conhecemos. No reino selvagem há animais que desenvolvem atividades que servem para a sua proteção, alimentação e reprodução. Alguns utilizam até instrumentos, como galhos e pedras. Mas a atividade laboral humana se diferencia por ir além das questões primárias da existência. Desde os tempos mais remotos, o trabalho faz parte da vida humana. Inicialmente, por meio do trabalho o homem assegurava a sua sobrevivência, utilizando-se para isso da caça, da pesca, da disputa com outros homens e animais, da interação constante com uma natureza desconhecida e por vezes ameaçadora. Diversas coisas aconteceram desde então, permitindo ao homem estabelecer outro tipo de relação com a natureza, com o mundo e com os demais seres vivos. Suas capacidades de criação, inovação e adaptação possibilitaram criar outros vínculos com o trabalho e com seus semelhantes. Hoje, outros aspectos são considerados na relação do indivíduo com o trabalho, relacionados às questões de ordem material, pessoal, organizacional ou social. Podemos definir trabalho como toda atividade realizada pelo homem civilizado que transforma a natureza pela inteligência. Há mediação entre o homem e a natureza: domando-a ao seu desejo, visa a extrair dela sua subsistência. Neste conceito, o homem é um agente de transformação, e o trabalho a sua obra. A subsistência seria o objetivo e o fim da sua intervenção. A grande maioria dos pesquisadores parece ter batido o martelo em relação a origem da palavra trabalho: ela viria de tripalium (ou trepalium), que era, a princípio, um instrumento utilizado na lavoura. Em fins do século VI, este passou a ser também o nome de um instrumento romano de tortura. A palavra é composta por "tri" (três) e "palus" (pau) - o que poderia ser traduzido por "três paus". Argumenta-se que daí surgiu o termo tripaliare (ou trepaliare), que significava acometer alguém ao tripalium. Na origem percebe-se uma ideia de padecimento, de algo indesejado. E esta concepção de sofrimento, de dor, de tortura, perdura até hoje em algumas profissões e em algumas culturas, indicando que o trabalho não é algo ambicionado, bem-vindo ou gratificante. Para completar o quadro, na tradição judaica, o trabalho é imposto como uma forma de o homem expiar o pecado original. Neste sentido, "comerá o pão com o suor do seu rosto" e a mulher dará origem à vida através do "trabalho de parto", o qual vem acompanhado de muitas dores físicas. Com tais argumentos, fica difícil conceber uma visão positiva do trabalho, não é mesmo? Continuamos investigando, e nos deparamos com a definição de Oliveira, (2001, p. 5), que nos diz que "Trabalho é a atividade desenvolvida pelo homem, sob determinadas formas, para produzir a riqueza". Mas ele também nos ensina que esta riqueza não necessariamente é um objetivo primeiro, pois o que determina e valida o trabalho são as condições históricas. Neste sentido, o objetivo primeiro do trabalho é assegurar a sobrevivência. O regime econômico e social no quais as culturas estão inseridas é que estabelece as diretrizes para a produção e distribuição das riquezas, ou ainda para a acumulação de capital. Para as sociedades primitivas, o trabalho consiste em assegurar a própria sobrevivência, através da caça, da pesca, da coleta de alimentos, da busca de abrigo, de vestimenta e da defesa diante de situações perigosas. Quando o homem começa a explorar a terra, a ter domínio sobre os animais que utilizará para corte ou tração, a caçar e a pescar, já vivendo em pequenas tribos, o trabalho passa a exigir a participação de todos, e o seu produto, a ser visto como um bem comum. O trabalho passa então a organizar a vida da tribo, que precisa sistematizar as forças produtivas, utilizar sua energia e tempos livres na criação de novos instrumentos e no planejamento da produção. Note que neste período não havia uma divisão entre o tempo destinado ao trabalho e ao lazer. A necessidade de sobrevivência ditava o ritmo do trabalho. Com a fixação do homem na terra e com a organização da vida tribal, surgem as questões relacionadas à produção, aos excedentes e à distribuição da riqueza produzida. Na antiguidade existe um sistema de castas estabelecido, que dita a organização do trabalho e impede a mobilidade social. Na sociedade grega, a concepção de trabalho está ligada à atividade manual e é considerada indigna do homem livre, o qual se destinava à meditação e à fruição dos prazeres da vida. Data desta época a distinção entre o esforço mental e manual. Desta forma, o trabalho intelectual dos sábios é altamente valorizado e o trabalho manual, dos escravos, desprezado. Na antiguidade clássica imperava a escravidão, onde o trabalhador era propriedade do senhor de escravos, o ócio (ótium) aparece como um termo associado ao não trabalho, ao estar desocupado ou livre de uma obrigação. Neste sentido, estar ocupado significa “negar o ócio” (nec-otium), daí o termo negócio. Os escravos eram utilizados para livrar os cidadãos das tarefas servis, permitindo à elite grega consagrar-se melhor à cidade, aos prazeres do corpo ou à investigação e à contemplação das coisas eternas do espírito. Neste período surgem também as atividades artesanais, realizadas principalmente