(home)
■ INTRODUÇÃO
As psicoterapias cognitivas cresceram sobremodo, principalmente na última década. Grandes avanços advieram a partir de estudos
científicos no formato de ensaios clínicos randomizados, os quais trouxeram resultados de eficácia e indicação, muitas vezes, de primeira
escolha no tratamento de diversos transtornos mentais.1
As fronteiras ampliaram-se para muito além do modelo original, tendo o modelo racionalista de Beck como um dos principais pontos de
partida.2 As provas disso são:
■ os trabalhos de Lineham, que propõem um protocolo para o tratamento de um dos transtornos até então considerados praticamente
inflexíveis a intervenções terapêuticas – o transtorno Borderline de personalidade;3
■ o trabalho de Young (2013), denominado terapia de esquemas, para o tratamento de transtornos da personalidade;4
■ a vertente brasileira de vanguarda na terapia cognitiva, a denominada terapia cognitiva processual (TCP), desenvolvida por Oliveira.5
Para se ter ideia da importância da TCP, ela foi citada como capaz de responder a critérios empíricos em duas páginas, em um dos manuais
de psicofarmacologia mais conhecido e estudado no mundo, o Stahl’s Essential Psychopharmacology.6
Quando nos referimos à psicoterapia cognitiva de crianças, nosso cenário não goza da mesma diversidade, já que o interesse por tal tipo de
terapia foi um pouco desconsiderado. Isso ocorreu porque, incialmente, acreditava-se que, para haver uma psicoterapia por meio de
processos racionais, ditos processos cognitivos, seria necessário um desenvolvimento neuropsicológico pleno, ou seja, total integração entre
as funções executivas. Para isso, seria preciso ter tempo para o desenvolvimento, e o paciente apto à psicoterapia cognitiva estaria
preparado para tal intervenção somente em torno do início da adultez. Nesse contexto, a infância ficou mais aos cuidados dos terapeutas
comportamentais.7
Apesar de muitos terapeutas acreditarem não ser possível aplicar terapia cognitiva na infância, a prática clínica dos autores deste artigo se
baseia na ideia de ser possível identificar um funcionamento esquemático claro em uma criança, a partir de seus 3 ou 4 anos de vida,
observando todos os elementos básicos com os quais trabalha um terapeuta cognitivo.7
Exemplo de um esquema infantil de medo:
■ emoção: medo;
■ pensamento automático: “o lobo mau pode me pegar”;
■ comportamento: não fica sozinho no quarto para dormir;
■ alterações fisiológicas: sudorese e taquicardia.
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a te ações s o óg cas sudo ese e taqu ca d a
Muitos trabalhos são destacados e responsáveis pela organização dos modelos cognitivos infantis como hoje são praticados, embora
ainda não tenham a mesma representatividade dos protocolos cognitivos para adultos. Assim, são vistos como os principais autores e
pioneiros na área: Friedberg e McClure, Stallard, Jaycox, Reivich, Grilham e Seligman, Barrett, Dadds e Rapee, Barrett, Cohen,
Deblinger, Mannarino e Steer, Pelham, Wheeler e Chronis, Russell, Szmukler, Dare e Eisler, além de, fundamentalmente, o trabalho de
Kendall.8-16
A importância de Kendall deve-se ao fato de ele ter organizado o primeiro protocolo infantil de uso em larga escala para o tratamento
de transtornos de ansiedade, o chamado Copping Cat.
■ OBJETIVOS
Ao final do artigo, o leitor poderá:
■ compreender a terapia de reciclagem infantil (TRI) como uma modalidade protocolar de intervenção clínica com crianças;
■ revisar os fundamentos teóricos da TRI;
■ identificar os instrumentos utilizados na intervenção;
■ reconhecer e explicar a estrutura das sessões TRI no modelo de pesquisa clínico.
■ ESQUEMA CONCEITUAL
A prática com crianças requer habilidades específicas dos terapeutas, dentre elas, a capacidade de promover a inserção da
ludicidade no setting, sem que o lúdico contamine o processo terapêutico como um todo. Ou seja, a criança poderá e deverá brincar
na terapia, mas ela não vai à terapia para brincar.
