Miriam Lemle
Professora titular de Linguística na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com doutorado em
Linguística pela UFRJ e pós-doutorado no Massachussetts Institute of echnolog!
ARTE
#ditor )inicius Rossignol Felipe
1iagramadora Leslie Morais
IMPRESSÃO ANTERIOR
1iretor #ditorial2 Fernando Pai3o & #ditores2 Maria 1olores Prades e $arlos %& Mendes Rosa &
#ditores assistentes2 Leandro %armat0 e atiana $orr4a Pimenta & Reviso2 Ivan! Picasso atista
5coord&6& #stagi/rio2 Ro7erto Moregola & #ditores de arte2 %u0ana Lau7 e *ntonio Paulos &
1iagramador2 $laudemir $amargo& $apa e pro8eto gr/fico2 9omem de Melo : roia 1esign&
#ditora+o eletr;nica2 Loide #del<eiss Ii0u'a
================================================================================
L>?@g
@?ed&
Lemle, Miriam
Auia teórico do alfa7eti0adorBMiriam Lemle& - C@? ed&D - %o Paulo2 Etica, GGH&
?@p& -5Princípios @G6
G-@?& $112N?-
$1U2N?-
================================================================================
G@@
@?O edi+o
O impresso
Sumário
@ Introdu+o&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
*s capacidades necess/rias para alfa7eti0a+o&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&>
( ue o alfa7eti0ando precisa sa7er&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&>
( cultivo das capacidades ue permitem os sa7eres 7/sicos para a alfa7eti0a+o&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&H
Primeiro pro7lema2 a ideia de sím7olo&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&H
%egundo pro7lema2 discrimina+o das formas das letras&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&H
erceiro pro7lema2 discrimina+o dos sons da fala&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&@G
Quarto pro7lema2 consci4ncia da unidade palavra&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&@G
Quinto pro7lema2 a organi0a+o da p/gina escrita&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&@G
N * *lfa7eti0a+o&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&@@
*s complicadas rela+es entre sons e letras&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&& @@
$omo sistemati0ar as complicadas rela+es entre sons e letras&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&@?
* primeira etapa da alfa7eti0a+o2 a teoria do casamento monogSmico entre sons e letras&&&&&@?
* segunda etapa da alfa7eti0a+o2 a teoria da poligamia com restri+es de posi+o&&&&&&&&&&&&&&&&@H
* terceira etapa2 as partes ar7itr/rias do sistema&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&@
)aria+o dialetal e ar7itrariedades nas rela+es entre sons e letras&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&N
* uarta etapa2 um pouco de morfologia&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
* avalia+o das falhas de escrita&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&?
Falhas de primeira ordem&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&?
Falhas de segunda ordem&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&?
Falhas de terceira ordem&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
* metodologia T considera+es críticas&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&H
* varia+o na língua falada e a unidade na língua escrita&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&NG
*s línguas mudam&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&NG
( mecanismo de mudan+a na forma das palavras&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&N
(s efeitos das mudan+as na estrutura da língua&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&N
* rela+o entre língua falada e língua escrita&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&N?
> * 7oa ci4ncia sana a m/ consci4ncia&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&G
)oca7ul/rio crítico&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
? i7liografia comentada&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&N
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
1 Introdu!o
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
Para ue uma pessoa possa aprender a ler e a escrever, h/ alguns sa7eres ue ela precisa
atingir e algumas percep+es ue deve reali0ar conscientemente& Quais so esses sa7eres e essas
percep+es, e como a8udar o alfa7eti0ando a atingi-los[ Y disso ue trataremos nesse capítulo&
* primeira coisa ue a crian+a precisa sa7er o ue representam aueles risuinhos pretos
em uma p/gina 7ranca& #sse conhecimento no to simples uanto parece a uem 8/ o incorporou
h/ muitos anos ao seu sa7er& (7serve ue, para entender ue os risuinhos pretos no papel so
sím7olos de sons da fala, necess/rio compreender o ue um sím7olo&
* ideia de sím7olo 7astante complicada& Uma coisa sím7olo de outra sem ue nenhuma
característica sua se8a semelhante a ualuer característica da coisa sim7oli0ada& omemos alguns
e3emplos de sím7olos& $or vermelha, no sinal de trSnsito, sim7oli0a a instru+o Pare& * cor verde
sim7oli0a a instru+o Ande& ( dedo polegar voltado para cima sim7oli0a a informa+o Tudo bem&
andeira 7ranca, na praia, sim7oli0a Mar calmo& Uma 7andeira listrada de preto e vermelho, no Rio
de Janeiro, sim7oli0a o Clube Flamengo& #sses e3emplos de sím7olos de uso comum em nossa vida
servem para ilustrar a ideia de ue a rela+o entre um sím7olo e a coisa ue ele sim7oli0a
inteiramente ar7itr/ria, ou se8a, a ra0o da forma de um sím7olo no est/ nas características da coisa
sim7oli0ada&
Uma crian+a ue ainda no consiga compreender o ue se8a uma rela+o sim7ólica entre
dois o78etos no conseguir/ aprender a ler&
)amos ao segundo pro7lema& *s letras, para uem ainda no se alfa7eti0ou, so risuinhos
pretos na p/gina 7ranca& ( aprendi0 precisa ser capa0 de entender ue cada um daueles risuinhos
vale como sím7olo de um som da fala& *ssim sendo, o aprendi0 deve poder discriminar as formas
das letras& *s letras do nosso alfa7eto t4m formas 7astante semelhantes, e por isso a capacidade de
distingui-las e3ige refinamento na percep+o& omemos alguns e3emplos& * letra p e a le tra b
diferem apenas na dire+o da haste vertical, colocada a7ai3o da linha de apoio ou acima dela& ( b e
o d diferem apenas na posi+o da 7arriguinha em rela+o W haste& ( p e o q diferem entre si por esse
>
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
mesmo tra+o, isto , a posi+o da 7arriguinha& Kotem ue os o78etos manipulados no nosso dia a dia
no se transformam ao mudarem de posi+o& Uma escova de dentes sempre uma escova de dentes,
este8a virada para cima ou para 7ai3o& Um copo de ca7e+a para 7ai3o ainda um copo& Mas um b
com haste para 7ai3o vira p, e um p virado para o outro lado vira q& 1o mesmo modo, um n com
uma corcova a mais vira m, um e alongado para cima passa valer l, um a sem o seu ca7inho passa a
ser o e assim por diante& %o sutis as diferen+as ue determinam a distin+o entre as letras do
alfa7eto& * crian+a ue no leva em conta conscientemente essas percep+es visuais finas no
aprende a ler&
( terceiro pro7lema para o aprendi0 a conscienti0a+o da percep+o auditiva& %e as letras
sim7oli0am sons da fala, preciso sa7er ouvir diferen+as linguisticamente relevantes entre esses
sons, de modo ue se possa escolher a letra certa para sim7oli0ar cada som& * diferen+a sonora
entre as palavras pé e fé, por e3emplo est/ apenas na ualidade da consoante inicial2 o CpD uma
consoante oclusiva, enuanto o CfD fricativa& *s palavras toca e doca, tia e dia distinguem-se por
outras características de suas consoantes iniciais2 a consoante CtD enunciada sem vo0, enuanto a
consoante CdD enunciada com vo0& *s palavras vim e vi t4m como Xnica diferen+a de pronXncia o
tra+o de nasalidade da vogal&
$onvm lem7rar ue, uando nos referimos a sons da fala, colocamos o sím7olo entre
colchetes& #ssa uma conven+o de nota+o utili0ada nos estudos de fontica& Quando se tratar de
letras, o sím7olo vir/ grifado&
Y claro ue só ser/ capa0 de escrever auele ue tiver a capacidade de perce7er as unidades
sucessivas de sons da fala utili0adas para enunciar as palavras e de distingui-las conscientemente
umas das outras& Kote ue a an/lise a ser feita pela pessoa 7em sutil2 ela deve ter consci4ncia dos
pedacinhos ue compem a corrente da fala e perce7er as diferen+as de som pertinentes W diferen+a
de letras&
Recapitulando, essas tr4s capacidades analisadas so as partes componentes da capacidade
de fa0er uma liga+o sim7ólica entre sons da fala e letras do alfa7eto& * primeira a capacidade de
compreender a liga+o sim7ólica entre letras e sons da fala& * segunda a capacidade de en3ergar
as distin+es entre letras& * terceira a capacidade de ouvir e ter consci4ncia dos sons da fala, com
suas distin+es relevantes na língua&
Mas a escrita contm, ainda, outras ideias escondidas&
* corrente de sons ue emitimos ao falar a representa+o de um sentido, de um conteXdo
mental& $ertas seu4ncias de unidades de som correspondem a unidades de sentido, ou conceitos&
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Por e3emplo2 a seu4ncia de sons Cp#D representa a unidade de sentido extremidade dos membros
inferiores do corpo humano & * seu4ncia de sons CaliD representa a unidade de sentido em
localiza!o long"nqua de quem fala & $hamamos de palavras os acasalamentos de som e sentido ue
utili0amos como ti8olos na e3presso dos nossos pensamentos& Pois 7em& Quem vai aprender a
escrever deve sa7er isolar, na corrente da fala, as unidades ue so palavras, pois essas unidades
ue devero ser escritas entre dois espa+os 7rancos&
emos aí, ento, o uarto pro7lema para o alfa7eti0ando2 captar o conceito de palavra& #ssa
unidade palavra to natural, ue sua depreenso uase no constitui pro7lema para os aprendi0es&
*ssim, se um principiante na escrita uer escrever a frase
a bola dela é amarela
pouco prov/vel ue ele erre na segmenta+o das palavras, escrevendo, por e3emplo,
abo lade laeama rela.
