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Inteligência emocional

Título do original inglês: Emocional Intelligence

© 1995, Daniel Goleman

© 1997, da tradução e editoração portuguesas, Temas e Debates, Lda.

© 2006, de esta edição, (sic) idea y creación editorial, s.l.

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Daniel Goleman

Inteligência emocional
SÁBADO
Para Tara, uma fonte de sabedoria emocional
SUMARIO
O Desafio de Aristóteles 9

Primeira Parte

O Cérebro Emocional 17

1. Para Que Servem as Emoções 19

2. Anatomia de um «Sequestro» Emocional 31

Segunda Parte

A Natureza da Inteligência Emocional 51

3. Quando o Esperto E Burro 53

4. Conhece-te a Ti Mesmo 69

5. Escravos da Paixão 81

6. A Aptidão-Mestra 109

7. As Raízes da Empatia 131

8. As Artes Sociais 149

Terceira Parte

A Inteligência Emocional Aplicada 169

9. Inimigos íntimos 171

10. Gerir com Coração 194

11 Mente e Medicina 214


Quarta Parte

Janelas de Oportunidade 241

12. O Crisol da Família 243

13. Trauma e Reaprendizagem Emocional 256

14. O Temperamento Não E Fatalidade 275

Quinta Parte

Literacia Emocional 293

15. O Preço da Iliteracia Emocional 295

16. Educaras Emoções 332

Apêndices e Notas 365

Apêndice A: O Que é Emoção? 367

Apêndice B: Características Definidoras da Mente Emocional ... 369

Apêndice C: Os Circuitos Neuronais do Medo 376

Apêndice D: W. T. Grant Consortium:

Ingredientes Activos dos Programas de Prevenção 379

Apêndice E: Currículo da Ciência do Eu 380

Apêndice F: Aprendizagem Social e Emocional: Resultados 382

Notas 387

Agradecimentos 418
O Desafio de Aristóteles
Qualquer um pode zangar-se — isso é fácil. Mas zangar-se
com a pessoa certa, na justa medida, no momento certo, pela
razão certa e da maneira certa — isso não é fácil.

ARISTÓTELES, Ética a Nicómaco

Era uma tarde de Agosto em Nova Iorque, insuportavelmente


quente e abafada, um daqueles dias em que o suor e o desconforto
tornam as pessoas taciturnas e irritadiças. Eu estava de regresso ao
hotel e quando entrei no autocarro, em Madison Avenue, fui
surpreendido pelo condutor, um negro de meia idade com um sorriso
entusiasta, que me acolheu com um amigável «Viva, como vai
isso?», saudação que dirigiu a quantos iam entrando enquanto o
autocarro ia avançando a passo de caracol por entre o denso tráfego
da Baixa. Todos os passageiros ficavam tão surpreendidos como
eu e, fechados no sombrio estado de espírito que o dia propiciava,
poucos respondiam ao cumprimento.

A medida, porém, que o autocarro ia progredindo lentamente


pelas ruas, ocorreu em todos nós uma gradual e mágica transformação.
O condutor manteve um incessante monólogo em nosso
proveito, um animado comentário da cena que ia desfilando lá fora:
havia uns saldos óptimos naquela loja, uma exposição estupenda
naquele museu, já ouviram falar do filme que estreou no cinema ao
fundo do quarteirão? O encanto daquele homem com a riqueza das
possibilidades que a cidade oferecia era contagiante. Quando as pessoas
saíam do autocarro, já sacudidas para fora da sombria concha
onde se tinham fechado, e o motorista lhes lançava um «Até à vista,
tenha um óptimo dia!», todas lhe respondiam com um sorriso.

A recordação deste encontro está comigo há perto de vinte


anos. Quando apanhei aquele autocarro em Madison Avenue tinha
terminado o meu doutoramento em psicologia — mas a psicologia
daqueles tempos dava muito pouca atenção aos mecanismos através
dos quais uma tal transformação podia acontecer. A ciência psicológica
pouco ou nada sabia a respeito da mecânica da emoção. E no
entanto, imaginando o vírus de boa-vontade que deve ter-se espalhado
pela cidade, transportado pelos passageiros do autocarro,
DANIEL GOLEMAN

compreendi que aquele motorista era uma espécie de pacificador


urbano, um mago dotado do poder de transmutar a saturnina irritabilidade
que envolvia os seus semelhantes, de suavizar-lhes e abrirlhes
um pouco o coração.

Em jeito de contraste, aqui ficam alguns dos pontos focados


pelos Jornais desta semana:

• Numa escola local, um garoto de nove anos perde a cabeça, despeja


tinta em cima das secretárias, computadores e impressoras
e causa danos num carro que se encontrava no parque de estacionamento.
A razão: alguns colegas da terceira classe chamaram-lhe
«bebé», e ele quis impressioná-los.

• Oito jovens ficaram feridos quando um empurrão inadvertido


entre um numeroso grupo de adolescente reunidos em frente de
um clube de rap degenerou numa luta a soco e pontapé, que terminou
quando um dos agredidos pegou numa pistola calibre .38
e começou a disparar para o meio da multidão. A notícia destaca
o facto de estes tiroteios causados por motivos aparentemente
fúteis, que são entendidos como actos de desrespeito propositados,
se terem tornado cada vez mais comuns por todo o país
durante os últimos anos.

• Cinquenta e sete por cento das vítimas de assassínio com menos


de 12 anos, diz um relatório, são mortas pelos pais ou pelos padrastos.
Em quase todos os casos os pais declaram que «estavam
apenas a tentar disciplinar a criança». Os espancamentos fatais
são provocados por «infracções» como pôr-se à frente da televisão,
chorar ou sujar as fraldas.

• Um adolescente alemão está a ser julgado pela morte de cinco


mulheres e raparigas turcas num incêndio que ateou enquanto
as vítimas dormiam. Membro de um grupo neonazi, fala de dificuldades
em arranjar emprego, de problemas de bebida, de atribuir
aos estrangeiros a sua má sorte. Numa voz quase inaudível,
afirma: «Não consigo parar de arrepender-me daquilo que fiz, e
estou infinitamente envergonhado.»

Todos os dias as notícias nos chegam cheias de histórias como estas,


sinais de desintegração do civismo e da segurança, de um assalto
desenfreado da maldade e da agressão. Mas as notícias limitam-se a
reflectir, numa escala ampliada, uma crescente sensação de emoções
descontroladas na nossa própria vida e na vida das pessoas que nos ro10
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

deiam. Ninguém está isolado desta maré aleatória de explosão e remorso;


de um modo ou de outro, atinge as vidas de todos nós.

A última década assistiu a um crescimento contínuo do rol de


notícias como estas, que retraíam um aumento da inépcia emocional,
do desespero, da inquietação nas nossas famílias, nas nossas
comunidades, nas nossas vidas colectivas. Têm sido anos de raiva e
desespero, na solidão silenciosa das crianças fechadas em casa tendo
a televisão como companhia, na dor das crianças abandonadas,
negligenciadas ou maltratadas, na sórdida intimidade da violência
marital. E uma doença emocional que se espalha e que pode ser lida
nos números que mostram um aumento das depressões por todo o
mundo, e nas provas de uma crescente onda de agressão — adolescentes
com armas nas escolas, acidentes rodoviários que terminam
aos tiros, ex-empregados descontentes que chacinam os colegas de
trabalho. Maus tratos emocionais, disparar de passagem (do interior
de automóveis) e stress pós-traumático são tudo expressões que entraram
para o nosso léxico comum ao longo da última década, tal
como o slogan da moda deixou de ser um alegre «Tenha um bom
dia» para transformar-se no ameaçador «Faz o meu dia», celebrizado
pelo Dirty Harry de Clint Eastwood.

Este livro é um guia para compreender o incompreensível.


Como psicólogo, e desde há dez anos jornalistas no New York
Times, tenho acompanhado o progresso da nossa compreensão
científica do reino do irracional. Do meu posto de observação,
encontrei duas tendências opostas, uma que retrata uma crescente
calamidade na vida emocional que todos partilhamos, outra que
oferece algumas receitas promissoras.

PORQUÊ ESTA EXPLORAÇÃO AGORA

A última década, mau grado toda as más notícias, assistiu igualmente


a um grande surto de estudos científicos relacionados com a
emoção. Particularmente espectaculares são os vislumbres do cérebro
a funcionar, tornados possíveis pelos novos métodos, como as
recentes tecnologias de visualização do cérebro. Estes processos vieram
tornar visível, pela primeira vez na história da humanidade,
aquilo que sempre tinha sido uma fonte de profundo mistério: exactamente
como esta intricada massas de células funciona enquanto
pensamos e sentimos, imaginamos e sonhamos. Esta vaga de dados

11
DANIEL GOLEMAN

neurobiológicos permite-nos compreender mais claramente que


nunca como é que os centros de emoção do cérebro nos levam à
raiva ou às lágrimas e como partes mais antigas desse mesmo cérebro,
que tanto nos incitam à guerra como ao amor, podem ser canalizadas
para o melhor e para o pior. Esta visão, de uma clareza sem
precedentes, do funcionamento das emoções e das suas fraquezas
põe em foco alguns novos remédios para a nossa crise emocional
colectiva.

Tive de esperar até agora que a colheita científica fosse suficientemente


abundante para permitir-me escrever este livro.
Estas novas descobertas chegam tão tarde porque o lugar do sentimento
na vida mental sempre foi surpreendentemente descurado
pela investigação ao longo dos anos; as emoções foram durante
muito tempo um continente largamente inexplorado pela
psicologia científica. Este vazio foi ocupado por uma quantidade
enorme de livros do género «auto-ajuda», cheios de conselhos
bem intencionados baseados, na melhor das hipóteses, em opiniões
clínicas, mas a que faltavam quase totalmente as bases científicas.
Hoje a ciência está finalmente em condições de falar com
autoridade sobre estas urgentes e intrigantes questões da psique
nos seus aspectos mais irracionais e de cartografar com alguma
precisão o coração humano.

Esta cartografia constitui um desafio para aqueles que subscrevem


uma visão estreita da inteligência, argumentando que o QI é
um dado genético adquirido que não pode ser modificado pela
experiência, e que o nosso destino na vida está largamente determinado
por essas aptidões. Este argumento ignora a mais importante
de todas as questões: que podemos nós mudar que ajude os nossos
filhos a serem mais bem sucedidos na vida? Que factores estão em
jogo quando, por exemplo, pessoas com um QI elevado falham
onde outras com um QI mais modesto se portam surpreendentemente
bem? Eu diria que a diferença reside frequentemente nas
capacidades a que aqui chamamos inteligência emocional, que inclui

o autocontrolo, o zelo e a persistência, bem como a capacidade de


nos motivarmos a nós mesmos. Todas estas habilidades, como veremos,
podem ser ensínãHas às~crianças, dando-lhes uma melhor possibilidade
de utilizar o potencial intelectual, seja ele qual for, com
que a lotaria genética as tenha dotado.

Para lá desta possibilidade ergue-se um premente imperativo moral.


Vivemos tempos em que o tecido da sociedade parece romper-se

12
a uma velocidade cada vez maior, em que o egoísmo, a violência e a
mesquinhez de espírito parecem querer desalojar o bem das nossas
vidas em comunidade. Aqui o argumento a favor da importância da
inteligência emocional assenta na ligação entre sentimento, carácter
e instintos morais. Há cada vez mais provas de que as posições
éticas fundamentais que tomamos na vida decorrem de capacidades
emocionais subjacentes. Para começar, o impulso é o meio através
do qual a emoção se exprime; a semente de todo o impulso é um
sentimento que quer traduzir-se em acção. Aqueles que estão à
mercê do impulso — aos quais falta o autocontrolo — sofrem de
uma deficiência moral: a capacidade de controlar o impulso é a base
da vontade e do carácter. Do mesmo modo, a raiz do altruísmo reside
na empatia, na capacidade de ler as emoções dos outros; quem é
incapaz de sentir as necessidades ou o desespero de outra pessoa, não
pode_amar. E se há duas atitudes morais que os nossos tempos exigem,
são precisamente estas, autodomínio e compaixão.

A NOSSA JORNADA

Neste livro servirei de guia numa jornada através desta visão


científica das emoções de alguns dos mais confusos momentos das
nossas próprias vidas e do mundo que nos rodeia. O fim da jornada
é compreender o que significa trazer inteligência à emoção, e como
fazê-lo. Esta compreensão só por si pode ajudar em certa medida;
trazer cognição ao domínio do sentimento tem um efeito semelhante
ao impacte de um observador ao nível quântico da física, alterando
aquilo que está a ser observado.

A nossa jornada começa na Primeira Parte, com novas descobertas


sobre a arquitectura emocional do cérebro que oferecem uma
explicação para esses desconcertantes momentos das nossas vidas
em que o sentimento se sobrepõe a toda a racionalidade. cornpreender
as interacções das estruturas do cérebro que regem os nossos
momentos de raiva ou de medo — ou de paixão e alegria —
revela-nos muito sobre a maneira como aprendemos os hábitos
emocionais que podem minar as nossas melhores intenções, bem
como sobre o que podemos fazer para dominar os nossos impulsos
emocionais mais destruidores ou nocivos. Mais importante, os
dados neurológicos sugerem uma janela de oportunidade para delinearmos
a emocionalidade dos nossos filhos.

13
A seguinte grande escala na nossa jornada será, na Segunda
Parte deste livro, para ver o papel que os elementos neurológicos
desempenham nesse «jeito de viver» a que chamamos inteligência
emocional: ser capaz, por exemplo, de dominar um impulso emocional;
ler os sentimentos mais íntimos de outra pessoa; saber gerir
as nossas relações — como Aristóteles disse, essa rara capacidade
de «zangar-se com a pessoa certa, na justa medida, no momento
certo, pela razão certa e da maneira certa». (O leitor que não se
sinta atraído pelos pormenores neurológicos poderá querer passar
directamente para esta secção.)

Este modelo expandido daquilo que significa ser «inteligente»


coloca as emoções no centro das aptidões para viver. A Terceira
Parte examina algumas das diferenças-chave marcadas por estas
aptidões: como estas capacidades nos ajudam a preservar as relações
que mais prezamos, ou como a sua falta pode corroê-las; como as
forças de mercado que estão a reformular as nossas vidas no que respeita
ao trabalho dão uma importância sem precedentes à inteligência
emocional no plano do êxito profissional; e como as emoções
tóxicas constituem um risco tão grande para a nossa saúde
como fumar em excesso, tal como o equilíbrio emocional pode ajudar
a proteger o nosso bem-estar.

A nossa herança genética dotou cada um de nós com um conjunto


de estruturas emocionais que determinam o nosso carácter.
Mas os circuitos do cérebro envolvidos são extraordinariamente
maleáveis; o temperamento não é fatalidade. Tal como a Quarta
Parte nos mostra, as lições emocionais que aprendemos quando
crianças, em casa e na escola, moldam os circuitos emocionais
tornando-nos mais aptos — ou inaptos — nos aspectos básicos da
inteligência emocional. Isto significa que a infância e a adolescência
são como janelas de oportunidade críticas para definir
os hábitos emocionais essenciais que hão-de governar as nossas
vidas.

A Quinta Parte explora os perigos que aguardam aqueles que,


do crescimento à maturidade, falham no domínio emocional — como
as deficiências na inteligência emocional ampliam espectros de
riscos, desde a depressão ou uma vida de violência a desordens alimentares
e consumo de drogas. Além disso, também nos mostra
como algumas escolas pioneiras estão a ensinar às crianças as capacidades
emocionais e sociais de que irão precisar para manterem as
suas vidas em ordem.

14
A informação porventura mais perturbadora contida neste livro
é a que decorre de um inquérito conduzido junto de pais e professores
e que evidencia uma tendência mundial da actual geração de
crianças para serem mais emocionalmente perturbadas que as da
anterior: mais solitárias e deprimidas, mais violentas e indisciplinadas,
mais nervosas e preocupadas, mais impulsivas e agressivas.

Se existe um remédio, sinto que deve estar no modo como


preparamos os nossos jovens para a vida. Actualmente, deixamos a
educação emocional das crianças ao acaso, com resultados cada vez
mais desastrosos. Uma solução possível é uma nova visão daquilo
que as escolas podem fazer para educar o estudante no seu todo,
juntando a mente e o coração na sala de aula. A nossa jornada termina
com uma visita a aulas inovadoras que visam instruir a
criança nos aspectos fundamentais da inteligência emocional.
Posso antever o dia em que o ensino incluirá como questão de rotina
inculcar nas crianças competências humanas essenciais, como a
autoconsciência, o autodomínio e a empa-tia, e as artes de escutar,
resolver conflitos e cooperar.

Em Ética a Nicómaco, a investigação filosófica de Aristóteles


sobre a virtude, o carácter e a boa vida, o desafio que ele nos faz é
gerir a nossa vida emocional com inteligência. As nossas paixões,
quando bem exercidas, têm sabedoria. Guiam o nosso pensamento,
os nossos valores, a nossa sobrevivência. Mas podem facilmente
desgovernar-se, e fazem-no com frequência. Tal como Aristóteles
bem viu, o problema não é a emocionalidade, mas o sentido da
emoção e das suas expressões. A questão é, como trazer inteligência
às nossas emoções, e civismo às nossas ruas e solicitude à nossa
vida em comunidade?

15
Primeira Parte
O Cérebro Emocional
1

Para Que Servem as Emoções?


É com o coração que vemos claramente; o que é essencial
é invisível aos nossos olhos.

ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY, O Principezinho

Consideremos os últimos momentos de Gary e Mary Jane


Chauncey, um casal completamente dedicado à filha de onze anos,
Andrea, presa a uma cadeira de rodas por uma paralisia cerebral.
A família Chauncey viajava num comboio que se precipitou num
rio depois de uma barcaça ter chocado, enfraquecendo-o, com o
pilar de uma ponte ferroviária, na Louisiana. Pensando antes de
mais nada na filha, o casal fez tudo o que podia para salvar Andrea
da água que entrava a jorros na carruagem já meio submersa; finalmente,
conseguiram fazê-la passar através da janela, para as mãos
dos salvadores. Depois, a carruagem desapareceu sob as águas, e eles
morreram.1

A história de Andrea, de pais cujo último gesto heróico é para


garantir a sobrevivência da filha, representa um momento de coragem
quase mítica. Sem a mínima dúvida, incidentes como este, de
sacrifício de pais pelos filhos, repetiram-se vezes sem conta ao longo
da história e da pré-história humana, e incontáveis vezes mais
durante o muito mais dilatado curso da evolução da espécie.2 Visto
da perspectiva do biólogo evolucionista, este tipo de auto-sacrifício
parental é uma consequência da necessidade de «êxito reprodutivo»,
ou seja, o imperativo de transmitir os próprios genes às gerações
futuras. Mas da perspectiva de um pai, ou de uma mãe, que
toma uma decisão desesperada num momento de crise, tem única e
exclusivamente a ver com amor.

Enquanto revelação sobre o propósito e poder das emoções, este


acto exemplar de heroísmo parental testemunha o papel do amor
altruísta — e de outras emoções que sentimos — na vida humana.3
Sugere que os nossos sentimentos mais profundos, as nossas paixões
e desejos, são guias essenciais e que a nossa espécie deve uma grande
parte da sua existência ao poder desses sentimentos, paixões e

19
desejos nos assuntos humanos. Esse poder é extraordinário: só um
amor poderosíssimo — a necessidade de salvar um filho querido —
pode levar um pai a dominar o impulso de sobrevivência pessoal.
Visto com o intelecto, poderá argumentar-se que o sacrifício dos
Chauncey foi irracional; visto com o coração, era a única escolha
possível.

Os sociobiólogos destacam a preeminência do coração sobre a


cabeça em momentos cruciais quando conjecturam a respeito das
razões que terão levado a evolução a dar à emoção um papel tão
central na psique humana. As nossas emoções, afirmam, guiamnos
quando temos de enfrentar situações e tarefas demasiado
importantes para serem deixadas apenas a cargo do intelecto —
perigo, grandes desgostos, persistir na prossecução de um objectivo
mal-grado todas as frustrações, ligarmo-nos a um companheiro
ou companheira, fundar uma família. Cada emoção representa
uma diferente predisposição para a acção; cada uma delas apontanos
numa direcção que já noutras ocasiões resultou bem para
enfrentar o mesmo tipo de problema.4 A medida que estas situações
eternas se repetiam uma e outra vez ao longo da história
evolutiva, o valor em termos de sobrevivência do nosso repertório
emocional era atestado pelo facto de ir ficando gravado nos
nossos nervos como tendências inatas e automáticas do coração
humano.

Uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções


é tristemente míope. O próprio nome Homo sapiens, a espécie que
pensa, é enganador à luz da nova apreciação e visão que a ciência
actual tem do lugar das emoções nas nossas vidas. Como todos nós
muito bem sabemos por experiência própria, quando se trata de formular
as nossas decisões ou as nossas acções, o sentimento conta
tanto, e muitas vezes mais, do que o pensamento. Fomos demasiado
longe na ênfase que damos ao valor e importância do puramente
racional — aquilo que o QI mede — na vida humana. Para o
melhor e para o pior, a inteligência pode não ter o mínimo valor
quando as emoções falam.

QUANDO AS PAIXÕES ULTRAPASSAM A RAZÃO

Foi uma tragédia de enganos. Matilda Crabtree queria apenas


pregar uma partida ao pai: saltou do armário e gritou «Buuu!» quan20
do os pais entraram em casa naquela manhã, depois de terem estado
fora, de visita a uns amigos.

Bob Crabtree e a mulher, no entanto, pensavam que Matilda


passara a noite em casa de uma amiga. Ouvindo barulho ao entrar
em casa, Crabtree pegou no seu revólver e foi investigar o quarto
da filha. Quando Matilda saltou de dentro do armário, Bob atingiu-a
no pescoço com um tiro. Matilda Crabtree faleceu doze horas
depois.5

Um dos legados emocionais da evolução é o medo que nos


mobiliza para defender a nossa família contra todos os perigos; foi
esse impulso que levou Bob Crabtree a pegar numa arma e revistar a
casa em busca do intruso que julgava lá estar. Foi o medo que levou
Crabtree a disparar antes de registar aquilo contra que disparava,
antes mesmo de poder reconhecer a voz da filha. Para os biólogos
evolucionistas, reacções automáticas deste tipo foram-se gravando
no nosso sistema nervoso, porque, durante um longo e crucial período
da pré-história humana, significavam a diferença entre sobrevivência
e morte. Ainda para mais, eram relevantes para a principal
tarefa da evolução: ser capaz de gerar uma progénie que perpetuasse
essas mesmas predisposições genéticas — uma triste ironia, se considerarmos
a tragédia que se abateu sobre a família Crabtree.

Muito embora as nossas emoções se tenham revelado, perspectiva


do longo prazo evolutivo, guias sensatos e seguros, a verdade é
que as novas realidades que a civilização nos apresenta surgiram a
uma velocidade tal que o passo lento da evolução não pode acompanhar.
Sem dúvida que as primeiras leis e proclamações éticas
— o Código de Hammurabi, os Dez Mandamentos dos Hebreus, os
Edictos do imperador Ashoka — pode ser vistos como tentativas de
controlar, subjugar e domesticar a vida emocional. Tal como Freud
descreve em O Mal-Estar da Civilização, a sociedade tem de impor
do exterior regras destinadas a dominar as vagas de excesso emocional
que surgem demasiado livremente no seu interior.

Mal-grado estas restrições sociais, as paixões estão permanentemente


a sobrepor-se à razão. Esta constante da natureza humana decorre
da arquitectura básica da vida mental. Em termos de concepção
biológica do circuito neuronal de emoções básico, aquilo
com que nascemos é o que resultou melhor para as últimas 50 000
gerações humanas, e não para as últimas 500, e certamente não
para as últimas cinco. As forças lentas e deliberadas da evolução
que moldaram as nossas emoções fizeram o seu trabalho ao longo de

21
um milhão de anos; os últimos 10.000 — apesar de terem assistido
à rápida ascensão da civilização humana e à explosão da população
de cinco milhões para cinco biliões — quase não deixaram marca
nas nossas matrizes biológicas para a vida emocionai.

Para o melhor ou para o pior, a nossa avaliação de cada encontro


pessoal e as nossas respostas a estes encontros não são determinadas
apenas pelo nossos juízos racionais ou a nossa história pessoal,
mas também pelo nosso passado ancestral. Isto deixa-nos com
tendências por vezes trágicas, como testemunham os tristes acontecimentos
que se deram em casa dos Crabtree. Em resumo, muito
frequentemente confrontamos dilemas pós-modernos com um
repertório emocional feito à medida das exigências do Pleistoceno.
Esta constatação constitui o âmago do meu tema.

Impulsos para agir

Num certo dia de começo da Primavera, seguia eu por uma


estrada que atravessava um desfiladeiro de montanha, no Colorado,
quando uma súbita queda de neve me ocultou o carro que ia alguns
metros à minha frente. Por mais que me esforçasse, não conseguia
ver fosse o que fosse; o turbilhão de neve era agora uma cortina de
ofuscante brancura. Pisei o travão, sentindo a ansiedade invadir-me
o corpo e coração bater-me loucamente no peito.

A ansiedade transformou-se em medo: encostei à berma da


estrada, para esperar que o nevão passasse. Meia hora mais tarde, a
neve parou de cair, a visibilidade voltou e eu prossegui o meu
caminho para ser detido uma centena de metros mais adiante, onde
a equipa de uma ambulância estava a socorrer o passageiro de um
carro que fora embater na traseira de outro mais lento; a colisão
bloqueara a estrada. Se tivesse continuado a conduzir pelo meio da
neve, o mais provável teria sido envolver-me também no acidente.

A cautela que o medo me impôs naquele dia pode ter-me salvo


a vida. Como um coelho petrificado de terror ao ouvir uma raposa
que passa sem o ver — ou um protomamífero escondendo-se de um
dinossauro predador — fui dominado por um estado interior que
me obrigou a parar, prestar atenção e acautelar-me contra um perigo
iminente.

Todas as emoções são, essencialmente, impulsos para agir, planos


de instância para enfrentar a vida que a evolução instilou em

22
nós. A própria raiz da palavra emoção é motere, o verbo latino
«mover», mais o prefixo «e-» para dar «mover para», sugerindo que
a tendência para agir está implícita em todas as emoções. O facto
de que as emoções conduzem à acção torna-se perfeitamente óbvio
quando observamos animais ou crianças: é só entre os adultos «civilizados»
que tantas vezes encontramos essa grande anomalia no
reino animal: emoções — impulsos básicos para agir — divorciadas
da óbvia reacção.6

No nosso repertório emocional, cada emoção desempenha um


papel único, como é revelado pelas respectivas assinaturas biológicas
específicas (ver Apêndice A para pormenores sobre emoções
«básicas»). com os novos métodos de que dispomos para
espreitar para o interior do corpo e do cérebro, os investigadores
estão a descobrir mais pormenores fisiológicos de como cada emoção
prepara o corpo para um tipo de resposta muito diferente:7

• com a ira, o sangue flui para as mãos, tornando mais fácil pegar
numa arma ou bater num inimigo; o ritmo cardíaco aumenta e
uma descarga de hormonas como a adrenalina, gera uma onda de
energia suficientemente forte para permitir uma acção vigorosa.

• com o medo, o sangue corre para os grandes músculos esqueléticos,


como os das pernas, facilitando a fuga e empalidecendo
a face, devido à perda de fluxo sanguíneo (o que também
provoca a sensação de «frio»). Ao mesmo tempo, o corpo
imobiliza-se, nem que seja por um brevíssimo instante, talvez
para ter tempo de decidir se esconder-se não será a melhor
reacção. Circuitos dos centros emocionais desencadeiam um
fluxo de hormonas que colocam o corpo em estado de alerta
geral, mantendo-o tenso e preparando-o para a acção, e a
atenção fixa-se na ameaça presente para melhor avaliar que
resposta dar-lhe.

• Entre as principais modificações biológicas provocadas pelo


bem-estar conta-se uma actividade acrescida de um centro do
cérebro que inibe os sentimentos negativos e favorece um
aumento da energia disponível, bem como um acalmar daqueles
que geram pensamentos de preocupação. Não há, porém,
qualquer alteração fisiológica, a não ser uma calma que faz o
corpo recuperar mais rapidamente da excitação biológica provocada
pelas emoções perturbadoras. Esta configuração oferece
ao corpo uma tranquilidade geral, bem como uma disponibili23
DANIEL GOLEMAN

dade e um entusiasmo para desempenhar tarefas e perseguir uma


grande variedade de objectivos.

• O amor, os sentimentos de ternura e a satisfação sexual provocam


uma excitação parassimpática — o oposto fisiológico da
mobilização «luta-ou-fuga» compartilhada pelo medo e pela ira.
O padrão parassimpático, chamado «resposta de relaxamento»,
é um conjunto de reacções ao nível de todo o corpo que geram
um estado geral de calma e contentamento, facilitando a cooperação.

• O arquear das sobrancelhas provocado pela surpresa permite o


alargamento do campo visual e a entrada de mais luz na retina.
Isto oferece mais informação sobre o acontecimento inesperado,
tornando mais fácil perceber exactamente o que se está a passar
e elaborar o melhor plano de acção.

• Em qualquer parte do mundo a expressão de repulsa é igual e


emite uma mensagem idêntica: algo nos ofende o paladar ou o
olfacto, ou mesmo metaforicamente. A expressão facial da repulsa
— o lábio superior repuxado para os lados e o nariz levemente
franzido — sugere uma tentativa primordial, conforme
Darwin observou, de tapar as narinas contra um odor ofensivo
ou cuspir um alimento venenoso.

• Uma das principais funções da tristeza é ajudar-nos a adaptarmo-nos


a uma perda significativa, como a morte de alguém querido
ou um grande desapontamento. A tristeza acarreta uma quebra
da energia e do entusiasmo pelas actividades da vida, sobretudo
diversões e prazeres e, à medida que se acentua e se aproxima da
depressão, abranda o metabolismo do corpo. Este recuo introspectivo
cria a oportunidade para chorar uma perda ou uma esperança
frustrada, avaliar as suas consequências para a vida da pessoa
e, quando a energia regressa, planear novos começos. Esta
perda de energia contribuía talvez para manter os entristecidos
— e vulneráveis — seres humanos primitivos nas proximidades
dos lugares onde viviam, e onde estavam mais seguros.

As tendências biológicas para agir são moldadas tanto pela


nossa experiência de vida como pela nossa cultura. Por exemplo,
em todo o inundo, a perda de um ente querido provoca tristeza e
desgosto. Mas a maneira como demonstramos esse desgosto — como
as nossas emoções são postas a nu ou reservadas para os momentos
de privacidade — é modelada pela cultura, tal como o é a defi-
24
nição de quais as pessoas que, na nossa vida, cabem na categoria de
«entes queridos» merecedores de serem chorados.

O longo período de evolução durante o qual estas respostas


emocionais foram forjadas conheceu decerto uma realidade muito
mais dura do que aquela que a maior parte dos seres humanos teve
de suportar, como espécie, desde que se conhecem registos históricos.
Era um tempo em que poucas crianças sobreviviam à infância
e poucos adultos ultrapassavam os trinta anos, em que os predadores
podiam atacar a qualquer momento, em que os caprichos das
secas e das inundações significavam a diferença entre morrer de
fome e sobreviver. com o advento da agricultura, porém, e mesmo
as sociedades humanas mais rudimentares, as possibilidades de
sobrevivência começaram a aumentar espectacularmente. Ao longo
dos dez mil anos, em que estes progressos se foram afirmando em
todo o mundo, as ferozes pressões a que a população humana estava
submetida foram-se aliviando gradualmente.

Eram essas mesmas pressões que tornavam as nossas respostas


emocionais tão válidas em termos de sobrevivência; à medida que
se iam atenuando, o mesmo acontecia à utilidade e adequação de
parte do nosso repertório emocional. Enquanto no remoto passado
uma capacidade para a ira instantânea podia significar uma vantagem
crucial, a facilidade com que hoje crianças de treze anos têm
acesso a armas automáticas transformou-a numa reacção tantas
vezes trágica.8

As nossas duas mentes

Aqui há tempos, uma amiga minha falava-me a respeito do seu


divórcio, uma separação dolorosa. O marido apaixonara-se por
uma mulher mais nova, sua colega de trabalho, e subitamente
anunciara que saía de casa para ir viver com ela. Seguiram-se
meses de amargas discussões a respeito da casa, do dinheiro e da
custódia dos filhos. Agora, meses volvidos, a minha amiga dizia
que estava a gostar da sua independência, que se sentia feliz por
estar sozinha. «Já nem penso nele. Já não me interessa, juro», afirmava.
Mas, enquanto o dizia, os seus olhos enchiam-se momentaneamente
de lágrimas.

Aquelas lágrimas poderiam facilmente passar despercebidas.


Mas o saber empático de que quando alguém tem os olhos rasos de

25
DANIEL GOLEMAN

lágrimas é porque está a sofrer, mesmo que as suas palavras afirmem


o contrário, é um acto de compreensão tão definido como o é
extrair significado das palavras escritas numa página impressa. Um
é um acto da mente emocional, o outro um acto da mente racional.
Num sentido muito real, temos duas mentes, uma que pensa e outra
que sente.

Estas duas maneiras fundamentalmente diferentes de saber


interagem para construir a nossa vida mental. Uma, a mente racional,
é o modo de compreensão de que temos tipicamente consciência:
mais proeminente em matéria de atenção, pensativo, capaz de
ponderar e reflectir. Mas ao lado deste existe um outro sistema
de conhecimento: impulsivo e poderoso, ainda que por vezes ilógico
— a mente emocional. (Para uma descrição mais pormenorizada
da mente emocional, ver o Apêndice B).

A dicotomia emocional/racional aproxima-se da distinção popular


entre «coração» e «cabeça»; saber, «no coração», que uma
coisa está certa é uma ordem de convicção diferente — por vezes
uma espécie de certeza profunda — de que pensá-lo com a mente
racional. Há um gradiente constante no ratio do controlo emocional/racional
sobre a mente; quanto mais intenso é o sentimento,
mais dominante se torna a mente emocional e mais ineficaz a
racional. Trata-se de um arranjo que parece decorrer de milénios
de vantagem evolutiva em deixar as emoções e as intuições guiarem
as nossas respostas instantâneas em situações em que a nossa
vida corre perigo, e em que fazer uma pausa para pensar poderia
revelar-se fatal.

Estas duas mentes, a emocional e a racional, funcionam as mais


das vezes em perfeita harmonia, combinando os seus dois modos
diferentes de saber para guiar-nos através do mundo. Normalmente,
há um equilíbrio entre as mentes racional e emocional, em que a
emoção se alimenta e ao mesmo tempo informa as operações da
mente racional, e esta refina e por vezes veta as contribuições
da emoção. No entanto, as mentes emocional e racional são faculdades
semi-independentes, reflectindo cada uma delas, como veremos,
o funcionamento de circuitos distintos, mas interligados, no
interior do cérebro.

Em muitas, ou mesmo na maior parte das ocasiões, estas duas


mentes estão delicadamente coordenadas; os sentimentos são
essenciais para o pensamento, tal como o pensamento para os sentimentos.
Mas quando as paixões crescem a balança desequilibra-se:

26
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

é a mente emocional que assume o controlo, avassalando a mente


racional. Erasmo de Roterdão, o grande humanista do século XVI,
escreveu numa veia satírica a respeito desta eterna tensão entre
razão e emoção.9

Para que a vida humana não fosse totalmente triste e enfadonha,


Júpiter concedeu-lhes muito mais paixões do que razão,
na proporção de um asse* para meia onça. Além disso, relegou a
razão para um canto estreito da cabeça, deixando todo o resto do
corpo entregue ao domínio das paixões. Por fim, opôs à razão isolada
a violência de dois tiranos: a Cólera, que domina a cidadela
do peito, com a fonte da vida, que é o coração, e Concupiscência,
cujo império se estende até ao baixo-ventre. Como conseguirá a
razão defender-se destes dois inimigos, para mais reunidos? A vida
comum dos homens mostra-o com bastante clareza. A razão apenas
consegue gritar, até enrouquecer, as leis da honestidade. É rainha
de quem os homens troçam e injuriam até que, cansada, se
cala e se confessa vencida.

COMO O CÉREBRO CRESCEU

Para melhor compreender o forte império das emoções sobre a


mente pensante — e por que razão o sentimento e a razão entram
tão facilmente em conflito — consideremos como o cérebro evoluiu.
O cérebro humano, com os seus cerca de quilo e meio de células
e fuidos neuronais, tem aproximadamente três vezes o tamanho
do dos nossos primos mais chegados na escala da evolução, os primatas
não-humanos. Ao longo de milhões de anos de evolução, o
cérebro cresceu de baixo para cima tendo-se os seus centros mais
elevados desenvolvido como elaborações das partes inferiores,
mais antigas. (O crescimento do cérebro no feto humano repete
grosso modo este percurso evolutivo.) A parte mais primitiva do
cérebro, partilhada com todas as espécies que têm mais do que um
sistema nervoso mínimo, é o tronco cerebral, que rodeia o topo da espinal
medula. Este cérebro «de raiz» regula as funções básicas da
vida, como o respirar e o metabolismo dos outros órgãos do corpo,
além de controlar as reacções e movimentos estereotipados. Não se
Isto é, de 24 para 51.

27
DANIEL GOLEMAN

pode dizer que este cérebro primitivo pense ou aprenda; é mais um


conjunto de reguladores pré-programados que mantém o corpo a
funcionar como deve e a reagir de uma maneira tal que garanta a sobrevivência.
Este cérebro reinou como senhor absoluto durante a Era
dos Répteis: imagine-se uma cobra a sibilar como sinal de uma
ameaça de ataque.

Da raiz mais primitiva, o tronco cerebral, emergiram os centros


emocionais. Milhões de anos mais tarde, a partir destas áreas emocionais,
evoluiu o cérebro pensante, ou neocórtex, o grande bolbo de
tecidos convolutos que constituem as camadas superiores. O facto
de o cérebro pensante ter evoluído a partir do emocional é bem revelador
das relações entre o pensamento e o sentimento; havia um
cérebro emocional muito antes de aparecer o cérebro racional.

A mais antiga raiz da nossa vida emocional reside no sentido do


olfacto, ou, mais precisamente, no lóbulo olfactivo, as células que
captam e analisam os cheiros. Toda e qualquer entidade viva, seja
nutritiva, venenosa, parceiro sexual, predador ou presa, possui uma
assinatura molecular específica que pode ser transportada pelo
vento. Naqueles tempos primitivos, o olfacto impunha-se como o
mais importante dos sentidos em termos de sobrevivência.

A partir do lóbulo olfactivo, começaram a evoluir os antigos


centros da emoção, que acabaram por tornar-se suficientemente
grandes para envolver o topo do tronco cerebral. Nos seus estádios
rudimentares, o centro olfactivo era constituído por pouco mais do
que finas camadas de neurónios cuja missão era analisar os cheiros.
Uma camada de células recebia a informação e classificava os cheiros
em categorias relevantes: comestível ou tóxico, sexualmente
disponível, inimigo ou refeição. Uma segunda camada de células
enviava mensagens reflexivas através do sistema nervoso, dizendo
ao corpo o que fazer: morder, cuspir, aproximar, fugir, caçar.10

com a chegada dos mamíferos apareceram novas camadaschave


do cérebro emocional. Estas, rodeando o tronco cerebral,
pareciam-se um pouco com um pão a que tivesse sido arrancada
uma dentada na parte inferior, onde o tronco cerebral encaixa.
Porque esta parte do cérebro circunda e limita o tronco cerebral,
recebeu o nome de sistema «límbico», de Umbus, a palavra latina
para «orla». Este novo território neuronal veio acrescentar as
emoções propriamente ditas ao repertório do cérebro.” Quando estamos
dominados pelo desejo ou pela fúria, completamente apaixonados
ou encolhidos de medo, é o sistema límbico que nos governa.

28
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

A medida que evoluía, o sistema límbico refinava duas ferramentas


muito poderosas: a aprendizagem e a memória. Estes dois
progressos revolucionários vieram permitir ao animal ser muito
mais esperto nas suas escolhas cruciais e afinar as suas respostas de
maneira a adaptarem-se a exigências cambiantes, em vez de ter
reacções automáticas e invariáveis. Se um alimento provocava
doença, podia ser evitado na vez seguinte. Decisões como saber o
que comer e o que evitar continuavam a ser determinadas sobretudo
através do cheiro; as relações entre o bolbo olfactivo e o sistema
límbico assumiram então a tarefa de fazer distinções entre os cheiros
e reconhecê-los, comparando um cheiro presente com outros
passados e, deste modo, discriminando-os entre bons e maus. Isto era
feito pelo rinencéfalo, literalmente o «cérebro-nariz», parte dos circuitos
límbicos e base do futuro neocórtex, o cérebro pensante.

Há cerca de 100 milhões de anos, o cérebro dos mamíferos deu


um novo e grande salto em frente. Por cima das duas camadas
gémeas do córtex — as regiões que planeiam, compreendem o que
é sentido, coordenam os movimentos — foram acrescentadas várias
novas camadas de células cerebrais, que vieram formar o neocórtex. Em
contraste com o antigo córtex de duas camadas, o neocórtex oferecia
uma extraordinária vantagem intelectual.

O neocórtex do Homo sapiens, maior que o de qualquer outra


espécie, trouxe consigo tudo o que é distintamente humano. O neocórtex
é a sede do pensamento; contém os centros que integram e
compreendem aquilo que os sentidos captam. Acrescenta a um sentimento
aquilo que pensamos a respeito dele — e permite-nos ter
sentimentos a respeito de ideias, arte, símbolos, imaginações.

A evolução do neocórtex permitiu uma afinação criteriosa que


sem dúvida trouxe enormes vantagens à capacidade de um organismo
para sobreviver às adversidades, tornando mais provável que a
sua progénie transmita por sua vez os genes que contêm os mesmos
circuitos neuronais. Esta vantagem em termos de sobrevivência
deve-se à capacidade do neocórtex para definir estratégias, fazer
planos a longo prazo e outras capacidades mentais. Para além disto,
os triunfos da arte, da civilização e da cultura são tudo frutos do
neocórtex.

Esta nova adição ao cérebro permitiu acrescentar matiz à vida


emocional. Tomemos, por exemplo, o caso do amor. As estruturas
límbicas geram sentimentos de prazer e de desejo sexual — as emoções
que alimentam a paixão sexual. Mas a adição do neocórtex e

29
DANIEL GOLEMAN

as suas ligações ao sistema límbico permitem o elo mãe-filho, que


constitui a base da unidade familiar e a aceitação desse compromisso
a longo Prazo que consiste na obrigação de criar a criança, e que
torna possível o desenvolvimento humano. (Nas espécies que não
possuem noecórtex, como os répteis, o amor materno não existe;
mal saem dos ovos, os recém-nascidos têm de se esconder para não
serem canibalizados.) Nos seres humanos, é a relação de protecção
de pais para filhos que permite que a maturação prossiga através de
uma longa infância, período durante o qual o cérebro continua a
desenvolver-se.

A medida que subimos na escala filogenética, de réptil para


macaco rhesus para ser humano, aumenta a massa do neocórtex;
este acréscimo determina um aumento em progressão geométrica
das interligações dos circuitos cerebrais. Quanto maior é o número
destas ligações, mais vasta a gama de respostas possíveis. O neocórtex
é o responsável pelas subtilezas e complexidades da vida emocional,
como a capacidade de ter sentimentos a respeito dos nossos
sentimentos. A proporção entre neocórtex e sistema límbico é mais
favorável ao primeiro nos primatas do que noutras espécies — e
incomparavelmente maior nos seres humanos —, sugerindo que
somos capazes de apresentar uma gama muito vasta de reacções às
nossas emoções, e muito mais variadas em graduação. Enquanto um
coelho ou um macaco rhesus têm um conjunto restrito de respostas
típicas ao medo, o neocórtex muito maior do ser humano permite
um repertório infinitamente mais variado, incluindo ligar para o
115. Quanto mais complexo for o sistema social, mais essencial se
torna esta flexibilidade — e não há mundo social mais complexo do
que o nosso.12

Estes centros superiores não governam, porém, toda a nossa


vida emocional; em assuntos cruciais do coração — e muito especialmente
em caso de emergência emocional — pode dizer-se que
cedem a primazia ao sistema límbico. Porque tantos dos centros
superiores do cérebro nasceram de ou ampliaram o âmbito da área
límbica, o cérebro emocional desempenha um papel crucial na
arquitectura neuronal. Como as raízes a partir das quais cresceu o
cérebro mais recente, as áreas emocionais estão interligadas através
de uma miríade de circuitos a todas as partes do neocórtex. Isto dá
aos centros emocionais um imenso poder para influenciar o funcionamento
do resto do cérebro — incluindo os centros do pensamento.

30
2

Anatomia de um
«Sequestro» Emocional
A vida é uma comédia para aqueles que pensam e uma tragédia
para aqueles que sentem.

HORACE WALPOLE

Numa tarde quente de Agosto de 1963, no mesmo dia em que


o reverendo Martin Luther King fez o seu discurso «Tenho um
Sonho» durante a manifestação a favor dos direitos cívicos em
Washington, Richard Robles, um gatuno que acabava de sair em liberdade
condicional a meio da pena de três anos a que fora condenado
pelos mais de cento e vinte roubos em residências que levara
a cabo para alimentar o seu hábito de consumo de heroína, decidiu
fazer mais um. Queria renunciar ao crime, declarou mais tarde, mas
precisava desesperadamente de dinheiro para dar de comer à namorada
e a uma filha de três anos.

O apartamento que assaltou nesse dia pertencia a duas jovens,


Janice Wylie, de vinte e um anos, investigadora da revista Newsweek,
e Emily Hoffert, de vinte e três anos, professora primária.
Embora Robles tivesse escolhido aquele apartamento no abastado
Upper East Side por pensar que não estaria lá ninguém, Wylie
encontrava-se em casa. Ameaçando-a com uma faca, Robles
amarrou-a. Quando se preparava para sair, apareceu Hoffert. A
fim de garantir a sua fuga, Robles tratou de amarrá-la também.

Tal como Robles contou a história, anos mais tarde, enquanto


estava a amarrar Hoffert, Janice Wylie avisou-o de que não escaparia
impune daquele crime: havia de lembrar-se da cara dele e ajudar
a polícia a apanhá-lo. Robles, que prometera a si mesmo que
aquele seria o seu último assalto, entrou em pânico ao ouvir isto,
perdendo completamente o controlo. Numa fúria, pegou numa
garrafa de refrigerante e agrediu com ela as duas mulheres até ficarem
inconscientes. Depois, dominado pela raiva e pelo medo, esfaqueou-as
várias vezes com uma faca de cozinha. Recordando aque31
DANIEL GOLEMAN

le momento cerca de vinte e cinco anos mais tarde, Robles lamentou:


«Fiquei completamente marado. Foi como se a minha cabeça
tivesse explodido.»

Robles tem hoje muito tempo para lamentar aqueles poucos


momentos de fúria incontrolada. No instante em que escrevo isto,
está ainda na prisão, passadas quase três décadas, pelo assassínio das
duas raparigas.

Estas explosões emocionais são «sequestros» neuronais. Nesses


momentos, conforme as provas parecem sugerir, um centro no cérebro
límbico proclama uma emergência, assumindo o controlo do
resto do cérebro para servir a sua agenda urgente. O «sequestro»
ocorre num instante, desencadeando uma reacção momentos antes
que o neocórtex, o cérebro pensante, tenha a possibilidade de aperceber-se
exactamente do que está a passar-se, quanto mais decidir
se é ou não uma boa ideia. Uma das características constantes deste
tipo de situação é o facto de, passado o momento, a pessoa assim
possuída ficar com a sensação de não saber o que lhe deu.

Estes «sequestros» não são de modo algum incidentes isolados


e horríveis que conduzam invariavelmente a crimes brutais como
o assassínio das duas jovens. Sob uma forma menos catastrófica
— mas não necessariamente menos intensa — acontecem a todos
nós com bastante frequência. Lembre-se da última vez em que lhe
«saltou a tampa» com qualquer pessoa — o cônjuge, um filho, ou
talvez o condutor de outro carro — de um modo que mais tarde, em
retrospectiva, lhe pareceu perfeitamente exagerado. Segundo todas
as probabilidades, tratou-se igualmente de um «sequestro», um
assalto neuronal que, como veremos, tem a sua origem na amígdala,
um centro do cérebro límbico.

Nem todos os «assaltos» neuronais são negativos. Quando uma


piada parece a alguém tão engraçada que provoca gargalhadas quase
explosivas, isso é, também, uma resposta límbica. Que funciona
igualmente em momentos de alegria intensa. Quando Dan Jansen,
depois de ter falhado várias tentativas de obter a medalha de ouro
olímpica na modalidade de patinagem de velocidade (que prometera
à irmã no seu leito de moribunda), conseguiu finalmente os
seus intentos na corrida dos 1000 metros durante as Olimpíadas de
Inverno de 1994, na Noruega, a mulher ficou de tal maneira dominada
pela excitação e a felicidade que teve de receber assistência
médica de urgência.

32
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

A SEDE DE TODA A PAIXÃO

Nos seres humanos, a amígdala (da palavra grega para «amêndoa»)


é um grupo de estruturas interligadas em forma de amêndoa
empoleirado por cima do tronco cerebral, próximo da orla inferior
do anel límbico. Há duas amígdalas, uma de cada lado do cérebro,
aninhadas junto aos lados da cabeça. A amígdala humana é relativamente
grande quando comparada com a de qualquer dos nossos
primos evolutivos mais chegados, os primatas.