Diante das necessidades apresentadas e da larga experiência em clínica escola e prática privada com crianças, Caminha e Caminha
desenvolveram um instrumento de acesso à criança nos processos de psicoterapia, denominado baralho das emoções (BE).18 Tal
instrumento segue a premissa básica dos modelos de psicoterapias infantis ao privilegiar, como ponto de partida, as emoções em vez dos
pensamentos.
Os autores do BE preocuparam-se em desenvolver um instrumento que ajudasse a fluir a narrativa infantil com foco nas suas emoções.
Mais tarde, tal instrumento permitiu a identificação do fluxo emocional das crianças, o que possibilita um processo psicoeducativo emocional
com ênfase na regulação emocional.
Com o uso do BE – atualmente em sua quarta edição –, é possível o estabelecimento das metas para o trabalho com a criança e
com os pais, além de um amplo processo psicoeducativo de aceitação e validação das emoções infantis.19 Por meio desse
instrumento, os autores organizaram uma estrutura protocolar para o primeiro e importante passo na terapia com crianças: o trabalho
com as emoções.
Para facilitar a compreensão e a assimilação dos conceitos trabalhados em terapia, é importante o uso de uma linguagem capaz de gerar, na
criança representações mentais específicas do que está sendo trabalhado Assim nada melhor do que o uso de metáforas para a
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criança, representações mentais específicas do que está sendo trabalhado. Assim, nada melhor do que o uso de metáforas para a
transposição didática do que ela precisa, de fato, entender e manter representado em sua mente.
A metáfora central do BE é a seguinte: as emoções são como ondas; elas nos sacodem, mas passam; passado o efeito das ondas,
conseguimos voltar ao nosso estado normal. Não somos, portanto, o que sentimos. Emoções são efeitos transitórios que não
necessariamente nos representam ou nos dão identidade.19
Após estabelecimento das bases protocolares do baralho das emoções, Caminha e Caminha incluíram a reestruturação cognitiva em um
instrumento que permitiu uma estrutura protocolar sequenciada ao baralho das emoções, o qual foi denominado de baralho dos
pensamentos (BP).20
Os fundamentos básicos do BP 20 são os da TCP, formulada por Oliveira,5 de Padesky21 e da terapia de aceitação e compromisso
(ACT).22
■ na primeira, utilizando-se de elementos da linguística e da gramática, trabalha-se com conectores linguísticos ou conjunções adversativas
para ensinar à criança a capacidade de reciclar pensamentos, assim como se recicla o lixo;
■ na segunda, a criança é psicoeducada sobre a importância das emoções agradáveis e seus respectivos pensamentos e comportamentos.
A influência da ACT aparece no processo de aceitação das emoções – vendo-as como uma onda que vem e vai –, assim como no
estímulo à desfusão do pensamento – gerando, na criança, a ideia de que os pensamentos não são verdades absolutas sobre ela.
Mais adiante, no baralho dos comportamentos (BC),23 a ACT volta a ter grande participação.
Cohen e Manarino propõem uma excelente maneira de denominarmos os pensamentos em terapia com crianças: os pensamentos que
ajudam e os pensamentos que não ajudam.24 Kendall sugere que os representemos também como verdes (os que ajudam) e vermelhos
(os que não ajudam).16 Barret e colaboradores também fazem uso dessa metáfora das cores de pensamentos no programa preventivo
Friends.11 Essas características no trabalho com o pensamento foram assumidas e associadas no BP.20
A metáfora central do BP é: pensamentos que não ajudam – os vermelhos – contaminam a nossa forma de pensar e ver o mundo, assim
como o lixo contamina as cidades e a natureza; somos capazes de reciclar o lixo e transformar algo que não ajuda em algo que ajuda; da
mesma forma somos capazes de reciclar os pensamentos.