( tipo de dificuldade na depreenso de unidades voca7ulares ue se o7serva muitas ve0es na
pr/tica do ensino so coisas como umavez, nonavio, minhav#, ou se8a, falta de separa+o onde
e3iste uma fronteira voca7ular& ( inverso V a coloca+o de um espa+o onde no h/ fronteira V
mais raro& * aloca+o errada de fronteiras voca7ulares onde no e3istem acontece, por e3emplo,
com palavras femininas ue come+am com CaD V minha miga, em ve0 de minha amiga - ou com
palavras masculinas ue come+am com CuD V o niverso, em ve0 de o universo&
( importante, na ideia da unidade palavra, ue ela o cerne da rela+o sim7ólica essencial
contida numa mensagem linguística2 a rela+o entre conceitos e seu4ncias de sons da fala& emos,
portanto, na escrita, duas camadas so7repostas de rela+o sim7ólica2 uma rela+o entre a forma da
unidade palavra e seu sentido ou conceito correspondente e uma rela+o entre a seu4ncia de sons
da fala ue compem a palavra e a seu4ncia de letras ue transcrevem a palavra&
#suemati0ando, temos, por e3emplo2
?
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( homem pensa na ideia panela, representa essa ideia pronunciando a palavra CpanelaD e
representa os sons da palavra pronunciando por meio da seu4ncia de letras p a n e l a& 9/ uma
primeira liga+o sim7ólica entre o sentido de panela e os sons componentes da palavra falada
CpanelaD e uma segunda liga+o sim7ólica entre os sons dessa palavra falada e as letras com ue a
palavra escrita&
Ka pr/tica escolar de alfa7eti0a+o, h/ uma uesto pol4mica ligada ao fato de ue a escrita
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(s cinco conhecimentos 7/sicos para a leitura e escrita ue aca7amos de identificar podem
ser atingidos espontaneamente pelas crian+as& Mas podem, tam7m, ser estimulados a eclodir para
ue o alfa7eti0ando este8a preparado para o arranue&
*s crian+as ue fa0em a educa+o infantil rece7em esse preparo& * familiaridade com papel
ra0er para a escola e3emplos de sím7olos2 escudos de times de fute7ol, 7andeiras de clu7es
e de países, sinais de trSnsito, apitos convencionais de guardas de trSnsito, gestos convencionais,
gestos da língua de sinais manuais dos surdos mudos, sím7olos religiosos, em7lemas, amuletos&
H
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$riar listas de palavras ue come+am com o mesmo som& 1e palavras ue rimam 5rimas
perfeitas, rimas imperfeitas6, de can+es ue apresentam repeti+es de síla7as& omar uma mesma
melodia e cant/-la em diversas síla7as2 la-la-lala&&& ta-ta-tata&&& pum-pum-pumpum&&& 7im-7im,
7im7im&&& rincar de telefone sem fio& Imitar sotaues&
1i0er o nome dos o78etos ue esto W vista& *prender palavras novas2 partes do corpo,
termos de parentesco, acidentes geogr/ficos, profisses, 7ichos, plantas, frutas, sentimentos,
atividades, comidas, instrumentos& Locali0ar a mesma palavra colocada em duas senten+as
diferentes& $ontar uantas palavras h/ numa e3presso2
Macaco feio V uantas palavras tem[
Egua fria V uantas palavras tem[
\ico fe0 gol V uantas palavras tem[
@G
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( A Alfabetiza!o
Quando tratamos das capacidades essenciais para a alfa7eti0a+o, colocamos como primeiro
pro7lema o de compreender ue e3iste uma rela+o de sim7oli0a+o entre as letras e os sons da fala&
odo sistema alfa7tico de escrita tem essa característica essencial2 os segmentos gr/ficos
representam segmentos de som&
Quem 8/ tentou ensinar algum a ler e escrever certamente teve a e3peri4ncia de testemunhar
um salto repentino no progresso do aprendi0& 9/ um dado momento em ue parec e ocorrer um
verdadeiro estalo, após o ue a pessoa fa0 r/pidos progressos& Que estalo ser/ esse[
* suposi+o mais plausível ue o estalo ocorre uando o aprendi0 capta a ideia de ue
cada letra sím7olo de um som e cada som sim7oli0ado por uma letra& Uma ve0 agarrada a ideia,
o pro7lema redu0-se a lem7rar ue figura de letra corresponde a ue tipo de som da fala&
Po7re alfa7eti0ando] %ua euforia logo dever/ se a7randar, porue as coisas ue acontecem
entre sons e letras so um pouco mais complicadas do ue essa perfei+o de casamento
monogSmico entre uma letra e um som& 9/ poligamia, h/ poliandria, h/ rivalidades, h/ a7andonos&
* revela+o inicial deve ser seguida de alguns a8eitamentos, at ue o alfa7eti0ando conhe+a a
verdade, menos límpida do ue parecia inicialmente, do casamento um pouco defeituoso entre sons
e letras&
( casamento entre sons e letras nem sempre monogSmico& ( modelo ideal do sistema
alfa7tico o ue cada letra corresponda a um som e cada letra, mas essa rela+o ideal só se reali0a
em poucos casos&
Ka verdade, temos em portugu4s pouuíssimos casos de correspond4ncia 7iunívoca entre
sons da fala e letras do alfa7eto& $hama-se correspond4ncia 7iunívoca auela em ue um elemento
de um con8unto corresponde a apenas um elemento de outro con8unto, ou se8a, de um para um a
correspond4ncia entre os elementos, em am7as as dire+es&
emos, no uadro I, os casos de correspond4ncia 7iunívoca entre letras e fonemas no dialeto
carioca& Kote ue, nesse uadro, um elemento do con8unto de letras corresponde a um elemento do
con8unto de fonemas, e um elemento do con8unto de fonemas corresponde a um elemento do
@@
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con8unto de letras&
QU*1R( @ V *orre#$ond+ncia#
biun,'oca# entre fonema# e letra#
p BpB
7 B7B
t BtB
d BdB
f BfB
v BvB
a BaB
$hamamos de fonema, em linguística, uma unidade de som caracteri0ada por um dado fei3e
de traos distintivos& ra+os distintivos so características de som ue so relevantes na
diferencia+o entre unidades do sistema& Por conven+o, esse tipo de unidade representado entre
7arras inclinadas 5B B6&
( segundo tipo de rela+o e3istente entre os sons da fala e as letras do alfa7eto o ue foi
chamado anteriormente de poligamia e de poliandria& $hama-se poligamia o casamento de um
homem com v/rias mulheres, e poliandria o casamento de uma mulher com v/rios homens& *s
rela+es entre sons e letras vistas a seguir so uma forma de poligamia e de poliandria muito
especial& Y como se o homem polígamo tivesse apenas uma mulher em cada cidade ue freuenta, e
a mulher poliSndrica tivesse um só homem em cada lugar freuentado por ela&
)amos come+ar com e3emplos de sons casados com letras diferentes segundo a sua posi+o&
omemos, por e3emplo, o som da vogal CiD& %e a vogal CiD est/ numa posi+o de síla7a
acentuada, ela ser/ transcrita, em nossa conven+o ortogr/fica, pela letra i& Isso ocorre em palavras
como vida, saci e rio& %e a vogal CiD est/ numa síla7a /tona final de palavra, ela corresponder/ W
letra e, em nossa ortografia& Y o caso de vale, corre, morte etc& $om a vogal CuD, a situa+o no
dialeto carioca simtrica W da vogal CiD& #m posi+o de síla7a t;nica, a letra ue transcreve CuD u
5lua, tudo6 e em posi+o final de palavra, se a síla7a /tona, a vogal transcrita na ortografia pela
letra o 5mato, pego6&
Partindo, agora, da letra para o som, verificamos como as letras se casam com sons
diferentes, dependendo de onde esto& omemos a letra l como primeiro e3emplo& #ssa letra deve
ser pronunciada com o som de uma consoante lateral, se se encontra diante de uma vogal, como em
lata e bola& Mas, em posi+o final de palavra ou diante de uma consoante, a letra l corresponde, no
dialeto carioca, ao som da vogal CuD, como em sal, anzol, )ornal , alto, almoo, cala e caldo&
(utro e3emplo de correspond4ncia no 7iunívoca do som para a letra o das vogais
@
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acentuadas no dialeto carioca& ( ue ocorre uma ditonga+o de todas as vogais t;nicas locali0adas
na Xltima síla7a de uma palavra, se uma consoante CsD vem depois& Por e3emplo2 a pronXncia de
rapa0 C rapai* D, a de ps C pei*D, a de gi0 C^ i+sD, a de cós C oi*D, a de lu0 C lui*D& Ko dialeto
paulista, essa ditonga+o das vogais mais generali0ada do ue no carioca2 os paulistas ditongam
tam7m em am7ientes no finais& (uvem-se pronXncias como Cmei0moD para mesmo, CpaistaD para
pasta, CroistoD para rosto& Ka língua escrita, essas transi+es em C!D no so representadas2 di0-se
* resposta dada pela maior parte dos professores a de ue _a gente ue fala errado, por
ue o certo falar CpsD, CmatoD, CsalD`& Mas uma pssima resposta&
( professor deve estar apto a e3plicar ue a posi+o precisa ser levada em conta para a
correspond4ncia entre sons e letras& *ssim, no fim das palavras a letra o ue transcreve o som CuD ,
e a letra e ue transcreve o som CiD& #m rela+o ao fim de síla7a, ocorreu na regio onde vivemos
uma mudan+a de pronXncia do l, e por isso pronunciamos como CuD essa parte0inha da palavra ue
nossos avós pronunciavam como ClD& Y por isso ue di0emos CsauD e no CsalD& Mas, preste aten+o,
@N
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nós falamos CsaleiroD& #is o l de volta& ( CuD de CsauD um ClD ue mudou para CuD& #m nosso dialeto,
pronunciamos nossos BlB como CuD, no fim das síla7as&
#ssa a maneira como tais perguntas devem ser respondidas& Responder di0endo ue as
pessoas falam errado um euívoco linguístico, um desrespeito humano e um erro político& Um
euívoco linguístico, pois ignora o fato de ue as unidades de som so afetadas pelo am7iente em
ue ocorrem, ou se8a, sons vi0inhos afetam-se uns aos outros& Um desrespeito humano, pois