O hipocampo e a amígdala foram as duas partes-chave do


primitivo «cérebro-nariz» que, ao longo da evolução deram origem
ao córtex e depois ao neocórtex. Ainda hoje, são estas duas estruturas
límbicas que fazem a maior parte do trabalho de aprendizagem
e memorização do cérebro. Quando a amígdala é seccionada do
resto do cérebro, o resultado é uma impressionante incapacidade de
avaliar o significado emocional dos acontecimentos; esta condição
é por vezes chamada «cegueira afectiva».

Ao perderem o peso emocional, os encontros perdem igualmente


toda a importância. Um jovem cuja amígdala foi cirurgicamente
removida para controlar os violentos ataques de que sofria, perdeu
inteiramente o interesse nas pessoas, passando a preferir ficar sentado
sozinho, sem contactos humanos. Embora fosse perfeitamente
capaz de conversar, deixou de reconher os amigos mais íntimos, os
parentes e inclusivamente a mãe, permanecendo absolutamente
impassível face ao desespero de todas essas pessoas. Sem a amígdala,
parecia ter perdido a capacidade de reconhecer sensações, bem
como a capacidade de experienciar sentimentos.1 A amígdala funciona
como o armazém da memória emocional; sem ela, a vida fica
despojada de significados pessoais.

Nem só os afectos estão, porém, ligados à amígdala; também as


paixões dependem dela. Os animais aos quais a amígdala foi removida
deixam de sentir medo ou ira, perdem a capacidade de competir
e de cooperar e deixam de ter a mínima noção do lugar que ocupam
no seu tipo de ordem social; a emoção fica embotada ou desaparece.
As lágrimas, um sinal emocional único da espécie humana, são
desencadeadas pela amígdala e por uma estrutura que lhe fica próxima,
o gyrus angulado; ser-se acariciado, abraçado ou de qualquer
outra maneira confortado acalma estas áreas do cérebro, pondo fim
ao choro. Sem amígdala, não há lágrimas nem dor para consolar.

33
DANIEL GOLEMAN

Joseph LeDoux, um neurocientista do Centro de Ciência Neuronal


da Universidade de Nova Iorque, foi o primeiro a descobrir o
papel-chave da amígdala no cérebro emocional.2 LeDoux faz parte
de uma nova geração de neurocientistas que utilizam métodos e
tecnologias inovadoras capazes de trazer uma precisão até agora sem
precedentes à cartografia do funcionamento do cérebro, permitindo-lhes
desvendar mistérios da mente que anteriores gerações de
cientistas acharam impenetráveis. As suas descobertas relacionadas
com os circuitos do cérebro emocional deitaram por terra uma
noção de longa data do sistema límbico, colocando a amígdala no
centro da acção e atribuindo a outras estruturas límbicas papéis
muito diferentes daqueles que tinham.3

As pesquisas de LeDoux explicam como a amígdala pode assumir


o controlo daquilo que fazemos enquanto o cérebro pensante, o
neocórtex, está ainda a procurar chegar a uma decisão. Como veremos,
o funcionamento da amígdala e as suas interacções com o neocórtex
estão no cerne da inteligência emocional.

O DETONADOR NEURONAL

Um dos aspectos mais intrigantes na compreensão do poder das


emoções sobre a vida mental são aqueles momentos de acção
apaixonada que mais tarde lamentamos, depois do pó assentar; a
questão é: como podemos tornar-nos subitamente tão irracionais?
Considere-se, por exemplo, o caso da jovem que fez uma viagem de
carro de duas horas até Boston para almoçar e passar o dia com o
namorado. Durante o almoço, ele deu-lhe uma prenda que ela desejava
havia meses, uma gravura rara trazida de Espanha. Mas todo o
seu prazer se dissolveu quando, terminada a refeição, sugeriu que
fossem ao cinema ver um filme em que estava particularmente interessada
e o namorado a surpreendeu dizendo que não podia passar
o resto do dia com ela porque tinha treino de basebol. Magoada e
incrédula, levantou-se da mesa, com os olhos cheios de lágrimas, e,
num impulso, atirou a gravura para um caixote de lixo. Meses mais
tarde, ao relatar o incidente, não é a zanga que lamenta, mas a
perda da gravura.

É em momentos como este — quando o impulso se sobrepõe à


razão — que o recém-descoberto papel da amígdala se revela crucial.
Todos os sinais exteriores captados pelos sentidos são em pri34
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

meiro lugar analisados pela amígdala, que examina cada experiência


em busca de pontos de conflito. Isto coloca-a numa posição de
poder na vida mental, transformando-a numa espécie de sentinela
psicológica que aprecia cada situação, cada percepção, tendo presente
apenas uma consideração, do tipo mais primitivo: «Isto é
alguma coisa que eu deteste? Que possa fazer-me mal? De que eu
tenha medo?» Se é esse o caso — se o momento em análise desencadeia
um «Sim» — a amígdala reage instantaneamente, como um
detonador neuronal, enviando uma mensagem de crise a todas as
partes do cérebro.

Na arquitectura do cérebro, a amígdala funciona assim como


uma empresa de segurança cujos funcionários estão sempre prontos
a chamar de urgência os bombeiros, a polícia e os vizinhos mal um
sistema de alarme caseiro dá sinal de perigo.

Quando soa um alarme de, digamos, medo, envia mensagens urgentes


a todas as principais partes do cérebro: desencadeia a secreção
das hormonas «lutar-ou-fugir» do corpo, mobiliza os centros
de movimento e activa o sistema cardiovascular, os músculos e os
intestinos.4 Outros circuitos que partem da amígdala desencadeiam
a secreção urgente de grandes quantidades da hormona norepinefrina
para acelerar a reactividade de áreas-chave do cérebro, incluindo
aquelas que tornam os sentidos mais aguçados, pondo efectivamente
o cérebro em estado de alerta. Outros sinais da amígdala
indicam ao tronco cerebral que dê ao rosto uma expressão de medo,
congele todos os movimentos não relacionados que os músculos
tenham em curso, acelere o ritmo cardíaco, aumente a pressão arterial
e abrande a respiração. Outros ainda centram a atenção na
fonte do medo e preparam os músculos para reagirem em consequência.
Simultaneamente, os sistemas da memória cortical são
pesquisados em busca de qualquer conhecimento relevante para a
emergência em causa, com precedência sobre qualquer linha de
pensamento.

E isto é apenas uma parte do cuidadosamente coordenado


conjunto de transformações que a amígdala orquestra quando assume
o controlo de várias áreas espalhadas por todo o cérebro (para
um relato mais pormenorizado, ver Apêndice C). A extensão da
rede de ligações neuronais da amígdala permite-lhe, durante uma
emergência emocional, controlar e dirigir a maior parte do resto do
cérebro — incluindo a mente racional.

35
DANIEL GOLEMAN

A SENTINELA EMOCIONAL

Um amigo meu contou-me que certa vez, estando de férias em


Inglaterra e depois de ter almoçado num café à beira de um canal,
viu, nas escadas de pedra que conduziam à água, uma jovem que
olhava fixamente para baixo com uma expressão de medo estampada
no rosto. Antes que pudesse sequer pensar, o meu amigo tinha
saltado para a água, de casaco e gravata, para só então se aperceber
de que a jovem estava a olhar apavorada para uma criança que
tinha caído ao canal e que ele conseguiu salvar.

O que foi que o fez saltar para a água antes de saber porquê?
A resposta, muito provavelmente, é: a amígdala.

Numa das mais importantes descobertas a respeito das emoções


feitas durante a última década, o trabalho de LeDoux revelou como
a arquitectura do cérebro atribui à amígdala uma posição privilegiada
como uma espécie de sentinela emocional, capaz de assenhorear-se
do controlo do cérebro.5 As suas investigações demonstraram
que os sinais sensoriais vindos do olho e do ouvido chegam ao cérebro
passando primeiro pelo tálamo e depois — através de uma
única sinapse — pela amígdala; um segundo sinal emitido pelo tálamo
é encaminhado para o neocórtex, o cérebro pensante. Esta
ramificação permite à amígdala começar a responder primeiro que o
neocórtex, o qual analisa a informação, fazendo-a passar por vários
níveis de circuitos cerebrais, antes de compreendê-la completamente
e iniciar então a sua resposta.

A investigação de LeDoux é revolucionária para a compreensão


da vida emocional porque foi a primeria a detectar os percursos
neuronais seguidos pelas sensações que não passam pelo neocórtex.
As sensações que chegam por via directa até à amígdala incluem
algumas das mais primitivas e poderosas; este circuito contribui
muito para explicar o poder da emoção para se sobrepor à racionalidade.

A visão convencional na neurociência era a de que as informações


colhidas pela vista, o ouvido e os outros órgãos dos sentidos
eram transmitidas ao tálamo, seguindo daí para as outras áreas de
processamento sensorial do neocórtex, onde os sinais eram reconstituídos
para formar os objectos e os sons tal qual os percebemos. Os
sinais eram separados por significados, de modo que o cérebro
pudesse reconhecer o que cada objecto era e o que a sua presença

36

\
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

significava. Do neocortex, postulava a antiga teoria, os sinais eram


encaminhados para o sistema límbico, e a partir daí a resposta
correcta irradiava através do cérebro e do resto do corpo. E é de
facto assim que as coisas acontecem a maior parte do tempo — só
que LeDoux descobriu um pequeno grupo de neurónios que ligam
directamente o tálamo à amígdala, além daqueles que seguem o
caminho principal até ao córtex. Este caminho mais curto — uma
espécie de atalho neuronal — permite à amígdala receber entradas
directas dos sentidos e iniciar a resposta antes que elas sejam registadas
pelo neocortex.
Tálamo

RESPOSTA «LUTAR-OU-FUGIR»:
Aumento de batida cardíaca e da pressão
sanguínea. Preparação dos grandes músculos
para uma acção rápida.

Um sinal visual segue primeiro da retina para o tálamo, onde é traduzido


na linguagem do cérebro. A maior parte da mensagem passa
então para o córtex visual, onde é analisada e avaliada em termos de significado
e resposta adequada; se essa resposta é emocional, segue um sinal
para a amígdala, que activa os centros emocionais. Mas uma pequena
parte do sinal vai directamente do tálamo para a amígdala, numa
transmissão mais rápida, permitindo uma resposta também mais rápida
(ainda que menos precisa). Deste modo, a amígdala pode desencadear
uma resposta emocional antes de os centros corúcais terem tido tempo de
compreender plenamente o que se passa.

37
DANIEL GOLEMAN

Esta descoberta deita por terra a noção de que a amígdala tem


de depender inteiramente dos sinais vindos do neocórtex para formular
as suas reacções emocionais. A amígdala pode desencadear
uma resposta emocional via este caminho de emergência, isto ao
mesmo tempo que se inicia um circuito paralelo entre ela e o neocórtex.
A amígdala pode fazer-nos entrar em acção enquanto o ligeiramente
mais lento — mas muito melhor informado — neocórtex
completa o seu mais refinado plano de resposta.

LeDoux chegou a estas conclusões revolucionárias no decurso


das suas investigações sobre o medo nos animais. Numa experiência
crucial, destruiu o córtex auditivo de um grupo de ratos, e em
seguida expô-los a um sinal ligado a um choque eléctrico. Os ratos
depressa aprenderam a temer o sinal, embora não pudessem registar
no neocórtex o respectivo som, que seguia uma via directa do ouvido
para o tálamo e para a amígdala. Em resumo, os ratos aprenderam
uma reacção emocional sem qualquer envolvimento cortical
mais elevado: a amígdala captava, recordava e orquestrava a reacção
de medo, tudo de forma independente.

«Anatomicamente, o sistema emocional pode funcionar independentemente


do neocórtex», disse-me LeDoux. «Determinadas
reacções e recordações emocionais podem formar-se sem qualquer
espécie de participação consciente, cognitiva.» A amígdala pode
armazenar recordações e um repertório de respostas que nós pomos
em acção sem nos apercebermos de que o fazemos, porque o atalho
entre o tálamo e a amígdala passa completamente ao lado do neocórtex.
Este atalho permite aparentemente à amígdala ser um repositório
de impressões emocionais e recordações de que nunca temos
plena consciência. LeDoux propõe que é este papel subterrâneo da
amígdala na memória que explica, por exemplo, uma surpreendente
experiência em que as pessoas adquirem uma preferência por estranhas
figuras geométricas que lhes são mostradas de uma forma tão
rápida que nem chegam a ter consciência de tê-las visto.6

Outras investigações demonstraram que quando vemos uma


coisa pela primeira vez, não só nos apercebemos do que é durante
os primeiros milésimos de segundo, como também decidimos se
gostamos dela ou não; o «inconsciente cognitivo» apresenta à
nossa percepção não só a identidade daquilo que vemos, mas ainda
uma opinião a seu respeito.7 As nossas emoções têm uma mente
muito sua, capaz de formular «pontos de vista» independentemente
da nossa mente racional.

38
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

O ESPECIALISTA EM MEMÓRIA EMOCIONAL

Estas opiniões inconsistentes são memórias emocionais; o seu


armazém é a amígdala. Investigações feitas por LeDoux e outros
cientistas parecem agora sugerir que o hipocampo, que era há muito
considerado a estrutura-chave do sistema límbico, está mais envolvido
no registo e decifração dos padrões perceptuais do que nas
reacções emocionais. A principal contribuição do hipocampo é
proporcionar uma boa memória de contexto, vital em termos de
significado emocional; é o hipocampo que reconhece os significados
diferentes de, digamos, um urso no jardim zoológico ou um urso
no nosso quintal.

Enquanto o hipocampo recorda os factos a seco, a amígdala


retém o sabor emocional que acompanha esses factos. Se tentamos ultrapassar
um carro numa estrada só com duas faixas e escapamos por
pouco a uma colisão frontal, o hipocampo retém os aspectos específicos
do incidente, como em que parte da estrada seguíamos,
quem estava connosco, qual era o aspecto dos outros carros. Mas é
a amígdala que a partir desse momento nos há-de fazer sentir uma
onda de ansiedade sempre que tentarmos ultrapassar um carro em
circunstâncias idênticas. Tal como LeDoux me explicou, «O hipocampo
é crucial no reconhecimento de uma cara como sendo a do
nosso primo. Mas é a amígdala que acrescenta que não gostamos
nada dele.»

O cérebro usa um método simples mas astucioso para conseguir


que as memórias emocionais se registem com particular intensidade:
os mesmos sistemas neuroquímicos de alerta que preparam o corpo
para reagir a situações de perigo extremo através da luta ou da fuga
são os encarregados de gravar o momento na memória com grande
vividez.8 Em condições de stress (ou de ansiedade ou presumivelmente
também sob a extrema excitação da alegria) um nervo que
corre desde o cérebro até às glândulas supra-renais desencadeia a
secreção das hormonas epinefrina e norepinefrina, que invadem o
corpo preparando-o para uma emergência. Estas hormonas activam
receptores no nervo vago; embora a função básica deste nervo seja
transmitir mensagens do cérebro para regular o ritmo cardíaco, também
transporta de regresso ao cérebro sinais desencadeados pela epinefrina
e pela norepinefrina. Esses sinais são encaminhados sobretu39
DANIEL GOLEMAN

do para a amígdala, onde activam neurónios que indicam a outras


regiões do cérebro que devem reforçar o registo em memória do que
está a acontecer. A excitação da amígdala parece gravar na memória
com uma força acrescida a maior parte dos momentos de grande
intensidade emocional — é por isso que nos é mais fácil recordar,
por exemplo, aonde fomos no nosso primeiro encontro amoroso, ou
que estávamos a fazer quando ouvimos a notícia de que o vaivém
espacial Challenger tinha explodido. Quanto mais intensa for a excitação
da amígdala, mais forte será a impressão; as experiências que
mais nos assustaram ou mais nos emocionaram contam-se com certeza
entre as nossas recordações mais indeléveis. Isto significa que,
na realidade, o cérebro possui dois sistemas de memória, um para os
factos vulgares, outro para os emocionalmente significativos. Como
é evidente, um sistema especial de memória emocional faz todo o
sentido em termos de evolução, uma vez que permite aos animais
terem recordações particularmente vívidas daquilo que os ameaça ou
lhes dá prazer. Mas as memórias emocionais podem revelar-se maus
guias para o presente.

ALARMES NEURONAIS DESACTUALIZADOS

Um dos inconvenientes destes alarmes neuronais é o facto de as


mensagens urgentes que a amígdala envia serem por vezes, senão
mesmo frequentemente, antiquadas — especialmente no fluido
mundo social em que vivemos. Na sua qualidade de repositório da
memória emocional, a amígdala analisa a experiência, comparando
o que está a acontecer agora com o que aconteceu no passado. Este
método de comparação é associativo: quando um elemento-chave
da actual situação é semelhante a um do passado, considera-o
«igual» — e é por isso que este circuito é tão pouco refinado: age
antes de ter plena confirmação dos factos. Exige freneticamente
que reajamos ao presente de maneiras que foram impressas há
muito tempo, com pensamentos, emoções, reacções aprendidas em
resposta a situações que eram apenas vagamente similares, mas suficientemente
parecidas para alarmar a amígdala.

É assim que uma ex-enfermeira do exército, traumatizada pela


infindável procissão de ferimentos horríveis que teve de tratar
durante a guerra, é subitamente invadida por uma mistura de susto,
nojo e pânico — uma repetição da sua reacção no campo de batal40

V>
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ha desencadeada uma vez mais, anos volvidos, pelo fedor que lhe
assalta as narinas quando, ao abrir a porta de um armário, descobre
que o filho escondeu lá dentro uma fralda suja. Basta que um ou
dois elementos isolados de uma situação sejam semelhantes aos de
um perigo passado para que a amígdala dispare a sua proclamação
de emergência. O problema é que, juntamente com estas recordações
emocionalmente significativas que têm o poder de desencadear
a resposta de crise, podem vir igualmente algumas maneiras
desadequadas de reagir.

A imprecisão emocional do cérebro nestes momentos é agravada


pelo facto de muitas recordações emocionalmente poderosas
datarem dos primeiros anos de vida, das relações entre a criança e
os que dela cuidavam. Isto é especialmente verdade no caso de
acontecimentos traumáticos, como maus tratos ou abandono puro
e simples. Durante este primeiro período da vida, as outras estruturas
do cérebro, particularmente o hipocampo, que é essencial para
as memórias narrativas, e o neocórtex, sede do pensamento racional,
não estão ainda plenamente desenvolvidas. Na memória, a
amígdala e o hipocampo trabalham lado a lado; cada um deles
armazena e recupera a sua própria informação de uma forma independente.
Enquanto o hipocampo regista a informação, a amígdala,
que se desenvolve muito rapidamente no cérebro da criança,
está já quase completamente formada por altura do nascimento.

LeDoux volta-se para o papel da amígdala na infância para


apoiar aquilo que é desde há muito um postulado básico do pensamento
psicanalítico: que as interacções dos primeiros anos de vida
estabelecem um conjunto de lições emocionais baseadas nas harmonias
e precalços dos contactos entre a criança e os encarregados
de cuidar dela.9 Estas lições são tão potentes, e no entanto tão difíceis
de compreender do ponto de vista do adulto, porque, pensa Le
Doux, ficam armazenadas na amígdala sob a forma de «projectos»
esboçados e inarticulados de vida social. Uma vez que estas primeiras
memórias emocionais se estabelecem numa altura em que a
criança não tem ainda palavras para descrever a sua experiência,
quando são «disparadas» numa fase posterior da vida não existe um
conjunto correspondente de pensamentos articulados a respeito da
resposta que nos domina. Uma das razões por que podemos ficar tão
surpreendidos pelas nossas explosões emocionais é, portanto, o facto
de elas datarem de uma altura das nossas vidas em que tudo era
estranho e não tínhamos ainda palavras para compreender os acon41
DANIEL GOLEMAN

tecimentos. Podemos ter as caóticas sensações, mas não as palavras


para as recordações que as formatam.

QUANDO AS EMOÇÕES SÃO RÁPIDAS


E TRAPALHONAS

Seriam umas três da manhã quando um objecto enorme atravessou


com estrondo o tecto do meu quarto, no canto mais afastado,
espalhando pelo chão todo o conteúdo do sótão. Num segundo, saltei
da cama e corri para fora, receando que o tecto inteiro acabasse
por vir abaixo. Então, compreendendo que estava a salvo, espreitei
cautelosamente para dentro do quarto, para ver o que causara todos
aqueles estragos... e descobri que aquilo que tomara pelo ruído do
tecto a desmoronar-se fora na realidade provocado pela queda de
um grande monte de caixas que a minha mulher tinha empilhado
num canto no dia anterior, depois de arrumar o armário. Nada
tinha caído do sótão; nem sequer havia sótão. O tecto estava intacto,
e eu também.

O meu salto da cama enquanto ainda estava meio a dormir — e


que poderia ter-me salvo se o tecto estivesse efectivamente a cair —
ilustra o poder da amígdala de fazer-nos entrar em acção numa
emergência, isto escassos mas vitais momentos antes de o neocórtex
ter tempo de registar plenamente o que está a contecer. O caminho
de emergência do olho ou do ouvido para o tálamo e a amígdala é
crucial: poupa tempo numa emergência, quando é exigida uma resposta
imediata. Mas este percurso do tálamo para a amígdala transporta
apenas uma pequena porção das mensagens sensoriais, cuja
maior parte segue a via principal até ao neocórtex. Assim, o que se
regista na amígdala através desta «via expresso» é, no melhor dos
casos, um sinal tosco, apenas o suficiente para desencadear o alarme.
Nas palavras de LeDoux, «Não precisamos de saber exactamente
o que uma coisa é para sabermos que pode ser perigosa.»10

A via directa tem uma vantagem enorme em termos de tempo


de cérebro, que é contado em milésimos de segundo. A amígdala de
um rato é capaz de começar a responder a uma percepção em apenas
doze milésimos de segundo. O caminho tálamo-neocórtex-amígdala
demora aproximadamente o dobro. Ainda não foram feitas
as medições equivalentes no que respeita ao cérebro humano,
mas pensa-se que a relação será provavelmente a mesma.

42

\
fe
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Em termos evolutivos, o valor para a sobrevivência desta via


directa deve ter sido enorme, permitindo uma opção de resposta
rápida que poupa alguns preciosos milésimos de segundo no tempo
de reacção a um perigo. Estes milésimos de segundo podem facilmente
ter salvo a vida a uma número suficiente dos nossos antepassados
protomamíferos para que o «sistema» passasse a estar definitivamente
instalado no cérebro de todos os mamíferos, incluindo no
do leitor e no meu. Na realidade, embora este circuito possa desempenhar
um papel relativamente pouco importante na vida mental
humana, limitado como está a crises emocionais, a maior parte da
vida mental das aves, peixes e répteis evolui à sua volta, uma vez que
a própria sobrevivência destes animais depende de estarem constantemente
atentos à presença de predadores ou de presas. «Este sistema
cerebral primitivo e menor dos mamíferos é o principal sistema
cerebral dos não-mamíferos», diz LeDoux. «Oferece uma maneira
extremamente rápida de ligar as emoções. E, porém, um processo
rápido-e-sujo; as células são rápidas, mas não muito precisas.»

Num esquilo, por exemplo, esta imprecisão é óptima, uma vez


que significa jogar sempre pelo seguro, saltando para longe ao primeiro
sinal de qualquer coisa que possa anunciar a presença de um
inimigo, ou saltando em frente à mais pequena sugestão de qualquer
coisa comestível. Na vida emocional humana, porém, pode ter consequências
desastrosas para as nossas relações, uma vez que significa,
figurativamente falando, que podemos saltar para longe ou saltar
em cima da coisa — ou pessoa — errada. (Consideremos, por
exemplo, o caso da empregada de mesa que deixou cair uma travessa
com seis jantares quando avistou uma senhora cuja abundante e
encaracolada cabeleira ruiva era exactamente igual à da mulher
pela qual o marido a tinha trocado.)

Estes rudimentares enganos emocionais resultam de se sentir


antes de se pensar. LeDoux chama-lhes «emoção pré-cognitiva»,
uma reacção baseada em fragmentos neuronais de informação sensorial
que não foram suficientemente distinguidos e integrados num
objecto reconhecível. Ê uma forma muito crua de informação sensorial,
algo como uma Diga Qual É a Canção neuronal em que, em
vez de tentar adivinhar o nome de uma música com base numas
poucas notas, toda uma percepção é formada com base numas poucas
partes. Se a amígdala sente a emergência de um padrão sensorial
importante, salta para um conclusão, desencadeando reacções
antes de obter confirmações suficientes.
DANIEL GOLEMAN

Não admira que compreendamos tão pouco das nossas emoções


mais violentas, sobretudo quando elas se apoderam de nós. A amígdala
pode reagir num delírio de raiva ou de medo antes que o córtex
saiba o que se está a passar porque estas emoções são desencadeadas
independentemente, e antes, do pensamento.

O GESTOR EMOCIONAL

Jessica, a filha de seis anos de uma amiga minha, ia passar a sua


primeira noite fora, em casa de uma colega de escola, e seria difícil
dizer qual delas estaria mais nervosa, a mãe ou a filha. Embora a
mãe se esforçasse por não deixar Jessica aperceber-se da intensa
ansiedade que sentia, a sua tensão chegou a um ponto máximo por
volta da meia-noite, quando se preparava para ir para a cama e o
telefone tocou. Largando a escova de dentes, correu para o apare-lho,
com o coração a bater loucamente e imagens de Jessica num
perigo terrível a atravessarem-lhe o espírito.

Levantou o auscultador e gritou «Jessica!» para o bocal... e ouviu


uma voz de mulher dizer: «Oh, desculpe, creio que marquei o
número errado...»

Só nesse momento a minha amiga recuperou a compostura e,


num torn muito calmo e educado, conseguiu perguntar: «Para onde
deseja falar?»

Enquanto a amígdala funciona desencadeando uma reacção


ansiosa e impulsiva, uma outra parte do cérebro emocional permite
uma resposta muito mais comedida e adequada. O comutador do
sistema amortecedor dos excessos da amígdala parece encontrar-se
na outra extremidade do principal circuito do neocórtex, nos lóbulos
pré-frontais situados mesmo por detrás da testa. Aparentemente,
o córtex pré-frontal está em funcionamento quando nos
deixamos invadir pelo medo ou pela ira, mas abafa ou controla o
sentimento de modo a poder lidar mais eficazmente com a situação,
ou quando uma reavaliação exige uma resposta completamente
diferente, como foi o caso da minha amiga ao telefone. Esta área
neocortical do cérebro dá uma resposta mais analítica e apropriada
aos nossos impulsos emocionais, modulando a amígdala e outras
áreas límbicas.

Normalmente, as áreas pré-frontais regulam as nossas reacções


emocionais desde o início. A maior projecção da informação senso44
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

rial que sai do tálamo, recordemo-lo, não vai para a amígdala, mas
para o neocórtex e para os seus muitos centros encarregados de
registar e decifrar o que está a ser percebido; essa informação, e a
nossa resposta, é coordenada pelos lóbulos pré-frontais, a sede das
acções planeadas e organizadas tendo em vista um objectivo,
incluindo as emocionais. No neocórtex, uma série de circuitos sequenciais
registam e analisam a informação, integram-na e, através
dos lóbulos pré-frontais, orquestram uma reacção. Se, ao longo do
processo, se torna necessária uma resposta emocional, os lóbulos
pré-frontais ditam-na, trabalhando em coordenação com a amígdala
e outros circuitos do cérebro emocional.

Esta progressão, que permite dar discernimento à resposta emocional,


é o funcionamento-padrão, com a significante excepção das
emergências emocionais. Quando uma emoção é desencadeada,
momentos depois os lóbulos pré-frontais fazem o equivalente a uma
avaliação risco/benefício de uma grande quantidade de reacções
possíveis, e apostam na melhor.11 Para os animais, quando atacar,
quando fugir. E para os seres humanos... quando atacar, quando
fugir e também quando aplacar, persuadir, procurar compreensão,
fazer face, provocar sentimentos de culpa, gemer, fazer uma bravata,
mostrar-se desdenhoso e por aí fora, através de todo o repertório
de capacidades emocionais.

A resposta neocortical é mais lenta que o mecanismo de «sequestro»


que vimos atrás porque envolve mais circuitos. Pode também
ser mais criteriosa e ponderada, uma vez que aqui o pensamento
precede o sentimento. Quando sofremos uma perda e ficamos tristes,
ou nos sentimos felizes depois de uma vitória, ou remoemos alguma
coisa que alguém disse ou fez e só então ficamos magoados ou zangados,
é o neocórtex que está a funcionar.

Como acontece com a amígdala, quando os lóbulos pré-frontais


não estão a funcionar a maior parte da vida emocional desaparece;
não havendo o entendimento de que alguma coisa merece uma
resposta emocional, essa resposta não surge. O papel dos lóbulos
pré-frontais nas emoções era pressentido pelos neurologistas desde
o advento, nos anos 1940, dessa desesperada — e tristemente errada
— «cura» cirúrgica para as doenças mentais: a lobotomia préfrontal,
que removia parte dos lóbulos pré-frontais ou de qualquer
outra forma cortava as ligações entre o córtex pré-frontal e o cérebro
inferior. Nos dias anteriores ao aparecimento de medicamentos
eficazes contra a doença mental, a lobotomia foi acolhida como a

45
DANIEL GOLEMAN

resposta para as mais graves perturbações emocionais — quando se


seccionavam os laços entre os lóbulos pré-frontais e o resto do cérebro,
«aliviavam-se» os males do doente. Infelizmente, o preço era
que a maior parte da vida emocional desse doente desaparecia também.
Os circuitos-chave tinham sido destruídos.

O «sequestro» emocional envolve presumivelmente duas


dinâmicas: o disparar da amígdala e a não activação dos processos
neocorticais que habitualmente mantêm o equilíbrio das respostas
emocionais — ou a não mobilização das zonas neocorticais para
lidar com a emergência emocional.12 Nestes momentos, a mente
racional é avassalada pela emocional. Um dos modos de agir do
córtex pré-frontal como um eficiente gestor das emoções — pesando
as reacções antes de agir — é atenuando os sinais de activação
transmitidos pela amígdala e outros centros límbicos — assim como
um pai que impede uma criança impulsiva de deitar a mão a qualquer
coisa e lhe diz para em vez disso pedir (ou esperar por) aquilo
que quer.13

O comutador-chave para desligar as emoções negativas parece


ser o lóbulo pré-frontal esquerdo. Ao estudarem os estados de espírito
de doentes com lesões em partes dos lóbulos pré-frontais, os
neuropsicólogos chegaram à conclusão de que um dos papéis do
lóbulo pré-frontal esquerdo é funcionar como um termostato neuronal,
regulando as emoções desagradáveis. O lóbulo pré-frontal
direito é a sede dos pensamentos negativos, como o medo e a agressão,
enquanto o lóbulo esquerdo controla estas emoções cruas, provavelmente
inibindo o lóbulo direito.14 Num grupo de doentes atingidos
por tromboses cerebrais, por exemplo, aqueles cujas lesões se
situavam no córtex pré-frontal esquerdo eram dados a preocupações
e medos catastróficos; aqueles cujas lesões afectavam o lado direito,
mostravam-se «indevidamente alegres»; durante os exames neurológicos,
brincavam e comportavam-se de uma maneira tal que dava
a entender claramente que não queriam saber dos resultados.15 E depois
houve o caso do marido feliz: um homem cujo lóbulo pré-frontal
direito tinha sido parcialmente removido numa operação para
remediar uma malformação do cérebro. A esposa contou aos médicos
que depois da intervenção o marido sofreu uma mudança de
personalidade dramática, tornando-se muito menos irritável e, era
com muita alegria que o dizia, mais afectuoso.16

Em suma, o lóbulo pré-frontal esquerdo parece fazer parte de um


circuito neuronal capaz de desligar, ou pelo menos atenuar, as ex46
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

plosões negativas de emoção, com excepção das mais violentas. Se


a amígdala muitas vezes funciona como um disparador de emergência,
o lóbulo pré-frontal esquerdo parece fazer parte do comutador
do cérebro que serve para desligar as emoções perturbadoras:
a amígdala propõe, o lóbulo pré-frontal dispõe. Estas ligações
entre as áreas pré-frontais e as áreas límbicas têm uma importância
que vai muito para além do controlo das emoções; são essenciais
para nos conduzirem através das decisões que mais importam nas
nossas vidas.
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HARMONIZAR EMOÇÃO E PENSAMENTO

A ligação entre a amígdala (e as estrutras límbicas relacionadas)


e o neocórtex estão no centro das batalhas ou tratados de cooperação
que se travam e se estabelecem entre a cabeça e o coração,
entre o pensamento e o sentimento. Estes circuitos explicam a
razão por que a emoção é tão crucial para o pensamento eficaz,
tanto na tomada de decisões sensatas como para simplesmente permitir-nos
pensar de uma forma clara.

Veja-se o poder das emoções para perturbar o próprio pensamento.


Os neurocientistas usam a expressão «memória de trabalho»
para definir a capacidade de atenção que mantém na mente os
factos essenciais para levar a cabo uma tarefa ou resolver um problema,
quer se trate das características ideais que procuramos numa
casa enquanto examinados diversas possibilidades, ou os elementos
de um problema de raciocínio num exame. O córtex pré-frontal é a
região do cérebro responsável pela memória de trabalho.17 Mas os
circuitos que ligam o cérebro límbico aos lóbulos pré-frontais significam
que os sinais de uma emoção forte — ansiedade, ira, etc. —
podem criar uma estática neuronal, sabotando a capacidade do lobo
frontal de manter essa memória. É por isso que, quando estamos
emocionalmente perturbados, dizemos que «não conseguimos pensar
correctamente», e também a razão por que uma perturbação
emocional contínua pode criar défices nas faculdades intelectuais
da criança, diminuindo a sua capacidade para aprender.

Estes défices, se mais subtis, nem sempre são detectados pelos


testes de QI, embora se revelem em medições neuropsicológicas
mais apuradas, bem como na constante agitação e impulsividade da
criança. Num estudo, por exemplo, descobriu-se através de testes

47
DANIEL GOLEMAN

neuropsicológicos que alunos que tinham um QI acima da média


mas que apesar disso obtinham más notas apresentavam deficiências
ao nível do funcionamento do córtex frontal.18 Eram também
impulsivos e ansiosos, frequentemente indisciplinados e conflituosos,
sugerindo um controlo pré-frontal deficiente sobre os impulsos
límbicos. A despeito do seu potencial intelectual, estas crianças são
as que correm maior risco de vir a ter problemas como insucesso
escolar, alcoolismo e criminalidade, não porque o seu intelecto seja
deficiente, mas porque o seu domínio da vida emocional é limitado.
O cérebro emocional, completamente separado das áreas corticais
sobre as quais incidem os testes de QI, controla tanto a raiva
como a compaixão. Estes circuitos emocionais são modelados pela
experiência ao longo da infância, e nós deixamos geralmente essa
experiência por conta do acaso.

Consideremos, também, o papel das emoções até nos mais


«racionais» processos decisórios. No seu trabalho com implicações
profundas para a compreensão da vida emocional, o Dr. António
Damásio, neurologista da Faculdade de Medicina da Universidade
de Iowa, fez cuidadosos estudos sobre o que é exactamente afectado
nos doentes com lesões nos circuitos que ligam o córtex préfrontal
à amígdala.19 A capacidade de decisão destes doentes fica
terrivelmente diminuída e no entanto não apresentam qualquer
deterioração do QI ou das capacidades cognitivas. A despeito de
uma inteligência intacta, fazem escolhas desastrosas nas suas vidas
profissionais e particulares, chegando ao ponto de ficarem indefinidamente
indecisos sobre uma decisão tão simples como marcar ou
não uma consulta.

O Dr. Damásio argumenta que têm tanta dificuldade em tomar


decisões porque perderam o acesso à aprendizagem emocional. Na
sua qualidade de ponto de reunião do pensamento e da emoção, o circuito
pré-frontal-amígdala é uma porta de acesso crucial ao repositório
de gostos e desgostos que vamos juntando ao longo da vida.
Isolado da memória emocional da amígdala, seja o que for que o
neocórtex esteja a «pensar» deixa de desencadear as reacções emocionais
que lhe estavam associadas no passado; tudo adquire uma
neutralidade cinzenta. Os estímulos, quer se trate do nosso gato favorito
ou de um conhecido que detestamos, já não provocam
atracção nem aversão; estes pacientes «esqueceram» todas as suas
lições emocionais porque deixaram de ter acesso ao lugar onde elas
estão armazenadas, na amígdala.

48
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

São provas como esta que levam o Dr. Damásio à posição contra-intuitiva
de que os sentimentos são tipicamente indispensáveis
para a tomada de decisões racionais; eles apontam-nos para a
direcção correcta, onde a lógica pura pode ser mais útil. Enquanto
o mundo nos confronta tão frequentemente com uma intratável
variedade de escolhas (como investir as nossas poupanças?, com
quem casar?), a aprendizagem emocional que a vida nos proporcionou
(como a recordação de um investimento desastroso, ou de uma
rotura dolorosa) envia sinais que facilitam a decisão ao eliminarem
algumas opções e destacarem outras logo à partida. Deste modo,
considera o Dr. Damásio, o cérebro emocional está tão envolvido
no raciocínio como o cérebro racional.

As emoções têm, pois, importância no que respeita à racionalidade.


Na dança do sentimento e do pensamento, a faculdade
emocional guia as nossas decisões do momento-a-momento, trabalhando
de mãos dadas com a mente racional, permitindo — ou
impedindo — o próprio pensamento. Do mesmo modo, o cérebro
pensante desempenha um papel decisório nas nossas emoções,
excepto naqueles momentos em que as emoções fogem a todo o
controlo e o cérebro emocional reina como senhor absoluto.

Num certo sentido, possuímos dois cérebros, duas mentes, e dois


tipos diferentes de inteligência: racional e emocional. Como nos
portamos na vida é determinado por ambas — não é só o QI, mas
também a inteligência emocional, que conta. O intelecto não pode
funcionar no seu melhor sem a inteligência emocional. Normalmente,
a complementaridade do sistema límbico e do neocórtex,
da amígdala e dos lóbulos pré-frontais significa que todos eles são
parceiros de parte incerta na vida mental. Quando estes parceiros
interagem bem, a inteligência emocional aumenta e o mesmo acontece
à capacidade intelectual.

Isto vira de pernas para o ar a antiga compreensão da tensão


entre razão e sentimento: o que se prentende não é dispensar a
emoção e pôr a razão no seu lugar, como Erasmo pretendia, mas
antes encontrar um equilíbrio inteligente entre as duas. O velho
paradigma postulava um ideal da razão livre dos constrangimentos
da emoção. O novo paradigma incita-nos a harmonizar a cabeça e
o coração. Para melhor o fazer temos primeiro de compreender mais
exactamente o que significa usar inteligentemente a emoção.

49
Segunda Parte

A Natureza da Inteligência Emocional

^
3

Quando o Esperto E Burro


Exactamente por que razão foi David Pologruto, professor de Física
do ensino secundário, atacado com uma faca de cozinha por um
dos seus melhores alunos é algo que continua aberto a debate. Mas os
factos, tal como foram largamente divulgados, são os seguintes:

Jason H., pré-finalista e excelente aluno no liceu de Coral


Springs, na Florida, estava decidido a entrar para a faculdade de Medicina.
Mas não para uma faculdade de Medicina qualquer — não,
o seu sonho era Harvard. Aconteceu, porém, que Pologruto, seu professor
de Física, lhe deu 80 por cento num teste. Convencido de que
a nota — um mero bom — punha o seu sonho em perigo, Jason
pegou numa faca de trinchar e, numa confrontação com Pologruto
no laboratório de Física, esfaqueou o professor no pescoço antes de
ser dominado pelos outros alunos.

Um juiz declarou Jason inocente, momentaneamente louco


durante o incidente — um painel de quatro psicólogos e psiquiatras
jurara que o jovem se encontrava psicótico durante a luta. Jason
testemunhou que planeara cometer suicídio por causa da má nota,
e que procurara Pologruto para lhe dizer isso mesmo. Pologruto
contou uma história diferente: «Penso que ele estava absolutamente
decidido a matar-me com aquela faca» por estar furioso com o
que considerava uma nota injusta.

Depois de ter sido transferido para um colégio particular, Jason


graduou-se dois anos mais tarde como o primeiro da sua classe. Uma
notação perfeita nas aulas normais ter-lhe-ia dado um A, ou seja,
uma média de 4,0, mas o nosso jovem fez vários cursos adiantados
que colocaram a sua média em 4,614 — bem acima de um A+.
Mesmo depois de Jason se ter graduado com honras, o seu antigo
professor de Física, David Pologruto, continuou a queixar-se de que
ele nunca tinha pedido desculpa ou assumido a responsabilidade
pelo ataque.1

A questão é: como pôde alguém tão obviamente inteligente


fazer uma coisa tão irracional, tão perfeitamente estúpida? A res-
DANIEL GOLEMAN

posta: a inteligência académica tem muito pouco a ver com a vida


emocional. Os mais inteligentes de nós podem facilmente soçobrar
nos baixios das paixões desenfreadas e dos impulsos; pessoas com
um QI elevado podem revelar-se péssimos pilotos das suas vidas
particulares.

Um dos segredos abertos da psicologia é a relativa incapacidade


das notas escolares, do QI ou das pontuações SAT (Scholastic
Aptitude Test — Teste de Aptidão Escolar), a despeito da sua mística
popular, para predizer infalivelmente quem será bem sucedido
na vida. Há, evidentemente, uma relação entre o QI e as circunstâncias
da vida para os grandes grupos como um todo: muitas
pessoas com um QI baixo acabam por desempenhar funções subalternas,
e as que têm um QI elevado tendem a ser bem pagas, mas
nem sempre.

Há numerosíssimas excepções à regra de que QI prediz o êxito;


na realidade, são mais as excepções do que a regra. Na melhor das
hipóteses, o QI contribui com cerca de 20 por cento para os factores
que determinam o êxito na vida, o que deixa 80 por cento para
outras forças. Tal como notou determinado observador, «A vasta
maioria dos nichos que as pessoas acabam por ocupar na sociedade
é determinada por factores que nada têm a ver com o QI e que vão
desde a posição social à sorte.»2

Até Richard Herrnstein e Charles Murray, cujo livro, The Bell


Curve, atribui uma importância primária ao QI, admitem isto; tal
como fazem notar, «Talvez seja certo que um caloiro com uma
pontuação de 500 no SAT de matemática não deve alimentar grandes
esperanças de vir a ser um matemático; mas se em vez disso o
seu objectivo for ser um homem de negócios, chegar a senador ou
ganhar milhões de dólares, nada o obriga a pôr de parte os seus sonhos
(...) A relação entre as pontuações dos testes e este tipo de
êxito é mínima em comparação com a totalidade das outras características
que a pessoa traz para a vida.»3

O meu interesse relaciona-se com um determinado conjunto


destas «outras características», a inteligência emocional: a capacidade
de a pessoa se motivar a si mesma e persistir a despeito das frustrações;
de controlar os impulsos e adiar a recompensa; de regular o
seu próprio estado de espírito e impedir que o desânimo subjugue a
faculdade de pensar; de sentir empatia e de ter esperança. Ao
contrário do QI, com os seus cem anos de história de investigação
com centenas de milhar de pessoas, a inteligência emocional é um

54
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

conceito novo. Ninguém sabe dizer exactamente por quanta da


variabilidade que se verifica de pessoa para pessoa no curso da vida
ela é responsável. Mas os dados existentes sugerem que pode ser
uma influência tão poderosa e por vezes ainda mais poderosa que o
QI. E ao passo que há quem afirme que o QI não pode ser substancialmente
alterado pela experiência ou pela educação, demonstrarei
na Quinta Parte que as competências emocionais cruciais
podem sem a mínima dúvida ser aprendidas e aperfeiçoadas pelas
crianças, se nos dermos ao trabalho de lhas ensinar.

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E DESTINO

Recordo-me de um meu colega de turma no Amherst College


que tinha conseguido cinco pontuações perfeitas de 800 no SAT e
noutros testes de aptidão antes de entrar. A despeito das suas formidáveis
capacidades intelectuais, passava a maior parte do tempo
a não fazer nada, deitava-se tarde e no dia seguinte faltava às aulas
por ter dormido até ao meio-dia. com tudo isto, demorou quase dez
anos a terminar o curso.

O QI pouco contribui para explicar os destinos diferentes de


pessoas com mais ou menos as mesmas promessas, instrução e
oportunidades. Quando noventa e cinco alunos de Harvard, das
classes dos anos 40 — uma época em que as principais universidades
eram frequentadas por pessoas com uma gama de QI mais ampla
do que hoje acontece — foram acompanhados até à meia-idade,
verificou-se que aqueles que tinham obtido as notas mais elevadas
na universidade não eram particularmente bem sucedidos, em cornparação
com os colegas menos dotados, no que respeitava a salário,
produtividade ou estatuto nas respectivas áreas. Nem obtinham
maiores satisfações da vida, nem eram mais felizes com os amigos, a
família ou as relações amorosas.4

O mesmo tipo de acompanhamento até à meia-idade foi feito


com 450 rapazes, na sua maioria filhos de imigrantes, dois terços
deles oriundos de famílias que recebiam assistência social, nascidos
em Sommerville, Massachussetts, na altura um «bairro de lata» a
poucos quarteirões de Harvard. Um terço deles tinha QI inferior
a 90. Mas, também neste caso, o QI mostrou ter pouca relação com
o êxito que tiveram no trabalho e no resto das suas vidas; por exemplo,
7 por cento dos homens com QI inferior a 80 permaneceram

55
DANIEL GOLEMAN

desempregados durante dez anos ou mais; mas o mesmo aconteceu


a 7 por cento dos homens com QI superior a 100. Indiscutivelmente,
havia uma relação geral (como sempre há) entre o QI e o
nível socioeconómico aos quarenta e sete anos de idade. Mas as capacidades
de infância, como ser capaz de lidar com as frustrações,
controlar as emoções e dar-se com as outras pessoas tinham uma
importância muito maior.5

Considerem-se igualmente os dados de um estudo ainda em


curso com os oitenta e um melhores alunos e chefes de turma da
classe de 1981 dos liceus do Illinois. Todos eles tinham, evidentemente,
as melhores médias nas respectivas escolas. Mas, embora
continuassem a ser bem sucedidos na vida académica, obtendo consistentemente
excelentes notas, os níveis de êxito a que tinham
acedido na vida normal com vinte e muito anos eram apenas medianos.
Dez anos depois de terem completado o liceu, apenas um
em quatro se situava nos níveis mais altos para jovens de idade
comparável nas profissões escolhidas, e muitos deles tinham-se
saído bastante menos bem.

Karen Arnold, professora de educação na Universidade de


Boston, uma das investigadoras que acompanha o grupo de melhores
alunos, explica: «Penso que descobrimos os ”conscienciosos”
— as pessoas que sabem como triunfar no sistema. Mas estes ”melhores
alunos” têm de lutar tanto como o resto de nós. Saber que
alguém faz parte do grupo dos melhores alunos só nos diz que essa
pessoa é excelente no desempenho de certas tarefas que são medidas
por notas. Nada nos diz a respeito de como reage às vicissitudes
da vida.»6

E é aí que reside o problema: a inteligência académica não dá


praticamente qualquer espécie de preparação para o tumulto — ou
as oportunidades — que as vicissitudes da vida nos trazem. No
entanto, embora um QI elevado não seja garantia de prosperidade,
prestígio ou felicidade na vida, as nossas escolas e a nossa cultura
estão fixas nas capacidades académicas, ignorando a inteligência
emocional, um conjunto de características — há quem lhes chame
carácter — que também tem uma importância imensa para o nosso
destino pessoal. A vida emocional é um domínio que, tão seguramente
como a matemática ou a leitura, pode ser tratado com maior
ou menor perícia, e exige o seu próprio conjunto de competências
específicas. E o grau de aptidão que cada um tenha nessas cornpetências
é crucial para se perceber por que razão uma pessoa pro56
gride na vida enquanto uma outra, de intelecto igual, falha redondamente:
a aptidão emocional é uma meta-habilidade que determina
o modo melhor ou pior como seremos capazes de usar outras capacidades
que possamos ter, incluindo o intelecto puro.

Claro que há muitos caminhos para o êxito na vida, e muitos


domínios em que outras aptidões são recompensadas. Na nossa
sociedade, cada vez mais baseada no conhecimento, a capacidade
técnica é seguramente uma delas. Há uma piada infantil que diz:
«O que é que se chama a um nabo daqui a quinze anos?» A resposta
é «Patrão.» Mas mesmo entre os «nabos» a inteligência emocional
proporciona um trunfo importante no local de trabalho, como
veremos na Terceira Parte. Inúmeras provas testemunham que as
pessoas emocionalmente aptas — que conhecem e controlam os
seus próprios sentimentos e sabem reconhecer e lidar eficazmente
com os sentimentos dos outros — levam vantagem em todos os
domínios da vida, quer se trate da vida amorosa ou das relações íntimas,
ou de aprender as regras não expressas que ditam o êxito na
política das organizações. As pessoas que possuem aptidões emocionais
bem desenvolvidas são também, de um modo geral, as que se
revelam mais satisfeitas e eficazes nas suas vidas, dominando os
hábitos de espírito que estão na base da sua própria produtividade;
aqueles que não conseguem obter alguma medida de controlo sobre
as suas vidas emocionais travam constantemente batalhas íntimas
que lhes minam a capacidade de produzir trabalho continuado e
pensamentos claros.

