INTRODUÇÃO
As discussões sobre o projeto do Escola Sem Partido – ESP tem sido alvo
de análise e estudo das pesquisas em educação. Entretanto, avaliamos como
necessário a discussão desses mecanismos da reforma educativa posta no país,
atentando-se especificamente ao que tange a atividade docente.
Assim, esse texto é parte dos estudos desenvolvidos no Programa de
Pós-Graduação em Educação nível de mestrado da Universidade Estadual do
Centro-Oeste – Unicentro, na linha de pesquisa: Políticas Educacionais, História
e Organização da Educação. Nesse interim, nosso objetivo principal é refletir
sobre o ESP no contexto da atividade docente e as políticas neoliberais.
Destacamos a necessidade de pensar a atividade docente em tempos de
mudanças no cenário educacional, uma vez, que o trabalho docente é que lidará
com as proposições advindas de toda a conjuntura social que aqui nos propomos
a discutir.
As propostas ora analisadas fazem parte de um conjunto maior de
medidas intituladas de “reformas” e que se desenvolvem como agentes
catalizadores da luta travada pelo capitalismo neoliberal pela retomada da
hegemonia política e econômica e a supressão das políticas de fomento ao
Welfare State implementadas nos governos do partido dos trabalhadores.
São medidas que como demonstraremos sob a lente das categorias dos
Marxismo visam um desmonte dos direitos adquiridos e uma retomada a pautas
conservadores e tradicionais que reportam à década de 1990 e agem na verdade
como instrumentos de “contrarreforma” e buscam para se firmar o apoio e
consenso social apelando para a fé e a religiosidade como pano de fundo
ideológico e às Leis como instrumentos de coerção e extração de direitos.
Sendo a escola – em sentido lato – o principal aparelho ideológico de
estado e elemento de produção da docilidade e servilidade e além disso uma
consagrada fonte de investimentos estatais, há sobre este ambiente um olhar
importante por parte dos governantes empresários e industriais, para
governantes com a redução de investimentos, para a apropriação de um novo
nicho de mercado com a privatização do ensino aos empresários e para a
formação do trabalhador conformado, dócil e servil interessa aos industriais.
Como fundamento teórico partimos dos pressupostos da teoria marxiana,
para entendermos as relações sociais da sociedade capitalista, bem como, as
relações entre trabalho, educação e políticas educacionais com foco na
formação humana com vistas a uma submissão decorrente da interpretação
religiosa do mundo e a prática docente sob o contexto do ESP.
Diante destes rudimentos fica evidenciado que este trabalho se propõe a
ter como método uma abordagem fundamentada na Teoria Crítica e que envolva
a produção da vida material e a história dialeticamente para análise dos objetos
ora em escopo.
2
http://www.escolasempartido.org/sindrome-de-estocolmo/114-caso-sigma
Atualmente Escola sem Partido possui3:
126 projetos apresentados em âmbito municipal
25 projetos apresentados em âmbito estadual
14 projetos apresentados em âmbito federal
“Vamos filmar o que acontece na sala de aula e vamos divulgar isso daí.
Pais, adultos, homens de bem têm o direito de saber o que esses “professores”
(gesticulando e falando entre aspas) ficam fazendo na sala de aula. Entrem em
contato com a gente”. 4
5
Gramsci, 1999, p.128
Esta dominação ideológica ou hegemonia se traduz através da cultura
pela qual cimenta a dominação escondendo a luta de classes e constituindo um
“bloco intelectual e moral”. Por ela há uma adesão espontânea da visão de
mundo e sociedade da classe dominante desde seus valores e compromissos
morais, sua maneira de viver e de pensar, costumes, religião e princípios
políticos, através de um emaranhado de concepções difundido e propagado
tanto na esfera publica quanto privada e nos quais as instituições educacionais
(escola) teriam a função basal de selecionar dentro desta mesma cultura e suas
possibilidades “o passado” e “a tradição” a serem repassados às novas
gerações.
Este impregne opera como forma de perpetuação do pensamento e da
conduta mais conveniente à classe dominante, destacando significados e
práticas uteis a preservação do status quo e ignorando todos aqueles axiomas
que possam contradizê-los, homogeneizando a todo tecido social a “sua” forma
(burguesa, dominante) de conceber o mundo e estabelecendo desta maneira o
senso comum da sociedade.
A cultura estaria assim constituída através de formas ideológicas pelas
quais os homens tomam consciência dos conflitos e da realidade social. Neste
sentido, o caráter político da cultura constituiria a chave de sua interpretação da
realidade e a hegemonia seria a cultura difundida em uma sociedade de classes.