humilha e desvalori0a a pessoa ue rece7e a ualifica+o de ue fala errado& Um erro político, pois
ao se re7ai3ar a autoestima linguística de uma pessoa ou de uma comunidade contri7ui-se para
amedront/-la& ( professor ue usa a saída f/cil de e3plicar as dificuldades de escrita como sendo
ocasionadas por defeitos da fala contri7ui para a marginalidade de seus alunos& Mais adiante,
retomaremos essa uesto&
Kos dois uadros a seguir, podem ser vistas as mais importantes correspond4ncias mXltiplas
entre letras e sons 5Quadro 6 e entre sons e letras 5Quadro N6& Y importante ter claro na mente ue
tais correspond4ncias so determinadas pela posi+o, ou se8a, so regulares, e essa regularidade
pode ser comentada pelo professor& Y possível aprend4-las por meio de uma regra, de modo ue
podem ser sistematicamente ensinadas por um professor 7em preparado para e3ercer sua profisso&
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#sses uadros no esgotam a informa+o so7re rela+es som-letra e letra-som previsíveis
pela posi+o nem so verdadeiros para todos os falares do rasil& #m cada comunidade linguística
os professores devero compor seus próprios uadros correspondentes aos uadros dados aui,
registrando neles a distri7ui+o dos sons conforme se d/ no dialeto fala do pela sua clientela e por
eles mesmos&
Por e3emplo2 para os falantes do dialeto gaXcho ue enunciam um ClD velari0ado em posi+o
final de síla7a, a segunda linha do correspondente fontico da letra ClD no Quadro de ver/ ser
alterada& ( mesmo dever/ ser feito para as contrapartes fonticas das letras e e o em posi+o final
de palavra, ue soam escandidas para ouvidos no sulinos]
(utro e3emplo de altera+o do Quadro refere-se W incluso dos fatos linguísticos da
variedade de portugu4s na ual houve a perda da nasalidade de vogais /tonas finais de palavra& *s
pronXncias de palavras como homem, viagem, Crist#v!o, falam so, respectivamente, home, vage,
Crist#vo, falo& ( Quadro referente a esses dialetos dever/ rece7er uma linha a mais no espa+o
destinado W contraparte f;nica da letra m, e o elemento ocupante dessa linha ser/ um 0ero fontico&
( terceiro tipo de rela+o possível entre sons e letras o mais difícil2 a concorr4ncia, em ue
duas letras esto aptas a representar o mesmo som, no mesmo lugar, e no em lugares diferentes,
como nos casos 8/ vistos& Y o caso da letra s e da letra z, ue so usadas, ora uma, ora outra, para
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representar o mesmo som de C0D entre duas vogais& emosmesa, mas tam7m reza& emos azar, mas
tam7m casar&
1o mesmo tipo a rivalidade entre c - e ss, usados entre vogais para representar auilo ue
sempre o mesmo som CsD2 posseiro e roceiro, assento e acento, passo e lao, caado e cassado&
1a mesma maneira, o ch e o x competem na representa+o da fricativa palatal surda 5 taxa, racha6 e
o g e o ) rivali0am no privilgio de representar a fricativa palatal sonora 5 )eito, gente, su)eira,
bagageiro6&
$om 7ase nos fatos do dialeto carioca, fornecida no Quadro uma viso dos principais
casos da situa+o de concorr4ncia pela ual mais de uma letra, na mesma posi+o, pode servir para
representar o mesmo som&
#sse caso o mais difícil para a aprendi0agem da língua escrita& *ui, no h/ ualuer
princípio f;nico ue possa guiar uem escreve na op+o entre as letras concorrentes& Kesses casos,
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a Xnica maneira de desco7rir a letra ue representa dado som numa palavra na língua escrita
recorrer ao dicion/rio& # decorar, aprendendo a grafia das palavras, uma a uma, guardando-as na
memória& Kada mais lógico pode ser feito, em termos da representa+o dos fatos fonticos da
língua& 1epois, veremos ue grande parte dessas op+es ue so ar7itr/rias como representa+o de
fatos fonticos perdem essa ar7itrariedade uando a estrutura morfológica das palavras levada em
conta&
$omo foi visto uando discutimos as capacidades necess/rias para a alfa7eti0a+o, podemos
afirmar ue o primeiro grande progresso na aprendi0agem d/-se uando o alfa7eti0ando atina com a
ideia de ue h/, na escrita, representa+o de sons por letras& Fa0 sentido supor ue a ideia construída
por ele so7re essa rela+o a mais simples possível2 a rela+o monogSmica, ou 7iunívoca, para usar
linguagem tcnica & #nto, por ue no come+ar o ensino seguindo as etapas naturais do aprendi0[
$onsiderando ue o primeiro passo do alfa7eti0ando em sua compreenso do sistema da
escrita o entendimento da situa+o ideal e perfeita de ue cada letra tem seu som e cada som tem
@?
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sua letra, vamos dei3/-lo e3plorar essa hipótese por um curto espa+o de tempo& )amos fornecer-lhe
material de e3ercita+o ue no entre em contradi+o com a hipótese construída em sua ca7e+a, ue
a da rela+o de um para um entre sons e letras, ou hipótese da monogamia&
Ko Quadro @, temos as letras mais virtuosas do portugu4s do rasil2 as consoantes p, b, t , d,
f, v e a vogal a& Fiis esposas de um marido só, elas representam, onde uer ue apare+am, sempre a
mesma unidade fon4mica& #ssa virtude fa0 com ue essas letras mere+am o privilgio de serem as
primeiras a aparecer no início da alfa7eti0a+o& $om elas, seriam formadas as primeiras palavras e
as primeiras frases dos e3ercícios, seriam inventados versinhos e musiuinhas& Por ue no 7rincar
com síla7as desprovidas de sentido[ $riar ritmos alternando as consoantes, tomar melodias
conhecidas e cantarol/-las, lendo simultaneamente sucesses de síla7as formadas com essas
consoantes virtuosas, e inventar 8oguinhos de palavras cru0adas usando só essas letras so algumas
sugestes de atividades ue podem ser criadas&
Kum segundo momento dessa primeira etapa, dei3aríamos entrar letras menos virtuosas,
mas faríamos de conta ue elas so virtuosas para manter o alfa7eti0ando protegido na hipótese da
monogamia por mais tempo& Permitiríamos, ento, a entrada das letras do Quadro , mas apenas em
seus conte3tos mais gerais e em seus valores fonticos mais típicos& Por e3emplo2 a letra l entraria
nos conte3tos de início de síla7a, com seu som de consoante lateral, mas no nos conte3tos de fim
de síla7a, onde ela soa como CuD& *ssim, admitiríamos lua, lava e vala , mas evitaríamos enfrentar
sol, mel e sal & * letra s apareceria posicionada em início e emfim de palavra ou de síla7a, mas teria
seu aparecimento evitado em posi+o intervoc/lica, por ue aí ela soa igual ao z, pertur7ando a
hipótese da monogamia& ( m e o n entrariam só em ocorr4ncias iniciais de síla7a, ou se8a, nos casos
em ue sua articula+o plena& *s vogais e e o somente apareceriam uando acentuadas, e no em
situa+es em ue soam como CiD e CuD &
Y claro ue no podemos nos agarrar com rigide0 ao intuito de manter o alfa7eti0ando
resguardado por algum tempo das complica+es da escrita& *s palavras vo 8orrar de todos os lados,
as crian+as vo tra04-las, e no seria sensato e3agerar o peneiramento dos dados& %e as letras
indese8adas for+arem sua entrada, ser/ preciso adiantar a e3plica+o de ue essas letras podem, Ws
ve0es, ter outros sons, uando colocadas em outras posi+es&
$a7e ao professor decidir por uanto tempo convm tra7alhar so7 a redoma da hipótese da
monogamia& Y impossível ater-se a ela por muito tempo, so7 pena de permitir ue o aprendi0 se fi3e
com e3cessivo apego a um conceito ilusório da rede de rela+es entre sons e letras &
@
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
fatos resumidos nos Quadros e N do dialeto do alfa7eti0ando sero propostos W sua aten+o&
* e3posi+o do alfa7eti0ando aos dados como os dos Quadros e N pode ser condu0ida de
maneira sistem/tica pelo professor&
Uma ótima maneira de fa0er isso propor atividades de pesuisa& ( professor pode arran8ar
8ornais velhos, revistas velhas, invólucros de produtos e ualuer material impresso, alm de uma
folha de papel grande, tesoura e cola, e propor o seguinte2
)amos estudar a letra l& Que sons ela tem[ #m lua e em sala, ela tem um som& #m sol e em
papel, o som outro& )amos recortar todas as palavras em ue aparece a letra l vamos colar as
palavras em ue o som da letra igual ao som ue ela tem em lua, em uma metade da folha vamos
colar as palavras cu8o l tem o mesmo som ue aparece em sol, na outra metade da folha& ( mesmo
ser/ feito com a letra c ue tem som igual ao da palavra cinco e com a letra c ue tem som igual ao
da palavra casa& 1epois, faremos a mesma coisa com o e ue soa CiD e com o e ue soa CeD & # o
mesmo com o o ue soa CoD e c om o o ue soa CuD& $onvm alternar2 agora, partiremos do som e
determinaremos a letra& Que letras servem para representar o som de CgD[ * letra g, se estiver na
frente de a, o, u, e o dígrafo gu, se estiver na frente de e, i& )amos colar e3emplos em nosso carta0&
# o som CoD, como representado na escrita[ #le pode ser !o, como em bal!o e em comil!o, e am,
como em falam e em subiram&
ra7alhando dessa maneira, o alfa7eti0ador a8udar/ o alfa7eti0ando a perce7er ue a
hipótese da monogamia invi/vel& $om os novos dados, ele vai conce7er uma nova hipótese so7re
a rela+o entre sons e letras na língua portuguesa, do tipo2
Para cada som numa dada posi"ão, !# uma dada letra$ a cada letra numa dada
posi"ão, corresponde um dado som.
