade e com medidas legislativas ou administrativas capazes de ção de seus professores de educação infantil
dos parentes não é dada; ela é elaborada continua- adequação às realidades alimentares de cada povo. afetá-los diretamente. O art. 231 da Constituição sempre respeitando o conjunto de referências
mente ao longo da vida de uma pessoa. Ela cresce em importância dada a desnutrição pre- Federal expressa o mesmo princípio, ao reconhe- conceituais e pedagógicas que se vêm firmando
sente em comunidades indígenas e o alto índice de cer “aos índios sua organização social, costumes, como consenso entre os povos indígenas e as
Muitas crianças, ao nascer, são circundadas de mortalidade infantil, a ela associada. O Programa línguas, crenças e tradições…”. instituições formadoras.
atenções para que comecem a se tornar humanas. Nacional de Alimentação Escolar – PNAE teve re-
Determinadas plantas são passadas em seu corpo, cente modificação que determinou adequação aos No caso específico das crianças indígenas, o ­Plano 2.2. Objetivos e metas
algumas partes dele, como a cabeça e o nariz, são padrões alimentares dos povos indígenas e comu- Nacional pela Primeira Infância propõe que se
cuidadosamente modelados, cabelos cortados, ali- nidades quilombolas41. ouça as mulheres das diferentes comunidades. 1. Criar novos cursos de formação de professores
mentos são recomendados ou proibidos, banhos e Mais do que o cacique ou qualquer outra lideran- de educação infantil, contemplando as especi-
pinturas corporais são aplicados. O leite materno é Atualmente, o problema da segurança alimentar ça, em geral masculina,são as mulheres indígenas ficidades culturais da criança indígena.
um dos principais canais de humanização do bebê. encontra-se ligado à questão da terra cujos efeitos as detentoras e articuladoras diretas do trato com
Receber esta substância da mãe é começar a se tor- secundários são uma mudança na vida comunitá- as crianças, especialmente na fase inicial da vida. 2. Criar novas estratégias para capacitação de
nar, gradualmente, seu parente e efetivamente um ria como um todo. Os índios e suas crianças ficam Além delas, um trabalho em conjunto com os professores de educação infantil que já atuam
consanguíneo. reféns de uma comida que “não alimenta como an- Agentes Indígenas de Saúde (AIS) também é im- em turmas de crianças indígenas.
tigamente” – como a carne adquirida por meio da portante. São eles os principais canais para veicular
O processo de aprendizagem é direcionado pela compra e não pela caça, que é “remosa”, é “fraca”. as demandas específicas das crianças de cada povo, 3. Estabelecer programas de atendimento e de
autonomia de cada criança em buscar o que quer Reféns dos banhos que não são na água corrente atendendo a realidades diferenciadas. Se o maior educação de crianças indígenas fiéis e coeren-
saber e compreender. Não há uma pedagogia puni- dos rios que “envelhecem” e “adoecem”. Reféns problema de uma criança yanomami que vive em tes com uma visão de infância específica, única,
tiva, que castiga e coage. As crianças aprendem ra- de uma terra poluída com agrotóxicos, “morta”, aldeias distantes dos grandes centros urbanos é a repleta de particularidades, próprias da cultura
pidamente o que é perigoso ou não, o que podem que não gera mais os frutos e animais que antes exposição a doenças outrora não conhecidas por de cada povo.
ou não fazer, imitando e observando os demais, ­existiam. seu povo, a de uma criança kaingang acampada
principalmente, as crianças mais velhas. Há uma na beira de uma estrada à espera de regularização 4. Apoiar o trabalho dos Agentes Indígenas de
intensa rede de relacionamentos exclusivos das Devido àquela exposição a condições pouco dig- de suas terras tradicionais é o acesso às condições Saúde (AIS) para detectar e veicular as deman-
crianças, que envolve ensino-aprendizagem, brin- nas, alguns setores da sociedade têm tentado des- alimentares e sanitárias mínimas de sobrevivência. das específicas das crianças de cada povo, aten-
dendo às realidades diferenciadas de exposição
41. Lei 11.947, de 16 de junho de 2009. Desde o ano de 2003, as escolas que têm alunos indígenas recebem um valor per capita para a merenda escolar 2.1. Diretrizes a doenças, garantindo acesso a condições ali-
100% superior ao da merenda das crianças não indígenas e por um período de 200 dias/ano. mentares e sanitárias.

86 87
A melhor forma de abordar a violência
e evitar violações de direitos contra a
infância é impedi-la antes que ocorra,
mediante o investimento em políticas
públicas e programas de prevenção.
Paulo Sérgio Pinheiro e Cecília Anicama42

Contextualização da violência zidos nas relações cotidianas que, por serem cons-
referencial conceitual e marco legal truídos por uma determinada sociedade, e sob
determinadas circunstâncias, podem ser por ela
A violência é um fenômeno complexo, de difícil desconstruídos e superados.
conceituação, principalmente por ser uma forma
própria de relação pessoal, política, social e cultu- Neste contexto, a criança está entre os segmentos
ral. Outras vezes é resultante das interações sociais mais vulneráveis. A assimetria de poderes existente
ou ainda, um componente cultural naturalizado. nas relações entre adultos e crianças permite que,
Segundo Koller e Loll, ela pode ser definida de vá- muitas vezes, aqueles abusem do poder que pos-
rias formas, mas existe uma base comum a todo suem, deixando de compreender e/ou respeitar as
ato de violência, ou seja, “são ações e/ou omissões crianças como sujeitos de direitos.
que podem cessar, impedir, deter ou retardar o
desenvolvimento pleno dos seres humanos”. Esses Quando se trata de direitos humanos, estabelece-
autores registram que tais ações “ocorre em rela- se uma relação entre esses sujeitos de direitos e os
ções interpessoais assimétricas e hierárquicas, nas responsáveis por assegurá-los – a família, o Estado
quais há desigualdade e/ou subordinação. Aquele e a sociedade. Apesar de a legislação brasileira ser
que violenta o outro toma decisões sobre a vida uma das mais avançadas no mundo em relação à
dele, sem avaliar as necessidades básicas e os dese- proteção das crianças (Constituição Federal e Es-
jos que possa ter, levando em conta, unicamente, tatuto da Criança e do Adolescente, bem como os
as suas próprias necessidades e seus próprios de- tratados internacionais dos quais o Brasil é signatá-
sejos”43. rio), as leis que expressam essa proteção não estão
presentes no cotidiano de uma parcela significativa
A Organização Mundial de Saúde afirma que vio- da população infanto-adolescente.
lência é o uso da força física ou do poder real ou em
ameaça contra si próprio, contra outra pessoa ou A violência praticada na família constitui a maior
contra um grupo ou uma comunidade, que resul- parte dos registros de violência contra a criança. A
te ou tenha qualquer possibilidade de resultar em violência intra-familiar, manifestada por acidentes
lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desen- e agressões, representa a primeira causa de morte
volvimento ou privação44. Do ponto de vista social, de crianças de um a seis anos no Brasil45. Cerca de
o contrário da violência não é a não-violência, mas 200 mil crianças e adolescentes declararam ter so-
sim a cidadania e a valorização da vida humana em frido agressão física e, em 80% dos casos, os autores
geral e de cada indivíduo no contexto de seu gru- de violência eram parentes e conhecidos46. Como a
po. maior parte dos episódios de violência ocorre em
espaços privados e muitas vezes não chegam aos
Não se pode compreender a violência fora da so- serviços de saúde, os dados oficiais não refletem a
ciedade que a produziu, porque ela se nutre de situação real. Menos mal que boa parte dos casos
fatos políticos, econômicos, sociais e culturais tra- de violência contra a criança não resulte em óbito,

enfrentando as violências 42. Le Monde Diplomatique – A Infância ainda em Risco. Ano 3, nº 28, novembro de 2009, pág. 37
43. KOLLER, S. H. (Org.), Ecologia do desenvolvimento humano: Pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004

contra as crianças
44. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Informe mundial sobre la violencia y salud. Genebra: OMS, 2002.
45. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Ministério da Saúde in UNICEF, 2005, p. 21 e 22.
46. Segundo o livro Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros (2005), publicado pela Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde.
(UNICEF, 2005, p. 22).

89
no entanto, nesse caso ela tem forte impacto nega- f­ ísicos, que consistem em qualquer ato que atinja entre a negligência e a situação de privação de re- seguintes princípios:
tivo na saúde e no desenvolvimento infantil47. o corpo da criança, em qualquer intensidade, com cursos da família, sejam materiais ou emocionais,
a intenção de provocar dor ou sofrimento a pre- para prover as condições adequadas para o desen- 1. Reconhecimento da criança como sujeito de
A violência, nas suas diferentes formas, causam: (a) texto de educar ou proteger. É uma manifestação volvimento saudável das crianças. direitos;
dor, sofrimento e danos à sua integridade física e de violência física porque utiliza a força para obter 2. Valorização e promoção da participação
(b) dor, sofrimento e danos à sua integridade psi- um determinado comportamento ou para punir as Violência sexual: é classificada nas modalida- ­infantil;
cológica. Os danos físicos podem ser “temporais” faltas, configurando, em alguns casos, tortura. des: abuso sexual intra e extrafamiliar e explo- 3. Valorização das capacidades e competências
(hematomas, cortes) ou permanentes, ou seja, que ração s­ exual. das famílias na resolução de seus próprios con-
ações
finalísticas
deixam sequelas físicas irreversíveis, como dano ce-
rebral e outras deficiências e até a morte. Os danos
Bater com a mão ou com um objeto (vara, cinto,
chicote, sapato, fios etc.); dar pontapés, provocar O abuso sexual é descrito como toda situação em
flitos e problemas;
4. Primazia da responsabilidade do Estado no fo-
psicológicos interferem na formação e desenvolvi- queimaduras, sacudir a criança ou empurrá-la, que uma criança é utilizada para gratificação sexual mento de políticas púbicas integradas para o
mento da criança, provocando incapacidades, dis- beliscá-la ou puxá-la pelos cabelos, obrigá-la a per- de outra pessoa, geralmente mais velha. Ele é co- enfrentamento às violências;
túrbios mentais e de comportamento. manecer em posições incômodas ou indecorosas metido através da força, engano, suborno, violência 5. Promoção da Cultura da Paz.
enfrentando as violências
contra as crianças

ou a fazer exercícios físicos excessivos. O castigo psicológica ou moral. O uso do poder pela assime-
Recém-nascidos que são sacudidos com força po- físico repetido, não severo, como a palmada tam- tria entre abusador e abusado é o que mais caracte- 3. Objetivo
dem sofrer lesões que provoquem paralisia cere- bém é uma violência: tapinhas na mão, beliscões, riza essa situação. O abusador aproveita-se do fato
bral, retardo mental, problemas de aprendizagem, tapas e bofetões, sacudidelas e empurrões, chutes e de a criança ter sua sexualidade despertada para Proteger as crianças de até seis anos contra todas
cegueira, surdez e outros ou ter convulsões. A vio- pontapés, surras, com ou sem uso de objetos. Essa conseguir seu consentimento e do seu sentimento as formas de violência que coloquem em risco a
lência contra crianças até dois anos é extremamente violência pode causar consequências físicas ou psi- de culpa por sentir prazer para acobertar o ato. sua integridade física e psicológica, nos âmbitos
danosa para sua formação. As vivências desse perí- cológicas, deixando ou não marcas aparentes. familiar, institucional e comunitário, por meio de
odo influenciam o comportamento por toda a vida. O abuso sexual intrafamiliar, também chamado recomendações que visem o fortalecimento e a
Violência psicológica: é toda a ação que causa incestuoso, é qualquer relação de caráter sexual efetiva operacionalização do Sistema de Garantia
A participação da criança desde a primeira infância ou pode causar dano à auto-estima, à identi­ entre um adulto ou um adolescente e uma criança de Direitos (SGD).
nas ações que visem enfrentar a violência intra-fa- dade ou ao desenvolvimento da pessoa. Dela entre os quais há um laço familiar ou uma relação
miliar e suas consequências é uma estratégia fun- ­fazem parte as ameaças, humilhações, agres- de responsabilidade. O extrafamiliar é o praticado 4. Recomendações gerais
damental para a construção de uma política efeti- sões verbais, cobranças de comportamento, por alguém de fora do âmbito familiar da criança,
va. Essa participação deve ocorrer nas relações de discriminação, isolamento, destruição de per- em quem ela confia. As recomendações do Plano Nacional pela Primei-
convivência familiar e comunitária, como também tences ou objetos de estima e apego para a ra Infância para o enfrentamento das violências na
nas políticas publicas e nos programas oficiais. A criança. A exploração sexual é caracterizada pela relação primeira infância estão pautadas na valorização de
participação, começa no escutar e levar em consi- sexual de uma criança com adultos, mediada pelo relações dialógicas de cooperação e negociação
deração as opiniões e desejos da criança. O castigo humilhante configura-se como violência pagamento em dinheiro ou qualquer outro bene- entre a criança, seus pares e adultos, pretendendo
psicológica. São ameaças, insultos, xingamentos, fício. São considerados exploradores o cliente, que que este modelo oriente e subsidie as políticas pú-
Este capítulo se refere às violências que ocorrem constrangimento, chantagens e humilhação pú- paga pelos serviços, e os intermediários, que indu- blicas articuladas para a primeira infância, visando
nos espaços de socialização da criança, ou seja, blica, assim como ridicularizar, isolar ou ignorar a zem, facilitam ou obrigam crianças a se submeter garantir o fortalecimento de identidade de meni-
intra-familiar, institucional e comunitária. A violên- criança. A violência psicológica é mais difícil de a tais práticas. Essa exploração sexual de crianças nos e meninas como atores sociopolíticos.
cia estrutural – falta de acesso das crianças aos di- ser identificada, apesar de acontecer com relativa na primeira infância pode acontecer no âmbito do-
reitos fundamentais como educação de qualidade, frequência. A violência física geralmente está asso- méstico, perpetrado pelas pessoas mais próximas 1. Fortalecimento e criação de redes locais de
saúde, convivência familiar e comunitária e condi- ciada à violência psicológica. da criança. As formas mais conhecidas de explora- atenção às crianças e suas famílias com o obje-
ções dignas de vida – é objeto de outros capítulos ção sexual são a pornografia, o tráfico de crianças tivo de garantir:
deste Plano. Negligência: É a omissão de responsabilidade e adolescentes, o turismo e a exploração sexual co-
de um ou mais membros da família em relação mercial, que é a troca mercantil do sexo. 1.1. Proteção à criança, colocando-a a salvo de
As diferentes formas de violência são assim concei- às crianças, quando deixam de prover as neces- todas as formas de violência;
tualizadas quanto à sua natureza: sidades básicas para seu desenvolvimento físi- 2. Princípios e diretrizes
co, emocional, social ou cognitivo. 1.2. Qualidade no atendimento das crianças
Violência física: qualquer ação ou omissão, A política de proteção à criança contra a violência ­vítimas;
única ou repetida, não acidental, capaz de pro- Essa forma de violência pode caracterizar-se como deve se efetivar por meio de um conjunto articu-
vocar dano físico, psicológico, emocional ou in- abandono, falta de cuidados, de atenção e de pro- lado de ações governamentais e não-governamen- 1.3. Atendimento/acompanhamento e trata-
telectual contra a criança. O dano provocado teção e, ainda, como o não provimento de estí- tais, com atuação sistêmica, envolvendo a família, a mento adequado dos autores de violência
pode variar de uma lesão leve à consequência mulos e de condições para a frequência a um es- comunidade, a sociedade e o Estado e configurada doméstica;
extrema da morte. tabelecimento educacional. Pode causar atraso ou pelo respeito à diversidade étnico-cultural, à iden-
prejuízo ao desenvolvimento infantil ou acarretar tidade e orientação sexual, à equidade de gênero 1.4. Notificação e monitoramento dos casos de
Uma das formas dessa violência são os castigos problemas de saúde. É importante fazer a ­diferença e às particularidades regionais, socioeconômicas, violência;
físicas e mentais da criança e de sua família.
47. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Crianças de até 6 anos – O Direito à Sobrevivência e ao Desenvolvimento – Situação da Infância Brasileira 1.5. Qualificação do fluxo de atendimento/en-
2006. Brasília: UNICEF, 2005. Para tanto, esta política deve estar pautada pelos caminhamento da criança no SGD (Sistema

