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Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004
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Letícia Renault
A palavra esquema servia para tudo. Era uma gíria. Qual é o esquema? Vamos
montar um esquema? Esquema era uma palavra que se adaptava a milhares de coisas.
Então, o esquema é notícia. Com se fosse assim, o show é notícia! O espetáculo é notícia!
Ao contrário dos telejornais daquele tempo, o da TV Belo Horizonte inovaria não exibindo
a marca do patrocinador no nome3. Na tentativa de dar ao noticiário uma solenidade que lhe
passou a ver quatro. O jornal não se limitava a dar notícias. Também comentava e opinava
sobre os assuntos noticiados. Em uma época em que a televisão só tinha condições técnicas
vivo no estúdio.
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Do grego schëma, pelo latim schema. Figura que representa não a forma dos objetos, mas suas relações e
funções. Sinopse, resumo, esboço. Pode ser ainda sinônimo de plano ou programa. FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Novo Dicionário Século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p.823.
3
Além do Repórter Esso da TV Tupi, a própria TV Rio tinha um telejornal patrocinado por uma
multinacional: o Telejornal Pirelli no Rio Janeiro.
editorialista; além de José Otávio de Castro Neves, diretor geral da TV Belo Horizonte na
época4. Os jornalistas foram ouvidos nas cidades de Belo Horizonte e São Paulo em
entrevistas gravadas. O diretor geral do canal 12 conversou por telefone do interior do Rio
de Janeiro por três vezes, numa entrevista que soma quase duas horas de duração. Ao todo
foram reunidas quase cinco horas de conversas gravadas que forneceram as informações
que sustentam o texto. A pesquisa se interessou pelo período de 1963 a 65, os dois
primeiros anos de existência do jornal, em que as características inovadoras para a época
podem ser melhor pontuadas.
capacidade técnica para captar imagens, não áudio. A TV Belo Horizonte possuía
mudinhas de duas marcas: a americana Bell and Halled e a francesa Payllard Bolex.5 Essas
máquinas trabalhavam com filme de 16 milímetros negativo, que era revelado em câmara
complicada para se ter uma reportagem para televisão naquela época. O filme da mudinha
Trata-se de uma época em que o telejornalismo ainda não tinha sido posto na camisa de
força do time-code (cronômetro), nem do compromisso com blocos comercias Não havia
A matéria podia ter cinco minutos, três minutos. Não havia preocupação com o tempo.
Ninguém contava segundos. O próprio jornal não tinha assim um tempo determinado. Durava
uma hora ou meia hora ou quarenta minutos. Tinha horário para entrar no ar, mas o resto
dependia da quantidade de material.
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A TV Rio pertencia ao empresário João Batista do Amaral, conhecido como Pipa Amaral. Além de Belo
Horizonte, a TV Rio teve uma afiliada em Brasília. No Rio, sua sede ficava em Copacabana, no final do posto
seis.
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PRIOLLI. antenas da brasilidade. p. 17.
Era um vt Ampex com duas polegadas. Eram rolos, não tinha o cassete ainda. Devia ter um
dois metros e meio de cumprimento, um metro de profundidade para um metro e oitenta de
altura. A fita era de óxido como é até hoje, só que era muito mais primitiva. Ela soltava óxido
de ferro, sujava a cabeça e dava como é que chama? Drop out!9 Então, de tantas em tantas
horas de exibição, a cabeça do vt tinha que ser substituída. Quando este vt veio era um aparelho
usado pela TV Rio. Com ele você podia gravar, mas geralmente só no estúdio, porque não
tinha como levar para a reportagem.
Com o vídeo teipe veio também outra novidade: uma câmera da marca Auricon. Ela
gravava som sincronizado à imagem. A novidade custou por volta de cem mil dólares,
relembra Castro Neves. Foi outra inovação tecnológica que deu mais autonomia ao
reforçada. Era preciso aumentar o conteúdo informativo do jornal para fazer frente ao já
que era preciso alargar as fontes de informação para fazer o O Esquema é Notícia alçar vôo.
A pacata capital mineira, com menos de um milhão de habitantes, não fornecia notícias o
suficiente para seduzir o telespectador. O Esquema foi buscar fora a informação que
9
Drop-out é o defeito causado por oxidação da fita magnética que faz com que a imagem na tela apresente
listras na direção horizontal.
