Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
Resumo: O presente relato apresenta a síntese de um trabalho pedagógico realizado com Música
no Núcleo de Educação Infantil – UFRN, com crianças entre cinco e seis anos de idade.
Apresentamos a possibilidade de desenvolver uma ação significativa com os alunos, dando-lhes
oportunidade de ampliação do repertório musical, reflexão sobre aspectos da música e vivência
da linguagem musical. Para este trabalho de musicalização, elegemos como objetivos
específicos: possibilitar o desenvolvimento das capacidades das crianças de escutar, perceber e
discriminar sons de fontes variadas; favorecer momentos musicais, envolvendo a imitação,
criação e recriação de ritmos e movimentos e a apreciação de diferentes estilos; explorar e
identificar algumas características do som; perceber e expressar sentimentos, sensações e
pensamentos através das improvisações, composições e interpretações. Desenvolvemos um
trabalho sistemático com músicas diversas realizando algumas atividades como: listar músicas
apreciadas pelo grupo, escutar e identificar sons que estão ao nosso redor, escutar diversos
estilos musicais, conhecer instrumentos musicais com visitas de músicos e estudantes de música
em nossa sala, apreciar as músicas, lendo e conversando sobre a letra, discutindo sobre o ritmo,
criando movimentos na hora de irmos dançar e realizando marcações com a voz e instrumentos
de percussão construídos por nós. Depois dessas vivências representamos esses momentos de
forma oral, desenhando e escrevendo; dando um sentido e sistematizando o que foi
experienciado. Ao chegar o fim do ano, constatamos que as crianças haviam ampliado o seu
universo de música, apreciando e vivenciando diferentes atividades, além de terem se apropriado
de alguns conceitos da linguagem musical.
Palavras Chave: Educação Infantil, Musicalização, Movimentos
Em busca da musicalização
O presente relato se constitui em um registro de uma prática pedagógica em Educação
Musical, realizada no Núcleo de Educação Infantil – CAP/UFRN, com crianças de faixa etária
compreendida entre cinco e seis anos de idade. Este trabalho apresenta a possibilidade de
desenvolver uma ação significativa com os alunos, uma vez que oportunizamos a ampliação do
repertório de cada um, a reflexão sobre aspectos da música e a vivência da linguagem musical.
Em nosso cotidiano, consideramos a música uma linguagem artística que, como prática
social e pedagógica, deve ser tratada como componente curricular e parte de um processo
intencional e sistematizado na escola.
Assim como outras áreas de conhecimento, a Arte é um importante componente do
currículo para o desenvolvimento das crianças, uma vez que é um conhecimento constituído por
linguagens que propicia o desenvolvimento do pensamento, sensibilidade, percepção e
imaginação da criança, além de fazer com que ela compreenda questões sociais (PONTES,
2005).
1142
continuamente a partir da sua ação (física ou mental) sobre o meio. Desse modo, Bundchen e
Kebach (2005, p.141) compreendem que “a construção do conhecimento musical está
relacionada à atividade corporal em consonância com as interações mentais e com o ambiente,
sobretudo, num primeiro momento de construção musical, já que a ação motora precede a
compreensão”.
É através dos sons e dos gestos produzidos e expressos pela criança, que ela começa a
se comunicar com o mundo, valendo ressaltar que esta comunicação só é possível a partir da
compreensão do significado desses sons e gestos, os quais são significados e ressignificados por
um outro.
A relação com a música não é tão diferente, embora tenha suas especificidades. Ou seja,
a princípio, se estabelece uma relação a nível intuitivo e espontâneo com a expressão musical, o
que consiste num ponto inicial para o processo da musicalização. Visto ser a música, com o
código de sua construção, uma linguagem artística, estruturada e organizada histórica e
socialmente, ela se caracteriza como “um meio de expressão por objetivar e dar forma a uma
vivência humana, e de comunicação por revelar esta experiência pessoal de modo que possa
alcançar o outro e ser compartilhada” (PENNA, 1990, p.20). No entanto, segundo Penna (1990),
esse compartilhar só é possível a partir de uma compreensão do código que, além de ter sido
socialmente construído, é também apreendido a partir das vivências, do contato cotidiano, da
familiarização e também da escola. E esta decodificação, apreensão e compreensão, dependem
do domínio prévio dos instrumentos de percepção, isto é, dos esquemas de interpretação.