Para nosso uso, denominemos essa hipótese de hip#tese da poligamia condicionada pela
posi!o&
* passagem da primeira hipótese 5monogamia6 para a segunda hipótese 5poligamia
condicionada pela posi+o6 um passo de importSncia crucial na constru+o do conhecimento do
@H
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
alfa7eti0ando a respeito do nosso sistema de escrita& Quando o alfa7eti0ando no d/ esse passo e
aferra-se W primeira hipótese, ele comete falhas típicas de leitura e de escrita& )amos analisar e
compreender a lógica dessas falhas&
( erro de leitura característico do alfa7eti0ando ue encalhou na ideia da monogamia entre
sons e letras a pronXncia artificial das palavras, com a escanso de letra& *ssim, todo o lido com
o som de CoD, mesmo os ue esto no fim das palavras todo e lido sempre como CeD e nunca como
CiD, ue o caso dos finais /tonos o artigo o pronunciado com o som de CoD a preposi+o de
pronunciada com o som CdeD m e n pr-consonantais rece7em articula+o travada&
( triste ue, na maioria das ve0es, o aluno secundado nisso pelos professores, ue
acreditam ingenuamente ser essa pronXncia fictícia, de alguma maneira, a certa da língua& *li/s,
eles at ela7oram essa cria+o artifícios a de uma modalidade de língua ue só e3iste dentro das
salas de aula de alfa7eti0a+o& Uma língua na ual a con8un+o adversativa mas ganha uma
pronXncia a7strusa, anasalada, ue tem o discutível mrito de torn/-la diversa do advr7io mais na
ual a forma sou rece7e a pronXncia, letra por letra, CsouD uma pronXncia, enfim, ue fa0 da sala de
aula um universo linguístico foneticamente distinto do mundo l/ fora& #ssa maneira especial de
pronunciar a s palavras pode ser interpretada como um artifício did/tico usado pelos professores
para preservar a validade da teoria monogSmica do sistema de escrita, mas o melhor a fa0er a8udar
o aluno a se desfa0er dessa convic+o&
(s erros de escrita característicos dos alfa7eti0andos ue ainda se encontram na etapa
monogSmica da teoria do vínculo entre sons e letras consistem, principalmente, na transcri+o de
todos os sons pelas suas letras correspondentes em seu valor fontico mais típico& Por e3emplo2 a
palavra pato escrita patu, por ue o aluno escreve como pronuncia, e em sua mente a transcri+o
do som CuD só pode ser feita pela letra u& Pela mesma lógica, ele escreve devi em ve0 de deve, treis
em ve0 de tr's, tonbo em ve0 de tombo, der!o em ve0 de deram& * lógica desses erros sempre a
mesma2 falta a aprendi0agem das restri+es ue a posi+o na palavra impe W distri7ui+o das letras
e dos sons& ( erro patu denota o no ter se dado conta de ue o som CuD , uando em posi+o final
de palavra, sem acento, transcrito pela letra o& ( erro devi revela ue a pessoa no sa7e ue um
som de CiD /tono em fim de palavra representa do ortograficamente pela letra e& ( erro treis revela
a falta de aprendi0agem do fato de ue toda vogal acentuada na frente de um CsD final
pronunciada, automaticamente, acrescida de um CiD fontico nem sempre representado na escrita& (
erro tonbo demonstra ue a pessoa ainda no aprendeu a distri7ui+o antes de p e b usa/se a letra m
e antes das outras consoantes usa/se n & Finalmente, o erro der!o resulta do no sa7er ue o ditongo
G
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
#ssa terceira etapa dura toda a vida& Kingum escapa de um momento de inseguran+a so7re
a ortografia correta de uma palavra rara& Quando mais de uma letra pode, na mesma posi+o,
representar o mesmo som, a op+o pela letra correta em uma palavra , em termos puramente
fonológicos, inteiramente ar7itr/ria& Pelas regras de distri7ui+o de sons e de letras em portugu4s,
rosa, ue se escreve com s, poderia igualmente ser aceita com z do mesmo modo, exame tem x,
mas poderia igualmente ser escrita com s, ou c om z, e hora tem h, ma s ora no, apesar da
identidade fontica&
Ko Quadro , oferecemos um resumo desse tipo de situa+o, em ue duas ou mais letras
rivali0am na sim7oli0a+o de um mesmo som na mesma posi+o& ( nosso alfa7eti0ando 8/ passou
pela decep+o de ver ue no funciona a teoria do casamento monogSmico entre sons e letras, e 8/
se conformou com a necessidade de reformul/-la para a teoria da poligamia com restri+es de
posi+o& #ntretanto, o7rigado a manter a7erta a uesto e a organi0ar suas ideias de maneira a
atender, tam7m, os casos idiossincr/ticos ue o Quadro resume& Kesses casos, ele dever/
resignar-se a memori0ar a escolha certa da letra, individualmente para cada palavra& Ko fim dessa
tortuosa aventura intelectual, o alfa7eti0ando ter/ construído uma teoria so7re a correspond4ncia
entre sons e letras em portugu4s, do tipo2
Para cada som numa dada posi"ão, !# um a dada letra$ a cada letra numa dada
posi"ão, corresponde um dado som. Em certos ambientes, certos sons podem ser
representados por mais de uma letra.
J/ ue demos um rótulo Ws duas verses iniciais da teoria, inventemos um para essa verso
final2 teoria da poligamia com restri!o de posi!o e casos de concorr'ncia & Mas, para evitar
@
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
professor dever/ responder ue h/ casos, na nossa língua, em ue duas letras diferentes fa0em o
mesmo tra7alho de representar o mesmo som& %eria conveniente dar um pouuinho de informa+o
histórica& Por e3emplo2 Isso e3plicado pela história da nossa língua& *ntigamente, nossa língua era
7em diferente da ue nós falamos ho8e& #la era falada numa vasta regio do glo7o a partir do
território ue compreende ho8e a It/lia e chamava-se latim& #m latim, os sons do c de cinco e do s
de sino no eram iguais, e por isso essas palavras eram escritas com letras diferentes& $om a
passagem de muitas gera+es de falantes, as pessoas alteraram a pronXncia das palavras, e o som da
palavra cinco, ue se articulava com C'D , foi mudando& ( C'D mudou para CtD e o tD para CtsD, ue
aca7ou mudando para um som de CsD, igual ao de sino& #ntretanto, como a língua escrita guarda um
pouco da memória do passado, nós ainda retemos em nossa escrita a lem7ran+a dessas duas
pronXncias ue antigamente eram diferentes& #nto, essas irregularidades da nossa língua escrita so
e3plicadas pela memória da história& Kossa língua carrega, na escrita, a tradi+o do passado ue ela
tem&
#3plica+es desse tipo consolaro um pouco os alunos pelo esfor+o a ser investido na
memori0a+o da escrita das palavras& %e 7em dadas, tais e3plica+es podero, at, despertar certo
7rio pela historicidade da língua e da comunidade ue a usa&
#m segundo lugar, o alfa7eti0ador pode condu0ir o alfa7eti0ando, organi0adamente, a sa7er
e3atamente uais so os conte3tos em ue duas ou mais letras concorrem na representa+o do
mesmo som& Isso tam7m pode ser feito pelo mtodo da pesuisa& Um papel grande, cola, tesoura e
muitos materiais impressos& )amos repartir, segundo suas diversas representa+es ortogr/ficas,
todas as palavras pronunciadas com o som CsD no meio de duas vogais, como em coisa& *lgumas
ve0es, esse som escrito com s, outras ve0es com z e outras, ainda, com x& Resultado2 um carta0
tripartido, uma coluna com coisa, casa, rosa, asilo, resumo, usar etc&, uma coluna com azul, aza,
cozinha, cozido, rezando, azeite etc &, uma coluna com exame, exato, exemplo, exército , exerc"cio
etc0
(utro procedimento ue se pode adotar para a8udar a fi3a+o desse tipo de conhecimento
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
depreender palavras de letras de mXsicas ou de poesias conhecidas, procurando sa7er com ue letras
essa palavra representada na escrita& omemos, por e3emplo,A banda, de $hico uarue 2