6
Gramsci, 1999, p.104
7
Ibid., 388
históricos pelos quais promovem certa simbiose pela qual o sistema dominante
navega rumo à sua perpetuação “na medida em que mantém a própria fé,
repetindo infatigavelmente a sua apologética [...] e mantendo uma hierarquia de
intelectuais quem emprestem à fé pelo menos a aparência de dignidade do
pensamento”8. Ao professarem uma política e um modo de governar
fundamentado nos preceitos divinos suprem a necessidade das massas por uma
interpretação da vontade divina, a necessidade de determinada forma de
racionalidade do mundo e da vida, fornecendo os quadros gerais para a atividade
prática real. Desta forma é necessário a fim de que compreendamos esta matriz
cristã evangélica que move o escola sem partido um entendimento de como este
deus e seus desígnios são uteis na condução das massas e como ele (deus) é
uma ferramenta poderosa na adesão e no consenso. Assim, falemos um pouco
d’ele.
Para Feuerbach (2007, p.212), o homem necessita de uma crença9 que o
transcenda a fim de justificar sua vida no mundo material. Feuerbach sugere que
o homem inventou Deus10 a fim de racionalizar sua existência e sua
materialidade, sendo este deus consequência estrita da necessidade humana
que diante de uma natureza dura procura fora de si esta explicação, fora da
natureza, em deus.
Marx afirma que a religião é o ópio do povo11, nesta perspectiva também
o homem inventou Deus, inventou-lhe ainda um culto bem como
comportamentos que indicariam a vontade desse deus. Tais comportamentos
foram catalogados como adequados e inadequados e representariam em cada
momento histórico, a vontade desse deus. Distinguindo-se desta perspectiva,
para o marxismo toda a realidade, tudo o que acontece no plano real, visível às
8
Ibid.,110
9
A crença na revelação é uma crença infantil e só respeitável enquanto é infantil. Mas a criança é
determinada por fora. E a revelação tem por objetivo exatamente efetuar, através da ajuda de Deus, o que
o homem não consegue atingir por si mesmo. Por isso chamou-se a revelação de educação da espécie
humana. Isto é certo; apenas não se deve transportar a revelação para além da natureza humana. Assim
como o homem é movido interiormente para expor doutrinas morais e filosóficas em forma de narrações
e fábulas, da mesma forma exterioriza ele necessariamente como revelação o que lhe é dado por dentro.
O fabulista tem um objetivo, o objetivo de tornar os homens bons e devotos; ele escolhe intencionalmente
a forma da fábula como o método mais objetivo e figurativo; mas ao mesmo tempo é ele mesmo impelido
a esta didática pelo seu amor à fábula, pela sua própria natureza interior. Assim se dá também com a
revelação em cujo ápice está um indivíduo. Este tem um objetivo, mas ao mesmo tempo vive ele mesmo
nas concepções através das quais ele realiza este objetivo. O homem projeta espontaneamente através da
imaginação a sua essência interior; ele a mostra fora de si. Esta essência da natureza humana contemplada,
personificada, que atua sobre ele através do poder irresistível da imaginação como lei do seu pensar e agir
- é Deus.
10
Deus é o espelho do homem (Feuerbach, 2007, p.89)
A personalidade de Deus é então o meio através do qual o homem transforma as determinações e
concepções da sua própria essência em determinações e concepções de outra essência, de uma essência
fora dele. A personalidade de Deus não é em si mesma nada mais que a personalidade do homem
exteriorizada, objetivada. (Feuerbach, 2007, p.228)
11
A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria
real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito
de estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo. (Marx, 2010, p.134)
pessoas, incluindo a religião, a moral, a política e a educação só podem ser
explicados a partir de uma matriz material e social que é exatamente a forma
como os bens são produzidos em uma determinada sociedade e em um
determinado período da história, em outras palavras, são as forças de produção
e as relações de produção a causa última do divino.
Sendo assim, para entendermos a sociedade e a invocação de deus e
seus desígnios nesta sociedade precisamos partir de uma análise que vá além
da religião ou da teologia, vá além de “seus” discursos, além de “sua” doutrina
ou de “sua” teoria a respeito de deus.
Para Marx, somente olhando-se no subterrâneo, ao que chama de
“infraestrutura” é que poderemos entender a maneira pela qual o homem a partir
da produção de bens materiais molda o seu comportamento em sociedade.
Sendo a sociedade uma sociedade capitalista e, portanto, uma sociedade
dívida em classes, existe uma divisão entre proprietários dos meios de produção
e não proprietários dos meios de produção. Neste sentido, a compreensão de
todos os fenômenos sociais como direito, como a moral ou como a educação,
depende do entendimento de como os bens materiais são produzidos, ou seja,
da relação entre proprietários e não proprietários dos meios de produção,
burgueses e proletários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
12
O desenvolvimento da força produtiva do trabalho no interior da produção capitalista visa encurtar a
parte da jornada de trabalho que o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo precisamente para
prolongar a parte da jornada de trabalho durante a qual ele pode trabalhar gratuitamente para o capitalista.