por mulheres e escravos, para atender a necessidades locais específicas. Na Roma Antiga, existe uma clara divisão entre o patriciado, donos da terra, distribuída pelo Estado segundo a unidade de parentesco, e a plebe, a qual realiza atividade agrária em pequenos lotes de cultivo. Os patrícios, donos de grandes extensões de terra, dedicavam-se mais à pecuária. As atividades artesanais domésticas também ocupam um espaço importante neste cenário. Na antiguidade, aos filósofos e homens livres cabia o exercício intelectual. Na idade média o trabalho tem uma estreita vinculação com a religiosidade e sua organização vincula-se fortemente às diretrizes da igreja. É sabido que a igreja tinha forte influência na manutenção da estratificação social. A concepção predominante é de que o trabalho exige sacrifício e desprendimento e que a “docilidade para enfrentar as dificuldades físicas e materiais enobrece o espírito”. Assim, o trabalho é procurado como penitência para os pecados da carne. Deveria proporcionar cansaço para o corpo e distração para o espírito, afastando-o de tentações demoníacas. Na idade média, a ênfase do trabalho recai na expiação dos pecados e no combate à fraqueza da carne, prestando-se à manutenção da estratificação social. A sociedade medieval, marcada pelas diferenças sociais, mantinha um modo de produção característico da divisão entre senhores e servos. A idade média se organiza segundo o modelo de produção feudal. Nesse modelo as relações sociais caracterizam-se por rígida hierarquia entre os senhores, proprietários das terras, e os servos, aqueles que as cultivavam. A esses últimos cabia, em troca do trabalho, apenas a parte da produção necessária à subsistência familiar. Os servos deviam obediência aos senhores, mas, diferentemente dos escravos, possuíam direito à vida e proteção dos senhores em caso de guerra. À igreja, detentora do saber, competia à manutenção dos princípios de obediência que regulavam essas relações. Com o advento da revolução industrial o trabalho assume um sentido mais pragmático, sua importância se acentua e sua operacionalização modifica todo o sistema de produção e de acumulação de riquezas, bem como altera a vida das pessoas de uma forma profunda. Frente à necessidade de que os operários operem as máquinas, aptas a produzirem em maior escala produtos industrializados, as relações assumem um novo formato e provocam modificações na vida do cidadão comum. Um dos primeiros aspectos imediatamente observados é a aniquilação do artesanato e das manufaturas. Com as máquinas produzindo em larga escala, a produção manual fica destituída de sentido. O deslocamento dos operários, por sua vez, caracteriza um outro movimento, pois o trabalho artesanal era feito em casa ou na própria comunidade. Para trabalhar nas indústrias, os operários enfrentam longos percursos em transportes coletivos para chegarem até os locais de trabalho. Este aspecto afeta também a vida familiar e afasta os integrantes do convívio íntimo diário. O trabalho passa a ter um ritmo e um tempo pré-estabelecidos que determinem a vida do indivíduo. No mundo industrial falta o vínculo entre o trabalho e o resto da vida. Para agir livremente deixa-se o tempo que sobra do trabalho. Assim se separa totalmente trabalho de lazer, de prazer, de cultura, de renovação das forças anímicas, que deverão ser buscadas no tempo que sobrar do trabalho. No período da revolução industrial, há o aniquilamento das manufaturas e um deslocamento dos operários para as grandes indústrias, onde desempenham tarefas rotineiras e mecânicas. A produção em larga escala, por sua vez, provoca a alienação do operário do sentido do seu trabalho. Sendo ele uma "peça da engrenagem“ (como o demonstrado criticamente no filme “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin), tendo sua participação restrita a uma limitada etapa do processo produtivo, o operário não reconhece no conjunto da produção o seu trabalho, não sabe quem é o consumidor do seu produto, bem como não participa das decisões referentes ao processo de produção. Os maiores problemas enfrentados nesta época referem-se às condições de trabalho, extremamente precárias e desfavoráveis. Acidentes de trabalho, ambientes insalubres, trabalho infantil, jornadas de trabalho extensas e ausência de férias ou outros direitos trabalhistas são exemplos das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores das indústrias neste período. Os movimentos operários, após exaustivas iniciativas, conseguiram importantes conquistas nestes aspectos ao longo dos séculos XIX e XX, com a organização dos trabalhadores em associações e, principalmente, em sindicatos. A revolução industrial permitiu também um maior acesso a bens e produtos por parte de uma parcela maior da população. A produção em larga escala possibilitou a popularização de muitos produtos, que puderam ser adquiridos pelo cidadão comum. Por outro lado, multiplicou-se a oferta de novos produtos, criando novas necessidades de consumo, levando as pessoas a cada vez mais se sentirem obrigadas a ter um trabalho, como forma de acessar os produtos ofertados. Como afirma Albornoz (2000, p. 81), "as pessoas trabalham antes para poder