Que palavra come+a com o som CsD[ Passar1 #screve-se com ou com ss2 $om ss1 Quais
palavras so faladas com um som de C0D no meio de duas vogais[ Coisas1 #screve-se com s ou com
z2 $om s1 Que palavra come+a com o som de CcheD[ Chamou1 #screve-se com x ou ch2 $om ch1
#, finalmente, a mais importante das recomenda+es2 o professor no deve dar muita
importSncia a erros de escrita dessa espcie& Aradativamente, com a pr/tica da leitura e da escrita,
tais erros diminuiro& * preocupa+o com a ortografia no deve crescer a ponto de ini7ir a
e3presso escrita da crian+a&
9/ algo importantíssimo ue o alfa7eti0ador deve sa7er, para no come ter erros crassos de
pensamento e de atitude em seu tra7alho& Y o entendi mento de ue as partes do sistema da
conven+o ortogr/fica ue t4m rela+o ar7itr/ria com os sons da fala variam de dialeto a dialeto&
*ssim, por e3emplo, se voc4 fa0 parte da comunidade linguística ue mudou o ClD em fim de
síla7a para CuD, ter/ ue tomar uma deciso fonologicamente ar7itr/ria, no ue di0 respeito W escrita
de uma palavra com u ou com l nessa posi+o& #ntretanto, se a sua comunidade no participou dessa
mudan+a, e ainda distingue as duas unidades de som, a aprendi0agem da ortografia de palavras
desse tipo no trar/ pro7lemas & 1o mesmo modo , se voc4 pronu ncia pera e feira sem fa0er
N
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
acha _feio` a pronXncia de sal com CuD ou de feira ou 7ei8a sem o CiD&
(utras mudan+as, resultantes do mesmo tipo de processo linguístico, estigmati0am
socialmente os ue as fa0em ouvir em sua fala2 a mudan+a do ClD em CrD 5CprantaD6, a perda de outros
i 5CsalaroD6, a ioti0a+o dos CbD e CD 5Cs!oD, Co!oD6 so tidas como marcas de inferioridade social &
Fa0 par te da compet4ncia profissional de um professor a atitude respeitosa para com a
maneira de falar da comunidade em ue e3erce seu tra7alho& Y muito importante para o
alfa7eti0ador ter a percep+o de ue as partes do sistema ortogr/fico ue t4m rela+o ar7itr/ria com
os sons da fala variam de dialeto a dialeto&
* maneira de tra7alhar, no ensino, essas pronXncias tidas como defeituosas e3atamente a
mesma ue propusemos par a estudar as palavras nas uais a rela+o entre sons e letras ar7itr/ria&
)amos fa0er um carta0 de estudo do som r depois de uma consoante[ emos CrD ue se escreve com
l CrD ue se escreve com r1 Clima, aclama!o, atleta, aflito para um lado do carta0, pois so CrD ue
escrevemos como l& Prova, cruz, frango, atrocidade, crime para o outro la do do carta0, pois so CrD
ue escrevemos como r&
#m nossa fala, h/ 0eros ue e3igem alguma letra na escrita] CoperaroD ganha um i2 oper/rio&
)amos pesuisar mais2sal(rio, arm(rio, comércio&
%e essa terceira etapa da aprendi0agem for 7em tra7alhada, o alfa7eti0ando sa7er/ uais
letras transcrevem uais sons em uais posi+es e uais letras concorrem em uais posi+es para
representar uais sons, alm de conhecer a escrita convencional de uma 7oa uantidade de palavras&
Kesse ponto, pode-se fa0er o alfa7eti0ando dar mais um passo2 perce7er as regularidades
ligadas W morfologia das palavras& * palavra beleza, por e3emplo, escrita com z, ue est/ numa
posi+o de concorr4ncia com s& *ssim, pelo som, podia-se escrever belesa& #ntretanto, o7serve
como esse pedacinho T eza T comum na língua2 belo 4 beleza, mole 4 moleza, certo 4
certeza, pobre 4 pobreza, rico 4 riqueza, estranho 4 estranheza, grande 4 grandeza & *s palavras
belo, mole, certo, pobre, rico, estranho e grande cont4m o sentido de ualidade, tendo a
classifica+o gramatical de ad8etivo& *s palavras beleza, moleza, certeza, pobreza, riqueza,
estranheza e grandeza correspondem ao nome dessas ualidades, e a classe gramatical delas
su7stantivo&
(7serve como o7tido o su7stantivo pela 8un+o do pedacinho eza a o ad8etivo& #sses
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pedacinhos, ue servem para derivar uma palavra a partir de uma outra, chamam-se sufi3os&
Podemos economi0ar muito a nossa memória se prestarmos aten+o aos sufi3os ue entram na
forma+o das palavras& *ssim, sa7er ue o sufi3o eza, ue forma su7stantivos a partir de ad8etivos,
escrito com z e no com s permite acertar automaticamente a escrita da palavra, ao se reconhecer
o sufi3o&
)ale a pena dedicar 7astante tempo ao estudo dos sufi3os, pois desse modo o alfa7eti0ando
poder/ reconhec4-los nas palavras novas com ue for se defrontando e acertar/ na escrita& %o
tantos] )e8am& 5avagem, bobagem, engrenagem, passagem, dosagem& udo o ue aca7a em - agem
- se escreve com g, e no com )& # aten+o, aten+o, para uem pronuncia essas palavras sem vogal
nasal no fim, assim, viage, passage, bobage2 essas palavras, na escrita, e3igem um m final&
Portugu's com - 's , mas estupidez com - ez & * e3plica+o ue portugu's, assim como
ingl's, franc's, noruegu's, finland's, escoc's, irland's etc & ad8etivo derivado de nome de país&
1aí a termina+o - 's& J / estupidez, assim como maciez, sisudez, polidez, robustez, sensatez,
solidez, liquidez etc& su7stantivo derivado de ad8etivo& 1aí a termina+o - ez&
*gora, - ice& Maluquice& Y com c, e no com ss& 6urrice, esquisitice, tolice, sonsice& - 7ce
forma nomes a partir de ad8etivos& $urioso, parece ue se especiali0a em nomes de ualidades ruins&
9/, tam7m, prefi3os cu8a identifica+o a8uda a fi3ar a grafia correta& Y o caso, por
e3emplo, do prefi3o des - , ue aparece em desfazer, desmanchar e descolar do prefi3o dis - , ue
aparece em distorcer, distens!o e discutir do prefi3o ex-, de expulsar e excomungar do prefi3o
extra/, de extraordin(rio etc0
Ko Quadro >, temos um resumo dos sufi3os e dos prefi3os mais importantes para a
ortografia, pois so aueles cu8os sons poderiam, sem erro de posicionamento das letras, ser escritos
com outras letras&
Para condu0ir o alfa7eti0ando no caminho do conhecimento dessas unidades menores da
língua, no preciso conden/-lo ao tdio de decorar listas de sufi3os e de prefi3os& Mais uma ve0,
pode-se estimular a pesuisa& Por e3emplo2 procurar afi3os em te3tos de leitura, em te3tos
produ0idos por eles mesmos, em letras de mXsicas etc& Y importante ue o professor tenha alguma
informa+o sistem/tica so7re a estrutura morfológica das palavras em portugu4s e, tam7m, algum
conhecimento so7re a história da língua&
)amos recapitular o ue foi discutido neste capítulo& *nalisamos os tipos de rela+es
e3istentes na língua portuguesa entre os sons da fala e as letras do alfa7eto& 1esco7rimos ue h/ tr4s
tipos de rela+es& * primeira a rela+o ideal, denominada monogSmica, em ue uma letra
>
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
1a classifica+o feita a partir dos tr4s diferentes tipos de acoplamento entre sons e letras em
nosso sistema de escrita, derivamos um percurso ue o aprendi0 das letras deve fa0er at se
assenhorear completamente do sistema&
Por meio desse enfoue, podemos esta7elecer o78etivamente um critrio pr/tico para avaliar
os erros de escrita e de leitura cometidos pelo alfa7eti0ando& *lm disso, podemos utili0ar a
avalia+o dos erros para diagnosticar com 7astante preciso em ue etapa do processo de auisi+o
o aluno se encontra&
%e o aprendi0 est/ retido na etapa monogSmica da sua teoria da correspond4ncia entre sons e
letras, i gnora as particularidades na distri7ui+o das letras& Ka leitura, pronuncia cada letra
escandindo-a no se u valor central& %ua escrita como uma transcri+o fontica da fala& *s falhas
típicas so como as dos e3emplos seguintes 2
matu em ve0 de mato
bodi em ve0 de bode
tenpo em ve0 de tempo
azma em ve0 de asma
genrro em ve0 de genro
eles fal!o em ve0 de eles falam&
?