O BP apresenta uma estrutura protocolar que utiliza as palavrinhas que reciclam.20 A maneira de reciclar também será praticada fora do
setting terapêutico, por meio de exercícios com a máquina da reciclagem e o cartão de enfrentamento, denominado Cartão S.O.S, no
qual se tem outra metáfora: S.O.S. é pedido de ajuda. Quando a criança estiver sozinha e invadida por pensamentos que não ajudam – os
pensamentos vermelhos – ela poderá recorrer ao seu cartão S.O.S., que forma também um acrônimo:
Completando o paradigma cognitivo composto por emoções, cognições, comportamento e alterações fisiológicas, surge o BC.23
No BC, a metáfora central é denominada efeito bumerangue: nossos comportamentos são emitidos como se jogássemos um
bumerangue, ou seja, o tipo de comportamento que lançamos é o que volta para nós. Se uma criança, por exemplo, que lança
comportamentos agressivos, o que voltará para ela? Hostilidade, agressividade, medo das pessoas que com ela convivem, enfim, nada
de construtivo ou favorável.
No BC, trabalha-se igualmente a mudança dos comportamentos que não ajudam, os comportamentos vermelhos, por meio do incremento
dos comportamentos que ajudam, os comportamentos verdes.23 As estratégias de mudanças são trabalhadas a partir de algoritmos de
comportamentos descritos na técnica de resolução de problemas de D’Zurilla e Nezu.25
Outro elemento importante que compõe o BC refere-se às técnicas capazes de proporcionar a regulação de manifestações
fisiológicas que aparecem em cada situação psicopatológica específica. O BC propõe técnicas para o controle da respiração
diafragmática, técnicas de relaxamento muscular progressivo, além de estratégias de regulação emocional por meio de experiências
meditativas e de Mindfulness no item denominado “acalmando a minha mente”.23
Com o terceiro instrumento (BC), completa-se o modelo cognitivo plenamente e, a partir de então, os autores organizaram uma estrutura
protocolar para intervenções clínicas com crianças de 7 a 12 anos de idade em duas modalidades: uma mais curta, com 12 sessões, com
objetivo de validação da efetividade do modelo em pesquisa, e uma segunda mais extensa, de 20 sessões, trabalhada pelos autores nos
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workshops de treinamento da TRI.
A TRI, primeiramente desenvolvida para intervenção clínica em crianças com quadros ansiosos e depressivos, atualmente passa por
um processo de alterações protocolares para que tenha uma finalidade também preventiva, trabalhada em grupos clínicos e/ou
escolares.
O modelo preventivo não objetiva atender crianças clinicamente, e sim trabalhar visando ao aumento de estratégias de copping,
promovidos a partir do aumento da empatia, da regulação das emoções, das cognições e dos comportamentos.
■ ESTRUTURA DO PROTOCOLO DA
TERAPIA DE RECICLAGEM INFANTIL
A TRI possui uma estrutura protocolar que forma dois acrônimos: o primeiro, identificando a proposta em si; o segundo, nomeando as etapas
do protocolo. Sendo assim, o primeiro acrônimo significa: “TRI – Terapia de Reciclagem Infantil”. Sendo o protocolo dividido em três fases:
Representando as três fases, a TRI busca integrar os componentes básicos da terapia cognitivo-comportamental (TCC) por meio dos três
principais instrumentos:
Como intervenção primária, a TRI busca desenvolver habilidades na infância que incluem:
■ educação emocional;
■ desenvolvimento de empatia;
■ expressão assertiva das emoções;
■ entendimento sobre fatores cognitivos e a nossa capacidade de alterar pensamentos;
■ resolução de problemas;
■ habilidades sociais necessárias no convívio com o grupo e familiares;
■ compreensão sobre fatores que influenciam o bem-estar;
■ exercícios que visam ao relaxamento do corpo e da mente.
Em um trabalho preventivo pioneiro, utilizando apenas as sessões R – recicle seus pensamentos, em cinco encontros grupais com 52
adolescentes de 11 a 17 anos de idade, divididos em dois grupos, Kreitchmann e colaboradores aplicaram as versões brasileiras da Escala
Spence de Ansiedade Infantil (SCAS, do inglês Spence Children Anxiety Scale) e do questionário de capacidades e dificuldades (SDQ, do
inglês Strenghts and Difficulties Questionaires), além das avaliações do grau de crença nos pensamentos disfuncionais no grupo
experimental, próprias do BP.26
Os resultados do estudo citado apontam melhora nos sintomas de ansiedade no seguimento à pesquisa, bem como diferenças entre grupos
nas subescalas dos instrumentos utilizados. A partir desse estudo, o foco atual é testar o modelo completo da TRI em crianças entre 8 e 12
anos de idade. Tal estudo está em fase de projeto e em breve será realizado.