UM TIPO DIFERENTE DE INTELIGÊNCIA

Para o observador menos atento, Judy, de quatro anos, pode


parecer um tanto «bicho-do-mato» entre os seus companheiros
mais gregários. No recreio, mantém-se afastada da acção, preferindo
ficar-se pelas margens das brincadeiras a envolver-se directamente
nelas. Mas Judy é, na realidade, uma observadora arguta das
políticas sociais da sua turma na escola pré-primária que frequenta,
espantosamente sofisticada na maneira como «lê» as vagas de sentimentos
que regem o comportamento dos seus companheiros de
brincadeiras.

Uma sofisticação que só se torna evidente quando a professora


junta à sua volta todas aquelas crianças de quatro anos para joga57
DANIEL GOLEMAN

rem àquilo que chamam o Jogo da Sala de Aula. O Jogo da Sala de


Aula — uma réplica em miniatura da sala onde Judy e os colegas
brincam, com figuras de madeira que têm por cabeça pequenas fotografias
de professoras e alunos — é um teste de percepção social.
Quando a professora lhe pede que coloque cada menino e menina
na parte da sala onde mais gosta de brincar — o canto da arte, o
canto dos blocos, etc. — Judy fá-lo sem se enganar uma única vez.
E quando lhe pedem que ponha cada menino e menina ao lado das
outras crianças com quem mais gosta de brincar, Judy mostra que
sabe perfeitamente juntar os «melhores amigos» de toda a turma.

Esta infalibilidade demonstra que Judy possui um mapa social


perfeito de toda a turma, o que é um nível de percepção excepcional
para uma criança de quatro anos. São estas as habilidades que,
mais tarde na vida, podem permitir a Judy transformar-se numa
estrela em qualquer das áreas onde as «aptidões pessoais» contam,
desde as vendas e a gestão à diplomacia.

Se esta perícia social de Judy foi detectada, e ainda por cima


numa fase tão precoce da sua vida, isso ficou a dever-se ao facto de
ela frequentar a Escola Pré-Primária Eliot-Pearson, instalada no
compus da Tufts University, onde estava na altura em curso o Projecto
Spectrum, um currículo que cultiva intencionalmente uma
variedade de tipos de inteligência. O projecto Spectrum reconhece
que o repertório das capacidades humanas vai muito para além da
estreita faixa de capacidades em que as escolas tradicionalmente se
concentram. Reconhece que capacidades como a apurada percepção
social de Judy são talentos que a educação deve alimentar em
vez de ignorar ou até frustrar. Ao encorajar a criança a desenvolver
toda a gama das capacidades a que um dia recorrerá para ter êxito,
ou que muito simplesmente utilizará para se realizar naquilo que
fizer, a escola transforma-se numa educação da arte de viver.

O visionário inspirador por detrás do Projecto Spectrum é Howard


Gardner, psicólogo da Harvard School of Education.7 «Chegou
a altura», disse-me Gardner, «de alargar a nossa noção do espectro
de talentos. A contribuição mais importante que a escola pode fazer
para o desenvolvimento de uma criança, é ajudar a encaminhá-la
para a área onde os seus talentos lhe sejam mais úteis, onde se
sinta satisfeita e competente. É um objectivo que perdemos completamente
de vista. Em vez disso, submetemos toda a gente a uma educação
em que, se somos bem sucedidos, a pessoa fica bem preparada
para ser professor universitário. E, ao longo do percurso, avaliamos

58
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

toda a gente de acordo com esse estreito padrão de sucesso. Devíamos


passar menos tempo a classificar as crianças e mais tempo a
ajudá-las a identificar as suas competências e dons naturais, e a cultivá-los.
Há centenas e centenas de maneiras de ser bem sucedido e
muitas, muitas capacidades que nos ajudarão a lá chegar.»8

Se alguém vê as limitações da velha maneira de pensar a respeito


da inteligência, é Gardner. Conforme ele costuma fazer notar, os
tempos áureos dos testes de QI começaram durante a Primeira
Guerra Mundial, quando dois milhões de americanos foram avaliados
através do primeiro teste de QI, então desenvolvido por Lewis
Terman, um psicólogo de Stanford. Isto conduziu a décadas daquilo
a que Gardner chama a «maneira de pensar QI»: «Que as pessoas
são ou não são inteligentes, que nasceram assim, que não se pode
fazer grande coisa a esse respeito e que os testes apropriados nos
dizem se pertencemos ao grupo dos inteligentes ou dos estúpidos.
O SAT, para admissão à universidade, baseia-se na mesma noção
de um tipo único de aptidão que determina o nosso futuro. Esta
maneira de pensar é comum a toda a sociedade.»

O importante livro que Gardner publicou em 1983, Frames of


Mina, é um manifesto que refuta esta maneira de ver; propõe que
não existe apenas um tipo único, monolítico, de inteligência que
seja crucial para o êxito na vida, mas antes um amplo espectro de
inteligências, com sete variedades principais. A lista inclui os dois
tipos académicos padrões — a capacidade verbal e a lógico-matemática
—, mas vai mais longe, incluindo igualmente a capacidade
visual, que se encontra, por exemplo, num grande artista ou arquitecto;
o génio cinestético ostentado na fluidez física e na graça de
uma Martha Graham ou de um Magic Johnson, e os dotes musicais
de um Mozart ou um YoYo Ma. A fechar a lista, duas faces daquilo
a que Gardner chama as «inteligências pessoais»: as aptidões interpessoais,
como as de um grande terapeuta como Cari Rogers ou de
um líder de craveira mundial como Martin Luther King, Jr., e a
capacidade «intrapsíquica» que pode emergir, por um lado, das brilhantes
deduções de Sigmund Freud, ou, com menos fanfarra, do
contentamento íntimo que decorre do facto de sermos capazes de sintonizar
a nossa vida de modo a estar perfeitamente de acordo com
os nossos verdadeiros sentimentos.

A palavra-chave nesta visão de inteligência é múltipla: o modelo


de Gardner vai muito para além do conceito padrão de QI como
um factor único e imutável. Reconhece que os testes que nos tira59

ff
DANIEL GOLEMAN

nizaram enquanto andámos na escola — desde os testes de aptidão


que nos separavam daqueles que deviam ser empurrados para o
ensino técnico e aqueles que se destinavam à universidade, até aos
SAT, que determinavam que universidade, se alguma, seríamos
autorizados a frequentar — se baseiam numa noção limitada de
inteligência, uma noção que perdeu o contacto com a verdadeira
gama de aptidões e capacidades que importam na vida, mais e para
além do QI.

Gardner é o primeiro a admitir que sete é um valor arbitrário


para a variedade de inteligências: não há qualquer número mágico
para definir a multiplicidade dos talentos humanos. A dada altura,
Gardner e os seus colegas de investigação alargaram estes sete a
uma lista de vinte variedades diferentes de inteligência interpessoal,
por exemplo, decompôs-se em quatro capacidades distintas:
liderança, a capacidade de manter relações e conservar os amigos, a
capacidade de resolver conflitos e a perícia no tipo de análise social
em que a pequena Judy é imbatível.

Esta visão multifacetada da inteligência oferece um quadro


muito mais rico das capacidades e do potencial de uma criança para
o êxito do que o tradicional QI. Quando os alunos do Projecto
Spectrum foram avaliados pela Escala de Inteligência Stanford-Binet
— outrora o expoente máximo dos testes de QI — e novamente
por uma bateria de testes destinados a medir o espectro de
inteligências de Gardner, não se verificou qualquer relação significativa
entre os valores obtidos de ambas as vezes.9 As cinco crianças
com QI mais elevados (entre 125 e 133) mostraram uma grande
variedade de perfis nos dez «pontos fortes» medidos pelo teste
Spectrum. Por exemplo, das cinco crianças «mais inteligentes» de
acordo com os testes de QI, uma era forte em três áreas, três tinham
pontos fortes em duas áreas, e uma apresentava-se bem em apenas
uma área Spectrum. Os pontos fortes em causa eram os mais variados
possível: quatro situavam-se na área da música, dois nas artes
visuais, um na compreensão social, um na lógica, dois na linguagem.
Nenhuma das cinco crianças com QI mais elevado era forte
na área do movimento e os números eram, inclusivamente, pontos
fracos no caso de duas das cinco.

A conclusão de Gardner foi de que «a Escala de Inteligência


Stanford-Binet não consegue predizer um bom desempenho na
generalidade ou sequer em subgrupos consistentes de actividades
Spectrum». Por outro lado, as pontuações Spectrum dão aos pais e

60
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

aos professores indicações claras sobre os domínios pelos quais as


crianças criarão um interesse espontâneo, e onde obterão resultados
suficientemente bons para desenvolverem o tipo de paixão que,
mais tarde, poderá levá-las, para além da competência, à maestria.
O pensamento de Gardner a respeito da multiplicidade da
inteligência continua a evoluir. Dez anos depois de ter publicado
pela primeira vez a sua teoria, Gardner dá-nos esta definição resumida
das inteligências pessoais:

A inteligência interpessoal é a capacidade de compreender as


outras pessoas; o que é que as motiva, como é que funcionam, como
trabalhar cooperativamente com elas. Os vendedores, políticos,
professores, clínicos e líderes religiosos bem sucedidos terão tendência
para ser pessoas possuidoras de um elevado nível de inteligência
interpessoal. A inteligência intrapessoal (...) é uma capacidade
correlativa, voltada para dentro. É a capacidade de criarmos
um modelo correcto e verídico de nós mesmos e de usar esse modelo
para funcionar eficazmente na vida.10

Numa outra ocasião, Gardner fez notar que o cerne da inteligência


interpessoal inclui «a capacidade de discernir e responder
adequadamente aos estados de espírito, temperamento, motivações
e desejos das outras pessoas». Na motivação intrapessoal, a chave
para o autoconhecimento inclui o «acesso aos nossos próprios sentimentos
e a capacidade de distinguir entre eles e de neles nos
basearmos para guiar a nossa conduta».”

SPOCK «VERSUS» DATA:


QUANDO A COGNIÇÃO NÃO BASTA

Há uma dimensão da inteligência pessoal que é largamente


referida, mas pouco explorada, nas elaborações de Gardner: o papel
das emoções. Talvez porque, como o próprio Gardner me sugeriu, o
seu trabalho seja tão acentuadamente enformado pelo modelo de
mente da ciência cognitiva. Por isso a sua visão destas inteligências
põe a tónica na cognição — a compreensão de nós mesmos e dos
outros em termos de motivos, de hábitos de trabalho e na interiorização
desse conhecimento na condução da nossa própria vida e das
nossas relações com os outros. Mas tal como no domínio da cines61

/
DANIEL GOLEMAN

tética, em que a excelência física se manifesta de uma forma não-verbal,


também o domínio das emoções se estende para além do
alcance da linguagem e da cognição.

Embora haja nas descrições que Gardner faz das inteligências


pessoais amplo espaço para uma visão aprofundada do jogo das
emoções e da maneira de geri-las, Gardner e os que com ele trabalham
não tratam em grande pormenor o papel das sensações nessas
inteligências, concentrando-se mais na cognição dos sentimentos.
Este enfoque deixa inexplorado, talvez de forma não intencional, o
rico mar das emoções que tornam a nossa vida interior e as nossas
relações tão complexas, tão absorventes e tão frequentemente confusas.
Tal como não o sonda em dois sentidos importantes, a saber:
se há inteligência nas emoções e se é possível trazer inteligência às
emoções.

A ênfase que Gardner dá aos elementos cognitivos nas inteligências


pessoais reflecte o conjunto de conceitos prevalecentes na filosofia
que enformou as suas perspectivas. A importância excessiva que
a psicologia dá à cognição mesmo no domínio das emoções deve-se,
em parte, a uma peculiaridade da história desta ciência. Em meados
deste século, a psicologia académica era dominada pelos behavioristas,
na linha de um B. F. Skinner, os quais pensavam que só o cornportamento
passível de ser observado objectivamente, do exterior,
podia ser cientificamente estudado. Deste modo, colocavam toda a
vida interior, incluindo as emoções, fora do escopo da ciência.

Depois, com o advento, em finais da década de 60, da «revolução


cognitiva», o foco da ciência psicológica voltou-se para as
maneiras como a mente regista e armazena as informações e para a
natureza da inteligência. As emoções continuavam, no entanto,
excluídas de tudo isto. A convicção geral entre os cientistas cognitivos
era de que a inteligência implica uma apreciação fria e dura
dos factos. É hiper-racional, muito à maneira de Mr. Spock de O Caminho
das Estrelas, o arquétipo da informação pura e não obnubilada
pelo sentimento, corporizando a ideia de que as emoções não
têm lugar na inteligência e só servem para turvar a nossa imagem
da vida mental.

Os cientistas cognitivistas que adoptaram este ponto de vista


deixaram-se seduzir pelo computador como modelo operativo da
mente, esquecendo que, na realidade, a rede cerebral está mergulhada
num confuso e pulsante banho de neuroquímicos, sem qualquer
relação com o esterilizado e ordenado mundo de silicone de

62
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

onde saiu a metáfora para a mente. Aos modelos predominantes


entre os cientistas cognitivistas de como a mente processa a informação
tem faltado o reconhecimento de que a racionalidade é guiada
— e muito frequentemente subjugada — pelo sentimento. O modelo
cognitivo é, neste aspecto, uma visão empobrecida da mente,
incapaz de explicar o tumulto de sentimentos que dá sabor ao intelecto.
Para poderem persistir neste ponto de vista, os próprios cientistas
cognitivistas tiveram de ignorar a relevância para a criação
dos seus modelos da mente, das suas esperanças e medos pessoais,
das suas querelas domésticas e invejas profissionais — toda essa mistura
de sentimentos que dá à vida o seu sabor e as suas urgências, e
que a cada momento influencia o modo exacto (bem ou mal) como
a informação é processada.

Esta visão científica distorcida de uma vida mental emocionalmente


plana — que tem guiado a pesquisa sobre a inteligência
durante os últimos oitenta anos — está gradualmente a alterar-se à
medida que a psicologia começa a reconhecer o papel essencial do
sentimento no pensamento. A semelhança de Data, a personagem
spockiana de O Caminho das Estrelas: a Geração Seguinte, a psicologia
vai-se apercebendo do poder e das virtudes da emoção na vida
mental, bem como dos seus perigos. Ao fim e ao cabo, tal como
Data verifica (para seu grande espanto, se conseguisse espantar-se),
a sua lógica fria não conduz a soluções humanas correctas. A nossa
humanidade é mais evidente nos nossos sentimentos; Data procura
sentir, sabendo que lhe falta algo de essencial. Quer amizade,
lealdade; como ao Homem de Lata n’O Feiticeiro de Oz, falta-lhe
um coração. Faltando-lhe o sentido do lírico que o sentimento dá,
Data é capaz de tocar música ou escrever poesia com um enorme
virtuosismo técnico, mas não de sentir-lhes a paixão. A lição de um
Data desejando desejar é a de que os valores mais elevados do coração
humano — fé, esperança, dedicação, amor — estão completamente
ausentes da visão friamente cognitiva. As emoções enriquecem;
um modelo da mente que as deixe de fora é um modelo
empobrecido.

Quando abordei com Gardner o facto de dar mais ênfase ao


pensamento sobre o sentimento, ou metacognição, que às próprias
emoções, ele reconheceu que tendia a ver a inteligência de um
ponto de vista cognitivo, mas disse-me: «A primeira vez que escrevi
a respeito das inteligências pessoais, estava a falar de emoções,
sobretudo na minha noção de inteligência intrapessoal — uma das

63
DANIEL GOLEMAN

suas componentes é sintonizarmo-los emocionalmente com nós


mesmos. São os sinais do tipo sentimento-visceral que recebemos
que são essenciais para a inteligência interpessoal. Mas à medida
que se desenvolveu na prática, a teoria da inteligência múltipla
evoluiu de modo a focar mais a metacognição», ou seja, a consciência
dos nossos próprios processos mentais, «do que a gama completa
das capacidades emocionais».

Seja como for, Gardner sabe bem da importância que essas


capacidades emocionais e de relacionamento têm nos altos e baixos
da vida. Faz notar que «muitas pessoas com QI de 160 trabalham
para pessoas com um QI de 100, quando a inteligência intrapessoal
é baixa nas primeiras e elevada nas segundas. E, no mundo do dia-a-dia,
nenhuma inteligência é tão importante como a^ntrapessoal.J
Quem não a possui escolhe invariavelmente mal com quem casar,
que emprego aceitar, e por aí fora. É preciso treinar, logo na escola,
ã inteligência intrapessoal das crianças».

AS EMOÇÕES PODEM SER INTELIGENTES?

Para conseguirmos uma compreensão mais completa do que um


tal treino poderia ser, temos de voltar-nos para outros teóricos que
seguem a liderança intelectual de Gardner, nomeadamente Peter
Salovey, um psicólogo de Yale, que cartografou com grande pormenor
os modos como podemos trazer inteligência às nossas emoções.12
Este empreendimento não é novo; ao longo dos anos, mesmo
os mais ardentes teóricos do QI tentaram ocasionalmente integrar
as emoções no domínio da inteligência, em vez de verem «inteligência»
e «emoção» como termos inerentemente contraditórios.
Assim foi que E. L. Thorndeike, um eminente psicólogo que desempenhou
igualmente um papel importante na popularização do conceito
de QI nos anos 20 e 30, propôs, num artigo publicado pela
Harpe’s Magazine, que um dos aspectos da inteligência emocional,
a inteligência «social» — a capacidade de compreender os outros e
de «agir sensatamente nos relacionamentos humanos» — era também
um aspecto do QI da pessoa. Outros psicólogos da época revelaram
ter uma visão mais cínica da inteligência social, vendo nela
um conjunto de capacidades para manipular as outras pessoas e
levá-las a fazer a nossa vontade, quer quisessem quer não. Mas
nenhuma destas duas formulações da inteligência social encontrou

64
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

grande aceitação junto dos teóricos do QI e, em 1960, um importante


texto sobre testes de inteligência declarava a inteligência
social um conceito «inútil».

A inteligência pessoal não pode, porém, ser ignorada, sobretudo


porque faz sentido, até de um ponto de vista intuitivo. Por
exemplo, quando Robert Sternberg, outro psicólogo de Yale, pediu
aos seus interlocutores que descrevessem uma «pessoa inteligente»,
as aptidões práticas contaram-se entre as características mais vezes
referidas. Uma investigação mais sistemática por parte de Sternberg
levou-o à mesma conclusão a que Thorndike já chegara: a de
que a inteligência social é distinta das capacidades académicas e
constitui uma parte crucial daquilo que faz as pessoas terem êxito
na prática da vida. Entre as inteligências práticas que são, por
exemplo, mais apreciadas no local de trabalho conta-se o tipo de
sensibilidade que permite aos gestores eficazes compreender as
mensagens tácitas.13

Nestes últimos anos, um número cada vez maior de psicólogos


chegou a conclusões idênticas, concordando com Gardner que os velhos
conceitos de QI giravam à volta de uma estreita faixa de
aptidões linguísticas e matemáticas, e que obter bons resultados nos
testes de QI constituía um bom indicador de êxito na escola ou como
professor, mas já não tanto quando se saía da vida académica. Estes
psicólogos — entre os quais se contam Sternberg e Salovey — adoptaram
uma visão mais ampla da inteligência, tentando reinventá-la
em termos daquilo que é necessário para ter êxito na vida. E essa
linha de investigação leva-nos directamente de volta à admissão da
importância crucial da inteligência «pessoal», ou emocional.

Salovey redefine as inteligências pessoais de Gardner na sua definição


básica de inteligência emocional, distribuindo essas capacidades
por cinco domínios principais:14

1. Conhecer as nossas próprias emoções. A autoconsciência —o reconhecer


um sentimento enquanto ele está a acontecer — é a
pedra-base da inteligência emocional. Como veremos no
Capítulo 4, ser capaz de controlar momento a momento as sensações
é crucial para a introspecção psicológica e o autoconhecimento.
A incapacidade de reconhecer as nossas próprias sensações
deixa-nos à mercê deles. As pessoas que têm uma certeza
maior a respeito dos seus sentimentos governam melhor as suas
vidas, tendo uma noção mais segura daquilo que realmente sen65
DANIEL GOLEMAN

tem a respeito das decisões que são obrigadas a tomar, desde com
quem casar a que emprego aceitar.

2. Gerir as emoções. Lidar com as sensações de modo apropriado é


uma capacidade que nasce do autoconhecimento. No Capítulo
5 examinaremos a capacidade de nos tranquilizarmos a nós próprios,
de afastar a ansiedade, a tristeza ou a irritabilidade e as
consequências de não possuir estas aptidão emocional básica.
As pessoas a quem falta esta capacidade estão constantemente
em luta com sensações de angústia, enquanto aquelas que a possuem
em alto grau recuperam muito mais depressa dos tombos
que a vida nos obrigas a dar.

3. Motivarmo-nos a nós mesmos. Como o Capítulo 6 demonstrará,


mobilizar as emoções ao serviço de um objectivo é essencial para
concentrar a atenção, para a automotivação, para a competência
e para a criatividade. O autocontrolo emocional — adiar a
recompensa e dominar a impulsividade — está subjacente a todo
o tipo de realizações. E ser capaz de entrar em estado de «fluidez»
permite desempenhos de grande qualidade em todas as áreas. As
pessoas que possuem esta aptidão tendem a ser mais altamente
produtivas e eficazes em tudo o que fazem.

4- Reconhecer as emoções dos outros. A empatia, outra capacidade


que nasce da autoconsciência, é a mais fundamental das «aptidões
pessoais». No Capítulo 7 investigaremos as raízes da empatia,
os custos sociais de se ser emocionalmente surdo e as razões
por que a empatia gera o altruísmo. As pessoas empáticas são
mais sensíveis aos subtis sinais sociais que indicam aquilo que os
outros necessitam ou desejam. Isto torna-as particularmente
aptas em profissões que envolvam a prestação de cuidados, o ensino,
as vendas e a gestão.

5. Gerir relacionamentos. A arte de nos relacionarmos é, em grande


medida, a aptidão para gerir as emoções dos outros. O
Capítulo 8 aborda a competência e a incompetência social, e as
aptidões específicas envolvidas. São estas capacidades que estão
na base da popularidade, da liderança e da eficácia interpessoal.
As pessoas que possuem bem desenvolvida esta capacidade
saem-se bem em tudo o que tenha a ver com interacção com
terceiros; são estrelas sociais.

Como é evidente, as pessoas diferem nas suas capacidades em


cada um destes domínios; alguns de nós poderão ser particular66
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mente hábeis em, digamos, controlar a sua própria ansiedade, mas


perfeitamente incapazes de acalmar as perturbações de terceiros.
A base subjacente ao nosso nível de aptidão é, sem a mínima dúvida,
neuronal, mas como veremos, o cérebro é notavelmente plástico,
capaz de uma aprendizagem constante. Os lapsos nas aptidões
emocionais podem ser remediados: em grande medida, cada um
destes domínios representa um corpo de hábitos e respostas que,
com o esforço adequado, pode ser melhorado.

QI E INTELIGÊNCIA EMOCIONAL: TIPOS PUROS

QI e inteligência emocional não são competências opostas;


serão antes competências separadas. Todos nós misturamos intelecto
e acuidade emocional; as pessoas com QI elevado e uma baixa
inteligência emocional (ou QI baixo e elevada inteligência emocional)
são, a despeito dos estereótipos, relativamente raras. Na realidade,
há uma ligeira correlação entre o QI e alguns aspectos da
inteligência emocional, ainda que suficientemente pequena para
deixar bem claro que se trata de duas entidades diferentes.

Ao contrário dos conhecidos testes de QI, não há por enquanto


qualquer forma de medir com papel e lápis a inteligência emocional,
e talvez nunca venha a haver. Embora exista uma ampla
investigação sobre cada um dos seus componentes, alguns deles,
como a empatia, só podem ser testados examinando a capacidade
da pessoa na tarefa propriamente dita — por exemplo, pedindo-lhe
que leia os sentimentos de alguém numa gravação em vídeo das respectivas
expressões faciais. No entanto, usando uma medição
daquilo a que chama «resiliência do ego» e que é bastante similar à
inteligência emocional (inclui as principais competências sociais e
emocionais), Jack Block, um psicólogo da Universidade da Califórnia,
em Berkeley, fez uma comparação de dois tipos puros teóricos:
pessoas com um QI elevado versus pessoas com altas aptidões
emocionais.15 As diferenças são reveladoras.

O tipo QI elevado puro (ou seja, pondo totalmente de lado a


inteligência emocional) é quase uma caricatura do intelectual,
completamente à vontade no domínio da mente mas totalmente
inepto no mundo pessoal. Os perfis diferem ligeiramente de homens
para mulheres. O homem deste tipo caracteriza-se — como
seria de esperar — por uma vasta gama de interesses e capacidades

67
DANIEL GOLEMAN

intelectuais. E ambicioso e produtivo, previsível e obstinado, imune


a preocupações com a sua própria pessoa. Tem também tendência
para ser crítico e condescendente, fastidioso e inibido, pouco à
vontade com a sexualidade e a experiência sensual, inexpressivo e
desligado, emocionalmente amorfo e frio.

Em contraste, os homens possuidores de uma elevada inteligência


emocional são socialmente ajustados, extrovertidos e alegres,
nada dados a preocupações ou ruminações sombrias. Têm uma
capacidade notável para se dedicarem a pessoas e a causas, para
assumirem responsabilidade e para terem uma perspectiva ética; são
compreensivos e carinhosos nas suas relações. A sua vida emocional
é rica, mas adequada; sentem-se bem consigo mesmos, com os
outros e com o universo social em que vivem.

As mulheres do tipo QI elevado puro têm a esperada confiança


intelectual, são fluentes na expressão dos seus pensamentos, valorizam
as questões intelectuais e têm uma vasta gama de interesses
intelectuais e estéticos. Têm também tendência para serem introspectivas,
dadas à ansiedade, à ruminação e à culpa, e hesitam em
exprimir abertamente a sua ira (embora o façam indirectamente).

As mulheres emocionalmente inteligentes, pelo contrário, tendem


a ser extrovertidas, a exprimirem abertamente os seus sentimentos
e a sentirem-se bem consigo mesmas; para elas, a vida é
cheia de significado. Como os homens, são expansivas e gregárias,
e exprimem os seus sentimentos de forma adequada (e não, por
exemplo, através de explosões de que mais tarde se arrependem);
adaptam-se bem ao stress. O seu à-vontade social permite-lhes contactar
facilmente com novos conhecidos: sentem-se suficientemente
confiantes para serem brincalhonas, espontâneas e abertas às
experiências sensuais. Ao contrário das mulheres tipo QI elevado
puro, raramente sentem ansiedade ou culpa, ou se deixam mergulhar
em ruminações.

Estes retratos são, evidentemente, extremos — todos nós temos


misturados QI e inteligência emocional em diversos graus. Mas oferecem-nas
uma visão instrutiva daquilo com que cada uma destas
dimensões contribui separadamente para as capacidades da pessoa.
Na medida em que toda a gente possui simultaneamente inteligência
cognitiva e inteligência emocional, estes dois retratos fundem-se.
No entanto, das duas, a inteligência emocional é aquela que
mais contribui para as qualidades que nos tornam plenamente
humanos.

68
4
Conhece-te a Ti Mesmo
Conta um velho conto japonês que, certo dia, um aguerrido
amurai desafiou um mestre de zen a explicar-lhe os conceitos de Céu
e Inferno. Mas o monge respondeu-lhe, trocista: «Não passas de um
estúpido e eu não posso perder tempo com gente da tua laia!»

Ofendido na sua honra, o samurai encheu-se de raiva e, puxando


da espada, gritou: «Podia matar-te pela tua impertinência!»
«Isto», replicou calmamente o monge, «é o Inferno». Sobressaltado
ao ver a verdade naquilo que o mestre lhe dizia a respeito da fúria
que o dominava, o samurai acalmou-se, devolveu a espada à bainha
e fez uma vénia, agradecendo ao monge aquela lição. «E isso», disse
o monge, «é o Céu.»

O súbito despertar do samurai para o seu próprio estado de


agitação ilustra a diferença crucial entre ser-se apanhado por uma
vaga de sensações e tomar consciência de que se está a ser arrastado
por ela. A injunçjiojdeJkScrates «Conhece-te a ti mesmo»
refere-se a esta pedra angular da inteligência emocional: a consciência
dos nossos próprios sentimentos no instante em que eles
ocorrem.

Poderia parecer à primeira vista que os nossos sentimentos são


óbvios; uma reflexão mais cuidada traz-nos seguramente à memória
alturas em que estávamos totalmente alheios ao que sentíamos a
respeito de determinada coisa, ou só mais tarde nos apercebemos
desses sentimentos. Os psicólogos usam uma «palavrão», metacognição,
para significarem a consciência das próprias emoções. Eu prefiro
o termo autoconsciência, no sentido de uma atenção continuada
dada aos nossos estados íntimos.1 Nessa consciência auto- reflexiva,
a mente observa e investiga ela própria as experiências, incluindo
as emoções^

Esta qualidade de consciência é semelhante àquilo que Freud


descreve como uma «atenção discreta e constante», e que recomenda
àqueles que desejam praticar a psicanálise. Uma tal atenção observa
com imparcialidade tudo o que passa pela consciência, como

69
DANIEL GOLEMAN

uma testemunha interessada mas não-interveniente. Alguns psicanalistas


chamam-lhe o «ego observador», a capacidade de autoconsciência
que permite ao analista observar as suas reacções àquilo que
o paciente lhe diz, e que o processo de livre associação alimenta no
paciente.3

Poder-se-ia pensar que uma tal autoconsciência exigiria um


neocórtex activado, particularmente as áreas da linguagem, sintonizado
para identificar e nomear as emoções descritas. Mas a autoconsciência
não é uma atenção que se deixe arrastar pelas emoções,
exagerando e amplificando aquilo que percebe. E antes um estado
neutral que mantém activa a auto-reflexão mesmo no meio das
emoções mais turbulentas. William Styron parece descrever algo
parecido com esta faculdade da mente quando escreve a respeito da
sua profunda depressão, falando da sensação de «ser acompanhado
por um segundo eu, um observador fantasmagórico que, sem partilhar
a demência do seu duplo, é capaz de ficar a ver com uma curiosidade
desapaixonada enquanto o seu companheiro se debate».4

No seu melhor, a auto-observação permite precisamente este


tipo de consciência imparcial dos sentimentos mais apaixonados ou
turbulentos. No mínimo, manifesta-se simplesmente como um
ligeiro afastamento da experiência, uma linha de consciência paralela
que é «meta»: pairando por cima ou perto do fluxo principal,
consciente do que se está a passar mas não imersa e perdida nos
acontecimentos. É a diferença entre, por exemplo, estar capaz de
matar alguém e ter este pensamento reflexivo «É raiva o que estou
a sentir», mesmo enquanto se está furioso. Em termos dos mecanismos
neuronais da consciência, esta subtil mudança de actividade
mental significa provavelmente que os circuitos neocorticais estão
a acompanhar activamente a emoção, um primeiro passo para se
conseguir um pouco de controlo. Esta consciência das emoções é_a
competência emocional básica sobre a qual todas as outras, incluindocTautocarro
emocional, se constróem.

Autoconsciência, em resumo, significa «ter consciência tanto


do nosso estado de espírito como dos nossos pensamentos a respeito
desse estado de espírito», nas palavras de John Mayer, o psicólogo
da Universidade de New Hampshire que, juntamente com Peter
Salovey, foi um dos co-formuladores da teoria da inteligência emocional.5
A autoconsciência pode ser uma vigilância dos estados íntimos,
mas uma vigilância que não reage nem julga. Mayer pensa, no
entanto, que esta sensibilidade pode também ser menos imparcial.

70
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Os pensamentos típicos que denunciam a autoconsciência emocional


incluem «Não devia sentir-me assim», «Estou a pensar em coi’
sas agradáveis para me animar» e, num tipo de autoconsciência
mais restrita, o fugidio pensamento «Não penses nisso» como
reacção a qualquer coisa altamente perturbadora.

Embora haja uma diferença lógica entre ter consciência dos


sentimentos e agir no sentido de alterá-los, Mayer pensa que, para
todos os efeitos práticos, as duas coisas andam geralmente a par:
reconhecer um estado de espírito negativo é querer ver-se livre
dele. Este reconhecimento é, todavia, diferente dos esforços que
fazemos para nos impedirmos de agir sob a influência de impulsos
emocionais. Ao dizermos «Pára com isso!» a uma criança cuja ira a
levou a agredir um companheiro de brincadeiras, podemos impedir
a agressão, mas não eliminar a emoção que a provocou. Os pensamentos
da criança continuam fixos naquilo que desencadeou a fúria
— «Mas ele roubou o meu brinquedo!» — e a ira continua lá. A
autoconsciência tem um efeito mais poderoso sobre sensações fortes,
de aversão: a admissão «É raiva o que estou a sentir» proporciona
um grau muito maior de liberdade — não apenas a opção de não
agir levado por esse sentimento, mas a opção adicional de tentar
livrar-se dele.

Mayer pensa que as pessoas se distribuem por três grupos principais


na maneira como enfrentam e lidam com as suas próprias
emoções:6

• Autoconscientes. Conscientes dos seus estado de espírito à medida


que eles ocorrem, estas pessoas têm comprensivelmente alguma
sofisticação nas suas vidas emocionais. A clareza com que
analisam as suas próprias emoções pode sublinhar outros traços
da personalidade: são autónomas e seguras dos seus próprios
limites, têm uma boa saúde psicológica e tendem a encarar a
vida de uma maneira positiva. Quando caem num estado de
espírito negativo, não ficam obcecadas e são capazes de libertar-se
rapidamente dele. Em resumo, a sua capacidade de estar
atentas ajuda-as a controlar as emoções.

• Imersas. São pessoas que se deixam frequentemente avassalar


pelas emoções e são incapazes de escapar-lhes, como se os seus
estados de espírito assumissem o comando. São instáveis e não
muito conscientes dos seus próprios sentimentos, de modo que
se perdem neles em vez de manterem alguma perspectiva. Em

71
DANIEL GOLEMAN

consequência disto, pouco fazem para tentar escapar aos estados


de espírito negativos, sentindo que não têm controlo sobre a sua
vida emocional. Sentem-se frequentemente submersas e emocionalmente
descontroladas.

Aceitantes. Embora estas pessoas estejam com frequência claramente


conscientes daquilo que sentem, têm também tendência
para aceitar os estados de espírito tais como lhes vêem e nada
fazem para modificá-los. Parece haver dois ramos do tipo aceitante:
aqueles que estão normalmente bem-dispostos e não sentem
por isso necessidade de mudar, e aqueles que, apesar de
verem claramente o que está a acontecer-lhes, caem frequentemente
em estados de espírito negativos mas nada fazem para
contrariá-los, aceitando-os passivamente — um padrão que se
encontra, por exemplo, entre as pessoas deprimidas que se resignaram
ao seu desespero.

O APAIXONADO E O INDIFERENTE

Imagine por um instante que está a bordo de um avião voando


de Nova Iorque para São Francisco. Tem sido um voo agradável,
mas, quando se aproximam das Rochosas, o comandante avisa pelo
intercomunica dor: «Senhoras e senhores, temos alguma turbulência
pela frente. Por favor, voltem aos vossos lugares e apertem os
cintos de segurança.» Pouco depois o avião entra na zona de turbulência,
que é a pior por que já alguma vez passou, o aparelho é sacudido
de baixo para cima e de um lado para o outro como uma
bola de praia ao sabor das ondas.

A questão é: o que é que faz? É o tipo de pessoa que volta a


mergulhar no livro ou na revista que estava a ler, continua a ver o
filme, desligando da turbulência? Ou é o género de pegar no folheto
de emergência para reler as instruções, ou de pôr-se a observar as
hospedeiras de bordo para ver se mostram quaisquer sinais de pânico,
ou de esforçar-se por ouvir os motores para se certificar de que
tudo está bem?

Qual destas respostas nos ocorre mais naturalmente constitui


uma indicação da nossa atitude «atencional» em situações de tensão.
O próprio cenário do avião foi retirado de um teste desenvolvido
por Suzanne Miller, uma psicóloga da Temple University, para
avaliar se uma pessoa tende a ser vigilante, cuidadosamente atenta

72
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

a todos os pormenores da situação de perigo, ou se, pelo contrário,


prefere lidar com a ansiedade procurando distrair-se. Estas duas atitudes
face ao perigo têm consequências muito diferentes para a
maneira como as pessoas experienciam as suas próprias reacções
emocionais. Aqueles que, sob tensão prestam atenção a tudo
podem, pelo simples facto de estarem tão concentrados, amplificar
involuntariamente a magnitude das suas próprias reacções, especialmente
se essa concentração não for acompanhada pela imparcialidade
da autoconsciência. O resultado é que as suas emoções
parecem tornar-se muito mais intensas. Os que desligam, que procuram
distrair-se, dão menos atenção às suas próprias reacções, e
deste modo minimizam a experiência da sua resposta emocional,
senão o volume dessa mesma resposta.

Nos extremos, isto significa que para algumas pessoas a emocionalidade


é avassaladora, enquanto para outras quase não existe.
Consideremos o caso do estudante universitário que, certa noite,
detectou um fogo no exterior do dormitório, foi buscar um extintor
e apagou o incêndio. Nada de extraordinário — excepto que, enquanto
foi buscar o extintor e regressou para apagar o fogo, este
jovem caminhou normalmente, em vez de correr. A razão? Não lhe
pareceu que houvesse grande urgência.

Esta história foi-me contada por Edward Diener, um psicólogo


da Universidade do Illinois, em Urbana, que se tem dedicado ao
estudo da intensidade com que as pessoas vivem as suas emoções.7
O tal estudante destacava-se na sua colecção de casos como um dos
menos intensos que Diener tinha alguma vez encontrado. Era,
essencialmente, uma homem sem paixões, alguém que atravessa a
vida sentindo pouco ou nada, mesmo em relação a uma emergência
como um incêndio.

Por contraste, consideremos agora o caso de uma mulher que se


situa no extremo oposto do espectro de Diener. Quando, certa vez,
perdeu a sua caneta favorita, andou perturbada durante dias. Noutra
ocasião, ficou tão excitada ao ver o anúncio de um grande saldo
de sapatos de senhora numa conhecida sapataria de luxo que largou
o que estava a fazer, meteu-se no carro e conduziu durante três
horas até Chicago.

Diener é de opinião que as mulheres, de um modo geral, sentem


tanto as emoções positivas como as negativas mais intensamente
que os homens. E, diferenças sexuais à parte, a vida emocional é
mais rica para aqueles que reparam mais. Por alguma razão, esta

73
t
DANIEL GOLEMAN

sensibilidade emocional acrescida significa que, para essas pessoas,


a mais pequena provocação desencadeia verdadeiras tempestades
emocionais, sejam elas celestiais ou infernais, ao passo que os que
se situam na outra extremidade quase não sentem qualquer espécie
de emoção, mesmo nas circunstâncias mais terríveis.

O HOMEM QUE NÃO TINHA SENTIMENTOS

Gary enfurecia a sua noiva, Ellen, porque, embora fosse um homem


inteligente e atencioso, e um brilhante cirurgião, era emocionalmente
insípido, totalmente insensível a toda e qualquer manifestação
de sentimento. Embora soubesse falar eloquentemente a
respeito de ciência ou de arte, quando se tratava dos seus sentimentos
— mesmo em relação a Ellen — remetia-se ao silêncio. Por mais
que a noiva se esforçasse por arrancar-lhe o mais pequeno sinal de
emoção, Gary permanecia impassível, alheado. «Não expresso
naturalmente os meus sentimentos», disse ao terapeuta que finalmente
consultou, por insistência de Ellen. No respeitante à vida
emocional, acrescentou, «fico sem saber o que dizer; não tenho sentimentos
fortes, positivos ou negativos».

Ellen não era a única a sentir-se frustrada por esta impassividade


de Gary; conforme ele próprio confidenciou ao terapeuta, era
incapaz de falar a respeito dos seus sentimentos fosse com quem
fosse. A razão: nem sequer ele próprio sabia o que sentia. Tanto quanto
pudesse dizer, não tinha fúrias, nem tristezas, nem alegrias.8

Como o próprio terapeuta observa, esta ausência total de emoção


faz de Gary, e de outros como ele, indivíduos sem cor, amorfos:
«Aborrecem toda a gente. E por isso que as mulheres os mandam
tratar-se.» A insipidez emocional de Gary exemplifica aquilo a que
os psiquiatras chamam(akxitimiaJdo grego a- para «falta de», kxis
para «palavra» e thymos para «emoção». Estas pessoas não têm palavras
para exprimir os seus sentimentos. Na realidade, parece até
nem terem sentimentos, embora isto possa dever-se ao facto de se”rêrrHncapazés
de exprimir emoção e não uma ausência de emoções
propriamente ditas. Este tipo de pessoas foi descoberto pelos psicanalistas
intrigados por uma classe de pacientes que eram intratáveis
por aquele método porque não referiam quaisquer sentimentos ou
fantasias, apenas sonhos descoloridos — em suma, não tinham
qualquer espécie de vida emocional a respeito da qual fosse possível

74
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

falar.9 As características clínicas que definem o alexitímico incluem


ter dificuldade em descrever sentimentos — os seus próprios ou de
terceiros — e um vocabulário emocional acentuadamente limitado.10
Mais, têm dificuldade em discriminar emoções, bem como distinguir
emoções de sensações corporais, de modo que podem Talar
de sentir borboletas no estômago, palpitações, suores sem saBerenj
que estão a sentir-se ansiosos.

«Dão a impressão de serem diferentes, seres alienígenas, vindos


de um mundo completamente diferente e vivendo no meio de uma
sociedade que é dominada pelos sentimentos», é a descrição feita
pelo Dr. Peter Sifneos, psiquiatra de Harvard que, em 1972, cunhou
o termo alexitimia.” Os alexitímicos raramente choram, por exemplo,
mas quando o fazem as suas lágrimas são copiosas. No entanto
ficam sem saber o que dizer quando se lhes pergunta porque estão a
chorar. Uma paciente com alexitimia ficou tão perturbada depois
de ter visto um filme a respeito de uma mulher com oito filhos que
estava a morrer de cancro que chorou até adormecer. Quando o terapeuta
lhe sugeriu que talvez tivesse ficado naquele estado por o
filme lhe lembrar a sua própria mãe, que estava efectivamente a
morrer de cancro, a mulher permaneceu imóvel, atordoada e silenciosa.
Quando o terapeuta lhe perguntou, então, como se sentia, ela
respondeu «pessimamente», mas não foi capaz de clarificar os seus
sentimentos para além disto. Acrescentou, no entanto, que de vez
em quando dava por si a chorar, mas sem nunca saber exactamente
porque chorava.12

E é aqui que reside o cerne do problema. Não é que os alexitímicos


nunca sintam, mas que são incapazes de saber — e em especial
incapazes de descrever — precisamente que sensações têm.
São profundamente deficientes nessa aptidão fundamental da inteligência
emocional que é a autoconsciência: sabermos o que sentimos
no momento em que as emoções se agitam dentro de nós. Os
alexitímicos desafiam a convicção generalizada de que aquilo que
sentimos é perfeitamente evidente: a verdade é que não fazem a
mais pequena ideia. Quando alguma coisa — ou mais provavelmente
alguém — os leva ao sentimento, acham a experiência confusa
e perturbadora, algo que é preciso evitar a todo o custo. Os sentimentos
chegam-lhes, quando chegam, como um estonteante
fardo de angústias; como disse a doente que chorou por causa do
filme, sentem-se «pessimamente», mas não sabem dizer exactamente
como nem porquê.

75
DANIEL GOLEMAN

Esta confusão básica a respeito dos sentimentos parece conduzilos


frequentemente a queixarem-se de vagos problemas médicos
quando o que na verdade os aflige é um mal emocional — um fenómeno
conhecido em psiquiatria por somatização ou seja, tomar
uma doença emocional por uma doençaTísica (o que é diferente da
doença psicossomática, em que os problemas emocionais provocam
genuínos probtemãs médicos). Grande parte do interesse dos psiquiatras
nos alexitímicos gira a volta da necessidade de distingui-los
e separá-los daqueles que procuram o médico em busca de ajuda,
pois dão geralmente origem a demoradas — e infrutíferas — buscas
de um diagnóstico e um tratamento médicos para aquilo que é na
realidade um problema emocional.

Embora ninguém saiba, por enquanto, quais são exactamente as


causas da alexitimia, o Dr. Sifneos propõe uma desconexão entre o
sistema límbico e o neocórtex, especialmente ao nível dos seus centros
verbais, uma explicação que se enquadra bem como o que vamos
descobrindo a respeito do cérebro emocional. Pacientes sujeitos
a ataques graves aos quais essa ligação foi cirurgicamente
cortada para aliviar os sintomas, nota Sifneos, tornam-se emocionalmente
secos, como as pessoas que sofrem de alexitimia, incapazes
de traduzir os seus sentimentos em palavras e subitamente despojados
de fantasia. Em resumo, embora os circuitos do cérebro
emocional possam reagir às sensações, o neocórtex torna-se incapaz
de distinguir essas sensações e de acrescentar-lhes a nuance da palavra.
Como Henry Roth observava no seu romance Call ít Sleep a
respeito deste dom da palavra, «Se conseguias pôr em palavras aquilo
que sentias, era teu.» O corolário, evidentemente, é o dilema dos
alexitímicos: não ter palavras para as sensações significa não ser
capaz de assumir como essas sensações. ” ~~

EM LOUVOR DO SENTIMENTO VISCERAL

O tumor de Elliot, que lhe crescia mesmo por detrás da testa, tinha
o tamanho de uma laranja pequena; a cirurgia removeu-o
completamente. Embora a operação tenha sido considerada um
êxito, depois dela as pessoas que o conheciam começaram a dizer
que Elliot já não era Elliot — sofrera uma mudança de personalidade
drástica. Outrora um advogado bem sucedido, Elliot tornou-se
incapaz de se manter num lugar. A mulher deixou-o. Tendo desba76
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ratado as suas poupanças em investimentos infrutíferos, ficou reduzido


a viver no quarto de hóspedes em casa de um irmão.

Havia algo de estranho em todo este problema de Elliot.


Intelectualmente, continuava tão brilhante como sempre, mas fazia
um péssimo uso do seu tempo, deixando-se enredar em pormenores
sem importância; parecia ter perdido toda a noção das prioridades.
As reprimendas não faziam o mínimo efeito; foi despedido de uma
série de empregos. Embora aturados testes intelectuais nada tivessem
encontrado de errado com as suas faculdades mentais, foi mesmo
assim procurar um neurologista, na esperança de que a descoberta
de qualquer problema neurológico lhe conseguisse o subsídio
de deficiência a que se julgava com direito. Caso contrário, a conclusão
parecia ser de que era apenas mais um mandrião a querer
viver à custa da assistência social.

António Damásio, o neurologista que Elliot consultou, notou a


falta de um elemento no repertório mental de Elliot: embora tudo
estivesse certo com a sua lógica, memória, atenção e outras faculdades
cognitivas, Elliot parecia não ter praticamente sentimentos em
relação a tudo o que lhe acontecera.13 Sobretudo, era capaz de narrar
os trágicos acontecimentos da sua vida de uma forma perfeitamente
desapaixonada, como se fosse apenas um espectador daquelas
perdas e derrotas do seu passado, sem o mais pequeno sinal de
pena ou tristeza, frustração ou raiva face à injustiça da vida. A sua
própria tragédia não lhe causava qualquer dor; Damásio ficou mais
impressionado com a história de Elliot que o próprio Elliot.

A origem desta inconsciência emocional, concluiu Damásio,


fora a remoção, juntamente com o tumor, de uma parte dos lóbulos
pré-frontais de Elliot. com efeito, a cirurgia cortara as ligações
entre os centros inferiores do cérebro emocional, especialmente a
amígdala e os circuitos relacionados, e as capacidades pensadoras do
neocórtex. O pensamento de Elliot tornara-se «computadorizado»,
capaz de efectuar todos os passos no cálculo de uma decisão, mas
incapaz de atribuir valores às diferentes possibilidades. Todas as
opções eram neutras. E era este raciocínio totalmente desapaixonado
que, na opinião de Damásio, se encontrava na origem dos problemas
de Elliot: demasiado pouca consciência dos seus próprios
sentimentos a respeito das coisas originava um raciocínio deficiente.

Esta deficiência revelava-se até nas decisões mais corriqueiras.


Quando Damásio tentou escolher um dia e uma hora para a consulta
seguinte, o resultado foi uma indecisão total: Elliot arranjava

77
DANIEL GOLEMAN

argumentos a favor e contra cada dia e hora que Damásio propunha,


mas não era capaz de escolher nenhum. Ao nível racional,
havia razões perfeitamente válidas para aprovar ou rejeitar praticamente
qualquer altura possível para a consulta. Mas Elliot não
tinha a mínima noção de como se sentia relativamente a qualquer
das datas. Faltando-lhe essa consciência dos seus próprios sentimentos,
não tinha preferências absolutamente nenhumas.