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
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segundo patamar& * introdu+o de tarefas prematuras só servir/ para retardar o progresso do aluno&
Para encerrar o capítulo, perguntemo-nos ue rela+o e3iste entre as etapas de auisi+o 8/
es7o+adas e os mtodos de alfa7eti0a+o& 9/, 7asicamente, dois mtodos possíveis oficialmente
reconhecidos para condu0ir o tra7alho da alfa7eti0a+o2 mostrar primeiro as letras e ensinar suas
correspond4ncias com sons e depois ensinar a compor com elas as síla7as e as palavras ou mostrar
primeiro palavras T ou frases T e ensinar a identificar nelas as unidades componentes T as letras
T e os sons ue lhes correspondem&
( primeiro caminho rece7e o nome de mtodo sinttico, pois a tarefa consiste em sinteti0ar
seu4ncias, dados os /tomos componentes & ( anti go mtodo de recita+o do 74 - / - 7/ encai3a-se
nesse tipo& ( segundo caminho rece7e o nome de mtodo analítico, 8/ ue se parte das seu4ncias
completas, sendo a tarefa analis/-las e identificar os /tomos& Kote ue os dois m todos so
caminhos diferentes para condu0ir o alfa7eti0ando a construir a primeira etapa do conhecimento do
sistema ortogr/fico2 a etapa da hipótese da monogamia& Parece ue a did/tica da alfa7eti0a+o, entre
nós, no chegou a encarar sistematicamente o caminho posterior a essa etapa, ou se8a, as duas
etapas seguintes, indispens/veis para ue o percurso cognitivo de uma alfa7eti0a+o racionalmente
ancorada este8a completo&
9/ uem creia ue a an/lise do percurso cognitivo do alfa7eti0ando se8a 7em outra2 ele
apreenderia glo7almente, por simples reten+o, caso por caso, das rela+es entre imagens gr/ficas,
imagens f;nicas e sentidos, em 7loco& 1e fato, essa forma de aprendi0agem possível& *nimais
ensinados apreendem assim& #sse tipo de aprendi0agem no caracteri0a um verdadeiro sa7er, pois
no aplic/vel a casos novos nunca vistos antes& Quem de fato aprendeu a ler e a escrever capa0
de ler coisas ue nunca leu e de escrever coisas ue nunca escreveu& Y desse tipo de sa7er racional,
ilimitadamente criativo, ue estamos tratando&
H
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
vasculha v/rias fontes de informa+o para resolver determinado pro7lema& Y certo ue nosso sa7er
do mundo pode, em alguns casos, minimi0ar as e3ig4ncias de leitura - decodifica+o, uase
dispensando-a, e permitir uma leitura uase adivinha+o& Ko entanto, parece fora de dXvida ue
toda a informa+o imprevisível contida num te3to deva ser lida mediante a decodifica+o pela
ordem letras V sons - sentido&
*ssim, creio ue o fato de e3istir a leitura por adivinha+o no nos dispensa de a8udar o
A# l,n.ua# mudam
* língua denominada portuguesa no falada do mesmo modo por todas as pessoas ue a
utili0am& #la falada em Portugal, no rasil, em *ngola, em Mo+am7iue, em Aoa, em Macau, em
$a7o )erde etc& %o apro3imadamente G milhes de pessoas, o ue a torna a &O língua do mundo
em nXmero de falantes& ( modo de falar de uma pessoa permite sa7er se ela ou no nascida e
criada na mesma regio onde nascemos& Podemos, at, sa7er a ue classe social uma pessoa
pertence, ouvindo-a falar&
Por ue no falamos todos do mesmo modo[ Y ue todas as línguas mudam numa sucesso
de passos, pois cada nova gera+o de uma comunidade introdu0 alguma mudan+a na língua& $ada
mudan+a isolada pode passar desperce7ida, mas depois de muitas gera+es, uma pessoa ue
ressuscitasse em seu lugar de nascimento no entenderia mais a língua dos seus descendentes&
*lgumas pessoas, uando perce7em mudan+as na língua, reagem como se tivessem sofrido
alguma ofensa moral& #ssas pessoas creem ue a nova língua inferior W anterior, no ue di0
respeito W 7ele0a e W possi7ilidade de veicular ideias, conhecimentos, pensamentos, cultura& *lguns,
at, lutam em favor da conserva+o da língua& Isso acontece h/ muitos sculos&
Kossa língua, por e3emplo, vem do latim, ue 8/ era falado nas vastides do Imprio
Romano desde de0 sculos antes de $risto& #ssa língua muito 7em conhecida, porue ficou dela
uma imensa e linda literatura& * variedade de língua utili0ada nessa literatura se chama latim
cl/ssico& ( latim falado pelo povo era o chamado latim vulgar, 7em diferente do latim cl/ssico& Foi
NG
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
dessa segunda variedade de latim ue se srcinou a língua portuguesa, fruto da coloni0a+o da
península i7rica pelos conuistadores romanos, falantes do latim vulgar& #ssa conuista deu-se no
ano @H? antes de $risto& (s primeiros documentos considerados como sendo 8/ da língua
portuguesa datam do sculo II da nossa era& #ssas informa+es servem para locali0ar o e3emplo
de resist4ncia W mudan+a linguística ue ser/ mostrado a seguir&
9/ um documento importantíssimo ue permite sa7er um pouco so7re o latim vulgar2 o
*ppendi 3 Pro7i, escrito em Roma no sculo III da nossa era& Kesse documento, o gram/tico
Pro7us fa0 uma longa lista de palavras do latim vulgar da poca, indicando a pronXncia ue ele
considerava certa e comparando-a com a pronXncia ue ele 8ulgava errada& ( euivalente do
*ppendi 3 Pro7i, ho8e, seria mais ou menos as sim2
no mulé, mulher
no arrai(, arraial
no oio, olho
no falamo, falamos
no os santo, os santos
no comeno, comendo
no é armoo, almoo
no crube, clube
no dento, dentro
no pobrema, problema&
( *ppendi 3 Pro7i contm, por e3emplo, recomenda+es desse tipo 5a tradu+o das palavras
em portugu4s est/ entre par4nteses62
speculum non speclum 5espelho6
columna non colomna 5coluna 6
coquens non cocens 5co0endo6
calida non calda 5uente6
vine a non vinia 5vinha6
alveus non albeus 5alvo6
oculus non oclus 5olho6
ansa non asa 5asa6
auris non oricla 5orelha6
persica non pessica 5p4ssego6
nurus non nura 5nora6
socrus non socra 5sogra6
rivus non rius 5rio6
nunquam non nunqua 5nunca6
vobiscum non vosc um 5vosco, de convosco6
februarius non febrarius 5fevereiro6
passer non passar 5p/ssaro6
Mas as recomenda+es de Pro7us no foram atendidas pelos falantes do latim vulgar& asta
N@
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
o7servar as tradu+es dos e3emplos, para perce7er ue a língua portuguesa a continua+o da
forma do latim ue Pro7us re8eitava2 o latim do vulgo, da ple7e, do povo iletrado&
( e3emplo do *ppendi 3 Pro7i foi utili0ado para mostrar ue o menospre0o de um grupo de
falantes pelo modo de falar de outro grupo de falantes algo ue se repete continuamente em todos
os tempos, em todas as partes, em todas as sociedades&
* ra0o disso ue a língua falada por uma pessoa torna-se marca de sua identidade& 1amos
valor ao modo como nossa comunidade se e3pressa, temos apego W forma de língua falada pelos
iguais ue nos cercam& *ssim, como pode algum ter a falta de sensi7ilidade de no valori0ar, como
nós, esse modo de falar e ter a ousadia de modific/-lo[ #nto, essa pessoa no d/ valor ao nosso
modo de ser, aos nossos valores[ %e fa0emos uesto de defender nossos valores de vida, temos ue
garantir a preserva+o da nossa língua&
Y mais ou menos essa a lógica daueles ue muito se afligem com algo ue lhes parece ser a
decad4ncia da língua&
)amos estudar o mecanismo 7/sico pelo ual acontecem as mudan+as nas línguas& )amos
tomar um e3emplo ue vimos no *ppendi 3 Pro7i2 _rivus non rius`& ( e3emplo prova ue nauela
poca a palavra rio era pronuncia da rivus por uns e rius por outros& Y claro ue a pronXncia do
est/gio mais antigo da língua era com CvD, e ue houve a ueda do CvD na fala de uma parte da
comunidade&
$omo se e3plica essa ueda[ Qualuer som pode ser pronuncia do com maior ou menor
for+a na articula+o& %uponhamos ue uma parte da comunidade tenha adotado, por ualuer ra0o,
numa dada poca, um estilo de articula+o mais frou3a dos sons& #ssa frou3ido articulatória,
levada ao e3tremo, aca7a resultando num CvD praticamente imperceptível& (s falantes da mesma
gera+o limitavam-se a variar sua articula+o do CvD, ora produ0indo-o com fric+o 7randa, ora
uase sem fric+o& *t esse momento, temos uma mudan+a na ualidade da pronXncia da língua ue
ainda no uma mudan+a na estrutura da língua&
* mudan+a na língua acontece uando uma nova gera+o de falantes entra em 8ogo& * nova
gera+o precisa aprender a língua ue a sua gente fala, sendo esse aprendi0ado um fa0er ativo, um
tra7alho da mente& *ssim, ue situa+o encontra a gera+o dos filhos dessas pessoas ue
afrou3aram a pronXncia dos seus CvD intervoc/licos[ $omo tais CvD esto sendo uase omitidos no
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uso corrente da língua, a nova gera+o simplesmente no ouve CvD nenhum& Para eles, a palavra
CriusD, e no CrivusD rela3adamente pronunciada CriusD&
*gora, a língua mudou na forma, pois o fen;meno da perda dos CvD entre vogais ocorre em
todas as palavras em ue h/ um CvD entre duas vogais, sendo a segunda /tona& )e8am os e3emplos a
seguir 5o sinal significa, no estudo das mudan+as da língua, passou a, ou virou62
a estivum 8 estio
fugitivum
sanativum88fugidio
sadio
bovem 8 boe 8 boi
Para poder refletir so7re os pro7lemas do ensino da língua importantíssimo entender esse
mecanismo da mudan+a linguística& Por isso, vamos olhar mais alguns e3emplos de como as
palavras da língua latina mudaram de forma com o passar das gera+es, at tomarem a ue usamos
ho8e2
nebula 8 névoa
caballu 8 cavalo
faba 8 fava
trabe 8 trave
nubine 8 nuvem
debe t 8 deve
habere 8 haver
* mudan+a ocorrida nos e3emplos acima b 8 v& )amos esmiu+ar o processo pelo ual essa
mudan+a se deu, como fi0emos com auele em ue CvD passou a 0ero& Um grupo de falantes da
comunidade de nossos antepassados linguísticos afrou3ou de tal maneira a ocluso dos l/7ios, ao
articular seus C7D entre vogais, ue essa ocluso, Ws ve0es, chegava a ser fric+o, ou se8a, os l/7ios
dei3avam um peueno vo a7erto pelo ual o ar passava com ruído& Provavelmente esses falantes
