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Thomas Hobbes: do poder à soberania do Estado
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Thomas Hobbes: do poder à soberania do Estado

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Nesta coletânea de estudos sobre Thomas Hobbes, diferentes autores abordam um tema comumente relacionado à sua filosofia, a saber: quais são as condições, os critérios e os limites da vida em sociedade, e de que forma se estabelece entre os homens um pacto ou contrato social. Este tema será analisado pelos autores em suas diversas inter-relações com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a história e a psicanálise. Por meio desses estudos que ora se complementam, ora se contrapõem, busca-se apresentar para o leitor um mosaico de perspectivas capaz de ampliar a sua visão sobre o assunto, sem contudo determinar uma interpretação única e excludente das demais. O objetivo é apresentar as diferentes visões e instigar no leitor o interesse sobre o assunto, para que ele próprio estabeleça a seu modo um diálogo entre as diferentes perspectivas. Contribuir para o debate sobre a vida humana em sociedade, seja na filosofia, na sociologia ou na psicanálise é o objetivo desta publicação. Que ela possa então servir tanto para ampliar o debate entre os especialistas, quanto para aprimorar o conhecimento do leitor comum sobre um tema tão importante, que diz respeito a todos.
LanguagePortuguês
Release dateSep 2, 2023
ISBN9786585121521
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    Thomas Hobbes - Lygia Caselato

    INTRODUÇÃO

    Nesta coletânea sobre Thomas Hobbes, diferentes autores abordam um tema comumente relacionado à sua filosofia, a saber: quais são as condições, os critérios e os limites da vida em sociedade, e de que forma se estabelece entre os homens um pacto ou contrato social. Este tema será analisado pelos autores em suas diversas inter-relações com outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a história, a psicanálise etc.

    Por meio desses estudos, que ora se complementam, ora se contrapõem, busca-se apresentar para o leitor um mosaico de perspectivas capaz de ampliar a sua visão sobre o assunto, sem contudo determinar uma interpretação única, excludente das demais. O objetivo é apresentar as diferentes visões e instigar no leitor o interesse sobre o assunto, para que ele próprio estabeleça a seu modo um diálogo entre as diferentes perspectivas.

    No primeiro estudo, intitulado Gênese do político e vida civil: o contrato social tensionado entre Hobbes e Espinosa, Daniel Santos da Silva situa o pensamento político de Thomas Hobbes no contexto da filosofia moderna, e analisa as diferenças e as singularidades a respeito da origem da vida em sociedade em Hobbes e Espinosa.

    No segundo estudo, intitulado "Hobbes e a filosofia do poder: os ‘princípios’ antipolíticos do Leviatã na leitura de Hannah Arendt, Rodrigo Ponce Santos aborda a polêmica relação estabelecida por Hannah Arendt entre o imperialismo e a filosofia política de Thomas Hobbes, a fim de verificar como o tema se configura em Origens do totalitarismo e de que modo ele contribui para iluminar o tempo presente. Se o imperialismo surge no conflito entre a estabilidade das instituições nacionais e o seu desejo de expansão, isso significa que ele também se configura como um conflito entre a tradição política e a nova ordem econômica. Comparando as leituras de Arendt e C. B. Macpherson sobre Hobbes, o autor explora a analogia que Arendt estabelece entre o imperialismo e o pensamento hobbesiano, ao afirmar que não se encontraria no contratualismo hobbesiano um argumento para a constituição de comunidades políticas, mas antes um modelo de relações humanas que ameaçaria a própria existência de tais comunidades.

    No terceiro estudo, intitulado Thomas Hobbes e a violência do Estado: possibilidades de resistência e o duplo sentido do medo e do poder, Delmo Mattos da Silva aborda o problema da violência do Estado no pensamento político de Hobbes. Examina o significado teórico do absolutismo proposto pelo filósofo, e evidencia os limites da atuação do governo a partir da oposição entre Estado e indivíduo. Conclui mostrando que a possibilidade de resistência em relação aos excessos de poder está garantida pela proposta política de Hobbes, que oferece respaldo jurídico à contenção bilateral do medo, assegurando a paz possível entre instituições e cidadãos.

