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Tanto por sua importancia filosd- fica como por suas aplicagées técni- cas, @ légica ocupa um lugar cen- tral no pensamento contemporaneo. livro do professor Copi constitui uma estimulante introducio a este vasto tema, Nao é uma “introducao” para especialistas, senfo uma expo- sigdo amena e rigorosa que con- quista o interesse do leitor. A l6gica simbdlica 6 posta em evidéncia, num amplo panorama, que inclui detalhada andlise de temas usuais nos livros de légica tradicional, fa- zendo citagdes de passagens de obras de intelectuais de todos os tempos. O enfoque moderno. dos assuntos é apresentado com excep- cional sentido didatico e agudo hu- mor, tanto mais reconfortantes aos cultores de disciplinas que convi- dam & solenidade. 'A Introdugdo @ Légica compreende trés partes fundamentais, intitula- das. respectivamente, “Linguagem”, “Dedugiio” e “Indugaio”. Na primeira se encontraré uma anélise das di- versas fungdes da linguagem, tema que possui um interesse filoséfico intrinseco. Na segunda, o Autor apresenta um enfoque atualizado da silogistica tradicional e introduz um método grafico — 0 dos dia- gramas de Venn — para decidir sobre a validade dos raciocinios silogisticos, método que, apesar de sua seguranca e notdvel valor di- dético, é, estranhavelmente, omitido nos manuais correntes. Na terceira parte se refere & légica da expli- cacéo cientifica com ilustragdes cuidadosamente selecionadas. Con- tém todo um capitulo referente & provabilidade. >= IRVING M. COPI Introdugéo a Légica ‘Trapugio DE ALVARO CABRAL é ATA EDITORA MESTRE JOU SAO PAULO Prefacio da terceira edigao em inglés As modificagées nesta nova edicéio encontram-se disseminadas por todo o livro. Apenas coloco em relevo algumas para mengéo especial aqui. O capitulo 1 foi reorganizado e ampliado para expor as diferentes maneiras como os argumentos foram formulados. Inclui agora exer- cicios mais variados, a fim de proporcionar prdtica ao estudante no reconhecimento de argumentos, identificagiio de suas premissas e con- clusées, e, enfim, distingio entre argumentos dedutivos e indutivos. E hé um exame mais adequado de frases, declaracdes e proposicgGes. No capitulo 2, o tratamento de algumas faldcias n&o-formais foi aperfeigoado. A nogéio de pergunta complexa, em geral, esté mais nitidamente separada da faldécia de pergunta complexa. E o exame das faldcias de composigao e divisao foi inteiramente revisto. No capitulo 5, reconhece-se que toda forma tipica de proposi- ¢&o categérica tem uma inversa e uma contrapositiva, se bem que nem todas as inferéncias imediatas que Ihes dizem respeito sejam, em geral, vdlidas. No capitulo 6, a nog&o de silogismo categdérico é elaborada de um modo mais restrito do que em edigdes anteriores, e as pressupo- sigdes necessdrias para provar a invalidade estado explicitamente enun- ciadas. Estas modificagdes tém a vantagem de eliminar certos casos excepcionais para os quais o tratamento anterior da questo no era adequado. No capitulo 7, o termo “argumento silogistico” é usado em refe- réncia ao que, em edigdes anteriores, foi designado por “silogismo vategorico”. E é feita uma caracterizacio mais conveniente da forma tipica dos sorites. No capitulo 8, confere-se um pouco mais de realce & simbolizacaio dos argumentos funcionais da verdade e sao enunciados, explicita- mente, os pressupostos necessérios para demonstrar a invalidade dos argumentos funcionais da verdade, eliminando, também, deste modo, certos casos excepcionais para os quais os tratamentos anteriores eram inadequados, 10 Irving M. Copi No capitulo 10, hd a mesma espécie de enunciado explicito dos Pressupostos necessdrios & demonstragéio da invalidade dos argumen- tos quantificativos nulos. No capitulo 11, a caracterizagio verbal do argumento analdgico modificou-se de molde a conformar-se mais rigorosamente com a and- lise simbdlica que lhe foi dada. Outras alteracgdes terminoldgicas, além das jd citadas, incluem a substituigéo geral de “condicional” por “hipotético” em referéncia aos enunciados “se... entéo...” e de “bicondicional” por “equivaléncia” em referéncia aos enunciados “...se e unicamente se...” Tais ter- mos parecem estar sendo preferidos por uma crescente maioria de autores das obras de Lédgica. Alguns exemplos ilustrativos tiveram de ser mudados para acom- panhar o progresso cientifico. A classe dos compostos de argénio foi citada em trés pontos, na 2. edigéo deste livro, como uma classe nula (ou vazia). Mas, entrementes, os quimicos lograram efetuar a sintese dos compostos de argénio (ver The Scientific American, maio de 1964). Espero que bidlogos empreendedores n&o prejudiquem tais exemplos tradicionais como os unicornes e os centauros. As solugdes para, aproximadamente, um quinto dos exercfcios sio dadas no final do livro, o que deve torné-lo mais util para o estudo independente e diminuir o tempo de aula dedicado a encontrélos. Finalmente, a terceira edigéo contém mais de uma centena de novos exercicios. Muitos leitores me escreveram recomendando alteragées no livro e eu aceitei, reconhecido, as suas sugestées em muitos casos. Entre aqueles cujas cartas foram mais prestimosas cito: Tenente Richard Bohling, E.U.A.; Sr. Harold M. Carr, de Worcester, Massachusetts; Sr. Vernon V. Chatman III, de Portland, Oregon; Professor Frank B. Dilley, da Universidade de Millikin; Professor Richard M. Gale, da Universidade de Pittsburgh; Sr. S. E. Hughes, da Universidade de Ade- laide; Sr. David B. Ingram, de Mansfield, Massachusetts; Sr. Michael H. Kelley, de Madison, Wisconsin; Professor Peter M. Longley, da Universidade do Alasca; Professor Eugene Maier, da Universidade do Estado da Pensilvania; Professor Frank Morrow, da Universidade do Norte do Illinois; Professor David Richardson, da Universidade do Estado de Utah e Professor William L. Rowe, da Universidade Purdue. Beneficiei-me com os debates feitos com o Professor Keith Emerson Ballard, da Universidade Bucknell e com o Professor John Winnie, da Universidade do Havai; também tirei.proveito dos excelentes con- selhos dados pelo Professor James W. Oliver, da Universidade de Ca- rolina do Sul, cujas argutas criticas foram a causa de muitos aperfei- goamentos introduzidos nesta edig&o. O Professor Keith Emerson Ballard leu, na integra, o manuscrito da nova edigo e fez muitas sugestdes valiosas. Preparou também Introdugéo & Logica Mt um Guia de Estudo que deve ser muito util aos estudantes. Contém varios dispositivos para facilitar 0 dominio do material, incluindo, no texto, as solugdes pormenorizadas para mais 20% dos exercicios. Finalmente, desejo expressar os agradecimentos devidos & minha mulher e & minha filha, pelo auxilio eficiente e especializado na lei- tura e reviséo das provas. I.M.C, Prefacio da segunda edigao em inglés A nova edicgéo difere da primeira nos seguintes aspectos. Na primeira parte, o tratamento da linguagem é menos dogmd- tico e, assim espero, mais eficaz. A triplice divisio dos usos da lin- guagem é apresentada como uma aproximagio mais conveniente do que absoluta, em qualquer acepgdo desta palavra, e as questées éticas S80 cuidadosamente distinguidas da andlise lingiiistica no exame da linguagem emotiva. A organizacéio do capitulo 3 foi alterada e trés | falacias mais n&o-formais sdo nele examinadas. As disputas verbais recebem uma apresentacgio mais adequada, que deve ajudar o estu- dante a desenvolver uma compreensio mais profunda do complexo problema da comunicagio. Novos tdpicos foram introduzidos, de forma sucinta, tais como elocucdes de desempenho e definicdes ope- racionais, que proporcionam aos professores oportunidades de trata- mento mais elaborado aos tdpicos em que possam estar especialmente interessados. Na segunda parte, o exame do contetido existencial, no capitulo 5, foi mais exato e simplificado. O capitulo 7 inclui agora uma secio que trata, de maneira néo-simbdlica, dos silogismos disjuntivos e hipo- téticos. No capitulo 9, as regras de deducdo natural (formas elemen- tares e validas de argumento) sfo divididas em dois grupos, apresen- tados separadamente, com exercicios adicionais destinados a habilitar oO estudante a dominar o primeiro grupo antes de passar ao segundo. E as regras, na presente edicéo, constituem um jogo completo, em contraste marcado e significativo com o conjunto incompleto de re- gras dado na primeira edicao. Na terceira parte, 0 exame dos diferentes sentidos da palavra “causa”, no capitulo 12, € mais cauteloso do que na primeira edico. E 0 tratamento do método conjunto de acordo e diferenca foi consi- deravelrnente simplificado. A segunda ediciéo contém mais de seiscentos novos exercicios, embora muitos deles sejam substituigées, em vez de aditamentos. Um grande numero dos novos exercicios foi extraido de obras de impor- tantes fildsofos e, portanto, é, por si mesmo, interessante. “a Irving M. Copi Muitos professores de Légica, do pais, tiveram a amabilidade de escrever-me, enviando suas sugestées para melhorar o livro. Consi- derei seriamente todos os conselhos que me foram oferecidos, embora nao fosse capaz de incorporar todas as mudangas propostas. Por seus valiosos comentarios estou particularmente grato ao Dr. Robert W. Beard, da Universidade do Estado da Florida, ao Professor John A. Mourant, da Universidade do Estado da Pensilvania, ao Professor Philip Nochlin, do Colégio Vassar, ao Professor Nicholas Rescher, da Universidade de Lehigh, ao Professor Lawrence Resnick, do Colégio Lafayette, & Professora Cynthia Schuster, da Universidade do Estado de Montana, ao Professor Leo Simons, da Universidade do Tennessee, ao Professor Harry Tarter, do Colégio da Cidade de Nova Iorque e 20 Professor John L. McKenney, do Colégio Hampden-Sidney, que leu todo o manuscrito da segunda edic&o. Finalmente, desejo exprimir minha gratidio & minha mulher e meus trés filhos por toda a ajuda que, em maior ou menor grau, re- cebi na leitura das provas, e & minha filha pelas freqiientes e delicio- Sas interrupgées. I.M.C, Prefacio da primeira edicgao em inglés (destinado principalmente aos professores) m considerdvel niimero de compéndios elementares de Légica foi publicado nos anos recentes. Por isso, é razodvel esperar-se que quem acrescenta mais um compéndio a lista explique por que razOes 0 fez. A motivacio dbvia é oferecer um instrumento mais util ao ensino da matéria. Qualquer explicagéo deve, por conseguinte, diri- gir a atencéo para aqueles aspectos originais do novo livro que, se- gundo se espera, o tornam mais util. Na primeira parte, dedicada & Linguagem, apresenta-se uma ané- lise moderna das diferentes funcdes da linguagem, andlise essa que é usada para explicar o cardter enganoso de certas faldcias nao-for- mais. O tratamento da definigéo é mais extenso do que aquele que habitualmente se inclui num compéndio elementar e tem a vantagem de estar separado do tema da classificacio, cuja andlise mais pro- veitosa se realiza em ligagéio com a ldgica indutiva. A segunda parte, que trata da ldgica dedutiva, inicia-se com trés capitulos, concebidos de maneira tradicional, sobre a inferéncia ime- diata, o silogismo categérico, 0 entimema, o sorites e 0 dilema. Além de um exame das regras e das faldcias, apresenta-se a técnica dos Diagramas de Venn para testar se um determinado silogismo cate- gorico é ou n&o vdlido. Essa técnica é muito superior & dos Diagra- mas de Euler, que ainda figura em alguns compéndios. Ddé-se um tratamento mais sistemdtico do que o usual ao problema de traduzir os silogismos categéricos da linguagem comum para as formas tipicas, as quais aplicamos os métodos correntes para determinar se sao vélidas ou nfo. Isto obedece a intencg&o do autor de destacar a utilidade da légica. A segunda parte contém também trés capitulos sobre a ldgica simbélica, nos quais se enfatiza o seu uso na avaliagio de argumentos. O material ai apresentado inclui néo sé as tabelas da verdade e o método da prova formal por dedugio, mas também os métodos apro- priados para as demonstracg6es de invalidade e a suficiente teoria de quantificagio para permitir o tratamento simbdlico dos silogismos categoricos e, inclusive, de alguns argumentos n4o-silogisticos, mas de caréter ndo-relacional. O método de apresentagéo da implicacéo ma- 16 Irving M. Copi terial é 0 que o autor tem usado com maior éxito no ensino, a fim de evitar a sensacéio de estranheza e artificialismo que o estudante sente, com freqiiéncia, diante dessa nog&o. A terceira parte, sobre a ldgica indutiva, inicia-se com um trata- mento mais sistematico do argumento por analogia do que é costume conceder-se a esse importante tipo de raciocinio indutivo, tao freqiien- temente empregado. Sao explicados e ilustrados os Métodos de Mill, antes de criticd-los, e sio defendidos por se considerarem fundamen- tais para o método de experiéncia controlada. No capitulo separado que trata da hipdtese como método- Cientifico, inclui-se o tema da classificagao, que usualmente é estudado como um tdpico separado, para que constitua mais um exempla do método penetrante da hipd- tese. O capitulo final, sobre a probabilidade, inclui um tratamento elementar do importante tema da “esperanga”, que é, amiude, omitido dos compéndios. we Um considerdvel ntimero de exercicios foi incluido para ajudar o estudante a adquirir um conhecimento prdtico dos diversos temas tratados. Dado que a maioria dos cursos elementares de Ldgica é Programada para um semestre letivo apenas, é possivel que todos os temas deste livro néo possam ser abrangidos num curso médio, En- tretanto, uma selecio criteriosa da matéria permitiré que o livro seja adaptado a quase todo o curso de um semestre que pretenda inserir algo mais do que a mera ldgica formal. Talvez alguns professores prefiram nao incluir a légica simbolica em seu curso de introdugaio; para sua conveniéncia, inclui-se no capitulo 7 um tratamento ndo-for- mal do Dilema, a par dos entimemas e sorites. Os que desejarem adi- cionar alguma coisa de ldgica simbdlica, além dos temas tradicionais, podem achar proveitoso protelar a Segio VI do capitulo 7 (O Dilema) até depois das tabelas da verdade terem sido desenvolvidas, no ca- pitulo 8. O autor deseja agradecer a muitos amigos, tanto colegas como antigos alunos, as numerosas e titeis sugestées que lhe foram feitas. Esta particularmente grato ao.Professor A. W. Burks, da Universidade de Michigan, e ao Professor A. Kaplan, da Universidade da California, que leram os primeiros rascunhos e fizeram muitas criticas e suges- tées valiosas. Agradecimentos especiais sio devidos ao Dr. D. B. Ter- rell, da Universidade de Minnesota, que leu e criticou uma parte do manuscrito original, e ao Dr. R. Workman, da Universidade de Cincin- nati, que leu a versdo final. A divida do autor para com outros auto- Tes, em cujos livros ensinou Légica, em varias épocas, desde 1939, é demasiado grande e generalizada para que permita um agradecimento detalhado. I.M.C. PRIMEIRA PARTE LINGUAGEM 1 Introducao I. QUE & LOGICA? A 8 palavras “Iégica” e “l6gico” sio familiares a todos nés. Fala- mos freqiientemente de comportamento “J6gico” em contraste com um comportamento “ildgico”, de procedimento “I6gico” em opo- sig&o a um “ilégico”, de explicacio “ldgica”, de espirito “Idgico” etc. Em todos estes casos, a palavra “I6gico” 6 usada, fundamentalmente, na mesma acepcfo de “razodvel”. Uma pessoa com espirito “l6gico” é