Em que medida esse resultado também pode ser obtido sem o barateamento das mercadorias será
mostrado nos métodos particulares de produção do mais-valor (Marx, 2013, p.492)
e o consenso. A coerção através da utilização da força, violência física,
econômica e moral, através de instrumentos de coerção como a polícia e a
justiça, algo fácil de perceber se prestarmos atenção quem a polícia prende,
espanca e persegue, logo veremos que a polícia é uma polícia de classe, uma
polícia burguesa, age em favor de uma classe e em detrimento de outra, quanto
à justiça vale a mesma máxima, basta uma rápida olhada para os presídios e
veremos que a justiça é uma justiça burguesa.
Mas não a força a chave de uma dominação eficaz. O consenso é a
ferramenta mais valiosa de um sistema de dominação, a burguesia controla o
proletariado não porque detém a polícia, a justiça, o governo, o exército, etc, até
porque o uso reiterado da força e da violência acaba por gerar a revolta instintiva
do dominado, não são pela força ou a violência que se propaga a submissão, a
docilidade e a ordem a todo o sistema produtivo.
Para cada confronto emergido dos proletários tem-se décadas de
submissão sem revolta, e isto é um claro sinal de que o proletário muito
largamente se incorpora ao sistema pacificamente, proletários e burgueses
alinham-se ideologicamente, concordam com uma certa ideia de como o mundo
deveria funcionar, uma certa lógica de como a sociedade deve acontecer, sobre
o que é certo e o que é errado, sobre o direito sagrado da propriedade privada e
muitas outras coisas do mundo da vida, o proletário acredita que a maneira
burguesa de ver o mundo é a mais correta. E naturalmente, a dominação
ideológica é a única explicação plausível para explicar tanta concordância diante
de tamanhas discrepâncias materiais explicitas e abissais na sociedade.
Há muito pouco em que discordam burgueses e proletários, pois ambos
participam de uma mesma matriz ideológica de definição do que é certo e do que
é errado e por isso, os poucos e pequenos pontos de discordância jamais põem
em risco a sociedade em questão. Deus regula o certo e o errado, a escola
reforça o bem e o mal, o bom e o ruim, o belo e o feio, o adequado e o
inadequado, e na falha destes, a Lei, a força, a violência.
Ante a este pensamento de que Estado, escola e religião participam de
uma mesma base de formação do trabalhador dócil e servil e que a fé é constante
e rotineiramente uma necessidade educativa pautada pelos dominadores, é que
acreditamos que deus vem a contribuir e muito para que as pessoas suportem a
vida que lhes toca, para que as pessoas não se insurjam contra as discrepâncias
materiais evidentes, para que milhares de miseráveis não se rebelem contra uns
poucos privilegiados, deus contribuir muito para garantir que é mais fácil passar
um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus13,
a promessa de um paraíso vindouro vem contribuir muito para que não haja
maiores exigências sobre uma repartição mais equivalente dos bens materiais
sobre a terra, portanto deus é junto com o seu culto e às suas instituições, o ópio
do povo, o anestésico, que impede a reivindicação do que obviamente seria
reivindicável isto é menos privilégios e mais igualdade.
Assim, a ideia ou o pensamento hegemônico de uma sociedade é
reforçado reiteradamente pelos mecanismos de coerção e consenso disponíveis
à classe dominante e o movimento escola sem partido através de todas as suas
exposições, seu discurso e suas intenções vem atuar frente a disputa pela
hegemonia na educação valendo-se da coerção através de seu projeto de Lei
com vistas a coibir a atuação docente em sentido emancipatório e ao abarcar
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Bíblia. Mateus Capítulo 19 – Versículo 24
em si a representação divina do cidadão de bem, do homem branco, hetero,
honrado, pai de família que preocupado com os rumos da sociedade, o futuro
das crianças lança nos preceitos religiosos aquilo que deve ser tomado por todos
como correto valendo da fé, de deus e de suas instituições como mecanismo
validador de seu discurso e como tática na luta pelo consenso.
O caráter retrogrado e conservador do movimento escola sem partido fica
evidente no ódio ao comunismo, às religiões de origem africana e às questões
de gênero e sexualidade segundo a qual só existe homem e mulher através de
uma leitura evangélica, dogmática e conservadora da bíblia aplicada a
educação.
REFERÊNCIAS
MELO, Alessandro de. Primeiro vídeo escola sem partido. 2015. (23m54s).
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1Ip7wplWkug Acesso em 17 jul 2019.
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Feuerbach. Prefacio da Segunda Edição. In. A essência do cristianismo. Disponível em
http://www.filosofia.com.br/figuras/livros_inteiros/229.txt Acesso em 16 jul 2019.
MELO, Alessandro de. Segundo vídeo escola sem partido. 2015. (44m16s).
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=sVURZG6LMK4 Acesso em 17 jul 2019.