oscilavam na pronXncia dessas palavras, ora produ0indo a oclusiva, ora a fricativa& * mais comum,
entretanto, era a pronXncia fricativa&
%e algum perguntasse a esses falantes so7re a pronXncia da palavra Cca7alluD 5Cca7alluD ou
CcavalluD6, provavelmente rece7eria a respost/ Cca7alluD& (s falantes alfa7eti0ados escreviam, sem
titu7ear, caballu com b, mesmo ue o som realmente produ0ido na maior parte das enuncia+es da
palavra fosse a consoante fricativa, e no a oclusiva& (u se8a, no dicion/rio mental desse cidado a
representa+o ideal dessa palavra continha a consoante oclusiva& * reali0a+o fricativa da
consoante era, para ele, mera flutua+o irrelevante de produ+o&
*t esse ponto, houve mudan+a na reali0a+o fontica da língua, mas no houve mudan+a na
an/lise da língua& #ntretanto, o filho desse cidado ouve palavras pronunciadas com fricativas
intervoc/licas& 1iante de tais dados, ele construir/ uma representa+o mental da forma dessas
NN
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palavras, na ual as consoantes intervoc/licas sero fricativas, e no oclusivas, pois o seu l3ico
mental ela7orado a partir de dados fonticos ue lhe so oferecidos& #nto, se o ue lhe oferecem
W percep+o so as palavras CcavalluD, CfavaD, CtraveD etc&, assim ue ele as registrar/ em seu
l3ico mental& 1esse modo, o l3ico mental do pai um e o do filho outro&
Portanto, na transi+o de uma gera+o para a outra a língua mudou, por ue as pessoas da
gera+o mais nova t4m representa+o mental de uma parte do l3ico diferente da representa+o da
gera+o mais velha& (nde os mais velhos tinham palavras com consoantes oclusivas vo0eadas
intervoc/licas, os mais novos t4m palavras com consoantes fricativas vo0eadas intervoc/licas& Kote
ue, considerando as representa+es mentais das palavras, a mudan+a ocorrida a7rupta, e no
gradual& 1e uma gera+o para outra, a interpreta+o dada aos mesmos dados difere& (s velhos
analisam os dados da sua língua como contendo consoantes oclusivas, os 8ovens analisam os
mesmos dados como contendo consoantes fricativas&
$omo esses 8ovens escrevero a palavra cavalo[ (7viamente, com v& # o ue acontece, se a
ortografia oficial da língua preconi0a ue cavalo se escreve com b, e no com v[ $onflito& #sses
8ovens, ento, sero o7rigados a escrever uma língua com formas diferentes dauelas ue falam&
*lm disso, tero ue sa7er ue a palavra pronunciada C7oiD deve ser escrita bove, a palavra
pronunciada CriumD deve ser escrita rivum, a palavra pronunciada CfavaD deve ser escrita fa7a, a
palavra pronunciada ChaverD deve ser escrita haber&
)amos dar um salto de de0essete sculos& Poderia aparecer no rasil um gram/tico Pro7us
upiniuinus ue fi0esse um *ppendi3 Pro7i rasiliensis, listando e3emplos de diferen+as entre a
representa+o le3ical construída no sa7er linguístico de determinados grupos de falante se a
representa+o le3ical preconi0ada pela ortografia oficial& Ko uadro a seguir, apresentamos algumas
das principais mudan+as linguísticas evidenciadas no portugu4s do rasil, contrastando a
representa+o le3ical ue est/ atr/s do sa7er linguístico de muitos 7rasileiros com a representa+o
das mesmas palavras na conven+o ortogr/fica oficial&
Mudana lin.u,#tica Re$re#enta!o le/ical na Re$re#enta!o le/ical na
mente do# falante# con'en!o orto.r%fica
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mió melhor
lrBfinaldesíla7a armo+o almo+o
arma alma
fartava faltava
i B /tono, diante de vogal salaro sal/rio
operaro oper/rio
rodoviara rodovi/ria
l B final de palavra arrai/ arraial
pesso/ pessoal
an0ó an0ol
d B depois de nasal falano falando
tra7aiano tra7alhando
sínico síndico
r B depois de consoante dento dentro
cadasto cadastro
po7rema pro7lema
s B final de palavra vinte minuto vinte minutos
auelas mo+a auelas mo+as
sa7emo sa7emos
tivemo tivemos
i B depois de consoante adivogado advogado
final de síla7a adimito admito
atimosfera atmosfera
luBfinaldesíla7a sau sal
auto alto
I B diante de ditongo Aetulho AetXlio
iniciado por CiD ólho óleo
*ca7amos de ver alguns e3emplos de mudan+as linguísticas& *lgumas so da etapa ue vai
do latim cl/ ssico ao latim vulg ar outras, da etapa ue vai de um tempo a de uma língua
denominada portugu4s a um tempo b de outra língua tam7m denominada portugu4s 5 a e b podem
at coe3istir em espa+os sociais diversos6& Podemos, agora, dar mais um passo na compreenso do
mecanismo da mudan+a&
Kosso primeiro passo foi perce7er ue uma mudan+a linguística ocorre em duas etapas& Ka
primeira, h/ uma fase de mera flutua+o fontica, decorrente da varia+o no desempenho
N>
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* pergunta ue nos ca7e responder agora 2 $omo a realoca+o dos dados fonticos feita
pela nova gera+o afeta a estrutura da língua[
Retornemos Ws mudan+as ue analisamos dentro do próprio latim& )imos, por e3emplos
como caballu 8 cavallu e habere 8 haver, ue a unidade de som 5fonema6 B bB se cindiu2 parte de
seus representantes 5o B7B inicial e o B7B final de síla7a6 mantiveram- se inalterados, mas parte deles,
os ue ocorriam entre duas vogais, apro3imaram-se e3cessivamente das propriedades articulatórias
típicas do fonema BvB e aca7aram fundindo-se com os representantes do BvB& #nto, podemos di0er
ue houve uma ciso do B7B e uma fuso com o BvB de uma parte de seus representantes& ( BvB, por
sua ve0, aduiriu novos representantes, com a entrada em seu território dos antigos B7B ue com ele
vieram fundir-se& Mas o BvB, por sua ve0, perdeu auela parte de seus representantes intervoc/licos,
ue, devido ao e3cessivo afrou3amento de sua articula+o, aca7aram por se fundir com o 0ero& %e
acrescentarmos W informa+o 8/ vista a de ue o BpB entre duas vogais passou a B7B 5apertu a7erto,
capillu ca7elo, lupum lo7o, sapit sa7e6 , podemos ter uma viso 7em curiosa do ue
aconteceu2 um verdadeiro rodí0io de palavras, um 8ogo de #scravos de Jó& 1essa forma, cada
fonema forneceu palavras portadoras de seus representantes a outro e rece7eu palavras novas de um
terceiro fonema&
#suemati0ando da mesma forma uma parte do rodí0io ue est/ acontecendo no portugu4s
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Kesse rodí0io de formas, v/rias coisas podem acontecer com a estrutura da língua& Pode
acontecer ue apenas as palavras individualmente mudem em suas representa+es fon4micas, mas o
con8unto de tra+os distintivos pelos uais os fonemas se distinguem uns dos outros se mantm& Pode
acontecer ue um determinado tra+o distintivo dei3a de ser distintivo& Ko italiano de Roma, por
e3emplo, h/ distin+o entre consoantes longas e consoantes 7reves& *s palavras troppo, gatto,
sacco, mamma e sonno t4m consoantes longas, e as palavras capo, lato, antico, fama e buono t4m
consoantes 7reves& Mas no norte da It/lia, como na cidade de )ene0a, o dialeto local no temesse
contraste& odas as consoantes so 7reves&
Pode acontecer ue um dado fonema dei3e de e3istir por completo& 9/ variedades de
portugu4s do rasil em ue no e3iste mais a lateral palatal, ue em todos os conte3tos passou a BiB2
folh/ foia&
Pode acontecer ue mude a chamada fonot/tica da língua, ou se8a, as estruturas de síla7as
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possíveis e a distri7ui+o dos fonemas pelas posi+es na síla7a& Por e3emplo2 com a ueda dos BrB
finais 5corr46, dos B lB finais 5arrai/6, dos BsB finais 5dos %anto6 e das nasais finais 5passage6, a
estrutura+o sil/7ica terminada por consoante, chamada de síla7a travada, uase ine3iste nessa
variedade do portugu4s&
Pode acontecer ue uma categoria gramatical da língua venha a perecer, se sua manifesta+o
formal for uma entidade f;nica ue v/ a 0ero& * morte de alguns casos em latim e3emplo disso&
Kessa língua, era o7rigatório marcar com um m final 5chamado acusativo6 todas as palavras ue
tinham a fun+o de o78eto direto de um ver7o& Por e3emplo2 *mo LXcia, devíamos di0er *mo
Luciam& * ueda dos BmB finais, uma mudan+a fonológica, levou de roldo as marcas de acusativo,
afetando, portanto, de maneira muito importante a gram/tica da língua&
#sse punhado de e3emplos permite-nos perce7er como falta 7ase para afirmar ue uma
língua melhor antes de alguma mudan+a do ue depois dela&
#stamos, agora, em condi+es de discutir a rela+o e3istente entre a língua falada e a língua
escrita&
%e viv4ssemos num mundo mais simples do ue o nosso mundo real, as coisas da língua
tam7m seriam mais simples& Mas o nosso mundo de civili0a+o ocidental comple3o e, por isso,
as coisas da língua tam7m se complicam 7astante& * comple3idade da civili0a+o ocidental est/
relacionada com a complica+o da rela+o entre língua falada e língua escrita, na medida em ue
interessa muito, em nossa civili0a+o, ue a língua escrita tenha um alcance de comunica+o 7em
amplo& Isso porue acima das peuenas comunidades locais h/ a comunidade naciona l, e aci ma da
comunidade nacional h/ a comunidade internacional& *ssim, interessante haver uma forma de
comunica+o escrita ue sirva no só para os intercSm7ios entre os companheiros de comunidade,
mas tam7m entre os companheiros de na+o, entre os companheiros de todo o mundo de fala
portuguesa e, transcendendo o tempo, entre pessoas ue vivem em pocas diferentes&
#ntretanto, o interesse em possuir uma língua escrita com um duradouro e largo poder de
comunica+o, acima das fronteiras do tempo, das fronteiras locais e das fronteiras nacionais, um
interesse ue est/ inevitavelmente em conflito com o interesse de ue a língua escrita a ser
aprendida pelos alfa7eti0andos se8a uma língua pró3ima da sua fala espontSnea e, portanto, f/cil de
aprender&
%omos o7rigados a optar2 ou temos uma língua escrita ue permite o entendimento mXtuo de
N
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fa0erem entender mesmo por leitores longínuos& Mas esse o milagre da arte, impossível de ser
praticado por gente comum em sua vi da comum&
