Você está na página 1de 3

O livro ABC da Literatura, de autoria de Ezra Pound e traduzido por Augusto de

Campos, deve ter sido um livro revolucionário na época de seu lançamento, o início do
século XX, período em que Ezra figurou como elemento vivo dos movimentos modernistas
como o Vorticismo e Imagismo. Cabe aqui uma leitura de quatro capítulos que nos
mostram quão revolucionária é hoje a obra do autor.
No início da leitura podemos ter alguns problemas de compreensão referente à
procura de como ver o método empírico criticado por Pound. O exemplo do naturalista
Agassiz e seu aluno quando da observação e descrição de um peixe-lua deixa clara a
aversão do autor à “lógica medieval suspensa no vácuo” (cf. p. 24). A prática empírica seria
a questão do “hiato” histórico da idade média, conhecido como Idade das Trevas, e
sabemos que se estudavam livros sobre autores e não os próprios autores. Ezra explica
muitíssimo bem enquanto discorre, no final do capítulo II, sobre as experiências
educacionais do período mencionado:
“Se vocês quisessem saber alguma coisa sobre automóveis, iriam procurar
alguém que tivesse construído e guiado um carro, ou alguém que apenas ouviu
falar de automóveis? E entre dois homens que construíram automóveis, vocês
procurariam o que fez um bom carro ou o que fez um calhambeque?”
Para o autor conhecer a poesia é estudá-la de perto, sobre os textos, sobre os
autores. Porém mora aí, no exemplo do autor, uma dúvida pertinente: o método empírico
deve ser afastado da fase de criação da poesia/arte ou de contemplação/estudo da mesma?!
Vejamos o exemplo do autor e uma contradição não explorada:
“Este é, contudo, o MEIO CERTO de estudar poesia ou literatura ou pintura. É,
de fato, o meio pelo qual os membros mais inteligentes do público em geral
estudam pintura. Se vocês querem entender alguma coisa de pintura, vão à
National Galery, ao Salon Carré, ao Brera ou ao Prado e OLHEM os quadros.
Para cada leitor de livros de arte há 1000 pessoas que vão VER os
quadros. Graças a Deus!”
Acontece que pra cada 1000 pessoas que vão VER os quadros, 999 não vêem
NADA além de traços ininteligíveis e uma concepção artística/estética inalcançáveis, Sr.
Pound. E como apenas VER os quadros pode ser crucial à apreensão lógica da arte?!
Façamos um cachorro, uma criança que saiba ler, uma empregada doméstica, um
homem de negócios e números e um erudito na frente do mesmo quadro e vejamos o que
eles abstraem.
Eis a contradição e a correção: o empirismo é mesmo negado por Ezra Pound e o
empirismo é mesmo o único requisito indispensável para a admiração artística?!
Em contrapartida Pound nos revela a importância do método da abstração através do
trabalho sobre as representações ideográficas chinesas e as linguagens baseadas no som e
na visão de Ernest Fenollosa. Ele explica que os ideogramas chineses carregam significados
de ação, coisa, estado e distanciam-se de uma concepção filosófica, o que reforçaria um
método científico esperado para agir como ferramenta dentro da análise literária.
Outra incógnita nos capítulos estudados é o fato de Pound preferir descrever o
estudo poético apenas trabalhando a poesia, ou seja, o poema, o soneto e nada mais, sem
levar em consideração a crítica histórico-literária, o movimento da época de cada poema, o
contexto. Faço aqui uma relação com a culminância dos estudos Estruturalistas que
tomaram forma e força a partir da segunda metade do século XX e que cometeu o grave
erro de desprezar o social dentro dos estudos linguísticos, exaltando apenas as regras de u
sistema lexical. Uma relação:

Pound Sausurre
Estudo dos poemas e não dos seus contextos Estudo dos sistemas e não dos seus usos

Não podemos aceitar a idéia de que basta olhar quadros para termos noção artística
do mesmo jeito que sabemos não podermos aprender um idioma conhecendo apenas o
sistema lexical de uma língua. Quanto de nós não gostaria de ler um dicionário a cada mês
e aprender doze idiomas novos a cada ano?!
E eis que no início do capítulo IV lança-nos a vida literária esteve nas mãos de
inventores, mestres, lançadores de modas... Que inventor não leva em consideração o social
para inventar, e a moda é o que sem um público a ser estudado?!
Ezra, crítico que é, relaciona as obras antigas e diz que Catulo era sobre certos
aspectos melhor escritor que safo... Será que Pound se deleitou sobre a obra de Safo... Mas
qual?! Tudo o que temos de Safo hoje são fragmentos de pergaminhos que lembram um
quebra cabeça.
Os quatro primeiros capítulos do ABC da Literatura denotam uma linguagem anglo-
saxã e exagerada para o hoje. No início do século XX Ezra Pound foi revolucionário, no
início do século passado.
REFERÊNCIAS

POUND, Ezra. ABC da Literatura: organização e apresentação da edição brasileira


Augusto de Campos; Tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. 11ª ed.,
Editora Cultrix: São Paulo, 2006. p. 19-50.

Você também pode gostar