Uma das lições a tirar desta indecisão de Elliot é o papel crucial


que o sentimento desempenha na nossa navegação através da interminável
sequência de decisões a que a vida nos obriga. Se é verdade
que os sentimentos demasiado fortes podem causar o caos no
raciocínio, a falta de consciência dos sentimentos pode ser igualmente
ruinosa, especialmente quando temos de pesar as decisões de
que o nosso futuro largamente depende: que carreira seguir, se permanecer
num emprego seguro ou mudar para outro mais arriscado
mas mais interessante, com quem namorar e com quem casar, onde
viver, que casa ou apartamento alugar ou comprar, e por aí fora ao
longo de toda a vida. Estas decisões não podem ser bem tomadas
tendo por base a racionalidade pura; exigem uma espécie de sentimento
visceral, e a sabedoria emocional recolhida em experiências
passadas. A lógica formal por si só nunca poderá ser a base para decidir
com quem casar, em quem confiar ou sequer que emprego aceitar;
estes são domínios onde a razão sem sentimento se mostra cega.

Os sinais intuitivos que nos guiam nesses momentos aparecem-nos


sob a forma de impulsos límbicos vindos «das vísceras» e a que
Damásio chama «balizadores somáticos» — literalmente, sentimentos
viscerais. O balizador somático é uma espécie de alarme automático
que tipicamente nos chama a atenção para um potencial
perigo decorrente de uma dada linha de acção. As mais das vezes,
estes balizadores afastávamos de uma qualquer escolha que a experiência
nos diz ser prejudicial, mas também podem alertar-nos para a
chamada oportunidade de ouro. Habitualmente não conseguimos, na
altura, definir exactamente que experiências específicas dão origem
ao sentimento negativo: tudo o que precisamos é do sinal de que uma
determinada linha de acção pode ser desastrosa. Sempre que um sentimento
visceral se manifesta, podemos abandonar imediatamente ou
prosseguir com mais confiança o curso que seguíamos, e deste modo
reduzir a nossa variedade de escolhas a uma matriz de decisão mais
tratável. A chave para tomar boas decisões pessoais é, em suma: dar
ouvidos aõslíõssõsséntimentõs. ~~” ~~~ ”” ” *

78
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

SONDANDO O INCONSCIENTE

O vazio emocional de Elliot sugere que talvez haja um espectro,


uma gama de aptidão para as pessoas sentirem as suas emoções à
medida que as têm. Pela lógica da neurociência, se a ausência de um
circuito neuronal leva ao défice de uma aptidão, então a relativa
força ou fraqueza desse circuito em pessoas cujos cérebros estejam
intactos deverá conduzir a níveis de competência correspondentes
nessa mesma aptidão. Em termos do papel dos circuitos pré-frontais
na sintonia emocional, isto sugere que, por razões neurológicas,
alguns de nós são capazes de detectar mais facilmente que outros os
impulsos do medo ou da alegria, sendo, consequentemente, mais
emocionalmente auto conscientes.

Pode ser que a apetência para a introspecção psicológica dependa


desses mesmos circuitos. Alguns de nós estarão naturalmente
mais sintonizados com os modos simbólicos da mente emocional: a
metáfora e o sorriso, juntamente com a poesia, a canção e a fábula,
expressam-se todos na linguagem do coração. Tal como os sonhos
e os mitos, nos quais são as associações livres que determinam o
fluxo da narrativa, obedecendo à lógica da mente emocional.
Aqueles que têm uma sintonia natural com a voz do seu próprio
coração — a li^ua^ejtri_^la_«noçjí)j— jsão com certeza mais capazèTHê
articular as suas mensagens, quer seja como romancistas, poetas
ou psicoterapeutas. Esta sintonia interior há-de torná-los mais
dotados para dar voz à «sabedoria do inconsciente» — os significados
sentidos dos nossos sonhos e fantasias, os símbolos que substanciam
os nossos desejos mais profundos.

A autoconsciência é fundamental para a introspecção psicológica:


é esta faculdade que a maior parte da psicoterapia tem como objectivo
reforçar. O modelo de Howard Gardner para a inteligência intrapsíquica
é Sigmund Freud, o grande cartógrafo das dinâmicas secretas
da psique. Como Freud deixou bem claro, grande parte da nossa
vida emocional é inconsciente; os sentimentos que se agitam dentro
de nós nem sempre ultrapassam o limiar da consciência. A verificação
empírica deste axioma psicológico é-nos dada, por exemplo,
através de experiências sobre emoções inconscientes, como a notável
descoberta de que as pessoas formam predilecções bem definidas
por coisas que nem sequer têm consciência de já ter visto antes. Uma
emoção pode ser — e frequentemente é — inconsciente.

79
DANIEL GOLEMAN

O início fisiológico de uma emoção ocorre tipicamente antes de


a pessoa se aperceber conscientemente do próprio sentimento. Por
exemplo, quando se mostram fotografias de cobras a uma pessoa que
tem medo desses animais, os sensores colocados na pele detectam a
produção de suor, sinal de ansiedade, embora a pessoa afirme não
sentir qualquer espécie de medo. O suor aparece nestas pessoas
mesmo quando a fotografia da cobra é mostrada tão rapidamente
que nem sequer têm tempo para se aperceber conscientemente daquilo
que viram, quanto mais sentirem-se ansiosas. A medida que
estas agitações emocionais pré-conscientes se vão acumulando, acabarn
por tornar-se suficientemente fortes para subirem ao nível da
consciência. Há, pois, dois níveis de emoção: consciente e inconsciente.
O momento em que uma emoção atinge o nível da consciência
assinala o seu registo como tal no córtex frontal.14

As emoções que vão fervilhando abaixo do limiar da consciência


podem ter um impacte poderoso na maneira como percebemos
e reagimos, embora não tenhamos qualquer ideia de que estão em
acção. Tomemos_o caso de alguém que fica aborrecido por ter tido
um mau encontro logo no começo do dia e depois se mostra irritadiço
durante horas, ofendendo-se por tudo e por nada e zangando-se
com os outros sem qualquer verdadeira razão. Pode perfeitamente
acontecer que essa pessoa nem sequer se aperceba da sua continuada
irritabilidade e até fique surpreendida se alguém lhe chamar
a atenção para o facto, embora ela esteja a fervilhar abaixo da sua
consciência e a ditar-lhe o comportamento. Mas desde que esta
reacção seja trazida ao nível do consciente — uma vez registada no
’cõftêx”— a pessoa pode avaliar as coisas a uma nova luz, decidir
libertar-se dos maus sentimentos nascidos no início do dia, e mudar
completamente a sua maneira He ver o mundo. Neste sentido, a
autoconsciência emocional é o material de base para o próximo
componente fundamental da inteligência emocional: ser capaz de
se libertar de um estado de espírito negativo.

80
7
i

5
Escravos da Paixão
Tufaste (...)

Porque sempre, desgraçado ou feliz, recebeste com

igual semblante os prémios e os reveses da fortuna (...)

Dá-me um homem que não seja escravo das suas paixões,

E eu trá-h-ei no fundo do meu coração, sim

No coração do meu coração

Como a ti (...).

— HAMLET AO SEU AMIGO HORÁCIO

O sentido do autodomínio, o ser capaz de resistir às tempestades


emocionais que as sacudidelas da Fortuna traz consigo, em vez de
ser «escravo das paixões», é considerado uma virtude desde os tempos
de Platão. A antiga palavra grega para o definir era sophrosyne,
«cuidado e inteligência na condução da própria vida; um equilíbrio
temperado de sabedoria», como Page DuBois, um erudito grego, a
traduz. Os Romanos e a Igreja cristã primitiva chamavam-lhe temperantia,
temperança, a contenção dos excessos emocionais. O objectivo
é o equilíbrio, não a supressão emocional: todos os sentimentos
têm o seu valor e significado. Uma vida sem paixão seria
um triste deserto de neutralidade, separado e isolado das riquezas da
própria vida. Mas, tal como Aristóteles observou, o que se pretende
é emoção apropriada, sentimentos proporcionais às circunstâncias.
Quando as emoções são demasiado abafadas, criam monotonia
e distância; quando escapam ao controlo, quando são excessivamente
extremas e persistentes, tornam-se patológicas, como uma
depressão ímobilizadora, uma ansiedade esmagadora, uma raiva
TúTiosa, uma agitação maníaca.

Controlar as emoções perturbadoras é a chave para o bem-estar


emocional; os extremos — emoções que se manifestam demasiado
intensamente ou durante demasiado tempo — minarn~a nossa estar
bilidade. Não que devamos, evidentemente, sentir apenas um tipo
de emoção. Ser sempre feliz sugere de alguma maneira a «moleza»
um tanto bacoca daqueles emblemas com rostos sorridentes que, na

81
DANIEL GOLEMAN

América, conheceram uma breve moda nos anos 70. O sofrimento


pode dar uma contribuição muito positiva para uma vida criativa
e espiritual; como os antigos diziam, o sofrimento tempera a alma.

Os altos e baixos dão sabor à vida, mas precisam de ser equilibrados.


Nos cálculos do coração, é a relação entre emoções positivas
e negativas que determina o sentimento de bem-estar — pelo
menos este é o veredicto de estudos sobre os estados de espírito
levados a cabo com centenas de homens e mulheres aos quais era
dado um «beeper» que, a intervalos aleatórios, os avisava com um
sinal sonoro para que registassem num pequeno caderno as emoções
que sentiam nesse momento.’ Não é que seja necessário às
pessoas evitarem todos os sentimentos desagradáveis para se sentirem
contentes; o que é preciso impedir é que os sentimentos tumultuosos
corram à solta, expulsando todos os estados de espírito
agradáveis. As pessoas que têm fortes episódios de fúria e depressão
podem mesmo assim sentir-se bem desde que consigam contrapor-lhes
um conjunto igualmente intenso de experiências alegres ou
felizes. ”Estes estudos afirmam igualmente a independência das
inteligências emocional e académica, encontrando pouca ou nenhuma
relação entre notas obtidas ou o QI e o bem-estar emocional
das pessoas.

Tal como há na mente um constante murmúrio de fundo de


pensamentos, também há uma presença permanente de emoções; às
seis da manhã ou às sete da tarde, toda a gente está sempre numa
ou noutra disposição de espírito; claro que, em quaisquer duas dadas
manhãs, a mesma pessoa pode estar com humores muito diferentes;
mas fazendo a média a estes estados de espírito ao longo de semanas
ou meses, acaba por ser possível determinar o estado geral da
pessoa. Acontece que, para a maior parte das pessoas, os sentimentos
extremamente intensos são relativamente raros; a maioria de
nós enquadra-se na gama média, com altos e baixos pouco acentuados
na nossa montanha-russa emocional.

Em todo o caso, gerir as nossas emoções é um trabalho a tempo


inteiro; grande parte do que fazemos, sobretudo nos tempos livres,
é uma tentativa para controlar o nosso estado de espírito. Tudo,
desde ler um romance ou ver televisão até às actividades que desenvolvemos
e às companhias que escolhemos, pode ser uma maneira
de nos fazermos sentir melhor. A arte denos acalrnarmos anósmesmos
é uma habilidade fundamentãl^ãjvida; alguns pensadores psi’canalíticos,
còmo^fõEn Tiowlby e D. W. Winnicott, vêem-na como

82
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

uma das mais essenciais de todas as ferramentas psíquicas. A teoria


postula que as crianças emocionalmente saudáveis aprendem a
acalmar-se a si próprias tratando-se a si mesmas como os pais as tratavam,
o que as deixa menos vulneráveis às comoções do cérebro
emocional.

Como vimos, o design do cérebro significa que muitas vezes


temos pouco ou nenhum controlo sobre quando somos invadidos
pela emoção, ou sobre qual será essa emoção. Mas temos alguma
coisa a dizer a respeito de quanto tempo a emoção em causa vai
durar. A questão não se põe com as variedades «sazonais» de tristeza,
preocupação ou ira; normalmente, estas emoções passam com
tempo e paciência. Mas quando estas emoções são muito intensas e
perduram para além do ponto apropriado, acabam por revestir as
suas formas extremas — ansiedade crónica, raiva incontrolável, ,

depressão. E, nos casos mais severos e intratáveis, pode tomar-se I

necessário o recurso à medicação ou à psicoterapia, ou a ambas.

Nos nossos dias, um sinal da capacidade de auto-regulação emo- |

cional poderá ser reconhecer quando uma agitação crónica do cé- ]

rebro emocional é demasiado forte para poder ser controlada sem ’

ajuda farmacológica. Por exemplo, dois terços das pessoas que j

sofrem de afecções maníaco-depressivas não recebem qualquer tra- ]

tamento. No entanto, o lítio ou outros medicamentos ainda mais


recentes quebram o ciclo de depressão paralisante alternada com j

episódios maníacos que misturam uma euforia caótica e a mania das ; |* {]

grandezas com irritação e raiva. Um dos problemas desta doença é ! |

que enquanto o paciente está dominado pela mania sente-se fre- J

quentemente tão confiante que não vê necessidade de qualquer ” j

espécie de ajuda, mal-grado a decisão desastrosa que está a tomar. |

Neste tipo de desordem emocional grave, a medicação psiquiátrica i

oferece uma boa ferramenta para ajudar a gerir melhor a vida. ,: íj

Quando, porém, se trata de dominar o leque mais comum de ^A

maus humores, estamos por nossa própria conta. Infelizmente, isso WÊ

nem sempre é o suficiente, ou pelo menos foi essa a conclusão a que M

chegou Diane Tice, uma psicóloga de Case Western Reserve Uni- , Jj


versity, que perguntou a mais de quatrocentos homens e mulheres í»’

que estratégias utilizavam para escapar ao mau humor, e quantas ’ j

vezes essas estratégias resultavam.2 f 1

Nem toda a gente concorda com a premissa filosófica de que um

mau estado de espírito deve ser mudado; há, descobriu Tice, os «pu- :

ristas do estado de espírito», os cerca de 5 por cento de pessoas que

83
DANIEL GOLEMAN

dizem que nunca tentam modificar o seu estado de espírito, uma vez
que, na sua maneira de ver, todas as emoções são «naturais» e
devem ser vividas tal como se apresentam, por muito deprimentes
que sejam. E depois há aqueles que procuram periodicamente pôrse
de mau humor por razões pragmáticas: médicos que precisam de
um ar sombrio para dar uma má notícia a um doente; activistas
sociais que alimentam a sua raiva contra a injustiça para poderem
combatê-la mais eficazmente; inclusivamente um jovem que disse
acumular fúria para melhor ajudar o irmão mais novo a enfrentar os
«rufiões» do recreio. E algumas pessoas que eram positivamente
maquiavélicas na maneira como manipulavam os estados de espírito:
veja-se o caso dos cobradores de contas que se enfureciam propositadamente
de modo a serem mais firmes com os caloteiros.3
Mas, exceptuando estes raros cultores do desagradável, a maior parte
das pessoas queixava-se de estar à mercê dos seus humores. A capacidade
das pessoas de sacudir a má disposição revelou-se, segundo
Tice, decididamente irregular.

ANATOMIA DA RAIVA

Suponhamos que_alguém noutro carro se atravessa subitamente


à sua frente quando segue por uma estrada. Se o seu pensamento
reflexo é «Aquele filho da mãe!», tem muita importância para a
trajectória da raiva saber se esse pensamento é seguido por outros
de revolta e vingança: «Por pouco batia-me! O sacana... não há-de
ficar-se a rir!» Os nós dos seus dedos ficam brancos devido à força
com que agarra o volante, com vontade de estrangular o malandro
Ijue lhe pregou aquele susto. O seu corpo mobiliza-se para a luta,
não para a fuga, deixando-o a tremer, com gotas de suor a escorrerem-lhe
da testa, o coração a bater, os músculos do rosto contraídos
numa careta. Quer matar aquele tipo. Então, se o carro que vai atrás
buzina porque entretanto você abrandou,_a sua raiva está pronta a
explodir também contra esse condutor. E esta a matéria-prima da
hipertensão, da condução perigosa e até de cenas de tiros.

Compare esta sequência de raiva acumulada com uma linha de


pensamento mais caridosa relativamente ao condutor que se meteu
à sua frente: «Talvez não me tenha visto, ou talvez tenha uma boa
razão para conduzir daquela maneira, como uma emergência médica.»
Esta linha de possibilidades tempera a raiva com piedade, ou

84
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

pelo menos com um espírito aberto, interrompendo a espiral de


fúria. O problema, como o desafio de Aristóteles a respeito de termos
apenas a ira apropriada nos recorda, é que as mais das vezes perdemos
o controlo da nossa irritação. Benjamin Franklin disse-o
melhor que ninguém: «A fúria tem sempre uma razão, mas raramente
uma boa razão.»

Há, evidentemente, diferentes espécies de ira. A amígdala pode


bem ser a principal fonte da súbita explosão de fúria que sentimos
contra o condutor cuja falta de cuidado nos pôs em perigo. Mas a
outra extremidade do circuito emocional, o neocórtex, fomenta
provavelmente outras iras mais calculadas, como a fria vingança ou
o ressentimento contra a deslealdade ou a injustiça. Estas raivas
pensadas são as que têm mais probabilidades de, na palavras de
Franklin, «terem uma boa razão», ou pelo menos parecerem ter.

Pe todos os estados de espírito a que as pessoas procuram escapar,


a raiva parece ser o mais intransigente; Tice descobriu que a ira
é o sentimento que as pessoas têm mais dificuldade em controlar.
Efectivamente, a ira é a mais sedutora das emoções negativas; o
monólogo autojustificativo interior que a alimenta enche a mente
com os argumentos mais convincentes para lhe dar largas. Ao contrário
da tristeza, a raiva dá energia, é excitante. Os poderes sedutores
e persuasivos da ira talvez expliquem por si só por que razão
alguns pontos de vista a seu respeito são tão comuns: que a ira é
incontrolável, ou que, de qualquer modo, não deve ser controlada,
e que dar vazão à ira em «catarse» é o melhor que se pode fazer. Um
ponto de vista contrastante, talvez numa reacção contra a sombria
imagem dos outros dois, defende que a ira pode ser totalmente evitada.
Mas uma leitura cuidadosa dos resultados das investigações
mostra-nos que qualquer destas atitudes comuns relativamente à ira
está errada.4

A sequência de pensamentos de fúria que atiça a ira é também


potencialmente a chave para uma das melhores maneiras de a desactivar:
minar as convicções que a alimentam. Quanto mais tempo
ficarmos a ruminar a respeito daquilo que nos enfureceu, mais «boas
razões» e auto justifka^õ^s^onseguimosjnventarjara dar largas à
nossa ira. Remoer alimenta as chamas da ira. Mas ver as coisas de
um ponto de vista diferente, abafa essas chamas. Tice descobriu que
reformular uma situação de forma mais positiva e”um dos remédios
mais potentes para acabar com a ira.

85
DANIEL GOLEMAN

A «onda» de raiva

Esta descoberta enquadra-se bem nas conclusões de Dolf Zillmann,


psicólogo da Universidade de Alabama, que, numa longa
série de cuidadosas experiências, fez medições precisas da ira e da
anatomia da raiva.5 Dadas as raízes da ira na componente «luta»
da resposta luta-ou-fuga, não espanta que Zillmann tenha descoberto
que um desencadeado universal da ira é a sensação de estar em
perigo. Este estar em perigo pode não ser representado apenas por
uma ameaça física evidente mas também, como as mais das vezes
acontece, por uma ameaça simbólica ao amor-próprio ou à dignidade:
ser tratado injusta ou rudemente, ser insultado ou humilhado,
ficar frustrado na persecução de um objectivo importante. Estas
percepções funcionam como o disparador de um impulso límbico
que tem um efeito duplo no cérebro. Uma parte desse impulso é a
libertação de catecolaminas, que geram uma rápida e episódica descarga
de energia, suficiente para «uma dose de acção vigorosa»,
como diz Zillmann, «como na resposta luta-ou-fuga». Esta vaga de
energia prolonga-se por alguns minutos, durante os quais prepara
o corpo para uma boa luta ou uma fuga rápida, dependendo de
como o cérebro emocional avalia a oposição.

Entretanto, outra onda originada na amígdala, mais duradoura


do que a vaga de energia provocada pelas catecolaminas, percorre o
ramo supra-renal-cortical do sistema nervoso, criando uma situação
geral de preparação para a acção. Esta excitação supra-renal e cortical
generalizada pode durar horas ou mesmo dias, mantendo o
cérebro emocional num estado de alerta especial e tornando-se a
base sobre a qual as reacções subsequentes podem construir-se com
particular rapidez. De um modo geral, esta condição de «alerta
máximo» provocada pela excitação supra-renal-cortical explica por
que razão as pessoas se enfurecem mais facilmente se já foram provocadas
ou levemente irritadas por qualquer outra coisa. O stress de
qualquer género origina este tipo de excitação, baixando o limiar
daquilo que dispara a ira. Assim, uma pessoa que teve um mau dia
no emprego está particularmente vulnerável a deixar-se irritar mais
tarde, quando chega a casa, por qualquer coisa que, em circunstâncias
normais, não seria suficientemente importante para desencadear
um sequestro emocional.

Zillmann chegou a estas conclusões a respeito da ira através de


uma cuidadosa experimentação. Num estudo típico, por exemplo,
pediu a um «cúmplice» que provocasse os homens e as mulheres

86
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

que se tinham oferecido como voluntários para a experiência fazendo


comentários desdenhosos a seu respeito. Em seguida, os voluntários
assistiam a um filme agradável ou a um filme perturbador.
Mais tarde, era-lhes dada a oportunidade de se vingarem do «cúmplice»
fazendo uma avaliação que, pensavam eles, pesaria na decisão
sobre se a pessoa em causa devia ou não ser contratada.
A intensidade da retaliação era directamente proporcional ao nível
de excitação provocado pelo filme que acabavam de ver; mostravam-se
sempre mais zangadas depois de verem o filme desagradável,
e davam as piores notas.

A ira gera ira

Os estudos de Zillmann parecem explicar os mecanismos em


funcionamento num drama doméstico comum que testemunhei
certo dia quando andava às compras. No corredor do supermercado,
soou a voz enfática e comedida de uma jovem mãe dirigindo-se
ao filho, com cerca de três anos:

— Põe... isso... onde... estava!

— Mas eu quero! — choramingou o miúdo, agarrando ainda


com mais força a caixa de cereais «tartarugas ninja».

— Põe isso onde estava! — Mais forte, desta vez, num torn mais
zangado.

Nesse momento, o bebé instalado no carrinho das compras deixou


cair o frasco de geleia que estava a tentar meter na boca.
Quando o frasco se estilhaçou no chão, a mãe gritou:

— Chega! — E, numa fúria, deu uma palmada no bebé, arrancou


a caixa de cereais da mão do miúdo e enfiou-a na prateleira
mais próxima, agarrou o garoto pela cintura e afastou-se corredor
fora, com o carro das compras a balançar perigosamente à sua frente,
o bebé a chorar, o filho mais velho a espernear furiosamente e a
exigir:

— Põe-me no chão! Põe-me no chão!

Zillmann descobriu que quando o corpo já está numa situação de


tensão, como era o caso daquela mãe, e alguma coisa desencadeia
um processo de sequestro emocional, a emoção subsequente, seja ela
ira ou ansiedade, é particularmente intensa. É esta dinâmica que
funciona quando alguém se enfurece. Zillmann vê a escalada da ira
como «uma sequência de provocações, cada uma das quais provoca

87
DANIEL GOLEMAN

uma resposta de excitação que se dissipa lentamente». Nesta sequência,


cada sucessivo pensamento ou percepção provocador de ira
torna-se um minidisparador de vagas de catecolaminas por parte da
amígdala, cada uma das quais se vai somando ao ímpeto hormonal
das que a precederam. Surge uma segunda antes que a primeira se
tenha dissipado, a esta vem juntar-se uma terceira, e assim por diante;
cada vaga vai sobrepor-se às anteriores, fazendo subir rapidamente
o nível de excitação fisiológica do corpo. Um pensamento que
surja numa fase mais tardia desta acumulação desencadeia uma
intensidade de ira muito maior que um outro que apareça logo no
início. A ira gera ira; o cérebro emocional aquece. Ê então que a
raiva, não temperada pela razão, estoura facilmente em violência.

Neste ponto, as pessoas tornam-se implacáveis e impermeáveis


a qualquer espécie de argumentação; os seus pensamentos giram à
volta do desejo de vingança e de represálias, sem quererem saber
das consequências. Este alto nível de excitação, diz Zillmann, «gera
uma ilusão de poder e invulnerabilidade que pode inspirar e facilitar
a agressão», quando a pessoa enfurecida, «faltando-lhe o aconselhamento
cognitivo», reverte às mais primitivas das respostas.
O impulso límbico é ascendente; as mais duras lições da brutalidade
da vida tornam-se guias de acção.

Um bálsamo para a ira

Considerando esta análise da anatomia da raiva, Zillmann vê


duas maneiras principais de intervir. Um modo de despoletar a ira
é enfrentar e desafiar os pensamentos que desencadeiam os impulsos
de fúria, uma vez que é a avaliação original de uma interacção
que confirma e encoraja a primeira explosão de ira, e as avaliações
subsequentes que avivam as chamas. Aqui o tempo é importante;
quanto mais cedo a intervenção surgir, mais eficaz se torna. Na realidade,
é possível interromper completamente o ciclo se a informação
mitigadora vier antes de a pessoa agir com base no seu
impulso de fúria.

O poder da compreensão para anular a ira resulta claramente de


uma outra experiência de Zillmann, na qual um assistente mal
educado (um «cúmplice») insultava e provocava os voluntários que
estavam a fazer exercício numa bicicleta fixa. Quando era dada aos
voluntários a oportunidade de retaliar contra este assistente mal88
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

-educado (também neste caso fazendo uma avaliação que seria supostamente
utilizada na consideração da sua candidatura a um
emprego), faziam-no com uma alegria feroz. Mas, numa outra versão
da experiência, um segundo «cúmplice» entrava na sala depois
de os voluntários terem sido provocados mas antes de terem tido

oportunidade de retaliar. Este segundo experimentador dizia ao pri- :ml

meiro que tinha um telefonema no vestíbulo. O primeira saía, diri- ^P

gindo também ao colega um comentário provocador. O experimentador


B, no entanto, não se zangava, explicando aos voluntários
que o outro andava sob grande tensão, por causa dos exames que se
avizinhavam. Depois disto, os zangados voluntários, quando lhes
era dada a possibilidade de retaliar contra o «mal-educado», abstinham-se
de fazê-lo; em vez disso, expressavam compaixão pela
situação em que se encontrava.

Este tipo de informação mitigadora permite uma reavaliação


dos acontecimentos que provocaram a ira. Mas há uma janela de
oportunidade específica para este tipo de acção calmante. Segundo

Zillmann, funciona bem nos níveis moderados de ira; nos níveis ^

mais elevados, deixa de fazer efeito por causa daquilo a que chama _^B.

«inabilitação cognitiva»; por outras palavras, as pessoas já não É^^l

estão capazes de pensar correctamente. Quando a pessoa está já ’^^^P

muito zangada, afasta a informação mitigadora com um «Olha que J^l

pena!», ou mesmo com «as mais fortes vulgaridades que a língua in- ||^^^|

glesa tem para oferecer», como Zillmann diz delicadamente. ^^^H

Deixar arrefecer
Uma vez, quando tinha 13 anos, num ataque de fúria, saí de
casa prometendo nunca mais lá voltar. Estava um belo dia
de Verão, e eu afastei-me para bastante longe, caminhando por
belos caminhos orlados de flores, até que, pouco a pouco, a beleza
e a tranquilidade foram-me acalmando, e passadas algumas horas
regressei a casa, arrependido e quase derretido. Desde esse dia,
quando me zango, faço a mesma coisa, sempre que posso e, quanto
a mim, é a melhor cura.

Este é o relato de um sujeito de uma das primeiras experiências


científicas sobre a ira, levada a cabo em 1899.6 Ainda hoje se mantém
como um bom modelo da segunda maneira de eliminar a ira:

89
DANIEL GOLEMAN

arrefecer fisiologicamente, deixando passar a onda num ambiente


onde não seja provável encontrar novas provocações. Numa discussão,
por exemplo, isto significa afastar-se da outra pessoa por
algum tempo. Durantejj período de arrefecimento, a pessoa zangada
pode travar o ciclo de pensamentos hostis procurando distracções.
A distracção, afirma Zillmann, é uma poderosa ferramenta
para alterar os estados de espírito, por uma razão muito simples:
é difícil continuar zangado quando estamos a passar um pedaço
agradável. O truque, evidentemente, é deixar a raiva arrefecer o
suficiente para podermos passar um pedaço agradável, para
começar.

A análise de Zillmann sobre o modo como a ira cresce e diminui


explica muitas das descobertas de Diane Tice sobre as estratégias
que as pessoas normalmente dizem utilizar para acalmar a raiva.
Uma destas estratégias que parece ser relativamente eficaz é ficar
sozinho enquanto se arrefece. Uma grande proporção de homens
traduz isto por ir dar uma volta de carro, uma descoberta que nos dá
motivos para pensar quando andamos na estrada (e que, segundo
Tice me revelou, a inspirou a conduzir mais defensivamente).
Talvez uma alternativa mais segura seja ir dar um longo passeio a pé;
o exercício activo sempre ajudou a dominar a ira. Igualmente eficazes
são os métodos de relaxamento, como a respiração profunda e a
relaxação muscular, talvez porque mudam a fisiologia do corpo do
elevado nível de excitação provocado pela ira para um baixo nível
de excitação, e talvez também porque distraem a pessoa das razões
que começaram por provocar a ira. O exercício activo pode arrefecer
a ira por mais ou menos as mesmas razões: após os alto níveis de
activação fisiológica durante o exercício, quando este termina o
corpo reverte automaticamente a um baixo nível de excitação.

O_p_eríodo_de_arrefecimento não funcionará, porém, se a pessoa


o aproveitar para prosseguir com a sequência de pensamentos indutores
de ira, uma vez que cada um desses pensamentos é em si
mesmo um minidisparador para novas cascatas de raiva. O poder da
”distracção reside precisamente no facto de interromper esta sequência
de pensamentos de ira. No seu inquérito às estratégias das pessoas
para lidar com a ira, Tice descobriu que as distracções, de um
modo geral, ajudam a atingir esse resultado: a TV, os filmes, ler,
etc, interferem com os pensamentos de ira que atiçam a raiva. Mas,
segundo Tice descobriu, fazer coisas como ir às compras ou comer
não resolve nada; é perfeitamente fácil continuar indignadamente

90
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

zangado enquanto se deambula por um centro comercial ou se


come uma fatia de bolo de chocolate.

A estas estratégias vêm somar-se as desenvolvidas por Redford


Williams, psicólogo da Duke University, que procurou ajudar as
pessoas agressivas — que correm um risco acrescido de sofrer de
doenças cardíacas — a controlarem a sua irritabilidade.7 Uma das
suas recomendações é utilizar a autoconsciência e não deixar fugir
os pensamentos cínicos ou hostis no momento em que aparecem, e
escrevê-los num papel. Uma vez capturados desta maneira, os pensamentos

agressivos podem ser examinados e reavaliados, embora,


conforme Zillmann descobriu, esta abordagem funcione melhor
antes de a ira se ter transformado em raiva.

A falácia da ventilação ....- -f-m

Enquanto me acomodo no banco do meu táxi, em Nova Iorque,


um jovem que se prepara para atravessar a rua pára diante do
veículo, à espera de uma aberta no trânsito. Impaciente por arrancar,
o motorista buzina-lhe e faz-lhe sinal para sair da frente. A resposta
é uma careta e um gesto obsceno.

«Seu filho da mãe!», grita-lhe o motorista, fazendo arranques


ameaçadores com o carro pisando o acelerador e o travão ao mesmo
tempo. Face a esta ameaça letal, o jovem afasta-se relutantemente,
desferindo um grande murro no carro quando este consegue finalmente
entrar na corrente de tráfego. O motorista replica com uma
série de invectivas o mais explícitas possível.

A medida que nos afastamos, o condutor, ainda visivelmente


agitado, volta-se para mim e diz-me: «Não se pode aturar merdas a
ninguém. É preciso gritar com eles... pelo menos faz-nos sentir
melhor!»

A catarse — dar vazão à fúria — é por vezes apresentada como


uma boa maneira de lidar com a ira. A teoria popular afirma que
«nos faz sentir melhor». Mas, como as descobertas de Zillmann parecem
sugerir, há um argumento contra a catarse. Surgiu pela primeira
vez nos anos 50, quando os psicólogos começaram a testar
experimentalmente os efeitos da catarse e verificaram que dar vazão
à fúria pouco ou nada contribui para acalmá-la (ainda que, devido à
natureza sedutora da ira, possa causar satisfação).8 Pode haver algumas
condições específicas sob as quais dar vazão à ira resulta: quan91
DANIEL GOLEMAN

do a acção é directamente dirigida contra a pessoa que é o alvo da


raiva, quando restaura uma sensação de controlo ou repara uma
injustiça, ou quando inflige um «mal apropriado» à outra pessoa e
a leva a corrigir um comportamento ofensivo sem retaliar. Mas
devido à natureza incendiária da ira, isto pode ser mais fácil de dizer
que de fazer.9

Tice descobriu que dar vazão à ira é uma das piores maneiras
de acalmar: as explosões de fúria aumentam tipicamente o estado
de excitação do cérebro, deixando a pessoa a sentir-se mais zangada,
e não menos. Tice descobriu que quando as pessoas lhe falavam
das vezes que tinham desabafado a sua ira contra a pessoa que
a provocara, o resultado líquido era prolongar esse estado de espírito,
e não eliminá-lo. Muito mais eficaz era quando as pessoas
primeiro se deixavam arrefecer, e só depois, já de uma maneira
mais construtiva e positiva, confrontavam o seu oponente para
resolver a discussão. Como certa vez ouvi Chogyam Trungpa, um
professor tibetano, responder quando lhe perguntaram qual era a
melhor maneira de lidar com a ira: «Não a suprimir. Mas não agir
levado por ela.»

ACALMAR A ANSIEDADE: QUEM, EU, PREOCUPADO?

Oh, não! O escape está com um barulho esquisito... E se tiver


de levá-lo à oficina?... Não posso suportar a despesa... Terei de ir
buscar dinheiro ao fundo para a universidade do Jamie... E se não
puder pagar aos explicadores?... Aquelas más notas da semana
passada... E se ele não consegue entrar para a universidade?...
O escape está com um barulho esquisito...

E assim a mente preocupada anda às voltas num interminável


ciclo de melodrama caseiro, em que um conjunto de preocupações
conduz a outro, e a outro, para depois tudo voltar ao princípio.
O exemplo acima foi oferecido por Lizabeth Roemer e Thomas
Borkovec, psicólogos da Universidade Estadual da Pensilvânia, cuja
investigação sobre a preocupação — o âmago de toda a ansiedade
— elevou o tópico da arte neurótica a ciência.10 Não há, é claro,
nada a dizer quando a preocupação resulta; remoendo um problema
— isto é, recorrendo à reflexão construtiva, que pode ter muitas
semelhanças com a preocupação — chega-se muitas vezes à

92
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

solução. A reacção subjacente à preocupação é a vigilância relativamente


a perigos potenciais que, ao longo da evolução, foi sem
dúvida essencial para a sobrevivência. Quando o medo faz disparar
o cérebro emocional, parte da ansiedade resultante fixa a atenção
na ameaça presente, forçando a mente a concentrar-se no que tem
de fazer para enfrentá-la e a ignorar tudo o mais, pelo menos de
momento. A preocupação é, de certa maneira, um ensaio daquilo
que pode correr mal e de como lidar com o caso; a tarefa da preocupação
é descobrir uma solução positiva para os perigos da vida,
antecipando-os antes que eles se manifestem.

A dificuldade está nas preocupações crónicas, repetitivas, do


género das que se reciclam constantemente e não chegam sequer
perto de uma solução positiva. Uma análise atenta da preocupação
crónica sugere que ela tem todos os atributos de um sequestro emocional
de baixa intensidade: as preocupações parecem vir do nada,
são incontroláveis, geram um fundo constante de ansiedade, são
inacessíveis à razão e prendem a pessoa numa visão única e inflexível
do tópico que a~preocupa. Quando este mesmo ciclo de preocupação
se intensifica e persiste, passa a confundir-se com os verdadeiros
sequestros neuronais, as doenças ansiosas: fobias, obsessões e
compulsões, ataques de pânico. Em cada uma destas doenças, a preocupação
fixa-se de uma maneira diferente; para o fóbico, as ansiedades
concentram-se na situação temida; para o obcecado, fixam-se
em impedir alguma calamidade receada; nos ataques de pânico, as
preocupações podem fixar-se no medo de morrer ou na própria
perspectiva de ter um ataque.

Em todas estas condições, o denominador comum é o facto de a


preocupação ter escapado ao controlo. Por exemplo, uma mulher
que estava a ser tratada a um estado de obsessão compulsiva tinha
uma série de rituais que ocupavam a maior parte das suas horas de
vigília: duches de quarenta e cinco minutos várias vezes por dia, lavar
as mãos durante cinco minutos vinte e mais vezes por dia. Nunca
se sentava sem primeiro ter esfregado o assento com álcool para esterilizá-lo.
Nunca tocava numa criança ou num animal — eram ambos
«demasiado sujos». Todas estas compulsões eram motivadas pelo seu
pavor aos germes; receava constantemente que se não tomasse todas
aquelas precauções podia apanhar uma doença e morrer.”

Uma outra mulher que recebia tratamento a uma «desordem


ansiosa generalizada» — expressão que na nomenclatura dos psiquiatras
significa alguém que está constantemente preocupado —

93
DANIEL GOLEMAN

respondeu ao pedido de preocupar-se em voz alta durante um minuto


da seguinte maneira:

Talvez não consiga fazer isto como deve ser. Talvez isto saia tão
artificial que não dê qualquer indicação a respeito da realidade, e
nós temos de chegar à realidade... Porque se não chegarmos à realidade,
não poderei curar-me. E se não conseguir curar-me nunca
poderei ser feliz.12

Nesta magnífica exibição do que é uma pessoa preocupar-se


com estar preocupada, o pedido de preocupar-se durante um minuto
deu origem, em escassos segundos, à contemplação de uma tragédia
perpétua. «Nunca poderei ser feliz.» As preocupações seguem
tipicamente esta linha, uma narrativa que a pessoa faz a si mesma e
que vai saltando de medo em medo até acabar por incluir a imaginação
de alguma terrível tragédia. As preocupações expressam-se
quase sempre no ouvido dajmente, e_não no olRõ — fsTxTeTãEravés
dTpinâ’vrãTê~hão de imagens —, um facto que tem importância na
maneira de controlá-las.

Borkovec e os seus colegas começaram a estudar a preocupação


per se quando tentavam encontrar um tratamento para a insónia.
A ansiedade, tinham observado outros investigadores, apresenta-se
sob duas formas: cognitiva, ou pensamentos preocupados, a somática,
os sintomas fisiológicos da ansiedade, como a sudação, a aceleração
do ritmo cardíaco, a tensão muscular. O principal problema
das pessoas que sofriam de insónia, descobriu Borkovec, não era a
excitação somática. O que as mantinha acordadas eram os pensamentos
intrusivos. Tratava-se de preocupados crónicos, pessoas que
não conseguiam deixar de preocupar-se, por muito sono que tivessem.
A única coisa que conseguia ajudá-las a dormir era desviarlhes
o espírito das preocupações, concentrando-o em vez disso nas
sensações produzidas por um método de relaxação. Em resumo, era
possível pôr fim às preocupações transferindo a atenção para outra
coisa qualquer.

A maior parte dos preocupados não é, no entanto, capaz de fazê-lo.


A razão, pensa Borkovec, tem a ver com uma gratificação parcial
da preocupação, que tem uma grande influência no reforçar do
hábito. Há, ao que parece, algo de positivo nas preocupações: as
preocupações são maneiras de lidar com ameaças potenciais, com
perigos que podem deparar-se-nos. O trabalho de nos preocuparmos

94
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

— quando resulta — é ensaiar o que esses perigos são, e reflectir


sobre maneiras de lidar com eles. Mas a preocupação não funciona
assim tão bem. Novas soluções e novas maneiras de enfrentar um
problema não resultam tipicamente da preocupação, especialmente
da preocupação crónica. Em vez de encontrarem soluções para
esses potenciais problemas, os preocupados limitam-se geralmente
a remoer os problemas propriamente ditos, mergulhando-se a si
mesmos, de forma atenuada, no medo que lhes está associado, sem
saírem da mesma linha de pensamento. Os preocupados crónicos
preocupam-se com uma enorme variedade de coisas, a maior parte
das quais não tem quase probabilidades de acontecer; vêem na jornada
da vida perigos em que os outros nem sequer reparam.

No entanto, alguns preocupados crónicos confessam a Borkovec


que preocuparem-se os ajuda, e que as suas preocupações são ciclos
intermináveis e autoperpetuadores de pensamentos eivados de
angústia. Porque haverá a preocupação de tornar-se algo equivalente
a uma viciação mental? Estranhamente, tal como Borkovec
observa, o hábito de preocupar-se reforçar-se a si mesmo, no mesmo
sentido em que as superstições também o fazem. Uma vez que as
”pessoas se preocupam com coisas que têm uma probabilidade muito
fraca de vir efectivamente a acontecer — um ente querido morrer
num desastre de avião, ficarem arruinadas, e coisas assim — há
nisto, pelo menos para o cérebro límbico, algo de mágico. Como
um amuleto que afasta um mal antecipado, a_P_reocuDação, psicologicamente,
tem o mérito de evitar o perigo que constitui o objecto
da sua obsessão.

O trabalho de preocupar-se
Tinha-se mudado do Midwest para Los Angeles, atraída por
um lugar numa editora. Mas pouco depois a editora foi comprada
por uma outra maior, e ela viu-se sem emprego. Fez-se então escritora
em regime livre, mas, dada a irregularidade do mercado, tão
depressa se encontrava assoberbada de trabalho como sem dinheiro
para pagar a renda. Muitas vezes tinha de racionar os telefonemas,
e pela primeira vez na sua vida via-se sem um seguro de saúde.
Esta falta de segurança era particularmente perturbadora: deu por
si a imaginar cenários catastróficos em termos de saúde, cada dor
de cabeça era sinal de um tumor no cérebro, via-se envolvida em

95
DANIEL GOLEMAN

terríveis acidentes de viação sempre que tinha de conduzir. Perdiase


frequentemente em longos devaneios de preocupações, numa
infinidade de desgraças. Mas, conforme afirmou, achava as preocupações
quase viciantes.

Borkovec descobriu um outro benefício inesperado da preocupação.


Enquanto as pessoas estão mergulhadas nas suas preocupações,
parecem não se aperceber das sensações subjectivas de ansiedade
que essas preocupações provocam — o coração que bate mais
depressa, a transpiração, os tremores — e à medida que a preocupação
prossegue parece inclusivamente suprimir alguma dessa ansiedade,
pelo menos a que se reflecte no ritmo cardíaco. A sequência
é provavelmente mais ou menos esta: o preocupado detecta qualquer
coisa que desencadeia a imagem de um perigo ou ameaça
potenciais; esta catástrofe imaginada desencadeia por sua vez um
leve ataque de ansiedade. O preocupado mergulha então numa
longa série de pensamentos negativos, cada um dos quais traz ao
espírito um novo tópico de preocupação; continuando a atenção a
ser arrastada por sua sequência de preocupações, o simples facto de
concentrar-se nesses pensamentos desvia a mente da imagem catastrófica
que começou por provocar ãTãnsTêdãde. As imagens, descobriu
Borkovec, são desencadeadores mais potentes da ansiedade
fisiológica que os pensamentos, de modo que a imersão em pensamentos,
ao excluir as imagens catastróficas, atenua parcialmente a
experiência de estar ansioso. E, nesta medida, a preocupação consolida-se,
como uma espécie de antídoto parcial para a ansiedade
que começou por provocar.

As preocupações crónicas, no entanto, são também perniciosas


na medida em que assumem a forma de ideias rígidas, estereotipadas,
e não de cenários criativos que contribuam para a solução do
problema. Esta rigidez não se revela unicamente no conteúdo
manifesto do pensamento preocupado, que simplesmente repete
uma e outra vez mais ou menos as mesmas ideias. A um nível neurológico,
parece haver também uma rigidez cortical, um défice na
capacidade do cérebro emocional de responder com flexibilidade à
alteração das circunstâncias. Em resumo, a preocupação crónica
resulta de algumas maneiras, mas não de outras, mais consequenciais:
alivia um pouco a ansiedade, mas não resolve o problema.

A única coisa que os preocupados não podem fazer é seguir o


conselho que tantas vezes lhes dão: «Deixa de te preocupares» (ou,

96

V
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

pior ainda «Não te rales, Sê feliz»). Uma vez que as preocupações


crónicas parecem ser episódios de baixa intensidade da amígdala,

aparecem sem ser convidados. E, pela sua própria natureza, persistem


depois de terem acedido à mente. Mas, após muitas experiências,
Borkovec descobriu alguns passos simples que podem ajudar a
maior parte dos preocupados crónicos a controlar a sua habituação.

O primeiro passo é a autoconsciência, apanhar os episódios de


preocupação tão perto do seu início quanto possível — idealmente,
logo ou imediatamente depois de a fugidia imagem catastrófica ter
desencadeado o ciclo preocupação-ansiedade. Borkovec treina as
pessoas nesta abordagem começando por ensiná-las a detectar os
indícios da ansiedade, sobretudo a identificar as situações que
Hêsencãdeiam a preocupi^ãoTlxi os pensamentos fugazes e as imagens
que a iniciam, bem como as sensações físicas de ansiedade que
i acompanham. com prática, as pessoas conseguem identificar as
preocupações num ponto cada vez mais recuado na espiral de ansiedade.
As pessoas aprendem igualmente métodos de relaxamento
que podem utilizar no momento em que detectam o início da preocupação,
e passam a praticá-los diariamente de modo a poderem
usá-los imediatamente, no momento em que mais precisam deles.

Os métodos de relaxação, no entanto, não bastam por si só. Os


preocupados precisam igualmente de enfrentar os seus próprios pensamentos
de preocupação, sem isto, a espiral de preocupação continuará
a tentar formar-se. O passo seguinte é, portanto, adoptar uma
atitude crítica relativamente às suas próprias suposições: será muito
provável que o acontecimento temido venha realmente a ocorrer?
Será necessariamente verdade que há apenas uma ou nenhuma alternativa
a deixá-lo acontecer? Haverá quaisquer passos construtivos
que possam ser dados? Servirá realmente para alguma coisa estar a
remoer estes mesmos pensamentos ansiosas vezes sem conta?

Esta combinação de consciência do facto e de cepticismo salutar


funciona, presumivelmente, como um travão à activação neuronal
que está subjacente à ansiedade de baixa intensidade. Gerar
activamente estes pensamentos pode reforçar os circuitos que inibem
a tendência límbica para a preocupação; ao mesmo tempo,
induzir deliberadamente um estado de relaxamento contraria o sinal
de ansiedade que o cérebro emocional está a enviar para todo
o corpo.

Segundo Borkovec, estas estratégias estabelecem uma linha de


actividade mental que é incompatível com a preocupação. Quando

97

^
DANIEL GOLEMAN

se deixa uma preocupação repetir-se uma e outra vez sem ser


confrontada, ela ganha uma carga de poder persuasivo; desafiá-la
considerando a possibilidade de uma série de outros pontos de vista
igualmente plausíveis impede que esse único pensamento preocupado
seja ingenuamente tomado pela verdade. Mesmo pessoas cuja
preocupação é suficientemente grave para merecer tratamento psiquiátrico
têm encontrado algum alívio desta maneira.

Por outro lado, no caso de pessoas com episódios de preocupação


tão graves que degeneram em fobias, desordens obsessivas^compulsivas
e desordens de pânico, pode ser prudente — ser até
um sinal de autoconsciência — recorrer à medicação para interromper
o ciclo. Continua, no entanto, a ser necessário um retreinamento
dos circuitos emocionais através da terapia, a fim de reduzir
a possibilidade de as desordens ansiosas recorrerem uma vez
terminada a medicação.13

LIDAR com A MELANCOLIA

O estado de espírito que as pessoas mais se esforçam por sacudir


é a tristeza: Diane Tice descobriu que as pessoas se mostram
particularmente inventivas quando se trata de escapar à depressão.
Claro que nem toda a tristeza deve ser evitada: a melancolia, como
todos os outros estados de espírito, tem as suas vantagens. A tristeza
que uma perda traz tem certos efeitos invariáveis: inibe o nosso
interesse em diversões e prazeres, fixa a atenção naquilo que se perdeu
e mina a nossa energia para iniciar novos empreendimentos,
pelo menos durante algum tempo. Em resumo, força uma espécie de
retirada reflexiva das actividades da vida, deixando-nos num estado
de suspensão para chorar a perda, meditar no seu significado e,
finalmente, fazer os ajustamentos psicológicos necessários e os novos
planos que permitirão à nossa vida prosseguir.