90 91
de Garantia de Direitos); violência ou em situação de vulnerabilidade 2. Estímulo à participação infantil nas decisões 2. Adoção de estratégias de prevenção que levem
social; dos estabelecimentos educacionais e institui- em conta as potencialidades dos atores envolvi-
1.6. Articulação eficiente entre a Rede de Pro- ções que frequentam; dos no processo, privilegiando o fortalecimento
teção, a Rede de Atendimento, Escolas e 2.8. A inclusão do tema no currículo de forma- das capacidades e competências da família;
outros serviços voltados às crianças e suas ção das Escolas de Conselho (Agenda Social 3. Transformação dos estabelecimentos educa-
famílias; da Secretaria Especial de Direitos Humanos cionais em pólos de prevenção – ponto de re- 3. Estímulo à participação infantil nas decisões e
– SEDH). ferência e integração entre unidades de saúde, espaços da comunidade, por meio de consulta
1.7. Atualização permanente dos profissionais comunidades e o ambiente estudantil; com as crianças até os seis anos de idade.
ações da educação, saúde e assistência, dos mem- 3. Fortalecimento do Sistema de Informação para
finalísticas bros dos conselhos tutelares e demais ato- Infância e Adolescência – SIPIA, O SIPIA, criado 4. Desenvolvimento de projetos que integrem a 8. Recomendações para
res do SGD para prevenir, identificar, tratar em 1997, com base no ECA, visa gerar infor- escola e a comunidade em ações de interesse enfrentamento da violência sexual
e encaminhar os casos de violência contra mações, a partir dos conselhos tutelares para comum;
criança. subsidiar a adoção de decisões governamentais 1. Sensibilização do Poder Judiciário no que con-
enfrentando as violências
contra as crianças

sobre políticas para crianças e adolescentes, 5. Colaboração das escolas com os órgãos do sis- cerne à importância dos laudos periciais expe-
2. Promoção de ambientes seguros e qualidade de garantindo-lhes acesso à cidadania. tema de garantia de direitos, registrando e noti- didos por profissionais da área médica nos pro-
vida que incluem: ficando casos e indícios de violência doméstica cessos criminais relativos à violência sexual;
4. Reconhecimento dos castigos físicos e humilhan- contra a criança;
2.1. O fortalecimento e a integração das políticas tes como formas de violência contra a criança, 2. Redução ao mínimo possível da subnotificação,
de atenção à família: planejamento familiar, sendo, portanto, uma violação aos seus direitos 6. Implantação, nos estabelecimentos de educa- integrando os diferentes meios de registro e in-
pré-natal, pós-natal, creches públicas, saúde fundamentais com impacto no desenvolvimen- ção infantil, de projetos de convivência escolar tensificando as campanhas de esclarecimento
mental, e demais serviços e atendimento à to infantil saudável. com técnicas de medição de conflito; sobre a violência sexual e sistematização de prá-
primeira infância; estímulo às visitas domici- ticas comprovadamente eficazes, especialmen-
liares associadas a programas pré-escolares; 5. Articulação das redes municipais, estaduais e 7. Capacitação de todos os profissionais da edu- te com as famílias que vivenciam as dinâmicas
macrorregionais de assistência e as redes do sis- cação, incluindo professores, técnicos e pessoal de violência sexual;
2.2. A formação orientada para o tema da vio- tema de garantia de direitos para efetivação e administrativo, em prevenção e enfrentamento
lência na primeira infância para os profissio- qualificação da notificação dos casos de violên- das violências no âmbito escolar, inclusive o 3. Adoção de estratégias de proteção para a escu-
nais do Programa Saúde da Família; cia. bullying; ta das crianças vítimas, nas diversas instâncias
de apuração e julgamento.
2.3. A articulação interna do setor saúde para o 6. Garantia de apoio às atividades de integração 8. Realização de debates e oficinas de capacitação
monitoramento das situações de risco, ca- entre crianças junto com suas famílias nas esco- com os pais, visando à redução, até à elimina- 9. Recomendações para
pacitando profissionais para a identificação, las, proporcionando espaços de discussão com ção, da violência doméstica contra a criança. enfrentamento da violência
diagnóstico e tratamento e para apoio ao as comunidades com objetivo de estimular nas étnico-racial
desenvolvimento de pesquisas; famílias a visão crítica sobre a violência. 6. Recomendações para
enfrentamento da violência 1. Aplicação rígida do ECA no que se refere aos
2.4. A articulação do setor saúde com outros se- 7. Realização de conferências municipais, regio- institucional direitos das comunidades indígenas e negras
tores governamentais e com a sociedade em nais e nacional sobre a cultura de paz, como (quilombolas) e demais comunidades de mino-
geral, inclusive para cumprimento da notifi- espaço de troca de experiências, disseminação 1. Criação de um banco de projetos previamente rias étnico-raciais e o respeito aos seus estatu-
cação compulsória, prevista no Estatuto da de estudos e pesquisas sobre as origens da vio- avaliados e validados como referências na pro- tos próprios pelos poderes Legislativo, Executi-
Criança e do Adolescente; lência e formas mais efetivas de viver os valores moção de direitos das crianças; vo, Judiciário e pelo Ministério Público;
da paz.
2.5. A integração da rede de atendimento do se- 2. Aumento do controle social da polícia por 2. Atuação mais intensa do Ministério Público em
tor saúde com o setor jurídico (promotorias 8. Realização de campanhas para o enfrentamento meio de ouvidorias independentes e com in- processos relacionados à exploração de crian-
públicas, delegacias especializadas, varas da da violência na primeira infância. vestigadores próprios; ças das minorias étnico-raciais, que sejam alvo
justiça, conselho tutelar e instituições liga- de qualquer tipo de discriminação;
das à universidades que prestam servidos de 5. Recomendações para 3. Orientação às crianças para o uso de disque-de-
advocacia); enfrentamento da violência nas núncia, quando a idade delas já possibilita essa 3. Ampliação do controle social em relação à edu-
creches, pré-escolas, escolas e ação; cação de crianças das comunidades indígenas e
2.6. A inclusão do tema das violências contra as instituições de acolhimento negras (quilombolas) para o fortalecimento da
crianças nos currículos dos cursos de for- 7. Recomendações para identidade étnica;
mação superior e técnica de áreas da saúde, enfrentamento da violência
assistência social, direito, segurança, educa- 1. Abertura das escolas da rede pública dos siste- comunitária 4. Inclusão, nos debates públicos sobre o tema da
ção, comunicação, turismo; mas de ensino da União, dos Estados, do Dis- violência contra a criança, promovidos pelos
trito Federal e dos Municípios às comunidades 1. Implantação de projetos de enfrentamento à órgãos governamentais, da temática “violência
2.7. O fortalecimento de programas sociais de para atividades artísticas, esporte, lazer, nos fins violência em níveis locais, de forma interinstitu- em nome da religião enquanto violência étnico-
geração de renda para famílias vítimas de de semana. cional e integrada; religiosa com recortes das questões de poder”.

92 93
assegurando o documento de A criança será registrada
imediatamente após seu nascimento e
cidadania a todas terá direito, desde o momento em que
nasce, a um nome, a uma nacionalidade
as crianças e, na medida do possível, a conhecer
seus pais e a ser cuidada por eles.
Art. 7º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

Análise da realidade Região Sul, que tem a melhor cobertura de regis-


tros de nascimento do País, o percentual de sub-re-
O registro de nascimento é um direito da criança e gistro, naquele mesmo ano, foi de apenas 1,4% e na
um dever de seus pais ou responsáveis e do Estado, Região Sudeste, de 5,5%. O Centro-Oeste atingiu o
porque é ele que lhe dá a garantia de identidade percentual de 10,6% de crianças não registradas.
e de seu vínculo familiar e estabelece sua relação
com o Estado. É, por isso, essencial para a existência Os nascimentos não registrados nos cartórios
do indivíduo-cidadão. A certidão de nascimento é dentro do período considerado pela pesquisa são
o primeiro documento de expressão jurídica de incorporados às estatísticas do Registro Civil nos
uma pessoa. Ela comprova sua identidade: nome, anos posteriores, como registros tardios. A análise
sobrenome, filiação, naturalidade e nacionalidade. dos resultados de 2007 revela que 313.111 registros
Uma criança não registrada e sem a certidão de foram tardios, correspondendo a 10,5% do total.
nascimento ainda não existe formal e juridicamen- Desses, 86,3% foram de crianças com idade até 12
te perante o Estado. Além disso, somente com essa anos.
certidão o cidadão e a cidadã podem matricular-se
em instituições de ensino, fazer a carteira de iden- É importante observar a redução dos percentuais
tidade, o título de eleitor, o CPF, a carteira de tra- de sub-registro de nascimento nos últimos anos.
balho, casar-se, conseguir outros registros (como o Entre o ano 2000 e 2007, o sub-registro no País bai-
de uma profissão), ser inseridos no Cadastro Único xou de 21,9%, para 12,2%. O destaque ficou para a
para Programas Sociais do Governo Federal e ter Região Norte, que passou de 47,1% para 18,1%. As
acesso aos benefícios dos programas governamen- maiores reduções, em pontos percentuais, foram
tais e da Previdência Social. O registro civil é ne- observadas no Maranhão (38,8%), Pará (37,2%),
cessário até ao morrer, para receber a certidão de Amazonas (33,8%) e Tocantins (29,1%).
óbito e não ser enterrado como indigente.
O sub-registro civil de nascimento exclui um nú-
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- mero enorme de crianças do planejamento das
tística – IBGE, com base no último Censo Demo- ações de saúde e educação, porque o Estado não
gráfico, de 2000, cerca de 830 mil crianças deixaram sabe que existem, quantas são, onde estão, e dis-
de ser registradas em 1999/2000. Os esforços das torce a realidade do atendimento, por exemplo, de
instâncias governamentais e não governamentais, vacinação, de demanda por creches e pré-escolas,
principalmente a partir de 1997, têm conseguido e dificulta para o Estado fazer um controle mais
reduzir expressivamente esse número. Estima-se completo do tráfico de crianças (as não registradas
que em 2009, ele ainda esteja na cada dos 370 mil. dificilmente são rastreadas pela justiça, sendo, por-
tanto, alvo mais fácil do tráfico).
Os percentuais de sub-registro48 variam entre as re-
giões, sendo mais altos no Norte e Nordeste e mais O sub-registro se deve a fatores socioeconômicos,
baixos no Sul e Sudeste. Em 2007, o Norte teve geográficos, institucionais, técnicos, jurídicos legis-
18,1% de sub-registro e o Nordeste, 21,9%. Já na lativos e políticos. Sob o ponto de vista socioeco-

48. Os percentuais de sub-registro resultam da razão entre o número de nascidos vivos informados pelos cartórios ao IBGE, em relação ao número de
nascimentos estimados para uma população residente em determinado espaço geográfico, em um ano considerado.

95
nômico, ele está associado à pobreza e é um reflexo Diversas iniciativas estão em curso, promovidas quilombolas, além de outros povos e comunidades em articulação com associações de bairros, de
da exclusão social de parcela significativa da popu- pelo Governo Federal por meio do Ministério da tradicionais. classe, sindicatos, igrejas e clubes de serviços,
lação: é maior onde os indicadores de educação, Saúde e da Secretaria Especial dos Direitos Huma- promovendo o deslocamento dos serviços
emprego, renda familiar e condições de moradia nos, assim como por organismos como o UNICEF, 2. Estratégias ­cartoriais;
são menos favoráveis e onde o acesso à informa- para erradicar o sub-registro civil de nascimento.
ção é mais precário. Não há, entre muitas famílias, Diversos Estados, onde o sub-registro é mais eleva- Várias estratégias podem ser postas em prática 6. No âmbito da cultura: (a) incluir orientações
suficiente entendimento de que o registro de nas- do, também tem realizado campanhas e mobiliza- para erradicar o sub-registro e garantir a todas as aos pais nos materiais informativos dos órgãos
cimento é o primeiro passo de seus filhos à cidada- ções especiais com esse objetivo. crianças o registro civil e a posse da certidão de de cultura, nos eventos culturais, em espetácu-
ações
finalísticas
nia. Além disso, muitas crianças têm seu registro
de nascimento adiado quando a mãe aguarda que O Decreto nº 6.289, de 6 de dezembro de 2007,
nascimento, tais como: los itinerantes, (b) aproveitar os espetáculos e
atividades culturais itinerantes, organizando
o pai reconheça a paternidade. determina a instituição do Comitê Gestor Nacio- 1. Consolidar informações e estatísticas de nasci- mutirões, com o deslocamento dos serviços
nal do Plano Social Registro Civil de Nascimento mento e registro civil, especificando áreas e po- cartoriais, aos locais de maior incidência de
O fator geográfico se refere às distâncias entre o e Documentação Básica e da Semana Nacional de pulações identificadas como de incidência de sub-registro;
assegurando o documento
de cidadania a todas as crianças