uma pessoa “razodvel”; um procedimento “irrazodvel” é aquele que Se considera “ilégico”. Todos estes usos podem ser considerados como derivativos de um sentido mais técnico dos termos “l6gico” e “ilégico” para caracterizar os argumentos racionais. Esta conexio tornar-se-4 cada vez mais clara A medida que o estudante avance na Jeitura_e amplie os seus conhecimentos no assunto. Evidentemente, para compreender o que 6, de fato, légica, uma Pessoa tem que estudd-la. Num certo sentido, todo este livro consiste numa ampla explicagdo do que é ldgica. Mas o estudante em pers- Pectiva pode ser ajudado, se Ihe dermos uma explicacgio preliminar Sobre 0 que encontrar no livro. Entretanto, deve ser advertido de que no presente capitulo somente tentaremos oferecer-Ihe uma ex. Plicagéo rudimentar e aproximada do que é ldgica. O estudo da ldgica 6 0 estudo dos métodos e principios usados Para distinguir 0 raciocinio correto do incorreto. Naturalmente, esta definic&o nfo pretende afirmar que sé é possivel argumentar corre- tamente com uma pessoa que tenha estudado ldgica. Afirmé-lo seria t&o erréneo quanto pretender que s6 é possivel correr bem se se estu- dou fisica e fisiologia necessérias Para a descrigio dessa atividade. Al- guns excelentes atletas ignoram completamente os processos complexos que se desenrolam dentro deles prdprios quando praticam o esporte. E no seria necessdrio acrescentar que os professores veteranos, os quais sabem mais dessas coisas, teriam um desempenho muito fraco se 20 Irving M. Copi arriscassem a sua dignidade num campo de atletismo. Mesmo dis- pondo de igual equipamento muscular e nervos basicos, a pessoa que sabe, pode nao superar o “atleta natural”. Mas, dada a argticia inata do intelecto, uma pessoa com conheci- mento de ldgica tem mais probabilidades de raciocinar corretamente do que aquela que nao se aprofundou nos principios gerais implica- dos nessa atividade. Hd muitas razdes para isso. Em primeiro lugar, o estudo adequado da légica abordd-la-4 tanto como arte, tanto como ciéncia, e o estudante deverd fazer exercicios sobre todos os aspectos da teoria que aprende. Nisto, como em tudo, a pratica ajuda o aper- feigoamento. Em segundo lugar, uma parte tradicional do estudo da légica consiste no exame e na andlise dos métodos incorretos do ra- ciocinio, ou seja, das faldcias. Esta parte da matéria nfo sé dd uma viséo mais profunda dos principios do raciocinio em geral, como o conhecimento desses ardis auxilia também a evitd-los. Por ultimo, o estudo da légica proporcionaré ao estudante certas técnicas e certos métodos de facil aplicagéo para determinar a correc&o ou incorrecao de todos os raciocinios, incluindo os prdprios. O valor desse conhe- cimento reside no fato de ser menor a probabilidade de se cometerem erros, quando 6 possivel localizd-los mais facilmente. A légica tem sido freqiientemente definida como a ciéncia das leis do pensamento. Mas esta definigéo, conquanto oferega um indicio Sobre a natureza da légica, nado é exata. Em primeiro lugar, o pensa- mento 6 um dos processos estudados pelos psicdlogos. A ldgica nio pode ser “a” ciéncia das leis do pensamento, porque a psicologia tam- bém 6 uma ciéncia que trata das leis mentais (entre outras coisas). E a ldgica néo 6 um ramo da psicologia: 6 um campo de estudo separado e distinto. Em segundo lugar, se “pensamento” 6 qualquer processo mental que se produz na psique das pessoas, nem todo o pensamento cons- titui um objeto de estudo para o légico. Todo raciocinio é pensa- mento, mas nem todo pensamento é raciocinio. Por exemplo, é possi- vel “pensar” em um ntmero entre um e dez, como num jogo de sala, sem elaborar qualquer “raciocinio” sobre o mesmo. H4 muitos pro- cessos mentais ou tipos de pensamento que sao distintos do raciocinio. E possivel recordar algo, ou imaginé-lo, ou lamenté-lo, sem raciocinar sobre isso. Uma pessoa pode deixar seus pensamentos “vogar & deriva” numa divagacdo ou fantasia, construir castelos no ar ou seguir aquilo a que os psicdlogos chamam livre associacao, na qual uma imagem substitui outra numa ordem que nada tem de ldégica. Com freqiiéncia, essa sucessfo de pensamentos na livre associacéo reves- te-se de grande significado e nela se baseiam algumas técnicas psi- quidtricas. Nao é preciso ser psiquiatra, é claro, para compreender © cardter de uma pessoa, mediante a observagao desse fluxo que pro- mana de sua consciéncia. E a base de uma técnica literdria muito eficaz, da qual foi pioneiro James Joyce, em sua grande obra Ulysses. Introdugdo & Légica 21 Inversamente, se conhecermos bem de antem&o o cardter de uma Pessoa, 6 possivel seguir e até prever o curso de seu fluxo consciente. Todos recordamos como Sherlock Holmes costumava romper os si- léncios do seu amigo Watson para responder a propria interrogacéo a que o Dr. Watson fora “levado” em suas cogitagdes. Parece haver certas leis que governam a atividade onirica, mas nao foram estudadas pelos légicos. Seu estudo 6 mais apropriado para os psicdlogos e as leis que descrevem os movimentos da mente nos sonhos sio mais Jeis psicoldgicas do que principios l6gicos. Definir a “ldgica” como a ciéncia das leis do pensamento é incluir nela demasiadas coisas. Uma outra definicéo comum da ldgica é a que a caracteriza como ciéncia do raciocinio. Esta definigéo evita a segunda objegdo e, por- tanto, é melhor, mas ainda ndo é adequada. O raciocinio é um género especial de pensamento no qual se realizam inferéncias ou se derivam conclusées a partir de premissas. Contudo, ainda é uma espécie de pensamento e, por conseguinte, também faz parte do material de estudo do psicdlogo. Quando os psicdlogos examinam o processo de raciocinio, acham-no extremamente complexo, altamente emocional, consistindo em indbeis procedimentos de “tentativa-e-erro”, ilumina- dos por repentinos — e, por vezes, aparentemente desconexos — re- lampagos de introvisio. Isto é da maior importancia para a psico- logia. Mas o ldgico nao esta interessado, em absoluto, nos obscuros caminhos pelos quais a mente chega As suas conclusoes durante os Processos concretos de raciocinio. Ao légico sé interessa a corregao do processo, uma vez completado. Sua interrogagéio é sempre esta: @ concluséo a que se chegou deriva das premissas usadas ou pressu- postas? Se as premissas fornecem bases ou boas provas para a concluséo, se a afirmagaéo da verdade das premissas garante a afir- magé&o de que a concluséo também é verdadeira, entdo o raciocinio é correto. No caso contrdrio, é incorreto. A distingao entre o racio- cinio correto e o incorreto é o problema, central que incumbe & ldgica tratar. Os métodos e as técnicas do légico foram desenvolvidos, pri- mordialmente, com a finalidade de elucidar essa distingo. O ldgico esté interessado em todos os raciocinios, independentemente do seu contetido, mas sé a partir desse ponto de vista especial. Il. PREMISSAS E CONCLUSOES Para aclarar a explicagdo de ldgica proposta na secaio antecedente, sera itil apresentar e exarninar alguns dos termos especiais emprega- dos pelo Idgico em seu trabalho. A inferéncia é um processo pelo qual se chega a uma proposicéo, afirmada na base de uma ou outras mais proposig6es aceitas como ponto de partida do processo. O légico no esta interessado no processo de inferéncia, mas nas proposigées que s&o os pontos inicial e final desse processo, assim como nas Telagdes entre elas. 22 Irving M. Copi As proposig6es séo verdadeiras ou falsas e nisto diferem das per- guntas, ordens e exclamacdes. S6 as proposicées podem ser afirmadas ou negadas; uma pergunta pode ser respondida, uma ordem dada e uma exclamagéo proferida, mas nenhuma delas pode ser afirmada ou negada, nem é possivel julgé-las como verdadeiras ou falsas. E necessério distinguir as sentengas das proposicées para cuja afir- macao elas podem ser usadas. Duas sentengas (ou oracgdes declara- tivas) que constituem claramente duas oracées distintas, porque con- sistem de diferentes palavras, dispostas de modo diferente, podem ter o mesmo significado, no mesmo contexto, e expressar a mesma proposigéo. Por exemplo: Jo&o ama Inés. Inés é amada por Joao. Sao duas sentencas diferentes, pois a primeira contém trés palavras, 30 passo que a segunda contém cinco, a primeira comega com a pa- lavra “Joaéo”, enquanto a segunda comecga com a palavra “Inés” etc, Contudo, as duas sentencas tém itamente 0 mesmo Significado. A diferenca entre oragées e p: posigdes 6 evidenciada ao obser- var-se que uma oragao declarativa faz sempre parte de uma lingua- gem determinada, a linguagem em que ela é enunciada, ao passo que as proposigdes néo so peculiares a nenhuma das linguagens em que podem |ser expressas. As quatro sentengas: Chove. It is raining. Il pleut. Es regnet. Sao certamente diferentes, visto que a primeira esté em portugués, @ segunda em inglés, a terceira em francés e a quarta em-alemao. Contudo, tém todas um unico significado e, em contextos apropria- dos, podem ser usadas para declarar a proposicio de que cada uma delas é uma formulagao diferente. Em diferentes contextos, uma tinica sentenca pode ser usada para fazer declaragdes muito diferentes. Por exemplo: O atual Presidente dos Estados Unidos é um democrata. Seria proferida, em 1962, para fazer uma declaragéo sobre J. F. Ken- nedy, mas em 1964 seria proferida para fazer uma declaracéo sobre L. B. Johnson. Nesses diferentes contextos temporais, a sentenga em questao seria usada para enunciar diferentes proposigdes ou fazer diferentes declaragdes. Os termos “proposicéo” e “enunciado” nao sao sinénimos, mas, no contexto da investigagio ldgica, sio usados numa acepgéo quase idéntica. Alguns autores de temas de ldgica Introdugéo & Légica 23 preferem “declaracdo” ou “enunciado” & “proposi 0”, embora este Ultimo termo tenha sido até hoje mais comum na. Historia da Légica. Neste livro, ambos os termos seréo empregados. Conquanto o processo de inferéncia nao interesse aos ldégicos, para toda e qualquer inferéncia possivel existe um argumento correspon- dente, e € com esses argumentos que o ld6gico esté principalmente Preocupado. Neste sentido, um argumento é _Qualquer grupo de pro- posigdes tal que se afirme ser uma delas derivada das outras, as quais séo_consideradas provas evidentes da verdade da primeira. ¥ claro, a palavra “argumento” é freqiientemente usada para indicar o Prdprio processo mas, em ldgica, tem o sentido técnico explicado. Um argumento nao 6 uma simples colecio de _proposigses, visto que tem_uma estrutura. Na descricéo dessa estrutura sio usualmente empregados os termos “premissa” e “concluséo”. A conclusio de ‘um argumento € aquela proposicao que se afirma com base nas outras proposigées desse smO_argumento, e, por vez, essas outras Proposicdes que sao enunciadas como prova ou razOes para aceitar a_conclus4o_s&0 as. premissas_desse_argumento. Convém notar que “premissa” e “concluséo” séo termos relativos: uma tnica proposigéo pode ser premissa num argumento e concluséo em outro. Consideremos, por exemplo, 0 seguinte argumento: Tudo o que é predeterminado € necessério. Todo evento € predeterminado. Logo, todo evento é necessdrio. 1 Aqui, a proposicaéo todo evento é necessdrio 6 a conclusao, e as outras duas proposigdes sdo as premissas. Mas a segunda premissa, neste argumento — todo evento é predeterminado — é a conclusio no seguinte argumento (diferente): Todo evento causado por outros eventos é predeterminado. Todo evento é causado por outros eventos. Logo, todo evento é predeterminado. Nenhuma proposicio, tomada em si mesma, isoladamente, 6 uma Premissa Ou uma conclusio. Sd _é premissa_quando_ corre como Pressuposicéo num argumento ou racio So € a ocorre num argumento em _que se_afirma rer_das proposic6es pressupostas nesse argumento. Assim, “premissa” e “concluséo” sio termos relativos, como “empregador” e “empregado”. ‘Um homem, tomado por si mesmo, nado é empregador nem empregado, mas pode ser uma coisa ou outra em diferentes contextos: empregador para o Seu jardineiro, empregado para a firma onde trabalha. Em alguns argumentos, como os dois acima, as premissas sio enunciadas primeiro e a conclusio no fim. Mas nem todos os argu- 1. Este argumento ¢ o seguinte so analisados por Leibniz em A Teodicéia: Resumo do Argumento Reduzido a Forma Silogistica. 24 Irving M. Copi mentos so dispostos dessa maneira. Freqlientemente, a conclusio € enunciada primeiro, seguindo-se-lhe as premissas que forem pro- postas em seu apoio, como no seguinte argumento da Politica, de Aristoteles: Em uma democracia, 0 pobre tem mais poder do que o rico, porque hd mais dos primeiros, e a vontade da maioria é su- prema. Note-se, de passagem, que temos neste caso mais uma distingaéo entre orac6es declarativas (sentengas) e proposigdes. Como neste exemplo, uma unica sentenga pode formular um argumento completo, a0 passo que um argumento envolve sempre, pelo menos, duas propo- sigdes: uma conclusio mais uma ou mais premissas. A concluséo de um argumento nfo tem de ser enunciada, neces- Sariamente, no seu final ou no seu comeco. Pode estar — e freqiien- temente esta — intercalada entre as diferentes premissas oferecidas em seu apoio. Por exemplo, em Um Tratado da Natureza Humana, David Hume argumenta: Como @ moral... tem influéncia nas ages e afeicGes, segue-se que ela néo pode ser derivada da raz&o; e isso porque a razéo, por si sd, como ja Provamos, jamais pode ter uma tal influéncia. Aqui, a concluséo de que a moral nao pode ser derivada da razéio emana, segundo pretende o seu autor, das proposig6es que precedem e sucedem & formulagio de Hume. Para levar a cabo a tarefa do ldgico de distinguir os argumentos corretos dos incorretos, deve-se estar apto, primeiramente, a reconhe- cer os argumentos quando eles ocorrem, e a identificar as suas pre- missas e conclusdes. Comegaremos por examinar o segundo desses problemas. Em face de um argumento, como podemos dizer qual é @ sua conclusio e quais sfo as suas premissas? Jé vimos que um argumento pode ser enunciado com a sua conclusio em primeiro lugar, em Ultimo lugar ou entre suas varias premissas. Logo, a con- clusio de um argumento n&o pode ser identificada em fungio da sua posicéo no enunciado de um argumento. Ent&o, como reconhe- cé-la? Ha certas palavras ou frases que servem, tipicamente, para introduzir a conclusio de um argumento. Entre os mais comuns indi- cadores de concluséo temos: “portanto”, “dai”, “logo”, “assim”, “con- seqiientemente”, “segue-se que”, “podemos inferir” e “podemos con- cluir”. Outras palavras ou frases servem, tipicamente, para assinalar as premissas de um argumento. Entre os indicadores de premissas mais comuns temos: “porque”, “desde que”, “pois que”, “como”, “dado que”, “tanto mais que” e “pela razfio de que”. Uma vez reconhecido um argumento, eSsas palavras e frases ajudam-nos a identificar as suas premissas e sua conclusaéo. Introdugdo & Légica 25 Mas nem todos os trechos que contém um argumento sao obri- gados a conter esses termos ldgicos especiais. Consideremos, por exemplo, 0 seguinte trecho de uma deciséo relativamente recente do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos: ¥ necessério um raciocinio obtuso para injetar qualquer questéo do “livre exercicio” de religifio no presente caso. Ninguém 6 obrigado a assistir as aulas de religiio e nenhum exercfcio ou instrucio de cardter religioso € levado para as aulas das escolas ptiblicas. Um estudante nao