A consternação é útil; a depressão não. William Styron faz-nos


uma eloquente descrição das «muitas e terríveis manifestações da
doença», entre as quais se contam o ódio contra si mesmo, uma
sensação de inutilidade, uma «sombria tristeza que se apodera de
mim, uma sensação de medo e alienação, e, sobretudo, uma ansiedade
sufocante».14 Depois, há as marcas intelectuais: «Confusão,
incapacidade de focar a mente e lapsos de memória» e, num estádio
posterior, a mente «dominada por distorções anárquicas» e «a

98
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

I
sensação de os meus processos mentais serem engolfados por uma
vaga tóxica e incontrolável que obliterava toda e qualquer resposta
agradável às experiências da vida». Há ainda os efeitos físicos:
insónia, uma apatia de zombie, «uma espécie de dormência, uma
fraqueza, mas muito especialmente uma estranha fragilidade», juntamente
com uma «inquieta agitação». Há a perda do prazer: «A comida,
como tudo o mais que tivesse a ver com sensações, era cornpletamente
desprovida de sabor.» Finalmente, havia o fim de toda
a esperança à medida que «o nevoeiro cinzento do horror» se
transformava num desespero tão palpável que era como uma dor física,
uma dor tão insuportável que só o suicídio parecia ser a
solução.

Numa depressão desta magnitude, a vida fica paralisada; nenhum


novo começo é possível. Os próprios sintomas da depressão
falam de uma vida em suspenso. No caso de Styron, não havia
medicação ou terapia que conseguisse ajudar; foi a passagem do
tempo e o refugio num hospital que finalmente venceram o desânimo.
Mas para a maior parte das pessoas, sobretudo aqueles com
casos menos graves, a psicoterapia pode ajudar, tal como a medicação
— o Prozac é o tratamento da moda, mas há mais de uma
dúzia de outros compostos que obtêm bons resultados, especialmente
nas depressões profundas.

O que aqui pretendo abordar é a muito mais comum tristeza


que, nos seus limites superiores se torna, tecnicamente falando,
uma «depressão subclínica» — ou seja, a vulgar melancolia. Tratase
de uma gama de abatimento que a pessoa pode enfrentar sozinha,
desde que tenha os recursos interiores. Infelizmente, a maior parte
das estratégias mais frequentemente utilizadas podem ter efeitos
contraproducentes, deixando a pessoa a sentir-se pior do que se sentia.
Uma dessas estratégias é simplesmente ficar sozinho, o que
parece frequentemente sedutor quando a pessoa se sente em baixo;
as mais das vezes, no entanto, o máximo que isto consegue é acrescentar
à tristeza uma sensação de solidão e isolamento. Talvez isto
explique em parte a razão por que Tice descobriu que uma das tácticas
mai^populares para combater a depressão é conviver: ir jantar
fora, assistir a um jogo ou a um filme, em suma, fazer qualquer coisa
com os amigos ou com a família. Isto resulta bem se o efeito líquido
for desviar o espírito da pessoa da sua tristeza. Mas só serve para
prolongar o estado de espírito se o tempo for aproveitado para ficar
a remoer as causas que o atiraram para a fossa.

99
DANIEL GOLEMAN

Um dos aspectos que mais detenninam se um estado de espírito


deprimido vai persistir ou aliviar é o grau a que a pessoa rumina as
suas desgraças. Pensar naquilo que nos deprime torna, ao que parece,
a depressão mais intensa e prolongada. Na depressão, a preocupação
assume diversas formas, todas elas focadas num ou noutro
aspecto da própria depressão: como nos sentimos cansados, como
temos tão pouca energia ou motivação, por exemplo, ou como estamos
a produzir tão pouco. Tipicamente, nenhuma destas reflexões
é acompanhada por qualquer linha de acção positiva que possa ajudar
a resolver o problema. Outras preocupações comuns incluem
«isolarmo-nos e pensar a respeito de como nos sentimos pessimamente,
recearmos que o nosso companheiro nos rejeite por estarmos
deprimidos e perguntarmos a nós mesmos se vamos ter mais
uma noite sem sono», diz Susan Nolen-Hoeksma, psicóloga de
Stanford, que estudou o remoer dos deprimidos.15

Tais pessoas tentam por vezes justificar este tipo de ruminação


dizendo que estão a tentar «compreender-se melhor a si mesmas»;
na realidade, estão a reforçar os sentimentos de tristeza sem tomarem
quaisquer medidas que possam efectivamente melhorar-lhes a
disposição. Na terapia pode ser perfeitamente útil reflectir em profundidade
sobre as causas da depressão, desde que isso conduza a
novos pontos de vista ou a acções que alterem as condições que
a provocam. Mas uma imersão passiva na tristeza só serve para
torná-la ainda pior.

A ruminação pode também tornar uma depressão mais forte


criando condições que são bem mais deprimentes. NolenHoeksma
dá o exemplo de uma vendedora que fica deprimida e
passa tantas horas a preocupar-se com isso que deixa de comparecer
a entrevistas importantes. As suas vendas declinam, fazendo-a
sentir-se uma falhada, o que lhe alimenta o estado depressivo. Mas
se ela reagisse à depressão tentando distrair-se, poderia perfeitamente
entregar-se ao seu trabalho como uma maneira de esquecer
a tristeza. As vendas não baixariam e o simples facto de concretizar
uma venda poderia aumentar-lhe a autoconfiança, atenuando
um pouco a depressão.

As mulheres, concluiu Nolen-Hoeksma, são muito mais dadas a


ruminações, quando estão deprimidas, do que os homens^ Isto, propõe
a psicóloga, talvez explique pelo menos em parte o facto de se
diagnosticarem duas vezes mais estados depressivos nelas do que neles.
Claro que podem estar aqui em jogo outros factores, como as

100
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mulheres serem mais abertas a revelar as suas tristezas ou terem na


vida mais razões para se sentirem deprimidas. E talvez os homens
afoguem as suas depressões no alcoolismo, um mal que os afecta
duas vezes mais que às mulheres.

Diversos estudos demonstraram que a terapia cognitiva destinada


a alterar estes padrões de pensamento anda a par da medicação
no tratamento de depressões clínicas ligeiras e lhe é superior na prevenção
da recorrência desse mesmo tipo de depressão. Nesta batalha,
há duas estratégias particularmente eficazes.16 Uma é aprender
a confrontar os pensamentos que se situam no centro da ruminação
— questionar-lhes a validade e pensar em alternativas mais positivas.
à outra é programar propositadamente acontecimentos agradáveis
e que proporcionem distracção.

Uma das razões por que a distracção resulta é o facto de os pensamentos


depressivos serem automáticos, intrometendo-se no nosso
estado de espírito sem serem convidados. Mesmo quando as pessoas
deprimidas tentam suprimir os seus pensamentos deprimentes, muitas
vezes não conseguem encontrar alternativas melhores; uma vez
iniciada, a maré de pensamentos depressivos ganha um poderoso
efeito magnético nos encadeamentos de associações. Por exemplo,
quando se pede a pessoas deprimidas que descodifiquem frases
baralhadas, elas obtêm resultados muito melhores com as mensagens
negativas («O futuro apresenta-se muito negro») do que com
as mensagens positivas («O futuro apresenta-se muito brilhante»).17

A tendência da depressão para se perpetuar a si mesma reflecte-se


até no tipo de distracções que as pessoas escolhem. Quando é
proposta a pessoas deprimidas uma lista de maneiras alegres ou mais
sérias de desviarem as ideias de qualquer acontecimento triste —
como, por exemplo, o funeral de um amigo — elas escolhem regra
geral as actividades mais melancólicas. Richard Wenzlaff, o psicólogo
da Universidade do Texas que conduziu estes estudos, conclui
que as pessoas que já estão deprimidas devem fazer um esforço especial
para centrarem a sua atenção em qualquer coisa que seja verdadeiramente
animadora, tendo o cuidado de não escolher algo — um
filme de «fazer chorar as pedras da calçada» ou um romance trágico
— que as atire ainda mais para baixo.

101
DANIEL GOLEMAN

Os levantadores do moral

Imagine que vai a conduzir por uma estrada desconhecida,


íngreme e cheia de curvas, no meio do nevoeiro. Subitamente, um
carro sai de um caminho secundário, poucos metros à sua frente,
demasiado perto para que possa travar a tempo. Pisa o travão com
toda a força e o seu carro derrapa, indo bater de lado no outro.
Antes da explosão de vidros partidos e do estrondo do metal contra
metal, vê que este outro carro está cheio de crianças, provavelmente
um grupo que se preparava para seguir para a escola. Então,
no súbito silêncio que se segue à colisão, ouve um coro de choros.
Consegue correr até ao outro carro, e verifica que uma das crianças
jaz imóvel. Sente-se cheio de remorso e tristeza por causa desta
tragédia...

As experiências de Wenzlaff recorriam a cenários deste tipo


para emocionar os voluntários, que tentavam então manter a
cena longe dos seus espíritos enquanto, durante nove minutos,
iam tomando notas a respeito daquilo que estavam a pensar.
Sempre que um pensamento da perturbadora cena se insinuava na
sua mente, faziam uma marca na folha e continuavam a escrever.
Enquanto a maior parte das pessoas pensava cada vez menos na
cena à medida que o tempo passava, aqueles voluntários que estavam
mais deprimidos revelavam, pelo contrário, um aumento
acentuado e progressivo da frequência de pensamentos intrusivos
relacionados com ela, e faziam-lhe até referências oblíquas nos
seus pensamentos, que supostamente nada deveriam servir para
distraí-los.

E o que é mais, os voluntários dados à depressão usavam para


se distraírem outros pensamentos deprimentes. Tal como
Wenzfãil disse, «os pensamentos associam-se na mente não apenas
em função do conteúdo, mas em função do estadocTF espírito.
As pessoas têm aquilo queaSbapõrsêr uma coTecçãõ~cTe^3èrTsa’
mentos tristes que lhes acodem mais prontamente ao espírito
quando se sentem em baixo. As pessoas que se deixam deprimir
facilmente tendem a criar redes muito fortes de associação entre
estes pensamentos, de tal modo que se torna mais difícil suprimilos
quando é evocado um tipo qualquer de humor negativo.
Ironicamente, as pessoas deprimidas parecem usar um tema deprimente
para desviarem a mente de outro, o que só consegue provocar
mais emoções negativas».

102
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Chorar, postula uma teoria, poderá ser a maneira que a natureza


tem de fazer baixar no cérebro o nível dos químicos que geram
a tristeza. Embora chorar possa por vezes quebrar um ataque de
tristeza, também pode deixar a pessoa do mesmo modo obcecada
com as razões do seu desespero. A ideia de «um bom choro» é
enganadora: o choro que reforça a ruminação só prolonga a miséria.
A distracção quebra a corrente dos pensamentos geradores de
tristeza; uma das teorias mais populares a respeito da razão por que
a terapia elecroconvulsiva é tão eficaz na maior parte das
depressões profundas é que provoca uma perda da memória a curto
prazo: os pacientes sentem-se melhor porque não conseguem lembrar-se
do que era que os tornava tão tristes. Seja como for, para
sacudir as depressões mais ligeiras, a maior parte das pessoas recorre,
conclui Diane Tice, a distracções como a leitura, ver televisão
ou ir ao cinema, jogos de vídeo, puzzks, dormir ou fantasiar, como
planear umas férias de sonho. Wenzfall acrescentaria que as distracções
mais_efjgazgs^^ãg_aquelas que alteram o estado de espírito
— um acontecimento desportivo excitante, um filme divertido,
um livro emocionante. (Cabe aqui uma nota de cautela: afgumas
distracções podem contribuir para perpetuar a depressão. Estudos
feitos com «grandes» espectadores de TV demonstraram que,
depois de verem televisão, essas pessoas ficam geralmente m?iis
deprimidas do que antes estavam!)

A ginástica aeróbica, conclui Tice, é uma das táctica mais eficazes


para vencer uma depressão ligeira, bem como alguns outros
estados de espírito negativos. Aqui o senão é que as vantagen s do
exercício físico em termos de humor resultam melhor para os < jciosos,
aqueles que geralmente não o praticam muito. Para o s que
seguem uma rotina de exercícios diários, quaisquer benefícios
que a prática ofereça foram provavelmente maiores quando iniciaram
o hábito. Na realidade, para os praticantes habituais do exercício
físico, verifica-se um efeito inverso no estado de. espírito:
começam a sentir-se mal nos dias em que, por qualquer motivo,
falham a sua sessão. O exercício parece resultar bem pc,rque altera
o estado fisiológico que o estado de espírito provoca: a depressão é
um estado de baixa excitação, e a ginástica aeróbica leva o corpo
a um estado de alta excitação. Por isso as técnicas jle relaxação,
que coloçariLQXQtpo num estado de baixa excitação, resultam bem
nos casos de ansiedade, que é um estado de alta excitação, mas não
tão bem nos casos de depressão. Qualquer destas abordagens pa103
DANIEL GOLEMAN

rece conseguir quebrar o ciclo de depressão ou de ansiedade porque


leva o cérebro a um nível de actividade incompatível com o
estado emocional que o dominava.

A pessoa animar-se através do recurso a prazeres sensuais era


outro antídoto relativamente popular para a tristeza. As maneiras
habituais de as pessoas se consolarem quando deprimidas iam
desde tomar banhos quentes ou comer o prato favorito a ouvir
música ou fazer amor. Comprar qualquer coisa para si mesma quando
se está em baixo era uma maneira particularmente popular
entre as mulheres, como o era fazer compras em geral, ou mesmo
só ver as montras. No caso dos estudantes universitários, Tice descobriu
que comer era uma estratégia para combater a depressão
três vezes mais comum entre as mulheres que entre os homens; os
homens, pelo seu lado, eram cinco vezgsjnais susceptíveis que as
”mulheres de se voltarem para a bebida ou para a droga quando se
sentiam em baixo. O problema de usar a comida ou o álcool como
antídotos para a depressão é, evidentemente, que nos pode com
toda a facilidade «sair o tiro pela culatra»: comer em excesso provoca
remorsos; o álcool é um poderoso depressor do sistema nervoso
central, de modo que só contribui para aumentar os efeitos da
própria depressão.

Uma maneira muito mais construtiva de «levantar o moral»,


diz-nos Tice, é engendrar um pequeno triunfo ou um sucesso fácil:
fazer finalmente aquele arranjo lá em casa, ou atacar qualquer outra
tarefa que se ia deixando ficar para trás. Na mesma linha, tudo o
que memore a auto-imagem é animador, mesmo que se trate apenas
de vestir uma roupa mais elegante ou pôr maquilhagem.

U.m dos mais poderosos — e, com excepção da terapia, menos


usados — antídotos para a depressão é ver as coisas de uma maneira
diferente, a chamada reconfiguração cognitiva. E natural lamentar
o fim d» uma relação e deixarmo-nos a patinhar em sentimentos de
autocomi. seração do género de «isto significa que you ficar para
sempre so zinho», mas isso só serve para reforçar a sensação de
desespero. jTá recuar um passo e pensar que em certos aspectos aquela
relação nà\o era assim tão boa, que de muitas maneiras eram totalmente
inadequados um para o outro — por outras palavras, ver a
perda de um j ionto de vista diferente, a uma luz mais positiva —,
isso sim, é um tmtídoto para a tristeza. Na mesma linha, os doentes
de cancro, fosse’ qual fosse a gravidade do seu estado, sentiam-se
melhor quando conseguiam lembrar-se de qualquer outro doente

104
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

que estivesse ainda em piores condições («Não estou tão mal como
isso. Pelo menos consigo andar»); aqueles que se comparavam com
as pessoas saudáveis eram os que se sentiam mais deprimidos.18 Estas
comparações para baixo são surpreendentemente animadoras: de
súbito, o que se nos afigurava absolutamente terrívêTdeixa de pare-N
cer assim tão mau como isso.

Outra maneira eficaz de combater a depressão é ajudar os outros.


Uma vez que a depressão se alimenta de ruminações e de preocupações
muito nossas, ajudar os outros ajuda-nos a esquecer essas
preocupações. Entregar-se a qualquer espécie de trabalho voluntário
—no ensino, nos hospitais, etc. — surgiu como um dos mais
poderosos «modificadores do estado de espírito» no estudo de Tice.
Mas também um dos mais raros.

Finalmente, pelo menos algumas pessoas conseguem encontrar


alívio para a sua melancolia voltando-se para um poder transcendente.
Disse-me Tice; «Rezar, para quem é religioso, resulta
com todos os estados de espírito, especialmente com a depressão.»

REPRESSORES: A NEGAÇÃO OPTIMISTA ,

«Deu um pontapé no estômago do companheiro de quarto...»,


começa a frase. E termina: «... mas o que queria era acender a luz.»
Esta transformação de um acto de agressão num inocente, ainda
que ligeiramente inverosímil, engano é a repressão capturada in
vivo. A frase foi composta por um estudante universitário que se
ofereceu como voluntário para um estudo a respeito dos repressores,
pessoas que habitual e^ automaticamente parecem excluir da sua
percepção consciente toda e qualquer perturbação emocional. O
fragmento inicial: «Deu um pontapé no estômago do companheiro
de quarto...» foi dado a este estudante no âmbito de um teste em
que se pedia aos sujeitos para completar frases. Outros testes mostraram
que este pequeno acto de fuga mental fazia parte de um
padrão mais vasto na sua vida, um padrão que o levava a desligar -se
da maior parte das perturbações emocionais.19 Enquanto de início
os investigadores viam nos repressores um bom exemplo da
incapacidade para sentir emoções — primos dos alexitímicos, talvez
—, o pensamento actual considera-os, pelo contrário, extremamente
competentes na gestão das emoções. Tornaram-se de tal
maneira peritos em isolarem-se dos pensamentos negativos que,

105
DANIEL GOLEMAN

segundo parece, não tomam sequer consciência da natividade. Em


vez de chamar-lhes depressores, como tem sido o costume entre os
investigadores, um termo mais adequado seria talvez imperturbáveis.

Muita desta investigação, levada a cabo principalmente por


Daniel Weinberger, um psicólogo da Case Western Reserve University,
mostra que embora estas pessoas possam parecer calmas e
impassíveis, podem por vezes fervilhar de perturbações fisiológicas
de que nem sequer se apercebem. Durante o teste de completar frases
que já referi, era igualmente registado o nível de excitação fisiológica
de cada um dos voluntários. O verniz de calma dos repressores
era por vezes traído pela agitação dos seus corpos: quando
confrontados com as frases a respeito do companheiro de quarto
violento e outras no mesmo género, mostravam todos os sinais de
ansiedade, como a aceleração do ritmo cardíaco, transpiração e
subida da tensão arterial. No entanto, quando se lhes perguntava,
diziam sentir-se perfeitamente calmos.

Este afastamento contínuo de emoções como a ira ou a ansiedade


não é invulgar: uma pessoa em cada seis apresenta o padrão, de
acordo com Weinberger. Teoricamente, uma criança pode aprender
a tornar-se imperturbável de uma de várias maneiras. Uma delas
pode seruma estratégia para sobreviver a uma situação perturbadora
como ter um pai alcoólico numa família onde o problema é negado.
OutriTpoderá ser ter um progenitor, ou ambos, que sejam repressores
e transmitam o exemplo_jgjm]gjile^riaj)ergétua ou_de uma
impassibilidade circunspecta face aos sentimentos perturbadores.
Uu a”característica gõdejsimplesmeni-e spr herdada geneticamente.
Embora ninguém saiba dizer exactamente como é que este padrão
se inicia na vida da pessoa, o certo é que, quando chegam à idade
a3ulta, os Têpressores se mostram frios e calmos em todas as cirliuhstâncias~.

Falta saber, evidentemente, até que ponto é verdadeira a frieza


e a calma que apresentam. Não terão verdadeiramente consciência
dos sinais físicos das emoções perturbadoras, ou estão só a fingir?
A resposta a esta pergunta foi-nos dada pelas investigações de
Richard Davidson, psicólogo da Universidade do Wisconsin e antigo
colaborador de Weinberger. Davidson pediu a um grupo de pessoas
que apresentavam o padrão da imperturbabilidade que fizessem
associações livres numa lista de palavras, na sua maioria neutras,
mas contendo algumas com significados hostis ou sexuais que despertam
uma reacção de ansiedade na maior parte das pessoas. E, tal

106
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

como as suas reacções físicas revelavam, tinham todos os sinais de


perturbação fisiológica em resposta a essas palavras, embora as associações
que faziam demonstrassem uma tentativa de retirar a carga
às palavras perturbadoras ligando-as a outras inocentes. Se a primeira
palavra era «ódio», a resposta poderia ser «amor».

O estudo de Davidson tirou partido do facto de (nos dextros) um


dos principais centros para processar as emoções negativas se situar
na metade direita do cérebro, enquanto que o centro da fala se situa
na metade’esquerda. Quando o hemisfério direito reconhece que
uma palavra é perturbadora, transmite essa informação através do
corpus calhsum, a grande cisura entre as duas metades do cérebro,
para o centro da fala, e é dita uma palavra em resposta. Utilizando
um complicado jogo de lentes, Davidson foi capaz de mostrar uma
palavra de tal maneira que só fosse vista em apenas metade do
campo visual. Graças às ligações neuronais do sistema visual, se a
palavra era mostrada apenas à metade esquerda do campo visual, era
recebida em primeiro lugar pela metade direita do cérebro, com a
sua sensibilidade aos elementos perturbadores. Se a palavra era mostrada
à metade direita, o sinal ia para o hemisfério esquerdo do cérebro,
sem ser avaliado em termos de carga perturbadora.

Quando as palavras eram apresentadas ao hemisfério direito,


havia um atraso no tempo de resposta dos impertubáveis — mas só
se a palavra a que estavam a responder fosse uma das perturbadoras.
Não se registava qualquer atraso no tempo de resposta às
associações de palavras neutras. Por outro lado, este atraso só ocorria
quando as palavras eram apresentadas ao hemisfério direito, e
não ao esquerdo. Em resumo, a imperturbabilidade parece dever-se
a um mecanismo neuronal que abranda ou interfere com a comunicação
de informações perturbadoras. A implicação é que os
imperturbáveis não fingem a sua falta de consciência de como
estão perturbados; é o cérebro que lhes esconde essa informação.
Mais precisamente, a camada de sentimentos suaves que cobre as
percepções perturbadoras deve-se provavelmente ao funcionamento
do lóbulos pré-frontal esquerdo. Para sua surpresa, quando
Davidson mediu os níveis de actividade nos lóbulos pré-frontais
dos voluntários, encontrou uma clara predominância de actividade
no esquerdo — o centro dos sentimentos agradáveis — e menos
no direito, o centro da natividade.

Estas pessoas «mostram-se a si mesmas sob uma luz positiva,


com um estado de espírito optimista», disse-me Davidson. «Negam

107
I
DANIEL GOLEMAN

que o stress as perturbe e apresentam, mesmo estando simplesmente


sentadas a descansar, um padrão de activação do lóbulo pré-frontal
esquerdo, que está associado aos pensamentos positivos. Esta
actividade cerebral pode ser a chave das suas afirmações positivas,
mal-grado uma agitação fisiológica subjacente que se parece muito
com perturbação.» A teoria de Davidson é que, em termos de actividade
cerebral, experimentar realidades perturbadoras sob uma
luz positiva é um trabalho altamente consumidor de energia. O
aumento da excitação fisiológica pode dever-se ao esforço continuado
dos circuitos neuronais para manter os pensamentos positivos,
ou para suprimir ou inibir os negativos.

Em resumo, a imperturbabilidade é uma espécie de negação


optimista, uma dissociação positiva e, possivelmente, uma pista para
os mecanismos neuronais que intervêm nos mais graves estados
dissociativos que podem ocorrer, por exemplo, nas desordens ligadas
ao stress pós-traumático. Quando está simplesmente envolvida
na imparcialidade, diz Davidson, «parece ser uma estratégia bem
sucedida de auto-regulação emocional», embora com custos desconhecidos
para a autoconsciência.

108
6

A AptidãoMestra
Só uma vez na minha vida me senti paralisado pelo medo. A ocasião
foi um exame de Cálculo durante o meu primeiro ano na
universidade, um exame para o qual conseguira pura e simplesmente
não estudar. Ainda recordo bem a sala onde entrei naquela
manhã de Primavera, com uma premonição de desgraça a pesar-me
no coração. Tinha estado naquela sala de conferências para muitas
aulas. Naquela manhã, porém, nada vi através das janelas, e nem
sequer olhei à minha volta. A minha visão reduziu-se ao espaço de
soalho directamente à minha frente, enquanto me encaminhava
para uma carteira perto da porta. Quando abri a capa azul da pasta
que continha a prova, tinha o coração a bater-me loucamente nos
ouvidos, sentia o gosto a ansiedade na boca do estômago.

Olhei para as perguntas do exame uma única vez, rapidamente.


Impossível. Durante uma hora, fiquei a olhar para a página, com
a cabeça cheia das consequências que iria sofrer. Os mesmos pensamentos
repetiam-se uma e outra vez, num ciclo infindável de medo
e tremura. Fiquei ali sentado, imóvel, como um animal petrificado
a meio de um movimento pelos efeitos do curare. O que mais me
impressiona a respeito daquele terrível momento foi o modo como
a minha mente pareceu encolher-se. Não passei aquele hora numa
tentativa desesperada de cozinhar qualquer espécie de resposta às
perguntas do exame. Não sonhei acordado. Limitei-me a ficar sentado,
imobilizado no meu terror, à espera que aquele pesadelo terEsta

descrição de uma prova pelo terror é minha; constitui para


mim, ainda hoje, a mais convincente prova do impacto devastador
que uma aflição emocional pode ter na clareza mental. Hoje
vejo esta minha provação como um testemunho do poder do cérebro
emocional para subjugar, e inclusivamente paralisar, o cérebro
pensante.

109
DANIEL GOLEMAN

Que as perturbações emocionais podem interferir com a vida


mental é algo que todos os professores sabem. Os estudantes que se
sentem ansiosos, irritados ou deprimidos não aprendem; as pessoas
que são apanhadas nestes estados nãqjrecebem a informação~3e
uma maneira eficaz e não sabem lidar com ela. Como vimos no
Capítulo 5, as ”emoções negativas muito fortes desviam a atenção
para as suas próprias preocupações, interferindo com a tentativa de
focá-la noutra coisa qualquer. Na realidade, um dos sinais de que os
sentimentos ultrapassaram a linha para o lado dcTpatológico é que
se tornam tão intrusivos que se sobrepõem a quaisquer outros
pensamentos7~sabdtandõ”15õnImIíãmHítê~Eõdas
as tentativas de dar
atenção a quaisquer outras tarefas que seja preciso desempenhar.
Para à~pessõa que está a atravessar um divórcio difícil — ou para a
criança cujos pais se encontram nessa situação — a mente não se
demora muito nas rotinas comparativamente triviais do dia de trabalho
ou escolar; no caso dos clinicamente deprimidos, os pensamentos
de autocomiseração e desespero, de desesperança e impotência
abafam todos os outros.

Quando as emoções dominam a concentração, o que está a ser


avassalado é a faculdade mental a que os cientistas cognitivos chamam
«memória^de trabalho», a capacidade de conservar na memória
todas as informações pertinentes à tarefa entre mãos. Aquilo que
ocupa a memória de trabalho pode ser tão vulgar como os dígitos
que compõem um número de telefone ou tão complicado como as
intricadas linhas do enredo que um romancista esteja a tentar tecer.
A memória de trabalho é, na vida mental, uma função executiva
por excelência, tornando possível todos os outros esforços intelectuais,
desde dizer uma frase a decifrar a mais enredada das proposições
lógicas.2 O córtexoré-frontal executa a memória de trabalho

— e, recordemo-lo, é onde os sentimentos e as emoções se encontram.


Quando os circuitos hmbicos que convergem no córtex prefrontal
estão sob o domínio de uma aflição emocional, um dos custos
reflecte-se na eficácia da memória de trabalho: deixamos de ser
capazes de pensar correctamente, como eu próprio descobri durante
aquele pavoroso exame de Cálculo.

Por outro lado, consideremos o papel da motivação positiva

— a mobilização de sentimentos de entusiasmo, zelo e confiança —


na realização de objectivos. Estudos levados a cabo com atletas
olímpicos, músicos de classe mundial e grandes mestres do xadrez
demonstram que uma característica comum a todos eles é a capaci110
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

dade de se motivarem de modo a cumprirem implacáveis rotinas de


treino.4 E, com o aumento constante do grau de excelência exigido
para se ser um executante de classe mundial, este treino rigoroso
tem de começar cada vez mais cedo. Nos Jogos Olímpicos de 1992,
verificou-se que os membros da equipa de saltos de prancha da
China, todos na casa dos doze anos, tinham dedicado ao treino da
sua modalidade tantas horas de vida como os membros da equipa
americana, estes com vinte e poucos anos; os mergulhadores chineses
começavam a treinar com quatro anos de idade. Do mesmo modo,
os violinistas mais virtuosos deste século começaram a estudar
o seu instrumento por volta dos cinco anos de idade; os campeões
internacionais de xadrez iniciaram-se no jogo com uma média de
sete anos, enquanto aqueles que não conseguiram ultrapassar o nível
da proeminência nacional começaram aos dez. Começar cedo
proporciona uma vantagem que dura toda a vida: os melhores estudantes
de violino da melhor academia de música de Berlim, todos
na casa dos vinte, dedicaram dez mil horas de vida à prática do instrumento,
enquanto os da segunda linha somavam em média cerca
de sete mil e quinhentas horas. , .;;

O que aparentemente distingue aqueles que se situam no cume


das várias áreas da competição de~todos os outros dotados de capacidades
aproximadamente iguais é o grau em que, começando muito
cedo na vida, são capazes de dedicar-se a um treino rigoroso e
árduo durante anos e anos seguidos. E esta tenacidade depende, acima
de tudo, de traços emocionais, como o entusiasmo e a persistência
face aos contratempos.

Os benefícios adicionais que a motivação traz à vida, além de


outras qualidades inatas, está bem patente nos resultados notáveis
conseguidos pelos estudantes asiáticos nas escolas americanas e,
mais tarde, no mercado de trabalho. Uma análise muito aprofundada
das provas sugere que as crianças americanas de origem asiática
podem ter sobre as brancas uma vantagem média, em termos de QI,
de apenas dois ou três pontos.5 No entanto, tomando por base o
êxito nas profissões liberais, como a advocacia ou a medicina, que
grande parte dos alunos asiático-americanos acaba por seguir, como
grupo comportam-se como se o seu QI fosse muito mais elevado: o
equivalente a um QI de 110 para as de origem japonesa e de 120
para as de origem chinesa.6 A razão parece ser que, logo a partir dos
primeiros anos de escola, as crianças asiáticas trabalham mais do
que as brancas. Sanford Dorenbush, um sociólogo de Stanford que

111
DANIEL GOLEMAN

estudou mais de dez mil alunos do ensino secundário, concluiu que


os asiático-americanos dedicam cerca de mais 40 por cento de
tempo aos trabalhos de casa do que os outros alunos. «Enquanto a

maior parte dos pais americanos está disposta a aceitar as áreas fracas
dlTcriança e a destacar as fortes, para os asiáticos a atitude é que
se as coisas não estão a correr Isem, a resposta é estudar mais tempo
à noite, e se mesmo assim não correm bem, há que levantar-se mais
cedo e estudar também de manhã. Acreditam que qualquer criança
pode ter êxito nos estudos, desde que faça o esforço adequado.» Em
resumo, uma forte ética de trabalho traduz-se em mais motivação,
mais zelo e mais persistência — numa vantagem emocional.

Na medida em que as nossas emoções embaraçam ou favorecem


a nossa capacidade de pensar e planear, de cumprir um horário de
treino com vista a um objectivo distante, de resolver problemas,
etc, definem efectivamente os limites da nossa capacidade para utilizar
as nossas aptidões mentais inatas, e portanto determinam
como nos sairemos na vida. E na medida em que somos motivados
por sentimentos de entusiasmo ou de prazer naquilo que fazemos — ou
até por um grau óptimo de ansiedade — propulsionam-nos para a
realização dos nossos objectivos. Ê neste sentido que a inteligência
emocional é uma aptidão-mestra, uma capacidade que afecta profundamente
todas as outras faculdades, quer facilitando-as, quer
interferindo com elas.

CONTROLO DOS IMPULSOS: O TESTE DO REBUÇADO

Imagine que tem quatro anos, e que alguém lhe fazia a seguinte
proposta: se esperar que o seu interlocutor acabe de fazer certa coisa
que tem de tazer, poderá comerjdois rebuçados. Se não conseguir esperar,
comerá apenas um, mas recebê-lo-á imediatamente. É um
desafio sem dúvida capaz de pôr à prova a alma de qualquer criança
de quatro anos, um microcosmo da eterna batalha entre o impulso
e_aj;ontenção, o id e o ego, o desejo e o autocontrolo, a gratificação e
o adiamento^Quaj_dgstas escolhas a criança faz constitui um teste
muito revelador^oferece-nos uma leitura rápida não apenas do seu
carácter, mas também da trajectória que provavelmente seguirá
^através cia vida.

Não há talvez habilidade psicológica mais fundamental que resistir


aos impulsos. Ê a raiz de todo o autocontrolo emocional, uma

112
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

vez que todas as emoções, pela sua própria natureza, conduzem a um


ou outro impulso para agir. O significado da raiz da palavra emoção
é, não esqueçamos, «mover». A capacidade de resistir a esse impulso
de agir, de conter o movimento incipiente, muito provavelmente
traduz-se ao nível das funções cerebrais por uma inibição dos
sinais límbicos dirigidos ao córtex motor, embora esta interpretação
permaneça, por enquanto, no domínio da especulação.

Seja como for, um notável estudo em que o teste do rebuçado


foi proposto a diversas crianças de quatro anos mostra quão fundamental
é a capacidade de dominar as emoções e adiar os impulsos.
Iniciado pelo psicólogo Walter Mischel durante os anos 60 numsi
escola pré-primária integrada na Stanford University e envolvendo
numerosas crianças, estudantes formados e diversos empregados, o
estudo acompanhou os garotos de quatro anos até ao fim do ensi no
secundário.7

Alguns dos miúdos conseguiam aguentar aquilo que devia rjarecer-lhes


uns intermináveis quinze ou vinte minutos até que o ’experimentador
regressasse. Para se ajudarem naquela luta, tapav am os
olhos, para não terem de ver a tentação ali à sua frente, ou escondiam
a cabeça nos braços, falavam sozinhos, cantavam, brincavam
com os pés e com as mãos, alguns tentavam inclusivamente dormir.
Estes eram os que conseguiam a recompensa dos dois rebuçados.
Mas outros, mais impulsivos, deitavam a mão ao único r ebuçado a
que tinham direito escassos segundos depois de o experimentador
ter saído da sala.

O valor em termos de diagnóstico do modo como cada criança


lidava com aquele momento de impulso tornou-se evidente doze ou
catorze anos mais tarde, quando essas crianças continuaram a ser
acompanhadas até à adolescência. A diferença social e emocional
entre os «agarra já o rebuçado» e os que tinham conseguido adiar a
recompensa era gritante. Aqueles que, aos quatro anos, tinham sabido
resistir à tentação revelavam-se, como adolesce ntes, socialmente
mais competentes: pessoalmente eficientes, afirmativos, mais capazes
de fazer face às frustrações da vida. Eram menof, propensos a ceder
ao desânimo, ficar paralisados, encolher-se em situações de stress ou
perder a cabeça sob pressão; aceitavam os desafios e mantinham-se
firmes sem desistir mesmo face a dificuldades; eram seguros, confiantes
e dignos de confiança; tomavam iniciativas_e_envolviam-seléin
projectos. E, mais de uma década volvida, continuavam a ser capazes
de adiar a recompensa para atingirem es seus objectivos.

113
DANIEL GOLEMAN

Os que tinham deitado a mão ao rebuçado — cerca de um terço


— tendiam a apresentar menos destas qualidades, partilhando
um retrato psicológico relativamente mais perturbado. Na adolescência,
e de um modo geral, eram vistos como mais avessos aos
contactos sociais, teimosos e indecisos, facilmente desanimados pelas
frustrações, mais propensos a verem-se a si mesmo como «maus»
ou indignos, a encolherem-se ou ficarem paralisados em situações
3e~stress, a mostrarem-se desconfiados ou ressentidos por «não estarem
a receber o suficiente», a cederem ao ciúme ou à inveja, a reagirem
às irritações com agressividade, a provocarem discussões e
brigas. E^ passados todos aqueles anos, continuavam a não ser capazes
de adiar a recompensai ”

Aquilo que se revela em pequenas coisas no começo da vida


tra nsforma-se numa vasta gama de competências sociais e emocionais
à medida que o tempo passa. A capacidade de impor um adiamen
to a um impulso está na raiz de toda a pletora de esforços, desde
seguir uma dieta a obter um diploma em medicina. Algumas crianças,
mesmo aos quatro anos, já dominavam os aspectos básicos
desta aite: eram capazes de ler a situação social como uma circunstância
eiti que o adiamento era benéfico, de obrigar a atenção a desviar-se
da tentação imediata e de se distraírem sem no entanto perderem
de vista o seu objectivo, os dois rebuçados.

Mais s urpreendente ainda, quando as crianças testadas eram


novamente avaliadas perto do fim do curso liceal, as que tinham esperado
pacientemente aos quatro anos revelavam-se muito superiores,
como estudantes, às que tinham agido por impulso. De acordo
com as avaliações dos pais, eramjacademicamente mais competentes:
mais capazes_d_e traduzir as suas ideias em palavras, de usar e responder
à razão, de concentrar-se, de fazer planos e de segui-los, e mais
desejosas de aprender. Obtinham, além disso, pontuações muito
mais elevadas no seus testes SAT. As crianças que aos quatro anos
tinham agarrado o rebuçado obtinham uma pontuação média verbal
de 524 e quantitativa (em matemática) de 528; as que tinham esperado
mais tempo obtinham pontuações médias de 610 e 652, respectivamente
— uma diferença de 210 pontos na pontuação global.8

Aos quatro anos, .a maneira como as crianças se comportam neste


teste de adiamento da recompensa é duas vezes mais eficaz que o
QI para prever que pontuações virão a obter mais tarde nos testes
SAT; o QI só se torna um bom previsor dos resultados SAT depois
de as crianças terem aprendido a ler.9 Isto sugere que a capacidade

114
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

para adiar a recompensa contribui poderosamente para um potencial


intelectual muito diferente do QI propriamente dito. (Um mau
controlo dos impulsos na infância constitui igualmente um bom
previsor de delinquência posterior, e também neste caso um melhor
previsor que o QI.)10 Como veremos na Quinta Parte, enquanto
há quem defenda que o QI não pode ser alterado e constitui, portanto,
uma limitação inultrapassável do potencial da criança, inúmeras
provas sugerem que capacidades emocionais como o controlo
dos impulsos e a leitura correcta das situações sociais podem ser
aprendidas.

Aquilo que Walter Mischel, que conduziu o estudo, descreve


com a frase, aliás bastante pouco feliz, «adiamento de gratificação
auto-imposto dirigido a um objectivo» é talvez a essência da auto-regulação
emocional: a capacidade de contrariar um impulso ao
serviço de um objectivo, seja na construção de uma empresa, na
resolução de uma equação algébrica ou na perseguição de uma
medalha desportiva. As descobertas de Mischel sublinham o papel
da inteligência emocional como uma metacapacidade que determina
o grau de eficácia com que as pessoas são capazes de utilizar as
suas aptidões mentais.

MAUS HUMORES, MAUS PENSAMENTOS

Preocupo-me com o meu filho. Começou a jogar futebol na


equipa da universidade, de modo que com toda a certeza vai
magoar-se mais dia menos dia. Dá-me de tal maneira cabo dos nervos
vê-lo jogar que deixei de ir assistir aos jogos. Tenho a certeza
de que ele se sente desapontado por eu não ir vê-lo, mas é pura e
simplesmente mais do que consigo aguentar.

Quem assim fala é uma mulher que está sob terapia para um problema
de ansiedade; esta mulher tem consciência de que a sua
preocupação está a impedi-la de viver a vida como gostaria.11 Mas
quando chega a altura de tomar uma simples decisão, como ir ou
não ver o filho jogar futebol, o espírito enche-se-lhe de pensamentos
de desgraça. Não é livre de escolher; as preocupações subjugamlhe
a razão.

Como vimos, a preocupação está na raiz dos efeitos prejudiciais


da ansiedade nos desempenhos mentais de todos os tipos. A preo115
DANIEL GOLEMAN

cupação, evidentemente, é de certa maneira uma resposta útil que


descarrilou, uma preparação mental excessiva para uma ameaça
antecipada. Mas este ensaio mental transforma-se numa desastrosa
estática cognitiva quando se deixa encurralar num círculo vicioso
que captura a atenção, intrometendo-se em todas as tentativas de
focá-la algures.

A ansiedade mina o intelecto. No caso de uma actividade


complexa, intelectualmente exigente e sujeita a enormes pressões
como é, por exemplo, a dos controladores de tráfego aéreo, sofrer
uma elevada ansiedade crónica é um previsor praticamente seguro
de que a pessoa acabará por falhar no treino ou no campo. Os ansiosos
são mais propensos a falhar mesmo quando obtêm pontuações
mais elevadas nos testes de inteligência, como se concluiu de um
estudo feito com 1700 candidatos que se treinavam para controladores
aéreos.12 A ansiedade sabota igualmente os desempenhos académicos
de todos os géneros: 126 estudos diferentes feitos com mais
de 36 000 pessoas demonstraram que guanto mais propensa uma
pessoa é a preocupar-se, mais pobre será o desempenho académico,
seja qual for o processo escolhido para medi-lo: notas em testes,
médias totais ou testes de aptidão.13

Quando se pede a pessoas com tendência para a preocupação que


desempenhem uma tarefa cognitiva como classificar objectos ambíguos
numa de duas categorias, e descrever o que lhes passa pela mente
enquanto o fazem, são os pensamentos negativos — «Não sou
capaz de fazer isto», «Não sou bom neste género de testes» — que
mais directamente prejudicam a sua capacidade de decisão. Quando
se pediu a um grupo de comparação de não-preocupados que se preocupassem
propositadamente durante quinze minutos, a sua capacidade
para desempenhar a mesma tarefa deteriorou-se acentuadamente.
E quando os preocupados passaram por uma sessão de
relaxação de quinze minutos — que lhes reduziu o nível de preocupação
— antes de iniciarem a tarefa, não tiveram o mínimo problema
em levá-la a cabo.14

A ansiedade relacionada com os exames foi pela primeira vez


cientificamente estudada nos anos 60 por Richard Alpert, o qual
me confessou que o seu interesse tinha sido despertado pelo facto
de, quando estudante, os nervos o fazerem muitas vezes ter más notas
nos exames, ao passo que o seu colega Ralph Haber achava que,
pelo contrário, a” pressão antes de um exame o ajudava a obter melhores
resultados.1’ As investigações de ambos, entre outras, de116
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

monstraram que há dois tipos de estudantes ansiosos: aqueles a


quem a ansiedade prejudica o desempenho académico, e aqueles
que conseguem bons resultados apesar do stress — ou talvez por
causa dele.’6 A ironia da ansiedade ligada aos exames está em que a
mesma apreensão a respeito dos resultados que, idealmente, pode
motivar estudantes como Haber a prepararem-se melhor e deste
modo obterem boas notas, pode igualmente sabotar as possibilidades
de êxito noutros. No caso das pessoas demasiado ansiosas, como
Alpert, a apreensão interfere com a clareza de pensamento e com a
memória necessárias a um estudo eficaz, enquanto durante o exame
propriamente dito perturba a acuidade mental essencial para um
bom resultado.

O número de preocupações que uma pessoa refere enquanto


faz uma prova tem uma relação directa com os fracos resultados que
vai obter.17 Os recursos mentais dispendidos numa tarefa cognitiva

— preocupar-se — reduzem a quantidade de recursos disponíveis


para processar outras informações; se estamos preocupados com a
ideia de chumbar no exame que estamos afazer, dispomos de menos
atenção para dedicar à resolução das questões.__As nossas preocu^
pações tornam-se profecias que se cumprem a si mesmas, impelindo-nos
precisamente panFcTdesastre que predizem.

As pessoas que têm uma boa capacidade de dominar as suas


emoções, por outro lado, podem usar a ansiedade antecipatória

— a respeito de um discurso ou teste que têm de fazer, por exemplo —


para se motivarem no sentido de se prepararem melhor, obtendo
consequentemente melhores resultados. A literatura clássica na
área da psicologia descreve a relação entre ansiedade e desempenho,
incluindo o desempenho mental, em termos de um U invertido.
No vértice deste U invertido situa-se a relação óptima entre
ansiedade e desempenho, com uma certa quantidade de nervos a
ajudar a uma realização excelente. Mas demasiado pouco ansiedade

— a primeira perna do U — significa apatia ou demasiado pouca


motivação para fazer o melhor, enquanto excessiva ansiedade — a
outra perna do U — sabota qualquer tentativa de fazer bem.

Um estudo de euforia ligeira — hipomania, como é tecnicamente


chamada — parece ser óptimo para os escritores e outras pessoas
que se entregam a actividades criativas que exigem fluidez e diversidade
de pensamento; situa-se algures perto do vértice do tal U
invertido. Mas se deixarmos que essa euforia se descontrole e se
transforme em mania pura e simples, como nas súbitas mudanças de

117
DANIEL GOLEMAN

estado de espírito dos maníaco-depressivos, a agitação passa a minar


a capacidade de pensar com coerência suficiente para escrever bem,
ainda que as ideias fluam livremente — na realidade, demasiado
livremente para que seja possível perseguir qualquer delas durante
o tempo suficiente para produzir um produto acabado.

Os estados de espírito agradáveis, enquanto duram, aumentam


a capacidade de pensar flexivelmente e com mais complexidade,
tornando deste modo mais fácil encontrar soluções para os problemas,
sejam eles intelectuais ou interpessoais. Isto sugere que uma
maneira de ajudar alguém a resolver um problema é contar-lhe ~
uma bóã^pjiiHãjD riso, tal coTricT a euforia, parece ajudar as pessoas

a pensarem mais abertamente e a associarem mais livremente,


detectando relações que de outra maneira poderiam ter-lhes escapado:
uma capacidade mental importante não só na criatividade,
mas no reconhecimento de relacionamentos complexos e na previsão
das consequências de uma dada decisão.

Os benefícios intelectuais de uma boa gargalhada tornam-se


sobretudo evidentes quando se trata de resolver um problema que
exige uma solução criativa. Um estudo demonstrou que as pessoas
que acabavam de ver um programa divertido na televisão tinham
mais facilidade em resolver uma prova de há muito usada pelos psicólogos
para testar o pensamento criativo.18 Na prova, as pessoas
recebiam uma vela, fósforos e uma caixa de tachas; pedia-se-lhes
então que prendessem a vela a um painel de cortiça de tal maneira
que ardesse sem pingar estearina para o chão. Perante este problema,
a maior parte das pessoas caí naquilo a que chama «fixidez
funcional», pensando em usar os objectos das maneiras mais convencionais.
Mas os que acabavam de ver o filme divertido, comparados
com outros que tinham visto um filme a respeito de matemática
ou feito exercício físico, descobriam mais facilmente um uso
alternativo para a caixa de tachas e chegavam à solução criativa:
pregar a caixa no painel de cortiça e utilizá-la como suporte para
a vela.

Até as mais ligeiras mudanças de estado de espírito podem afectar


o pensamento. Ao fazerem planos ou ao tomarem decisões, as
pessoas que estão de bom humor têm uma capacidade perceptual
que as leva a ser mais expansivas e positivas nos seus pensamentos.
Isto deve-se em parte ao facto de a memória estar directamente
relacionada com o estado de espírito, de tal forma que quando estamos
de bom humor recordamos mais acontecimentos positivos;

118
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

quando consideramos os prós e os contras de uma determinada


linha de acção sentindo-nos bem, a memória influencia a maneira
como avaliamos as provas numa direcção positiva, tornando-nos
mais propensos a fazer qualquer coisa ligeiramente aventurosa ou
arriscada, por exemplo.

Do mesmo modo, estar de mau humor influencia a memória


numa direcção negativa, tornando-nos mais susceptíveis de nos retrairmos
numa decisão tímida ou excessivamente cautelosa. As
emoções descontroladas interferem com o intelecto. Mas, como
vimos no Capítulo 5, está ao nosso alcance chamar à ordem as
emoções descontroladas; esta competência mental é a aptidão-mestra,
que facilita todos os outros tipos de inteligência.
Consideremos alguns casos evidentes: as vantagens da esperança e
do optimismo, e aqueles momentos magníficos em que as pessoas
se ultrapassam a si mesmas.

A CAIXA DE PANDORA E A ESPERANÇA:


O PODER DO PENSAMENTO POSITIVO ...

Foi posta a um grupo de estudantes universitários a seguinte


situação hipotética: ’ • • ;> :

Embora o seu objectivo fosse obter um B, quando recebe o


resultado do seu primeiro exame, que representa 30 por cento da
pontuação final, teve apenas um D. Passou-se uma semana desde
que soube deste D. O que é que faz?19

Aqui, foi a esperança que fez a diferença. A resposta dos


estudantes com um alto nível de esperança foi trabalhar mais e pensar
numa porção de coisas que podiam tentar para melhorar a nota
final. Os estudantes com um nível médio de esperança pensaram
em várias maneiras de levantar a nota, mas revelavam-se muito
menos determinados na sua prossecução. E, compreensivelmente,
os estudantes com baixo nível de esperança desistiam em toda a
linha, desmoralizados.

A questão não é apenas teórica, no entanto. Quando C. R.


Snyder, o psicólogo da Universidade do Kansas que fez este estudo,
comparou o desempenho académico real de estudantes do primeiro
ano com altos e baixos níveis de esperança, descobriu que esta era

119
DANIEL GOLEMAN

um melhor previsor dos resultados do primeiro semestre do que o


SAT, um teste supostamente capaz de prever como os estudantes se
comportarão na universidade (e intimamente relacionado com o
QI). Uma vez mais, considerando mais ou menos a mesma gama de
capacidades intelectuais, as aptidões emocionais representam a
diferença crítica.