­lugar do nascimento e o cartório, bem como a aci- Mobilização para o Registro Civil de Nascimento sub-registro;
dentes geográficos que dificultam o acesso a ele. e Documentação Básica. A Secretaria Especial de 7. No âmbito do esporte: (a) incorporar, em seus
“Os fatores políticos, jurídicos e institucionais que Direitos Humanos da Presidência da República – 2. Promover campanhas permanentes informati- materiais informativos, orientação às famílias
levam ao agravamento do sub-registro de nasci- SEDH/ PR, coordena esse Plano. Os Estados, o Dis- vas e de sensibilização social, ganhando espaço promovendo a sensibilização social em cam-
mentos se referem à falta de fiscalização sobre a trito Federal e os Municípios são convocados para no maior número possível de veículos locais peonatos, em clubes de recreação localizados
aplicação da lei que obriga os registros, a inexis- sua implantação. Para executá-lo, eles recebem de comunicação social: rádios, alto-falantes, em áreas de bolsões, nas programações espor-
tência na maioria dos municípios de uma rede de cooperação técnica e financeira da União, que é es- jornais institucionais, faixas, folhetos e outros tivas destinadas às populações em situação de
proteção à criança atenta ao problema do sub-re- tendida também a organizações privadas sem fim meios; pobreza, (b) aproveitar as partidas finais dos
gistro de nascimento e da segurança das crianças, lucrativo. Ao aderirem ao Plano, os Entes federados campeonatos locais, organizando mutirões em
a ausência de cartórios do Registro Civil em cerca se comprometem a criar e instalar um Comitê Ges- 3. No âmbito educacional: (a) organizar, nas es- campos e quadras de esporte, com o desloca-
de 400 municípios brasileiros. Há que se conside- tor local, com a atribuição de formular e implantar colas, ações que estimulem o registro de nas- mento dos serviços cartoriais, para fazer o regis-
rar também a ausência de uma política de fundos o plano local para o registro civil de nascimento. cimento e dar orientação às famílias (palestras tro de nascimento;
compensatórios para os cartórios de registro civil, aos pais, gincanas e trabalhos com os alunos
por conta dos registros gratuitos determinados A Campanha e a Semana Nacional de Mobilização com participação dos pais); (b) promover mu- 8. No âmbito do trabalho e emprego: (a) incorpo-
pela Lei 9.534, de 10 de dezembro de 1997, espe- para o Registro Civil de Nascimento têm contri- tirões nas escolas e classes de alfabetização nos ração orientações sobre o registro civil em seus
cialmente os de localidades com baixa atividade buído para registrar expressivo número de pesso- locais de maior incidência de sub-registro, asse- materiais informativos, em círculos de debates,
econômica. Isto tem levado diversos cartórios a fe- as, de todas as idades. Para aumentar seu efeito, é gurando o deslocamento, para elas, dos servi- em cursos profissionalizantes; (b) instalar es-
charem suas portas ou se manterem sem os avan- importante que sejam orientadas para as localida- ços cartoriais; tandes em locais estratégicos como postos de
ços tecnológicos possíveis, que agilizaria o proces- des e populações onde se verifica o maior índice encaminhamento ao emprego, (c) organizar
so de coleta e disseminação dessas informações49. de sub-registro, como as comunidades indígenas, 4. No âmbito da saúde: (a) inserir orientações aos mutirões para o registro civil em canteiros de
ribeirinhas, quilombolas, acampados, assentados pais sobre o registro civil nos materiais informa- obras de grande vulto, fábricas, fazendas etc.,
É igualmente relevante considerar os fatores técni- e comunidades tradicionais. A Rede Interagencial tivos das secretarias de saúde, nas campanhas em articulação com sindicatos e movimentos
cos e tecnológicos que estão implicados indireta- de Informações para a Saúde – RIPSA, coordenada de vacinação, nas visitas domiciliares (no Pro- de trabalhadores, promovendo o deslocamen-
mente à questão. A modernização tecnológica dos pela OPAS, é um bom instrumento para localização grama de Saúde da Família – PSF, por exemplo), to dos serviços cartoriais;
serviços de registro de nascimento (computador dos municípios com altos índices de sub-registro. (b) instalar serviços de registro civil de nasci-
e acesso à internet) dá maior agilidade no conhe- mento nas maternidades, (c) esclarecer às mães 9. No âmbito do meio ambiente: (a) incluir, nas
cimento dos municípios cujos registros são mais Mas campanhas e mobilizações não cumprem per- a diferença entre a Declaração de Nascido Vivo atividades realizadas com as populações tradi-
precários. manentemente a função de garantir que todas as – DNV, fornecida pela maternidade, e o Regis- cionais de áreas de conservação e preservação
crianças sejam registradas logo após o nascimento. tro e a Certidão de Nascimento, realizados no ambiental, orientações sobre o registro civil,
Para garantir a todos os brasileiros o direito ao Para isso, é indispensável a persistente contribuição Cartório; promovendo o deslocamento dos serviços car-
nome e sobrenome, por meio do ato jurídico de das prefeituras municipais, organizando (a) formas toriais;
registro civil de nascimento, isto é, que sejam regis- de os serviços cartoriais chegarem à população e 5. No âmbito da assistência social: (a) inserir orien-
trados e tenham seu documento de nascimento, facilitarem o acesso desta aos serviços registro civil, tações sobre o direito ao registro civil de nas- 10. No âmbito da agricultura e desenvolvimento
foi editada, em 1997, a Lei 9.534, que estabelece a (b) serviços itinerantes de registro civil para atingir cimento e a forma de obtê-lo, nos materiais agrário: (a) inserir em materiais distribuídos
gratuidade do registro civil e da primeira certidão comunidades de difícil acesso (deslocamento do informativos, círculos de debates em centros em eventos, como “dias de campo”, feiras agro-
de nascimento. Para as pessoas reconhecidamente serviço do cartório, Juiz e Promotor), (c) estraté- comunitários, em estandes em festas, eventos pecuárias, orientações sobre o registro civil,
pobres, as segundas vias também são gratuitas. gias especiais para chegar aos ciganos, ribeirinhos, cívicos e em postos de benefícios, nos serviços (b) organizar mutirões para o registro civil em
acampados, assentados, indígenas e comunidades de orientação permanentes em núcleos de as- articulação com cooperativas agrícolas, cen-
sistência às famílias, aos idosos, aos jovens, aos trais sindicais e movimentos de organização de
grupos em situação de pobreza, (b) organizar trabalhadores rurais, promovendo o desloca­
49. CRESPO, C.D., BASTOS, A.A e CAVALCANTI, W.A. A Pesquisa do Registro Civil: condicionantes do sub-registro de nascimentos e perspectivas de mutirões para o registro civil em locais de maior mento dos serviços cartoriais, (c) fazer o ­mesmo
melhorias da cobertura, em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2006/docspdf/ABEP2006_581.pdf, acessado em 12.2.1010. incidência de sub-registro ou de difícil acesso, em áreas de assentamentos e acampamentos,

96 97
em articulação com as superintendências locais
do Incra e os movimentos de luta pelo direito à
funcionamento dos cartórios;
protegendo as crianças
terra; 5. Ampliar a rede de serviços de registro de nasci-
mento nos hospitais/maternidades, asseguran-
contra a pressão
consumista
11. No âmbito da agricultura e pesca: (a) instalar es- do que, ao sair da maternidade, a mãe tenha em
tandes de informação e orientação às famílias mãos o documento que comprove o registro de
sobre o registro civil em festas e campeonatos, nascimento de seu filho ou sua filha. Instalar
(b) organizar mutirões para o registro civil em unidades interligadas para emissão do registro
ações
finalísticas
articulação com cooperativas de pescadores,
organizações sindicais, movimentos e organiza-
de nascimento nos estabelecimentos de saúde
integrantes do SIH/SUS, e capacitar pessoas
ções de trabalhadores, promovendo o desloca- para atuar nas unidades de registro;
mento dos serviços cartoriais;
6. Implantar um sistema de envio da certidão de
assegurando o documento
de cidadania a todas as crianças

12. No âmbito do transporte: (a) distribuir ou afi- nascimento pelo correio, para as famílias que
xar materiais informativos nos veículos de tem dificuldade de ir ao Cartório;
transporte coletivo e pontos de ônibus, (b) ins-
talar em rodoviárias estandes para informação 7. Fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos
e orientação sobre registro civil, (c) organizar para que ele seja plenamente operante em to-
mutirões para o registro civil em articulação dos os municípios e cubra com ações eficazes a
com cooperativas de ônibus e transportado- atenção a todos os direitos da criança, inclusive
res e organizações de motoristas e rodoviários, o direito ao registro e à certidão de nascimento;
promovendo o deslocamento gratuito da po-
pulação não registrada ou o deslocamento gra- 8. Articular as políticas públicas federais, esta-
tuito dos serviços cartoriais; duais e municipais para numa estratégia de
ação conjunta para alcançar esse objetivo, en-
13. No âmbito da segurança: (a) imprimir e distri- volvendo as secretarias ou órgãos de educação,
buir folhetos informativos sobre registro civil saúde, assistência social, justiça e cidadania, se-
e instalar estandes em postos policiais e dele- gurança pública, Tribunal de Justiça, Defensoria
gacias e serviços de assistência às famílias dos Pública, Corregedoria Geral de Justiça, Minis-
detentos em cadeias municipais. tério Público, Conselho Tutelar, Conselhos de
Direitos, organizações da sociedade civil, além
3. Objetivos e metas das representações dos órgãos federais, como a
Fundação Nacional do Índio – FUNAI e a Fun-
1. Garantir o acesso aos direitos básicos de saúde, dação Nacional de Saúde – FUNASA;
de educação, de informação e de justiça, como
modo de redução das desigualdades sociais no 9. Compatibilizar os sistemas e estatística vitais:
país; Sistema de Nascidos Vivos – SINASC, do Minis-
tério da Saúde, e o Sistema de Registro Civil, do
2. Dar continuidade à divulgação do direito ao IBGE.
registro gratuito, por meio de campanhas de
incentivo ao registro civil, e que ele seja enten-
dido como um direito da criança e um dever
dos pais e do Estado. Realizar anualmente Cam-
panha Nacional de Mobilização para o Registro
Civil de Nascimento até que a prática de fazer o
registro no prazo estipulado pela lei seja univer-
salizada e nenhuma criança brasileira deixe de
ter sua certidão de nascimento;

3. Tomar as medidas pertinentes para que, em três


anos, todos os Municípios tenham pelo menos
um Cartório (Serviço de Registro das Pessoas
Naturais);

4. Criar estruturas que garantam o bom

98
A educação deve ajudar o
homem a inserir-se criticamente no
processo histórico e libertar-se pela
conscientização da síndrome do ter e
da escravidão do consumismo.
ações
finalísticas Paulo Freire.

Análise da realidade 2. Objetivos e metas


protegendo as crianças contra
a pressão consumista

O consumismo é uma das características marcan- Por serem pessoas em desenvolvimento, as crian- 1. Incluir, por meio de legislação ou de norma do ­ ercadológicos e proibindo mensagens publi-
m
tes da sociedade atual. Impactadas pelas mídias de ças são mais vulneráveis e mais fáceis de serem Conselho Nacional de Educação, nos currículos citárias dirigidas a crianças pelo menos até o
massa, as pessoas, hoje, são estimuladas a consu- manipuladas pela comunicação mercadológica. e nas propostas pedagógicas das escolas, como fim da primeira i­nfância.
mir acima de suas necessidades. As crianças, mais A maioria das crianças até mais ou menos os seis conteúdo transversal, junto com a educação
vulneráveis que os adultos aos apelos do consumo, anos de idade não diferencia a publicidade do con- ambiental, o tema do consumo responsável e
vem sendo convertidas em foco do mercado e pas- teúdo da programação, necessitando de um adul- ­consciente.
sam a sofrer as consequências desde cedo. Obesi- to que as ajude a decodificar essas mensagens. Elas
dade infantil, erotização precoce, estresse familiar, precisam ser educadas para uso crítico das mídias 2. Sensibilizar os educadores e os estabeleci­
competição entre pares, incorporação de valores em função da influência direta que elas exercem na mentos de educação infantil para a questão do
materialistas, consumo precoce de tabaco e álcool, formação da subjetividade. consumismo na infância e a sustentabilidade
banalização da agressividade e violência são apenas do planeta.
alguns dos comportamentos associados ao consu- As crianças brasileiras estão entre as que mais assis-
mismo na infância. tem televisão no mundo. Segundo dados do Ibope 3. Promover a reflexão, com os educadores, sobre
– 200851, a média de horas que as crianças das clas- os valores e hábitos da sociedade de consumo e
O consumismo infantil é um problema grave e re- ses ABC passam na frente das telas é de 4 horas, 54 de seus próprios hábitos de consumo.
quer intervenção urgente das políticas públicas. Ele min e 19 segundos – o que significa que elas ficam
não mais se restringe à família como um todo. A mais tempo do seu dia em frente às telas do que 4. Criar oportunidades, nos estabelecimentos
publicidade convida diretamente as crianças a in- na escola. As crianças brasileiras estão entre as que de educação infantil, para que os educadores
gressar cada vez mais cedo no mundo do consu- mais assistem televisão no mundo. abordem as mídias de forma crítica com os
mo. Os especialistas em marketing constatam que pais, desvendando o seu poder de influência
essa publicidade converte as crianças em modelo Além de proteger legalmente as crianças da co- sobre as crianças, visando à formação de atitu-
de consumidores, pois “quanto mais cedo uma municação mercadológica a elas dirigida, é preciso des críticas frente à propaganda de produtos de
marca conquista a fidelidade de um consumidor, prepará-las para que sejam consumidoras cons- ­consumo.
essa pode acompanhá-lo do ‘berço ao túmulo’”. cientes e responsáveis. Tal é a tarefa da educação.
A publicidade não endereça às crianças somente Mas, para isso, há uma ação que a antecede: a sen- 5. Educar as crianças para o uso crítico das mí-
produtos do mundo infantil, mas também objetos sibilização dos educadores para o tema do consu- dias já a partir dos últimos anos da educação
do universo adulto, o que as torna promotoras de mismo infantil. ­infantil.
venda dentro de suas casas, chegando a influenciar
em 80% os processos decisórios das compras da fa- A busca atual por uma sociedade sustentável do 6. Promover a proibição ou limitação de venda de
mília, segundo pesquisa da Interscience50. ponto de vista social e ambiental se faz urgente. alimentos não saudáveis dentro das cantinas es-
Mas, um desenvolvimento sustentável não pode colares, da mesma forma que o ­merchandising
Além de incentivar diretamente o público infan- ter como base os padrões de consumo atuais. Um dentro das escolas.
til a consumir de maneira exagerada, campanhas projeto de sensibilização e formação de professo-
publicitárias muitas vezes difundem valores dis- res de educação infantil para serem educadores 7. Elaborar legislação sobre a comunicação
torcidos e mesclam realidade e ficção, confundin- para uma sociedade sustentável é de extrema im- mercadológica dirigida ao público infan-
do as crianças. Comerciais dirigidos às crianças ou portância. Sendo a educação um ato político ca- til, prote­gendo a criança contra os apelos
promovendo produtos a elas dirigidos, abusam da paz de contribuir para uma leitura crítica do mun-
imagem de crianças, intercaladas com cenas de do ela pode instigar as crianças e dar expressão
filme ou desenho, como se, ao comprar aqueles às suas vontades de construir um mundo melhor 50. Interscience, Informação e tecnologia: Como atrair o consumidor infantil, atender as expectativas dos pais e, ainda, ampliar as vendas. Outubro de 2003.
brinquedos, roupas, alimentos, fantasia e realidade para todos. Disponível em: http://www.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/pesquisas/interscience_influencia_crianca_compra.pdf
pudessem de fato se misturar. 51. IBOPE, 2008. Crianças entre 4 e 11 anos, classes A, B e C.

100 101
controlando a exposição precoce das Estar parado diante da TV
vai na contramão do processo de
crianças aos meios de desenvolvimento na primeira infância,
pois a criança pequena aprende por
comunicação meio do corpo, do movimento,
da atividade.

Análise da realidade corpo, do movimento, da atividade. Ela precisa


movimentar-se, experimentar, descobrir e criar a
Com a entrada da mulher no mercado de traba- partir da manipulação de objetos, enfim, ela pre-
lho, e considerando o caso de o pai também estar cisa brincar. Assim ela constrói a sua identidade, a
empregado, ambos passam a maior parte do dia autoconfiança, a iniciativa, o interesse pelo mundo
fora de casa. Além disso, a mãe arca, frequente- ao seu redor. E todas essas são pré-condições do
mente, com uma dupla jornada, ocupando-se aprendizado escolar posterior.
das atividades domésticas. Com isso, as crianças,
principalmente na faixa etária de quatro meses a Grande parte dos estudos e pesquisas indica que a
3 anos, por falta de creches, ficam cada vez mais exposição precoce à TV pode causar danos ao de-
sozinhas ou sob os cuidados de irmãozinhos, tias, senvolvimento e à aprendizagem52.
avós, empregadas domésticas ou vizinhas. Em casa,
passam grande parte do tempo diante da televisão, O telespectador está fisicamente inativo e pratica-
já apelidada de “babá eletrônica”. TV, computador mente não tem tempo de pensar e fazer associa-
e aparelhos de jogos eletrônicos estão preenchen- ções. Pesquisas sobre os efeitos neurofisiológicos
do um número cada vez maior de horas diárias das da assistência à televisão mostram o eletroencefa-
crianças. O “medo da rua”, por causa da violência lograma em baixa atividade. A falta de movimen-
urbana, restringe, ainda mais, o uso de espaços de tos dos olhos ao ver televisão revela um estado de
convivência e lazer, como parques infantis, praças, semi-hipnose.
ruas e calçadas, brinquedotecas.
Não raro, as crianças assistem a uma programação
As crianças estão ficando diante da televisão cada televisiva não apropriada para a sua faixa etária,
vez mais tempo e a partir de idade cada vez menor. provocando desejos, atitudes, comportamentos
Estar parado diante da TV vai na contramão do próprios de idades superiores. Isso contribui para
processo de desenvolvimento na primeira infân- o fenômeno da “adultificação” das crianças, além
cia, pois a criança pequena aprende por meio do da erotização precoce, do stress e do consumismo.