Isto nos leva a refletir sobre o quanto não é verdadeira a crença do dom. A sensibilidade
à música consiste num processo adquirido, construído de forma consciente ou não, onde a
discriminação auditiva, a emotividade, de cada sujeito, são trabalhadas e preparadas de modo a
reagir ao estímulo musical.
Com base no que foi escrito até então, concordamos com Penna (1990), em relação ao
conceito de musicalização, quando diz que:
instrumentos musicais (chocalhos, triângulos, pandeiros, clavas, gaitas, apitos), a fim de que as
crianças identificassem a fonte do som que estavam escutando.
Aqui abrimos um parêntese para dizer que durante as descobertas dos sons produzidos
pelo corpo, as crianças começaram a perceber que para obter um som se necessita de movimento.
Realizamos diversas experiências (do livro “Ciências Divertida: som” de Taylor, B.) com o
objetivo das crianças adquirirem noções sobre o processo de produção do som, ou seja, de como
o movimento do ar, suas vibrações formam ondas sonoras e que, ao chegar estas ondas no
ouvido é possível escutarmos o som.
As experiências realizadas, abriram espaço para explorar um pouco as estruturas e
funcionamento do ouvido. Livros, documentos, fotos, e mais experiências, foram as fontes que
usamos para obter as informações desejadas: as partes do ouvido, sua composição e funções para
a audição, a trajetória das ondas sonoras pelo ouvido até que sejam interpretadas pelo cérebro,
etc.
Este aspecto do estudo serviu de elo para conhecermos um pouco sobre a trajetória de
vida do compositor e pianista Beethoven, o que nos possibilitou levar para a sala de aula algumas
músicas “clássicas” (instrumentais) favorecendo a ampliação do universo musical das crianças.
Buscamos com isto, possibilitar às crianças escutarem este gênero musical, de se apropriarem
dele como um bem simbólico, de modo que pudessem ser capazes de dar significado a este
gênero, decidindo se lhes interessava ou não. Isto é diferente de estarem destinadas, por
condições sociais, a ficar alheias a ele.
A partir das músicas instrumentais as crianças começaram a perceber e a discriminar
com maior segurança os sons dos instrumentos, ora tocados individualmente, ora fazendo parte
de uma orquestra. Identificaram quais instrumentos poderiam estar produzindo determinados
sons (o timbre), assim como a duração (longa ou curta), a altura (grave/agudo) e a variação de
ritmos (rápido e devagar).
As crianças tiveram a oportunidade de conhecer vários instrumentos musicais ao
receberem a visita de estudantes de música em nossa sala e ao irem visitar a Escola de Música da
UFRN, que está localizada ao lado do nosso prédio. Nessas ocasiões, os estudantes de música,
assim como alguns professores, falaram um pouco sobre os instrumentos e tocaram algumas
músicas. A partir deste contato com os instrumentos, a exploração das qualidades do som, sua
classificação segundo a forma em que são produzidos (instrumentos de corda, de sopro, de
percussão, eletrônicos) tiveram lugar com maior participação do grupo. Realizamos diversas
atividades. As crianças imitaram com a voz o que escutaram, classificaram o tipo de som (grave,
agudo, curto, longo, etc.), assim como expressaram suas percepções através do movimento: sons
1146
longos elevavam as mãos; os curtos, representavam com saltos ou batendo as mãos ou os pés
rapidamente.