A) os paradigmas das psicoterapias cognitivas nunca são os mesmos para adultos ou para crianças.
B) os terapeutas precisam ter a capacidade de promover a inserção da ludicidade no processo terapêutico, uma vez que a
criança poderá ir à terapia para brincar.
C) no BE, a criança reconstrói os sentimentos e os comportamentos vivenciados por ela e por seus cuidadores.
D) o BE permite a identificação do fluxo emocional das crianças, o que possibilita um processo psicoeducativo emocional com
ênfase na regulação emocional.
Resposta no final do artigo
A) na primeira parte do trabalho com esse instrumento, adotam-se conectores linguísticos ou conjunções adversativas para
ensinar à criança a capacidade de reciclar pensamentos, assim como se recicla o lixo.
B) na segunda parte do trabalho com esse instrumento, a criança é psicoeducada sobre a importância das emoções
desagradáveis e seus respectivos pensamentos e comportamentos.
C) a influência da ACT aparece no processo de aceitação das emoções, assim como no estímulo à desfusão do pensamento, o
que gera, na criança, a ideia de que os pensamentos não são verdades absolutas sobre ela.
D) Cohen e Manarino propõe uma maneira de denominar os pensamentos em terapia com crianças: os pensamentos que ajudam
e os pensamentos que não ajudam.
Resposta no final do artigo
6. Kendall sugere que os pensamentos que ajudam e os pensamentos que não ajudam sejam representados, respectivamente, pelas
cores
A) branca e preta.
B) cinza e preta.
C) verde e vermelha.
D) amarela e vermelha.
Resposta no final do artigo
7. Explique em que momento a criança pode utilizar o acrônimo S.O.S. e o que ele significa.
A intervenção inicia-se a partir das seis cartas de meninos ou meninas das emoções primárias (alegria, amor, medo, tristeza, raiva e
nojo), divididas como emoções agradáveis de sentir e desagradáveis de sentir. Essa nomenclatura visa a romper com termos como
positivas e negativas, já que o objetivo da primeira etapa do protocolo é também validar as emoções.
Para ilustrar esse momento, a seguir, apresenta-se um diálogo que ocorreu com Eduardo (nome fictício), um menino de 9 anos de idade que
tinha medo de tempestade, a ponto de se apavorar quando tinha que sair ou quando seus pais saíam, independentemente do tempo:
– Olá, Eduardo. Como nós já conversamos, quero te mostrar umas cartas para ver, a partir delas, como posso te ajudar, ok?
– Ok.
– Mas antes de apresentá-las, você sabe o que são emoções?
– É aquilo que a gente sente, tipo tristeza.
– Muito bem. Emoção é aquilo que sentimos quando acontece algo. Geralmente, sentimos no corpo; algo muda na gente. Quero, então, lhe
mostrar algumas cartinhas que indicam algumas emoções (o terapeuta apresenta as cartas com as emoções básicas dos meninos). Tu
poderias me contar uma situação em que tu te sentiste com cada uma dessas emoções?
Eduardo conta, então, situações em que se sentiu com cada uma das emoções, e o terapeuta valida cada uma delas, além de aproveitar as
situações contadas pela criança para montar o diagrama de conceitualização e psicoeducá-la para a próxima etapa da terapia.
Muitas crianças, assim como pais e mesmo educadores, tendem a nomear emoções como a raiva, por exemplo, como algo “feio” ou
“ruim”. Isso eleva o risco de que a criança se identifique como ruim ou má pelo fato de sentir raiva. Ao entender que todos nascem
com a capacidade de sentir essas emoções, e que todos sentem em uma frequência e intensidade diferentes uns dos outros,
aprende-se que é comum – e mesmo saudável – sentir tudo isso.
Na etapa referida, as crianças são educadas sobre as emoções básicas e depois sobre as outras 14 emoções denominadas secundárias.