Nós tivemos também uma outra novidade que ninguém tinha. No
início de 63 chegou o primeiro telex em Belo Horizonte. Esse telex
pertencia aos Correios, o Departamento de Correios e Telégrafos do
Ministério de Viação e Obras Públicas, que alugava para nós. No
início da década era um instrumento espetacular, porque naquela
época para você conseguir um interurbano era uma tourada! Você
pedia uma ligação para o Rio e ficava esperando. Podia sair naquele
dia ou daqui há dois dias. Não tinha condições. Era uma loucura! E
com o telex, não! No telex do mesmo jeito que a internet tem hoje,
havia endereços telegráficos. Então você discava o endereço, por
exemplo, para o Estado de São Paulo e podia perguntar: a gente
soube que está havendo isso aí em Brasília e vinha a resposta. Havia
uma enorme troca de informações. E a gente pode passar a ter
informações de fora.10
agência de notícias: a United Press,11 mas buscava produzir também sua própria
informação.
A gente tinha como colaboradores, por exemplo, em Brasília, o Chagas Freitas, o Evandro
Castro de Andrade, o Marcos Sá Correia do JB e pagávamos cachês para eles darem algumas
informações adicionais que a agência de notícia não dava.12
Com agilidade para receber informação privilegiada, O Esquema É Notícia se aventurou em um território até
então inexistente no telejornalismo brasileiro: o da opinião.
A gente recebia o material, dava para ele um tratamento local, acrescentava comentários que
eram dentro da perspectiva da própria situação que estava acontecendo na cidade e passava ao
telespectador. A modernidade daquele jornal está no fato de que via-se o mundo com o foco da
aldeia, com a compreensão, com a abordagem da aldeia.13
após a exibição das reportagens ou a leitura das notas. Os comentários surgiam de opiniões
10
Entrevista a mim concedida pelo jornalista Antônio Teles.
11
A agência de notícias americana já mantinha no Brasil escritórios em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.
12
Entrevista a mim concedida pelo jornalista Antônio Teles.
13
Entrevista a mim concedida pelo jornalista Antônio Teles.
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Roupa masculina com paletó, geralmente preta, de lapelas de cetim, usada como traje de cerimônia à noite.
da redação ou das informações de bastidores enviadas pelos correspondentes. A análise da
aquilo que leitor de São Paulo iria ler no outro dia, vinha por telex para ir ao ar no mesmo
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Além dos comentários sobre os principais assuntos do dia foi criado o roa Noite! Era um
editorial diário onde a redação da TV Belo Horizonte deixava visível para o telespectador o
que pensava sobre determinado assunto. Essa opinião encerrava a edição, quando ao final
roa Noite! O editorial tinha um texto mais longo que os demais comentários. Trinta
linhas, relembra o jornalista Dídimo Paiva, redator oficial do editorial enquanto o telejornal
esteve no ar.15 Qualquer assunto considerado relevante merecia virar tema do editorial.
opinativo, elegia assuntos e vítimas. Segundo o editor responsável, o tom do editorial era
15
O Esquema É Notícia esteve no ar de 1963 a 1969, quando a TV Belo Horizonte foi comprada pela Rede
Globo e ele foi substituído por outro telejornal.
16
Entrevista a mim concedida pelo jornalista Antonio Teles.
Naquela época havia uma ebulição política tremenda. Havia uma
bipolaridade muito definida: direita, esquerda. As vítimas mais freqüentes
eram o bispo de Diamantina, Dom Geraldo Proença Sigaud,
extremamente conservador; o presidente da Federação da Agricultura de
Minas, Josafá Macedo; o Antônio Luciano Pereira17 e a Rana
Coorporation18, que explorava o minério de ferro e ouro na área de Nova
Lima.19 Ela era odiada! Levava pau diariamente, porque havia uma
convicção geral de que a Rana estava saqueando a riqueza brasileira. Na
época a esquerda brasileira fazia campanha dizendo que minério não dá
duas safras. O editorial era um tipo de texto muito panfletário. Eu me
lembro de um que chamava a Rana de bando de saqueadores à serviço da
pirataria internacional. Era nesse nível. O tom era por aí. O texto mudava
fortemente de tom no editorial, mas no restante do jornal já era bem o
texto de tevê.20
O editor lembra ainda que o redator do editorial ³tinha que ser um jornalista
experimentado, com bagagem cultural extraordinária e muito bom senso, porque o resto do
pessoal da redação era afim de botar fogo no mundo.´ A redação da TV Belo Horizonte
em São Paulo 21, a televisão só havia começado a funcionar na capital mineira em 1956. Os
eram tão jovens quanto a televisão no país. A maioria só conhecia a produção local da TV
Itatiaia em Belo Horizonte. O editor-chefe Antônio Teles, então com 22 anos de idade,
tinha sido repórter, assim como o redator Dídimo de Paiva, chefiava a redação do jornal de
17
Proprietário de grande extensão de terras em Minas Gerais, acusado por diversas vezes de aliciamento de
menores em BH, tido como o terror das famílias, segundo descrição dos jornalistas ouvidos.