    No quarto estudo, intitulado Mal-estar, sofrimento e sintoma: releitura da diagnóstica lacaniana a partir do perspectivismo animista, Christian Ingo Lenz Dunker apresenta a noção de forma de vida do perspectivismo ameríndio, desenvolvida por Viveiros de Castro, em homologia com a diagnóstica psicanalítica decorrente dos trabalhos de Jacques Lacan, no quadro da metadiagnóstica da modernidade desenvolvida pelas teorias sociais, especialmente as de extração crítica. Com a dupla finalidade de responder a críticas dirigidas ao estruturalismo lacaniano em psicopatologia, e de justificar a distinção entre sintoma, sofrimento e mal-estar. Embora este estudo esteja situado em outra área do conhecimento correlata à filosofia (a psicanálise), ele apresenta uma ligação direta com o tema geral deste livro: a vida do homem em sociedade.

    No quinto estudo, Anderson Alves Esteves expõe os juízos de Thomas Hobbes e Norbert Elias a respeito da divisão do trabalho e de suas relações com a ordem social – a despeito das diferenças de método e de métrica dos autores em pauta. De Thomas Hobbes, recolhe a demonstração e o raciocínio hipotético-dedutivo de que, do indivíduo palmilha-se à sociedade; de que, do contrato que edifica o Estado envereda-se à divisão do trabalho, como uma das maneiras de estatuir o conforto necessário à manutenção da sociedade civil. De Norbert Elias, recolhe a relação processual entre sociogênese e psicogênese, que, sem opor indivíduo e sociedade, trata da formação da divisão do trabalho e da individualidade como fenômenos inseparáveis e peculiares ao processo civilizador.

    Em Representação, soberania e governo em Thomas Hobbes, Francisco Luciano Teixeira Filho examina a passagem do conceito grego de democracia para a atual democracia representativa, a partir do conceito hobbesiano de representação.

    No sétimo estudo, Jecson Girão Lopes procura explicitar como, a partir da teoria política de Thomas Hobbes, engendra-se a necessidade da instauração do Estado, isto é, do Leviatã, na realidade. Segundo ele, essa perspectiva perpassa todo o curso da obra Leviatã, em que o filósofo demonstra os fundamentos e as razões pelas quais o Estado deve terminantemente exercer a força, a autoridade, a influência, o juízo e o poder sobre os seus súditos, visto que, sem esse exercício do poder coercitivo, a humanidade entraria em estado de guerra constante. Assim expressa-se a legítima e urgente necessidade de efetivação do Estado.

    No oitavo estudo, intitulado Hobbes e a pandemia hipotética no Leviatã: entre a liberdade e a segurança, o autor Jairo Rivaldo Silva aponta como o aparecimento do coronavírus suscita um antigo debate no âmbito da filosofia política: o debate entre a liberdade e a segurança. Na pandemia, a maioria dos Estados precisou adotar medidas que restringiram a liberdade dos cidadãos, para conter o avanço da doença. A posição do filósofo inglês, Thomas Hobbes, exposta no Leviatã, para enfrentar esse tipo de problema, seria a de que a segurança deve prevalecer sobre a liberdade irrestrita, para evitar o estado de natureza. Há em Hobbes uma proposta de que a liberdade irrestrita seja substituída pela liberdade limitada no estado político, que aponta para uma possível solução capaz de conjugar liberdade e segurança a partir do conceito de razão pública.

    Contribuir para o debate sobre a vida humana em sociedade, seja na filosofia, na sociologia ou na psicanálise é o grande objetivo desta publicação. Que ela possa então ser útil tanto para ampliar o debate entre os especialistas, quanto para aprimorar o conhecimento do leitor comum sobre um tema tão importante, que diz respeito a todos.

    Boa leitura!