Também são convidadas a fazer relação entre as principais situações desencadeadoras dessas emoções, os comportamentos que se
seguem e os pensamentos que as acompanham, construindo um registro de pensamento nomeado, na TRI, como plaquinhas.
O termo “plaquinhas” é adotado para aproximar a linguagem de um registro de pensamento disfuncional da fase de desenvolvimento
em que as crianças se encontram
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Além dessas seis emoções básicas apresentadas e trabalhadas no início da intervenção, em um segundo momento as crianças são
apresentadas às outras 14 cartas, denominadas secundárias, e aprendem a fazer a relação entre as mesmas.
Os objetivos do BE são:
Nas sessões T, a ênfase ao desenvolvimento da empatia se dá por meio de exercícios que ajudam a criança a colocar-se no lugar do
outro e imaginar como o outro se sente em determinadas situações. A importância desse trabalho com crianças justifica-se pelo fato
de que, quanto mais cedo uma pessoa reconhece a dor do outro, mais empática e mais cuidadosa com suas relações ela será.
Em uma das consultas com Eduardo, foi trabalhada a relação dele com sua irmã, que envolve algumas discussões:
– Então, Eduardo, com base nessas emoções aqui (com o BE exposto na mesa), como tu entendes que tua irmã se sente quando tu chamas
ela de chata e brigas com ela?
– Triste.
– Ok. E como tu te sentes quando tu ficas triste?
– Fico muito ruim. Me sinto mal.
– Tu percebes que tua irmã fica, também, assim quando fica triste?
– Percebo. Não é legal fazer isso com ela.
As teorias de Jean Piaget embasam a ideia dos autores no desenvolvimento da empatia. Em sua obra, Piaget fundamenta que os estágios
do desenvolvimento infantil estão divididos entre sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. O autor cita que é
na fase pré-operatória, entre os 7 e 11 anos de idade, que a criança consegue evoluir do egocentrismo para uma visão mais ampla do
outro.28
Piaget foi bastante criticado pelo uso do termo “egocentrismo”, mas o que queria dizer era que, anteriormente a isso, a criança teria
pouca ou nenhuma habilidade para ver o mundo a partir do olhar do outro. Não significaria a criança estar totalmente centrada em si
mesma, mas sim perceber o ponto de vista do outro a partir do seu próprio.29
Fortalece-se a ideia de que o estágio pré-operatório é a melhor etapa para o início dos exercícios relacionados ao desenvolvimento da
empatia. Seria o momento propício para que a criança, já na condição de se colocar no lugar do outro, pudesse ser encorajada e fortalecida
nessa função. Tal habilidade teria uma forte influência no convívio social, o que incrementa habilidades sociais e de cuidado com os outros e
diminui problemas como agressão e bullying.
O desenvolvimento da empatia, bem como a regulação emocional, tem forte conexão com o desenvolvimento da resiliência, outro
importante fator reconhecido no programa.
Para Reinecke e colaboradores, uma série de fatores, como aquisição de habilidades afetivas, cognitivas, sociais e vocacionais
influenciam no desenvolvimento emocional e no comportamental infantil.30 Diante disso, o programa TRI privilegia, nessa primeira
etapa, exercícios e jogos que buscam auxiliar as crianças, assim como seus pais, no seu desenvolvimento e no fortalecimento
emocional.
A seguir, apresenta-se a divisão da etapa T no programa clínico protocolar, no qual as sessões acontecem individualmente e têm duração de
uma hora (Quadro 1).18
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uma hora (Quadro 1).
Quadro 1
Crianças entre 6 e 8 anos de idade apresentam grandes avanços em suas funções executivas, o que aumenta sua capacidade
neuropsicológica e possibilita gradativamente a introdução de intervenções cognitivas.
Retomando Piaget, é entre os 6 e 8 anos de idade que as crianças deixam o estágio pré-operatório, do pensamento egocêntrico e concreto,
e iniciam o estágio operatório concreto.28 Isso significa que é nesse período que a criança desenvolve uma capacidade de interiorizar ações
e de realizar operações mentalmente. Também cresce a capacidade de a criança estabelecer relações, coordenar pontos de vista diferentes
e integrá-los de modo lógico e coerente.