52. De acordo com: “Media Violence”, Committee on Public Education, em:


http://pediatrics.aappublications.org/cgi/reprint/108/5/1222?maxtoshow=&HITS=10&hits=10&RESULTFORMAT=1&andorexacttitle=and&titleabstract=viole
nce&andorexacttitleabs=and&fulltext=tv&andorexactfulltext=and&searchid=1&FIRSTINDEX=0&sortspec=relevance&resourcetype=HWCIT
(acessado em 20.3.2008) e “Harmful Television Content for Children Violence and Suffering in Television News: Toward a Broader Conception of”, Juliette H.
Walma van der Molen, em:
http://pediatrics.aappublications.org/cgi/reprint/113/6/1771?maxtoshow=&HITS=10&hits=10&RESULTFORMAT=1&andorexacttitle=and&titleabstract=viole
nce&andorexacttitleabs=and&fulltext=tv&andorexactfulltext=and&searchid=1&FIRSTINDEX=0&sortspec=relevance&resourcetype=HWCIT
(acessado em 20.3.2008);
De acordo com: “Watching Sex on Television Predicts Adolescent Initiation of Sexual Behavior”, Rebecca L. Collins and others, em:
http://pediatrics.aappublications.org/cgi/reprint/114/3/e280?maxtoshow=&HITS=10&hits=10&RESULTFORMAT=1&andorexacttitle=and&titleabstract=TV+&
andorexacttitleabs=and&fulltext=violence&andorexactfulltext=and&searchid=1&FIRSTINDEX=0&sortspec=relevance&resourcetype=HWCIT
(acessado em 20.3.2008);
De acordo com: “The Impact of the Media on Adolescent Sexual Attitudes and Behaviors”, S. Liliana Escobar-Chaves, Susan R. Tortolero and others. Disponível
para download em: http://pediatrics.aappublications.org/cgi/reprint/116/1/S1/303 (acessado em 20.3.2008);
De acordo com: “Adolescent Health Risk Behaviors Physical Activity and Sedentary Behavior Patterns Are Associated With Selected Adolescent Health Risk
Behaviors”, Melissa C. Nelson and Penny Gordon-Larsen, em:
http://pediatrics.aappublications.org/cgi/reprint/117/4/1281?maxtoshow=&HITS=10&hits=10&RESULTFORMAT=1&andorexacttitle=and&titleabstract=TV+&
andorexacttitleabs=and&fulltext=violence&andorexactfulltext=and&searchid=1&FIRSTINDEX=0&sortspec=relevance&resourcetype=HWCIT
(acessado em 20.3.2008).

103
A exposição precoce à TV tem sido reforçada pela ção de cores, formas etc.). Sobre essa firmação há 3. Auxiliar os educadores a conscientizar os pais
veiculação de canais exclusivos para crianças, que o contra-argumento de diversos estudos de que os acerca dos males que o excesso da mídia pode
se anunciam como a melhor alternativa por ter um bebês aprendem mais com experiências reais do causar, bem como informar os educadores so-
conteúdo criado especialmente para elas. Em razão que com o que veem na televisão57. Uma pesqui- bre propostas alternativas à TV, ao computador
disso, muitos pais têm optado por deixar seus filhos sa de Barr e Hayne58 verificou que a habilidade de e ao vídeo game que podem e devem ser esti-
assistirem TV mesmo quando ainda muito peque- crianças de 12, 15 ou 18 meses de imitar sequên- muladas nas crianças (brincadeiras estimulem
nos. Inobstante seu conteúdo voltado à primeira cias de várias etapas, como agitar um chocalho a o movimento e a imaginação, como “faz-de-
infância, esses canais não primam pelo respeito às partir de imagens televisionadas, é mais lenta que a conta”, excursões, teatros de bonecos, de fanto-
ações
finalísticas
etapas e características do desenvolvimento in-
fantil e não estão livres dos apelos comerciais. Eles
habilidade de aprender a partir de eventos obser-
vados ao vivo. A interação com outra pessoa é um
ches, ao ar livre etc.);

são um convite para que as crianças entrem cada meio mais eficaz de aprender do que ver passiva- 4. Proibir a existência de TVs em creches, bem
vez mais cedo no mercado de consumo, seja pelas mente cenas, imagens e objetos e ouvir comandos como regulamentar o seu uso nas pré-esco-
mensagens publicitárias, seja pelo merchandizing. numa tela de televisão. las, sempre dentro da sua função de meio
controlando a exposição precoce das crianças
aos meios de comunicação

­pedagógico;
Constata-se uma tendência de criação de canais As crianças pequenas são aprendizes sensoriais:
de televisão exclusivos para crianças de zero a três precisam de interações com o mundo real. Preci- 5. Articular as ações descritas neste capítulo às
anos. O precursor foi o Teletubbies, programa feito sam tocar, sentir, ver, ouvir, explorar objetos e ter da educação infantil, especialmente às que se
para bebês de um ano de idade, lançado inicial- contato com pessoas e animais59. E como a apren- referem à expansão dos estabelecimentos edu-
mente na Inglaterra e posteriormente nos Estados dizagem nos primeiros anos de vida é integral, inte- cacionais para as crianças de 0 a 6 anos.
Unidos, em 1998. E a ideia de uma programação te- grada ou global, a manipulação de objetos (puxar,
levisiva direcionada exclusivamente para crianças empurrar, apertar, sentir o cheiro e a textura de 6. Promover debates públicos sobre a qualidade
de zero a três anos de idade surgiu em Israel53 em objetos etc.) promove simultaneamente o desen- da mídia dirigida às crianças, buscando-se o
2004. Hoje os programas se espalharam a muitos volvimento afetivo, cognitivo e motor. A televisão compromisso das emissoras com programas
outros países. Os defensores dessas TVs e progra- não é capaz de oferecer essas experiências. educativos e que respeitem as etapas e caracte-
mas argumentam que, como as crianças assistirão rísticas do desenvolvimento infantil.
TV de qualquer maneira, o melhor é que vejam Em vista disso, é importante e urgente que o tema
uma programação especialmente desenvolvida da exposição precoce à TV e do tempo cada vez
para sua faixa etária. mais extenso diante dela nos anos iniciais da vida
seja colocado na agenda pública de debates na so-
A exposição precoce e extensa de crianças peque- ciedade brasileira e se torne objeto das políticas
nas à TV recebeu diversas críticas de especialistas54. públicas e da atividade legislativa.
Embora há tempo estes venham debatendo sobre
sua nocividade na infância em geral, apenas mais 2. Objetivos e metas
recentemente55 a questão sobre os bebês foi intro-
duzida. Segundo os estudos, assistir televisão não é 1. Promover o debate sobre a exposição precoce
saudável para um bebê, mesmo quando a progra- de crianças à mídia em todos os setores da so-
mação tem conteúdo especialmente criado para ciedade, mas especialmente dentro das associa-
eles. A Academia Norte-americana de Pediatria ções médicas, de psicólogos, de professores;
recomenda que nenhuma criança menor de 2 anos
de idade assista TV56. 2. Promover o debate sobre a mídia dentro das es-
colas, envolvendo os educadores para que estes
Alguns programas preconizam ser uma boa opção orientem os pais sobre os limites que devem ser
educacional para os bebês, porque a programação impostos às crianças no que se refere ao uso da
especialmente elaborada para eles favoreceria o mídia;
aprendizado (por meio de repetições, apresenta-

57. “Recentemente, uma pesquisa do Georgetown Early Learning Project (Projeto de Aprendizagem Precoce de Georgetown) sugeriu que bebês de um ano
53. Got it Need it: Baby TV is growing up so fast – http://www.kidscreen.com/articles/magazine/20060101/babytv.html (acessado em 10/01/2008). e três meses podem imitar atos simples vistos na televisão e estão mais propensos a imitá-los com o aumento de exposição à TV. Os de um ano também
54. Cientistas franceses pedem moratória para canal – http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=462TVQ006 demonstraram alguma capacidade para imitar atos bem simples vistos na televisão. Entretanto, o estudo confirma que eles pareciam aprender mais
(acessado em 10/01/2008). rapidamente com experiências reais. De fato, mesmo as crianças de dois anos, diferentemente de seus colegas de três, ainda têm dificuldade em aplicar
Bebés que vêem muita TV correm riscos – http://dn.sapo.pt/2007/05/01/sociedade/bebes_veem_muita_televisao_correm_ri.html na vida real as informações aprendidas através da televisão.”- Linn, Susan. Crianças do Consumo: a infância roubada. Tradução, Cristina Tognelli. São Paulo:
(acessado em 10/01/2008). Instituto Alana, 2006. Página 77.
55. Ver: Linn, Susan. Crianças do Consumo: a infância roubada. Tradução, Cristina Tognelli. São Paulo: Instituto Alana, 2006. Página 77. 58. Pesquisa indicada em documento da Zero to Three, disponível em:
56. AAP Discourages Television for Very Young Children http://www.zerotothree.org/site/DocServer/media_research_doc_5-24.pdf?docID=281 (acessado em 11/01/2008), página 5.
http://www.aap.org/advocacy/archives/augdis.htm e http://www.aap.org/advocacy/releases/oct05studies.htm (acessado em 10/01/2008); 59. Media Use by Infants and Toddlers: A Potential for Play, Weber, Deborah S, página 03, disponível para download em:
http://kidstvmovies.about.com/od/childrenstvnewsinfo/a/babytvdvd.htm Babies and TV (acessado em 10/01/2008). http://udel.edu/~roberta/play/Weber.pdf.

104 105
os acidentes são consequências de
evitando acidentes causas multifacetadas: relacionadas à
moradia, à falta de espaços de lazer,
na primeira infância à precariedade do sistema de
saúde e de educação
ANÁLISE DA SITUAÇÃO salientar que, de acordo com dados do Ministério
da Saúde, das 3.299 crianças de zero a seis anos
Nas últimas décadas, o Brasil investiu significativa- mortas por causas externas (BRASIL, 2007), 86%
mente no tratamento de doenças e na redução da foram vítimas de acidentes, 6% de violências e, em
mortalidade infantil, com ações fundamentais de 8%, a intenção não foi determinada.
melhoria da qualidade de vida das famílias e, especi-
ficamente, das crianças. Os resultados são palpáveis. Mais do que fatalidades ou tragédias do destino,
Contudo, há uma área que vem recebendo incipi- os acidentes são consequências de causas multifa-
ente, porém, precária atenção – a prevenção de aci- cetadas. Questões relacionadas à moradia, à falta
dentes após o primeiro ano de vida, quando a criança de espaços de lazer, à precariedade dos nossos sis-
fica mais exposta a eles. E podem ser letais ou causar temas de saúde e de educação compõem fatores
lesões irreversíveis. Isso implica dizer que, se não for decisivos nos altos índices de acidentes. Esse so-
priorizada a prevenção de acidentes, grande parte do matório letal tem maior ocorrência na população
investimento na saúde e bem-estar das crianças será de baixa renda, como constatou o relatório mun-
perdida. Estudos norte-americanos demonstram dial sobre prevenção de acidentes na infância62,
que 90% dos acidentes podem ser evitados. lançado em dezembro de 2008 pela Organização
Mundial de Saúde – OMS e pelo Fundo das Nações
As Lesões Não Intencionais – LNI, popularmente Unidas para a Infância – UNICEF.
conhecidas como acidentes, e que na área médi-
ca são chamadas de traumas, são uma das maiores Segundo aquela publicação, 95% das cerca de 850
vilãs na primeira infância no Brasil. A dimensão do mil mortes de crianças por acidentes no mundo
problema ressalta do seguinte dado: entre os anos acontecem em países em desenvolvimento. O re-
2000 e 2007, mais de 25 mil meninos e meninas latório aponta ainda que crianças de comunida-
morreram antes de completar seis anos de idade, des pobres estão mais expostas. Elas vivem pre-
vítimas de acidentes. Dentre as principais causas dominantemente em condições mais perigosas
estão os acidentes de trânsito – pedestres, ocupan- – residem em casas com maior risco de incêndios,
tes de veículos e ciclistas –, afogamento, sufocação, janelas desprotegidas, parapeitos e escadas sem se-
queimadura, queda e intoxicação60. gurança, além de locais de trânsito intenso. Essas
crianças em geral não usufruem de espaços e re-
A Política Nacional de Redução da Morbimortal- cursos para brincar com segurança. Essa descrição
diade por Acidentes e Violências61 enfatiza que se aplicada também à realidade brasileira.
as causas externas – acidentes e violências – são
responsáveis pelo maior número de anos poten- Outro fato que chama atenção é o alto número
ciais de vidas perdidas (APVP). No país, o indica- de internamento nos hospitais públicos. Em 2005,
dor de APVP aumentou 30% em relação às causas mais de 35 mil vítimas de acidentes com menos
externas, entre 1981 e 1991, enquanto que, para de quatro anos de idade deram entrada na Rede
as causas naturais, os dados estão em queda. Vale SUS63. Estima-se que esses dados representem

60. Ministério da Saúde - DATASUS


61. Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (BRASIL, 2001, p.4).
62. World Report on Child Injury Prevention, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde e UNICEF. Disponível em: http://www.who.int/
violence_injury_prevention/child/injury/world_report/en/index.html
63. Estudo de Mortalidade e Hospitalizações por Acidentes com Crianças no Brasil, coordenado pela ONG CRIANÇA SEGURA e realizado pela Dra. Maria
Helena de Mello Jorge, da Faculdade de Saúde Pública da USP, Dra. Maria Sumie Koizumi, da Escola de Enfermagem da USP, e a mestranda Vanessa Luiza
Tuono, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Foram utilizadas fontes de dados do IBGE e do Ministério da Saúde, por meio do Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM/MS) e do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS).

107
c­ erca de 70% do total de internamento64, já que corporal e quantidade de tecido adiposo. Quando crianças, as vantagens da amamentação, da de atenção básica para a realização de visitas
são referentes apenas às internações em hospitais submetida a ações de forças externas, sofre maior ­higiene e do saneamento ambiental e das medi- ­domiciliares desde a primeira semana de vida.
públicos e conveniados com o SUS, não cobrindo força de impacto por unidade de área corpórea, o das de prevenção de acidentes, tenham acesso
as internações particulares e as pagas por convê- que favorece a ocorrência de múltiplas lesões. A à educação pertinente e recebam apoio para a 4. Realizar campanhas educativas, informativas e
nio médico. As maiores incidências foram oriundas cabeça da criança corresponde a 25% do seu peso aplicação desses conhecimentos. de comunicação à população, abordando a im-
dos traumas mais comuns no ambiente domés­tico, corporal, enquanto que no adulto a proporção é portância da prevenção de acidentes para uma
como quedas e queimaduras, que representam, de 6%65. Por isso, as crianças apresentam maior O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA re- infância saudável, focando nas particularidades
respectivamente, a primeira e a segunda causa de probabilidade de cair e de se afogar, por exemplo. afirma a importância de iniciativas neste sentido: do desenvolvimento físico e psicológico infan-
ações
finalísticas
hospitalização nesta faixa etária.
Segundo o documento da OMS, a prevenção de
“a criança e o adolescente têm direito à proteção,
à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas
til, em que a criança é mais suscetível de sofrer
lesão não intencional.
Considerar apenas os fatores socioeconômicos acidentes está relacionada a outras questões da sociais públicas que permitam o nascimento e o
­seria reducionista. Conhecer as particularidades do saúde da criança. Por isso, trabalhar nesta causa desenvolvimento sadio e harmonioso, em condi- 5. Promover a criação e o cumprimento de legis-
desenvolvimento infantil também é um bom ca- deve ser um ponto essencial para a redução da ções dignas de existência” (art. 7°). lação tendente a evitar envenenamentos cau-
evitando acidentes
na primeira infância