    1Gênese do político e vida civil 

    [ O contrato social tensionado entre Hobbes e Espinosa ]¹

    Daniel Santos da Silva

    [ Doutor em Filosofia - USP ]

    Um ponto de partida

    O tema do contrato social, desde que assentado definitivamente na pauta filosófico-política da Modernidade, gera discussões que vão desde a análise extensa das condições de sua realidade à reunião, sob a mesma denominação genérica, de teorias e ideias diversas que algumas vezes são essencialmente contraditórias. Aqui, busco ressaltar algumas singularidades teóricas de autores importantíssimos na abordagem do problema; meu olhar, obviamente retrospectivo, foca em críticas pontuais que relevam disparidades gerais – do ponto de vista do jusnaturalismo – em relação à possibilidade mesma da prática contratualista na vida política. Que espécie de confiança deve ser gerada para que o artifício do contrato seja demonstrado como efetivo? Que sorte de representatividade pode ser dita legítima na complexidade do maior empreendimento humano, que é a formação social – que se expressa, plenamente, na formação do cidadão ? Assim, retorno a alguns fundamentos do contrato e reviro parcialmente seus processos constitutivos.

    Em suas bases, as questões acima reenviam a elementos marcantes do exercício filosófico na Modernidade e dos conflitos que o motivam: mera especulação ou tentativa de intervir em nossas relações sociais e políticas? Já na superfície, percebe-se o intento descritivo da sociabilidade; para além disso, pode observar-se a subsunção de conflitos e convergências advindos da natureza humana como condição de inteligibilidade dos encontros na constituição de corpos sociais e políticos. Entretanto, já aquela superfície é escorregadia, e facilmente ocorrem deslizes na tentativa de apreender as vivências passionais humanas e suas flutuações nas agitações da contingência. De qualquer maneira, perguntar e ensaiar respostas acerca do contrato social, apologética ou criticamente, pode significar um anseio mais amplo e extemporâneo de indagar sobre a potência da reflexão ao lado ou contra o fato material das formas sociais da história.

    Na Modernidade, as teorias do contrato social abriram vias cruciais para a superação de muitos cânones da teologia política medieval, especialmente da escolástica cristã-aristotélica; não por outro motivo, é recorrente que chamemos a atenção para o rompimento moderno com as cosmologias políticas grega e romana, em que era postulada a sociabilidade como parte da ordem natural e necessária das coisas humanas. Aí, a filosofia civil de Thomas Hobbes delineia novos paradigmas e renova o vocabulário dos direitos natural e civil, localizando a seu modo a liberdade e a obediência, revirando a prática social humana a seu avesso.² A meu ver, seguem impressionantes as ideias do filósofo inglês referentes à distância entre os indivíduos e a sociabilidade, além de como articula a racionalidade calculante e o medo – material – para explicar o que nos move para fora da solidão e nos leva a ceder nosso direito natural sobre tudo e todos, aderindo à união civil.

    A questão sobre o poder persuasivo da razão pede que lidemos com sua entrada no campo da causalidade;³ exauri-la é muito mais do que cabe aqui – mas é inevitável ressaltar o papel constituinte da racionalidade na vida social e como o processo dedutivo que ela realiza sustenta e condiciona a efetividade do contrato social. Para Hobbes, a passionalidade humana cria valores que não são propriedades das coisas em si (as paixões, elas mesmas, não sendo boas ou más em si mesmas), e a razão humana não é uma faculdade infalível: temos que acompanhar o filósofo na construção teórica da materialidade do mundo, da vida humana, em que o medo da morte violenta impulsiona os indivíduos àquilo que é útil à conservação do ser de cada um, trazendo à investigação as leis da natureza – estabelecidas pela razão – e possibilitando a inteligibilidade do surgimento da lei comum, das leis civis, momento em que a sociabilidade é encarada, finalmente, como essencial à continuidade da vida.⁴