precisa receber instrucio religiosa. Esta entregue aos seus proprios desejos, quanto & maneira ou tempo que reputa apropriado as suas devogdes religiosas, se as tiver.? Aqui, a conclusaéo, que poderia ser parafraseada como “o caso presente nao tem relagaéio com o ‘livre exercicio’ da religiao”, é enun- ciada na primeira frase. As trés Ultimas frases oferecem bases ou Provas em apoio dessa conclusio. Como podemos nds saber que a primeira frase formula a concluséo e que as outras trés formulam as premissas? O contexto é imensamente titil neste caso como, de fato, 0 6 usualmente. Também sio tteis algumas das frases usadas para expressar as varias e diferentes proposigées envolvidas. A frase “é necessdrio um raciocinio obtuso para injetar...” sugere que a questao de saber se 0 problema do “livre exercicio” da religiéio esta envolvido ou nao neste caso é, precisamente, o ponto de contenda, sobre o qual © litigio se concentra. As outras proposigdes séo formuladas em ter- mos axiomaticos, como se nfo houvesse discussdéo sobre elas e, por- tanto, néo ha problema em serem aceitas como premissas. Convém notar que nem tudo o que é dito no decorrer de um argumento é premissa ou conclusiéo desse argumento. Um trecho que contém um argumento pode conter também outro material, que 6, as vezes, irrelevante mas, com freqiiéncia, fornece importantes in- formagées sobre os antecedentes do argumento, habilitando o leitor ou o ouvinte a compreender o argumento de que se trata. Por exem- plo, em seus Estudos de Pessimismo, Schopenhauer escreve: Se 0 cédigo penal profbe 0 suicidio, isso néo constitui um argumento valido na Igreja; e, além disso, a proibic&o é ridicula; pois que penalidade poderé assustar um homem que nao teme a prépria morte? Aqui, o material antes do primeiro ponto-e-virgula nao é premissa nem concluséo. Mas sem a presenca dessas palavras, ignorariamos a que “proibicao” a conclusio se refere. Neste caso, a conclusio é que a proibicgéo de suicidio do Cdédigo Penal é ridicula. A premissa ofe- Tecida em seu apoio 6 que nenhuma penalidade pode assustar um homem que nao teme a prépria morte. Este exemplo também nos mostra que as proposigdes podem ser enunciadas na forma de “per- guntas retdricas”, as quais sio usadas mais para fazer afirmacées do que formular interrogagées, muito embora aquelas estejam em forma interrogativa. 2. © Juiz Douglas, pelo Tribunal. Zorach vs. Clauson 343 US 306 (1952). 6 Irving M. Copi Alguns trechos podem conter dois ou mais argumentos, quer em Sucessfo, quer interligados. Por exemplo, em Concerning Civil Go- vernment, John Locke escreveu: Nao € necessdrio — nem de muita conveniéncia — que o legislativo esteja Sempre em atividade; mas é absolutamente necessdrio que o poder executivo esteja, pois nao hé uma necessidade permanente de elaboracio de novas leis, mas € sempre imprescindivel a execucdo das leis promulgadas. Este trecho pode ser analisado de varias maneiras; porém, um modo perfeitamente correto é considerd-lo como se contivesse dois argumentos. Em um deles, a conclusiéo de que néo é necessdrio que o poder legislativo esteja em sessdéo permanente baseia-se em que nado é preciso que novas leis estejam sempre a ser feitas. No outro, a con- clusdo de que é absolutamente necessdrio que o poder executivo esteja em ezercicio continuo baseia-se no fato de que hdé sempre necessidade de proceder a execugio das leis promulgadas. Em alguns trechos que contém mais de um argumento, sua conexdo 6 ainda mais estreita, como no caso de a conclusio de um argumento ser premissa de outro. Considere-se, por exemplo, o seguinte trecho: Como nfo existe resisténcia elétrica na bobina condutora de eletricidade de um magneto supercondutor, nenhuma energia 6 dissipada como calor, ¢ fortes campos podem ser mantidos sem, praticamente, qualquer consumo de energia.* Temos aqui a premissa no hd resisténcia elétrica na bobina que trans- Porta a corrente de um magneto supercondutor, da qual nenhuma energia é dissipada como calor de um magneto supercondutor, inferida como conclus&o no primeiro argumento. Depois,.no segundo argumen- to, a concluséo do primeiro serve como premissa da qual é inferida uma outra concluséo — fortes campos podem ser mantidos num mag- neto supercondutor sem praticamente dispéndio algum de energia. EXERCICIOS ¢ 1. Identificar as premissas e conclusdes nos seguintes trechos, cada um dos quais contém apenas um argumento: 1. Foi assinalado que, embora os ciclos de negécio n&io sejam periodos, sa0 adequadamente descritos pelo termo “ciclos” e, portanto, sao suscetiveis de medicao. JAMES ARTHUR ESTEY, Business Cycles * 2. Desde que a filosofia politica é um ramo da filosofia, até a explicacio mais provisdria do que € filosofia politica ndo pode dispensar uma explicagio, Por mais proviséria que seja, do que a filosofia é. LEO STRAUSS, What Is Political Philosophy? and Other Studies 8.__W. B. Sampson, P, O. Craig e M, Strongin, “Advances in Superconducting Magnets”, Scientific American, Vol. 216, Ne 3, margo de 1967. 4. A solugo dos exercicios com estrelinha é dada no final do livro, das pags. 443 a 469. * Obra traduzida pela MESTRE JOU, sob o titulo CICLOS ECONOMICOS, 1967, Introdugdo_& Légica ar 3. Quer nossa discussdo diga respeito aos negécios piblicos ou a qualquer outro tema, devemos conhecer alguns, ou todos os fatos sobre o tema de que estamos falando ou a cujo propdsito discutimos. Caso contrdrio, ndo teremos os materiais de que os argumentos séo construidos. ARISTOTELES, A Retérica 4. “...a mais popular descrigéo que se pode dar de um contrato 6 também a mais exata, notadamente, pois é uma promessa ou conjunto de promessas que a lei fara respeitar.” Portanto, est4 claro que um estudo de contratos 6 ym estudo de promessas. WILLIAM H. SPENCER, A Teztbook of Law and Business %* 5. A dgua tem_um calor latente superior ao do ar: mais calorias sio necessdrias para aguecer uma determinada quantidade de agua do que para aquecer’ um igual montante de ar. Assim, a temperatura do mar determina, de um modo geral, a temperatura -do ar acima dele. * 6. Ele [Malthus], por exemplo, diz que os lucros e sal4rios podem subir ao mesmo tempo, e, com freqiiéncia, é o que acontece. Isto, digo eu, jamais pode ser verdade. ‘Por qué? Porque o valor é medido por proporcées, e um valor elevado significa uma grande proporcéo de todo o produto, Deste modo, quando a proporcéo de um todo aumenta, a outra tem que diminuir. DAVID RICARDO, Notes on Malthus 7 © cidado que tanto preza a sua “independéncia”.e ndo se alista num Partido’ politico esté, realmente, ffaudando a independéncia, porque abandona © quinhao do poder de decisio no nivel primdrio: a escolha do candidato. BRUCE L. FELKNOR, Dirty Politics 8. Como a felicidade consiste na paz de espirito e como a duradoura paz de espfrito depende da confianca que tenhamos no futuro, e como essa confianca € baseada na ciéncia que devemos conhecer da natureza de Deus e da alma, Seguese que a ciéncia é necessdria & verdadeira felicidade. GOTTFRIED LEIBNIZ, Prefdcio a Ciéncia Geral 9. ‘Vossos déspotas governam pelo terror. Sabem que quem teme a Deus nada mais teme; portanto, erradicam da mente, através dos seus Voltaire, dos seus Helvetius e do resto. desse bando infame, aquela espécie nica de medo que gera a verdadeira coragem. ‘ EDMUND BURKE, A Letter to a Member of the National Assembly % 10. Se o comportamento econémico fosse 0 fendmeno inerte que se retrata, &s vezes, em modelos econémicos, entio os tinicos atributos significativos das ocupacées seriam as respectivas habilitacdes profissionais e a oferta e procura Para elas. Mas as ocupagées so amplamente socioldgicas, mais do que estrita- ™mente econdmicas; por conseguinte, estéo decisivamente identificadas com fend- menos néo-econémicos na comunidade. SIGMUND NOSOW e WILLIAM ’H. FORM, Man, Work and Society 11. Como a abolic&o levaria, evidentemente, a uma socializagio progressiva da propriedade dos bens dos produtores, e como a heranga estimula definitiva- mente aquela acumulagio de riqueza que é vital ao funcionamento do capitalis- mo, ent&o, a heranca é uma instituicdo inata da economia capitalista.* 5. H. F, Garner, “Rivers in the Making”, Scientific American, Vol. 216, N» 4, abril de 1967. 6. ‘Transcrito de Comparative Economic Systems, com licenga de William N. Loucks @ J. Weldon Hoot. Copyright, 1948, Harper & Brothers, Nova lorque. 28 Irving M. Copi 12. © turismo [no Egito] deveria produzir, normalmente, $100 milhdes de délares por ano com atragées, tais como as piramides, a Esfinge e outros timulos e templos faradnicos. Mas, este ano, as receitas turisticas no iréo além de $40 milhdes, aproximadamente, porque os briténicos impuseram severas restricées monetirias aos seus turistas; a Alemanha Ocidental desencorajou seus vera- neantes a ir ao Egito, pois 0 Cairo rompeu relacées diplomaticas por causa do reconhecimento de Israel por Bonn, e os americanos, os que mais gastam, estio fartos de hotéis de segunda classe, servigo inferior e comida abomindvel. LEE GRIGGS, “Business Around the Globe: Egypt's Broken-down Economy,” Fortune, maio de 1967, pag. 70 13. Uma mulher semifaminta dos Highlands dé freqtientemente a luz mais de vinte filhos, ao passo que uma rica e elegante é, muitas vezes, incapaz de eriar um nico; em geral, fica exausta com dois ou trés. A esterilidade, tao fregiiente entre mulheres da sociedade, é muito rara entre as de situacdo inferior. O luxo no belo sexo, conquanto inflame, talvez, a paixio do gozo, parece enfra- quecer e, freqtientemente, destruir todas as forcas da procriacao. ADAM SMITH, A Riqueza das Nacées 14. A janela do lado ceste, através da qual ele olhara téo fixamente, tinha, observei eu, uma peculiaridade’ que a distinguia de todas as outras janelas da casa: dominava a paisagem mais proxima da charneca. Havia uma abertura entre duas Arvores que habilitava a quem estivesse nesse ponto de observacio olhar diretamente para baixo, ao passo que das outras janelas s6 se podia dis- tinguir um trecho distante da chamneca. Conclui-se, portanto, que Barrymore, uma vez que sd essa janela servia aos seus propdsitos, deveria estar vigiando alguma coisa ou alguém na charneca. A. CONAN DOYLE, O Cao dos Baskervilles 15. Maupertuis era um homem engenhoso, mas néo um homem de forte sentido prdtico. Isto é evidenciado pelos esquemas que estava incessantemente ideando: audazes proposicdes para fundar uma cidade em que sé se falasse latim, cavar um pogo profundo a fim de encontrar novas substancias, instituir investigag6es psicoldgicas através do épio e da dissecacéo de macacos, explicar como se forma o embriéo por gravitacdo, e assim por diante. ERNST MACH, The Science of Mechanics II. Cada um dos seguintes trechos contém mais de um argumento. Distin- guilos e identificar suas premissas e conclus6es: % 1. A instituigdo do longo aprendizado nfo é favoravel a formacio de jovens para a industria. Um jornaleiro, que trabalha por peca, é provavelmente ativo, Porque extrai o beneficio de todos os esforcos resulianies da sua atividade. Um aprendiz € provavelmente preguicoso, e quase sempre o 6, porque néo tem qual- quer interesse imediato em ser outra coisa. ADAM SMITH, 4 Riqueza das Nacées ,.2:_,Nao podemos comparar um processo com “a passagem do tempo” — no existe tal coisa — mas unicamente com um outro processo (como o fun cionamento de um cronémetro). Logo, s6 podemos descrever 0 lapso de tempo, confiando em algum outro processo, LUDWIG WITIGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus xi - Introdugdo 4 Légica 3. Como um individuo abandonado a si prdprio nfo pode realizar todas as boas coisas que poderia de outro modo obter, tem de viver e trabalhar com outros. Mas a sociedade nao € possivel sem simpatia e amor; portanto, a virtude primordial que é dever de todos e de cada um desenvolver 6 0 amor a humanidade. M. M. SHARIF, Muslim Thought Embora a liberdade se encontre realmente entre as maiores benesses, nfio é tao grande quanto a protecio; & medida que a finalidade da primeira 6 0 progresso e aperfeigoamento da raca, a finalidade da segunda € a preser- vagao e perpetuagio da propria raca. Por isso, quando as duas entram em conflito, a liberdade deve e tem sempre que ceder 0 passo & protegio, visto que a existéncia da raga é de mais importancia do que 0 seu aperieigoamento. JOHN C. CALHOUN, A Disquisition on Government % 5. ... dizemnos que esse Deus, que prescreve a indulgéncia e o perdio para todas as faltas, nfo exerce nem uma nem outra coisa, mas faz exatamente ‘© oposto; entao, um ‘castigo que vem no fim de todas as coisas, quando o mundo estd irremediavelmente perdido, nao pode ter como objetivo aperfeicoar ou dis- suadir; é, portanto, pura vinganca. ARTHUR SCHOPENHAUER, “O Sistema Cristo” 6. A verdadeira distingdo entre essas formas... 6 que, numa democracia, 0 Povo relinese e exerce 0 governo em pessoa; numa repliblica, retinese e ad- ministra por intermédio de seus representantes e agentes, Uma democracia, Portanto, tem que estar confinada numa pequena localidade, Uma reptblica pode estenderse a uma vasta regi JAMES MADISON, The Federalist, Nimero XIV 7. Nao tem havido estudos sistemdticos e em grande escala do sono, com- parando diferentes profissionais; assim, ignoramos se os intelectuais precisam de menos sono que os atletas, e se o esforco fisico, em contraste com o esforco mental, influi na importancia do sono de uma pessoa. Os episddios pessoais nfo podem decidir essa questo. Mesmo quando nao sao deliberadamente falsi- ficados, sAo inidéneos, porque as pessoas nao tém certeza na descrigéo de seus habitos do sono. * 8. Porque os aldedos hindus nunca abatem uma vaca, 0 gado que existe para comer 6 s6 0 que morre de morte natural; portanto, comer bife equivale a comer carnica. ® 9. “... Voo8 esteve no seu clube o dia todo, pelo que vejo.” “Meu caro Holmes!” “Acertei?” “Certamente que sim! Mas como...?” Ele riu da minha expresséo_perplexa. “4 uma deliciosa ingenuidade em sua natureza, Watson, que me faz sentir prazer no exercicio de quaisquer insignificantes poderes que eu possua & sua custa, Um cavalheiro sai de casa num dia chuvoso e enlameado. Regressa ima- culado no fim da tarde, com sua cartola e suas botinas ainda reluzentes. Por- tanto, esteve imobilizado algures o dia todo. Nao é um homem com amigos intimos. Onde é que poderia ter estado, entio? No é dbvio?” A. CONAN DOYLE, O Cao dos Baskervilles 7, Transcrito de Sleep, com autorizagéo de Gay Gaer Luce e Julius Segal. Copyright, 1966. Coward-McCann, Inc. Nova Iorque. 8. Reproduzido de “The ‘Untouchables’ of India”, por M. N. Srinivas e André Be- teille, em Scientific American, Vol. 213, N° 6, dezembro de 1965. 30 Irving M. Copi 10. © fotografado jamais fica mais ou, usualmente, menos satisfeito com qualquer fotografia do que o fotdgrafo. 1.’ O fotografo fica (a) surpreendido 20 descobrir que existe uma imagem no negativo; (b) satisfeito, se a imagem parece ser de razoavel nitidez, densidade e contraste; (c) deliciado, se ela tiver semelhancas com qualquer ser humano e (d) exultante, se for reconhecivel como um retrato do fotografado. II, Pelo contrério, 0 fotografado (a) recorda as torturas de posar; (b) sabe que é belo (ou bela). III. Portanto, se nao parecer belo na fotografia, é unicamente porque o fotdgrafo é turvo, deficiente, subde- senvolvido e esttipido. AARON SUSSMAN, The Amateur Photographer's Handbook ® ll. A prova dos sentidos ainda mais confirma isto. Se assim no fosse, como poderiam os eclipses da lua mostrar segmentos da forma que os vemos? De fato, os formatos que a propria lua mostra cada més sao de todos os tipos — regulares e cheios, convexos e cOncavos — mas, nos eclipses, 0 contorno é sempre curvo, e, como € a interposicao da terra que faz o eclipse, a forma dessa linha serd causada pela forma da superficie da terra que, portanto, 6 esférica, ARISTOTELES, Dos Céus mm, RECONHECIMENTO DE ARGUMENTOS Passemos agora ao problema de reconhecer argumentos. Em cada argumento uma ou mais premissas e uma conclusio sao afir- madas. Mas nem toda a assercéo de muitas proposigdes constitui um argumento. Os jornais, revistas e livros de estoria apresentam com fartura assercdes, embora a tendéncia seja para conter relativa- mente poucos argumentos. Conter numerosas assercées 6 uma con- dicéo necessdéria para que o discurso expresse um argumento, mas n&o uma condigao suficiente. Nao obstante, essa condicaéo necessdria distingue os argumentos de varios géneros dos nAo-argumentos com que sao, as vezes, confundidos. Considere-se este enunciado: Se os objetos de arte sao expressivos, eles so uma linguagem. Tal proposic&o 6 denominada “condicional”. Sua proposicaéo com- ponente — os objetos de arte séo expressivos — nao é afirmativa, nem. sua outra proposigéo componente eles sdo uma linguagem. Afirma apenas que a primeira implica a segunda, mas ambas poderiam ser falsas, independentemente de tudo o que o enunciado declara. Ne- nhuma premissa é declarada, nenhuma inferéncia é feita, nenhuma con- clusao é reivindicada como verdadeira; néo hd argumento neste caso. Mas examine-se agora a seguinte citacio de Art as Experience, de John Dewey: Porque os objetos de arte sio expressivos, eles so uma linguagem. 8. Reproduzido de The Amateur Photographer's Handbook, de Aaron Sussman (Nova Torque: Thomas Y. Crowell, 1962), com autorizagio do editor. 1.0 PARA RAL Introducdo a Logica 31 Aqui temos, de fato, um argumento. A proposicéo objetos de arte sdo erpressivos é afirmada como premissa, e a proposigéo sdo uma lin- guagem decorre dessa premissa; portanto, ¢ enunciada como verda- deira. Uma declaragaéo condicional pode parecer um argumento, mas nao é um argumento; por isso, os dois nao devem ser confundidos. Consideremos um outro trecho que parece — a primeira vista ser ainda mais um argumento do que o exemplo anterior. No prefacio de Roget’s Thesaurus encontramos: Os sinénimos séo bons servos, mas amos ruins; portanto, esco- Iham-nos com cuidado. Apesar da presenga do tipico indicador de conclusio “portanto”, no trecho acima, nfo consideramos tais declaragdes, de um modo geral, como uma expresséo de argumentos. O que se segue a “‘portanto” é mais uma ordem do que uma proposigéo, e como uma ordem nao 6 verdadeira nem falsa, ndo pode pretender ser verdadeira com base no que é afirmado no resto do trecho. Sempre que uma ordem, em vez de uma assercdo, ocupa o lugar proprio de uma conclusao, n&o temos um argumento. Premissas e conclusGes devem ser afir- madas num argumento e é por isso que trechos como estes nao expressam argumentos. Jé sublinhamos que, embora qualquer trecho que expresse um argumento contenha vdrias proposigdes nele afirmadas, nem todo 0 trecho em que varias proposigdes séo enunciadas contém, necessaria- mente, um argumento. Para que um argumento esteja presente, uma dessas proposig6es afirmativas deve decorrer de outras proposi¢gées declaradas como verdadeiras, as quais se apresentam como base para a conclusio — ou como razées para se acreditar na concluséo. Essa pretensio da verdade pode ser explicita ou implicita. Sera explicita pelo uso de indicadores de premissa ou indicadores de conclusao, ou pela ocorréncia de palavras tais como “deve”, “tem que” ou “necessa- riamente” na concluséo. Mas a presenga desses indicadores de argu- mento nfo é sempre decisiva. J&é vimos como “portanto” pode intro- duzir uma ordem em vez de uma concluséo. Alguns desses indica- dores de argumento tém igualmente outras fungdes. Por exemplo, se compararmos desde que Henry se diplomou em medicina, sua renda provavel é muito elevada com desde que Henry se diplomou em medicina houve muitas mudan- eas nas técnicas médicas, vemos que, embora o primeiro seja um argumento em que a palavra “desde” indica a premissa, 0 segundo trecho nao é um argumento, 32 Irving M. Copi de maneira alguma. No segundo, a palavra “desde” tem um uso mais temporal (doravante, a partir de...) do que ldgico (visto que, uma vez que... ). As palavras “porque” e “porquanto” também tém outros usos, além dos estritamente ldgicos. Comparemos os dois trechos seguintes: Nenhum sistema pode existir metade matéria e metade antimatéria, porque as duas formas de matéria se aniquilam mutuamente?, © Império Romano desmoronou e pulverizou-se, porque Ihe faltava 0 espi- rito de liberalismo e livre iniciativa. 11 No primeiro, temos um argumento, em que o termo “porque” indica a premissa, Sabe-se que as duas formas de matéria se aniquilam mutuamente, e disto € inferido que nenhum sistema pode existir me- tade matéria e metade antimatéria. Mas, no segundo trecho nao ha argumento. Nao inferimos que o Império Romano desmoronou e pul- verizou-se. A assergéo de que ao Império Romano faltava o espirito de liberalismo e livre iniciativa nio € oferecida como prova, base ou razéo para acreditar que o Império Romano desmoronou e pulveri- zou-se, Esta Ultima proposigiéo é mais bem conhecida e esté muito mais atestada do que a anterior. O que temos aqui é a explicacio proposta por von Mises para a derrocada do Império Romano. O que se enuncia é uma conexéo causal entre a falta de espirito libera- lista e de livre iniciativa do Império Romano e seu desmoronamento e pulverizacéo. Ambas as proposigdes séo afirmativas e uma conexao é enunciada afirmativamente para manté-las interligadas. Mas ai acaba a semelhanca, muito embora as formulagées desses ndo-argu- mentos possam ser exatamente como as de argumentos. A diferenga entre esses argumentos e ndo-argumentos é, primor- dialmente, uma diferenga de propdsito ou interesse. Uns e outros podem ser formulados no modelo @ porque P. Se estamos interessados em estabelecer a verdade de Q, e se P é oferecido como prova dela, entéo “Q@ porque P” formula um argu- mento. Contudo, se considerarmos a verdade de @ nio-problematica, téo bem estabelecida, pelo menos, quanto a verdade de P, e se esti- vermos interessados em explicar porque @ € 0 caso, entdo “@ porque P” néo é um argumento mas uma explicacio. Mas nem todos os exemplos séo tao facilmente classificados. Em cada caso, 0 contexto pode ajudar a esclarecer a inteng&o do escritor ou do locutor. Se seu Propésito for estabelecer a verdade de uma de suas proposigées, ele 10, H, Alfvén, “Antimatter and Cosmology”, Scientific American, Vol. 216, Ns 4, abril de 1967. 11, Ludwig von Mises, Human Action, A Treatise on Economics. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA | BIBLIOTECA CENTRAL| Introdugéo a Légica we BASINS 3 formula um argumento. Se seu propdsito é explicar, entéo formula uma explicagao. As explicag6es serio examinadas em maior detalhe, mais adiante, no capitulo 13 deste livro. EXERCiCIOS Apenas alguns dos trechos seguintes contém argumentos. Indicar os que tém argumentos e identificar suas premissas e conclusdes: * 1, Bem-aventurado € aquele que nada espera, pois nunca seré decepcionado. ALEXANDER POPE, Letter to John Gay 2. Peca o mesmo para mim, pois os amigos devem ter todas as coisas em comum. PLATAO, Fedro 3. Quando 0 elevado preco do trigo 0 efeito de uma procura crescente, € sempre precedido de um aumento de salérios, pois a procura nao pode subir sem um aumento dos meios, no povo, para pagar aquilo que deseja. DAVID RICARDO, Principles of Political Economy and Taxation 4. Quando todas as demais circunstancias sao idénticas, os salérios so, geralmente, mais elevados nos novos ramos da indtstria e comércio do que nos antigos. Quando um empresdrio tenta estabelecer uma nova industria, deve, em Primeiro lugar, atrair os operdrios de outros empregos com salarios superiores @os que ganham em seus proprios ramos ou, entdo, aos que a natureza do seu trabalho de algum modo exige; e um tempo consideravel deve transcorrer antes de ele se arriscar a reduzi-los ao nivel comum. ADAM SMITH, A Rigueza das Nagées %& 5. Se quereis descobrir vossa opiniao real sobre alguém, observai a im- Bressio que vos causa a primeira observacao de uma carta escrita por essa Pessoa, ARTHUR SCHOPENHAUER, Observacées Psicoldgicas 6. Poucos negariarn que uma taxa de licenca incidindo, especificamente, sobre o privilégio de disseminar idéias infringiria o direito de livre expresso. Para citar uma razao, entre outras, se o Estado tributasse o privilégio, teria que fixar o montante do tributo e, através da taxa, controlaria ou suprimiria a atividade que assim tributou. JUIZ-PRESIDENTE STONE, dando seu parecer contrario, ‘Jones vs. City of Opelika, 316 US 584 (1942) 7. Se dermos & eternidade o significado nfo de duraco temporal infinita mas de intemporalidade, entéo a vida eterna pertence aos que vivem no presente. LUDWIG WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus 8. Os sedativos néo se limitam a induzir o sono e, de fato, as pessoas que sofrem de insOnia transitoria sio mal aconselhadas a tomar varios drinques ©, depois, algumas pilulas soporiferas, sobretudo se tiverem mais de cingiienta anos. Na combinacao, os efeitos da droga sao intensificados e as doses que uma Pessoa talvez considere moderadas podem ser até fatais, 12 12. Transcrito de Sleep, com autorizagio de Gay Gaer Luce e Julius Segal. Copyright, 1966. Coward-McCann, Inec., Nova Iorque. 34 | Irving M. Copi 9. © pedreiro que trabalha na construcdéo de uma casa pode ignorar o seu projeto geral, ou, de qualquer modo, talvez ndo o tenha constantemente na idéia. © mesmo acontece com o homem: trabalhando todos os dias e todas as horas de sua vida, dedica poucos pensamentos ao cardter da vida como um todo. ARTHUR SCHOPENHAUER, Conselhos e Mézimas 410. A nenhum homem 6 consentido ser juiz em causa propria; porque seu interesse certamente influiré em seu julgamento, e, ndéo improvavelmente, corromper4 a sua integridade. JAMES MADISON, The Federalist, Numero X 11. Como é impossivel para todo individuo, como para toda nagio, simul- taneamente ser mais forte do que seus vizinhos, é um truismo que a liberdade, separada das liberdades de determinadas pessoas e classes, sd pode existir & medida que é limitada por regras que assegurem que a liberdade para alguns nao significa escravidio para outros. R. H. TAWNEY, Equality 12. O negécio da etiqueta estd indo muito bem, obrigado. Os livros que instruem um sujeito como no ser cacete nem grosso se estéio tornando agora, de rigor, no mundo editorial, sobretudo, porque raramente cometem o mais desas- trado passo em falso livresco: perder dinheiro. '* 13. Essas tributagdes sobre os esforcos dos suplicantes para pregar as “novas do Reino” deviam ser abolidas porque oneram o direito dos suplicantes a render culto & Divindade & maneira deles e a espalhar o Evangelho tal como © entendem. JUIZ MURPHY, dando seu parecer con- trério, Jones vs. City of Opelika, 316 US 584 (1942) 14. A longo prazo, um bom ampliador 6 um investimento sdbio. Uma mé- quina defeituosa nao sé Ihe estragard a foto, mas destruiré seu interesse pela fotografia e arruinaré sua disposicio. AARON SUSSMAN, The Amateur Photo- grapher's Handbook * 15. Do ponto de vista do stidito, poder-se-d concluir que uma democracia pura, pela qual entendo uma sociedade que consiste num reduzido mimero de cidadaos que se retinem e administram 0 governo em pessoa, nao pode admitir emenda alguma para os erros cometidos pela faccio. Uma paixio ou interesse comuns, em quase todos os casos, serao sentidos por uma maioria do todo; uma comunicacio e concerto resultam da forma do proprio governo; e nada existe para impedir os incentivos a fim de sacrificar 0 grupo mais fraco ou 0 individuo nocivo. Por isso, é que tais democracias foram sempre espetéculos de turbu- léncia e conflito; foram sempre, comprovadamente, incompativeis com a segu- anca pessoal ou os direitos de propriedade; e, em geral, foram tio curtas na propria vida quanto violentas na prépria ‘morte. JAMES MADISON, The Federalist, Numero X 13, “Politeness Pays”, por Felix Kessler. The Wall Street Journal, Vol. CLXIX, N° 68, sexta-feira, 6 de maio de 1967. 14. Transcrito de The Amateur Photographer's Handbook, de Aaron Sussman (Nova Torque: Thomas ¥. Crowell, 1962), com autorizacéo do editor. Introdugéo & Légica 35 IV. DEDUCAO E INDUGAO Os argumentos estio tradicionalmente divididos em dois tipos: dedutivos e indutivos. Se bem que todo argumento implique a pre- tensio de que suas premissas fornegam a prova da verdade de sua concluséo, somente um argumento dedutivo envolve a pretensdo de que suas premissas fornecem uma prova conclusiva. No caso dos argumentos dedutivos, os termos técnicos “valido” e “invdlido” sao usados no lugar de “correto” e “incorreto”. Um raciocinio dedutivo € vdlido quando suas premissas, se verdadeiras, fornecem provas con- vincentes para sua conclusio, isto 6, quando as premissas e a conclu- sao estao de tal modo relacionadas que é absolutamente impossivel as premissas serem verdadeiras se a conclusiéo tampouco for verda- deira. Todo raciocinio (ou argumento) dedutivo é validu ou invalido; a tarefa da ldgica dedutiva 6 esclarecer a natureza da relacdo entre as premissas e a concluséo em argumentos vdlidos, e assim, nos per- mitir que discriminemos os argumentos vdlidos dos invdlidos. A teoria da deducdo, incluindo a ldgica tradicional e simbdlica, ocupa a se- gunda parte deste livro. Um raciocinio indutivo, por outro lade, envolve a pretensdo, nfo de que suas premissas proporcionem provas convincentes da verdade de sua concluséo, mas de que somente fornecam algumas provas disso. Os argumentos indutivos nio séo “vdlidos” nem “invdlidos” no sen- tido em que estes termos se aplicam aos argumentos dedutivos. Os raciocinios indutivos podem, é claro, ser avaliados como melhores ou piores, segundo o grau de verossimilhancga ou probabilidade que as premissas confiram as respectivas conclusdes. Nosso estudo da proba- bilidade e da teoria de indugdo é apresentado na terceira parte. EXERCICIOS Distinguir os argumentos dedutivos e indutivos contidos nos seguintes trechos: %* 1. Como os testes demonstraram que foram precisos, pelo menos, 2,3. se- gundos para manobrar a culatra do rifle de Oswald, 6 Gbvio que Oswald néo Poderia ter disparado trés vezes — atingindo Kennedy duas vezes e Connally uma vez — em 5,6 segundos ou menos. 