minho para compreendermos porque as crianças, morbimortalidade das crianças e melhoria do seu sados por ingestão acidental de medicamen-
principalmente as com menos de seis anos, estão bem estar. Ações que previnam atropelamento, afogamento tos e produtos de limpeza, tais como adoção
em maior risco de sofrer acidentes. Ao longo dos ou outra lesão a crianças pequenas não implicam de tampa de segurança, proibição de imagens,
primeiros anos de vida, a criança passa por diver- 2. Diretrizes que se lhes tolha a liberdade, mas, são condições nas embalagens, que atraiam a atenção das
sas fases, com características, referências e neces- importantes para garantir que se desenvolvam ­crianças.
sidades diferentes dos adultos. Com o passar do As decisões e ações para prevenir acidentes na pri- plenamente, descubram o mundo e façam suas
tempo, os pequenos passam a desenvolver suas ha- meira infância devem pautar-se pelos princípios e historias com segurança e proteção, em um am- 6. Garantir a correta notificação de internamen-
bilidades motoras, cognitivas e sensoriais. Mas en- diretrizes deste Plano no que diz respeito ao olhar biente lúdico, adequado às suas necessidades to por causa externa de crianças de zero a seis
quanto esse processo não está completo, a criança que se propõe para a criança. É preciso tê-las bem ­exploratórias. anos para que possam ser identificadas as prin-
fica vulnerável a uma série de perigos, sendo ne- presentes e de forma concreta em suas realidades cipais causas dessa morbidade e de seus agen-
cessário, portanto, que se lhes prestem cuidados e de vida. Devem ser contempladas as especificida- 3. Objetivos e metas tes causadores, servindo de base para tomada
atenção especiais. des de cada fase do desenvolvimento infantil e as de decisões em políticas públicas.
condições econômicas e sociais das famílias ou As ações a serem desenvolvidas para evitar aci-
No Relatório da OMS, são destacados os seguintes responsáveis. As crianças socialmente mais vulne- dentes na primeira infância devem ocorrer nos 3.2. Na área da educação infantil
pontos de aumento da vulnerabilidade da criança: ráveis são as que estarão no topo das prioridades diferentes âmbitos de atenção à criança referidos
(a) vivem em um mundo construído para adultos da atenção e dos recursos. neste Plano e se darão articuladamente com seus Ampliar a oferta de educação infantil também é
e são tratadas como miniaturas deles, (b) forte as- respectivos objetivos e metas. uma importante estratégia para diminuir a proba-
sociação entre as lesões e a idade da criança, (c) As diferentes ações que visem a evitar acidentes bilidade de que crianças até seis anos sofram lesões
forma como elas interagem com o mundo, (d) na primeira infância têm que estar em consonân- 3.1. Na área da saúde não intencionais, evitando-se, por exemplo, que
atividades realizadas em discordância com o de- cia com os princípios e ações de promoção da sejam expostas aos cuidados de outras crianças,
senvolvimento, (e) reprodução de estratégias de ­saúde66, com o conceito de escola promotora de A prevenção de acidentes na primeira infância como os irmãozinhos maiores, em ambientes vul-
prevenção feitas para os adultos, (f) além da ­pouca saúde, bem como com a Convenção dos Direitos deve ser adotada como tema de saúde pública. neráveis. Nesta perspectiva, e em consonância com
qualidade, disponibilidade e acesso aos serviços da Criança, que afirma: Nesse contexto, os princípios de escolas promotoras de saúde:
médicos. Vale lembrar que, de acordo com espe-
cialistas, só a partir dos sete anos de idade a criança Art.6 1. Orientar e sensibilizar os pais e responsáveis 1. Enfatizar, nos padrões de construção, infraes-
começa a ter noção do que é perigo. 1. Os Estados Partes reconhecem que toda crian- por crianças sobre prevenção de acidentes trutura e funcionamento, que os espaços físi-
ça tem o direito inerente à vida. ­desde o início da gestação, empregando para cos públicos e privados para o atendimento de
Outros agentes causadores merecem ser enfoca- 2. Os Estados Partes assegurarão ao máximo a so- isso diversos meios, como campanhas pela tele- crianças sejam adequados ao estágio e processo
dos, tais como: (a) a curiosidade natural e essencial brevivência e o desenvolvimento da criança. visão, folhetos e cartazes e reuniões, em centros de desenvolvimento psicomotor e à vulnera-
para novas descobertas; (b) o uso da boca como de ­saúde, nos estabelecimentos de educação bilidade de seus usuários em relação às lesões
tato, na fase oral; (c) a habilidade limitada para Art. 24. infantil e escolas. não intencionais, de tal sorte que não ­sejam
reagir em situações de perigo; (d) a não distinção … causadores de acidentes. Entre as medidas,
entre realidade e fantasia em certas situações de 2. Os Estados Partes garantirão a plena aplicação 2. Incentivar a associação, por meio da Cader­ incluem-se as de que os reservatórios de água
brinquedo e (e) a tendência natural de se espelhar desse direito e, em especial, adotarão as medi- neta de Saúde, da prevenção de acidentes sejam protegidos, as fiações e tomadas estejam
no adulto, que realiza atos mais complexos e para das apropriadas com vistas a: com o acompanhamento do crescimento e em locais altos, haja portões de segurança no
os quais ele tem experiência e habilidade. … ­desenvolvimento. acesso à cozinha e escadas (no topo e na base),
d) assegurar que todos os setores da sociedade, os berços sejam certificados conforme as nor-
A este cenário somam-se a pele mais fina, maior e em especial os pais e as crianças, conheçam 3. Reforçar a temática da prevenção de aciden- mas de segurança do Inmetro, os armários com
proximidade entre os órgãos e menor superfície os princípios básicos de saúde e nutrição das tes na qualificação e sensibilização das equipes medicamentos e produtos de limpeza sejam

64. Fonte: Rede Interagencial de Informações para a Saúde (RIPSA), 2007. 66. Carta de Ottawa, 1986, aprovada pela Primeira Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, realizada em Ottawa em 21 de novembro de
65. Programa de Ensino e Pesquisa em Emergências, Acidentes e Violências – Universidade Estadual de Pernambuco. 1986.

108 109
equipados com trava de segurança, as quinas ­ edida visa diminuir os riscos de acidentes, res-
m construção de residências unifamiliares, de
de móveis e de paredes sejam arredondadas. peitando a necessidade exploratória da criança conjuntos residenciais, de centros de educação
para um crescimento integral. infantil e outros espaços públicos frequentados
2. Estimular a inclusão da temática “prevenção por crianças. Além das já existentes, novas nor-
de acidentes na infância” com visão interdisci- 2. Inserir o tema prevenção de acidentes e pri- mas devem ser expedidas para reduzir o máxi-
plinar nas diretrizes curriculares nacionais e nas meiros socorros nos cursos de formação e de mo possível os riscos de acidentes na primeira
propostas pedagógicas dos estabelecimentos educação continuada dos dirigentes, coorde- infância.
de educação infantil, com foco na formação de nadores, equipe técnica, educadores e auxilia-
ações
finalísticas
uma cultura de prevenção de acidentes que en-
volva os aspectos físicos, emocionais, afetivos,
res de abrigos e também para os profissionais
de desenvolvimento do Programa de Famílias
4. Fomentar a redução de impostos para fabrica-
ção e comercialização de equipamentos que
cognitivos e sociais da criança, considerando, Acolhedoras. visem à prevenção de acidentes, como: redes
também, o papel da família. de proteção para janelas e sacadas, dispositivos
3.5. Na área do brincar residuais para instalação elétrica (ex.: disjun-
evitando acidentes
na primeira infância

3. Inserir a temática prevenção de acidentes e tor DR), dispositivos de retenção para crianças
primeiros socorros no currículo do curso de 1. Estabelecer padrões de segurança para os espa- em veículos, entre outros equipamentos de
pedagogia e na formação de funcionários dos ços físicos e equipamentos destinados ao brin- ­segurança.
centros de educação infantil a fim de que possa car das crianças de até seis anos, respeitando as
ser trabalhada de forma interdisciplinar na prá- especificidades do desenvolvimento físico e psi- 5. Instituir normas de segurança para piscinas
tica pedagógica. O conteúdo deve contemplar comotor condizentes com as atividades lúdicas residenciais, de clubes, de escolas e de outras
as especificidades de cada fase do desenvolvi­ e a vulnerabilidades em relação aos acidentes, áreas públicas e privadas. Dentre as medidas de
mento infantil e componentes econômicos e principalmente quedas, de cada faixa etária. segurança devem constar a existência de uma
sociais de vulnerabilidade aos acidentes na pri- cerca de no mínimo 1,5 m e portões com ca-
meira infância. 2. Fomentar a aquisição e a manutenção de brin- deados ou travas de segurança que dificultem
quedos com padrões de segurança, de acordo o acesso sem supervisão de crianças. Determi-
4. Efetivar a Educação de Trânsito de acordo com com a idade da criança, nos centros de educa- nar a presença de salva-vidas nestas áreas, de
o Código de Trânsito Brasileiro, de forma cons- ção infantil, brinquedotecas e outros espaços ­acordo com o número de usuários.
tante e não pontual, na educação infantil e nos correlacionados.
cursos de formação inicial e continuada dos 6. Incluir a prevenção de acidentes na primeira
professores. É essencial que esta inserção multi- 3. Estimular a construção e a manutenção dos es- infância como tema obrigatório nos cursos de
disciplinar no currículo escolar seja construída paços de lazer segundo as normas de segurança graduação em áreas que formam profissionais
em conjunto com os educandos e educadores, e a criação ou ampliação de oportunidades de que criam, organizam e administram espaços
vinculando-a aos valores humanos, à cidadania lazer, conforme o art.71 do ECA. frequentados por crianças (arquitetura, urba-
e aos aspectos do desenvolvimento psicológico nismo, engenharia de tráfego, designer de inte-
da criança e de sua realidade sócio-ambiental67. 3.6. No contexto do meio ambiente e dos espaços riores, engenharia ambiental etc).
da criança
3.3. No âmbito da família e da comunidade
1. Promover a adoção de normas de segurança
As ações de suporte previstas neste Plano para que em todos os espaços públicos e privados nos
as famílias cumpram suas funções primordiais de quais as crianças vivem e naqueles que elas fre-
cuidado, socialização e educação contribuirão para quentem.
a prevenção de acidentes na primeira infância.
2. Atualizar permanentemente a legislação e por
3.4. Na área da atenção às crianças em situação em prática medidas que garantam o cumpri-
especial: acolhimento institucional, família mento das determinações legais relativas à se-
acolhedora e adoção gurança da criança no transporte de veículos
automotores particulares e públicos, com es-
1. Assegurar que nos parâmetros de quali­ pecial vigilância sobre os de transporte escolar,
dade e monitoramento para os serviços de como por exemplo o uso de bebê-conforto, ca-
­­acolhi­mento institucional sejam contempla- deirinha e assento de elevação.
dos a adaptação dos espaços físicos e adoção
de práticas de cuidados de acordo com o de- 3. Estabelecer normas de segurança contra aci-
senvolvimento psicomotor das crianças. Tal dentes com crianças a serem cumpridas na

67. Item constante do Manifesto pela Proteção e Respeito à Criança no Trânsito, documento presente em HTTP://www.criancasegura.org.br/snt/

110 111
Gu
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eit
a sA
m
or
a

ações
meio
ações meio
V
s estratégias assinaladas por este Plano são da coordenação do Plano. A complexidade da
os fatores, os momentos e as formas decisivas para coordenação e do envolvimento de todos os
organismos envolvidos nos direitos da criança
(a) conquistar o espaço político necessário para requer uma coordenação abrangente e global.
o Plano ter visibilidade, aceitação e apoio no A Secretaria de Direitos Humanos, da Presidên-
governo, no Congresso Nacional, nos Meios de cia da República pode ser esse lugar. Critérios
ações meio

Comunicação, na sociedade; importantes para o êxito desse empreendi-


mento são de que esse órgão
(b) mobilizar os Estados e os Municípios para ela-
borarem seus planos estaduais e municipais e, a) tenha sido designado formalmente pelo
finalmente, para Presidente da República, por meio de um
decreto, como responsável pela coordena-
(c) pôr em prática o Plano Nacional, com continui- ção e implementação do Plano,
dade até 2022.
b) tenha boa articulação com os diferentes ór-
Para alcançar esses três objetivos, o Plano Nacio- gãos governamentais (ministérios da área
nal pela Primeira Infância identifica cinco áreas social e econômica), com o poder legislati-
estratégias: (a) a formação dos profissionais para a vo, com o ministério público, com as organi-
primeira infância, (b) a atuação dos meios de co- zações da sociedade civil,
municação social, (c) a atenção do Poder Legisla-
tivo na formulação de leis e no acompanhamento c) disponha de estrutura técnica para aten-
e fiscalização das ações, (d) o desenvolvimento da der às demandas setoriais e da sociedade
pesquisa sobre a primeira infância no País e (e) a civil, tanto nos aspectos técnicos quanto
elaboração de planos estaduais, distrital e munici- financeiros,
pais pela primeira infância, em consonância com o
plano nacional. d) esteja sempre aberto à participação e

Além dessas áreas, outras ações com incidência po- e) trabalhe com a maior transparência possível.
lítica apontarão e abrirão caminhos, darão apoio e
reforço às decisões políticas em prol da realização
do Plano.

Entre elas, o Plano destaca:

(a) a Mobilização social, na qual a Rede Nacional


Primeira Infância está empenhada, articulando-
se com outras redes, movimentos, fóruns, orga-
nizações e instituições,

(b) a atuação do Sistema de Garantia de Direitos da


Criança e do Adolescente,

(c) a coordenação geral do Plano pelo Conselho


Nacional dos Direitos da Criança e do Adoles- formação dos
profissionais para
cente – CONANDA,

(d) a designação do “lugar” político e administrativo

a primeira infância
114
Uma das nossas maiores tarefas
parece dizer respeito a como gerar
nas pessoas saberes políticos, anseios
políticos, desejos políticos.(…).
De que modo poderíamos encontrar
ações alternativas de trabalho que propiciem
meio um contexto favorável para
que isso ocorra?
formação dos profissionais
para a primeira infância

Paulo Freire.

Formação acadêmica Ademais, é importante rever a maneira como o co- de formação continuada, envolvendo profissionais qual visa a estimular os estudantes de jornalismo e
nhecimento sobre a infância é transmitido nos cur- de diferentes áreas, projetos multidisciplinares e demais cursos a realizarem pesquisas que abordem
A formação, neste capítulo, é considerada em re- sos de graduação, repensando, de maneira espe- transdisciplinares que discutam as necessidades e a relação entre Mídia/Comunicação e as políticas
lação a dois grupos de profissionais: os que atuam cial, a visão de infância e criança que é ensinada nas demandas da primeira infância. Esses podem ser públicas destinadas a garantir os direitos de crian-
nas áreas de educação, saúde, assistência social e disciplinas por exemplo sobre desenvolvimento uma importante fonte de conhecimento e forma- ças e de adolescentes são bastante eficazes.
aqueles que atuam em áreas que, de uma forma infantil e direitos da criança. Isso porque as crian- ção, além de possibilitar que todas as ações volta-
ou de outra, têm pontos de interface com as três ças costumam ser vistas como seres incompletos das para a criança tenham um enfoque integral da 2. Objetivos e metas
primeiras. e excluídos do mundo adulto, ao passo que são infância e utilizem abordagens transdisciplinares
atores sociais que possuem pensamento crítico. Se atentas para a complexidade das ações de cuidado 1. Promover debates nas instituições de ensino
A formação dos profissionais que atuam direta- esses profissionais enxergam a criança na sua espe- e educação na primeira infância. superior, públicas e privadas, sobre as proble-
mente com a criança precisa ser revista na pers- cificidade ela será atendida segundo seus interesses máticas da infância no Brasil e no mundo, delas
pectiva de ampliar e aprofundar sua base de co- e características. É fundamental que essa visão da Dessa forma, é fundamental: a) aprimorar a forma- fazendo parte a prevenção de deficiência e a in-
nhecimentos, aperfeiçoar qualidades e habilidades criança em desenvolvimento seja transmitida para ção dos profissionais que atuam diretamente com clusão das crianças com deficiência.
e desenvolver sua prática. Fisioterapeutas de crian- que todos os profissionais, mesmo os que não tra- a criança; b) apoiar a produção de conhecimento
ças pequenas, por exemplo, se adequariam melhor balham diretamente com a primeira infância, pos- sobre o desenvolvimento infantil em diversas áreas 2. Incrementar, com iniciativas do Conselho Na-
a seu trabalho se, durante seu processo formativo, sam, através de seu trabalho, contribuir para que as de formação profissional, c) articular os profissio- cional de Educação, dos órgãos colegiados que
temáticas relacionadas ao desenvolvimento infan- crianças sejam tratadas como sujeitos de direitos e nais da saúde e da educação que já trabalham com reúnem reitores, diretores, professores e alunos
til fossem mais aprofundadas e em maior quanti- não como ”adulto em miniatura”, “futuro adulto” o tema e d) divulgar esse conhecimento produzido de ensino superior, a revisão dos currículos dos
dade. Até mesmo o curso de pedagogia carece de ou alguém que não conta. para os demais profissionais, mesmo aos que não cursos superiores de graduação, visando à in-
revisão de sorte a formar professores mais segu- trabalham diretamente com as crianças pequenas. clusão de disciplinas sobre desenvolvimento
ros e confiantes em suas capacidades para cuidar Um maior investimento em práticas relacionadas à infantil, diversidade cultural na infância, a ci-
e educar crianças pequenas, desde os primeiros primeira infância através de ações de extensão e es- Uma maneira de divulgar essas informações é os dade e a criança, criança e sociedade, infância
­meses de vida. tágios também deveria ser uma preocupação dos professores da Psicologia, Pedagogia, Medicina, e mídia, direitos da criança, produção cultural
dirigentes universitários. A importância dessa ati- Nutrição, Enfermagem, entre outras áreas, ofere- para crianças entre outras, que sensibilizem, in-
Em relação aos outros profissionais, é necessário vidade está em aproximar os estudantes da comu- cerem aos alunos de outros cursos disciplinas que formem e preparem os diferentes profissionais
que sua formação aborde conhecimentos sobre di- nidade e das diferentes realidades sociais. Ademais, abordam o desenvolvimento infantil. Tais discipli- para atenderem aos direitos da criança em seus
reitos da criança e desenvolvimento infantil de for- ela é um espaço em que a comunidade universitá- nas seriam eletivas. Ademais, cursos de extensão e campos de trabalho.
ma a garantir que a especificidade desta faixa etá- ria tem a oportunidade de realizar trocas, apren- especialização podem ser realizados para os profis-
ria seja considerada em seus projetos de trabalho, dendo com o público alvo da intervenção. Agindo sionais das mais diversas áreas. Um arquiteto pode 3. Estimular, por meio de projetos de incentivo, a
na sua atividade profissional cotidiana. Tomemos assim, não raro eles percebem o quão equivocados ser especialista em projetos de escolas de educação criação de cursos de pós-graduação sobre de-
como exemplo os cursos de Arquitetura e Enge- estão, muitas vezes, em relação à realidade de fora infantil, por e­ xemplo. senvolvimento infantil.
nharia Civil. A elaboração de projetos residenciais, dos muros da academia. Mais importante ainda,
de escolas e de espaços de recreação e lazer, deve a partir dessa nova perspectiva, os professores Outra maneira de difundir o conhecimento a res- 4. Aumentar o número de projetos de extensão,
considerar também as demandas, necessidades, universitários têm a chance de rever o conteúdo peito da primeira infância entre os acadêmicos de ensino e pesquisa que envolvam professores e
características de desenvolvimento e as atividades e modo de transmitir esse conhecimento para os áreas que não a saúde, a educação, a medicina, o alunos de diversas áreas de formação, visando à
das crianças pequenas. Entretanto, disciplinas que futuros profissionais que estão formando. serviço social, a psicologia é fomentar o desenvol- atuação conjunta e multidisciplinar, principal-
abordam esses assuntos, em geral, não constam vimento de estudos sobre o assunto. Projetos se- mente nas Unidades de Educação Infantil exis-
dos currículos desses cursos. Além da mudança nos currículos de formação exis- guindo o exemplo da bolsa oferecida pela ANDI tentes nas Universidades.
tentes, é preciso ampliar o número de programas ­– Agência de Notícias dos Direitos da Infância, a