consumir do que propriamente para produzir alguma coisa". Esta nova ótica de verdadeira obsessão pelo consumo passa a influenciar as relações do indivíduo com o trabalho nos dias de hoje. Na atualidade o trabalho tem assumido inúmeras facetas: pode ser fonte de sobrevivência para o indivíduo e sua família; pode ser fonte de ocupação do tempo livre; fator de mobilidade social; fonte de realização; de autoconhecimento; de prestígio; de realização social; de enfrentamento de desafios etc. A grande característica do trabalho na atualidade é a sua inquestionável necessidade e importância, a ponto de identificar o homem. "Para Marx a essência do ser humano está no trabalho. O que os homens produzem é o que eles são. O homem é o que ele faz". O homem se vê humano enquanto ser produtivo, enquanto vinculado a um ofício e possuidor de uma identidade profissional. O trabalho lhe confere dignidade, estabilidade, status e vínculo. O que se observa nos dias de hoje é um crescente endeusamento do trabalho e uma negação mais acirrada do ócio. A sociedade moderna ocupou-se de tal forma com o trabalho que por vezes os indivíduos sentem-se culpados em seus raros momentos de lazer, por não estarem produzindo. O ideal de produtividade imposto pelo modelo capitalista faz com que bens e serviços estejam sempre à disposição dos consumidores, criando novos turnos de trabalho e extinguindo os dias de descanso em comum (fins de semana e feriados). Por outro lado, num modelo de exaltação à produção, quem não trabalha ou está desempregado sente-se à margem da sociedade, por estar numa situação de dependência e de improdutividade. Como a regra é consumir, está também incapaz de prover necessidades diversas, criadas pelo modelo. Através do trabalho o homem provê o sustento de si e de sua família, possível através da remuneração. O trabalho possibilita ao homem sentir-se útil à sociedade, pois ajuda na produção de riquezas. Pelo trabalho o homem pode conquistar estabilidade e constituir sua vida e sua família com certa previsibilidade. Por intermédio do trabalho o homem pode externar seu poder criativo e sua capacidade de realizar coisas, desenvolvendo suas potencialidades. Por meio do trabalho o homem se relaciona com seus semelhantes, conhece pessoas, exercita a convivência e cria vínculos. Pelo trabalho, o homem desenvolve sua autoestima, seu autoconhecimento e forma uma autoimagem positiva. O ritmo acelerado das tecnologias de informação e comunicação, das novas descobertas, da disponibilidade de produtos e serviços em qualquer tempo e lugar criou novas formas de organização do trabalho, e novas relações foram surgindo. Hoje são comuns termos desconhecidos na história do trabalho, como workaholic e worklover. Workaholic : designa uma relação de dependência do trabalho, na qual o indivíduo vive em função de sua vida profissional, não deixando espaço a ser ocupado pelo lazer ou por outros tipos de atividades. Worklover : há uma relação de completude com o trabalho, o indivíduo dedicasse às suas atividades com prazer e retira do trabalho a satisfação pessoal que o auxilia inclusive nos demais âmbitos de sua vida. No entanto, talvez a atitude mais comum frente ao trabalho seja a da indiferença, onde o estímulo é a remuneração, indicando que o trabalho ainda signifique essencialmente sobrevivência. Palavra da secretaria Com o advento das novas tecnologias e a automação em larga escala os trabalhadores do presente e do futuro precisam se preparar cada vez mais para novos tipos de emprego, a fim de não ficarem também obsoletos num mundo em constante transformação. As relações de trabalho tem sofrido várias alterações pelo mundo. No Brasil foi a aprovada a Lei 13.467/17 que muda radicalmente a forma como são regidas as relações laborais, trazendo prejuízos aos trabalhadores na já tão conturbada relação capital x trabalho, ao aprovar o trabalho intermitente e a terceirização irrestrita, por exemplo. Da mesma forma, pretendem enfraquecer a representação trabalhista limitando a atuação e cortando recursos do meio sindical. Mais do que nunca precisamos (re)organizar nossa bases, (re)construir o diálogo e a parceria com os trabalhadores e (re)aproximar os sindicatos do seu verdadeiro papel: representar e defender a categoria de trabalhadores(as), bem como resguardar os interesses econômicos e laborais em prol de benefícios comuns para toda a categoria. Ao mesmo tempo em que se apresenta uma grande adversidade pela frente, esta nos traz uma enorme oportunidade de mostrar que o movimento sindical está mais vivo e atuante do que nunca. O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário. (autor desconhecido) O trabalho poupa-nos de três grandes males: tédio, vício e necessidade. (Voltaire) O prazer no trabalho aperfeiçoa a obra. (Aristóteles) A imaginação criadora e o trabalho para mim andam de mãos dadas; não retiro prazer de nenhuma outra coisa. (Sigmund Freud) Ninguém pode chegar ao topo armado apenas de talento. Deus dá o talento; o trabalho transforma o talento em gênio. (Ana Pavlova) Este conteúdo foi retirado do texto: Trabalho e Organização De autoria de Tatiana dos Reis Silveira
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