1° 2. “...Jim disse que a8 abelhas nfo picariam idiotas; mas n&o acreditei nisso, porque jd experimentara uma porcdo de vezes e nunca me haviam picado.” MARK TWAIN, As Aventuras de Huckleberry Finn 3. Que Hamilton tivesse possuido, em qualquer altura, uma considerdvel soma em titulos ou outros valores parece altamente improvavel, pois nunca foi um homem rico, e ao morrer, deixou poucos bens. CHARLES A. BEARD, An Economic Interpretation of the Constitution of the United States 15. “Autopsy on the Warren Commission”; Time, Vol. 88,. N. de 1966. *® de setem*-o 36 Irving M. Copi 4. Como o homem 6 essencialmente racional, o reaparecimento constante da metafisica na histéria do conhecimento humano deve ter explicagéo na estru- tura da propria razAo. ETIENNE GILSON, L’Unité de V'Expérience Philosophique % 5. Um horteldo que cultiva sua propria horta, com suas prdprias méos, retine em sua propria pessoa trés diferentes caracteres: de proprietdrio rural, de agricultor e de trabalhador rural. Seu produto, portanto, deveria pagar-lhe @ renda do primeiro, o lucro do segundo e o salario do terceiro. ADAM SMITH, A Riqueza das Nagdes 6. Numa escola subprivilegiada do Harlem, costumavam testar a inteligén- cia de todas as criancas em intervalos de dois anos. Concluiram que, de dois em dois anos, cada classe que avangava tinha menos dez pontos de “inteligéncia inata”. Isto 6, os esforcos unidos @ influéncia familiar e A educacao escolar, Por sinal uma poderosa combinacéo, conseguiram fazer com que as criancas ficassem significativamente mais estipidas de ano para ano; se tivessem mais alguns anos de vinculos familiares compulsérios e instrugdo obrigatdria, acaba- Tam todas como idiotas perfeitas.2* 7. ...as etnias tém escassa tradigéo na fabricagio de calcado e pouco conhecem do prestigio antigamente associado ao oficio de sapateiro. Dal, Serem menos resistentes & mecanizac&o da indtistria do calgado do que os grupos que fizeram sapatos nos velhos tempos. W. LLOYD WARNER e J. O. LOW, The Social System of the Modern Factory 8. Podemos até dizer que, se nfo houvesse escassez nem restrigdes de ali- mento, entao aqueles animais que hoje temem o homem ou so selvagens por natureza seriam déceis e estariam familiarizados com ele, e do mesmo modo, uns com os outros. Isto é demonstrado pela maneira como os animais séo tratados no Egito, pois, em virtude do alimento lhes ser constantemente su- Prido, aqueles que sio mais ferozes vivem em pacifico convivio. O fato é que so domesticados pela bondade, e, em alguns lugares, os crocodilos séo déceis Para seus guardides sacerdotais em virtude de serem por estes alimentados. E © mesmo fenémeno é também observado em muitas outras partes, ARISTOTELES, Histéria de Animais 9. Parece que a vontade de Deus é varidvel. Pois o Senhor disse (Gen. vi. 7): Porque me arrependo de ter feito 0 Homem. Mas quem se arrepende do que fez tem uma vontade varidvel. Portanto, Deus tem uma vontade varidvel. TOMAS DE AQUINO, Summa Theologica, I, pergunta 29, artigo 7 % 10. Notarse, pela situagtio do pais, pelos hdbitos do povo, pela experiéncia que temos tido sobre esse ponto, que é impraticavel levantar qualquer soma muito considerdvel para a tributagio direta. As leis fiscais tém-se multiplicado em v&o; novos métodos para aplicar a arrecadacéo foram tentados inutilmente; @ expectativa publica tem sido uniformemente desapontada e as tesourarias esta- duais continuam vazias. ALEXANDER HAMILTON, The Federalist, Numero XII 16. Transcrito de Growing Up Absurd, por Paul Goodman, com autorizagio do autor. Copyright, 1956. Random House, Inc. Introdugéo & Logica xz 11. “...Sempre pensei que observar a lua nova sobre o ombro esquerdo é uma das coisas mais descuidadas, mais imprudentes que um corpo pode fazer. © velho Hank Bunker fez isso uma vez e gabou-se muito; em menos de dois anos apanhou um pileque e despencou da torre do moinho, ficando tao esta- telado que o senhor poderia chamarlhe uma espécie de fatia; como estava assim achatado, meteram-no, de lado, entre duas portas de cocheira, que serviam de caixéo, e assim o enterraram, segundo dizem; mas isso néo vi. Foi o Pai quem me contou. De qualquer modo, foi o resultado de ele ter olhado para a lua daquela maneira, como um idiota.” MARK TWAIN, As Aventuras de Huckle- berry Finn 12, Apenas direi, sucintamente, que a teoria da irrealidade do mal parece- -me agora insustentivel. Se fosse demonstrado que tudo o que pensamos ser mau era, na realidade, bom, persistiria ainda o fato de pensarmos que é mau. Isto poderia ser considerado uma iluséo ou um erro. Mas uma iluséo ou um erro sdo coisas téo reais quanto quaisquer outras. A crenga errénea de um selvagem de que a terra é estaciondria é tao real quanto o fato de um astré- nomo acreditar, corretamente, que ela se moyimenta. A ilusdo de que o mal existe é, portanto, real. Mas, entéo, para mim pelo menos, parece certo que uma ilusio ou um erro que nos escondem a bondade do universo seriam, em si mesmos, um mal. Portanto, seria um mal real, em wltima andlise. JOHN M. E. MC TAGGART, Some Dogmas of Religion 13. ... no fundo, nao acreditava que tivesse atingido aquele homem. A lei das probabilidades decretou-me inocente do seu sangue, visto que, em toda a minha pouca experiéncia com armas de fogo, nunca atingira coisa alguma que tentasse alvejar e sabia que fizera todo o possivel por atingi-la. MARK TWAIN, Notebook 14. Senhor: Vosso ensaio inclui a seguinte afirmagio: “Como os testes de- monstraram que foram precisos, pelo menos, 2,3 segundos para manobrar a culatra do rifle de Oswald, evidentemente, Oswald nao poderia ter disparado trés vezes — atingindo Kennedy duas vezes e Connally uma vez — em 5,6 segundos ou menos.” Este argumento, noticiado em muitas publicacdes apds o assassinato, é imperfeito, e estou surpreendido por nio o ter visto ainda refutado. Admi- tindo-se que a culatra do rifle de Oswald pudesse, de fato, ser manobrada em 2,3 segundos, entéo Oswald poderia, definitivamente, disparar trés tiros em menos de 5,6 segundos, pois um cronémetro seria posto em funcionamento, quan- do o primeiro tiro fosse disparado; o segundo tiro seria disparado, quando o Ponteiro do crondmetro marcasse 2,3 segundos e o terceiro tiro, quando o cro- németro marcasse 4,6 segundos. Conforme dizem, esqueceram 0 fato de que, no tempo necessdrio para disparar trés tiros, foi preciso manobrar a culatra apenas duas vezes. FREDERICK T. WEHR 1* 15. Uma subsisténcia abundante incrementa _o vigor fisico do trabalhador, ea consoladora esperanga de melhorar sua condigo, a fim de terminar seus dias, talvez, no conforto e na prosperidade, anima-o a empregar ao méximo esse vigor. Assim, quando os saldrios so altos, veremos sempre os trabalhadores mais ativos, diligentes e desembaragados do que quando os salarios séo baixos... ADAM SMITH, A Riqueza das Nagées 17. Cartas ao Diretor, Time, Vol. 88, N° 14, 30 de setembro de 1966, p. 16. 38 Irving M. Copt V. VERDADE E VALIDADE Verdade e falsidade podem ser predicados das proposigées, nunca dos argumentos. Do mesmo modo, propriedades de validade ou inva- lidade sé podem pertencer a argumentos dedutivos, mas nunca a proposig6es. Existe uma conexo entre a validade ou invalidade de um argumento e a verdade ou falsidade de suas premissas e conclu- sfo, mas essa conexéo de modo nenhum é simples. Alguns argumen- tos vdlidos contém apenas proposigées verdadeiras, como, por exemplo: Todas as baleias sio mamfferos. Todos os mamiferos tém pulmées. Portanto, todas as baleias tém pulmées. Mas um argumento pode conter exclusivamente proposigdes falsas, e apesar disso, ser vdlido, como, por exemplo: Todas as aranhas tém seis pernas. Todos os seres de seis pernas tém asas. Portanto, todas as aranhas tém asas. Este argumento 6 vdlido porque, se suas premissas fossem verdadei- ras, sua conclusio também teria que ser verdadeira, mesmo no caso em que, de fato, fossem todas falsas. Por outro lado, se refletirmos sobre o argumento: Se eu possuisse todo o ouro do Forte Knox, seria muito rico. N&o possuo todo o ouro do Forte Knox. Portanto, néo sou muito rico. ‘Vemos que, embora suas premissas e sua concluséo sejam ver- dadeiras, o raciocinio néo é vdlido. Que as premissas podem ser verdadeiras e a conclusao falsa, se bem que nao o sejam de evidéncia imediata, é facil ver com clareza, considerando-se que, se eu herdasse um milhaio de dolares, as premissas continuariam sendo verdadeiras, mas a conclusdo seria falsa. Podemos ilustrar ainda melhor este ponto, mediante o seguinte argumento, que tem a mesma forma do precedente: Se Rockefeller possuisse todo o. ouro do Forte Knox, entéo Rockefeller seria muito rico. Rockefeller nio possui todo o ouro do Forte Knox. Portanto, Rockefeller néo 6 muito rico, As premissas deste raciocinio sio verdadeiras e sua conclusio é falsa. Um tal argumento néo pode ser vadlido, visto ser impossivel que as premissas de um raciocinio vdlido sejam verdadeiras e sua conclusio falsa, Os exemplos precedentes mostram-nos que hd argumentos validos com conclusGes falsas, assim como argumentos invdlidos com con- Introdugéo & Logica 39 clus6es verdadeiras. Por conseguinte, a verdade ou falsidade da sua conclus&éo nao determinam a validade ou invalidade de um argumento. Tampouco a validade de um argumento garante a verdade da sua concluséo. Ha raciocinios perfeitamente vdlidos que tém conclusdes falsas — mas devem ter, pelo menos, uma premissa falsa. O termo “sdlido” é introduzido para caracterizar um argumento vdlido cujas Premissas sio todas verdadeiras. Evidentemente, a conclusio de um argumento sdlido é verdadeira. Um raciocinio dedutivo n&éo consegue estabelecer a verdade da sua conclusdo se nao for sOlido, 0 que sig- nifica que nfo é vdlido, ou entéo que nem todas as suas premissas sao verdadeiras. Determinar a verdade ou falsidade das premissas é uma tarefa que incumbe @ ciéncia, em geral, pois as premissas podem referir-se a qualquer tema. O ldgico nao esta tao interessado na ver- dade ou falsidade das proposicées quanto nas relagdes légicas que entre elas existem, sempre que por relag6es “ldgicas” entre proposi- gdes entendemos aquelas que determinam a correcio ou incorregéo dos argumentos em que podem ocorrer. Determinar a correcio ou incorregéo dos raciocinios estd inteiramente dentro do dominio da ldgica. O légico esté interessado na correg&o até daqueles argumentos cujas premissas possam ser falsas. Poderé surgir alguma dtivida sobre o valor deste tiltimo ponto. Talvez possa ser sugerido que deveriamos limitar-nos a considerar argumentos que tenham premissas verdadeiras e ignorar todos os demais. Mas, de fato, estamos interessados na corregéo de argu- mentos cujas premissas niéo sabemos se séo verdadeiras, e com fre- qiiéncia, devemos até depender deles. Exemplos de tais situagdes sao faceis de sugerir. Quando um cientista esta interessado na verifi- cacao de suas teorias mediante a dedugdo, a partir delas, das conse- qiiéncias suscetiveis de verificagdo, ignora, de antemAo, quais séo as verdadeiras. Se soubesse, n&o precisaria de efetuar testes ou verifi- cagdes de espécie alguma. Em nossa vida cotidiana, encontramo-nos, amide, diante de varios, cursos alternativos de agio. Quando esses cursos sdio alternativas genuinas que nfo podem ser adotadas simul- taneamente, podemos tentar raciocinar sobre qual deve ser 0 caminho escolhido. De um modo geral, esse raciocinio consiste em calcular as conseqiiéncias de cada uma das diferentes agdes, entre as quais temos que optar. Uma pessoa poderé raciocinar assim: Se eu escolher a primeira alternativa, acontecerd isto ou aquilo. Por outro lado, suponhamos que eu prefira a segunda alternativa, entéo acontecerd uma outra coisa. Em geral, somos propensos a escolher entre cursos de agées diferentes, tendo em conta qual é 0 conjunto de conseqiién- cias que preferimos ver realizadas. Em cada caso, interessa-nos ra- ciocinar corretamente, pois, assim nfo sendo, corremos o risco de enganar-nos. Se nos interessissemos unicamente por argumentos que tém premissas verdadeiras, nfio saberiamos que linha de raciocinio levar em consideragZo até apurar qual das diferentes premissas 6 a 40 Irving M. Copt verdadeira. Se o soubéssemos, nao estariamos interessados, em ab- soluto, nos argumentos, pois que nosso propésito, ao elaborar os ar- gumentos, era procurar um apoio, justamente, para decidir qual das premissas alternativas seria verdadeira. Limitar nossa atencio apenas aos argumentos com premissas verdadeiras seria intitil e contrapro- ducente. Até agora, falamos unicamente sobre proposigdes e argumentos que contém a forma de premissas e conclusées. Como se explicou, as proposigdes nao s&o entidades lingiiisticas como as oragées, mas, aquilo que pode ser usado como significado das oragdes. Se os pro- cessos reais do pensamento ou raciocinio necessitam ou n&o de lin- guagem, é um problema para se discutir. E possivel que o pensa- mento requeira o uso de simbolos de alguma espécie, quer se trate de palavras, imagens ou o que for. Todos sentimos uma certa sim- patia pela menina que, ao lhe ser dito que pense antes de falar, re- plica: “Mas como posso saber 0 que penso, antes de ouvir o que digo?” Talvez todo pensamento exija palavras ou algum outro tipo de sim- bolos, mas nao se trata de uma questéo que nos preocupe aqui. E Obvio que a comunicagio de qualquer proposicéo ou de qualquer ar- gumento requer simbolos e envolve linguagem. No resto deste livro, ocupar-nos-emos de argumentos declarativos, cujas proposigdes sio formuladas em linguagem. Contudo, o uso da linguagem complica nosso problema. Certos aspectos acidentais ou enganosos da formulacéo de proposicdes em linguagem podem dificultar ainda mais a tarefa de investigar as rela- Ges logicas entre elas. Uma parte da tarefa do ldégico, portanto, con- siste em examinar a propria linguagem, primordialmente do ponto de vista da descoberta e da descrigéo daqueles seus aspectos que tendem a obscurecer a diferenga entre o argumento correto e incorreto. Por esse motivo dedicamos a primeira parte deste livro & linguagem. EXERCICIOS Indicar as premissas e conclusdes dos argumentos contidos nos seguintes trechos. (Alguns contém mais de um argumento.) % 1. 1 ildgico raciocinar assim: “Sou mais rico do que tu, portanto, sou superior a ti.” “Sou mais elogiiente do que tu, portanto, sou superior a ti.” © mais légico raciocinar: “Sou mais rico do que tu, portanto, minha propriedade € superior & tua.” “Sou mais elogiiente do que tu, portanto, meu discurso é superior ao teu.” As pessoas sfio algo mais do que propriedade ou fala. EPICTETO, Discursos 2. Todo Estado.é uma comunidade de determinado tipo e toda comunidade € estabelecida com vista a algum bem; a humanidade sempre age a fim de obter aquilo que pensa ser bom. Mas, se todas as comunidades almejam um certo univ Introdugéo & Logica 41 bem, o Estado ou comunidade politica, que 6 a mais alta de todas e que abrange tudo o mais, almeja o bem num grau maior do que qualquer outra comunidade — o bem supremo. ARISTOTELES, Politica 3. No que diz respeito ao bem e a0 mal, estes termos nada indicam de positivo nas coisas consideradas por si, nem séo mais do que modos de pensar ou nogdes que formamos a partir da comparacéo de uma coisa com cutra. Assim, uma s6 coisa pode ser, ao mesmo tempo, boa, md ou indiferente. A muisica, por exemplo, 6 boa para uma pessoa melancdlica, mé para uma que esta de luto, enquanto para um surdo nfo 6 boa nem mé. BARUCH ESPINOSA, Ztica 4. Sempre que um homem transfere seu direito ou a ele renuncia é em considerac&o a algum direito reciprocamente transferido para si prdprio, ou a algum outro bem que dessa maneira espera obter. Por isso, é um ato volun- tério; dos atos voluntérios de qualquer homem o objetivo é algum bem para ele proprio. Portanto, existem certos direitos dos quais nunca se teve noticias, por palavras ou outros indicios, que o homem tenha abandonado ou transferido. Em _primeiro lugar, o homem nfo pode renunciar ao direito de resistir a quem © ataca pela forca para Ihe roubar a vida; porque nao se concebe que ele pretenda, desse modo, obter algum bem para si proprio. THOMAS HOBBES, Leviathan . % 5. Ainda que exista um embusteiro, sumamente poderoso, sumamente ardiloso, que empregue todos os seus esforgos para manter-me perpetuamente ludibriado, no pode subsistir divide alguma de que existo, uma vez que ele me ludibria; e por mais que me engane a seu bel-prazer, jamais conseguiré que eu néo exista, enquanto eu continuar pensando que sou aiguma coisa, Entéo, uma vez ponderados escrupulosamente todos os argumentos, tenho de concluir que, sempre que digo ou concebo em meu espirito Eu sou, logo existo, esta propo- sicho tem que ser necessariamente verdadeira, RENE DESCARTES, Meditagées Metafisicas 6. # deveras uma opinifo estranhamente predominante entre os homens que as casas, montanhas, rios, e numa palavra, todos os objetos sensiveis, tem uma existéncia, natural ou real, distinta deles, sem serem percebidos pelo enten- dimento. Mas, por maior que sejam a seguranca e a aquiescéncia com que esse prinefpio é aceito no mundo, quem se decidir no seu intimo contesté-lo poderd Perceber, se n&o estou equivocado, que ele implica uma contradigio manifesta. Pois, que so os objetos jé citados se nfo as coisas que percebemos pelos sen- tidos?’ E que percebemos, além das nossas proprias idéias e sensag6es? N&o 6 trancamente repugnante que quaisquer dessas coisas, ou qualquer combinacio delas, existam sem ser percebidas? GEORGE BERKELEY, Tratado Sobre os Principios do Conhecimento Humano 7. Consideremos as cores vermelha e branca do pérfiro; impega-se a luz de incidir nele e as cores desaparecem; deixa de produzir em nés quaisquer idéias ou nog6es de cor. Com o retorno da luz, esta nos transmite, de novo, essas aparéncias. Poderd alguém pensar que alteracdes reais sio feitas no porfiro pela auséncia ou presenga da luz, e que essas idéias de brancura e vermelhidéo estéo realmente no pérfiro sob a luz, quando é evidente que nio h& cor no escuro? Possui, de fato, uma tal configuracdo de particulas, quer de noite quer de dia, que esto aptas, gracas aos raios de luz refletidos em al- gumas partes dessa pedra dura, a nos transmitir a idéia de vermelhidéo, e 42 Irving M. Copi refletir, em outras partes, a idéia de brancura, Mas o branco e o vermelho nfo esto na pedra, em momento nenhum, tratando-se apenas de uma contextura que tem o poder de nos conceder tais sensacdes, JOHN LOCKE, Um Ensaio Sobre 0 Entendimento Humano 8. N&o é posstvel conceber alguma coisa no mundo, ou mesmo fora dele, a que se possa chamar boa sem restrigdes, exceto uma boa vontade. Inteligéncia, argucia, discernimento e outros talentos do espirito, seja qual for 0 nome que se Ihes dé, ou a coragem, a resolucio e a perseveranca, como qualidades do tem- peramento, séo indubitavelmente boas em muitos aspectos; mas esses dons da natureza podem também tornar-se extremamente nocivos se a vontade que vai usélos e que, portanto, constitui o que se designa por cardter, nao for boa. O mesmo ocorre com os dotes de fortuna. Poder, riqueza, honra, até a satide, bemrestar e contentamento geral com nossa condic&o, a que se chama felicidade, inspiram o orgulho e, com freqiiéncia, a presuncio, se néo houver uma boa vontade para corrigir a influéncia desses males sobre o espirito e, concomi- tantemente, retificar também todo 0 principio de conduta e adapté-lo a sua fina- lidade. IMMANUEL KANT, Principios Funda- mentais da Metafisica da Moral 9. © objeto do raciocinio é descobrir, partindo do exame daquilo que j4 sabemos, alguma outra coisa que ainda nfo sabemos. Por conseqiiéncia, o racio- cinio € bom, se for de tal modo que dé uma conclusio verdadeira, a partir de premissas verdadeiras e néo de outro modo. Assim, a questo de sua validade € puramente uma questéo de fato e nao de pensamento. Sendo A as premissas e B a concluséo, a questo é se esses fatos estio realmente to relacionados quanto se A for B. Sendo assim, a inferéncia é vélida; caso contrario, nfo é. Nao se trata, em absoluto, da questio de saber se, quando as premissas sio aceitas pelo espirito, sentimos ou nfo um impulso para aceitar também a concluséio, % certo que, de um modo geral, raciocinamos corretamente por na- tureza. Mas isso é um acidente; a conclusio verdadeira continuaria sendo ver- dadeira, se nfo tivéssemos qualquer impulso vara aceitdla; e a falsa continuaria sendo falsa, ainda que nao fOssemos capazes de resistir & tendéncia para crer nela. CHARLES SANDERS PEIRCE, “The Firation of Belief” 10. O problema é, num sentido lato, politico: por ser certo que a maioria da humanidade comete faldcias, sera melhor que se tirem falsas conclusdes de premissas verdadeiras ou conclusées verdadeiras de falsas premissas? Uma questéo desta natureza é insoltivel. A wnica solucéio verdadeira parece ser que aos honiens e mulheres comuns devia ensinar.se légica, para que fossem capazes de evitar a exposigéo de conclusdes que apenas parecem decorrer de certas premissas. Quando se diz, por exemplo, que os franceses sio “Idgicos”, 0 que Se pretende esclarecer com isso é que, quando aceitam uma premissa, também aceitam tudo o que uma pessoa totalmente destituida de sutileza légica erro- neamente suporia decorrer da premissa. Trata-se de uma qualidade sumamente indesejével de que, em geral, as nacées de lingua inglesa esto, no passado, mais isentas do que quaisquer outras. Mas hd indicios de que, se quiserem permanecer livres a esse respeito, necessitario de mais filosofia e mais ldgica do que tive- ram no passado. Antigamente, a Idgica era a arte de estabelecer inferéncias; converteu-se agora na arte de evitar inferéncias, visto parecer que as inferéncias @ que nos sentimos naturalmente inclinados a formular, dificilmente jamais Introdugdo 4 Légica 43 serio vélidas. Conclui-se, portanto, que a légica devia ser ensinada nas escolas, com a finalidade de ensinar as pessoas a néo raciocinarem. ois, se racioci. nam, é quase certo que raciocinarao errado. BERTRAND RUSSELL, Sceptical Essays 18 EXERCICIOS DE RACIOCiNIO Os problemas seguintes requerem raciocinio para sua solucio, A fim de Provar que uma resposta é correta, uma vez encontrada, necessita-se de um raciocinio cujas premissas estejam contidas no enunciado do problema, e cuja conclusao seja a Tesposta ao mesmo. Se a resposta é correta, poder-se-4 cons- truir um raciocinio vilido. O leitor € solicitado, ao trabalhar com estes proble- mas, a preocupar-se nfo sé em encontrar as respostas corretas, mas em for- mular também os raciocinios que provem a correcéo das respostas. 1° %* 1. Numa certa comunidade mitica, os politicos sempre mentem e os nao-politicos falam sempre a verdade.. Um estrangeiro encontrase com trés nativos e pergunta ao primeiro deles se 6 um politico. Este responde & pergunta. © segundo nativo informa, ent&o, que o primeiro nativo negou ser um politico. Mas o terceiro nativo afirma que o primeiro nativo 6, realmente, um politico. Quais desses trés nativos eram politicos? 2. De trés prisioneiros que estavam num certo cércere, um tinha visdéo normal, o segundo era caolho e o terceiro era totalmente cego. Os trés eram, Belo menos, de inteligéncia média. O carcereiro disse aos prisioneiros que, de um jogo de trés chapéus brancos e dois vermelhos, escolheria trés e colocé-losia em suas cabegas, Cada um deles estava proibido de ver a cor do chapéu que tinha em sua propria cabeca. Reunindo-os, o carcereiro ofereceu a liberdade ao Prisioneiro com visio normal, se fosse capaz de dizer a cor do chapéu que tinha na cabeca. O prisioneiro confessou que n&o podia dizer. A seguir, o carcereiro ofereceu a liberdade ao prisioneiro que tinha um s6 olho, na condicio de que dissesse @ cor do seu chapéu. O caolho confessou que também néo sabia dizé-lo. O carcereiro nao se deu ao trabalho de fazer idéntica proposta ao prisioneiro cego, mas, & instancia deste, concordou em dar-lhe a mesma oportunidade. O prisioneiro cego abriu, entéo, um amplo sorriso e disse: “N&o necessito da minha vista; pelo que meus amigos com olhos disseram, vejo, claramente, que o meu chapéu é . 3. Num certo trem, os empregados se dividiam em trés pessoas: o guarda- ‘freio, o foguista e o maquinista. Seus nomes, por ordem alfabética, eram Jones, Robinson e Smith. No trem havia, também, trés passageiros com os fugsmos nomes: Sr. Jones, Sr. Robinson e Sr. Smith. So conhecidos os seguin- ies fatos: a. O Sr. Robinson vive em Detroit. b. O guardatreio vive a meio caminho entre Detroit e Chicago. c. O Sr. Jones ganha, exatamente, $20.000 ddlares por ano. 18. Transcrito de Sceptical Essays, de Bertrand Russell, mediante autorizacéo. Co- pyright, 1928, por Bertrand Russell. Editado por W. W. Norton e Co., Inc., e por George Allen e Unwin, Ltd. 19. Indicagdes pare a solugo de alguns destes exercicios podem ser encontradas na seco VI do capitulo /. 44 Irving M. Copt 4. Smith, em certa ocasidio, derrotou o foguista, jogando sinuca. e. Um vizinho do guardafreio, que vive numa casa ao lado da casa deste e 6 um dos trés passageiros mencionados, ganha exatamente o triplo do que ganha o guarda-freio. f. O passageiro que vive em Chicago tem o mesmo nome do guarda-freio. Pergunta-se: Qual é 0 nome do maquinista? 4. Os membros de uma pequena companhia de empréstimos sao o Sr. Black, Sr. White, Sra. Coffee, Srta. Ambrose, Sr. Kelly e Srta. Earnshaw. Os cargos que ocupam sao: geréncia, subgeréncia, contadoria, estenografia, caixa e secre- tariado, ainda que nao, necessariamente, por essa ordem. A pessoa que ocupa a subgeréncia é neta da que exerce a geréncia; o contador é genro da pessoa encarregada da estenografia; o Sr. Black é solteiro; o Sr. White tem vinte e dois anos; a Srta. Ambrose é enteada da pessoa encarregada da caixa; e o Sr. Kelly é vizinho do gerente. Pergunta-se: Qual é 0 cargo de cada uma dessas pessoas? * 5. Benno Torelli, amsvel anfitrifio do mais seleto nightclub de Hamtramck, foi morto a tiros por um bando de gangsters, porque se atrasou no paga- mento da soma que lhe entregava a titulo de protecio. Apdés um considerdvel esforco, por parte da policia, cinco homens foram levados ao Promotor Distrital, que lhes perguntou o que tinham a declarar em sua defesa. Cada um dos homens fez trés declaragdes, duas verdadeiras e uma falsa. Suas declaracdes foram: Lerry: — Nao matei Torelli. Nunca tive um revélver de minha propriedade. Quem o matou foi Spike. Rep: — N&o matei Torelli. Nunca tive um revdlver de minha propriedade. Os outros caras estio tratando de tirar o corpo fora. Dorey: — Estou inocente. Nunca vi Butch antes. Spike é o culpado. Sprxe: — Sou inocente, Butch é que tem a culpa. Lefty mentiu, quando disse que fui eu. Burcu: — N&o matei Torelli, Red é 0 culpado. Dopey e eu somos velhos companheiros. Quem foi o criminoso? 6. As Sras, Adams, Baker, Catt, Dodge, Ennis e a desleixada Sra. Fisk foram. todas ao emporio fazer compras, uma manha. Cada uma foi diretamente ao andar em que havie o artigo que queria comprar e cada uma delas comprou um Unico artigo. Compraram um livro, um vestido, uma bolsa, uma gravata, um chapéu e um candeeiro, Todas as mulheres, exceto a Sra. Adams, entraram no elevador no andar térreo, Também entraram no elevador dois homens. Duas mulheres, a Sra. Catt e a que comprou a gravata, safram no segundo andar. No terceiro andar era a secaio de vestidos. Os dois homens sairam no quarto andar. A mulher que comprou o candeeiro saiu no quinto andar e deixou a desleixada senhora Fisk saltar sozinha no sexto andar. No dia seguinte, a Sra. Baker, que recebeu a bolsa como presente, de sur- Presa, de uma das mulheres que safra no segundo andar, encontrou seu marido agradecendo a gravata que uma das outras mulheres lhe tinha dado. Se os livros eram vendidos no andar térreo, e a Sra. Ennis foi a sexta pessoa a sair do elevador, que foi que cada uma dessas mulheres comprou? Introdugdo & Logica : 6 7. Cinco homens, que foram companheiros na tiltima guerra, esto reunidos. Sao eles: * Greene, Brown, Peters, Eddie e Nash, cujas profissdes séo gravador, barbeiro, protético, engenheiro e neurologista. Por coincidéncia, vivem nas ci- dades de Greene Plains, Brownsville, Petersburg, Eddie’s Ferry e Nashville, mas nenhum vive na cidade que tem o nome semelhante ao deles, nem o nome da sua ocupacdo tem a mesma inicial que o seu nome ou o nome da cidade em que vive. © barbeiro néo vive em Petersburg. Brown nfo é protético nem engenheiro; também nao vive em Petersburg e tampouco em Eddie's Ferry. O Sr. Eddie vive em Nashville e nao é barbeiro nem gravador. Greene nfo reside em Brown- sville e Nash, que nao é barbeiro nem engenheiro, tampouco ai vive. Dispondo apenas da informagio dada, pode o leitor determinar o nome da cidade em que reside Nash? 8. Daniel Kilraine foi assassinado numa estrada solitéria, a trés quiléme- tros de Pontiac, 4s 3:30h da manh& de 17 de marco de 1952. Otto, Curly, Slim, Mickey e Kid foram detidos uma semana depois, em Detroit, e submetidos a interrogatério. Cada uma das cinco pessoas fez quatro declaracées, trés das quais eram verdadeiras e uma falsa. Um desses homens matou Kilraine. Quem foi? Suas declaragdes foram: Orro: — Eu estava em Chicago, quando Kilraine foi assassinado. Nunca matei ninguém. Kid é 0 culpado, Mickey e eu somos amigos. Curt: — Nao matei Kilraine. Nunca possui um revélver em toda a minha vida. Kid me conhece. Eu estava em Detroit na noite de 17 de marco. Sum: — Curly mentiu, quando disse que nunca possuiu um revdlver. O crime foi cometido no dia de S. Patricio. Otto estava em Chicago nessa ocasiio. Um de nds 6 0 culpado. Mickry: — Nao matei Kilraine. Kid nunca esteve em Pontiac. Nunca vi Otto antes. Curly estava comigo em Detroit na noite de 17 de marco. Km: — Nao matei Kilraine. Nunca estive em Pontiac. Nunca vi Curly antes. Otto mentiu, quando disse que sou o culpado. 9. Uma mulher convidou, recentemente, cinco pessoas para um ché. Os nomes das seis mulheres que se sentaram ao redor de uma mesa circular eram as Sras. Abrams, Banjo, Clive, Dumont, Ekwall e Fish. Uma delas era surda, outra era muito faladora, outra terrivelmente gorda, outra detestava a Sra. Dumont, outra tinha uma deficiéncia vitaminica e a outra era dona da casa. A mulher que detestava a Sra. Dumont sentou-se defronte da Sra. Banjo. A mulher surda ficou sentada diante da Sra. Clive que, por sua vez, estava entre a mulher que tinha uma deficiéncia vitaminica e a mulher que detestava a Sra. Dumont. A mulher gorda sentou-se defronte da Sra. Abrams, a0 lado da mulher surda e & esquerda da que odiava a Sra. Dumont. A mulher que tinha uma deficiéncia vitaminica sentou-se entre a Sra. Clive e a mulher que estava sentada em frente da mulher que detestava a Sra, Dumont. A Sra. Fish, que era boa amiga de todas, sentouse ao lado da mulher gorda e em frente da dona da casa. Pode o leitor identificar cada uma destas encantadoras mulheres? 