116 117
5. Oferecer consultorias às redes municipais de
educação infantil nas diversas áreas do conhe-
cimento e da prática social de atenção à pri-
meira infância.

6. Estimular a criação de parcerias/convênios


com o Poder Público Municipal para a cria-
ção de campo de estágio, pesquisa e extensão
ações
meio
nos estabelecimentos públicos municipais
de ensino, de saúde, de assistência social, de
cultura etc.

7. Estimular a produção nas instituições de ensino


para a primeira infância
formação dos profissionais

superior de trabalhos acadêmicos sobre a pri-


meira infância, contando com a parceria de ins-
tituições da sociedade civil que atuam na pro-
moção dos diferentes direitos da criança.

8. Sistematizar em manuais e cartilhas o conheci-


mento produzido nas pesquisas e disseminá-las
entre os professores ou facilitar o acesso aos
técnicos e educadores.

9. Oferecer bolsas de estudo em nível superior a


estudantes dos cursos de Arquitetura, Enge-
nharia Civil, Urbanismo, Cinema, Teatro, Jorna-
lismo, Rádio, Direito e outros, para formação de
profissionais.

10. Garantir que os cursos de formação de profes-


sores para atuar nas instituições de educação
infantil, tenham como objetivo a compreensão
da instituição de educação infantil como espa-
ço coletivo de educar e cuidar de crianças com
idade entre zero e cinco anos e onze meses. E
também que visem o compromisso profissional
com o bem-estar e o desenvolvimento inte-
gral das crianças; o domínio das estratégias de
acesso, utilização e apropriação da produção
cultural e científica do mundo contemporâ-
neo e a apropriação do instrumental necessário
para o desempenho competente de suas fun-
ções de cuidar/educar as crianças.

11. Realizar um estudo sobre a viabilidade de ins-


tituir trabalho social durante um semestre,
para os estudantes de ensino superior dos cur-
sos que tenham relação com algum direito da
criança. A instituição dessa prática proporcio-
naria ao aluno de graduação a oportunidade
de entrar em contato com as reais necessidades
das crianças pequenas e com as demandas que o papel dos meios de
chegam diariamente aos profissionais que tra-
balham com a primeira infância.
comunicação
118
o papel dos meios de
comunicação
ações
meio
Concepção da comunicação
como ferramenta para a
para o agendamento, compreensão e monitora-
mento e avaliação das políticas elaboradas pelo
meira Infância, com previsão dos diversos pú-
blicos a serem atingidos (campanha publicitária
implementação de políticas Plano. Ela própria deve ser alvo de atenção particu- que informe e coloque a sociedade em clima fa-
públicas lar: seus efeitos (positivos e negativos) sobre o de- vorável à aprovação do Plano Nacional – orien-
senvolvimento integral das crianças estão ampla- tações, informações, campanhas em matérias
o papel dos meios de comunicação

Por definição, uma política pública qualquer – de mente documentados pela pesquisa internacional de interesse da família e bebê, da criança de até
um plano nacional à compra de carteiras para uma na área.Logo, não existe política adequada para a três anos, inserções de temas, problemas, solu-
escola – precisa ser de conhecimento dos cidadãos primeira infância que ignore o papel dos meios de ções em novelas, programas de TV, programas
e cidadãs e demais partes interessadas. Para tan- comunicação. de Rádio, as Rádios Comunitárias que influen-
to, precisa ser levado à esfera pública de debates. ciem o ­pensamento, as atitudes, as relações dos
E isso depende umbilicalmente do componente 2. Plano de comunicação adultos com as crianças).
comunicacional. A política será tão mais “pública”
quanto mais amplamente conhecida e, espera-se, 1. Diagnóstico/mapeamento do que já foi feito 2. Mobilização dos decisores nas esferas nacional,
escrutinada ela for. Muitas plataformas comuni- em termos de comunicação do tema, resgatan- estadual e municipal sobre o Plano Nacional
cacionais podem gerar este tipo de resultado – a do a experiência e produções que tiveram obje- (via grande mídia e ações de advocacy para
publicização de uma política: campanhas publici- tivo semelhante ao deste Plano. conscientização e mobilização em favor do
tárias, comunicação direta em escolas e outros pú- PNPI).
blicos, comunicação comunitária, merchandising 2. Branding – criação do conceito, da “causa”, de
social, mídia noticiosa. Estas estratégias não são ex- acordo com as diretrizes técnicas deste Plano. 3. Mobilização dos Estados, do Distrito Federal e
cludentes, ao contrário, mas, certamente, almejam dos Municípios para que elaborem seus pró-
resultados diferenciados. 3. Eixo Político – advocacy: envolve dois grandes prios planos pela primeira infância.
âmbito de ação: (a) mobilização da sociedade
A mídia noticiosa, ator que merece relevo especial, para pressionar e (b) sensibilização dos toma- 4. Capacitação permanente das fontes para se co-
contribui para qualificar e particularizar a estraté- dores de decisão. Neste ponto, destaca-se o municarem (interação com mídia/comunica-
gia de comunicação. O jornalismo tem por função papel do Poder Legislativo, e, em seu meio, a ção institucional individual e coletiva articulada
agendar os temas prioritários nas democracias Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da por meio da Rede Nacional Primeira Infância).
contemporâneas; informar contextualizadamente Criança e do Adolescente é fundamental.
a todos e todas, mas especialmente aos tomadores 5. Criação de mecanismos de participação da so-
de decisão e formadores de opinião, acerca destes 4. Comunicação programática – sistema e dis- ciedade civil no monitoramento da implemen-
mesmos temas; monitorar e fiscalizar as ações de ponibilização de informação sobre a Primeira tação do Plano Nacional pela Primeira Infãncia.
atores públicos relevantes. Note-se que um Plano Infância: produção da informação que se quer
Nacional para a Primeira Infância somente ganhará comunicar e planejamento de públicos a serem 4. Conteúdos transmitidos na
a dimensão de uma política pública se conseguir atingidos (sociedade em geral, esferas de go­ grande mídia
articular de maneira acertada uma ampla estraté- verno – executivo, legislativo, judiciário, socie-
gia comunicacional. Do contrário terá dificuldades dade civil organizada, academia, setor privado, Deverão ser definidas e divulgadas diretrizes e re-
em entrar na agenda pública e, uma vez lá, poderá etc.). comendações que orientem a regulação dos con-
não ser adequadamente compreendido pelas par- teúdos audiovisuais produzidos para o público in-
tes interessadas ou, mais além, poderá se transfor- 5. Sustentabilidade – continuidade do processo, fantil. Ou seja, uma política pública de classificação
mar em mais uma importante carta de intenções, mantendo a mobilização pela causa). indicativa do que é transmitido, seja na programa-
padecendo, porém, do acompanhamento atento ção televisiva, seja na publicidade, ou nos filmes.
da sociedade quanto à sua execução por intermé- 6. Elaboração de proposta orçamentária e estra-
dio dos veículos noticiosos. tégias para garantir, anualmente, o aporte de
recursos necessários no Orçamento da União.
Considerando que a comunicação desempenha
papel ímpar na socialização dos cidadãos e cidadãs 3. Estratégias
alvo de um plano com estas características, ela não
pode ser vista apenas como um elemento central 1. Mobilização da sociedade em geral sobre a Pri-

120 121
a atuação do a atuação do
poder legislativo poder legislativo
defesa dos direitos de crianças e adoles- e Valorização do Magistério (Fundeb), analisado
centes começou a ganhar mais força, na agen- pelo Congresso entre os anos de 2005 e 2007. Essa
da pública do Brasil, no final da década de 1980, intensa articulação entre sociedade civil e Parla-
com a participação dos movimentos sociais nas mento foi responsável por importantes conquistas
discussões da Assembleia Nacional Constituinte no texto do Fundeb, entre os quais a inclusão da
para a elaboração da Carta Magna de 1988. Nes- educação do nascimento aos três anos de idade e o
se período de intensa efervescência política e de- piso salarial profissional nacional para o magistério
mocrática no Brasil, a sociedade civil organizada da educação básica. Os professores de educação
conseguiu estabelecer uma sólida e produtiva par- infantil são beneficiários diretos dessa nova me-
ceria com o Poder Legislativo, influenciando nas dida, que melhora a remuneração da maioria dos
discussões para a produção da Constituição que profissionais da primeira etapa da educação básica.
ficou conhecida como “Cidadã”. Houve vitórias em
vários campos. Na área dos direitos da população A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da
infanto-juvenil, mais especificamente, essa aliança Criança e do Adolescente desempenhou papel
resultou nas garantias estabelecidas pelos artigos protagônico nesses processos atuando como uma
227 e 228 da Constituição, que tratam da doutri- instância de articulação política para a defesa das
na da proteção integral. Essa parceria prosseguiu e, questões relacionadas com esse segmento popula-
dois anos depois da promulgação da Constituição cional e para a criação de uma cultura de respeito
de 1988, rendeu outro fruto: o Estatuto da Criança aos direitos humanos no Congresso Nacional.
e do Adolescente (ECA) – Lei n° 8.069, de 13 de
julho de 1990. Movimento pluripartidário que congrega mais de
100 parlamentares, a Frente tem atuado, desde a
Cientes da responsabilidade do Poder Legislativo sua criação, em diferentes campos dentro e fora do
no cumprimento do novo ordenamento jurídico Congresso Nacional, influenciando politicamente
no que diz respeito aos direitos da infância e da nas discussões sobre as principais questões que
adolescência, um grupo de deputados e senado- afetam as crianças e os adolescentes, tais como vio-
res que participou ativamente das discussões na lência, exploração e abuso sexual, trabalho infantil,
Constituinte e durante a elaboração do ECA criou, pedofilia, adoção, educação, saúde, desenvolvi-
em 1993, em parceria com os movimentos sociais, mento infantil, gravidez não planejada, doenças
a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da sexualmente transmissíveis, dentre tantos outros
Criança e do Adolescente do Congresso Nacional. temas relevantes.

A aliança estabelecida entre sociedade civil e Parla- O sucesso obtido pela Frente no Congresso Nacio-
mento foi, aos poucos, se consolidando e produziu nal despertou, em Parlamentos estaduais e munici-
novas vitórias no campo dos direitos e garantias pais, o interesse em adotar mecanismos semelhan-
fundamentais para a população infanto-juvenil. tes. Assim, em 2005, sob coordenação da Frente
Dois exemplos são significativos nos últimos anos: Parlamentar, foi criada uma Rede Nacional de De-
o processo de discussão e elaboração da Lei de Di- fesa dos Direitos Infanto-Juvenis, unindo legislado-
retrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, e do res nas três instâncias de poder – federal, estadual
Plano Nacional de Educação (PNE), de 2001. Mais e municipal. Essa Rede, que se consolida a cada dia
recentemente, a sintonia fina entre os movimentos por meio de estratégias de comunicação, tem pro-
sociais e os parlamentares identificados com a de- piciado a troca de experiências legislativas na área
fesa dos direitos das novas gerações e da educação da infância entre os parlamentares das três esferas
de qualidade se fez presente na luta pela aprova- governamentais, tanto no campo das proposições
ção e aprimoramento do Fundo Nacional de Ma- quanto na área da fiscalização das políticas públicas
nutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e do monitoramento dos recursos orçamentários.