Em outros momentos, levamos para a sala de aula um teclado e com este instrumento
foi possível realizar com as crianças atividades de audição de sequências de sons, as escalas,
levando-as a perceber o movimento crescente e decrescente dos mesmos. Após alguns momentos
de escuta, realizamos atividades para registrar, num papel, o movimento que os sons tocados
estavam realizando (registraram linhas crescentes e decrescentes). Ampliando esta atividade,
espalhamos pelas paredes da sala os registros e as crianças ao ouvirem uma seqüencia, tinham
que identificar qual registro a representava, se deslocando rapidamente ao seu encontro.
O ritmo esteve presente durante todas as atividades musicais, já que é o elemento
essencial da música. Como disse Jeandot (1998), o ritmo determina o movimento e a palpitação
da música e representa, em última análise, o contraste entre o som e o silêncio. O ritmo está
presente no mundo inorgânico e também na vida. Indica uma espécie de ordenação, ainda que
aleatória, do universo.
As crianças improvisaram acompanhamentos rítmicos para as canções de roda e
Populares Brasileira, ora batendo palmas, pés no chão, ora utilizando instrumentos de percussão
(coco, clavas, maracás – confeccionados por eles), repetiram sequencias rítmicas e depois
criaram as suas.
Durante estas atividades rítmicas enfatizamos o som e o silêncio através dos jogos e
brinquedos musicais, transmitidos oralmente, como a brincadeira de estátua, adoleta, trem de
Pernambuco, entre outros. Como afirma Brito (2003), para que a criança compreenda música se
faz necessário que ela construa o conceito de som e silêncio. O estudo do silêncio é de grande
importância no desenvolvimento da percepção auditiva da criança: “som e silêncio são partes de
uma única coisa, e, nesse sentido, podemos dizer que são opostos complementares” (2003, p.18).
Esse trabalho com a música foi desenvolvido ao longo do ano e durante este período
cantamos e escutamos diversas músicas, como “O Girassol“ (Vinícius de Moraes), Aquarela”
(Toquinho e Vinícius), Trem das Onze (Adoniran Barbosa), A Lua (Renato Rocha), Ciranda do
anel (Bia Bedran), João e Maria (Chico Buarque), O Coco da Lagartixa (Antônio Nóbrega), entre
outras. Foram momentos em que as crianças apreciaram as músicas. Para Brito (2003, p.187) a
apreciação ou escuta sonora “faz parte do processo de formação de seres humanos sensíveis e
reflexivos, capazes de perceber, sentir, relacionar, pensar, comunicar-se”. E Bastião (2004 apud
STIFFT, 2009, p.29) complementa dizendo que a atividade de apreciação musical deve focar o
senso crítico (estético), o analítico (forma, tonalidade, estilo) e também os aspectos de
significação pessoal (pensamentos, sentimentos, vivências). Assim, durante as apreciações
1147
musicais, as criança teceram comentários sobre suas melodias, ritmos e letras, identificando os
instrumentos tocados, assim como expressaram verbalmente o que aquela música significava
para cada um. Esta apreciação também ocorreu com músicas instrumentais, de compositores
como Chopin, Bach, Ravel etc.
A dança também fez parte da nossa rotina durante este projeto, uma vez que é
praticamente impossível separá-la da música. Assim, em algumas aulas tivemos um momento
dedicado à dança, durante o qual contemplamos algumas atividades encontradas em propostas
elaboradas por autores contemporâneos (WEIGEL, 1998; VIEIRA e CAPISTRANO, 2005) que
têm se dedicado a este tema. As crianças, à princípio, se movimentaram seguindo orientações,
como: andar sem bater nos colegas, de acordo com o ritmo da música; mexer somente um braço,
mexer os dois, só as pernas, acrescentando a cabeça, só os ombros, o quadril, enfim mexer o
corpo todo. Em outros momentos elas dançaram livremente, de forma individual ou em duplas,
trios, etc. Nesses momentos de dança, utilizamos alguns materiais como: fitas de papel, bola de
encher, cabo de vassoura, entre outros. As crianças improvisaram movimentos, assim como
conseguiram criar sequências de passos, dando origem a algumas coreografias diferentes das pré-
fabricadas existentes na nossa sociedade.