18
Empresa americana pertencente ao grupo American Steal.
19
Cidade e região mineradora bem próxima a Belo Horizonte.
20
Entrevista concedida pelo jornalista Antônio Teles.
21
A TV Tupi criada pelo empresário Assis Chateaubriand entrou no ar em 18 de setembro de 1950 como
PRF-3TV Difusora. Foi a primeira da América Latina. Em 1956 começou a operar em BH a TV Itacolomy
do mesmo grupo da Tupi.
Samuel Wainer em Minas22. O apresentador Antônio Cunha havia sido locutor de rádio.
³Éramos uma garotada´, lembra o diretor geral da TV Belo Horizonte, José Otávio de
Castro Neves. A equipe do Canal 12 teria começado a produzir em televisão sem conhecer
compromisso com modelos pré-estabelecidos, foram levando mais novidades para o vídeo.
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O futebol ganhou status de esporte que merecia ser noticiado e comentado diariamente.
goleiro do Clube Atlético Mineiro muito popular entre a torcida, que estava se aposentando.
Para participar do jornal, o jogador trocou o uniforme pelo smoking e segundo conta
A gente teve uma surpresa espetacular com a capacidade verbal que o Cafunga tinha. Ele não
usava texto pronto, colocava todas as gírias do futebol e era engraçadíssimo. De smoking,
ficava super elegante sentado em um tamborete, daquele alto que pode apoiar o pé chão. E às
vezes participava também o João Saldanha23, porque na época ele era comentarista na TV Rio e
vinha dar uma canja em Belo Horizonte uma vez por semana.
terceiro set destinado a uma participação feminina. De vestido longo, a atriz Aury Cahe,24
22
A Última Hora inovou o jornalismo impresso no país em forma e conteúdo. Para saber mais sobre o jornal e
seu criador, o jornalista Samuel Wainer, repórter que chegou a dono de jornal, ver: Wainer, Samuel. Jinha
Razão de Viver- memórias de um repórter. 16a ed. Rio de Janeiro: Ed. Record ,1998.
23
O carioca João Saldanha é um nome que marcou o jornalismo e a crônica esportiva no país.
24
Ela era atriz que pertenceu à famosa companhia de teatro Celli/Autran, comandada pelo diretor Adolfo
Celli e pelo ator Paulo Autran.
noticiava a agenda cultural ou eventos sociais. Cabia à própria apresentadora produzir as
informações que levava ao ar. Com quatro apresentadores e três espaços cenográficos, O
diferente do que se assistia, até então, na capital mineira. A idéia, explicam os jornalistas,
Nesta sala de visitas havia espaço ainda para o humor inteligente. Diariamente, no meio do
política, do futebol, de tudo´ motivava uma charge. O responsável pela criação e pela
execução da charge era o desenhista Radich. ³Ele era muito rápido. Enquanto o texto em
off 25era lido, ele desenhava.´ Sem animação computadorizada, Radich usava uma folha de
papel vegetal e pincel atômico. No estúdio havia uma moldura onde o chargista colocava o
papel e trabalhava ao vivo. Quando o desenho demandava mais tempo, Radick deixava
pronto o esboço à lápis e durante o jornal completava com pincel. ³Como era complicado
conseguir imagem, a gente tinha que ser criativo, senão ficava jornal de rádio, por isso
tentávamos de tudo para ter conteúdo com uma outra visão´, rememora Castro Neves.
a realidade, diante dos fatos O Esquema É Notícia teria lançado mão da charge
25
Leitura de texto sem a imagem do repórter ou locutor no vídeo.
esquecido, perdido em um tempo em que a televisão brasileira demonstrou ser capaz de
aos dias atuais. Segundo Regina Mota, ³a TV Rio foi um dos melhores laboratórios de
telespectador não encontra nenhum que reúna o conjunto de características que chamaram a
MOTA, Regina. a Épica Eletrônica de Glauber: um estudo sobre cinema e TV. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
WAINER, Samuel. Jinha Razão de Viver- memórias de um repórter. 16a ed. Rio de
Janeiro: Ed. Record ,1998.
26
MOTA. a épica eletrônica de Glauber: um estudo sobre cinema e TV, p.76.