123
Diante desse quadro, que demonstra a forte atua-
ção de um grupo de parlamentares envolvidos nos
temas que dizem respeito às crianças e aos adoles-
centes, entre os quais se destacam as questões do
desenvolvimento infantil, e com a convicção de
que o Legislativo é, por natureza, um espaço de-
mocrático e pluripartidário, é que se deve destacar
o papel a ser desempenhado por este Poder da Re-
ações
meio
pública no Plano Nacional pela Primeira Infância.
É de fundamental importância ter em mente que
essa participação poderá se dar em diversos cam-
pos e em vários momentos desse processo, a saber:
a atuação do
poder legislativo

1. No acompanhamento cotidiano e detalhado


da tramitação do projeto de lei que propõe a
criação do Plano;

2. Nas discussões com representantes da socieda-


de civil e especialistas para promover eventuais
aperfeiçoamentos no texto legal, por meio da
realização de reuniões e audiências públicas na
Câmara e no Senado;

3. Na aprovação da proposta nas duas Casas


Legislativas;

4. Nos debates acerca dos recursos orçamentários


para viabilizar a implementação das metas do
Plano;

5. Nas discussões acerca da regulamentação do


projeto;

6. Na fiscalização, controle e monitoramento da


execução do Plano, depois que ele virar lei, o
que inclui ações para garantir, anualmente, o
aporte de recursos necessários no Orçamento
da União;

7. Na articulação com estados e municípios, por


meio da Rede Nacional de Parlamentares pela
Infância e Adolescência, estimulando a elabo-
ração dos Planos estaduais e municipais para a
Primeira Infância e oferecendo cooperação po-
lítica e técnica para a promoção das discussões
em torno desse tema.

a pesquisa
sobre a primeira infância
124
a pesquisa sobre a
primeira infância
ações
meio
Papel estratégico da pesquisa dizem respeito à diversidade, ao patrimônio cul- 3. A prática profissional, nas diferentes áreas de que as informações de caráter científico este-
tural das crianças negras (afrodescendentes) e das atenção à criança – vida e saúde, alimentação e jam presentes no cotidiano dos que trabalham
Estudos sobre a relação entre as experiências de crianças indígenas, aos vínculos familiares e comu- nutrição, educação e aprendizagem, assistência com as crianças ou em áreas a elas relacionadas;
a pesquisa sobre a
primeira infância

vida na primeira infância e o desenvolvimento da nitários, etc. social, espaços do brincar, cultura, arquitetura e
pessoa vêm ganhando especial relevo nas últimas urbanismo, comunicação, segurança, meio am- 2. Criar, até o terceiro ano da aprovação deste Pla-
décadas em diversos países. No Brasil também a O Plano Nacional pela Primeira Infância atribui à biente… –, no planejamento, controle social e no, uma seção sobre pesquisas em primeira in-
produção de pesquisas com foco nos primeiros pesquisa um papel estratégico no alcance de seus avaliação de programas e projetos. fância nos sites dos Ministérios e das Secretarias
anos de vida está crescendo, com progressiva di- objetivos, na continuidade e ampliação de suas Estaduais e Municipais de planejamento, edu-
versificação de enfoques e disciplinas. O portal da metas posteriormente a 2022, na extensão para 3. Ações e seus objetivos e metas cação, saúde, desenvolvimento social, cultura,
CAPES68 é um bom indicador desse fato. novos setores ou áreas que, nos próximos anos, de- justiça e cidadania, entre outros, e em órgãos
mandarem atenção e na melhoria da qualidade de 3.1. Criação de mecanismos de incentivo à governamentais de pesquisa, atualizando-a
Seus resultados se tornam particularmente impor- todos os serviços. Essa função estratégica se cum- pesquisa sobre a primeira infância – um comitê permanentemente
tantes na formulação das políticas, na negociação pre na proporção em que a pesquisa gera aumento e uma linha de financiamento (no CNPQ, no INEP,
de orçamentos públicos, na priorização de progra- do conhecimento sobre as crianças e os fatores de em órgãos estaduais como FAPESP etc.). 3.3. Debate sobre os resultados da pesquisa
mas e na definição das ações para a primeira in- seu desenvolvimento, em que preenchem lacunas nos círculos especializados e também entre
fância. Na hora de redigir a justificação de planos de informações quantitativas e qualitativas sobre a Meta desta ação: profissionais de campo (médicos, pediatras,
e programas, de fazer a distribuição de recursos es- população na faixa etária, em que esclarece sobre psicólogos, assistentes sociais, pedagogos etc.).
cassos, de encorajar a tomada de decisão por parte as variáveis sociais, econômicas, culturais e técni- Instituir, até o final do primeiro ano da aprovação
dos governantes frente às múltiplas demandas so- cas que interagem na vida e desenvolvimento das do Plano, um Comitê de Pesquisa sobre Primeira Metas desta ação:
ciais, é frequente e estratégico recorrer às indica- crianças, enfim, em que avaliam os acertos e desa- Infância, com o objetivo de:
ções dos estudos e pesquisas. certos das políticas, planos ou programas. 1. Realizar a cada dois anos um fórum nacio-
• propor mecanismos de incentivo à pesquisa, nal sobre pesquisas na primeira infância, para
Os direitos da criança são, por si sós, argumento 2. Áreas prioritárias da pesquisa • recomendar temas prioritários de estudos e apresentação dos resultados e debate sobre
suficiente e determinante para o Estado definir pesquisas a serem apoiados financeiramente, sua aplicabilidade na melhoria da qualidade do
políticas e eleger prioridades, pois é seu dever as- 1. As concepções, representações, ideias sobre • articular instituições de pesquisa brasileiras atendimento à criança
segurar o cumprimento daqueles direitos. No en- criança e infância no Brasil, visando a superar com as de outros países, especialmente do
tanto, muitos decisores preferem ter, ao lado desse preconceitos, vieses históricos, discriminação, MERCOSUL, visando à promoção de estudos 2. Utilizar os meios de comunicação social, es-
argumento, dados de pesquisas que reforcem suas falsas representações etc. de interesse comum, pecialmente emissoras de rádio e canais de
convicções, apontem urgências, orientem novas • incentivar estudos interdisciplinares, que enfo- televisão do governo federal e dos governos
diretrizes de ação, justifiquem o aumento de re- 2. Os atores sociais envolvidos na Primeira Infân- quem a criança na sua integralidade, estaduais e municipais, para divulgar estudos e
cursos para o atendimento dos direitos da criança cia – técnicos dos diferentes órgãos públicos • facilitar o intercâmbio de pesquisadores brasi- pesquisas sobre a primeira infância, promoven-
ou o deslocamento de aplicações tradicionais para com responsabilidades na primeira infância, leiros em primeira infância com pesquisadores do debate com especialistas, famílias e técnicos
essa área. ativistas, dirigentes e técnicos de organizações dos países latino-americanos; dos diferentes setores de atendimento à criança
não governamentais que atuam na área dos e os resultados.
Além dos estudos sobre impactos econômicos, direitos da criança, pais/mães… – visando seu 3.2. Divulgação dos estudos e pesquisas,
sociais e educacionais dos serviços de proteção, acesso a conhecimentos que aumentem seu em publicações especialmente voltadas aos 4. Perguntas que sugerem estudos
cuidado e educação à criança pequena, diversas poder de negociação na meta de ampliar a co- profissionais que atuam na área da primeira e pesquisas
outras áreas vêm carecendo de atenção dos pesqui- bertura com qualidade e melhor os instrumen- infância, em diferentes campos de atividade.
sadores, por exemplo, no âmbito da antropologia e talizem nas suas respectivas atividades com as As seguintes perguntas sinalizam que novos co-
da sociologia da infância, nas relações da criança crianças. Metas desta ação: nhecimentos são hoje relevantes para resolver pro-
com o ambiente físico e cultural, nas questões que blemas, afastar entraves, dirimir dúvidas no mo-
1. Publicar, anualmente, os resultados dos estudos mento da tomada de decisões, para dar base mais
e pesquisas sobre primeira infância realizados consistente às opções entre alternativas, quando
68. http://www.capes.gov.br/ no País e disseminá-los nos meios acadêmicos do planejamento, da elaboração de orçamentos,
Ver a base de dados de dissertações e teses sobre educação infantil – creches e pré-escolas. e em publicações de caráter popular, visando a da definição de diretrizes operacionais, de decisões

126 127
sobre medidas práticas… • Como as regras de funcionamento das creches/ • Como aproximar mais a produção de material ao público em geral e aos atores sociais, em
pré-escolas interferem em seu uso pela popu- pedagógico (livros, brinquedos, etc.) da cultura ­particular?
4.1. Perguntas com incidência em políticas lação? Quais as características das famílias que das crianças?
não usam creche? Que fatores influem para que • Que retorno tem tido para as políticas muni-
• Que medidas promovem a equidade no acesso famílias trabalhadoras com filhos pequenos • Como os livros de educação e psicologia usa- cipais e, especialmente para as creches e pré-
aos serviços de educação infantil, de saúde da não usem a creche e prefiram outra forma de dos nos cursos de formação estão abordando escolas, a quantidade de pesquisas em saúde
criança, de assistência social na primeira infân- cuidado? as questões étnico-raciais, a diversidade cultu- feitas nessas instituições?
cia, à cultura, ao brinquedo, ao ambiente sadio ral da sociedade brasileira, as deficiências? Que
ações
meio
e sustentável…? • Como andam as bases de dados das universi-
dades sobre educação infantil? Que descritores
espaço dão para o conhecimento das crianças
pequenas, especialmente na idade da creche?
• Como transformar o conhecimento gerado
pelas pesquisas em práticas cotidianas que as-
• Que medidas garantem que as crianças que vi- usam? Tais descritores são adequados do ponto segurem maior qualidade no atendimento das
vem em ambientes mais vulneráveis, que têm de vista da concepção legal? Permitem dar visi- • Que diferenças se verificam no desenvolvimen- crianças?
um ou mais de seus direitos violados ou estão bilidade e construir um estado das artes? to global das crianças considerando estarem
a pesquisa sobre a
primeira infância

mais sujeitas à violação tenham acesso à prote- frequentando ou terem frequentado institui- 4.7. Sobre os profissionais
ção e à promoção de seus direitos? • O que a base de dados da Capes mostra sobre ções de educação infantil que têm professoras
o perfil de teses e dissertações? E os grupos de e professores ou somente professoras? Que • Qual o perfil de uma equipe interdisciplinar
• Que mecanismos têm dado melhor resultado pesquisa do CNPq? Quais os temas e enfoques condições devem ser criadas para aumentar a para a educação infantil?
na elevação da qualidade dos serviços dirigidos privilegiados? presença/participação de professores homens
às crianças? na educação infantil? • Como os governantes concebem a educação
• Como eles têm sido publicados, divulga- infantil? O que os movimentos sociais, os sindi-
• Qual o grau de efetividade das diretrizes que dos? Onde chegam? Por que não chegam na 4.4. Sobre a participação das crianças catos, os partidos políticos, os profissionais da
determinam alocação prioritária de recursos “ponta da linha”? O que fazer para chegar lá? imprensa pensam sobre os programas públicos
para atendimento dos direitos da criança nos Transformam-se ou não em orientações para • Que espaço as crianças têm na pesquisa? Como e privados voltados à primeira infância? Qual a
seus primeiros anos de vida? as práticas? O que é que faz com que se trans- escutá-las? Quais as boas experiências de es- relação entre esse entendimento e as tendên-
formem em orientações práticas e estas sejam cutar as crianças, a fim de obter informações, cias do governo em expandir os programas?
• Quais as experiências brasileiras – políticas, aplicadas? Que tipo de dados de pesquisa não ideias e soluções adequadas à sua percepção do
planos, programas, ações… – mais eficientes e ­chegam à prática? mundo e de suas necessidades? • Como os programas de pós-graduação vêm
efetivas no atendimento global e integrado das atuando na área da educação infantil?
crianças de até seis anos de idade, no âmbito • Como fazer chegar a voz das crianças à
federal, estadual e municipal? 4.3. Sobre a educação infantil ­sociedade? • O que as faculdades de arquitetura vêm fa­
zendo para melhorar o padrão de construção e
• Que experiências demonstram ter vencido • Como está sendo implementado o Fundeb • Que cuidados éticos tem havido na pesquisa de equipamentos de creches e pré-escolas e ou-
resistências à articulação intersetorial e à inte- na educação infantil? Que parte do Fundeb com, para, sobre crianças? tros estabelecimentos frequentados por crian-
gração das ações? Que lições elas ensinam para vai para as creches? Que parte vai para a pré-­ ças pequenas?
estender suas estratégias a outras áreas? escola? 4.5. Sobre os MCS frente à criança
• Qual a adequação/inadequação dos currícu-
• Como promover a participação das crianças • Quais as dificuldades de implementar as diretri- • Como a mídia vem apresentando a criança bra- los dos cursos de formação dos profissionais
no desenho das políticas e nas ações a elas zes curriculares? E as diretrizes operacionais? sileira, no que diz respeito à igualdade e à diver- que atuarão diretamente na primeira infância
­dirigidas? sidade, à pobreza e à desigualdade social e eco- considerando as características da vida e o pro-
• Por que gestores “bem intencionados” não con- nômica, à cultura da infância e para a infância, cesso de desenvolvimento das crianças? E da-
4.2. Perguntas sobre a demanda seguem consolidar políticas de educação infan- à violência e à exploração, ao abandono…? queles cujo exercício profissional também afeta
til democráticas e de qualidade? a criança pequena (arquitetos, urbanistas, pla-
• Quais as características da demanda pela cre- • Como os problemas que afetam a primeira in- nejadores, economistas, advogados, antropólo-
che? Qual a relação entre demanda demográfi- • Quais os obstáculos enfrentados pelos esta- fância são tratados na televisão? gos, sociólogos, profissionais da comunicação
ca e demanda manifesta? Entre demanda mani- belecimentos de educação infantil para me­ – rádio, televisão, cinema.
festa e oferta governamental? lhorar a qualidade? Que concepção de creche • Que correlação existe entre os comerciais e
e de criança pequena perpassa as instituições, comportamentos das crianças na primeira in- • Qual a formação dos professores que atuam na
• Qual a defasagem entre os dados coletados os professores, as famílias, os atores sociais: fância (consumo, valores, linguagem, atitudes)? formação dos professores de educação infantil?
pelo IBGE e pelo INEP? Por que tal defasagem? partidos políticos, sindicatos, organizações E dos que formam os psicólogos de crianças,
Como ajustá-la? ­profissionais etc.? 4.6. Sobre a relação entre a pesquisa e as os assistentes sociais, os enfermeiros…? Quais
políticas para a Primeira Infância as possíveis brechas para inserir o interesse e
• Qual o tipo de creche – de tempo parcial ou • Que indicadores melhor expressam a atendi- o estudo sobre a primeira infância nos cursos
de tempo integral – desperta mais interesse das mento dos direitos da criança e servem para • Como está a difusão dos dados coletados de psicologia, economia, antropologia, história,
famílias? Quais os fatores associados às opções monitorar a qualidade da educação infantil? ­pelas diversas instâncias/setores? Como eles política, comunicação, artes, etc.?
familiares? estão agregados/desagregados? Como chegam

128 129
planos
estaduais e municipais
pela primeira infância
organização político-administrativa da Re- comprometidos com os direitos da criança.
pública Federativa do Brasil, que compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municí- O quadro jurídico e institucional da República de-
pios, é regida por dois princípios fundamentais: au- termina que o PNPI tenha a característica de plano
tonomia dos entes federados e cooperação técnica. programático, ou seja, requer seu desdobramen-
to em planos estaduais e municipais, nos quais as
Compete à União elaborar e executar planos na- questões nacionais aqui abordadas, as diretrizes de
cionais de desenvolvimento social (CF art. 21, IX). ação propostas e os objetivos e metas estabeleci-
No desenvolvimento social está compreendido o dos sejam particularizados e apropriados por cada
desenvolvimento humano e, neste, o desenvolvi- um dos entes federados, segundo suas competên-
mento da criança. Mais especificamente, o Estado cias e as características regionais e locais.
tem o dever de garantir os direitos da criança e do
adolescente, da mesma forma que a isso estão tam- No processo de elaboração dos planos estaduais,
bém obrigados a família e a sociedade. Um passo distrital e municipais, têm papel protagônico os
importante para cumprir esse dever é formular diferentes conselhos dessas esferas administrativas,
políticas públicas, planos e programas globais e se- como os conselhos de direitos, de saúde, educação,
toriais, integrados ou articulados. assistência social, cultura, conselho tutelar, conse-
lhos de controle social etc., além dos órgãos do
O Plano Nacional pela Primeira Infância foi elabo- Poder Executivo e as organizações representativas
rado de acordo com esses princípios republicanos. da sociedade civil voltadas à primeira infância.
Ele é um plano da nação brasileira para o atendi-
mento dos direitos da criança na etapa da vida Construídos num processo de ampla participa-
chamada primeira infância (até seis anos de idade). ção social, submetidos à análise e aprovação do
Portanto, refere-se às competências da União, dos competente Poder Executivo, sob a forma de pro-
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. To- jeto de lei, esses planos serão encaminhados ao
dos esses entes, em conjunto e de forma articula- Poder Legislativo, para análise, aperfeiçoamento e
da, aplicando o mecanismo da cooperação, estão aprovação.

planos estaduais
e municipais pela
primeira infância
131
Ca
rlo
sH
en
riq
ue

financiamento
Não podemos postergar a inversão
nas crianças até que sejam adultas,
nem esperar que cheguem à escola
(ensino fundamental), quando
poderia ser muito tarde.
VI James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, 2005.
financiamento

á consenso entre os especialistas e estudio-


sos de que a inversão de recursos na primeira in-
fância é investimento de alto retorno econômico,
social e cultural. Ele é estratégico, porque se dá na
base de toda construção humana, que sustenta as
construções posteriores, seja em termos de habi-
lidades, competências, compromissos e ética. Não
há estratégia melhor para alcançar o desenvolvi-
mento estável da sociedade do que a promoção
dos meios que assegurem a vida plena, no senti-
do de saúde física e mental, desenvolvimento e
aprendizagem e formação para os valores da vida
democrática. É inteligente a nação que destina às
suas crianças o melhor de seus recursos, não ape-
nas porque cumpre seu dever ético e político, mas
também porque lança as bases de uma sociedade
mais desenvolvida.