A entrada da criança no estágio de idade entre 6 e 8 anos assinala um momento decisivo na construção dos instrumentos do
conhecimento. As ações interiorizadas ou conceitualizadas com que o sujeito trabalhava anteriormente adquirem, nesse estágio, a
categoria de operações.28
Para Bunge e colaboradores, crianças na fase dos 7 aos 11 anos de idade estariam capacitadas para o trabalho com certas
intervenções cognitivas simples, com um grau moderado de limitação para o trabalho cognitivo. A partir dos 11 anos de idade,
apresentariam um grau baixo de limitação cognitiva, já que começam a contar com uma capacidade maior de trabalhar categorias
abstratas e classes lógicas.31
Em uma revisão que incluiu 101 estudos de terapia cognitiva com crianças, 79% deles com crianças com menos de 10 anos de idade – as
quais apresentavam queixas que variavam entre ansiedade, enurese, encoprese, abuso sexual e problemas escolares –, experimentos com
terapia cognitiva mostraram-se eficazes, mesmo com crianças de até 7 anos de idade.32
Partindo da concepção acerca da viabilidade de intervenção cognitiva na referida faixa etária, foram organizadas quatro sessões para a
etapa R no protocolo de intervenção clínica. Nessas sessões, além da psicoeducação quanto ao papel dos pensamentos em nossas vidas,
procura-se ensinar à criança a capacidade de identificar e modificar os pensamentos que atrapalham.
Utilizando a técnica denominada “reciclagem”, a criança aprende a utilizar as palavrinhas que permitem transformar os pensamentos
que não ajudam ou que “poluem” em pensamentos que ajudam.
O BP é o principal instrumento de trabalho nessa etapa. As crianças e seus pais são instruídos a utilizar a máquina da reciclagem e o
cartão S.O.S. quando ativam um pensamento que não ajuda.20
Quando se iniciou o processo do BP com o Eduardo, após a identificação da emoção medo e do pensamento que não ajuda “Não consigo
controlar as coisas e isso me dá muito medo” e “Sinto-me ameaçado”, o diálogo foi o seguinte:20
–Não.
– Pois nós podemos. E é isso que quero te mostrar. Vamos reciclar esses pensamentos que tu tens e que não ajudam?
– Vamos!
Ainda com o mesmo instrumento (o baralho), na segunda fase, a criança é estimulada a trabalhar com os pensamentos derivados das
emoções agradáveis de sentir. Nesse segundo momento, em vez da utilização da máquina da reciclagem, aparece o conceito máquina da
difusão, visando a difundir comportamentos derivados de emoções agradáveis e pensamentos que ajudam. Este é o conceito fundamental
na TRI, denominado expressão assertiva das emoções.
Os objetivos do BP são:
■ trabalhar com a reestruturação cognitiva de crianças, mediante o trabalho com crenças intermediárias, partindo das emoções básicas;
■ psicoeducar crianças e seus pais quanto às emoções e aos pensamentos;
■ estimular o comportamento assertivo;
■ ampliar o papel do terapeuta, com vistas a que se torne um promotor de consciência e engajamento social, além de consciência e
engajamento ambiental;
■ integrar os princípios de Mindfulness.
Explicar os passos R.
4 (com
Psicoeducar quanto aos processos cognitivos.
pais)
Ensinar: as palavrinhas que reciclam, máquina da reciclagem, cartões S.O.S. e a máquina da difusão.
Revisar a intensidade dos pensamentos trabalhados na sessão anterior. Máquina da reciclagem para pensamentos persistentes. Criar
6 (com
pensamentos novos com questionamento socrático.
criança)
Tarefas de casa: máquina da reciclagem e S.O.S.
■ A primeira parte é o trabalho com o conceito do “efeito bumerangue”, já explicado anteriormente, e com o conceito do “bem-estar”; é
fundamental que criança entenda que bem-estar é uma emoção que equilibra emoções. Quando a sentimos, não estamos sendo
invadidos nem por uma onda forte de uma emoção agradável nem por uma onda forte de uma emoção desagradável.