A explicação de Snyder: «Os estudantes dotados de um nível


mais elevado de esperança visam~õb~jectivos mais altos, e sabem como
trabalhar para alcançá-los. Quando comparamos estudantes
com aptidões intelectuais equivalentes no^iu desempenHo académico,
o que os distingue é a esperança.»20

A mitologia grega conta-nos a história de Pandora, uma princesa


tão bela que os deuses, ciumentos da sua beleza, lhe ofereceram
de presente uma caixa, recomendando-lhe que nunca a abrisse. Mas
certo dia, dominada pela curiosidade e a tentação, Pandora entreabriu
a tampa para espreitar lá para dentro, largando à solta no mundo
todos os grandes males — a doença, a maldade, a loucura. Mas
um deus mais compassivo deixou-a fechar a caixa a tempo de capturar
o único antídoto que torna suportáveis as desgraças da vida: a
esperança.

A esperança que, conforme os modernos investigadores estão a


descobrir, faz mais do que proporcionar um pouco de consolo no
meio das aflições; desempenha um papel surpreendentemente
importante na vida, oferecendo uma vantagem em domínios tão
diversos como o desempenho escolar e suportar um trabalho difícil.
A esperança, num sentido técnico, é mais que a visão risonha de
que tudo acabará por resolver-se da melhor maneira. Snyder define-a
mais especificamente como «acreditar que temos a vontade e
os meios de atingir os nossos objectivos, sejam eles quais forem».

As pessoas tendem a diferir no grau em que têm esperança,


neste sentido. Algumas vêem-se tipicamente a si mesmas como
capazes de sair de qualquer sarilho ou encontrar maneira de resolver
qualquer problema, enquanto outras pura e simplesmente não
se imaginam como tendo a energia, a habilidade e os meios para
atingir os seus objectivos. As pessoas com um elevado nível de
esperança, concluiu Snyder, compartilham certas características,
entre elas o serem capazes de se motivarem a si mesmas, sentiremse
com capacidades suficientes para atingir os seus fins, dizendo a si
mesmas, quando num aperto, que as coisas hão-de melhorar, sendo
suficientemente flexíveis para encontrar maneiras diferentes de

120
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

atingir os seus objectivos ou até para mudar de objectivo se um se


revela impossível, e tendo o bom senso de decompor as tarefas
excessivamente grandes em partes mais pequenas e mais facilmente
tratáveis. . ,; .

Da perspectiva da inteligência emocional, ter esperança significa


que a pessoa não se deixará dominar pela ansiedade, por uma atitude
derrotista ou pela depressão face a um desafio difícil ou a um
contratempo. Efectivamente, as pessoas que têm esperança mostram-se
menos sujeitas às depressão que outras enquanto manobram
através da vida em perseguição dos seus objectivos, são de um modo
geral menos ansiosas e têm menos perturbações emocionais.

OPTIMISMO: O GRANDE MOTIVADOR

Os americanos que se interessam pela natação depositavam


grandes esperanças em Matt Biondi, um dos membros da equipa
olímpica dos Estados Unidos em 1988. Alguns comentadores desportivos
sugeriam que ele seria capaz de igualar a proeza de Mark
Sptiz em 1972, ganhando sete medalhas de ouro. Mas Biondi terminou
a primeira prova, os duzentos metros livres, num descoroçoante
terceiro lugar. Na prova seguinte, os cem metros mariposa,
foi batido por centímetros na corrida ao ouro por um outro nadador
que se esforçou mais no último metro.

Desta vez, os comentadores previram que as duas derrotas o


desanimariam para as provas que faltavam. Mas Biondi recompôsse
das derrotas e ganhou medalhas de ouro nas cinco provas seguintes.
Um espectador que não ficou muito surpreendido com esta
reviravolta foi Martin Seligman, um psicólogo da Universidade da
Pensilvânia, que testara o optimismo de Biondi no princípio desse
ano. Numa experiência conduzida por Seligman, o treinador disse
a Biondi, por ocasião de uma exibição destinada a destacar as capacidades
do nadador, que tinha feito um tempo pior que aquele
que realmente conseguira. Apesar desta informação desanimadora,
quando lhe pediram que descansasse e voltasse a tentar, o desempenho
dele — que já tinha sido muito bom — foi ainda melhor.
Mas quando outros membros da equipa — que os testes feitos por
Seligman tinham apontado como pessimistas — tentaram de novo
depois de lhes ter sido comunicado um tempo superior ao verdadeiro,
saíram-se ainda pior da segunda vez.21

121
DANIEL GOLEMAN

O optimismo, tal como a esperança, significa ter uma forte expectativa


de que, de um modo geral, tudo acabará por correr bem
na vida, a despeito de contratempos e frustrações. Do ponto de vista
da inteligência emocional, o optimismo é uma atitude que protege
as pessoas contra deixarem-se cair na apatia, na desesperança
ou na depressão face às dificuldades. E, tal como a esperança (sua
prima chegada), o optimismo paga dividendos na vida (desde que,
evidentemente, seja um optimismo realista; um optimismo excessivamente
ingénuo pode ser desastroso).22

Seligman define o optimismo em termos de como as pessoas


explicam a si mesmas os seus êxitos e fracassos. Os optimistas encaram
o fracasso como consequência de qualquer coisa que podem
mudar de modo a terem êxito da próxima vez, enquanto os pessimistas
aceitam a culpa do fracasso, atribuindo-o a uma qualquer
característica inata que não está ao seu alcance modificar. Estas
explicações diferentes têm implicações profundas no modo como as
pessoas respondem à vida. Por exemplo, em reacção a um desapontamento
como ser desqualificado para um emprego, o optimista
tende a responder activa e esperançadamente, formulando um
plano de acção, ou procurando ajuda ou conselho; vê o contratempo
como algo que pode ser remediado. O pessimista, pelo contrário,
reage a este contratempo assumindo que nada pode fazer para tornar
as coisas melhores da próxima vez, e portanto nada faz a respeito
do problema; vê o desaire como consequência de um defeito pessoal
que há-de persegui-lo sempre.

Tal como a esperança, o optimismo prediz o êxito académico.


Num estudo levado a cabo com quinhentos membros da classe de
caloiros de 1984, na Universidade da Pensilvânia, as pontuações
dos estudante nos testes de optimismo revelaram-se melhores previsores
das notas que viriam a obter no final do ano que as pontuações
dos SAT ou as notas do liceu. Diz Seligman, que as estudou:
«Os exames de admissão à universidade medem o talento,
enquanto o estilo explanatório nos diz quem vai desistir. É a cornbinação
de um talento razoável e da capacidade de perseverar face
à derrota que conduz ao êxito. O que falta nos testes de capacidade
é a motivação. O que precisamos de saber a respeito de uma pessoa
é se ela seguirá em frente quando as coisas se tornarem frustrantes.
O meu palpite é que, para um dado nível de inteligência, o desempenho
real é função não apenas do talento, mas também da capacidade
de enfrentar a derrota.»23

122
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Uma das demonstrações mais reveladoras do poder do optimismo


para motivar as pessoas é um estudo que Seligman fez com um
grupo de vendedores de seguros da empresa MetLife. Ser capaz de
assumir uma rejeição com graciosidade é essencial em qualquer tipo
de venda, em especial no caso de um produto como os seguros, em
que a relação de «nãos» para «sins» pode ser desencorajadoramente
alta. Por esta razão, cerca de três quartos dos angariadores de seguros
desistem durante os primeiros três anos. Seligman verificou
que os novos vendedores que eram por natureza optimistas vendiam
37 por cento mais seguros durante os primeiros dois anos que os pessimistas.
E durante o primeiro ano os pessimistas desistiam duas
vezes mais que os optimistas.

Mais, Seligman conseguiu convencer a empresa a contratar um


grupo especial de candidatos que tinham obtido pontuações elevadas
no teste de optimismo, mas falhado nos testes de admissão normais
(que comparavam uma gama de atitudes dos candidatos a um
perfil-padrão baseado nas respostas de agentes comprovadamente
bem sucedidos). Este grupo especial vendeu 21 por cento mais que
os pessimistas no primeiro ano, e 57 por cento mais no segundo.

A razão por que o optimismo representa uma tão grande diferença


no êxito nas vendas explica-se na medida em que é uma atitude
emocionalmente inteligente. Cada não que o vendedor recebe
é uma pequena derrota. A reacção emocional a essa derrota é
crucial para a capacidade de mobilizar motivação suficiente para
continuar. A medida que os nãos se vão acumulando, o moral pode
deteriorar-se, tornando cada vez mais difícil pegar no telefone para
fazer a próxima chamada. Uma tal rejeição é particularmente dura
de aceitar para o pessimista, que a interpreta como significando:
«Sou um fracasso total nesta coisa. Nunca hei-de conseguir fazer
uma venda» — uma interpretação que não poderá deixar de provocar
apatia e derrotismo, se não mesmo depressão. Os optimistas,
pelo contrário, dizem a si mesmo: «Estou a usar a abordagem errada»,
ou «Esta pessoa estava de mau humor.» Ao verem-se não a si
mesmos mas qualquer coisa na situação como a razão do seu fracasso,
podem mudar de abordagem no telefonema seguinte. Enquanto
a atitude mental do pessimista conduz ao desespero, a do optimista
gera esperança.

Uma fonte de uma perspectiva positiva ou negativa pode muito


bem ser o temperamento inato; algumas pessoas tendem por natureza
num outro sentido. Mas, como também veremos no Capítulo

123
DANIEL GOLEMAN

14, o temperamento pode ser temperado pela experiência. O optimismo


e a esperança — tal como a impotência e o desespero — podem
ser apreendidos. Subjacente a ambos está uma maneira de ver
a que os psicólogos chamam auto-eficácia, a convicção da pessoa de
que domina os acontecimentos da sua própria vida e é capaz de enfrentar
os desafios à medida que eles surgem. Desenvolver uma
aptidão, seja de que tipo for, reforça o sentimento de auto-eficácia,
tornando a pessoa mais disposta a correr riscos e a procurar desafios
mais exigentes. E vencer esses desafios reforça por sua vez o sentimento
de auto-eficácia. Esta atitude torna as pessoas mais capazes
de usar da melhor maneira quaisquer capacidades que possam possuir
— ou de fazer o necessário para desenvolvê-las.

Albert Bandura, um psicólogo de Stanford que fez a maior parte


dos estudos sobre a auto-eficácia, resume bem a situação: «Aquilo
que as pessoas pensam das suas capacidades tem um efeito profundo
nessas mesmas capacidades. A capacidade não é um bem fixo: há
uma variabilidade enorme na maneira de utilizá-lo. As pessoas que
possuem o sentimento da auto-eficácia recompõem-se facilmente
dos desaires; abordam as coisas em termos de como lidar com elas e
não preocupando-se com o que pode correr mal.»24

FLUXO: A NEUROBIOLOGIA DA EXCELÊNCIA

Um compositor descreve aqueles momentos em que o seu trabalho


está a correr o melhor possível:

Sentimo-nos num tal estado de êxtase que é como se nós próprios


não existíssemos. Tenho experimentado esta sensação vezes
sem conta. As minhas mãos parecem funcionar independentemente
de mim e é como se eu nada tivesse a ver com o que se está
a passar. Limito-me a ficar ali sentado, num estado de espanto e
reverência. E a música flui por si mesma.”

Esta descrição é surpreendentemente similar à de centenas de


outros homens e mulheres — desde alpinistas, campeões de xadrez,
cirurgiões, jogadores de basquete, engenheiros, gestores, inclusivamente
simples empregados de escritório — quando falam de uma
altura em que se excederam a si mesmos numa actividade favorita.
O estado que descrevem recebeu de Mihaly Csikszentmihalyi, o psi124
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

cólogo que durante duas décadas de investigação recolheu inúmeros


relatos deste tipo de desempenho óptimo, o nome de «fluxo».26
Os atletas conhecem este estado de graça como «a zona», onde a
excelência se consegue sem esforço, em que o público e os adversários
desaparecem numa maravilhosa e continuada absorção no momento.
Diane Roffe-Steinrotter, que ganhou uma medalha olímpica
de esqui nas Olimpíadas de Inverno de 1994 disse, depois de
terminar a sua prova, que tudo aquilo de que se lembrava era de estar
imersa em relaxação: «Sentia-me como uma catarata.»27

Ser capaz de entrar em fluxo é inteligência emocional no seu


melhor; o fluxo representava possivelmente o máximo em matéria
de dominar as emoções ao serviço do desempenho e da aprendizagem.
No fluxo, as emoções não são apenas contidas e controladas;
são positivadas, energizadas e alinhadas com a tarefa entre mãos.
Ser apanhado na tristeza da depressão ou na agitação da ansiedade
é ser-se banido do fluxo. Todavia o fluxo (ou um mais ligeiro microfluxo)
é uma experiência que quase toda a gente já teve numa ou
noutra ocasião, particularmente quando consegue um desempenho
óptimo ou ultrapassa os seus anteriores limites. Talvez a melhor maneira
de o descrever seja o êxtase de um acto de amor perfeito, o
fundir de dois seres numa única e harmoniosa entidade.

E uma experiência gloriosa: a característica específica do fluxo


é uma alegria espontânea, um êxtase. Fazendo-nos sentir tão bem,
o fluxo é inerentemente gratificante. É um estado em que as pessoas
ficam absolutamente absortas no que estão a fazer, dando à tarefa
uma atenção indivisa, em que a consciência se funde completamente
com as acções. Na realidade, pensar demasiado no que está a
acontecer interrompe o fluxo — o simples pensamento «Isto está
a correr-me maravilhosamente» pode quebrar a sensação. A atenção
torna-se tão focalizada que a pessoa só tem consciência da
estreita gama de percepção relacionada com a tarefa imediata, perdendo
a noção do espaço e do tempo. Um cirurgião, por exemplo,
recorda uma difícil operação durante a qual esteve em estado de
fluxo; quando terminou, reparou num monte de detritos no chão
da sala de operações e perguntou o que se passara. Ficou assombrado
ao ouvir que, enquanto operava, uma parte do tecto tinha caído
sem que desse por isso.

O fluxo é um estado de auto-esquecimento, precisamente o


contrário da ruminação e da preocupação: em vez de se perderem
em preocupações nervosas, as pessoas em estado de fluxo ficam tão

125
DANIEL GOLEMAN

absortas no que estão a fazer que perdem toda a consciência de si


mesmas, esquecendo os pequenos problemas — a saúde, as contas
por pagar, até o estar ou não a sair-se bem — da vida quotidiana.
Neste sentido, os momentos de fluxo são despidos de ego. Paradoxalmente,
as pessoas em estado de fluxo são exímias no controlo
daquilo que fazem, as suas reacções ficam perfeitamente sintonizadas
com as exigências da tarefa. E embora as pessoas desempenhem
no seu melhor quando em fluxo, isso não as preocupa minimamente,
não são assaltadas por pensamentos de êxito ou de fracasso
— o simples prazer do acto em si mesmo é o que as motiva.

Há várias maneiras de entrar em fluxo. Uma é focar intencionalmente


a tarefa entre mãos; um estado de elevada concentração
é a essência do fluxo. Parece haver um ciclo de retroalimentação
à entrada desta zona: ficar suficientemente calmo e
concentrado para iniciar a tarefa pode exigir um esforço considerável
— este primeiro passo exige alguma disciplina. Mas uma vez
estabelecida, a concentração ganha uma força própria, proporcionando
alívio da turbulência emocional ao mesmo tempo que faz
que o trabalho pareça realizar-se sem esforço.

A entrada nesta zona pode igualmente ocorrer quando as pessoas


encontram uma tarefa em que são exímias, e se envolvem nela a
um nível que desafia ligeiramente as suas capacidades. Como
Csikszentmihalyi me disse: «As pessoas parecem concentrar-se
melhor quando as exigências que lhe são feitas são maiores do que
o habitual, e são capazes de dar mais do que o habitual. Se a exigência
é demasiado baixa, aborrecem-se; se é excessiva, ficam ansiosas.
O fluxo acontece nessa delicada zona entre o tédio e a ansiedade.»28

O prazer, a graça e a eficácia espontâneos que caracterizam o


fluxo são incompatíveis com sequestros emocionais, durante os
quais os impulsos límbicos dominam o resto do cérebro. A qualidade
da atenção no estado de fluxo é descontraída, ainda que intensamente
focada. É uma concentração muito diferente da tensão que
resulta de termos de prestar atenção quando estamos cansados ou
aborrecidos, ou quando o nosso enfoque se encontra sob o assédio
de pensamentos intrusivos como a ansiedade ou a ira.

O fluxo é estado desprovido de estática emocional, exceptuando


uma sensação altamente motivadora de ligeira euforia. Esta
euforia parece ser um subproduto do focar da atenção, que é um
pré-requisito do fluxo. com efeito, a literatura clássica das tradições
contemplativas descreve estados de absorção que são experimenta126
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

dos como perfeita beatitude: fluxo induzido única e exclusivamen- ^^^^^|

te através de uma concentração intensa. I ^^^^H

Quando observamos alguém em estado de fluxo, ficamos com a ^^^^H

impressão de que o difícil é fácil; o desempenho óptimo parece na- ^^^^H

tural e simples. Esta impressão equivale ao que se passa no interior ^^^^^|

do cérebro, onde se repete um paradoxo semelhante: as tarefas mais m ^^^^m

exigentes são desempenhadas com um dispêndio mínimo de ener- ^^^^H

gia mental. No fluxo, o cérebro encontra-se num estado de «con- ^^^^H

trolo» perfeito em que a excitação e a inibição dos circuitos neuro- ^^^^H

nais estão sintonizadas com as exigências do momento. Quando as ^^^^|

pessoas se entregam a actividades que, sem esforço, lhes captam e ^^^^|

prendem a atenção, os seus cérebros «acalmam-se», no sentido de ^^^^H

que há uma diminuição da excitação cortical.29 Esta descoberta é ^^^^H

notável, considerando que o fluxo permite às pessoas desempenha- ^^^^H

rem as mais difíceis tarefas em qualquer domínio, seja contra um ^^^^fl

mestre de xadrez ou resolver um complexo problema matemático. ^^^^|

Seria de esperar que tarefas tão exigentes requeressem mais activi- ^^^^J

dade cortical, e não menos. Mas uma das chaves do fluxo é que só ]|é ^^^^J

ocorre dentro dos limites da capacidade máxima, onde as aptidões jl ^^^^H

estão bem ensaiadas e os circuitos neuronais são mais eficientes. jl ^^^^J

Uma concentração tensa — um enfoque alimentado pela {fl ^^^^B

preocupação — produz uma activação cortical acrescida. Mas a zona ; ^^^^H

de fluxo e de desempenho óptimo parece ser um oásis de eficiência i:\wÊ ^^^^|

cortical, com um gasto mínimo de energia mental. Isto faz sentido, , :! ^^^^J

talvez em termos da prática exímia que permite às pessoas entrarem jl ^^^^J

em fluxo: dominar os gestos de uma tarefa, seja ela física como o aipi- :l ^^^^H

nismo ou mental como a programação de computadores, significa H ^^^^|


que o cérebro pode ser mais eficaz na maneira como os executa. Os ^^^^B

movimentos conhecidos e praticados exigem do cérebro menos esfor- ^^^H|

ço que aqueles que estão a ser aprendidos, ou aqueles que são ainda •’tfBj ^^^^|

muito difíceis. Do mesmo modo, quando o cérebro trabalha de uma ...J^H ^^^^1

maneira menos eficiente devido ao cansaço ou ao nervosismo, como jj,^^B ^^^H

acontece no final de um dia agitado, há um esbatimento da precisão ,^^H ^^^H

do esforço cortical, com a activação supérflua de demasiadas áreas »nW ^^^H

— um estado neuronal que conhecemos como estarmos altamente ””’H ^^^H

distraídos.10 O mesmo acontece com o tédio. Mas quando o cérebro B ^

está a funcionar no máximo da eficiência, como no estado de fluxo, . dH /

existe uma relação precisa entre as áreas activas e as exigências da ]

tarefa. Neste estado, o mais difícil dos trabalhos pode parecer refres- Jl

cante e agradável em vez de tremendamente cansativo. li^HL l

127
DANIEL GOLEMAN

APRENDIZAGEM E FLUXO.
UM NOVO MODELO DE ENSINO

Uma vez que o fluxo ocorre na zona em que a actividade desafia


a pessoa ao máximo da sua capacidade, à medida que essa capacidade
aumenta passa a ser necessário um desafio cada vez maior
para provocá-lo. Se uma tarefa é demasiado simples, torna-se aborrecida;
se é demasiado difícil, resulta em ansiedade e não em fluxo.
Pode argumentar-se que o domínio de uma arte ou competência é
alimentado pela experiência de fluxo — que a motivação para ser
cada vez melhor em qualquer actividade, seja tocar violino, dançar
ou fazer engenharia genética, é pelo menos em parte estar em fluxo
enquanto se pratica essa actividade. Efectivamente, num estudo
levado a cabo com duzentos artistas dezoito anos depois de terem
saído da escola de Belas-Artes, Csikszentmihalyi verificou que eram
aqueles que nos seus tempos de estudantes haviam experimentado
a alegria pura da pintura pela pintura que se tinham tornado artistas
sérios. Os que na escola tinham sido motivados apenas por
sonhos de fama e riqueza tinham na sua maior parte acabado
por afastar-se de pintura com o decorrer dos anos. E Csikszentmihalyi
conclui: «Os pintores têm de querer pintar acima de tudo
o mais. Se o artista diante de uma tela começa por perguntar a si
mesmo por quanto irá vendê-la, ou o que os críticos pensarão dela,
nunca conseguirá desbravar novos caminhos. A realização criativa
depende de uma imersão total e exclusiva.»31

Se o fluxo é um pré-requisito para a excelência num ofício,


profissão ou arte, também o é na aprendizagem. Os estudantes que
experimentam o estado de fluxo enquanto estudam saem-se melhor
que os outros, independentemente do seu potencial tal como é
medido pelos testes de realização. Um grupo de estudantes de uma
escola secundária especial para a área das ciências da zona de Chicago
— todos eles com resultados que se situavam na zona dos 5 por
cento superiores num teste de matemática — foram classificados
pelos seus professores desta disciplina como altos ou baixos realizadores.
Depois, controlou-se o modo como estes estudantes passavam
o tempo: cada um deles recebeu um beeper que, em momentos
aleatórios ao longo do dia, emitia um sinal, indicando-lhes que
devia anotar num formulário o que estava a fazer e qual era o seu
estado de espírito. Sem surpresa para ninguém, os baixos realizado128
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

res passavam apenas quinze horas por semana a estudar em casa,


muito menos que as vinte e sete horas semanais dedicadas aos trabalhos
escolares pelos seus colegas realizadores. Os baixos realizadores
passavam a maior parte do tempo em que não estavam a estudar
a confraternizar com a família ou com os amigos.

Quando se analisou o estado de espírito destes estudantes, emergiu


uma descoberta bem reveladora. Tanto os altos como os baixos
realizadores passavam uma grande porção de tempo ao longo da
semana a aborrecerem-se com actividades, como ver televisão, que
não representavam qualquer desafio para as suas capacidades. Tal é,
ao fim e ao cabo, a sina dos adolescentes. Mas a diferença-chave
situava-se na experiência que uns é outros tinham no estudo. No
caso dos altos realizadores, estudar proporcionava-lhes o agradável
e absorvente desafio do fluxo durante 40 por cento do tempo que
passavam a fazê-lo. Mas para os baixos realizadores, o estudo só produzia
fluxo durantes 16 por cento do tempo; as mais das vezes,
provocava ansiedade, por as exigências da tarefa excederam as suas
capacidades. Os baixos realizadores experimentavam prazer e fluxo
no convívio, não no estudo. Em resumo, os estudantes que realizam
ao máximo ou até ultrapassam o seu potencial académico são mais
frequentemente atraídos pelo estudo porque este os faz entrar em
estado de fluxo. Tristemente, os baixos realizadores, incapazes de
aperfeiçoar as capacidades que os fariam entrar em fluxo, perdem o
prazer de estudar e ao mesmo tempo correm o risco de limitar o nível
das tarefas intelectuais de que poderão desfrutar no futuro.32

Howard Gardner, o psicólogo de Harvard que desenvolveu a


teoria das inteligências múltiplas, vê o fluxo, e os estados positivos
que o tipificam, como parte da maneira mais saudável de ensinar as
crianças, motivando-as a partir do interior e não através de ameaças
ou de promessas de recompensa. «Deveríamos usar os estados positivos
das crianças para atraí-las para a aprendizagem nos domínios
onde podem desenvolver competências», declarou-me Gardner.
«O fluxo é um estado interior que significa que a criança está envolvida
numa tarefa que é a certa para ela. Todos temos de encontrar
qualquer coisa de que gostemos e agarrarmo-nos a ela. E quando
os miúdos estão aborrecidos na escola que se metem em lutas e
arranjam problemas, e quando estão assoberbados por um desafio
excessivo que se tornam ansiosos a respeito do trabalho escolar.
Aprendemos sempre melhor quando se trata de qualquer coisa que
nos interessa e temos prazer em fazer.»

129
DANIEL GOLEMAN

A estratégia utilizada em muitas escolas que estão a pôr em prática


o modelo das inteligências múltiplas de Gardner gira à volta de
identificar o perfil de competências natural de cada criança e dar
destaque aos pontos fortes sem deixar de tentar reforçar os mais fracos.
Uma criança que seja naturalmente talentosa para a música ou
para o movimento, por exemplo, entrará mais facilmente em fluxo
nessas áreas que noutras onde se sinta menos à vontade. Conhecer
o perfil da criança ajuda o professor a afinar a maneira como cada
tópico lhe é apresentado e a proporcionar-lhe lições ao nível — desde
o básico ao altamente desenvolvido — mais susceptível de oferecer-lhe
um desafio óptimo. Fazer isto torna a aprendizagem agradável,
e não um terror nem uma maçada. «A esperança é que quando
as crianças obtiverem fluxo com o aprender, se sintam tentadas a
aceitar desafios em novas áreas», diz Gardner, acrescentando que
a experiência parece sugerir ser efectivamente isso o que se passa.

De um modo mais geral, o modelo de fluxo sugere que chegar ao


domínio de qualquer competência ou corpo de conhecimentos
deveria idealmente acontecer de forma natural, à medida que a
criança é atraída para áreas que espontaneamente a cativam — de
que, em essência, ela gosta. Esta paixão inicial pode ser a semente
para níveis mais elevados de realização, quando a criança compreende
que perseverar nessa área — seja ela dança, matemática ou
música — é uma fonte de alegria do fluxo. E uma vez que manter o
fluxo exige expandir os limites das capacidades pessoais, isso passa
a ser o principal motivador para se tornar cada vez melhor; faz a
criança feliz. Este é, evidentemente, um modelo mais positivo de
aprendizagem e ensino que aquele que a maior parte de nós encontrou
na escola. Quem não recorda a escola, pelo menos em parte,
como intermináveis horas de tédio pontuadas por momentos de alta
ansiedade? Perseguir o fluxo através da aprendizagem é uma
maneira muito mais humana, natural, e provavelmente eficaz, de
mobilizar as emoções ao serviço da educação.

Isto está de acordo com o sentido mais geral de que canalizar as


emoções para um objectivo produtivo é uma aptidão-mestra. Quer
se trate de controlar um impulso e adiar a recompensa, regular os
nossos estados de espírito de modo que facilitem o pensamento em
vez de o impedirem, motivarmo-nos a nós mesmos para insistir e
tentar, e tentar mais uma vez face aos desaires, ou descobrir meios
de entrar em fluxo para obter um melhor desempenho — tudo testemunha
o poder da emoção para guiar o esforço eficaz.

130
7
As Raízes da Empatia
Voltemos a Gary, o brilhante mas alexitímico cirurgião que tanto
perturba a noiva, Ellen, ao ignorar não só os seus próprios
sentimentos, mas também os dela. Como à maior parte do alexitímicos,
falta-lhe empatia, além da capacidade de introspecção. Se
Ellen lhe dizia que se sentia em baixo, Gary não sabia consolá-la;
se ela lhe falava de amor, ele mudava de assunto. Gary tecia críticas
«construtivas» às coisas que Ellen fazia, sem se aperceber de que
essas críticas a faziam sentir-se atacada, e não ajudada.

A empatia nasce da autoconsciência; quanto mais abertos formos


às nossas próprias emoções, mais capazes seremos de ler os
sentimentos dos outros.1 Os alexitímicos como Gary, que não
fazem a mínima ideia do que eles próprios sentem, ficam completamente
em branco quando se trata de perceber o que sentem aqueles
que os rodeiam. São emocionalmente surdos. As notas e acordes
emocionais que permeiam as palavras e as acções das pessoas
— o torn de voz que tanto diz ou a mudança de postura, o silêncio
eloquente ou a tremura reveladora — passam-lhes completamente
despercebidos.

Confusos a respeito dos seus próprios sentimentos, os alexitímicos


ficam igualmente desnorteados quando as outras pessoas lhes
falam dos seus. Esta incapacidade de registar os sentimentos alheios
constitui um fortíssimo défice de inteligência emocional, e uma trágica
falha naquilo que significa ser humano. Em qualquer relação,
as raízes da solicitude nascem da sintonia emocional, da capacidade
de sentir empatia.

Esta capacidade — a habilidade de saber como os outros se sentem


— tem um papel a desempenhar numa vasta gama de áreas da
vida, desde as vendas à gestão, das relações amorosas à actividade
parental. A ausência de empatia é também reveladora. Encontramo-la
nos criminosos psicopatas, nos violadores, nos que assediam
sexualmente crianças.

131
DANIEL GOLEMAN

Raramente as emoções das pessoas são traduzidas em palavras;


as mais das vezes, expressam-se de outras maneiras. A chave para
intuir os sentimentos dos outros reside na habilidade de ler os
canais não-verbais: o torn da voz, o gesto, a expressão facial, etc.
O maior corpo de investigação sobre a capacidade das pessoas de
lerem estas mensagens não-verbais é possivelmente a levada a
cabo por Robert Rosenthal, um psicólogo de Harvard, e pelos seus
estudantes. Rosenthal concebeu um teste de empatia, o PONS
(Profiie o{ Nonverbaí Sensítivíty — Perfií de Sensibilidade N’ão-Verbal),
constituído por uma série de gravações vídeo de uma
jovem que expressa uma gama de sentimentos que vão desde o
ódio ao amor maternal.2 As cenas cobrem um vasto espectro, desde
a explosão de fúria ciumenta a um pedido de perdão, desde mostrar
gratidão à tentativa de sedução. O vídeo está montado de tal
maneira que em cada «retrato» um ou mais canais de comunicação
não-verbal são sistematicamente obliterados; além de não se ouvirem
as palavras, por exemplo, em algumas cenas são eliminadas
todas as pistas excepto a expressão facial. Noutras, só se mostram
os movimentos do corpo, e por aí fora, percorrendo toda a gama de
canais de comunicação não-verbal, de modo que o espectador
tenha de identificar a emoção através de uma ou outra indicação
deste tipo.

Testes com mais de sete mil pessoas realizados nos Estados


Unidos e em dezoito outros países revelaram que as vantagens de
saber ler sentimentos a partir de indicações não-verbais incluem ser
emocionalmente melhor ajustado, mais popular, mais expansivo e
— talvez muito naturalmente — mais sensível. De um modo geral,
as mulheres são melhores que os homens neste tipo de empatia.
E as pessoas cujo desempenho ia melhorando ao longo dos quarenta
e cinco minutos do teste — um sinal de que possuíam a capacidade
de adquirir aptidão empática — tinham também melhores relações
com o sexo oposto. A empatia, e isto não constitui certamente uma
surpresa, ajuda muito na vida amorosa.

Tal como acontece com outros elementos da inteligência emocional,


verifica-se que há apenas uma relação incidental entre as
pontuações obtidas na medição da capacidade empática e as pontuações
SAT, de QI ou dos exames escolares. A independência da
empatia relativamente à inteligência académica ficou igualmente
demonstrada em experiências feitas com uma versão de PONS concebida
para crianças. Dos testes aplicados a 1011 crianças, resultou

132
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

que aquelas que revelavam uma aptidão especial para ler sentimentos
através de pistas não-verbais eram igualmente as mais populares
nas respectivas escolas, as emocionalmente mais estáveis.3 Também
se saíam melhor em termos académicos, muito embora, em média,
o seu QI não fosse superior ao das outras crianças menos hábeis a
ler mensagens não-verbais — sugerindo talvez que dominar esta
aptidão empática facilita o êxito escolar (ou simplesmente faz que
os professores gostem mais desses alunos).

Tal como o modo de expressão da mente racional são as palavras,


o modo de expressão das emoções é não-verbal. De facto,
quando as palavras de uma pessoa não estão de acordo com aquilo
que é transmitido pelo torn da sua voz, pelos seus gestos ou outros
canais não-verbais, a verdade emocional do que comunica reside no
modo como diz qualquer coisa e não naquilo que diz. Uma regra básica
usada na investigação da comunicação é de que 90 por cento ou
mais de uma mensagem emocional são não-verbais. E estas mensagens
— ansiedade no torn da voz, irritação na brusquidão de um
gesto — são quase sempre captadas inconscientemente, sem que
seja dada uma atenção específica à natureza da mensagem, mas apenas
recebendo-a tacitamente, e respondendo-lhe. As habilidades
que nos permitem fazê-lo melhor ou pior são também, na sua maior
parte, tacitamente aprendidas.

COMO SE DESENVOLVE A EMPATIA

.. *.,;, jl. ....

No momento em que Hoge, apenas com nove meses de idade,


viu um outro bebé cair, as lágrimas saltaram-lhe dos olhos e procurou
a mãe em busca de conforto, como se tivesse sido ela própria a
magoar-se. E Michael, de quinze meses, foi buscar o seu próprio
ursinho de pelúcia para o emprestar ao seu amigo Paul, que estava
a chorar; ao ver que Paul continuava a chorar, Michael foi-lhe buscar
a manta «especial» a que ele costumava agarrar-se para se tranquilizar.
Estes dois pequenos gestos de empatia e solicitude foram
observados por mães ensinadas a registar estes incidentes de empatia
em acção.4 Os resultados do estudo parecem sugerir que as raízes
da empatia remontam à primeira infância. Praticamente a partir do
dia do seu nascimento, os bebés ficam perturbados se ouvem um
outro chorar — uma resposta em que há quem veja os primeiros
sinais precursores de empatia.5

133
4
1
DANIEL GOLEMAN

Os psicólogos desenvolvimentistas chegaram à conclusão de


que as crianças sentem sofrimento por simpatia ainda antes de se
darem conta total de que existem independentemente das outras
pessoas. Poucos meses depois do nascimento, reagem já às perturbações
daqueles que as rodeiam como se fossem suas, chorando
quando vêem outras chorar. Por volta do ano, começam a compreender
que a dor não é delas, mas de uma outra pessoa, embora continuem
a sentir-se confusas quanto ao que fazer a esse respeito.
Numa investigação levada a cabo por Martin L. Hoffman na Universidade
de Nova Iorque, por exemplo, uma criança de um ano foi
buscar a sua própria mãe para confortar um amigo que estava a chorar,
ignorando a mãe do amigo, que se encontrava igualmente presente
na sala. Esta confusão verifica-se também quando as crianças
de um ano imitam o sofrimento de outra pessoa, possivelmente para
melhor compreenderem o que ela está a sentir; por exemplo, se um
outro bebé se magoa nos dedos, a criança de um ano poderá levar
os seus próprios dedos à boca, para ver se também lhe doem. Ao ver
a mãe a chorar, um bebé limpou os seus próprios olhos, embora não
tivesse lágrimas.

Este mimetismo motor, como se lhe chama, era o sentido técnico


original da palavra empatia quando foi pela primeira vez usada,
nos anos 20, por E. B. Titchener, um psicólogo americano. Este
sentido é ligeiramente diferente da sua introdução original no português
a partir do grego empatheia, «sentir dentro», um termo inicialmente
usado pelos teóricos e pelos estetas para designar a capacidade
de apreender a experiência subjectiva de outra pessoa.
A teoria de Titchener era que a empatia decorre de uma espécie de
imitação física do sofrimento alheio, que então evoca os mesmos
sentimentos na própria pessoa. Procurava uma palavra que fosse
diferente de simpatia, que pode sentir-se pelos problemas gerais de
outra pessoa sem no entanto se chegar a compartilhar aquilo que
essa pessoa sente.

A imitação motora desaparece do repertório da criança por


volta dos dois anos e meio, altura em que se apercebe de que a dor
de outra pessoa é diferente da sua, e se torna mais capaz de proporcionar
consolo. Um incidente típico, retirado do diário de uma mãe:

O bebé de uma vizinha chora (...) e Jenny aproxima-se e tenta


dar-lhe alguns biscoitos. Segue-o de um lado para o outro, começando
a choramingar para si mesma. Tenta então fazer-lhe festas

134
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

na cabeça, mas ele afasta-se (...) O bebé acalma-se, mas Jenny continua
a parecer preocupada. Continua a levar-lhe brinquedos e a
fazer-lhe festas na cabeça e nos ombros.6

Neste ponto do seu desenvolvimento, as crianças começam a


divergir uma das outras no que respeita à sensibilidade às perturbações
emocionais de terceiros; algumas, como Jenny, permanecem
altamente sensíveis, ao passo que outras «desligam» completamente.
Uma série de estudos conduzidos por Marian Radke-Yarrow
e Carolyn Zahn-Wakler no Instituto Nacional de Saúde Mental
revela que uma grande parte desta diferença no nível de interesse
empático tem a ver com a maneira como os país educam os filhos.
As crianças, descobriram, mostram-se muito mais empáticas quando
os pais têm o hábito de chamar-lhes a atenção para as consequências
que o seu comportamento tem para os outros: «Vê como
ela ficou triste», em vez de «Isso foi muito feio.» Descobriram também
que a empatia das crianças é igualmente modelada por verem
como as pessoas reagem quando alguém sofre; imitando o que
vêem, as crianças desenvolvem um repertório de resposta empática,
especialmente ajudando outras pessoas que estão tristes.

A CRIANÇA BEM SINTONIZADA

Sara tinha vinte e cinto anos quando deu à luz dois gémeos,
Mark e Fred. Achava Mark mais parecido com ela, e Fred mais
parecido com o pai. Esta convicção pode ter estado na origem da
importante mais subtil diferença na maneira como tratava cada um
dos rapazes. Quando tinham apenas três meses, Sara tentava frequentemente
captar o olhar de Fred, e quando ele lhe voltava a
cara, ela insistia, ao que Fred respondia desviando ainda mais enfaticamente
o olhar. Se ela afastava os olhos, Fred olhava para ela, e
o ciclo de procura e aversão recomeçava — tendo muitas vezes como
resultado provocar na criança ataques de choro. Mas com Mark,
Sara praticamente nunca tentava impor o contacto visual, como
fazia com Fred. Em vez disso, Mark podia desviar os olhos sempre
que queria, sem que a mãe insistisse.

Um pequeno gesto, mas importante. Passado um ano, Fred era


notoriamente mais chorão e dependente que Mark; uma maneira
que tinha de mostrar o seu medo era quebrar o contacto visual com

135
DANIEL GOLEMAN

as pessoas, como fazia com a mãe quando tinha três meses, baixan- |

do o rosto voltando-o para o lado: Mark, pelo contrário, fixava as


pessoas directamente nos olhos; quando queria quebrar o contacto j

visual, movia a cabeça ligeiramente para cima e para o lado, com ”

um sorriso de vitória.

Os gémeos e a mãe foram observados com toda a minúcia quando


participaram numa investigação conduzida por Daniel Stern,
um psiquiatra na altura colocado na Faculdade de Medicina da I

Cornell University.7 Stern sente-se fascinado pelas pequenas e


constantes trocas que têm lugar entre mãe (ou, evidentemente, pai)
e filho (ou filha); está convencido de que as lições mais básicas da I

vida emocional são transmitidas nesses instantes de intimidade. De


todos esses momentos, os mais importantes são aqueles em que a
criança sabe que as suas emoções são recebidas com empatia, aceites
e correspondidas, num processo a que Stern chama sintonização.
A mãe dos gémeos estava sintonizada com Mark, mas emocionalmente
dessincronizada em relação a Fred. Stern afirma que os infinitamente
repetidos momentos de sintonia e dessintonia que acontecem
entre pais e filhos configuram as expectativas emocionais
que os adultos levam para as suas relações — talvez mais do que os
mais dramáticos acontecimentos da infância.

A sintonização acontece tacitamente, como parte do ritmo da


relação. Stern estudou-a com precisão microscópica gravando em
vídeo horas e horas de relacionamento entre mães e os respectivos
filhos. Chegou à conclusão de que, através da sintonização, as mães
dizem aos filhos que sabem aquilo que eles estão a sentir. Um bebé
grita de alegria, por exemplo, e a mãe reafirma essa alegria mexendo
nele, fazendo-lhe uma festa ou elevando a voz até ao torn do seu
grito. Ou o bebé agita a roca, e ela responde-lhe sacudindo-o ligeiramente
a ele. Neste tipo de interacção, a mensagem afirmativa
reside no facto de a mãe reproduzir mais ou menos o nível de excitação
do bebé. Estas pequenas sintonizações dão à criança a sensação
reconfortante de estar emocionalmente ligada, uma mensagem
que, na opinião de Stern, as mães emitem cerca de uma vez por
minuto quando interagem com os seus filhos.

Sintonização é muito diferente de simples imitação. «Se nos limitarmos


a imitar o bebé», disse-me Stern, «isso só mostra que sabemos i
o que ele fez, não o que sentiu. Para lhe dar a entender que sabemos
como ele se sente, temos de reproduzir os seus sentimentos íntimos
de uma maneira diferente. O bebé sabe que foi compreendido.»

136
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Fazer amor é, na vida adulta, talvez o que mais se aproxima


desta sintonização íntima entre mãe e filho. Fazer amor, escreve
Stern, «envolve a experiência de sentir o estado subjectivo do outro:
desejo partilhado, intenções alinhadas e estados mútuos de excitação
que se modificam em consonância»; os amantes respondem
um ao outro num sincronismo que transmite uma sensação tácita
de relacionamento profundo.8 Fazer amor é, no seu melhor, um acto
de empatia mútua; no seu pior, falta-lhe qualquer espécie de mutualidade
emocional.
f .’ffK.lv ifJwI

OS CUSTOS DA DESSINTONIA

Stern afirma que, através de sintonizações repetidas, a criança


desenvolve a sensação de que as outras pessoas são capazes de cornpartilhar,
e compartilharão, os seus sentimentos. Este sentimento
parece surgir por volta dos oito meses, quando a criança principia a
ter consciência de que é uma entidade individual, e continua a ser
moldada pelos relacionamentos íntimos ao longo de toda a vida.
A dessintonia dos pais em relação à criança revela-se profundamente
perturbadora. Numa experiência, Stern pediu às mães que respondessem
aos filhos de uma maneira deliberadamente exagerada
num ou noutro sentido, e não no habitual modo sintonizado; as
crianças tiveram uma reacção imediata de consternação e susto.

Uma ausência prolongada de sintonização entre mãe e filho


representa para a criança um custo emocional tremendo. Quando a
mãe deixa consistentemente de mostrar qualquer espécie de empatia
com uma dada gama de emoções da criança — alegria, choro,
necessidade de ser acarinhada —, esta começa a evitar expressar, e
possivelmente até sentir, essas mesmas emoções. Deste modo, presumivelmente,
gamas inteiras de emoções podem começar a ser
obliteradas do repertório das relações íntimas, sobretudo se, ao longo
da infância, esses sentimentos continuarem a ser aberta ou veladamente
desencorajados.

Do mesmo modo, a criança pode acabar por favorecer uma


gama infeliz de emoções, dependendo de que estados de espírito são
correspondidos. Até as crianças «apanham» os estados de espírito.
Bebés com três meses filhos de mães deprimidas, por exemplo, espelhavam
os estados de espírito das mães enquanto brincavam com
elas, revelando mais sentimentos de irritação e tristeza, e muito

137
DANIEL GOLEMAN

menos curiosidade e interesse espontâneos que outras crianças cujas


mães não estavam deprimidas.9

Uma mãe no estudo de Stern reagia sempre de uma forma


excessivamente atenuada ao nível de actividade do seu bebé; ao
cabo de algum tempo, a criança aprendeu a ser passiva. «Uma
criança tratada desta maneira aprende, ”quando me excito, não
consigo que a minha mãe fique igualmente excitada, de modo que
mais vale nem tentar”», afirma Stern. Mas há esperança nos relacionamentos
«reparadores». «As relações ao longo da vida — com
amigos e parentes, por exemplo, ou em psicoterapia — reconfiguram
constantemente o nosso modelo de trabalho do que deve ser
um relacionamento. Um desequilíbrio a dada altura pode ser corrigido
mais tarde; é um processo contínuo, que dura toda a vida.»

Efectivamente, diversas teorias de psicanálise vêem o relacionamento


terapêutico como sendo capaz de proporcionar esse tipo de
correcção emocional, uma experiência de sintonização reparadora.
Espelhar é o termo que alguns pensadores psicanalíticos utilizam
para referir o facto de o terapeuta reflectir para o paciente uma
compreensão do seu estado íntimo, tal como uma mãe sintonizada
faz com o seu filho. O sincronismo emocional é tácito e exterior à
percepção consciente, embora o paciente possa sentir-se reconfortado
pela sensação de que é profundamente conhecido e cornpreendido.

Os custos emocionais, ao longo da vida, da falta de sintonização


durante a infância podem ser muito pesados — e não apenas para a
criança. Um estudo dos criminosos que cometeram os crimes mais
cruéis e violentos concluiu que uma característica das suas vidas
que os distinguia de outros criminosos era o facto de, quando crianças,
terem andado de lar adoptivo em lar adoptivo, ou terem sido
criados em orfanatos — histórias que sugerem abandono emocional
e poucas oportunidades de sintonização.10

Enquanto o abandono emocional parece embotar a empatia, os


maus tratos emocionais intensos e continuados, incluindo ameaças
cruéis e sadistas, humilhações e pura maldade, têm um resultado
paradoxal. As crianças que sofreram esta espécie de tratamento
podem tornar-se hipersensíveis às emoções dos que as rodeiam, no
que equivale a uma vigilância pós-traumática relativamente a sinais
que na sua experiência indicavam uma ameaça. Esta preocupação
obsessiva com os sentimentos dos outros é típica das crianças emocionalmente
maltratadas que como adultas sofrem os súbitos e

138
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

intensos altos e baixos emocionais que são por vezes diagnosticados


como «desajustamento limiar da personalidade». Muitas destas pessoas
são particularmente dotadas para captar os sentimentos de quem
as rodeia, e muito frequentemente referem ter sido emocionalmente
maltratadas durante a infância.”

A FISIOLOGIA DA EMPATIA

Como tantas vezes acontece em neurologia, entre as primeiras


pistas da existência de uma base cerebral para a empatia contaramse
relatos de alguns casos invulgares ou bizarros. Um relatório de
1975, por exemplo, revia diversos casos em que pacientes com
determinadas lesões na área direita dos lóbulos pré-frontais apresentavam
um curioso défice: eram incapazes de compreender a
mensagem emocional do torn da voz das pessoas, embora fossem
perfeitamente capazes de entender as palavras. Um «Obrigado» sarcástico,
um «Obrigado» sincero ou um «Obrigado» furioso, todos
tinham para eles o mesmo significado neutro. Em contraste, um
relatório de 1979 referia pacientes com lesões noutras zonas do
hemisfério direito que apresentavam uma falha muito diferente na
sua percepção emocional. Estas pessoas eram incapazes de expressar
as suas próprias emoções através do torn da voz ou de gestos. Sabiam
o que sentiam, mas pura e simplesmente não conseguiam transmiti-lo.
Todas estas regiões corticais do cérebro, notavam os vários
autores, tinham fortes ligações com o sistema límbico.

Estes estudos foram revistos como pesquisa de fundo para um


trabalho de tese que Leslie Brothers, uma psiquiatra do Instituto de
Tecnologia da Califórnia, fez sobre a biologia da empatia.12 Baseando-se
em descobertas neurológicas e em estudos comparativos
com animais, Brothers aponta a amígdala e as suas ligações com a
área associativa do córtex visual como parte dos principais circuitos
cerebrais ligados à empatia.

A maior parte da investigação neurológica relevante decorre de


trabalho feito com animais, especialmente primatas não-humanos.
Que estes primatas são capazes de empatia — ou de «comunicação
emocional», como Brothers prefere dizer — resulta claramente não
só de numerosos episódios anedóticos, mas também de estudos
como o seguinte: começou-se por ensinar um grupo de macacos rhesus
a temer um determinado som, que ouviam enquanto recebiam

139
DANIEL GOLEMAN

um choque eléctrico. Em seguida aprenderam a evitar o choque puxando


uma alavanca quando ouviam o som. Na fase seguinte, pares
destes macacos foram colocados em jaulas separadas, tendo como
única comunicação um circuito fechado de TV que lhes permitia ver
imagens da face um do outro. Então o primeiro macaco, mas não o
segundo, ouvia o temido som, o que lhe punha na face uma expressão
de medo. No mesmo instante, o segundo macaco, vendo o
medo reflectido na cara do primeiro, puxava a alavanca que impedia
o choque — um gesto de empatia, senão de altruísmo.