Kossa op+o, como comunidade nacional, 8/ est/ feita, mais ou menos conscientemente& *
primeira op+o foi feita, pelo menos no rasil e em Portugal, para a ortografia&
* primeira op+o a ue mais onera o aprendi0 das letras, e a ue determina o
conservadorismo da língua escrita&
Por ue a língua escrita conservadora[ Por ue guardamos duas maneiras diversas, e ss,
para representar o mesmo CsD, por ue guardamos o z e o s, por ue temos tantos casos de
representa+es diversas na escrita para um Xnico tipo de som da fala[ 9/ dois poru4s, um
linguístico, outro social&
( poru4 linguístico 8/ foi visto& 9/ letras diversas porue as unidades de som ue elas
representavam em pocas passadas da língua eram diversas& #ssas unidades eram, antigamente,
honestas letras ue representavam monogamicamente seus sons da fala& ( representava CtsD e o z
representava Cd0D at apro3imadamente o sculo III& 1epois, surgiu uma comunidade de falantes
ue passou a minimi0ar cada ve0 mais a fase inicial oclusiva desses sons e levou essa mudan+a
articulatória a tal ponto ue os mem7ros da gera+o seguinte dei3aram de perce7er ue se tratava de
consoantes africadas 5africada o nome tcnico de consoantes ue come+am como oclusivas e
terminam como fricativa6& Quando os 8ovens come+aram a perce7er as e3-africadas como fricativas,
seu repertório de consoantes teve as fricativas e as africadas fundidas em uma só consoante& Ka
escrita, porm, a distin+o so7re vive at ho8e& 1o lado dos sons, a situa+o e3plicada por esses
caminhos, ue 8/ nos so familiares &
( poru4 social do conservadorismo da conven+o ortogr/fica de comunidades comple3as
como a nossa 8/ deve estar claro2 seria simplesmente impossível ir mudando a conven+o
ortogr/fica W medida ue as mudan+as de pronXncia fossem determinando o rodí0io decises e de
fuses fon4micas ue, como vimos, constituem o mecanismo 7/sico do processo de mudan+a de
forma das palavras& Impossível adeuar satisfatoriamente a escrita W fala, uando tantos milhes de
NH
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falantes de tr4s continentes devem ser levados em conta& ( desígnio de ser vira uma comunidade
muito ampla , em Xltima an/lise, o respons/vel pelo conservadorismo da língua escrita& Pelo fato
de ter ue satisfa0er a um nXmero astron;mico de usu/rios ue falam de maneiras 7astante
diferentes, a língua escrita de comunidades nacionais em internacionais como a nossa no pode ser
uma representa+o direta e fiel da fala& Y impossível ser, ao mesmo tempo, a7rangente e
foneticamente fiel&
* infidelidade fontica da língua escrita, ineg/vel peso para o aprendi0, pode ser vista pelo
seu lado positivo& Foneticamente, a língua escrita no representa+o fiel da fala, mas gra+as a essa
característica ela pode servir igualmente 7e m 5ou igualmente mal6 aos do Minho e aos da eira ,
aos do Rio Arande do %ul e aos do Rio Arande do Korte, e at aos da Efrica&
9/ pessoas ue no aceitam o fato de a língua escrita o7edecer a normas padroni0adas,
aceitas por usu/rios de formas linguísticas 7em diversas da nossa, nos uatro cantos do mundo&
#ssas pessoas dese8am uma escrita fiel W fala e defendem propostas de reforma da ortografia&
(s reformistas da ortografia propem ue se eliminem da escrita do portugu4s o , o s
intervoc/lico, o g diante de e e i, o h inicial e o c diante de n e ei& Por e3emplo2 faa seria escrito
fasa, casa seria caza, gente ser ia )ente, homem seria omem, cem seria sem, cinema seria sinema& (
Xnico princípio ue guiaria a ortografia seria, di0em, o princípio da fidelidade entre a língua falada e
a língua escrita&
Par a ue isso se torne possível, necess/rio criar outra norma2 uma norma de língua falada&
Uma dada maneira de pronunciar a língua teria ue ser erigida em norma de pronXncia, ue serviria
de 7ase para a nova conven+o ortogr/fica& Ka situa+o vigente, a escrita neutra uanto W
pronXncia& )oc4 pode ter sotaue nordestino, carioca, caipira ou lis7oeta e escrever corretamente&
9/ v/rias maneiras, todas igualmente v/lidas, aceit/veis e respeit/veis de falar a língua& * rela+o
entre língua escrita e língua falada fontica em uns poucos casos e ar7itr/ria em outros, como 8/
vimos& %e a proposta de escrita fon4mica fosse adotada, alguma forma de falar deveria ter o status
privilegiado de norma de pronXncia, para ue pudesse servir de 7ase para a norma da escrita& Isso
claramente um a7surdo&
$om a compreenso aduirida neste capítulo so7re o mecanismo pelo ual ocorre a
mudan+a de forma das palavras de uma língua, podemos ter uma certe0a2 a mudan+a inevit/vel,
como ualuer fen;meno natural& al mudan+a no torna uma língua pior nem melhor, mas, apenas,
diferente&
$ompreendemos, tam7m, ue as vantagens advinda s do sistema de comunica+o amplo
G
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ue a língua escrita so, por sua própria nature0a, contraditórias com a pro3imidade entre língua
escrita e língua oral & * adeso a normas e3plícitas e um pouco rígidas para a língua escrita uma
necessidade, se ueremos ue ela nos permita a comunica+o entre comunidades diversas&
*ssim, concluímos ue, em universos culturais comple3os como o nosso, h/ um
afastamento necess/rio e inevit/vel entre a língua escrita e as línguas faladas&
Portanto, parece ue o melhor dei3ar tudo mais ou menos como est/2 cada um fala a língua
com o voca7ul/rio, a sinta3e e a pronXncia rece7idos e m sua comunidade nativa& #ssa língua to
7oa uanto todas as outras& Ka escola, de pois de aprender a representar por escrito o seu falar
nativo, voc4 aprende o voca7ul/rio, a sinta3e e a ortografia convencionais do portugu4s escrito tal
aprendi0agem deve ser-lhe dada como uma porta ue se a7re para o vasto mundo do sa7er e do
tra7alho, e no como uma pedra tumular a atirar so7re o seu falar de casa& Y por isso ue dissemos
ser melhor dei3ar as coisas mais ou menos como esto& * parte correspondente ao mais a de ue a
meta consiste em facultar a todos o uso passivo e ativo da língua escrita& * parte correspondente ao
menos a de ue antes de chegar W língua escrita padro a escola deve aceitar a e3presso
linguística do aluno ue usa a língua nativa de sua comunidade&
@
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
Quer o encerrar este livro com palavras ue de certo modo diminuiro a fra+o de sua
importSncia em rela+o W totalidade dos fatores ue formam um leitor competente&
*o fa0er isso no pretendo desmerecer as duas ideias fundamentais ue foram ela7oradas no
livro2 a ideia de ue necess/rio compreender os princípios da representa+o ortogr/fica oficial no
rasil, e a ideia de ue tem muitos efeitos na alfa7eti0a+o a multiplicidade de variedades de
línguas faladas&
* língua usada na escrita compartilhada com uma comunidade muito mais ampla do ue
auela formada pelo peueno círculo de pessoas com uem falamos no di a a dia& Por essa
a7rang4ncia estendida, a língua da escrita diferente da nossa língua falada2 tem conven+es
ortogr/ficas, repertório le3ical e at mesmo algumas constru+es sint/ticas ue no costumam ser
usadas na fala&
#ssa segunda língua T a escrita T precisa ser aduirida pelo mesmo mecanismo natural
ue nos leva a aduirir a primeira T a falada&
* auisi+o de linguagem na primeira infSncia se d/ gra+as a uma propriedade 7iológica
especiali0ada do cre7ro, ue nos primeiros anos de vida tem uma propenso natural ativada para
aduirir língua& rata-se de um mecanismo detonado pela e3posi+o W linguagem& Y especialmente
na primeira infSncia ue sua atividade intensa&
Isso muito evidente uando se o7serva a rapide0 e perfei+o com ue crian+as peuenas,
filhas de imigrantes, apreendem a língua do novo país e se tornam 7ilíngues, igualmente
competentes nas duas línguas& Quando se compara esse sucesso infantil com a insuper/vel
imperfei+o com ue seus pai s aprendem a nova língua, se tem uma prova científica da e3ist4ncia
de uma capacidade cognitiva na crian+a ue no adulto 8/ no to efica0&
1o mesmo modo, para ue se tenha um leitor de plena compet4ncia, sem sotaue,
conveniente ue o 7ilinguismo se8a ativado na infSncia&
Y verdade ue a uesto dos sons e letras e suas diferentes rela+es a ue nos dedicamos
neste livro metodologicamente importante para esclarecera tecnologia da escrita, mas por outro,
lado tam7m verdade ue uanto mais a crian+a tiver acesso a livros desde 7em peuena,
ganhando o gosto de ler e aduirindo familiaridade no mundo dos livros, tanto menos importante
ser/ a metodologia do ensino das letras, pois a nature0a, com a mesma desordem com ue fa0
acontecer a aprendi0agem da fala, cuidar/ so0inha de uase tudo isso&
2ocabul%rio cr,tico
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
3 4iblio.rafia comentada
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crian+a, de sua percep+o fontica da fala para representar e segmentar a escrita& $adernos $edes,
%o Paulo, $orte0, @H>& p&>-H& Mostra como crian+as paulistas do provas de estarem fa0endo uso
de hipóteses so7re a escrita&
$*RR*9#R, & K& : R#A(, LXcia ro<ne& ( realismo nominal como o7st/culo na
aprendi0agem da leitura& $adernos de Pesuisa, %o Paulo, Funda+o $arlos $hagas 5NH62 N-@G,
@H@& Relato de pesui sa so7re o desenvolvimento da concep+o de representa+o escrita
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
>
Miriam Lemle V Auia eórico do *lfa7eti0ador
%IL)*, M!rian ar7osa da& Leitura, ortografia e fonologia& %o Paulo, Etica , @H@& 5$ol& #nsaios,
?>&6 rata das rela+es entre o lado fon4mico e o lado graf4mico da representa+o da língua&
%(*R#%, Magda& Linguagem e escola uma perspectiva social& %o Paulo, Etica, @H& 5%rie
Fundamentos, @G&6 Resume admiravelmente diversas a7ordagens sociolinguísticas e avalia suas
implica+es para o ensino escolar da língua&
(1(R(), & : 1U$R(, (& #scritura In2 ==== : ====& 1icion/rio enciclopdico das ci4ncias