■ A segunda parte é a introdução de comportamentos verdes e vermelhos a partir das cenas comportamentais. Nessa etapa busca-se
ensinar, por meio dos cartões das cenas comportamentais, com ilustrações e historinhas, o conceito de cada um dos 10 principais
comportamentos, escolhidos pelos autores como comportamentos que ajudam a desenvolver as habilidades sociais das crianças e
seus respectivos opostos. Por isso, de um lado, apresentam-se os cartões verdes com comportamentos que ajudam e, de outro lado,
os cartões vermelhos com os comportamentos que não ajudam. Além de ensinar às crianças, a proposta é que elas também reflitam
sobre seus próprios comportamentos e a frequência com que eles aparecem em suas vidas. Com a utilização do termômetro duplo, a
criança aponta a intensidade e a frequência de suas atitudes. Depois, ela é convidada a avaliar, dentro de etapas de um bumerangue,
quais seriam as vantagens ou desvantagens de tais comportamentos.
■ A terceira parte é a técnica da resolução de problemas adaptada à infância, que ajuda a criança a criar estratégias para desenvolver,
dentro de um algoritmo, comportamentos que possam ajudá-la diante de seus problemas. Seguindo um passo a passo, ela organiza a
sequência daquilo que deve fazer para seu plano funcionar. O terapeuta também irá ajudar na organização dos papéis nesse passo a
passo, já que, na maioria das vezes, isso envolve outros participantes, como familiares, professores e o próprio terapeuta, utilizando o
banco de reforços e a caixa de ferramentas.
■ A quarta parte é a psicoeducação quanto ao relaxamento do corpo e da mente. Por meio das cartinhas que ensinam a respirar e a
relaxar, a criança é convidada a exercitar posições que irão auxiliá-la nesse relaxamento. De modo lúdico e com base em conceitos da
Mindfulness, a criança facilmente aprende a utilizar o corpo e a guiar a mente de forma que isso a relaxe e a ajude.
■ Por fim, a quinta parte é a apresentação do “ABCDE” (amar, brincar, comer, dormir e estudar), que ensina comportamentos necessários
para a saúde da criança, como elemento de prevenção à recaída e de manutenção dos resultados alcançados.
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Com Eduardo já na etapa final do tratamento, realizou-se o seguinte diálogo para explicar-lhe sobre o efeito bumerangue:
Explicar os passos I.
8 (com pais)
Psicoeducar sobre processos comportamentais: efeito bumerangue, bem-estar, cenas comportamentais.
9 (com criança) Trabalhar cenas comportamentais eleitas pelo terapeuta, conforme problema apresentado pelo paciente.
11 (com criança e
Trabalhar com o Caderno 2 do baralho dos comportamentos.23
pais)
12 (com criança e Revisar todas as etapas trabalhadas. Destacar o banco de reforços, as tarefas de manutenção, assim como as de prevenção à
pais) recaída. Prescrever ABCDE.
10. A intervenção nas sessões T inicia-se a partir das seis cartas, de meninos ou meninas, das emoções primárias, divididas como
emoções agradáveis de sentir e desagradáveis de sentir. Quais são elas?
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20/04/2019 Portal Secad
A) Em suas obras, Piaget fundamenta que os estágios do desenvolvimento infantil estão divididos entre sensório-motor, pré-
operatório, operatório concreto e operatório formal.
B) Piaget diz que é na fase pré-operatória, até os 12 anos de idade, que a criança consegue evoluir do egocentrismo para uma
visão mais ampla do outro.
C) Piaget foi bastante criticado pelo uso do termo “egocentrismo”.
D) O desenvolvimento da empatia, bem como a regulação emocional, tem forte conexão com o desenvolvimento da resiliência.
Resposta no final do artigo
13. A partir de quando se pode fazer trabalhos cognitivos utilizando o baralho dos pensamentos com crianças?
A) Porque a preocupação, durante a consulta, deve ser com a ludicidade, ou seja, muito mais com o brincar e com o
favorecimento da relação terapêutica do que com a aplicação da técnica.
B) Para favorecer a aplicabilidade dos pensamentos disfuncionais na vida da criança.
C) Para favorecer a vinculação terapêutica.