Tendo estabelecido que os primatas não-humanos são efectivamente


capazes de ler emoções nas faces dos seus congéneres, os investigadores
inseriram compridos e finos eléctrodos no cérebro de
macacos. Cada um destes eléctrodos permitia registar a actividade
de um único neurónio. Os eléctrodos que controlavam neurónios
no córtex visual e na amígdala mostraram que, quando um macaco
via a face de outro, essa informação activava primeiro um neurónio
no córtex visual, e só depois na amígdala. Este caminho é, evidentemente,
a via habitual de qualquer informação que seja emocionalmente
excitante. Mas o que é surpreendente nos resultados destes
estudos é que também permitiram identificar neurónios do
córtex visual que parecem activar-se unicamente em resposta a expressões
faciais ou gestos específicos, como um abrir ameaçador da
boca, uma careta de medo ou um agachar apaziguador. Estes neurónios
são diferentes de outros da mesma região que reconhecem caras
familiares. Isto pareceria indicar que o cérebro está concebido
desde o início para responder a expressões emocionais específicas
— ou seja, que a empatia é um dado biológico.

Outra linha de prova do papel-chave desempenhado pela via


amígdala-córtex na leitura de e na resposta a emoções, sugere Brothers,
são as experiências em que foram cirurgicamente cortadas as
ligações entre a amígdala e o cérebro em macacos selvagens. Devolvidos
aos respectivos bandos, estes macacos eram capazes de desempenhar
as tarefas ordinárias da vida, como alimentarem-se ou treparem
às árvores. Mas os infelizes animais tinham perdido toda a
noção de como responder emocionalmente aos outros membros do
grupo. Fugiam mesmo quando um deles fazia uma aproximação
amistosa, e acabaram por viver isolados, furtando-se ao contacto
com os seus congéneres.

As regiões do córtex onde os neurónios específicos das emoções


se concentram são também, nota Brothers, as mais densamente

140
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ligadas à amígdala; ler emoções envolve os circuitos amígdala-córtex,


que desempenham um papel crucial na orquestração das respostas
adequadas. «O valor deste sistema em termos de sobrevivência
é evidente» no caso dos primatas não-humanos, nota Brothers.
«A percepção da aproximação de outro indivíduo deveria dar origem
— e muito rapidamente — a um padrão específico de resposta
fisiológica adequada a qual seja a intenção: morder, ter uma tranquila
sessão de catar parasitas, ou copular.»13

A existência nos seres humanos de uma base fisiológica similar


da empatia é sugerida pelas investigações de Robert Levenson, um
psicólogo da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que estudou
casais a tentarem adivinhar o que o outro está a sentir durante uma
acalorada discussão.14 O método é muito simples: enquanto marido
e mulher discutem um problema qualquer importante da sua vida
em comum — a educação dos filhos, as despesas da casa, etc. — a
sessão é gravada em vídeo e as reacções fisiológicas dos participantes
medidas. Depois, cada um deles revê a fita e descreve o que estava
a sentir momento a momento. Finalmente, voltam ambos a ver
a fita uma segunda vez, tentando agora adivinhar os sentimentos
do OUtrO. .; .;, . ,• )! *<-,!’,

A maior acuidade empática verificou-se naqueles casais em que


a fisiologia de cada um dos participantes acompanhava a do cônjuge que
estava a observar. Ou seja, quando um deles tinha uma acentuada
resposta de transpiração, com o outro acontecia o mesmo; quando
um registava um abrandamento do ritmo cardíaco, o outro imitava-o.
Em suma, o corpo de um copiava momento a momento todas
as subtis reacções físicas do outro. Se os padrões fisiológicos do
espectador se limitavam a repetir o que já se passara com ele próprio
durante a discussão original, a capacidade de adivinhar o que
o parceiro estava a sentir era muito reduzida. Só havia empatia
quando os corpos de ambos estavam sincronizados.

Isto sugere que quando o cérebro emocional domina o corpo


com uma forte reacção — o calor da ira, por exemplo — pouca ou
nenhuma empatia pode haver. A empatia exige calma e receptividade
suficientes para que os subtis sinais dos sentimentos de
outra pessoa possam ser recebidos e imitados pelo nosso próprio
cérebro emocional.

141
DANIEL GOLEMAN

-*-.-, EMPATIA E ÉTICA: AS RAÍZES DO ALTRUÍSMO

«Nunca perguntes por quem os sinos dobram; dobram por ti» é


uma das mais famosas frases da literatura de língua inglesa. O sentimento
de John Donne está no centro da ligação entre empatia e
solicitude: a dor dos outros é a nossa dor. Sentir pelas outras pessoas
é preocuparmo-nos com elas. Neste sentido, o oposto de empatia
é antipatia. A atitude empática cruza-se repetidamente com juízos
de valor, porque os dilemas morais indicam sempre vítimas potenciais:
Devo mentir para não magoar o meu amigo? Devo cumprir a
promessa de visitar um amigo doente, ou em vez disso aceitar o convite
de última hora para jantar? Em que circunstâncias deve ser
mantido a funcionar um sistema de apoio de vida para uma pessoa
que sem ele morreria?

Estas questões morais são postas por Martin Hoffman, um investigador


para quem as raízes da moralidade devem procurar-se na
emparia, uma vez que ao sentirmos empatia para com as vítimas
potenciais — alguém que está com dores, ou em perigo, ou a passar
privações, por exemplo — compartilhamos os seus desgostos, o que
nos leva a agir para tentar ajudá-las.15 Para além deste elo imediato
entre empatia e altruísmo nos encontros pessoais, Hoffman propõe
que é esta mesma capacidade de afecto empático, de nos pormos
no lugar de outra pessoa, que nos leva a seguir determinados
princípios morais.

Hoffman vê uma progressão natural na empatia a partir da infância.


Como vimos, com um ano de idade a criança sente-se assustada
se vê outra cair e começar a chorar; a sua ligação é tão forte e
imediata que mete o polegar na boca e esconde a cabeça no colo a
mãe, como se tivesse sido ela própria a magoar-se. Passado o primeiro
ano, quando se torna mais consciente de que é diferente das restantes
pessoas, procura activamente acalmar outro bebé que esteja
a chorar, oferecendo-lhe ursinhos de pelúcia, por exemplo. Aos
dois anos, já começa a compreender que os sentimentos dos outros
são distintos dos seus, e também se torna mais sensível aos indícios
reveladores do que os outros estão a sentir; neste ponto pode, por
exemplo, reconhecer que o orgulho de outra criança talvez signifique
que a melhor maneira de ajudá-la a conter as lágrimas é não
chamar para ela uma atenção indesejada.

É no fim da infância que emergem os níveis mais avançados de


empatia, quando a criança se torna capaz de compreender o que se

142
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

passa para além da situação imediata, e ver que a condição ou a


situação de dada pessoa na vida pode constituir uma fonte de sofrimento
crónico. Neste ponto é capaz de sentir o drama da situação
de um grupo inteiro, como os pobres, os oprimidos, os marginais.
Esta compreensão, na adolescência, pode servir de base a convicções
morais centradas em querer aliviar o infortúnio ou a injustiça.
A empatia está subjacente a muitas facetas do juízo e da acção
moral. Uma delas é a «ira empática», que John Stuart Mill descreveu
como «o sentimento natural de retaliação (...) proferido pelo
intelecto e pela simpatia e aplicável (...) àqueles males que nos ferem
ferindo outrem»; Mill chamava a este sentimento o «guardião
da justiça». Uma outra circunstância em que a empatia conduz à
acção moral é quando um espectador é levado a intervir em defesa
de uma vítima; a investigação mostra que quanto mais empatia a
testemunha sentir pela vítima, mais provável será a sua intervenção.
Há igualmente algumas provas de que o nível de empatia
que a pessoa sente pode influenciar o seu julgamento moral. Por
exemplo, estudos na Alemanha e nos Estados Unidos mostram que
quanto mais empáticas as pessoas são, mais apoiam o princípio moral
de que os recursos deveriam ser distribuídos segundo as necessidades
de cada um.16

A VIDA SEM EMPATIA: A MENTE DO VIOLADOR,


A MORAL DO SOCIOPATA

Eric Eckardt esteve envolvido num crime infame: como guardacostas


da patinadora Tonya Harding, organizou um ataque contra
Nancy Kerrigan, a arqui-rival de Harding para a medalha de ouro na
modalidade de patinagem artística nos Jogos Olímpicos de Inverno
de 1994- Desse ataque resultou uma grave lesão no joelho de Kerrigan,
que a obrigou a manter-se afastada dos treinos durante longos e
cruciais meses. Mas quando Eckardt viu Kerrigan a chorar na televisão,
teve um súbito ataque de remorsos, e procurou um amigo a
quem confessou a sua culpa, iniciando assim a sequência que acabaria
por conduzir à captura dos agressores. Tal é o poder a empatia.

Ela está, porém, típica e tragicamente ausente naqueles que


cometem os crimes mais repelentes. Nos violadores, nos que molestam
sexualmente crianças e em muitos perpetradores de violência

143
DANIEL GOLEMAN

doméstica é comum uma falha psicológica: todos eles são incapazes


de sentir empatia. Esta incapacidade de sentir a dor das vítimas permite-lhes
dizerem a si mesmos mentiras que encorajam os seus crimes.
No caso dos violadores, estas mentiras incluem: «No fundo as
mulheres querem verdadeiramente ser violadas», ou «Se resiste é
porque está a fazer-se difícil»; e os que molestam sexualmente
crianças pensam: «Não estou a magoar esta criança, estou apenas a
mostrar-lhe amor», ou «Esta é apenas outra forma de afecto»; e os
pais fisicamente abusadores: «Isto é apenas boa disciplina.» Estas
auto justificações foram todas recolhidas daquilo que pessoas que
estavam a ser submetidas a tratamento por causa destes problemas
afirmavam dizer a si mesmas enquanto brutalizavam as suas vítimas
ou se preparavam para fazê-lo.

O «desvanecer» da empatia que se verifica quando estas pessoas


infligem dor nas suas vítimas faz quase sempre parte de um ciclo
emocional que precipita estes actos de crueldade. Acompanhemos
a sequência amocional que tipicamente conduz a um crime sexual
como a violação de menores.17 O ciclo começa com o molestador a J

sentir-se perturbado: furioso, deprimido, solitário. Estes sentimentos

podem ser provocados por, digamos, ver um casal feliz na tele- I

visão, e depois sentir-me deprimido por estar sozinho. O violador ’

procura então alívio numa fantasia preferida, tipicamente uma ter- ,

na amizade com uma criança; a fantasia torna-se sexual e acaba em |

masturbação. Depois disso, o indivíduo experimenta um alívio temporário


da sua tristeza, mas este alívio é de curta duração; a depressão
e a solidão regressam ainda com mais força. O molestador
começa a pensar em tornar realidade a sua fantasia, apresentando a
si mesmo justificações como «Não estarei a fazer verdadeiramente
mal se a criança não for fisicamente magoada» e «Se uma criança
não quisesse ter relações comigo, podia parar.»

Neste ponto, o violador está a ver a criança através das lentes


deformadas da sua fantasia, não com empatia por aquilo que uma
criança verdadeira sentiria na situação. Este afastamento emocional
caracteriza tudo o que se segue, desde o plano para apanhar uma
criança sozinha, ao cuidadoso ensaio do que vai acontecer e à execução
do planeado. Tudo isto é feito como se a criança envolvida
não tivesse sentimentos próprios; em vez disso, o violador projecta
nela a atitude cooperativa da criança da sua fantasia. Os sentimentos
da vítima — repulsa, medo, nojo, — não são registados. Se fossem,
«estragariam» tudo para o violador.

144
I
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Esta absoluta falta de empatia para com as vítimas é um dos


principais enfoques dos novos tratamentos que estão em estudo
para os violadores de crianças e outros criminosos do género. Num
dos programas de tratamento mais prometedores, os perpetradores
lêem lancinantes relatos de crimes semelhantes aos seus, feitos da
perspectiva da vítima. Também assistem a gravações em que vítimas
chorosas contam como foi serem violadas. Os violadores escrevem
então a respeito dos seus crimes, mas do ponto de vista da vítima,
imaginando o que ela sentiu. Lêem estes relatos em sessões de
terapia de grupo, e tentam responder a perguntas a respeito do ataque
visto da perspectiva da vítima. Finalmente, o violador passa por
uma reconstituição simulada do crime, mas desta vez desempenhando
o papel de vítima.

William Pithers, o psicólogo da prisão de Vermont que desenvolveu


esta terapia, disse-me: «A empatia com a vítima alerta a
percepção, de modo que a negação da dor, mesmo nas fantasias, se
torna difícil», o que reforça a motivação dos violadores para cornbaterem
os seus impulsos sexuais pervertidos. Os criminosos sexuais
que passaram por este programa na prisão registaram, relativamente
aos outros, apenas metade da taxa de crimes cometidos posteriormente
à libertação. Sem esta motivação inicial inspirada na empatia,
nenhuma outra parte do tratamento resulta.

Embora possa haver uma pequena esperança de instilar algum


sentido de empatia em criminosos como os violadores de crianças,
essa esperança é muito menor no caso de um outro tipo de criminoso,
o psicopata (mais recentemente chamado sociopata em termos
de diagnóstico psiquiátrico). Os psicopatas são notórios por
serem simultaneamente encantadores e completamente desprovidos
de remorsos mesmo em relação aos actos da mais extrema crueldade.
A psicopatia, a incapacidade de sentir empatia ou compaixão
seja de que tipo for, ou o mais pequeno rebate de consciência, é um
dos defeitos emocionais que mais perplexidade causa. A origem da
frieza do psicopata parece residir numa incapacidade de sentir
quaisquer ligações emocionais, exceptuando talvez as mais superficiais.
Os mais cruéis dos criminosos, como os sádicos «assassinos
em série» que se deliciam com o sofrimento das sua vítimas no
momento da morte, são a epítome da psicopatia.18 Os psicopatas são
também hábeis mentirosos, capazes de dizer seja o que for para
obterem o que querem, e manipulam as emoções das suas vítimas
com o mesmo cinismo. Consideremos as acções de Faro, um jovem

145
DANIEL GOLEMAN

de dezassete anos, membro de um gang de Los Angeles, que deixou


uma mãe e o seu bebé deficientes disparando contra eles de dentro
de um carro, acção que descreve com mais orgulho que remorso.
Viajando de automóvel com Leon Bing, que estava a escrever um
livro sobre dois dos gangs de Los Angeles, os Crips e os Bloods, Faro
quer exibir-se, e diz a Bing que vai «fazer de doido» para os «dois
mangas» do carro ao lado. Bing conta-nos o que se passou:

O condutor, sentindo que alguém estava a olhar para ele,


volta-se para o meu carro. Os seus olhos encontram os de Faro,
abrem-se muito por um instante. Então quebra o contacto, baixa os
olhos, volta a cabeça. E não há qualquer dúvida quanto ao que li
na sua expressão: foi medo.

Faro exemplifica para Bing o olhar que lançou ao condutor do


outro carro:

Olha para mim e tudo no seu rosto se altera e modifica, como


que graças a um qualquer truque de fotografia. Torna-se um rosto
de pesadelo, uma coisa assustadora. Diz-nos que se lhe devolvermos
o olhar, se desafiarmos aquele garoto, é bom estarmos preparados
para lutar. A sua expressão diz-nos que não quer saber seja do que
for, nem da nossa vida, nem da dele.”

Claro que, num comportamento tão complexo como o crime,


há muitas explicações plausíveis que não evocam uma base biológica.
Uma poderia ser que um tipo perverso de aptidão emocional
— intimidar as outras pessoas — tem valor, em termos de sobrevivência,
nos meios mais violentos, tal como poderia ter recorrer ao
crime; nestes casos, demasiada empatia pode ser contraproducente.
Na realidade, uma falta de empatia oportunista pode ser uma «virtude»
em muitos papéis da vida, desde o «polícia mau» ao grande
gestor. Homens que foram torturadores ao serviço de estados terroristas,
por exemplo, descrevem como aprender a dissociarem-se dos
sentimentos das vítimas para poderem fazer o seu «ttabalho». A manipulação
segue muitos caminhos.

Uma das maneiras mais sinistras através das quais esta ausência
de empatia se manifesta foi descoberta por acaso num estudo sobre
os piores casos de violência doméstica. A investigação revelou uma
anomalia fisiológica em muitos dos maridos mais agressivos, que

146
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

espancam regularmente as mulheres ou as ameaçam com facas ou


armas de fogo: fazem-no num estado de frieza calculista, e não levados
pelo ímpeto da raiva.20 A medida que a fúria aumenta, a anomalia
emerge: o ritmo cardíaco destes homens abranda, em vez de
acelerar, como geralmente acontece num caso de irritação crescente.
Significa isto que vão ficando fisiologicamente mais calmos, ao
mesmo tempo que se tornam mais agressivos e violentos. A violência
a que recorrem parece ser um acto deliberado de terrorismo, um
método para controlar as mulheres instilando-lhes medo.

Estes maridos friamente brutais constituem uma raça à parte dos


outros homens que batem nas mulheres. Para começar, é mais
provável que se mostrem violentos também fora de casa, envolvendo-se
em lutas nos bares e discutindo com os colegas de trabalho e
com outros membros da família. E enquanto a maior parte dos
homens que se mostram violentos para com as mulheres o faz impulsivamente,
levados pela raiva depois de se sentirem rejeitados ou
por ciúme, ou por medo de serem abandonados, estes espancadores
calculistas atacam as mulheres aparentemente sem qualquer razão
— e uma vez que começam, nada que elas façam, incluindo tentar
fugir, parece ser capaz de abrandar-lhes a violência.

Alguns investigadores que estudam os criminosos psicopatas


suspeitam que esta fria capacidade de manipulação, esta ausência de
empatia ou solicitude, pode por vezes derivar de um defeito neuronal.*
Uma possível base fisiológica para a psicopatia desapiedada foi
demonstrada de dois modos, sugerindo ambos o envolvimento de
ligações neuronais ao cérebro límbico. Numa delas, as ondas cerebrais
da pessoa são medidas enquanto ela tenta decifrar palavras
que foram baralhadas. As palavras aparecem muito rapidamente,
durante cerca de um décimo de segundo. A maior parte das pessoas
reage a palavras emocionais como matar de uma maneira diferente
de a palavras neutras como cadeira: conseguem decidir mais rapidamente
se a palavra emocional estava baralhada, e os seus cérebros
* Uma palavra de prudência: se há padrões biológicos que desempenham um papel
em determinados tipos de criminalidade — como um defeito neuronal na empatia
— isso não significa que todos os criminosos sejam biologicamente defeituosos,
ou que haja qualquer marcador biológico para o crime. Tem havido grande
controvérsia à volta desta questão, e o melhor consenso é de que não existe qualquer
marcador biológico, e com toda a certeza nenhum «gene criminoso».
Mesmo que exista uma base biológica para a falta de empatia em alguns casos,
não decorre daí que todos os que a têm se voltem para o crime; a maior parte não
o faz. A falta de empatia deve ser considerada juntamente com todas as outras
forças psicológicas, económicas e sociais que contribuem para a tendência para a
criminalidade.

147
DANIEL GOLEMAN

revelam um padrão de ondas específico em resposta a estas palavras


emocionais, mas não em resposta às palavras neutras. Mas os psicopatas
não têm qualquer destas respostas: os seus cérebros não revelam
a resposta específica às palavras emocionais, nem lhes reagem
mais rapidamente, sugerindo uma disfunção dos circuitos entre o
córtex verbal, que reconhece a palavra, e o cérebro límbico, que lhe
atribui um sentimento.

Robert Hare, o psicólogo da Universidade da Colúmbia


Britânica que fez este estudo, interpreta estes resultados como
demonstrando que os psicopatas têm uma fraca compreensão das
palavras emocionais, um reflexo da sua superficialidade mais geral
no domínio da afectividade. A crueldade dos psicopatas, pensa
Hare, baseia-se em parte num outro padrão fisiológico que ele próprio
descobriu em investigações anteriores, e que também sugere
uma irregularidade no funcionamento da amígdala e dos circuitos
relacionados: os psicopatas prestes a receber um choque eléctrico
não revelam qualquer sinal de medo, que é a resposta normal da
pessoa que vai experimentar dor.21 Porque a perspectiva da dor não
desencadeia uma resposta ansiosa, Hare argumenta que o psicopata
não se preocupa com a possibilidade de ser posteriormente castigado
por aquilo que faz. E porque ele próprio não sente medo, não tem
qualquer empatia — ou compaixão — pelo medo ou dor das suas
vítimas.

148
8
As Artes Sociais
Como tantas vezes acontece quando se tem cinco anos e irmãos
mais novos, Len tinha perdido completamente a paciência comjay,
o seu irmão de dois anos e meio, que estava a armar a maior das
confusões com as peças de Lego com que ambos brincavam.
Deixando-se dominar pela irritação, Len prega uma valente dentada
em Jay, que desata a chorar. A mãe, ao ouvir os gritos doloridos
do mais novo, vem lá de dentro e ralha com Len, ordenando-lhe
que arrume na caixa os pomos da discórdia, ou seja, as peças de
Lego. Face àquilo que lhe parece sem a mínima dúvida uma gravíssima
injustiça, Len põe-se a chorar por sua vez. Ainda zangada, a
mãe recusa-se a consolá-lo.

É então que Len recebe conforto de uma fonte inesperada: Jay,


sendo embora a parte originariamente ofendida, sente-se tão perturbado
pelas lágrimas do irmão que inicia uma campanha para
acalmá-lo. A cena decorre mais ou menos assim:’

— Len, não — implora Jay. — Não chores! Não chores!

Len, no entanto, continua a chorar. Verificando que o seu pedido


directo não surte efeito, Jay procura a ajuda da mãe:

— O Len está a chorar, mamã! O Len está a chorar. Olha, eu


mostro-te. O Len está a chorar.

E então, voltando-se para Len, Jay adopta modos maternais,


acarinhando o irmão e falando-lhe num torn tranquilizador:

— Olha, Len. Não chores mais. •


Os soluços de Len continuam, a despeito de todos estes confortos.
Jay opta então por outra táctica, começando a ajudar a arrumar
as peças de Lego na respectiva caixa, ao mesmo tempo que diz:

— Olha, Len, eu ajudo-te, está bem?

Nem mesmo isto consegue deter as lágrimas. Jay, incansável e


engenhoso, recorre ainda a uma outra estratégia: a distracção. Mostrando
ao irmão um automóvel de brinquedo, tenta desviar-lhe a
atenção da pequena tragédia que acaba de abater-se sobre ele.

149
DANIEL GOLEMAN

— Tem aqui este homem. O que é, Len? O que é?

Len não se mostra interessado. Está inconsolável, as lágrimas


não param de correr. Perdendo a paciência, a mãe recorre à clássica
ameaça dos pais:

— Queres um estalo?

Ao que Len responde com um soluçante:

— Não!

— Então acaba com isso, se fazes favor — diz a mãe com firmeza,
se bem que já um pouco exasperada.

Por entre soluços, Len consegue balbuciar, pateticamente:

— Estou a tentar.

O que sugere a Jay um último estratagema: imitando a voz firme


e autoritária da mãe, ameaça:

— Pára com isso, Len, ou levas um estalo no rabo!

Este microdrama revela a notável sofisticação emocional a que


um miúdo de trinta meses é capaz de deitar mão para tentar acalmar
as emoções de uma outra pessoa. Nos seus esforços desesperados
para sossegar o irmão, Jay recorre a um largo repertório de
tácticas, desde o simples pedido à ordem directa, passando por procurar
o apoio da mãe, consolá-lo fisicamente, dar-lhe uma ajuda,
distraí-lo e ameaçá-lo. Jay usa, é evidente, um arsenal que já foi tentado
com ele nos seus próprios momentos de desgosto. Não importa.
O que conta é o facto de ser capaz de servir-se dele em caso de
necessidade, mesmo numa idade tão jovem.

Claro que, como todos os pais de crianças pequenas sabem, esta


demonstração de empatia por parte de Jay não é de modo algum
universal. Não seria provavelmente mais invulgar, nas mesmas
circunstâncias, qualquer outro garoto da idade de Jay ver no
desespero do irmão uma oportunidade de vingar-se, e fazer tudo o
que estivesse ao seu alcance para agravar ainda mais esse desespero.
As mesmas habilidades podem ser usadas para provocar ou atormentar
um irmão. Mas até essa maldadezinha denuncia a emergência
de uma aptidão emocional crucial: a capacidade de reconhecer
os sentimentos de outra pessoa e agir de maneira a influenciar esses
sentimentos. Ser capaz de gerir as emoções de terceiros é o âmago
da arte de gerir relacionamentos.

Para manifestar um tal poder interpessoal, a criança tem primeiro


de atingir um determinado nível de autocontrolo, o começo de
uma capacidade de dominar os seus próprios sentimentos de ira ou
desgosto, os seus impulsos e excitações — mesmo se essa capacida150
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

de geralmente falha. A sintonia com as exigências dos outros exige


que tenhamos nós próprios um mínimo de calma. Os primeiros
sinais desta capacidade para gerir as próprias emoções aparecem
pela mesma altura: a criança começa a ser capaz de esperar sem se
pôr a chorar, de argumentar ou pedir para conseguir aquilo que quer
em vez de usar a força bruta — mesmo que nem sempre opte por
servir-se desta capacidade. A paciência surge como alternativa às
birras, pelo menos ocasionalmente. E os sinais de empatia manifestam-se
por volta dos dois anos; foi a empatia, a raiz da compaixão,
que levou Jay a esforçar-se tanto por acalmar o seu choroso irmão.
Assim, gerir as emoções dos outros — a difícil arte do relacionamento
— requer a maturação de outras duas habilidades emocionais:
autocontrolo e empatia.

É nesta base que as «aptidões pessoais» amadurecem. São estas


as competências sociais que explicam o êxito no trato com terceiros;
os défices nesta área conduzem a uma inépcia no mundo
social ou a repetidos desastres interpessoais. É precisamente a
falta destas capacidades que pode levar mesmo os intelectualmente
mais brilhantes a fracassarem nas suas relações, aparecendo
como arrogantes, antipáticos ou insensíveis. Estas aptidões sociais
permitem-nos programar um encontro, mobilizar e inspirar outras
pessoas, ter bons relacionamentos íntimos, persuadir e influenciar,
pôr os outros à vontade.

MOSTRE UM POUCO DE EMOÇÃO

Uma competência social chave é a maneira (boa ou má) como


as pessoas exprimem os seus sentimentos. Paul Ekman usa a expressão
regras de exibição para referir o consenso social a respeito de que
sentimentos podem ser exibidos e em que circunstâncias. É uma
área em que as diferenças culturais são por vezes muito grandes. Por
exemplo, Ekman e alguns colegas japoneses estudaram as reacções
faciais de um grupo de estudantes a um horroroso filme sobre a
prática da circuncisão ritual em adolescentes aborígenes. Quando
assistiam ao filme com uma figura respeitada presente na sala, os
estudantes japoneses mostravam apenas os mais ligeiros indícios de
reacção. Mas quando julgavam estar sozinhos (embora estivessem a
ser filmados por uma câmara escondida) os seus rostos contorciam-se
em vívidas expressões de perturbação, medo e repulsa.

151
DANIEL GOLEMAN

Há diversos tipos básicos de regras de exibição.2 Um deles é


minimizar a exibição de emoções — esta é a norma japonesa para
sentimentos perturbadores na presença de alguém investido de
autoridade, como os estudantes fizeram quando estavam acompanhados.
Outro é exagerar o que se sente, ampliando a expressão
emocional; este é o truque utilizado pelo garoto de seis anos que
contorce dramaticamente o rosto numa careta patética, com os lábios
a tremer, enquanto corre para queixar-se à mãe de que o irmão
mais velho está a embirrar com ele. Um terceiro é substituir um sentimento
por outro; é o que acontece em algumas culturas asiáticas
que consideram indelicado dizer «não», pelo que em vez disso se
dão falsas garantias positivas. O modo, melhor ou pior, como cada
um utiliza estas estratégias, e sabe quando utilizá-las, é um factor
da inteligência emocional.

Aprendemos muito cedo estas regras de exibição, em parte


através de instrução explícita. Esta educação nas regras de exibição
acontece, por exemplo, quando ensinamos uma criança a não fazer
um ar desapontado, mas sorrir e dizer «obrigado», quando o avô
lhe dá pelos anos um presente horroroso mas bem intencionado.
Mas, as mais das vezes, trata-se de um ensino que se faz por imitação:
as crianças aprendem a fazer o que vêem fazer. Na educação
dos sentimentos, as emoções são simultaneamente o meio e a mensagem.
Se a criança é ensinada a «sorrir e dizer obrigado» por um
pai que se mostra, na altura, duro, exigente e frio — que sibila a
mensagem em vez de murmurá-la ternamente — o mais provável
é que a criança aprenda uma lição muito diferente, e responda ao
avô com uma careta e um seco «Obrigado». O efeito no avô será
muito diferente: no primeiro caso, fica feliz (ainda que enganado);
no segundo, sente-se magoado e confundido pela ambiguidade da
mensagem.

As exibições emocionais têm, evidentemente, consequências


imediatas no impacte que causam na pessoa a quem são dirigidas.
A regra que a criança aprende é qualquer coisa no género: «Disfarça
os teus verdadeiros sentimentos quando eles podem magoar
alguém que amas; substitui-os por outros, falsos mas mais inofensivos.»
Estas regras para exprimir emoções são mais do que parte do
léxico da conveniência social; ditam o tipo de impacte que os nossos
sentimentos têm nas outras pessoas. Seguir bem estas regras é
conseguir um impacte óptimo; segui-las mal é fomentar a devastação
emocional.

152
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Os actores são, é claro, artistas da exibição emocional; é a


expressividade de que são capazes que provoca a resposta do público.
E, sem dúvida, alguns de nós agimos na vida como actores naturais.
Mas em parte porque as lições que aprendemos a respeito das
regras de exibição variam de acordo com os modelos que tivemos, a
aptidão das pessoas nesta área difere muito de umas para as outras.

EXPRESSIVIDADE E CONTAGIO EMOCIONAL

Foi no começo da guerra do Vietname, um pelotão americano


estava atascado num arrozal, envolvido numa violenta batalha com

o Vietcong. Subitamente, caminhando por cima das divisórias de I

terra que separavam os campos de arroz uns dos outros, surgiu uma |

fila de seis monges budistas. Perfeitamente calmos e imperturbá- |

veis, avançaram direitos à linha de fogo. 1

«Não olharam para a direita, não olharam para a esquerda.


Avançaram a direito», recorda David Busch, um dos soldados americanos.
«Foi perfeitamente estranho, porque ninguém disparou
contra eles. E depois de eles passarem, senti-me de repente sem
vontade de lutar. Não estava capaz de continuar com aquilo, pelo
menos naquele dia. Todos devem ter sentido o mesmo, porque
todos pararam. O combate pura e simplesmente acabou ali.»3

O poder da tranquila calma dos monges de pacificar aqueles

soldados envolvidos no calor da batalha ilustra um dos princípios (

básicos da vida social: as emoções são contagiosas. Esta história ;

representa, evidentemente, um caso extremo. A maior parte dos :|.

contágios emocionais é muito mais subtil, faz parte de um inter- .

câmbio tácito que acontece em todos os encontros. Transmitimos I

e captamos estados de espírito uns dos outros, naquilo que equivale


a uma economia subterrânea da psique em que alguns encontros
são tóxicos, outros alimentadores. Esta troca emocional é típica a

um nível subtil, quase imperceptível; o modo como um vendedor í

nos agradece pode fazer que nos sintamos ignorados, desprezados ’

ou genuinamente bem-vindos e apreciados. «Apanhamos» sentimentos


uns dos outros, como se eles fossem uma espécie de vírus
social.

Em cada encontro que temos emitimos sinais emocionais, e


esses sinais afectam quem está connosco. Quanto mais hábeis
somos socialmente, melhor controlamos os sinais que emitimos; a

153
DANIEL GOLEMAN

reserva do convívio bem-educado é, ao fim e ao cabo, simplesmente


um meio de garantir que nenhuma «fuga» emocional perturba o
encontro (uma regra social que, quando aplicada ao domínio das
relações íntimas, se revela sufocante). A inteligência emocional
inclui gerir esta troca; «simpática» e «encantadora» são termos que
usamos para descrever pessoas com quem gostamos de estar porque
nos fazem sentir bem. As pessoas capazes de ajudar os outros a acalmar
os seus sentimentos possuem uma capacidade socialmente
muito apreciada: são as almas para as quais os outros se voltam
quando se sentem emocionalmente necessitados. Estamos todos
naquela «caixa de ferramentas» de uns dos outros que serve para
mudar os nossos sentimentos, para melhor ou para pior.

Consideremos uma notável demonstração da subtileza com que


as emoções passam de uma pessoa para outra. Numa experiência
simples, dois voluntários preencheram um questionário a respeito
dos seus estados de espírito no momento, após o que ficaram simplesmente
sentados diante um do outro enquanto esperavam que a
experimentadora regressasse à sala. Dois minutos mais tarde, ela
reapareceu e pediu aos dois voluntários que tornassem a preencher
o questionário. Os pares eram propositadamente compostos por um
parceiro altamente dotado de expressividade emocional, e um neutro.
Invariavelmente, o estado de espírito do emocionalmente expressivo
transferia-se para o parceiro passivo.4

Como é que esta transmissão mágica acontece? A resposta mais


provavelmente certa é que copiamos os estados de espírito que
vemos exibidos por outra pessoa, através de uma mímica motora
inconsciente da expressão facial, dos gestos, do torn da voz e de outros
indícios não-verbais de emoção. Graças a esta imitação, uma
pessoa recria em si mesma o estado de espírito de outra — numa
versão aligeirada do método de Stanislavsky, em que os sujeitos
repetem gestos, movimentos e outras expressões de uma emoção
que sentiram no passado, de modo a evocarem novamente esses
sentimentos.

A imitação quotidiana dos sentimentos é regra geral muito subtil.


Ulf Dimberg, um investigador sueco da Universidade de Uppsala,
descobriu que quando as pessoas vêem um rosto sorridente ou
furioso, os seus próprios rostos exibem sinais dos mesmos sentimentos
através de ligeiras modificações dos músculos faciais. As mudanças
são evidentes através de sensores electrónicos, mas tipicamente
invisíveis a olho nu.

154
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Quando duas pessoas interagem, a transferência do estado de


espírito faz-se no sentido da mais expressiva para a mais passiva.
Mas algumas pessoas são particularmente sensíveis ao contágio
emocional; a sua sensibilidade inata faz que o seu sistema nervoso
autónomo (um indicador da actividade emocional) seja mais facilmente
activado. Esta capacidade parece torná-las mais impressionáveis:
a publicidade que invoca o sentimento leva-as às lágrimas,
enquanto uma rápida conversa com alguém que se sinta bem-disposto
as deixa eufóricas (é também possível que as tome mais
empáticas, na medida em que são mais facilmente contagiadas pelos
sentimentos das outras pessoas).

John Cacioppo, o psicólogo da Ohio State University que estudou


estas subtis alterações emocionais, observa: «Ver alguém
expressar uma emoção pode ser o bastante para evocar esse mesmo
sentimento, quer a pessoa tenha ou não consciência de estar a imitar
a expressão facial. Isto acontece-nos a todos, em todas as oca- ||
siões — há uma dança, um sincronismo, uma transmissão de emo- !
ções. Este sincronismo do estado de espírito determina a nossa
avaliação da maneira como decorreu uma interacção.»

O grau de ligação emocional que as pessoas sentem num encontro


é espelhado pela maior ou menor orquestração dos seus movimentos
físicos enquanto conversam — um indicador de proximidade
que se situa tipicamente a um nível exterior à consciência. Uma
pessoa acena com a cabeça enquanto outra faz uma afirmação, ou
ambas se mexem nas suas cadeiras ao mesmo tempo, ou uma inclina-se
para a frente enquanto a outra se recosta. Esta orquestração h
pode ser tão subtil como dois interlocutores balançando-se em Tf
cadeiras de balouço ao mesmo ritmo. Tal como Daniel Stern descobriu
ao observar mães e filhos sintonizados, a mesma reciprocidade
une os movimentos das pessoas que se sentem emocionalmente
ligadas.

Este sincronismo parece facilitar a emissão e a recepção de estados


de espírito, mesmo quando esses estados de espírito são negati- |
vos. Por exemplo, num estudo de sincronismo físico, mulheres que í
sofriam de depressão foram ao laboratório acompanhadas pelos seus ’
parceiros românticos, e discutiram um qualquer problema do seu

relacionamento. Quanto mais sincronismo havia entre os parceiros !

a um nível não-verbal, pior os companheiros das mulheres deprimidas


se sentiam depois da discussão: tinham «apanhado» os estados
de espírito das namoradas.5 Em resumo, quer as pessoas se sintam

155
DANIEL GOLEMAN

em cima ou em baixo, quanto mais fisicamente sintonizado for o seu


encontro, mais semelhantes se tornarão os seus estados de espírito.
O sincronismo entre professores e alunos indica o grau de ligação
que os une; estudos levados a cabo em salas de aula mostram que
quanto mais próxima for a coordenação de movimentos entre
professor e alunos, mais eles se sentem amistosos, felizes, entusiasmados,
interessados e à vontade no seu relacionamento. De um modo
geral, um alto nível de sincronismo numa interacção significa que as
pessoas envolvidas gostam uma da outra. Frank Bernieri, o psicólogo
da Oregon State University que conduziu estes estudos, disse-me:
«O grau de à-vontade que sentimos com uma determinada pessoa é
sempre, a um dado nível, físico. Precisamos de ter tempos compatíveis,
de coordenar os nossos movimentos, para nos sentirmos bem.
O sincronismo reflecte a profundidade do envolvimento entre os parceiros;
quando estamos altamente envolvidos, os nossos estados de espírito,
sejam eles positivos ou negativos, começam a confundir-se.»
Em resumo, a coordenação dos estados de espírito é a essência
do relacionamento, a versão adulta da sintonização entre mãe e filho.
Uma determinante da eficácia interpessoal, propõe Cacioppo,
é a maneira como as pessoas conseguem este sincronismo emocional.
Se são capazes de sintonizar-se facilmente com o estado de
espírito dos outros, ou, pelo contrário, influenciar os outros com o
seu, então as suas interacções decorrerão melhor ao nível emocional.
A marca de um grande líder ou de um grande artista é conseguir
influenciar desta maneira um público de milhares de pessoas.
Na mesma linha, observa Cacioppo, aqueles que têm dificuldade
em receber ou transmitir emoções enfrentam regra geral problemas
nos seus relacionamentos, uma vez que as pessoas tendem a sentirse
pouco à vontade com eles, embora não saibam dizer
exactamente porquê.

Estabelecer o torn emocional de uma interacção é, num certo


sentido, um sinal de domínio a um nível íntimo e profundo: significa
influenciar o estado mental da outra pessoa. Este poder de
determinar emoção é semelhante àquilo a que em biologia se
chama um zeitgeber (literalmente, «agarrador de tempo»), um
processo (como o ciclo dia-noite ou as fases da Lua) que influencia
os ritmos biológicos. Para um par que dança, a música é um
zeitgeber corporal. Quando se trata de encontros pessoais, a pessoa
que possui uma maior expressividade — ou mais poder — é
tipicamente aquela cujas emoções influenciam as da outra. O par156
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ceiro dominante fala mais, enquanto o parceiro subordinado


observa mais o rosto do outro — um esquema que facilita a transmissão
afectiva. Na mesma linha, o poder de expressão de um
bom orador — um político ou um pregador, por exemplo;— funciona
de modo a influenciar as emoções dos que o escutam.6 E isto
o que queremos dizer com «Tinha-os na palma da mão.» O
encadeamento emocional está no cerne da influência.

OS RUDIMENTOS DA INTELIGÊNCIA SOCIAL -,

E a hora do recreio na escola pré-primária, e um bando de garotos


corre pelo relvado. Reggie tropeça, magoa-se no joelho e começa
a chorar, mas os outros miúdos continuam a correr, excepto Roger,
que se detém ao lado de Reggie. Quando os soluços de Reggie abrandam,
Roger inclina-se e esfrega o seu próprio joelho, exclamando:
«Também me magoei no joelho!»

Roger é referido por Thomas Hatch, colega de Howard Gardner


na Spectrum, a escola baseada no conceito de inteligências múltiplas,7
como possuindo uma inteligência interpessoal exemplar.
Tem, ao que parece, uma grande facilidade para reconhecer os sentimentos
dos seus colegas de brincadeiras e estabelecer com eles um
bom relacionamento. Só Roger reparou na queda e na dor de
Reggie, e só ele se prontificou a proporcionar-lhe algum alívio,
embora tudo o que pudesse fazer fosse esfregar o seu próprio joelho.
Este pequeno gesto revela um talento para o relacionamento, uma
habilidade emocional essencial para a preservação de relações íntimas,
seja no casamento, numa amizade ou numa sociedade comercial.
Esta aptidão num garoto em idade pré-escolar é a raiz de
um talento que irá amadurecer ao longo da vida. O talento de Roger
representa uma de quatro capacidades diferentes que Hatch e Gardner
identificam como componentes da inteligência interpessoal:

• Organizar grupos — a aptidão essencial do líder envolve iniciar


e coordenar os esforços de um conjunto de pessoas. Ê o talento
que encontramos nos encenadores teatrais e nos produtores, nos
chefes militares, nos dirigentes eficazes de organizações e unidades
de todos os tipos. No recreio, é a criança que toma a iniciativa
de decidir aquilo a que todas as outras vão brincar, ou que
se torna o chefe da equipa.

157
DANIEL GOLEMAN

• Negociar soluções — o talento do mediador, evitando conflitos


ou resolvendo aqueles que surgem. As pessoas que possuem esta
capacidade são excelentes negociadores, árbitros e mediadores
de disputas; podem fazer carreira na diplomacia, na advocacia
ou como intermediários de negócios. São os miúdos que resolvem
as discussões no campo de jogos.

• Relacionamento pessoal — o talento de Roger, o da empada e do


relacionamento. Torna mais fácil entrar num encontro ou reconhecer
e responder adequadamente aos sentimentos e preocupações
dos outros. As pessoas assim dão bons «jogadores de
equipa», cônjuges em quem se pode confiar, bons amigos ou sócios;
no mundo dos negócios têm êxito como vendedores ou
gestores, ou podem dar excelentes professores. As crianças como
Roger dão-se bem com praticamente toda a gente, entram
facilmente em jogos de equipa e gostam de fazê-lo. Estas crianças
tendem a ser especialmente hábeis na leitura das expressões
faciais e os colegas de escola gostam muito delas.

• Análise social — ser capaz de detectar e compreender os sentimentos,


motivos e preocupações das pessoas. Este conhecimento
de como os outros se sentem pode levar a uma intimidade
fácil ou a um sentimento de ligação. No seu melhor, esta
aptidão faz da pessoa ura terapeuta ou conselheiro eficiente
— ou, se combinada com algum talento literário, um romancista
ou dramaturgo dotado.

Tomadas em conjunto, estas aptidões são a matéria de que é


feito o brilho interpessoal, os ingredientes necessários do encanto,
do êxito social e até do carisma. Aqueles que possuem uma boa
inteligência social relacionam-se facilmente com as pessoas, lêem
claramente as suas reacções e sentimentos, conduzem e organizam,
resolvem as disputas que inevitavelmente surgem em qualquer actividade
humana. São os líderes naturais, as pessoas capazes de dar
expressão aos sentimentos colectivos e articulá-los de maneira a
conduzir o grupo na direcção dos seus objectivos. São o género de
pessoa com quem os outros gostam de estar porque são emocionalmente
enriquecedores — deixam os que com eles convivem de bom
humor, e provocam o comentário: «É um prazer estar com uma pessoa
assim.»

Estas aptidões interpessoais fomentam outras inteligências emocionais.


As pessoas que causam uma excelente impressão social, por

158
i
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

exemplo, são hábeis a controlar a sua própria expressão de emoção,


sintonizam-se perfeitamente com a maneira como os outros estão a
reagir e são capazes de ajustar continuamente o seu desempenho sociai,
afinando-o de modo a garantir o efeito desejado. Neste senti’
do, são como actores de grande talento.

No entanto, se estas capacidades sociais não forem equilibradas


por um sentido apurado das nossas próprias necessidades e sentimentos
e de como satisfazê-los, podem conduzir a um sucesso social
oco — uma popularidade conquistada à custa da nossa verdadeira
satisfação. Tal é o argumento de Mark Snyder, o psicólogo da Universidade
do Minesota que estudou pessoas cujas aptidões sociais
fazem delas camaleões sociais de primeira qualidade, campeãs na
arte de causar uma boa impressão.8 O credo psicológico destas pessoas
poderia bem ser um comentário de W. H. Auden, o qual disse
que a imagem que tinha de si mesmo «é muito diferente da que
tento criar no espírito dos outros, para que gostem de mim». Esta
troca pode acontecer se as aptidões sociais de uma pessoa ultrapassam
a sua capacidade de conhecer e honrar os seus próprios sentimentos:
para ser amado — ou pelo menos apreciado — o camaleão
social parecerá ser aquilo que os outros dêem a entender que querem
que ele seja. A indicação de que alguém caiu neste padrão,
segundo Snyder, é quando causa uma excelente primeira impressão,
mas tem poucas relações íntimas estáveis e satisfatórias. Um padrão
muito mais saudável é, evidentemente, equilibrar o sermos fiéis a
nós próprios com as capacidades sociais, usando-as de uma forma
íntegra.

Os camaleões sociais, no entanto, não se importam nada de


dizer uma coisa e fazer outra, se isso lhes conseguir aprovação social.
Pura e simplesmente, vivem com a discrepância entre as suas imagens
públicas e as suas realidades privadas. Helena Deutsch, uma
psicanalista, dizia que essas pessoas têm uma «personalidade como
se», que moldam com uma platicidade notável conforme vão captanto
sinais daqueles que as rodeiam. «Para algumas pessoas», disse -me
Snyder, «a personalidade pública e a privada fundem-se bem,
enquanto para outras parece só haver um caleidoscópio de aparências
mutáveis. São como aquela personagem de Woody Allen,
Zelig, tentando desesperadamente integrar-se com quem quer que
estejam.»

Estas pessoas tentam perscrutar os outros em busca de uma


sugestão daquilo que se espera delas antes de darem uma resposta,

159
DANIEL GOLEMAN

em vez de simplesmente dizerem o que na verdade sentem. Para se


darem bem e serem apreciadas, estão dispostas a deixar que pessoas
de quem não gostam pensem que são muito suas amigas. E usam as
suas capacidades sociais para moldarem as suas acções às exigências
das diferentes situações, de modo que podem agir como pessoas
muito diferentes dependendo de com quem estão, mudando de uma
espalhafatosa sociabilidade, por exemplo, para uma discreta reserva.
Como seria de esperar, na medida em que estas características
conduzem a uma gestão eficaz das impressões causadas, são altamente
apreciadas em determinadas profissões, nomeadamente na
vida artística, na advocacia criminal, nas vendas, na diplomacia e
na política.

Um outro, e talvez mais crucial tipo de autovigilância parece


estabelecer a diferença entre aqueles que acabam como cata-ventos
sociais, tentando impressionar toda a gente, e os que sabem usar
os seus dotes sociais mais em consonância com os seus verdadeiros
sentimentos. É a capacidade de ser fiel a si mesmo, o que permite
agir de acordo com os seus sentimentos e valores mais profundos,
independentemente das consequências sociais. Este tipo de integridade
moral poderá levar, por exemplo, a provocar deliberadamente
uma confrontação de modo a acabar com uma situação dúbia —
um limpar da atmosfera que um camaleão social nunca seria capaz
de tentar.

COMO FAZER UM INCOMPETENTE SOCIAL

Não havia dúvida de que Cecil era brilhante; tinha uma licenciatura
universitária em línguas estrangeiras e era um excelente tradutor.
Mas havia aspectos cruciais em que se revelava completamente
inepto. Parecia faltarem-lhe as mais simples aptidões sociais.
Baralhava-se na mais vulgar das conversas e gaguejava até para dar
os bons-dias; em suma, parecia incapaz do mais rotineiro contacto
social. Uma vez que a sua falta de graça social se tornava ainda mais
patente quando se encontrava na presença de mulheres, Cecil procurou
um terapeuta, perguntando a si mesmo se não teria «tendências
homossexuais de uma natureza subjacente», como dizia, embora
não acreditasse muito nisso.

O verdadeiro problema, conforme confidenciou ao terapeuta,


residia no facto de recear que nada que pudesse dizer tivesse o míni-
160
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mo interesse para os outros. Este medo subjacente vinha agravar


uma natural escassez de graça social. O nervosismo que o dominava
durante os encontros sociais levava-o a rir nos momentos mais
despropositados, permanecendo impassível quando alguém dizia
qualquer coisa genuinamente engraçada. Esta falta de jeito, conforme
confidenciou ao terapeuta, remontava à sua infância; durante
toda a sua vida, só se sentia socialmente à vontade quando estava
com o irmão mais velho, que de algum modo lhe facilitava as coisas.
Mas, desde que saíra de casa, a sua inépcia tornara-se esmagadora,
deixando-o socialmente paralisado.

