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PROBLEMÁTICA PÓS-MODERNA.
CARLOS MACHADO
UNIVERSIDADE DO MINHO
2. O intertexto e a pós-modernidade.
A dinâmica da modernidade artística e das vanguardas, rumo à exaustão de
temas e formas, pela sua busca incessante de novidade, dissolveu paradoxalmente o
próprio conceito de novo. O seu esgotamento é hoje manifesto e verifica-se no uso
contraditório do prefixo “neo-” em termos como “neomaneirismo”, “neoformalismo”,
“neovanguardismo”, etc…ii O que se apresenta como novo pelo uso do prefixo mais não
é do que a repetição actual de tendências do passado. Este factor é indissociável da
consciência historicista contemporânea, que acarreta o desvanecimento da noção de
originalidade. Os escritores, actualmente, “can only repeat, copy and/or plagiarize what
has already been written in the previous centuries” (Sartiliot, s/d: 13). O conceito de
criação literária, que presume um trabalho realizado por um génio individual ex nihilo, é
substituído pelo de produção e/ou re-criação. “Toute l’écriture est collage et glose,
citation et commentaire” pois “écrire, car ce n’est que récrire, ne diffère pas de citer”
(Compagnon, 1979: 32 e 34)iii. A iterabilidade de temas, formas e estilos equipara-se à
dos signos linguísticos (Derrida,1972b): a sua repetição é sempre différante (Derrida,
1972a)iv.
A atitude tomada face a esta repetição pode ser muito diversa. O autor citante
pode, por um lado, omitir conscientemente a referência ao texto e/ou autor citado (o que
o faria incorrer no crime de plágio, punível pelo regime jurídico que superintende à
definição dos direitos de autor), ou declarar inequivocamente a fonte do texto. Neste
caso, tanto se pode afirmar o respeito pela obra/autor citados, como, pelo contrário,
proceder à sua paródia, com propósitos burlescos ou satíricosv.
A complexidade e diversidade das posturas adoptadas face à prática da citação
não é passível de uma sintetização total pelo recurso único aos termos maniqueístas
anteriormente expostos. O autor não se encontra entre Cila e Caríbdis e os rumos a
seguir são múltiplos. O meio termo relativamente às duas atitudes anteriormente
descritas poderá ser aquele que será traduzido não pelo termo de citação, mas sim pelo
de referência. Esta atitude não é, contudo, a mais frequente pois parece não se confiar
muito na formação cultural do público leitor, nesta era de massicultura televisiva,
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a sua metafísica
e o espaço exterior
que povoam de
temporalidades eriçadas,
luzes cruas, sons ínfimos, poeiras» (Moura, 2000: 105).
xi
Estes podem hoje aproveitar, ao arrepio daquilo que Benjamin pensava, os meios de difusão
radiofónicos e televisivos disponíveis para a promoção da sua imagem.
xii
Não abordamos todos os polémicos aspectos políticos do ensaio de Benjamin, visto, por um lado, não
ser esse o nosso foco de atenção e, por outro, pela indubitável inadequação da lógica maniqueísta que
reduzia os elementos antinómicos a facções políticas contrárias. Quanto a nós, as preocupações histórico-
sociais coevas de Benjamin tornaram-se os aspectos mais datados e menos viáveis do seu ensaio.
xiii
Esta importância da citação tornar-se-ia mais visível nos estudos benjaminianos sobre Karl Kraus (Cf.
Rochlitz, 1992: 161-162).
xiv
Mais uma vez, é Manuel António Pina que realça esta faceta robin-hoodesca do escritor pós-moderno,
quando escreve:
“(Introduzir o caos na or-
dem poética dominante;)
A tomada do poder passa pelo roubo,
passa pela própria perdição e pela de tudo.” (1992: 69; itálicos nossos)
xv
Esta tentativa chega hoje a limites nunca antes imagináveis. Com efeito, esta procura de um estatuto de
igualdade constitui também um esforço no sentido da legitimação do capital cultural específico do sujeito
que pretende ser escritor, nesta era de alfabetização de massas, o que o obriga a demonstrar que domina
correctamente os instrumentos verbais da matéria poética. A glosa de poetas do passado assume-se,
portanto, como uma estratégia privilegiada. Em todo o caso, esta glosa é inusitada porque o culto da
tradição conduz à prática de simulacros da plena inserção nela, por exemplo, criando os poemas que
deveriam ter sido escritos (mas que o não chegaram a ser) pelas figuras cultuadas, que acabam, assim, por
ser substituídas pelo(s) autor(es) actual(is), que se coloca(m) ao seu nível. Assim, encontramos, entre
outros exemplos:
a) Carlos de Oliveira a recriar Camões (mais especificamente, o soneto «Que me quereis, perpétuas
saudades?»), tal como Aragon já o fizera, numa sequência de três poemas que coloca o poeta
mais recente ao mesmo nível dos seus predecessores (cf. Oliveira, 1992:145-147);
b) Fernando Pinto do Amaral a criar um «Apócrifo pessoano» (2000: 217);
c) Vasco Graça Moura a publicar um seu «Soneto de Dante Alighieri» (2000: 98) e de «Rilke: o
último poema» (2000: 146).