    A morte – enfaticamente, a violenta – é o maior mal a ser evitado. O contrato social tem esse horizonte, na filosofia hobbesiana, em que confluem (1992, p. 7) a racionalidade e a concupiscência humanas, ou seja, o cálculo sobre o bem próprio do indivíduo e o impulso deste em apropriar-se do que por natureza é comum a todos, impulso gerador de conflitos que indicam a guerra de todos contra todos. Consequentemente, a racionalidade se distancia das finalidades extrínsecas à materialidade vital dos indivíduos enquanto põe na análise das faculdades humanas a força e a articulação das vontades autocentradas desses mesmos indivíduos. As vontades se inserem, com seus móbiles, em uma natureza interpretada segundo elementos de um mecanicismo muito próprio à filosofia hobbesiana, com movimentos necessários inteligíveis a partir de causas certas e verificáveis, em que se realiza a decomposição dos elementos relacionais das sociedades e se demonstra, então, o que há de necessário em seus complexos arranjos políticos.

    Se a filosofia de Espinosa elenca críticas ao contrato social pensado – principalmente – por Hobbes, propondo outra constituição para a vida política, é reconhecível, porém, um núcleo comum a ambas as teorias que concerne à formulação da gênese social como fundamentada nos encontros entre indivíduos que perseguem o útil próprio e a perseverança na existência; o cidadão forma-se nessa conjuntura, em que natureza e artifício se atraem e se repelem. No caso, não é a existência histórica do estado de natureza que tem a prioridade demonstrativa, mas a conexão entre os poderes e potências individuais e a experiência da vida comum sob valores de aderência coletiva – em que o coletivo ganha propriamente sentido. Explora-se, em todo caso, a tensão entre o indivíduo e o que este toma como exterior na produção de esferas coletivas de ação, de que o corpo político é a determinação por excelência.

    Para o filósofo inglês, em estado de natureza, o indivíduo é o único juiz legítimo dos melhores meios para sua conservação, do que se extrai o alcance de sua definição do direito natural, que é a liberdade do agir em vista da consecução de tais meios, e por isso a naturalidade da guerra generalizada, na medida em que a percepção da utilidade varia tanto quanto variam os indivíduos em sua luta pela vida. Leiamos (Lev., p. 112):

    O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam Jus naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios mais adequados a esse fim.

    Mais do que isso: a visão hobbesiana aplica-se contra intervenções filosóficas de peso, como a que se reconhece em Althusius – de quem me aproximo na continuidade deste texto – e nos monarcômacos. Algumas dessas discrepâncias teóricas reafirmam o peso que tem a formulação do contrato social na Modernidade e permitem problematizar aparentes proximidades entre as filosofias políticas de Hobbes e de Espinosa (já que, como veremos, Espinosa acaba por prescindir do contrato mesmo que concorde em afirmar que em estado de natureza os indivíduos são os únicos juízes legítimos dos meios que servem à sua conservação, fazendo da utilidade própria um campo de inclinações variadas).


    O papel do direito de resistência na atualização do contrato social

    Os modos de pensar a gênese do político dos autores aqui trabalhados pontuam aspectos modernos de radicalização na busca das causas da união que forma o campo civil. Perguntar pela gênese é remontar a permanências e rupturas, incrementos e abandonos, da/na vida dos seres humanos em seus caminhos pela atualização constante da vida e do que a conecta com a formação da cidadania. Daí, o reconhecer ou não a validade dos contratos e a legitimidade dos poderes soberanos são tópicos que nos direcionam a uma estratégia mais ampla, que inclui pensar os fins da civilidade – só o vasto conjunto de questionamentos implicado na tese do contrato social daria a dimensão do abismo que separa Hobbes e Espinosa a respeito, mas espero tocar no núcleo desse conjunto.

    Antes de situar com profundidade essa contraposição, vale mirar à hostilidade com que Hobbes se dirige a teorias como a do alemão Althusius e outros que postulam limitações inerentes à transferência dos direitos naturais individuais à soberania pela via do contrato.⁵ O que marca essa divergência é, com efeito, fulcral: respeita ao papel do contrato como constituinte da soberania – e desta enquanto constituinte do campo político. Tomemos a démarche althusiana e compreendamos o que nela causa o repúdio de Hobbes.