D) Para a manutenção dos resultados obtidos na reciclagem durante a sessão e para favorecer a prática da reciclagem no dia a
dia da criança.
Resposta no final do artigo
A) Validar emoções.
B) Validar pensamentos.
C) Reestruturar comportamentos.
D) Desenvolver atitudes cooperativas no convívio com família e grupo social.
Resposta no final do artigo
16. Com referência aos trabalhos de Mindfulness em crianças, assinale a alternativa correta.
■ CONCLUSÃO
A TRI teve seu início pautada no trabalho com as emoções da criança, visando a um acolhimento da problemática do paciente infantil,
bem como a um aprimoramento de recursos que possibilitassem o acesso à criança por meio do BE.18
Frente aos resultados bastante favoráveis encontrados clinicamente, os autores desenvolveram outras duas ferramentas clínicas, o BP 20 e o
BC,23 os quais vieram integrar o sistema cognitivo-comportamental da terapêutica infantil, formando, assim, o protocolo da TRI.
Atualmente, a TRI pode ser desenvolvida como modelo clínico em aproximadamente 20 sessões e tem um protocolo reduzido nas 12
sessões apresentadas neste artigo, com finalidade de pesquisa.
Logo, o protocolo de Trabalho de Reciclagem Infantil – Preventivo (TRI-P) também estará sendo testado, visando a alcançar crianças
que não apresentem quadros clínicos, em uma modalidade de promoção e prevenção com foco nas crianças e em seus familiares.
Grandes avanços aconteceram na última década, no cenário das TCCs, na área infantil. A maior preocupação dos autores do protocolo da
TRI foi a de delimitar um perímetro terapêutico para que os profissionais executassem ações de cunho terapêutico sem perder a
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TRI foi a de delimitar um perímetro terapêutico para que os profissionais executassem ações de cunho terapêutico sem perder a
ludicidade. Atualmente, o formato do protocolo da TRI é totalmente original, inserido no modelo cognitivo, e tem chamado a atenção, no
último ano, de pesquisadores internacionais. Inclusive, tem se destacado em nosso país e em outros países por meio de treinamentos
ministrados por seus criadores e da inclusão de seus passos em grupos de pesquisas, a partir de projetos de pesquisa em desenvolvimento.
A proposta clínica da TRI vem ao encontro do objetivo de intervir e promover saúde dentro da nossa realidade infantopuberal, a partir de um
protocolo estruturado, que utilize instrumentos e elementos necessários para o acesso desse público, o qual tem apresentado cada vez mais
precocemente quadros clínicos que requerem atenção.
Por meio de ações preventivas e clínicas, fomenta-se resiliência na infância, saúde mental e ferramentas para enfrentamento de estresse
ao longo da vida. É importante lembrar que a infância é um dos momentos mais sensíveis a intervenções bem-sucedidas.
Comentário: Como qualquer protocolo de TCC, o sucesso está vinculado à aplicabilidade do que foi trabalhado na consulta no dia a dia. A
máquina da reciclagem e o S.O.S. são formas de levar a aprendizagem da consulta para outras situações não trabalhadas na consulta.
Atividade 15
Resposta: D
Comentário: Os objetivos do BC são:
Atividade 16
Resposta: D
Comentário: A psicoeducação quanto ao relaxamento do corpo e da mente. Por meio das cartinhas que ensinam a respirar e a relaxar, a
criança é convidada a exercitar posições que irão auxiliá-la nesse relaxamento. De modo lúdico e com base em conceitos da Mindfulness, a
criança facilmente aprende a utilizar o corpo e a guiar a mente de forma que isso a relaxe e a ajude.
■ REFERÊNCIAS
1. Barlow, D. H. (2009). Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo. Porto Alegre: Artmed.
2. Beck A. T. (2005). The current state of cognitive therapy: a 40 year retrospective. Archives of General Psychiatry, 62(9), 953-9.
3. Linehan, M. (2010). Terapia Cognitivo-Comportamental para o transtorno da personalidade Borderline. Porto Alegre: Artmed.
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6 St hl S M (2013) St hl’ ti l h h l i tifi b i d ti l li ti N Y k C b id
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