Os recursos para a execução do Plano Nacional pela


Primeira Infância virão dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
segundo as competências de cada ente federado.
Os Planos Plurianuais serão elaborados de modo a
dar suporte aos objetivos e metas deste Plano.

acompanhamento e
controle
134
acompanhamento
e controle
VII • nstituir um sistema nacional de acom-
panhamento e controle do PNPI, que será ge­
rido pelos órgãos existentes no Poder Pú­blico.
A SEDH, da Presidência da República, e o
acompanhamento e controle

­CONANDA coordenarão esse processo.

• Serão escolhidas, para um acompanhamento


mais presente, mais próximo e mais frequente,
as metas que têm repercussão mais profunda e
mais abrangente na mudança da situação em
cada um dos direitos (ou dos capítulos deste
Plano). Os demais objetivos e metas, necessá-
rios ou relevantes para garantia dos direitos a
que se referem, não devem ficar em segundo
plano no interesse da execução, mas sobre elas
o acompanhamento e controle poderão ter
mecanismos menos ­incisivos.

• Os resultados serão divulgados periodicamente­. ­

• Um sistema nacional de acompanhamento e


controle, usando as estruturas e serviços já exis-
tentes, deverá ser definido logo após a aprova-
ção do Plano. O Poder Executivo contará com
a participação da sociedade civil, por meio de
suas organizações representativas, entre as
quais a Rede Nacional Primeira Infância, na im-
plementação desse sistema.

• Desse sistema devem participar os conselhos


nacionais dos diferentes setores e áreas ou que
têm atribuições relativas a um ou mais direitos
da criança. de educação, de saúde, de assistên-
cia social, de cultura, dos direitos da criança e
do adolescente etc.

• A experiência da Rede de Monitoramento Ami-


ga da Criança, com estrutura descentralizada,
deve ser levada em consideração nessa função
de acompanhamento e controle do PNPI. E

avaliação
exercer um papel destacado nele. Ela poderia
receber reforço de outras organizações dedi-
cadas mais especificamente à primeira infância
e, assim, constituir um setor da Rede especifi-
camente para o Plano Nacional pela Primeira
­Infância.

136
avaliação
VIII avaliação tem duas funções:

a) uma função prática imediata: fornecer dados


avaliação

para a correção, ajustes e tomada de decisões


ao longo do processo. Ela colhe dados de pro-
cesso em vista dos objetivos e metas finais. Para
essa função, ela funciona articuladamente com
o Acompanhamento e Controle.

b) uma função de envergadura maior: fazer cres-


cer o conhecimento sobre políticas e ações
para a primeira infância (que estratégias fun-
cionam, mecanismos operacionais eficientes e
eficazes, articulação de políticas, integração de
ações de diferentes setores, formas de colocar
a criança como sujeito das ações, participação
dos diferentes atores, entre eles as famílias e as
crianças etc.). Ao final deste Plano, em 2022, o
Brasil deverá ter um cabedal de conhecimentos
construído por todos os participantes do Plano
que servem de referência para a elaboração de
um novo Plano.

A primeira função é cumprida pela avaliação inter-


na, da qual participarão todos os atores do Plano,
em qualquer de seus níveis ou âmbitos (gestores,
dirigentes de órgãos técnicos, profissionais envol-
vidos nas ações, crianças, famílias, organizações
com algum papel nas ações previstas no Plano…).
Todos serão ouvidos. Mecanismos e instrumentos
simples e práticos deverão ser empregados para
esses diferentes atores revelarem suas percepções,
apresentarem suas sugestões, contribuírem para
formar um juízo de valor sobre os processos e o al-
cança dos resultados.

A segunda função é realizada pela avaliação exter-


na. Recomenda-se a contratação de uma institui-
ção de pesquisa com larga experiência em avalia-

autores
ção de programas sociais, necessariamente com
experiência com a primeira infância. Organismos
Internacionais, como UNESCO, UNICEF, OPAS po-
dem ser convidados para essa avaliação.

138
autores
Organizações
Coordenador de elaboração • Vital Didonet
Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI
Autores • Participaram da construção desse Plano Nacional pela Primeira Infância, em equipe, Aliança pela Infância
individual­mente, em audiências e debates públicos, em reuniões de trabalho, por meio da internet os Associação Brasileira de Educação e Cultura – ABEC

IX
seguintes profissionais e organizações: Associação Comunitária Monte Azul
Associação Espírita de Voluntários de Itu Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti – AEVI
Profissionais Associação Espírita Lar Transitório de Christie – AELTC
Adelaide Jóia Gustavo Amora Marilda Duarte Associação Nacional das Unidades Universitárias Federais de Educação Infantil – ANUUFEI
Adriana Friedmann Halim Girade Marilena Flores Martins Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê – ABEBÊ
Alessandra Françoia Helga Cristina Hedler Marina de Oliveira Naves Ato Cidadão
autores

Alessandra Schneider Inês Prata Girão Maura Luciane Avante Educação e Mobilização Social
Alfredo Souza Dorea Iole Cunha Matilde Ferreira Carvalho Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e Juventude
Alice Duarte de Bittencourt Iradj Eghrari Monica Mumme Centro de Criação de Imagem Popular – CECIP
Amélia Bampi Irene Rizzini Nayana Brettas Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT
Ana Lúcia Ferraz Amstalden Isadora Garcia Neilza A. Buarque Costa Centro de Pesquisa em Psicanálise e Linguagem – CPPL
Ana Luiza Ivan de Oliveira Mello Nelson Diniz de Oliveira Centro de Referência da Cultura Negra – Belo Horizonte
Ana Mattos de Brito Almeida Ivone Alves de Oliveira Neilza Costa Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância – CIESPI
Ana Néca Jane Santos Ordália Almeida CNBB – Pastoral da Criança
Ana Paula Lazzaretti de Souza Janete Aparecida Giorgetti Valente Patrícia Andrade Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS
Ana Rosa Beal João Augusto Figueiró Patrícia Santana Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
Andrei Bastos Josefa Nunes Pinheiro Paula Saad Criança Segura Brasil
Ângela Maria Rabelo Barreto Juliana Marques Petrocelli Paula Tubeli EDEN – Instituto de Apoio ao Desenvolvimento Humano
Angélica Goulart Laís Fontenelle Pereira Polyanna Santiago Magalhães Escola de Gente
Anna Flora Werneck Lara Elena Ramos Simielli Priscila Fernandes Magrin Federação das Escolas Waldorf no Brasil – FEWB
Antonia Fernanda Jalles Laurista Correa Filho Rachel Niskier Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – FNDCA
Antônio Márcio Lisboa Leilá Leonardos Raulê de Almeida Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Congresso Nacional
Antônio Pedro Soares Leila Maria de Almeida Regina Orth de Aragão Fundação ABRINQ pelos Direitos da Criança e do Adolescente
Arlete P. de Souza Leny Trad Renata Rocha Fundação Carlos Chagas
Carolina Costa Rezende Lídia Cristina Silva Barbosa Renata Sanches Fundação Nacional do Índio – FUNAI/MS
Cisele Ortiz Liése Gomes Serpa Renate Keller Ignácio Fundação ORSA
Claudia Mascarenhas Fernandes Ligia Cabral Barbosa Renildo Barbosa Fundação Xuxa Meneghel
Cláudia Regina Filatro Lilian Vasconcelos Rita Coelho Fundo Cristão para Crianças
Claudinéia Aparecida Morais do Amaral Luciana O’Reilly Rodrigo Schoeller de Moraes Instituição Beneficente Conceição Macedo – UBCM
Creusa Rosa Miguel Lucimar Dias Reis Rosângela Gonçalves de Carvalho Instituto Alana (Projeto Criança e Consumo)
Cristina Albuquerque Lucimar Rosa Dias Sandra Assis Brasil Instituto Amigos de Lucas
Cristina d’Ávila Reis Luiz Gomes Filho Sílvia Daffre Instituto Avisa-lá
Danielle de Oliveira Luiza Batista de Sá Leitão Sílvia Esteves Instituto Berço da Cidadania
Dirce Barroso França Luzia Torres Gerosa Laffite Sílvia Koller Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
Edda Araújo Márcia Barr Soeli Terezinha Pereira Instituto C&A
Edna Maria Alves Fernandes Marcia Mamede Stela Maris Lagos Instituto da Infância – IFAN
Edna Rodrigues Arthuso Marcio Sanches Tamara Amoroso Gonçalves Instituto EcoFuturo
Eleonora Ramos Marco A. G. Figueiredo Tânia Ramos Fortuna Instituto Noos
Elizabet Ristow Nascimento Margarida Nicoletti Valéria Aguiar Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social – IDIS
Elizabeth Tunes Maria Cristina Correa Lopes Hoffmann Valéria Brahim Instituto Viva a Infância
Ely Harasawa Maria de Lourdes Magalhães Vania Izzo Instituto WCF – Brasil
Fernanda Ferreira Maria do Carmo Bezerra Alves Martins Vera Melis Paolillo Instituto Zero a Seis – Primeira Infância e Cultura de Paz
Fernanda Jalles Maria Luzinete Moreira Vilmar Klemann IPA Brasil – Associação Brasileira pelo Direito de Brincar
Francisca Maria Oliveira Andrade Maria Malta Campos Vital Didonet MATERNE – Assessoria e Consultoria para a Primeira Infância
Fúlvia Rosemberg Maria Thereza Marcílio Vivian Furh Ministério da Educação – MEC
Gabriela Azevedo de Aguiar Mariana Balen Viviane Aparecida da Silva SEB-COEDI Secretaria de Educação Básica – Coordenação de Educação Infantil
Giovana Barbosa de Souza Mariana Nunes Ferro Gomes Zuleica Albuquerque SECAD/Educação Indígena
Glória Maria Marianna Olinger SEESP/Secretaria de Educação Especial

140 141
Ministério da Saúde – MS
SAS/DAPE, Coordenação Nacional de Saúde Mental, Saúde da Criança, Aleitamento Materno
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS/SNAS
DBA, DPSE e DPSB
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB
Movimento Luta Pró-Creche, de Belo Horizonte
ODH Projeto Legal; ONG Pró-Crianças e Jovens Diabéticos

IX
Ordem dos Advogados do Brasil, Seção RJ – OAB/RJ – Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária
Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar – OMEP Brasil
Organização Panamericana de Saúde – OPS
Pantákulo – Assessoria, Consultoria e Projetos Ltda.
Plan Internacional do Brasil
Prefeitura de Porto Alegre-RS
autores

Prefeitura Municipal de Campinas


Primeira Infância Melhor – PIM
PUC – RJ
Secretaria Estadual de Saúde do RS
Projeto Proteger Secretaria Executiva durante a elaboração do PNPI
Promotoria da Infância e Juventude da cidade de Rio Grande/RS
Promundo
Pulsar – Associação para a Democratização da Comunicação
Rede ANDI Brasil
Rede de Educação Infantil Comunitária do Rio de Janeiro
Rede Marista de Solidariedade
Rede Social Limeira
Save the Children Reino Unido – Recife
Secretaria da Saúde do Estado do Ceará
Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, da Presidência da República
Secretarias Municipais de Educação, de Saúde, de Assistência de Porto Alegre-RS
SENAC Limeira
Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP
Solidariedade França Brasil – SFB
UNESCO – Escritório de Representação no Brasil
União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME
União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação – UNCME
UNICEF – Escritório de Representação no Brasil
Universidade de Brasília – UnB
Curso de Psicologia
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
Faculdade de Educação – UFMS/FA
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Faculdade de Educação, Núcleo de Educação da Infância– NEI/CAp/UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação e Programa Quemquerbrincar e Instituto de Psicologia
Centro de Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua (CEP-RUA/UFRGS)
Universidade Federal Fluminense
Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa, Extensão e Estudo da Criança de 0 a 6 anos – NUMPEC/UFF
Valor Cultural
Visão Mundial

Projeto Gráfico e Ilustrações • Dashiell Velasque


Apoio técnico • Vilma Santana

142
ABEBÊ Associação Brasileira de Brasil Europa Consultas Conselho Nacional dos Fundação Abrinq pelos IBGE – Instituto Brasileiro de Instituto EcoFuturo IPA Brasil
Associação Brasileira de Brinquedotecas Direitos da Criança e do Direitos da Criança e do Geografia e Estatística Associação Brasileira Pelo
Estudos sobre o Bebê Adolescente – CONANDA Adolescente Direito de Brincar

Ágere Associação Comunitária Campanha Nacional Pelo CPPL – Centro de Pesquisa FUNAI – Fundação Nacional IDIS – Instituto para o Instituto Entreatos de ISPCV – Instituto São Paulo
Cooperação em Advocacy Monte Azul Direito à Educação em Psicanálise e Linguagem do Índio Desenvolvimento do Promoção Humana Contra a Violência
Investimento Social

Aliança pela Infância Associação Sophia de CECIP – Centro de Criação Criança Segura Fundação Orsa Inclusive – inclusão e IFAN – Instituto da Infância Mãe Coruja Pernambucana
Educação Antroposófica de Imagem Popular cidadania

Assistência e Promoção ANUUFEI CIESPI – Centro Escola de Crianças Surdas/ Fundação Xuxa Meneghel Instituto Berço da Cidadania Instituto Roerich da Paz e MATERNE
Social Exército de Salvação Associação Nacional das Internacional de Estudos e Fundação de Rotarianos de Cultura do Brasil Assessoria e Consultoria para
Unidades Universitárias Pesquisas sobre a Infância de São Paulo a Primeira Infância
Federais de Educação Infantil
Ministério
do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome

Associação ATEAL – Associação CNBB – Pastoral da Criança FASA – Comunidade Família Grupo Itápolis Ação e Instituto Brasil Leitor Instituto para Vivências MDS – Ministério do
Centro Cultural Viva Terapêutica de Estimulação e Saúde Reintegração Social / Humanas para um Mundo Desenvolvimento Social e
Auditiva e Linguagem Projeto Anchieta Melhor Combate à Fome

Ministério
da Educação

Associação Espírita Lar Ato Cidadão Coordenadoria de Infância FEWB – Federação das Instituto ALANA Instituto C&A Instituto Viva Infância MEC – Ministério da
Transitório De Christie e Juventude do Tribunal de Escolas Waldorf no Brasil Educação
AELTC Justiça de São Paulo

Associação Brasileira Avante – Educação e Comissão Municipal de Frente Parlamentar de Defesa IBCM – Instituto Beneficente Instituto da Criança Instituto Zero a Seis – MIEIB – Movimento
Terra dos Homens Mobilização Social Atuação Comunitária de da Criança e do Adolescente Conceição Macedo Primeira Infância e Cultura Interfóruns de Educação
Petrópolis – COMAC de Paz Infantil do Brasil
Ministério
da Saúde

MS – Ministério da Saúde Portal Cultura Infância Rede ANDI Brasil UNDIME – União Nacional
dos Dirigentes Municipais de
Educação

OMEP – Organização Prodiabéticos Save the Children UNESCO – Organização


Mundial para a Educação Reino Unido das Nações Unidas para a
Pré-Escolar/Brasil Educação, a Ciência e a Cultura

OPAS – Organização Programa Equilíbrio SFB UNICEF – Fundo das Nações


Pan-Americana da Saúde/ Solidariedade França Brasil Unidas para a Infância
Brasil

Organização Social Crianças Promundo UFF/Universidade Federal Fluminense United Way Brasil
da Bahia – CBA (NUMPEC/Núcleo Multidisciplinar de
Pesquisa, Extensão e Estudo da Criança
de 0 a 6 anos)

Pantákulo – Assessoria, Pulsar – Associação para UFRGS/Universidade Federal Valor Cultural


Consultoria e Projetos Ltda a Democratização da do Rio Grande do Sul
Comunicação

PIM – Programa Primeira Rede de Educação Infantil UFRN/Universidade Federal Visão Mundial
Infância Melhor/Secretaria Comunitária do Rio de do Rio Grande do Norte
Estadual de Saúde do Rio Janeiro
Grande do Sul

Plan International do Brasil Rede Marista de UNCME – União Nacional


Solidariedade dos Conselhos Municipais de
Educação
Ca
rlo
sH
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