    O filósofo alemão destaca, em sua Política, dois momentos da atividade pactuante: o da associação (e é a associação em seu conjunto que porta a soberania);⁶ e o da delegação do administrar o direito soberano a um sumo magistrado. Althusius não rompe terminantemente com a cosmologia aristotélica, seguindo com a anexação imediata entre a vida humana e a sociabilidade, mesmo que confira, como o faz Grócio, um tratamento ao direito natural que inflexiona aquele da tradição aristotélico-escolástica; o contrato orienta o discurso político já assegurado pela natureza gregária dos homens (a partir de associações como a família e as corporações), minimizando qualquer ruptura com estados de natureza que poderiam ser especulados e localizando na universitas popular (Kantorowicz, 1998, p. 182), ou seja, no povo, a permanência do poder e da própria sociedade – daí surge a soberania, a qual não pode ser objeto de transferência. O objeto da política é a associação, em que cada um se obriga diante do outro por meio de um pacto, expresso ou tácito, de comunicar tudo o que é útil à vida social. Não é o contrato de sujeição ao poder soberano que demarca o campo político, mas as associações simbióticas. Representação e unidade – conceitos axiais igualmente para Hobbes – existem antes da submissão coletiva ao sumo magistrado.

    Lemos em Althusius (Política, I, 13): [...] mandar, governar, presidir nada mais são do que servir e cuidar do bem dos outros, como os pais mandam nos filhos e o marido na esposa; onde estaria o problema, aí, para Hobbes? Nas condições necessárias para o governar e para o que o institui – o governo, também para o filósofo inglês, sempre pertence ao povo (1992, pp. 189-190). Mais precisamente, no que se refere à continuidade do que é instituído com o governo e o que está implicado de representatividade – para Althusius, a representação está amalgamada sempre a um vivo direito de resistência que reside no corpo associado dos Éforos (Ephoris, objetos do capítulo XVIII de sua Política), distinguindo a proprietas do poder supremo e seu mandato a partir do que estabelece o contrato de uso (contractus mandati), que – relevantíssimo – obriga o sumo magistrado à manutenção da palavra dada. A teoria hobbesiana não acata dois aspectos da continuidade mencionada acima: a submissão do sumo magistrado ao contractus mandati – que condiciona, para o alemão, a obediência dos súditos – e a garantia da união civil pela efetividade do direito de resistência exercido pelos representantes do povo.

    Vê-se, então, que a representação, para Althusius, abriga-se nas instituições que limitam o poder do sumo magistrado. Mesmo que tomemos o pacto associativo como marcador de gênese política, não há ruptura desde uma causalidade que se impõe contra ou sobre a naturalidade dos conflitos humanos. A representação integra um povo caso assentada na impossibilidade da transferência do poder soberano para o exterior da associação e no direito de resistência que nela habita e garante a política contra a tirania (a tirania é definida por Althusius como o contrário de uma correta e honesta administração em Política, XXXVIII, 1). O papel, aqui, do direito de resistência nos ajuda a focalizar a crítica de Hobbes, em que a ruptura do campo social com o estado de natureza depende da extinção desse direito em medida quase absoluta. Por isso o filósofo inglês escreve (1992, p. 98): esse poder ou direito de comando consiste em que cada cidadão transfira toda a sua força e poder àquele homem ou conselho; e fazer isso... nada mais é do que abrir mão do seu direito de resistência. Todo o processo que leva à sociabilidade, para Hobbes, requer a transferência dos direitos naturais individuais ao poder soberano e cava a distância entre dois tempos distintos quais sejam, o tempo de guerra e o tempo de paz.

    A transferência dos direitos naturais é, para Hobbes, condição da existência e da permanência da soberania e, mesmo, do povo.⁹ Entre a vontade do cidadão, que o faz cidadão,

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