10. Cinco homens participam de uma partida de poquer: Brown, Perkins, ‘Turner, Jones e Reilly. Suas marcas de cigarros séo Luckies, Camel, Kool, Old Gold e Chesterfield, ainda que nao, necessariamente, nessa ordem. No principio do jogo, o ntimero de cigarros que cada um dos jogadores possuia era: 20, 15, 8, 6 e 3, mas nfo, necessariamente, nesta ordem: * Para manter a coeréncia deste exercicio, tivemos que alterar alguns nomes de pessoas, cidades e profissdes, sem o que se perderia a identidade das iniciais. (N. do T.) 46 Irving Copi Durante o jogo, em um determinado momento em que ninguém estava fumando, ocorriam as seguintes condigées: a. Perkins pediu trés cartas. b. Reilly fumara a metade dos cigarros que tinha no principio, ou um menos dos que Turner fumara. c. © homem dos Chesterfield tinha, no comeco, um nimero de cigarros igual ao que tinha agora, mais outro tanto, mais metade desse outro tanto, ou seja, 2’ mais do que tem no momento. d. © homem que estava jogando para “cor”* s6 pOde saborear o mentol do seu quinto cigarro, o tltimo que fumou. e. O homem que fumava Luckies, tinha fumado, pelo menos, dois mais do que qualquer outro, incluindo Perkins. t. Brown tirou tantos ases quantos cigarros tinha originalmente. g. Ninguém tinha fumado todos os, seus elgarros. © homem que fumava Camel pediu a Jones que lhe passasse os f6sforos de Brown. Quantos cigarros tinha cada homem no comego e de que marca eram? an, 10 Osa onnstitulda da seqllénela de eartas do mesmo nalpe (straight-lush). |. do Ed.) 2 Usos da Linguagem I. TRES FUNCOES BASICAS DA LINGUAGEM linguagem 6 um instrumento tao sutil e complicado que freqiien- temente perdemos de vista a multiplicidade de seu uso. Nesta, como em muitas outras situagGes, existe o perigo de nossa tendéncia para simplificar excessivamente as coisas. Uma queixa comum dos que adotam um ponto de vista demasiado estreito, a respeito dos usos legitimos da linguagem, diz respeito 4 ma- heira como as palavras séo “desperdicadas” em fungées sociais. “Tan- to palavreado para dizer tao pouco!”, eis 0 resumo desse tipo de critica. E mais de uma pessoa foi ouvida dizendo: “Fulano de tal me perguntou como eu estava. Que hipécrita! Se ele nao se preocupa no minimo como estou!” Tais comentarios revelam uma falta de compreensao dos complexos propésitos para os quais a linguagem é usada. Isto também se manifesta na deploravel conduta do sujeito cacete que, quando se lhe pergunta como estd, passa logo a descrever seu estado de satide — usualmente com grande extenséo e copiosos detalhes. Contudo, as pessoas, quase sempre, nas festas, nao falam para se instruirem mutuamente. E a pergunta comum “Como esté vocé?” 6 uma saudagio amistosa, nao um pedido de informagées clinicas. O filésofo Berkeley observou hd muito tempo que a comunicagao de idéias... néo é a principal e unica finalidade da lin- guagem, como vulgarmente se supée. Ha outras finalidades, como o des- pertar de alguma paixao, a estimulacio ou dissuasio de uma atividade, a preparacéo do espirito para uma determinada disposicio; assim a primeira finalidade 6, em muitos casos, mera subserviéncia e, algumas vezes, intei- ramente omitida, quando as’ demais podem ser asseguradas sem ela, & creio acontecer no poucas vezes no uso familiar da linguagem. Filésofos mais atuais estudaram com grande mintcia a variedade dos usos que podem ser dados & linguagem. Em suas Investigacées Filo- 48 Irving M. Copi soficas, Ludwig Wittgenstein insistiu corretamente em que ha “int- meras espécies diferentes de uso do que chamamos ‘simbolos’, ‘pala- vras’, ‘frases’”. Entre os exemplos sugeridos por Wittgenstein estao: dar ordens, descrever a aparéncia de um objeto ou dar as suas me- didas, relatar um acontecimento, especular sobre um acontecimento, formar e verificar uma hipotese, apresentar os resultados de uma experiéncia em tabelas e diagramas, compor uma histdria, represen- tar, cantar, decifrar enigmas e charadas, inventar uma anedota e con- téla, resolver um problema de aritmética pratica, traduzir de um idioma para outro, perguntar, agradecer, praguejar, cumprimentar e rezar. E possivel impor alguma ordem 4 impressionante variedade dos usos da linguagem, dividindo-os em trés categbrias gerais. A triplice diviséo das fungées da linguagem aqui proposta é, reconhecidamente, uma simplificagéo, talvez mesmo excessiva, mas foi considerada ttil por muitos autores que pesquisam problemas de ldgica e de linguagem. O primeiro desses trés usos da linguagem é transmitir informa- a0. Correntemente, se faz isso mediante a formulagéio e afirmacso (ou negacgéo) de proposigées. A linguagem usada para afirmar ou negar proposig6es, ou para apresentar argumentos, diz-se que estd a servico da funcdo informativa. Nesse contexto, usamos a palavra “informagao” para incluir também a mé informagao, isto 6, tanto as Proposigdes falsas como as verdadeiras, tanto os argumentos e racio- cinios corretos como os incorretos. O discurso informativo é usado Para descrever o mundo e raciocinar sobre ele. Que os fatos alegados sejam importantes ou nfo, sejam gerais ou particulares, nao interessa; em todo 0 caso, a linguagem usada para descrever ou transmitir al- guma coisa sobre tais fatos é usada informativamente. Além do informativo, distinguimos dois outros usos ou fungées bdsicos da linguagem a que nos referimos como uso expressivo e uso diretivo. Assim como a ciéncia nos proporciona os exemplos mais claros do discurso informativo, a poesia fornece-nos os melhores exem- Plos da linguagem a servigo de uma fungo expressiva. Os seguintes versos de Burns — O my Luve's like a red, red rose Oh, meu amor € como uma rosa vermelha, vermelha, That’s newly sprung in June: Que desabrochou em plena estacio! O my Luve’s like the melodie Ob, meu amor é como a melodia That’s sweetly play’d in tune! Tocada com suave entoagao! — nao tém, definitivamente, a pretensio de informar-nos sobre quais- quer fatos ou teorias com respeito ao mundo. O interesse do poeta € comunicar néo-conhecimentos, mas sentimentos e atitudes. O tre- cho poético nao foi escrito para transmitir qualquer informacao, mas, RAL Introdueao & Légica z 49 téo-somente, para exprimir certas emogées que 0 poeta experimentava Tuito intensamente e para despertar no leitor sentimentos semelhan- tes aos seus. A linguagem tem uma fungaio expressiva, quando é usada Para dar expansio a sentimentos e emogées, ou para comunicé-los. Contudo, nem toda a linguagem expressiva é pottica. Expressa- mos mdgoa, quando exclamamos “Que desgraca!”, “Nossa Senhora!”, e entusiasmo, enquanto gritamos “Bravo!”, “Genial!” O enamorado ex- prime sua delicada paixao murmurando “Querida!” ou “Meu bem!” O poeta expressa suas complexas e concentradas emogG6es em um soneto ou alguma outra forma poética. Um fiel pode expressar seus sentimen- tos de éxtase e de reveréncia ante a vastidio e os mistérios do uni- verso, recitando o Pai Nosso ou o Salmo 23 de David. Tudo isto sao usos da linguagem nao dirigidos a comunicar uma informacio, mas a expressar emocées, sentimentos ou atitudes. O discurso ex. Pressivo, 4 medida que é expressivo, nio é verdadeiro nem falso, visto que, se alguém quiser aplicar somente critérios de verdade ou falsidade, de correcaio ou incorreg&o, a um discurso expressivo, como um poema, julgard erroneamente e perderd muito do seu valor. O estudante cuja percepgio do soneto de Keats “On first looking into Chapman’s Homer” é prejudicada pelo seu conhecimento histdrico de que foi Balboa e nfo Cortez quem descobriu o oceano Pacifico é um “fraco leitor” de poesia. A finalidade do poema nao é ensinar Historia, mas algo inteiramente diferente. Isto nao quer dizer que a poesia no tenha qualquer significagao literal. Alguns poemas tém, de fato, um contetido informativo que pode ser um elemento impor- tante do seu efeito total. Algumas Poesias podem ser, perfeitamente, uma “critica da vida”, conforme ja foi dito por um grande poeta. Mas esses poemas s&o algo mais do que puramente expressivos, na acepcio em que usamos aqui o termo. E licito afirmar que tais Poesias tém um “uso misto” ou que cumprem uma fungéo miultipla. Esta nog&o Serd explicada em maior detalhe na segdo seguinte. A expressdo pode ser analisada em seus dois componentes. Quan- do uma pessoa se maldiz a si propria em momentos de solidao, ou quando um poeta escreve poemas que nfo mostra a ninguém, ou quando um homem reza, solitdério, sua linguagem expressa ou revela a sua propria atitude, mas nao pretende despertar uma tendéncia semelhante em outrem. Por outra parte, quando um orador procura inspirar os seus ouvintes — nao & ac&o, mas para que compartilhem seu entusiasmo; quando um namorado corteja a sua amada em linguagem poética; quando a multidao aplaude sua equipe esportiva preferida, a linguagem usada no sé revela os propdsitos dos que falam, mas também procura despertar idénticas normas em seus ou- vintes. Assim, 0 discurso expressivo é usado tanto para erpressar os sentimentos do que fala como para suscitar certos sentimentos nos ouvintes. E claro, pode ser usado, simultaneamente, para ambos Os fins, 50 Irving M. Copt A linguagem serve a uma fungio diretiva, quando usada com 0 proposito de causar (ou impedir) uma acio manifesta. Os exemplos mais claros do discurso diretivo sio as ordens e os pedidos. Quando uma mae diz ao seu filho pequeno que lave as méos antes de comer no pretende transmitir informagéo alguma nem expressar ou suscitar qualquer emogio particular. Sua linguagem pretende obter resultado, causar uma acdo do tipo indicado. Quando essa mesma mie pede ao lojista que mande certas mercadorias a sua casa, estd usando a linguagem diretivamente, uma vez mais, para produzir uma a¢do. Fazer. uma pergunta é, habitualmente, pedir uma resposta e também deve ser classificado como discurso diretivo. A diferenga entre uma ordem e um pedido é bastante sutil, pois qualquer ordem pode ser traduzida num pedido se lhe adicionarmos as palavras “por favor”, ou mediante alteracdes adequadas no tom da voz ou na expresso facial. Em sua forma puramente imperativa, o discurso diretivo nfo é verdadeiro nem falso. Uma ordem como “feche a janela” n&éo pode ser verdadeira nem falsa em nenhum sentido literal. Que a ordem seja ou nao obedecida, isso néo afeta nem determina o seu valor de verdade, pois néo tem valor de verdade alguma. Podemos discor- dar se uma determinada ordem foi ou nao obedecida; mas nunca poderemos discordar sobre se uma ordem é verdadeira ou falsa, visto que n&o pode ser qualquer dessas coisas. Contudo, as ordens reves- tem-se de certas propriedades que apresentam alguma analogia com a verdade ou falsidade do discurso informativo; trata-se da qualidade de serem razodveis ou apropriadas e irrazodveis ou improprias. Al- guns esforcos foram desenvolvidos para criar uma “légica de impe- Tativos”, mas, até agora, a importancia do trabalho sistemético dedi- cado ao assunto nao tem sido muito grande. Por causa da natureza provisdria dessas tentativas, estas nfo serio estudadas no presente texto. * II. © DISCURSO QUE SERVE A MULTIPLAS FUNCOES Na segiio precedente, os exemplos apresentados eram espécimes quimicamente puros, por assim dizer, das trés espécies bdsicas de comunicagéo. A triplice divisio proposta é elucidativa e valiosa, mas nao pode ser mecanicamente aplicada, porque quase toda a comuni- cagéo ordindria exemplificaraé, de um modo provavel, em maior ou menor grau, os trés usos da linguagem. Assim, por exemplo, um poe- ma, que é dentro da sua propria esséncia um tipo de discurso expres- sivo, pode ter uma moral e ser, de fato, uma solicitagao para que o leitor (ou 0 ouvinte) observe um certo tipo de vida e pode também 1, Para uma introdugdo a este tema, o leitor interessado poderé consultar a oitava parte de Contemporary Readings in Logical Theory, de I. M. Copi e J. A. Gould (Nova Torque: The MacMillan Company, 1967). Introdugéo & Logica SL conter uma certa dose de informagio. Por outro lado, embora um Sermo seja de caréter, predominantemente, diretivo, visto que pro- cura causar impress6es apropriadas aos membros da congregaciio (seja para que abandonem seus maus costumes, para que contribuam com dinheiro para a igreja, ou alguma outra coisa), também pode expressar e despertar sentimentos, cumprindo, mesmo, uma funcao expressiva ou incluir alguma informacgéo ao comunicar determinados fatos. Um tratado cientifico, que 6 essencialmente informativo, pode revelar algo do proprio entusiasmo do autor, desempenhando, assim, uma fungdo expressiva; pode também, pelo menos de maneira impli- cita, cumprir alguma especificidade diretiva, talvez induzindo o leitor @ verificar, com plena liberdade, a concluséo do autor. A maioria dos usos ordindrios da linguagem é mista. Nem sempre € resultado de obscuridade por parte de quem fala, Se sua linguagem transmite fungdes mistas ou miltiplas. O que mais Ocorre, também, é que a comunicacio efetiva exige uma certa unidade de fung6es. Poucos somos os que nos encontramos, reciprocamente, na relacéo de pai para filho ou de patrdo para empregado. E fora do contexto de relagdes formais como essas, nio podemos alimentar qualquer esperanca de sermos obedecidos pelo simples fato de darmos uma ordem. Por conseguinte, temos que empregar certos rodeios: uma ordem nua e crua provocaria antagonismo ou ressentimento e frustraria a sua propria finalidade. Habitualmente, nao podemos pro- vocar uma acio, proferindo apenas um imperativo; é necessério utili- zar um método mais sutil para estimular a aciio desejada. Pode-se dizer que em toda a acio existem causas muito comple- xas. A motivacéo é mais apropriadamente examinada por um psi- edlogo do que por um ldgico, mas 6 de conhecimento comum que, habitualmente, as acdes so 0 resultado de desejos e crengas. O ho- mem que deseja alimentar-se nfo tocard no que tem em seu prato, Se nao acreditar que é comida; e ainda que acredite ser comida, nio Ihe tocardé, se nfo desejar comé-la. Este fato é importante para a nossa discussiéo, porque os desejos séo um tipo especial daquilo a que chamamos atitudes. Portanto, as agdes podem ser causadas mediante a instigacio de atitudes apropriadas, quando transmitem informagées pertinentes. Su- Ppondo que seus ouvintes sejam bondosos, é possivel o leitor fazer com que eles contribuam para uma obra de caridade, informando-os sobre a eficdcia dessa obra para cumprir seus resultados benéficos. Em tal caso, o uso da linguagem serd, em ultima andlise, diretivo, bois seu propdsito é indicar uma certa aco. Mas, neste caso, uma ordem nua e crua seria muito menos eficiente do que o discurso informativo usado. Suponhamos, por outro lado, que os ouvintes ja estejam convencidos de que a obra em questio tem resultados satis- fatérios. Tampouco, neste caso, poderd o leitor alimentar grandes esperangas de que lhe obedecam mediante uma simples ordem, mas 52, Irving M. Copi poderd conseguir que atuem da maneira desejada se despertar neles, de algum modo, um sentimento ou uma emogao, suficientemente, jus- tificados. O discurso que usard para conseguir seus intentos seré um discurso expressivo; fard um “apelo comovente”. Assim, sua lingua- gem terd uma funcao mista, pois funcionard, simultaneamente, de modo expressivo e diretivo. Ademais, suponhamos que o leitor esteja A procura de obter um donativo de pessoas que nao tém uma atitude benevolente nem acreditam que a caridade possa servir a um prop6- sito favordvel. Neste caso, dever-se-4 empregar uma linguagem que seja, ao mesmo tempo, informativa e expressiva. A linguagem usada desempenhard, ent&éo, as trés fungdes, pois seré, ao mesmo tempo, diretiva, informativa e expressiva; assim, nado acidentalmente, como resultado de uma simples fusio que aconteceu de modo fortuito, e sim, de maneira indispensdvel como uma necessidade para a comu- nicagéo bem sucedida. Outro interessante e proficuo uso misto da linguagem é 0 que, com freqiiéncia, tem sido denominado funcao cerimonial. Dentro desta categoria estéo inclufdos tipos muito