Durante estas atividades de dança, foi possível também realizarmos momentos de
apreciação musical. Segundo Rodrigues (2009, p.43), “sendo a dança um fenômeno corporal, o
gesto expressivo, liberado de forma espontânea, pode configurar-se em uma maneira diferente de
o aluno entrar em contato com a música, uma nova experiência em apreciação musical.” Assim,
depois das crianças realizarem seus movimentos, ora espontaneamente, ora sob orientações da
professora, lhes foi perguntado sobre o nome que daria a música que havia dançado/escutado, os
instrumentos que conseguiu identificar, o que havia sentido ao escutar e se movimentar etc.
Ressaltamos que, depois de cada atividade vivenciada, realizamos registros expressando
esses momentos ora através da fala, ora desenhando e/ou escrevendo, dando novos sentidos e
sistematizando o que foi experienciado.
Terminamos o ano letivo com uma apresentação musical e contamos com a colaboração
de um pai que na ocasião nos acompanhou no teclado.
Finalizando, constatamos que as crianças ampliaram seu conhecimento de música. No
fim do ano, quando escutávamos músicas, elas pediam para que trouxéssemos a letra porque
queriam ler e aprendê-la, queriam dançar, criar movimentos de acordo com o ritmo, bem como,
brincar da dança da cadeira, estátua, dentre outras atividades que havíamos desenvolvido.
1148
Enfim, cabe dizer nesse momento que, apesar de ter trabalhado com alguns conceitos da
música, a nossa finalidade não consistiu numa educação musical propriamente dita, e sim, em
vivenciar momentos, sentir e apreciar a música.
Considerações Finais
O ensino da música deve fazer parte dos currículos desde a Educação Infantil,
oportunizando uma educação musical para as crianças de 0 a 5 anos;
Para o ensino da música é necessário profissional habilitado, assim como recursos
materiais;
Para os professores sem formação específica de música, as escolas devem oferecer cursos
na área musical para que o trabalho a ser desenvolvido seja de qualidade;
É preciso que nós, como educadores da infância, valorizemos e acreditemos que o ensino
da música pode fazer diferença na vida das crianças, tornando-as mais sensíveis, mais
espontâneas, mais críticas, mais cooperativas; enfim, mais humanas e mais cidadãs.
1149
Referências:
BEYER, Esther. Fazer ou entender música? IN: BYER, Esther (Org.). Idéias em educação
musical. Porto Alegre: Mediação,1999. p. 9-31.
BUNDCHEN, Denise e KEBACH, Patricia. A criação de novos esquemas musicais com base na
relação som-movimento. IN: BEYER, Esther (Org.). O som e a criatividade: reflexões sobre
experiências musicais. Santa Maria: UFSM, 2005. p. 133-152.
RODRIGUES, Márcia Cristina Pires. Apreciação musical através do gesto corporal. IN:
BEYER, Esther e KEBACH, Patrícia(Orgs.). Pedagogia da Música: experiências de apreciação
musical. Portoa Alegre: Mediação, 2009. p.37-50.
STIFFT, Kelly. Apreciação musical: conceito e prática na Educação Infantil. IN: BEYER, Esther
e KEBACH, Patrícia(Orgs.). Pedagogia da Música: experiências de apreciação musical. Porto
Alegre: Mediação, 2009. p.27-36.
VIEIRA, Ana Lúcia e CAPISTRANO, Naire Jane. É tempo de dançar e celebrar. In: MELO,
José Pereira; PONTES, Gilvânia Mauricio; CAPISTRANO, Naire Jane(Org.). O ensino de arte e
educação física na infância. Natal: Paidéia, 2005.
WEIGEL, Ana Maria Gonçalves. Brincando de música: experiências com sons, ritmos, músicas
e movimentos na pré-escola. Porto Alegre, Kuarup, 1998.