diferentes de frases, desde as palavras relativamente triviais de saudagéo até aos mais pomposos discursos de uma ceriménia matrimonial; o fraseado dos documentos de Estado e os ritos verbais, nos dias santos, realizados em todos os templos. Tudo isto pode ser considerado uma mistura de discurso expressivo e diretivo, em vez de um género completamente diverso e singular. Por exemplo, as usuais saudag6es cerimoniais e as taga- relices das reunides sociais servem A intencéo de expressar e estimu- lar a boa vontade e a sociabilidade. Talvez para alguns sirvam também ao propésito diretivo de fazer com que seus ouvintes atuem de uma determinada maneira, que patrocinem os negécios do que falam, que Thes oferecam emprego ou que os convidem para almocar. No outro extremo, a linguagem imponente da ceriménia matrimonial tem o intuito de realear a solenidade da ocasiéo (sua funcdo expressiva) e também o de fazer com que os noivos desempenhem seus importantes papéis com uma compreens&o elevada da seriedade do contrato ma- trimonial (sua fungéo diretiva). O Ultimo exemplo ilustra ainda uma outra forma de linguagel Quando o sacerdote ou o juiz de paz declaram, no final da cerim seu pronunciamento constitui, de fato, o ato em si. mentos séo um exemplo do uso operante da linguagem. Uma elocugdo de desempenho 6 aquela que, em circunstancias apropriadas, desem- penha a acdo que relata e transmite. Tais elocugdes de desempenho envolvem aquilo a que poderiamos chamar verbos atuantes. Um verbo atuante é aquele que denota uma aco que, em condigdes adequadas, é tipicamente desempenhada mediante o uso desse verbo na primeira pessoa. Exemplos dbvios de verbos atuantes sao “‘aceitar”, “aconse- Introdugéo & Légica 53 thar”, “desculpar-se”, “batizar”, “parabenizar”, “‘oferecer”, “prometer” e “sugerir”. A funcdo operante da linguagem é apenas uma entre muitas outras, mas talvez merega menc&o especial, porque parece adaptar-se menos do que as outras & nossa triplice divisio das fun- gGes da linguagem.? Ill. AS FORMAS DO DISCURSO Os compéndios da gramatica definem habitualmente uma oracéo como a unidade da linguagem que expressa um pensamento completo e dividem as oragdes em quatro categorias, usualmente denominadas declarativas (ou indicativas), interrogativas, imperativas e exclama- tivas. Estas quatro classes gramaticais nao coincidem com as de assergdes, perguntas, ordens e exclamag6es. Podemos ser tentados a identificar a forma com a fungio e a pensar que as oragGes declara- tivas e o discurso informativo coincidem, ou que as oracdes exclama- tivas s6 séo adequadas ao discurso expressivo. Se considerarmos uma pergunta como pedido de uma resposta, poderemos ser levados a pensar que o discurso diretivo consiste, unicamente, em oragGes for- Mmuladas nos modos interrogativo e imperativo. Se tais identifica- ¢gdes fossem possiveis, simplificariam imenso o problema da comu- nicag&io, pois poderiamos entao conhecer o uso ou a fungéo implicitos de um trecho apenas através da sua forma, a qual se presta & inspecdo direta. Algumas pessoas, evidentemente, identificam a forma com a fungao, mas nao sao leitores sensiveis, pois essa identificagiéo impede, com freqiiéncia, que compreendam o que se diz e “perdem” muito do que se pretende comunicar. E um erro acreditar que tudo 0 que h4 na forma de uma oracio declarativa é discurso informativo, para ser valorizado se for verda- deiro e recusado se for falso. “Passei momentos muito agraddveis em sua festa” é uma oracio declarativa. Sua funcio nao precisa ser informativa, em absoluto, podendo ser apenas de tipo cerimonial ou expressivo, destinada a manifestar um sentimento de amizade e de apreco. Muitos poemas e preces tém a forma de oragées declara- tivas, apesar da sua fun¢g&o nfo ser informativa. Considerd-los como tais e pretender julgé-los mediante critérios de verdade ou falsidade equivale a renunciar as satisfagdes de ordem estética ou religiosa. Assim, muitos pedidos e ordens podem ser enunciados indiretamente — talvez de modo mais amavel — por meio de orag6es declarativas. A frase declarativa: “Gostaria de tomar um cafezinho”, nao sera inter- pretada por um empregado de bar como uma simples informacio do fato psicoldgico que a orag&o, evidentemente, afirma a respeito do 2. A nogdo de elocuc&io funcional ou de desempenho foi elaborada, inicialmente, pelo falecido Professor John Austin, da Universidade de Oxford; a de verbo atuante foi, pri- meiramente, sugerida pelo meu amigo, Professor Richard L. Cartwright, do M.I.T. 54 Irving M. Copi seu fregués, mas, também, como uma ordem ou um pedido para que execute uma determinada agio. Se julgéssemos, de modo invaridvel, na base da verdade ou falsidade de frases declarativas, tais como: “Apreciaria muito que me ajudassem nisto” ou: “Espero ver-te na bi- blioteca, depois da aula” e nada mais fizéssemos sendo registrd-las como informagées recebidas, depressa ficariamos sem amigos. Estes exemplos devem ser bastantes para demonstrar que a forma decla- rativa n&o constitui uma indicag&o segura de que uma oracio ou frase cumpre uma func&o informativa. As oragées declarativas prestam-se & formulagaéo de qualquer tipo de discurso. O mesmo ocorre com outras formas de elocug&o. A oragdo inter- rogativa: “J&é percebeste que estamos bem atrasados?” nao é, necessa- riamente, um pedido de informacio mas, ao contrario, pode ser uma ordem para que o interlocutor se apresse. E outra oragdo: “Nao 6 verdade que a Russia e a Alemanha assinaram, em 1939, um pacto que precipitou a Segunda Guerra Mundial?” pode nao ser, de maneira uma, uma pergunta, mas, apenas, uma maneira obliqua de trans- mitir informac&o ou uma tentativa de expressar e provocar um sen- timento de hostilidade em relagio & Russia. Sua funcdo seria infor- mativa, no primeiro caso, e expressiva no segundo. Até um imperativo gramatical como o dos documentos oficiais que comecam: “Fazemos _ saber a todos, pela presente. ..”, pode nfo ser uma ordem, mas, antes, um discurso de tipo informativo no que afirma e expressivo no uso da linguagem destinada a despertar sentimentos apropriados de sole- nidade e respeito. Apesar de sua restrita afinidade com a funcéo expressiva, uma frase exclamativa pode cumprir funcdes totalmente distintas. A exclamagSo: “Santo Deus, como 6 tarde!” pode comuni- car, na realidade, uma ordem para que alguém se apresse, incluindo © proprio ser que a profere. E a exclamacao: “Que lindo anel!”, pro- ferida por uma jovem ao amigo que a corteja, quando ambos passam bela vitrina de uma joalheria, pode funcionar muito mais diretiva do que expressivamente. Convém recordar que alguns tipos de discurso pretendem servir duas ou, possivelmente, todas as trés fungdes da linguagem, ao mesmo tempo. Nesses casos, cada aspecto ou funcaio de um dado trecho deve ser julgado de acordo com seu prdprio critério. Assim, uma Parte que tenha uma funcio informativa pode ser avaliada como ver- dadeira ou falsa. Se existir uma funcio diretiva no mesmo trecho, esse aspecto poderd ser avaliado como prdprio ou impréprio, correto ou errado. E se cumprir também uma funcdo expressiva, esta com- Ponente do mesmo trecho poderd ser julgada como sincera ou insin- cera, como valiosa ou nfo. Avaliar, adequadamente, um trecho requer que se conhega a fungao ou fungdes que ele pretende desempenhar. Os conceitos de verdade e falsidade e as nogdes concomitantes de corregéo e incorrecio do argumento sio mais importantes no estudo da légica do que os outros mencionados. Logo, como estu- Introdugéo & Légica 55 diosos da Légica, devemos estar aptos a distinguir o discurso que funciona informativamente daquele que no cumpre tal funcio. E devemos ser capazes de individualizar a funcdo informativa que um determinado trecho desempenha entre quaisquer outras fungdes que © mesmo trecho possa também desempenhar. Para efetuarmos esse “deslindamento”, é preciso que saibamos quais sio as diferentes fun- goes que a linguagem pode satisfazer e que sejamos capazes de dis- tingui-las. A estrutura gramatical de um trecho fornece, com fre- qiiéncia, indicios sobre a sua fungdo, mas nio existe qualquer corre- lag&o necessdria entre a funcio e a forma gramatical. ‘Tampouco existe uma relagao estrita entre a funcaio e o contetido — no sentido do que, aparentemente, era afirmado pelo trecho. Isto se nota, de ™maneira muito clara, num exemplo de Bloomfield, em seu capitulo sobre “Meaning” [Significado]: “Uma crianga manhosa, & hora de ir para a cama, diz: Estou com fome. Sua mie, que jd Ihe conhece a malicia, responde mandando-a a toda a pressa para a cama, Isto constitui um exemplo de linguagem deslocada.”* Neste caso, a lin- guagem da crianca € diretiva — muito embora ndo tenha tido éxito em obter a diversio desejada. Entendemos por funcdo de um trecho @ intengdo que se pretende conferir-Ihe. Mas isso, infelizmente, nem Sempre 6 facil de determinar. Quando um trecho é isoladamente citado, é dificil, com freqiién- cia, afirmar qual 6 a funcio da linguagem que se pretende, em prin- cipio, transmitir. A razao dessa dificuldade reside no fato de o con- texto ser extremamente importante para determinar uma resposta a tal questéo. O que 6 um imperativo ou um simples enunciado fatual por si, poderd funcionar, em seu contexto proprio, de um modo ex- Pressivo, como parte de um todo mais amplo, cujo efeito poético deriva da disposicio dada a todas as suas partes. Por exemplo, iso- ladamente: Come to the window. Venha & janela. — E um imperativo que serve a uma fungao diretiva; e: The sea is calm tonight. O mar est4 calmo hoje. — E uma frase declarativa que serve a uma funcao informativa. Mas ambas as frases sio do poema “Dover Beach”, de Matthew Arnold, e nesse contexto contribuem para a funcéo expressiva de um todo mais amplo. E importante, também, distinguir entre a proposigio que uma frase formula e algum fato que o seu enunciado revela sobre a pessoa 3. Transcrito de Language, por Leonard Bloomfield. Copyright, 1933, por Henry ‘Holt and Company, Inc. 56 Irving M. Copi que a profere ou escreve. Quando um homem comenta: “Esta cho- vendo”, a proposigéo que enunciou se refere ao tempo, nao a ele proprio. Mas o enunciado evidencia que ele acredita estar chovendo, e isto ja 6 um fato sobre a pessoa que fala. Também pode acontecer uma pessoa fazer uma afirmagio que se refere, ostensivamente, as suas convicgdes, ndo com o intuito de fornecer uma informagao sobre ela propria, mas como um recurso para dizer alguma outra coisa. Se alguém diz: “Eu creio que o ouro é valioso”, isto nado pode ser interpretado, correntemente, como uma informag&o psicoldgica ou autobiogrdfica sobre as crencas da pessoa que falou, mas, simples- mente, como um modo de afirmar que 0 ouro é valioso. Do mesmo modo, proferir uma ordem é, usualmente, uma prova de que, quem a proferiu, tem certos desejos; e, em circunstancias apropriadas, afir- mar que uma pessoa tem este ou aquele desejo 6 0 mesmo que dar uma, ordem. Soltar uma exclamacao de jubilo é prova de que a pessoa que a proferiu esta alegre, se bem que ndo tenha feito qualquer afir- macéo a tal respeito. Por outra parte, apresentar uma informacéo psicologica que afirme estar a pessoa alegre é formular uma proposi- @do, algo que é completamente distinto de proferir exclamagdes de jubilo. Nos capitulos subseqiientes desenvolveremos certas técnicas ld6gi- cas que podem ser aplicadas de um modo bastante mecdnico aos ra- ciocinios, com a finalidade de testar a sua validade. Mas nao existe técnica mec4nica para reconhecer a presenga de um raciocinio. Nao ha método mecfnico algum para. distinguir a linguagem que é infor- mativa e argumentativa da linguagem que serve a outras funcdes. Tal distingéio exige o uso do pensamento e requer sensibilidade e uma nogio consciente para a flexibilidade da linguagem e a multiplicidade dos seus usos, EXERCICIOS I. Quais so as funcdes da linguagem de que mais, provavelmente, se pre- tende servir em cada um dos trechos seguintes? 1. Algumas das estrelas que se conhecem so, sensivelmente, do tamanho da terra, mas, na sua maioria, séo tio grandes que centenas de milhares de terras poderiam ser encaixadas dentro de cada uma delas e ainda sobraria espago; deparamo-nos, aqui e ali, com uma estrela gigantesca, cuja capacidade é bastante para conter milhdes de milhées de terras. Eo ntimero sem-fim de estrelas no Universo 6, provavelmente, algo parecido com o numero infinito de gréos de areia em todas as praias do mundo. Tal € a pequenez do nosso lar no espago, quando comparado com a substancia total do Universo. SIR JAMES JEANS, The Mysterious Universe 2. Onde quer que exista um ser humano, vejo direitos concedidos por Deus e inerentes a esse ser, independentemente do’ seu sexo ou cor da pele. WILLIAM LLOYD GARRISON Introdugio & Légica 57 3. A guerra tem o profundo significado de que, por seu intermédio, a Satide ética das nacées é preservada e seus propdsitos finitos exterminados E, tal como os ventos que varrem o oceano impedem a deterioracaio que resul- taria da sua perpétua calma, também a guerra protege os povos da corrupcdo que uma paz eterna acarretaria. GEORG HEGEL, A Filosofia do Direito 4. Nunca houve uma boa guerra nem uma paz ruim. BENJAMIN FRANKLIN * 5. Estar preparado para a guerra é um dos meios mais eficazes de pre- servar a paz. GEORGE WASHINGTON 6. Todos os que langam mio da espada, & espada perecero. S. MATEUS, 26:52 7. Que todos os apetites e paixdes particulares so dirigidos para as coisas externas em si mesmas, distintas do prazer que suscitam ou do prazer que delas Promana ¢ manifesto se atentarmos para que: — nao poderia haver esse prazer Se no fosse a prévia acomodacéo entre o objeto e a paixio; nao poderia existir fruicho ou deleite numa coisa, mais do que em outra, em comer alimentos mais do que em engolir uma pedra, se nfo fosse uma atragdo ou um apetite por uma coisa, mais do que por outra, JOSEPH BUTLER, Serm&o “Do Amor Ao Préximo” 8. “Uma desagradavel alternativa esta posta diante de ti, Elizabeth. A partir deste dia, terds que ser uma estranha para um de teus genitores. Tua mie nunca mais te ver se néo casares com 0 Sr. Collins, e eu nunca mais te verei se casares com ele.” JANE AUSTEN, Orgulho e Preconceito 9. “Sobre este homem Pickwick pouco direi; o sujeito apresenta poucos atrativos e eu, cavalheiros, néo sou o homem, nem vés, cavalheiros, sois homens Para deliciarmo-nos na contemplac&o da crueldade revoltante e da vilania sis- temética,” CHARLES DICKENS, As Aventuras do Sr. Pickwick %& 10. Os argumentos que usam para provar sua posic&io nfo so diffceis de expor: Ambos raciocinam de modo contencioso — refiro-me tanto a Melissus como a Parménides. Suas premissas séo falsas e suas conclusdes nfo se inferom daquelas. Ou, melhor dizendo, o argumento de Melissus 6 grosseiro e palpével, nao oferecendo dificuldade alguma: admitir uma proposicao ridicula e o resto vem por si mesmo — um procedimento bastante simples. ARISTOTELES, Fisica 11, Exaltais os homens que regalam os cidaddos com festins e satisfazem seus desejos. O povo diz que constroem a grandeza da cidade, nfo vendo que & condig&o intumescida e ulcerada do Estado deve ser atribufda a esses esta- distas ancifios; pois, encheram a cidade de cais, e de docas, e de muralhas, e de receitas e coisas desse género, mas nfo deixaram lugar para a justica e a temperanga. PLATAO, Gorgias

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