A história é contada por Lakin Phillips, um psicólogo da George


Washington University, em cuja opinião o problema de Cecil
decorre de não ter aprendido durante a infância as lições mais elementares
da interacção social:

Que deveria Cecil ter aprendido muito mais cedo? A falar


directamente com quem falasse com ele; a iniciar o contacto social,
sem esperar sempre que os outros o fizessem; a manter uma conversa,
em vez de limitar-se a respostas monossilábicas; a expressar
gratidão, a deixar a outra pessoa passar à frente numa porta; a esperar
até ser servido (...) a agradecer, a dizer «por favor», a cornpartilhar
e todas as outras interacções elementares que começamos
a ensinar às crianças a partir dos dois anos de idade.9

Se a deficiência de Cecil se devia à incapacidade de terceiros


para lhe ensinar estes rudimentos da civilidade social ou à sua própria
incapacidade para aprendê-los é algo que não está claro. Mas
seja qual for a causa, a história de Cecil é instrutiva porque destaca
a natureza crucial das incontáveis lições que as crianças recebem
em matéria de interacção e das regras tácitas da harmonia social.
O resultado líquido de não seguir estas regras é criar perturbações,
fazer que todos os que nos rodeiam fiquem pouco à vontade. A função
destas regras é, evidentemente, permitir que todos os envolvidos
numa troca social se sintam bem; o constrangimento gera ansiedade.
As pessoas a quem faltam estas aptidões são ineptas não
apenas no domínio das amenidades sociais, mas também em lidar
com os sentimentos daqueles com quem contactam; deixam inevitavelmente
um rasto de perturbação na sua esteira.

Todos nós conhecemos Cecils, pessoas com uma irritante falta


de graça social — pessoas que parecem não saber quando terminar

161
DANIEL GOLEMAN

uma conversa ou um telefonema e continuam a falar, alheias a


todas as pistas e sugestões para que se despeçam; pessoas cuja conversa
se centra constantemente nelas próprias, sem o mínimo interesse
por mais quem quer que seja, e que ignoram todas as tentativas
de passar para outro assunto; pessoas que são intrometidas ou
fazem perguntas indiscretas. Todos estes descarrilamentos de uma
trajectória social correcta denunciam um défice nas bases mais
rudimentares da interacção.

Os psicólogos cunharam o termo dissentia (do grego dys-, que significa


«dificuldade», e semes, que significa «sinal») para descrever
aquilo que corresponde a uma incapacidade de aprendizagem na
área das mensagens não-verbais; cerca de uma em cada dez crianças
tem um ou mais problemas neste domínio.10 A dificuldade pode
residir numa má noção do espaço pessoal, que leva a criança a ficar
muito perto quando fala com as pessoas ou a espalhar os seus brinquedos
pelo «território» de uma outra; numa interpretação e uso
deficientes da linguagem corporal; numa interpretação e uso deficientes
das expressões faciais, não conseguindo, por exemplo, olhar
os outros nos olhos; ou num sentido deficiente da prosódia, a qualidade
emocional da fala, o que a leva a falar demasiado alto ou de
uma maneira excessivamente monótona.

Inúmeras pesquisas têm-se centrado em detectar crianças que


revelem indícios de deficiência social, crianças cuja falta de jeito as
faz serem ignoradas ou rejeitadas pelos companheiros de brincadeiras.
Para além daquelas crianças que são evitadas por serem agressivas
e briguentas, as que as outras põem de parte são invariavelmente
deficientes nos rudimentos da interacção face a face, sobretudo
nas regras não declaradas que governam os encontros sociais. Se a
criança tem dificuldade em falar, as pessoas assumem que não é
muito inteligente ou é pouco instruída; mas se a sua dificuldade
reside nas regras não-verbais da interacção, as pessoas — especialmente
os colegas — vêem-na como «estranha», e passam a evitá-la.
Estas são as crianças que não sabem como participar graciosamente
numa brincadeira, que tocam nas outras de maneira que as fazem
sentir-se desconfortáveis — em suma, que não se enquadram. São
crianças que não conseguiram dominar a linguagem silenciosa da
emoção, e que involuntariamente emitem .mensagens que criam
constrangimento.

Nas palavras de Stephen Nowicki, um psicólogo da Emory University


que estuda as capacidades não-verbais das crianças: «As

162
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

crianças que não sabem interpretar ou exprimir bem emoções sentem-se


constantemente frustradas. Em essência, não compreendem
o que se passa. Este tipo de comunicação é como uma legenda constante
de tudo o que fazemos; não nos podemos impedir de mostrar
a nossa expressão facial ou a nossa postura, nem esconder o nosso
torn de voz. Se nos enganamos na mensagem emocional que transmitimos,
verificamos constantemente que as pessoas reagem a nós
de maneiras esquisitas — somos repelidos e não percebemos porquê.
A criança pensa e age num estado de espírito feliz, mas na realidade
parece estar excitada ou zangada, verifica que as outras reagem
por sua vez de uma maneira zangada, mas não consegue compreender
a razão. As crianças assim acabam por sentir que não têm o
mínimo controlo sobre a maneira como os outros as tratam, que as
suas acções não têm qualquer impacte no que lhes acontece. Isto falas
sentirem-se impotentes, deprimidas e apáticas.»

Além de se tornarem párias sociais, estas crianças sofrem em


termos escolares. A aula é, evidentemente, tanto uma ocasião social
como académica; a criança socialmente desajustada é tão
capaz de interpretar mal e responder inadequadamente a um professor
como a um colega. A atrapalhação e ansiedade que daqui
resultam interferem com a sua capacidade de aprender eficazmente.
Na realidade, como diversos testes feitos à sensibilidade nãoverbal
das crianças demonstraram, aquelas que interpretam mal as
indicações emocionais tendem a obter resultados escolares piores
que aqueles que o respectivo potencial académico, tal como é
reflectido pelos testes de QI, permitiria esperar.”

«ODIAMOS-TE»: A MARGEM

A inépcia social é talvez mais dolorosa e explícita quando se


trata de um dos momentos mais perigosos na vida de uma criança:
estar à beira de um grupo que brinca e onde quer entrar. É um
momento de perigo, um momento em que o facto de ser amado ou
detestado, de pertencer ou não, se torna irrevogavelmente público.
Por isso este momento crucial tem sido objecto de intenso escrutínio
por parte dos estudiosos do desenvolvimento infantil, revelando
um contraste gritante entre as estratégias de abordagem
utilizadas pelas crianças mais populares e pelos párias sociais. As
conclusões destacam quão importante é para a competência social

163
DANIEL GOLEMAN

detectar, interpretar e responder às indicações emocionais e interpessoais.


Embora seja lancinante ver uma criança permanecer à
margem de um grupo de outras que brincam, querendo juntar-se-Ihes
mas sendo repelida, trata-se de uma situação universal. Até as
crianças mais populares são por vezes rejeitadas — um estudo feito
com alunos dos segundo e terceiro anos revelou que 26 por cento
das vezes até as crianças mais apreciadas pelas outras são rejeitadas
quando tentam entrar num grupo que já está formado e a brincar.
As crianças muito novas são brutalmente francas no que respeita
ao julgamento emocional implícito nestas rejeições. A testemunhá-lo
aí está o seguinte diálogo entre garotos de quatro anos numa
escola pré-primária.12 Linda quer juntar-se a Barbara, Nancy e Bill,
que já estão a brincar com animais de brinquedo e peças Lego. Fica
a observar durante um minuto, após o que faz a sua abordagem, sentando-se
ao lado de Barbara e começando a brincar com os animais.
Barbara volta-se para ela e diz:

— Não podes brincar!

— Posso sim — contrapõe Linda. — Também posso brincar


com estes brinquedos.

— Não, não podes — declara Barbara duramente. — Hoje não


gostamos de ti.

Quando Bill intervém a favor de Linda, Nancy junta-se ao


ataque:

— Hoje não gostamos nada dela.

Devido ao perigo de lhes ser dito, explícita ou implicitamente,


«Não gostamos de ti», todas as crianças se mostram compreensivelmente
cautelosas quando se trata de abordar um grupo. Esta ansiedade,
claro, não é provavelmente muito diferente da do adulto que,
numa festa com desconhecidos, se mantém afastado de um grupo
que conversa animadamente e parece constituído por amigos íntimos.
Porque este momento na margem de um grupo é tão importante
para a criança, é também, nas palavras de um investigador,
«altamente eficaz em termos de diagnóstico (...) revelando rapidamente
diferenças ao nível de habilidade social».”

Tipicamente, o recém-chegado começa por observar durante algum


tempo, após o que se vai chegando muito tentativamente, de
início, avançando passo a passo. O que mais importa para determinar
se a criança é ou não aceite parece ser o modo como consegue
integrar-se no quadro de referências do grupo, adivinhando para
que tipo de brincadeira ele está voltado, e qual rejeitará.

164
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Os dois pecados capitais que quase sempre conduzem à rejeição


são tentar assumir a chefia demasiado cedo e não entrar em sintonia
com o quadro de referências. Mas isto é exactamente o que as
crianças menos populares tendem a fazer: forçam a sua entrada no
grupo, tentando mudar o tema demasiado abruptamente ou demasiado
cedo, ou dando as suas próprias opiniões, ou discordando dos
outros logo de entrada — tudo aparentemente tentativas de atrair
as atenções para si mesmas. Paradoxalmente, o que lhes acontece é
serem ignoradas ou rejeitadas. Em contraste, as crianças populares
passam algum tempo a observar o grupo para se aperceberem do que
se está a passar antes de entrarem, e então fazem qualquer coisa
que mostre que o aceitam; esperam até que a sua posição no grupo
seja confirmada antes de tomarem a iniciativa de sugerir o que o
grupo deve fazer.

Voltemos a Roger, o garoto de quatro anos que Thomas Hatch


descobriu a exibir um alto nível de inteligência interpessoal.14 A sua
táctica para entrar num grupo era observar primeiro, depois imitar
o que outra criança estivesse a fazer, e finalmente falar com essa
criança e juntar-se plenamente à actividade — uma estratégia vencedora.
A habilidade de Roger ficou demonstrada quando ele e
Warren estavam a brincar a pôr «bombas» (na realidade, pequenas
pedras) nas meias. Warren pergunta a Roger se ele prefere estar
num helicóptero ou num avião. E Roger pergunta, antes de se cornprometer:
«Tu estás num helicóptero?»

Este momento aparentemente inócuo revela sensibilidade


relativamente às preocupações da outra pessoa, e a capacidade de
agir com base nesse conhecimento de modo a manter o relacionamento.
Hatch comenta a respeito de Roger: «Ele confere com os
companheiros se eles e o jogo a que estão a brincar permanecem
interligados. Tenho observado muitas outras crianças que simplesmente
se metem nos seus helicópteros ou aviões e, literal e figurativamente,
voam para longe umas das outras.» ; -n- v.-,j y-n.. |

EXCELÊNCIA EMOCIONAL: UM CASO EXEMPLAR

Se a prova da aptidão social é a capacidade de acalmar emoções


pertubantes em terceiros, então lidar com alguém no auge da fúria
é talvez a medida máxima de maestria. Os dados sobre a auto-regulação
da ira e o contágio emocional sugerem que uma estratégia efi165
DANIEL GOLEMAN

ciente poderá ser distrair a pessoa furiosa, empatizar com os seus


sentimentos e pontos de vista, e então levá-la a uma perspectiva
alternativa, uma que a sintonize com uma gama mais positiva de
sentimentos — uma espécie de judo emocional.

O melhor exemplo desta capacidade refinada na arte da


influência emocional é talvez uma história que me foi contada por
um velho amigo, o falecido Terry Dobson, que, nos anos 50, foi o
primeiro americano a estudar aikido no Japão.13 Certa tarde, dirigiase
a casa num comboio suburbano de Tóquio, quando um enorme,
belicoso, muito bêbedo e muito zangado operário entrou na sua
carruagem. O homem, cambaleante, começou a aterrorizar os outros
passageiros: gritando pragas, deu um safanão numa mulher que
segurava uma criança nos braços e atirou-a para cima de um casal
de velhos, que se levantaram no instante seguinte e se juntaram à
fuga geral para a outra extremidade da carruagem. O bêbedo, desferindo
outros murros (e falhando os alvos, de tão enraivecido que
estava) agarrou a haste de metal situada no meio da carruagem e,
com um rugido, tentou arrancá-la dos encaixes.

Nesta altura Terry, que se encontrava no aute da sua forma física,


graças a oito horas diárias de treino de aikido, sentiu-se obrigado
a intervir, antes que alguém ficasse seriamente magoado. Mas então
recordou as palavras do seu professor: «O aikido é a arte da reconciliação.
Aquele que está disposto a lutar quebrou a sua ligação com o
universo. Quem tenta dominar outra pessoa já está derrotado. O que
estudamos é como resolver os conflitos, não como começá-los.»

Antes de começar a ter lições com aquele professor, Terry


prometera nunca iniciar uma luta, e só utilizar o seu conhecimento
das artes marciais para se defender. Agora, finalmente, via a possibilidade
de testar na vida real tudo o que aprendera, naquilo que era
claramente uma oportunidade legítima. Assim, enquanto todos os
outros passageiros se mantinham imobilizados nos seus assentos,
Terry levantou-se, lenta e deliberadamente:

Ao vê-lo, o bêbedo rugiu:

— Ah! Um estrangeiro! Estás a precisar de uma lição em boas


maneiras japonesas! — E começou a preparar-se para atacar Terry.

No instante em que ia fazê-lo, no entanto, alguém gritou um


jovial e sonante:

— Eh!

O grito continha toda a alegre surpresa de alguém que acaba de


encontrar um amigo querido. O bêbedo, surpreendido, fez meia

166
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

volta, ficando a olhar para um pequeno japonês, provavelmente


com os seus setenta anos, que, vestindo um quimono, estava tranquilamente
sentado num dos bancos. O velhote dirigiu-lhe um
sorriso deliciado e fez-lhe um pequeno aceno com a mão, pedindo:

— Chega aqui.

— Por que diabo é que hei-de falar contigo? — perguntou o


bêbedo beligerantemente, mas aproximando-se mesmo assim do seu

interlocutor, enquanto Terry se preparava para derrubá-lo se fizes m

-se o mais pequeno gesto agressivo. ’

— O que foi que estiveste a beber? — quis saber o velhote, com


os olhos a sorrir para o operário embriagado.

— Estive a beber sake, e ninguém tem nada com isso! — berrou


o bêbedo.

— Oh, isso é maravilhoso, absolutamente maravilhoso — replicou


o velho, num torn caloroso. — Sabes, eu também adoro sake.
Todas as noites, eu e a minha mulher... ela tem sessenta e seis
anos... aquecemos uma pequena garrafa de sake e levamo-la para o
jardim, e sentamo-nos no velho banco de madeira... — E continuou
por aí fora, falando do caquizeiro que tinha no pátio, do estado
do seu jardim, de saborear o sake ao anoitecer.

O rosto do bêbedo começou a suavizar-se à medida que escutava


o velho; os seus punhos descontraíram-se.

Sim... também gosto muito de caquizeiros... — disse, num

torn quase sonhador.

Claro — respondeu o velho, animadamente. — E aposto que

tens uma mulher maravilhosa. Não — disse o operário. — A minha


mulher morreu.
E, soluçando, lançou-se numa longa história a respeito de ter
perdido a mulher, a casa, o emprego, de ter vergonha de si mesmo. | ,i

Nessa altura o comboio chegou à paragem de Terry, que, antes (J

de sair, ainda ouviu o velho convidar o bêbedo a sentar-se a seu |

lado e contar-lhe tudo, e viu o homem deitar-se no banco e pousar- ijj

-lhe a cabeça nos joelhos. |

Isto é excelência emocional. ”

167
Terceira Parte

A Inteligência Emocional Aplicada


Inimigos íntimos
Amar e trabalhar, observou certa vez Sigmund Freud ao seu
discípulo Erik Erikson, são as duas capacidades que definem a maturidade
plena. Se assim é, então a maturidade pode ser uma fase da
vida em vias de extinção — as actuais tendências no casamento e
no divórcio tornam a inteligência emocional ainda mais crucial do
que nunca.

Considere-se a taxa de divórcios. A taxa anual de divórcios


pode dizer-se que mais ou menos estabilizou. Mas há outra maneira
de calcular a taxa de divórcios, e uma maneira que sugere um perigoso
aumento: olhar para as possibilidades que um dado casal
recém-casado tem de ver o seu casamento terminar em separação.
Embora a taxa geral de divórcios tenha parado de surbir, o risco de
divórcio tem vindo a aumentar para os recém-casados.

Esta mudança torna-se mais clara se compararmos as taxas de


divórcio por número de casamentos num dado ano. No caso dos
casamentos que tiveram início em 1890 (isto na América, evidentemente),
10 por cento terminaram em divórcio. Para os que casaram
em 1920, a taxa foi de aproximadamente 18 por cento; para os
casais casados em 1950, 30 por cento. Os casais que contraíram
matrimónio em 1970 tinham uma possibilidade de 50 por cento de
se conservarem juntos. E para os casais que iniciaram a sua vida em
comum em 1990, as possibilidades projectadas de o casamento terminar
em divórcio aproximam-se de uns assustadores 67 por
cento.1 Se esta estimativa se confirmar, apenas três em cada dez
novos recém-casados podem esperar permanecer ao lado do seu novo
parceiro.

Poderá argumentar-se que muito deste aumento se deve não


tanto a um declínio da inteligência emocional mas mais à erosão
continuada das pressões sociais — o estigma que rodeia o divórcio,
ou a dependência económica das mulheres relativamente aos maridos
— que antigamente mantinham os casais unidos mesmo nas
condições mais infelizes. Mas se as pressões sociais já não são a cola

171

I
DANIEL GOLEMAN

que conserva unidos os casais, então as forças emocionais entre


marido e mulher tornam-se ainda mais cruciais para a sobrevivência
da sua união.

Estes laços entre marido e mulher — e as linhas de fractura emocionais


que podem desfazê-los — têm sido analisados durante os
últimos anos com uma precisão nunca antes vista. O maior progresso
na compreensão daquilo que mantém um casal unido ou o faz separar-se
foi talvez o possibilitado pelo uso de novas e sofisticadas
medições fisiológicas que permitem um acompanhamento momento
a momento das variações emocionais que ocorrem na relação do
casal. Os cientistas estão hoje em condições de detectar as antigamente
invisíveis descargas de adrenalina e saltos de pressão arterial
no marido, bem como de observar as fugazes mas reveladoras
microemoções que perpassam pelo rosto da esposa. Estas medições
fisiológicas revelam uma legenda biológica escondida das dificuldades
do casal, um nível crítico de realidade emocional que tipicamente
passa despercebido ou é pura e simplesmente ignorado pelo
próprio casal. Estas medições põem a nu as forças emocionais que
mantêm uma relação ou a destroem. As linhas de fractura têm o seu
início nas diferenças entre os mundos emocionais dos rapazes e das
raparigas.

O CASAMENTO DELE E O DELA: RAÍZES NA INFÂNCIA

Quando me preparava para entrar num restaurante, aqui há


dias, vi sair pela porta um homem ainda novo que tinha espelhada
no rosto uma expressão fechada e sombria. Correndo atrás dele,
uma jovem batia-lhe desesperadamente com os punhos nas costas,
enquanto gritava: «Raios te partam! Volta aqui e sê simpático para
comigo!» Este pungente e impossivelmente contraditório pedido
dirigido a umas costas que se retiravam epitoma o padrão mais
comummente visto em casais cuja relação está em perigo: ela procura
a luta, ele retira. Os terapeutas matrimoniais notaram há muito
que quando o casal finalmente se decide a consultá-los, já está
nesta fase de ataque-retirada, em que ele se queixa das exigências
irracionais e das explosões dela, e ela o acusa de indiferença e de
não dar atenção ao que lhe diz.

Este «fim de jogo» marital reflecte o facto de num casal haver,


efectivamente, duas realidades emocionais: a dele e a dela. As raí172
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

zes destas diferenças emocionais, embora possam em parte ser biológicas,


remontam igualmente à infância, e aos mundos emocionais
separados em que rapazes e raparigas vivem enquanto crescem.
Existe um vasto corpo de pesquisa sobre estes mundos separados,
cujas barreiras são reforçadas não apenas pelos jogos diferentes que
rapazes e raparigas preferem, mas também pelo medo que as crianças
têm de que se metam com elas por terem um «namorado» ou
uma «namorada».2 Um estudo sobre os padrões de amizades infantis
revelou que as crianças de três anos afirmam que cerca de metade
dos seus amigos são do sexo oposto; aos cinco anos, este valor
deste para perto dos 20 por cento, e aos sete anos quase nenhum
rapaz ou rapariga afirma ter um «melhor amigo» do sexo oposto.3
Estes universos sociais separados comunicam muito pouco até à
altura em que os adolescentes começam a namorar.

Entretanto, rapazes e raparigas aprendem lições diferentes sobre


a maneira de lidar com as emoções. Os pais, em geral, discutem o
tema emoções — exceptuando a ira — mais com as filhas do que
com os filhos.4 As raparigas são expostas a mais informação a respeito
das emoções do que os rapazes: quando os pais inventam histórias
para contar aos seus filhos em idade pré-escolar, usam mais
palavras emocionalmente carregadas quando falam com as raparigas
do que com os rapazes; quando as mães conversam com as filhas
a respeito de sentimentos, discutem mais em pormenor os estados
emocionais do que quando falam com os filhos — embora com os
filhos entrem em mais pormenores sobre as causas e consequências
de emoções como a ira (provavelmente com intenções cautelares).

Leslie Brody e Judith Hall, que sumarizaram as pesquisas feitas


sobre as diferenças no que respeita a emoções entre os sexos, sugerem
que as raparigas, por desenvolverem o uso da linguagem mais
depressa do que os rapazes, expressam mais facilmente os seus sentimentos
e são mais hábeis do que eles a utilizar a palavra como substituto
de certas reacções emocionais, como a luta física; em contraste,
notam: «os rapazes, nos quais a verbalização de afectos é menos
encorajada, podem acabar por tornar-se largamente inconscientes
dos estados emocionais, tanto neles próprios como nos outros».5

com dez anos de idade, aproximadamente a mesma percentagem


de rapazes e raparigas são declaradamente agressivos, dados à
confrontação aberta quando se zangam. Aos treze anos, começa
a emergir uma diferença nítida entre os sexos: as raparigas tornam-se
mais hábeis do que os rapazes na prática de técnicas agressivas

173
DANIEL GOLEMAN

mais artificiosas, como o ostracismo, os mexericos e as vinganças


indirectas. Os rapazes, de um modo geral, continuam a procurar o
confronto directo quando provocados, alheios a outras estratégias
mais subtis.6 Esta é apenas uma das muitas razões por que os rapazes
— e mais tarde os homens — se mostram menos sofisticados do que
os membros do sexo oposto nos atalhos da vida emocionai.

Quando as raparigas brincam em conjunto, fazem-no em grupos


pequenos, íntimos, pondo um cuidado especial em minimizar a
hostilidade e maximizar a cooperação, enquanto os rapazes brincam
em grupos maiores, onde a tónica é a competição. Uma diferença-chave
resulta clara da observação do que acontece quando os jogos
que rapazes e raparigas praticam são interrompidos porque um dos
participantes se magoou. Se um rapaz se magoa e começa a chorar,
espera-se dele que se afaste para um lado e se «deixe de fitas», para
que o jogo possa continuar. Se o mesmo acontece num grupo de
raparigas, o jogo pára imediatamente e todas elas se reúnem para ajudar
a que está a chorar. Esta diferença entre rapazes e raparigas epitoma
aquilo a que Carol Gilligan chama a disparidade-chave entre
os sexos: os rapazes orgulham-se de um tipo de independência e
autonomia dura e solitária, enquanto as raparigas se vêem a si mesmas
como fazendo parte de uma rede de ligações. Assim, os rapazes
sentem-se ameaçados por qualquer coisa que ponha em causa a sua
independência, enquanto para as raparigas a ameaça reside na rotura
dos seus relacionamentos. E, como Deborah Tannen apontou no
seu livro You Just Dorít Understand, estas perspectivas diferentes
significam que homens e mulheres desejam e esperam coisas muito
diferentes de uma conversa: eles contentam-se com falar a respeito
de «coisas», ao passo que elas procuram uma ligação emocional.

Em resumo, estes contrastes na aprendizagem das emoções favorecem


capacidades muito diferentes: as raparigas «tornam-se hábeis
na leitura de sinais emocionais não-verbais, na expressão e comunicação
dos seus sentimentos», e os rapazes aprendem «a minimizar
as emoções que tenham que ver com vulnerabilidade, culpa, medo
ou dor».7 Abundam na literatura científica as provas destas duas atitudes.
Centenas de estudos descobriram, por exemplo, que, em média,
as mulheres são mais empáticas do que os homens, pelo menos
na medida em que a empatia pode ser avaliada medindo a capacidade
de ler os sentimentos de uma pessoa através da sua expressão
facial, torn de voz e outras indicações não-verbais. Do mesmo
modo, é geralmente mais fácil ler sentimentos no rosto de uma mulher
174
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

que no de um homem; embora não haja diferenças na expressividade


facial entre rapazes e raparigas muito novos, à medida que
vão crescendo os rapazes tornam-se menos expressivos, e as raparigas
mais. Isto pode reflectir em parte uma outra diferença-chave: as
mulheres, em média, experimentam toda a gama de emoções com
mais intensidade e mais volatilidade que os homens — neste sentido,
elas são mais «emocionais» que eles.8

Tudo isto significa que, de um modo geral, as mulheres chegam


ao casamento preparadas para o papel de «gestoras emocionais»,
enquanto os homens dão muito menos valor à importância desta
tarefa para ajudar a relação a sobreviver. Efectivamente, segundo as
conclusões de um estudo levado a cabo com 264 casais, o elemento
mais importante de uma relação satisfatória era para as mulheres
— mas não para os homens — sentir que o casal tinha uma «boa
comunicação».9 Ted Huston, um psicólogo da Universidade do
Texas que estudou aprofundadamente inúmeros casais, observa:
«Para a esposa, intimidade significa falar das coisas, em especial
falar a respeito da relação em si. Os homens, de um modo geral, não
compreendem o que as mulheres querem deles. Dizem: Eu quero
fazer coisas com ela, mas ela só quer falar.» Durante a corte, descobriu
Huston, os homens mostram-se muito mais dispostos a conversar
de maneira que satisfaçam os desejos de intimidade das suas
futuras esposas. Mas uma vez casados, com o decorrer dos anos os
homens — especialmente nos casais mais tradicionais — passam
cada vez menos tempo a falar desta maneira com as esposas, encontrando
uma sensação de proximidade simplesmente no fazerem coisas
juntos, como jardinar, em vez de conversarem a respeito disto
ou daquilo.

Este crescente silêncio por parte do marido pode dever-se em


certa medida ao facto de os homens serem mais optimistas no que
respeita ao estado do seu casamento, enquanto as mulheres dão
mais atenção aos pontos de conflito: num estudo levado a cabo com
diversos casais, os homens tinham uma visão mais cor-de-rosa que
as mulheres a respeito de praticamente todos os aspectos do seu
relacionamento — sexo, finanças, relações com os parentes, como
se davam um com o outro, que importância tinham os defeitos de
cada um.10 As mulheres, de um modo geral, verbalizam mais as suas
queixas, particularmente no caso dos casais infelizes. Combine-se
esta visão rósea que os homens têm do casamento com a sua natural
aversão às confrontações emocionais, e fica explicado por que

175
DANIEL GOLEMAN

razão as mulheres se queixam tantas vezes de que os maridos procuram


furtar-se a discutir aquilo que está mal nas relações entre os
dois. (Como é evidente, esta diferença por sexos é uma generalização,
que não se revela verdadeira em todos os casos; um amigo
meu que é psiquiatra queixa-se de que a mulher se mostra relutante
em discutir as questões emocionais entre ambos, e que é sempre
ele quem traz o tema à baila.)

A dificuldade que os homens têm de abordar os problemas de


uma relação é sem dúvida agravada pela sua relativa falta de habilidade
no que respeita a ler expressões faciais de emoções. As mulheres,
por exemplo, são mais sensíveis a uma expressão de tristeza
no rosto de um homem que os homens a essa mesma expressão no
rosto de uma mulher.” Assim, a mulher tem de estar muito mais
triste para que o homem se aperceba sequer dessa tristeza, quanto
mais levantar a questão de saber o que a torna assim tão triste.

Considerem-se as implicações desta diferença de capacidades


emocionais na maneira como os casais lidam com as queixas e desacordos
em que qualquer relação íntima é inevitavelmente fértil. Na
realidade, não são as questões específicas, — como com que frequência
o casal tem relações sexuais, a educação dos filhos, o nível
de despesas e de endividamento que lhes parece adequado — que
fazem e desfazem um casamento. E como o casal discute estes pontos
sensíveis que mais importa para o futuro do matrimónio.
Simplesmente chegar a um acordo sobre como discordar é essencial
para a sobrevivência matrimonial; homens e mulheres têm de vencer
as suas diferenças inatas na maneira como abordam os baixios da
emoção. Se não o fizerem, correm o risco de ver o barco do seu casamento
ser destruído pelos escolhos emocionais. Como veremos, estes
escolhos têm muito mais probabilidade de surgir quando um ou
ambos os parceiros revelam certos défices de inteligência emocional.

LINHAS DE FRACTURA MATRIMONIAIS

Fred: Foste buscar a minha roupa à lavandaria?

Ingrid (num torn de troça): «Foste buscar a minha roupa à


lavandaria?» Vai tu buscar a porcaria da tua roupa. Sou tua criada,
por acaso?

Fred: De modo nenhum. Se fosses uma criada, pelo menos saberias


limpar a casa.

176
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Se este diálogo pertencesse a uma série de televisão, talvez pudesse


ser divertido. Mas não, esta dolorosamente cáustica troca de
palavras teve lugar entre um casal que (certamente sem surpresa
para ninguém) se divorciou poucos anos depois.12 A cena decorreu
durante uma sessão experimental organizada por John Gottman,
um psicólogo da Universidade de Washington que foi talvez quem
analisou mais pormenorizadamente a cola emocional que conserva
um casal unido, bem como os sentimentos corrosivos que podem
destruir um casamento.13 No seu laboratório, as conversas entre
casais são videogravadas, e em seguida submetidas durante horas a
uma análise minuciosa destinada a detectar as correntes emocionais
subterrâneas que estão em jogo. Este mapeamento das linhas de
fractura que podem levar um casal ao divórcio ilustra muito convincentemente
o papel da inteligência emocional na sobrevivência
do casamento.

Ao longo das duas últimas décadas, Gottman acompanhou os


altos e baixos de mais de duzentos casais, alguns recém-casados,
outros com décadas de casamento. Gottman cartografou a ecologia
emocional do casamento como uma tal precisão que, num estudo,
foi capaz de predizer com uma precisão de 94 por cento, absolutamente
inédita em estudos deste tipo, que casais observados no seu
laboratório (como Fred e Ingrid, cuja discussão a respeito da lavandaria
foi tão azeda) se divorciariam dentro dos três anos seguintes!

O poder de análise de Gottman decorre da minúcia do seu


método e da profundidade das suas investigações. Enquanto os casais
falam, sensores registam os mais pequenos fluxos da sua fisiologia;
uma análise segundo a segundo das expressões faciais (utilizando
um sistema de leitura das emoções desenvolvido por Paul
Ekman) detecta as mais subtis e fugidias variações de sentimentos.
Após cada sessão, os dois membros do casal assistem separadamente
à gravação da conversa, e descrevem os seus pensamentos secretos
durante os momentos mais acesos da discussão. O resultado é
semelhante a uma radiografia emocional do casamento.

Um dos primeiros sinais de que um casamento está em perigo,


concluiu Gottman, são as críticas acerbas. Num casamento saudável,
marido e mulher sentem-se livres de dar voz às respectivas queixas.
Mas muitas vezes, no calor da discussão, essas queixas são expressas
de uma maneira destrutiva, assumindo a forma de um ataque
ao carácter do outro. Por exemplo, Pamela e a filha foram comprar
sapatos enquanto o marido, torn, ia a uma livraria. Combinaram

177
DANIEL GOLEMAN

encontrar-se diante da estação de correios dentro de uma hora, e


em seguida irem ao cinema. Pamela foi pontual, mas de torn nem
sinais. «Onde estará ele? O filme começa daqui a dez minutos»,
queixou-se Pamela, dirigindo-se à filha. «Se houver alguma maneira
de o teu pai estragar qualquer coisa, podes estar certa de que o fará.»

Quando torn apareceu, dez minutos mais tarde, muito contente


por ter encontrado um amigo e pedindo desculpa pelo atraso,
Pamela atitou-lhe, cheia de sarcasmo: «Não tem importância. Deunos
uma oportunidade para discutir a habilidade que tu tens para
dar cabo de todos os nossos planos. És tão insensível e egoísta!»

A queixa de Pamela é mais do que isso: é um ataque ao carácter,


uma crítica à pessoa, não ao facto. Na realidade, torn tinha pedido
desculpa. Mas, pelo seu lapso, Pamela acusou-o de ser «insensível
e egoísta». A maior parte dos casais tem de vez em quando
momentos como este, em que uma queixa contra qualquer coisa
que o outro fez se transforma num ataque à pessoa e não à acção.
Mas estas duras críticas pessoais têm um impacte emocional muito
mais corrosivo do que uma simples queixa. E estes ataques, talvez
compreensivelmente, tornam-se tão mais frequentes e duros
quanto mais o marido ou mulher sentirem que as suas queixas são
ignoradas.

As diferenças entre queixas e críticas pessoais são simples.


Numa queixa, a esposa explica especificamente o que está a perturbá-la
e critica a acção do marido, não o marido, dizendo como isso
a fez sentir-se: «Quando te esqueceste de ir buscar a minha roupa à
lavandaria, senti que não te preocupavas comigo.» É uma expressão
de inteligência emocional básica: afirmativa, não beligerante nem
passiva. Numa crítica pessoal, porém, a esposa utiliza a sua queixa
específica para desferir um ataque global contra o marido: «És sempre
tão descuidado e egoísta! Isto só prova que não fazes nada como
deve ser!» Este tipo de crítica faz a pessoa que a recebe sentir-se
envergonhada, malquerida, acusada e incompetente — tudo coisas
mais capazes de conduzir a uma resposta defensiva que a uma tentativa
de remediar a situação.

E mais ainda quando a crítica vem carregada de desprezo, uma


emoção particularmente destrutiva. O desprezo surge facilmente
com a ira; geralmente é exprimido não apenas nas palavras utilizadas,
mas também no torn da voz e na expressão do rosto. Na sua
forma mais óbvia, claro, transforma-se em troça ou insulto — «parvalhão»,
«cabra», «paspalho». Não menos ofensiva é a linguagem

178
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

corporal que transmite o desprezo, particularmente o sorriso escarninho


ou os lábios arrepanhados que são sinais universais de
aversão, ou o revirar dos olhos, como que a dizer «Oh, céus!»

A assinatura facial do desprezo é uma contracção do músculo


que puxa os cantos da boca para o lado (habitualmente o esquerdo),
ao mesmo tempo que os olhos rolam para cima. Quando um dos
cônjuges faz esta expressão, o outro, numa troca emocional tácita,
regista um salto no ritmo cardíaco de duas ou três pulsações por
minuto. Esta conversa escondida tem o seu preço; se um marido
mostra consistentemente sinais de desprezo, a mulher torna-se mais
vulnerável a uma série de problemas de saúde, desde constipações
frequentes e gripes a infecções urinárias, passando por sintomas gastrintestinais.
E quando é o rosto da mulher que revela enfado, um
primo chegado do desprezo, quatro ou mais vezes ao longo de uma
conversa de quinze minutos, isso é um sinal silencioso de que o
casal acabará por separar-se dentro de um prazo de quatro anos.

Claro que uma exibição ocasional de desprezo ou enfado não


será o bastante para desfazer um casamento. Estas razias emocionais
são o equivalente ao fumar e a uma alta taxa de colesterol
como factores de risco para as doenças cardíacas — quanto mais
intensas e prolongadas forem, maior é o perigo. Na estrada para o
divórcio, cada um destes factores prediz o seguinte, numa escalada
de infelicidade. A crítica persistente e o desprezo ou o enfado são
sinais de perigo porque indicam que o marido ou a mulher fizeram
a respeito do outro um mau juízo tácito. Nos pensamentos dele ou
dela, o cônjuge é objecto de uma condenação constante. Esta
linha de pensamento negativa e hostil conduz naturalmente a ataques
que põem o outro na defensiva — e pronto para contra atacar
por sua vez.

Cada um dos ramos da resposta luta ou fuga representa uma maneira


de o cônjuge atacado responder ao ataque. A mais óbvia é
ripostar nos mesmos moldes. Esta via acaba tipicamente num inconsequente
concurso de gritos. Mas a resposta alternativa, fugir,
pode ser ainda mais perniciosa, sobretudo quando a «fuga» assume
a forma de uma retirada para um silêncio de pedra.

Não responder é a última defesa. Um dos contendores retira-se


da discussão, remetendo-se a um silêncio absoluto e adoptando uma
expressão fechada. Esta estratégia emite uma mensagem poderosa e
contundente, algo como uma combinação de frio distanciamento,
superioridade e desgosto. Esta situação surge sobretudo nos casa179
DANIEL GOLEMAN

I
mentos que vão a caminho do desastre; em 85 por cento dos casos,
é o marido que se remete ao silêncio em resposta a uma esposa que
o ataca com críticas e desdém.’4 Como resposta habitual, esta técnica
é devastadora para a saúde da relação, corta toda e qualquer possibilidade
de chegar a um acordo.

PENSAMENTOS TÓXICOS

Os miúdos parece que têm o diabo no corpo, e Martin, o pai, começa


a estar farto. Volta-se para a mulher, Melaine, e diz, num torn
irritado:

— Querida, não achas que os miúdos podiam acalmar um


pouco? — Mas o que está verdadeiramente a pensar é: «Ela deixaos
fazer tudo o que querem!»

Melanie, reagindo à irritação dele, irrita-se por sua vez. O rosto


torna-se-lhe tenso, junta as sobrancelhas numa expressão de zanga,
e responde:

— Estão só a brincar. De qualquer maneira, são quase horas de


irem para a cama. — Mas, o que está verdadeiramente a pensar é:
«Lá está ele, sempre a queixar-se.»

Martin está agora visivelmente furioso. Inclina-se ameaçadoramente


para a frente, com os punhos cerrados, e pergunta com uma
voz gelada:

— Queres que vá deitá-los já? — Mas pensa: «Ela opõe-se-me


em tudo; o melhor é resolver eu esta questão.»

Melanie, subitamente assustada pelo torn de ameaça na voz do


marido, diz mansamente:

— Não, eu you já tratar disso. — Mas pensa: «Está a perder as


estribeiras... é bem capaz de magoar as crianças. E melhor ceder.»

Estas conversas paralelas — a falada e a silenciosa — são relatadas


por Aaron Beck, o fundador da terapia cognitiva, como
exemplo do tipo de pensamentos que podem envenenar um casamento.’5
O verdadeiro diálogo emocional entre Melanie e Martin
constitui nos pensamentos de ambos, e esses pensamentos são, por
sua vez, determinados por uma outra camada mais profunda, a que
Beck chama «pensamentos automáticos» — suposições fugazes, de
fundo, a respeito de nós próprios e das pessoas que fazem parte da
nossa vida, e que reflectem as nossas atitudes emocionais mais profundas.
No caso de Melanie, o pensamento de fundo é qualquer

180
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

coisa no género de: «Ele está sempre a ameaçar-me com as suas


fúrias». Para Martin, o pensamento-chave é: «Ela não tem o direito
de tratar-me desta maneira.» Neste casamento, Melanie sentese
como uma vítima inocente, e Martin cheio de justificada indignação
contra aquilo que considera um tratamento injusto, h • ,

Esta noção de ser uma vítima inocente ou de ter motivos para


se sentir indignado é típica de um casamento ameaçado, e alimenta
continuamente sentimentos de raiva e dor.16 A partir do momento
em que pensamentos como ter motivos para se sentir indignado se
tornam automáticos, passam a autoconfirmar-se: o parceiro que
se sente vitimado analisa constantemente tudo o que o outro faz e
que possa confirmar a sua convicção de que está a ser vitimado,
ignorando ou descontando os gestos de ternura susceptíveis de pôr
em questão ou desmentir essa visão. -.).\>’n

Estes pensamentos são poderosos; fazem disparar o sistema de


alarme neuronal. A partir do momento em que o pensamento
de que está a ser vitimado desencadeia no marido um sequestro
emocional, ele começa a remoer toda uma longa lista de queixas
que lhe recordam as muitas maneiras como a mulher o vitimou,
esquecendo tudo o que ela possa ter feito ao longo de toda a relação
entre os dois e que desminta a ideia de que é uma vítima inocente.
Isto coloca a esposa numa situação em que não pode ganhar:
mesmo as coisas que ela fez e que eram intencionalmente simpáticas
podem ser reinterpretadas, quando vistas através destas lentes
negativas, como débeis tentativas de negar o facto indesmentível
de que a culpa é dela e só dela.

Os parceiros não sobrecarregados por este tipo de perspectiva


conseguem fazer uma interpretação mais benigna nas mesmas situações,
e são por isso menos propensos a deixarem-se dominar por
estes sequestros, ou, se isso lhes acontece, tendem a recuperar mais
facilmente. A matriz geral dos pensamentos que mantêm ou atenuam
o conflito segue o padrão delineado no Capítulo 6 pelo psicólogo
Martin Seligman para as perspectivas optimista e pessimista.
A visão pessimista é a de que o parceiro tem um defeito inato
que não pode ser modificado e que será para sempre uma garantia
de infelicidade: «Ele é egoísta e só pensa em si mesmo; foi assim que
o criaram e assim será toda a vida. Espera que eu o sirva e não se
interessa minimamente pelos meus sentimentos.» A visão optimista
poderia ser qualquer coisa assim: «Agora está muito exigente,
mas noutras alturas mostra-se atencioso. Talvez esteja de mau humor.

181
DANIEL GOLEMAN

Terá algum problema no emprego?» Esta é uma visão que não classifica
o marido (ou o casamento) como irremediavelmente defeituoso
e irrecuperável. Em vez disso, vê aquele mau momento como
o resultado de circunstâncias que podem mudar. A primeira atitude
provoca o conflito permanente; a segunda apazigua.

Os parceiros que optam pela atitude pessimista são extremamente


propensos a sequestros emocionais; deixam-se irritar, magoar
e afligir por coisas que o cônjuge faz, e permanecem perturbados a
partir do momento em que o episódio começa. A perturbação interior
e a visão pessimista fazem, é claro, que recorram mais facilmente
à crítica e ao desprezo na confrontação com o parceiro, o que por
sua vez aumenta a possibilidade de uma resposta defensiva.

Os mais virulentos destes pensamentos tóxicos são talvez os


que encontramos nos maridos que se tornam fisicamente violentos
para com as mulheres. Um estudo sobre maridos violentos conduzido
por psicólogos da Universidade de Indiana concluiu que estes
homens pensam como rufiões de escola: vêem intenções hostis até
nas acções mais neutrais das respectivas esposas, e usam esta
interpretação errada para justificarem aos seus próprios olhos o
recurso à violência (os homens que são sexualmente agressivos
para com as mulheres com quem saem fazem algo semelhante:
encarando a mulher com suspeita, acham-se no direito de não ligar
às suas objecções).17 Como vimos no Capítulo 7, estes homens sentem-se
particularmente ameaçados por aquilo que vêem como
desconsiderações, rejeição ou atitudes que os envergonhem em
público por parte das mulheres. Um cenário típico que desencadeia
pensamentos «justificativos» do recurso à violência
neste tipo e homens é o seguinte: «Está numa festa e repara que,
durante a última meia hora, a sua mulher esteve a conversar e a rir
com o mesmo homem, que parece estar a namoriscar com ela.»
Quando estes homens pensam que as mulheres estão a fazer qualquer
coisa que sugira rejeição ou abandono, as suas reacções são
imediatamente de indignação e ultraje. Presumivelmente, pensamentos
automáticos como «Ela vai deixar-me» são disparadores de
um sequestro emocional em que o marido reage impulsivamente
— como os investigadores dizem, «corn respostas comportamentais
incompetentes» —, tornando-se violento.

182
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

INUNDAÇÃO: O AFOGAR DE UM CASAMENTO

O resultado líquido destas atitudes perturbadoras é criar uma


crise constante, uma vez que provocam sequestros emocionais mais
frequentes e tornam mais difícil recuperar da dor e da raiva resul’
tantes. Gottman usa a palavra inundação para designar esta suscep’
tibilidade a frequentes perturbações emocionais: os maridos ou
mulheres inundados estão de tal maneira dominados pelos aspectos
negativos do parceiro e pelas suas próprias respostas a essa negativi’
dade que se deixam submergir por uma vaga de sentimentos descontrolados.
As pessoas inundadas não conseguem ouvir sem distorção
nem responder com clareza; têm dificuldade em organizar os
seus pensamentos e caem em reacções primitivas. Tudo o que querem
é que aquilo acabe, ou então fugir, ou, por vezes, ripostar.
A inundação é um sequestro emocional que se autoperpetua.

Algumas pessoas têm limiares elevados de inundação, suportando


facilmente a ira e o desprezo, enquanto outras disparam mal o
parceiro faz a mais pequena crítica. A descrição técnica de inundação
faz-se em termos de subida do ritmo cardíaco a partir de
níveis de calma.” Em repouso, o coração da mulher bate cerca
de 82 vezes por minuto, e o do homem cerca de 72 vezes (o ritmo
cardíaco específico varia sobretudo de acordo com o tamanho da
pessoa). A inundação começa cerca de 10 pulsações por minuto
acima da média normal da pessoa; se o ritmo cardíaco atinge as 100
pulsações por minuto (como pode facilmente acontecer em
momentos de raiva ou de choro), isso significa que o corpo está a
bombear adrenalina e outras hormonas que mantêm os níveis dê
excitação elevados durante algum tempo. O momento em que se
dá o sequestro emocional é revelado pelo ritmo cardíaco, que pode
subir 10, 20 ou mesmo 30 pulsações por minuto no espaço de uma
única pulsação. Os músculos ficam tensos; pode parecer difícil respirar.
Há uma invasão de pensamentos tóxicos, uma desagradável
vaga de medo e ira que parece inescapável e, subjectivamente, leva
«uma eternidade» a passar. Neste ponto — em pleno sequestro —
as emoções da pessoa são tão intensas, a sua perspectiva tão estreita
e os seus pensamentos tão confusos que não há esperança de que
possa ver o ponto de vista do «adversário» ou resolver as coisas de
uma maneira razoável.

Claro que a maior parte dos maridos e mulheres conhecem momentos


assim quando discutem — é muito natural. O problema para

183
DANIEL GOLEMAN

o casamento começa quando um ou outro dos cônjuges se sente


inundado quase continuamente. Esse parceiro sente-se então esmagado
pelo outro, está constantemente em guarda contra um ataque
emocional ou uma injustiça, torna-se hipervigilante contra qualquer
sinal de agressão, insulto ou ofensa, e tem inevitavelmente
uma reacção excessiva ao mais pequeno indício. Se um marido está
neste estado, o facto de a mulher dizer: «Querido, temos de falar»,
pode evocar o pensamento reactivo: «Lá está ela a querer discutir
outra vez», e disparar uma inundação. Torna-se cada vez mais difícil
recuperar da excitação fisiológica, o que por sua vez torna mais
fácil ver a uma luz sinistra a frase mais inócua, provocando novas
vagas de inundação.

Este é talvez o mais difícil ponto de viragem para um casamento,


uma alteração catastrófica na natureza da relação. O cônjuge
inundado passou a pensar o pior possível do parceiro a todo o instante,
vendo tudo o que ele faz a uma luz negativa. Pequenas
questões transformam-se em grandes batalhas; os sentimentos um
do outro são continuamente magoados. com o tempo, o parceiro
que está a ser inundado começa a encarar os mais pequenos problemas
do seu casamento como gravíssimos e impossíveis de solucionar,
uma vez que a própria inundação impede qualquer tentativa de
resolver as coisas. A medida que isto continua, começa a parecer
inútil discutir os assuntos, e os parceiros tentam acalmar os seus
sentimentos perturbados cada um para seu lado. Começam a viver
vidas paralelas, essencialmente isolados um do outro, e sentem-se
sozinhos no casamento. Quase sempre, conclui Gottman, o passo
seguinte é o divórcio.

Nesta trajectória em direcção ao divórcio as consequências trágicas


dos défices de inteligência emocional são bem patentes.
Quando um casal se deixa apanhar no ciclo de crítica e desprezo,
comportamentos defensivos e silêncio, pensamentos negativos e
inundação emocional, o próprio ciclo reflecte uma desintegração
da autoconsciência emocional e do autocontrolo, da emparia e da
capacidade de se apaziguarem um ao outro e a si mesmos.

HOMENS: O SEXO VULNERÁVEL

Voltemos às diferenças na vida emocional determinadas pelo


sexo e que provaram ser um factor tão importante no desfazer dos

184
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

casamentos. Considere-se a seguinte descoberta: mesmo ao cabo


de trinta e cinco anos ou mais de matrimónio, há uma distinção
básica entre homens e mulheres na maneira como encaram os
encontros emocionais. As mulheres, de um modo geral, importamse
muito menos que os homens de mergulhar a fundo nos aspectos
menos agradáveis das disputas matrimoniais. Esta conclusão, retirada
de um estudo conduzido por Robert Levenson, da Universidade da
Califórnia, baseia-se no testemunho de 151 casais, todos eles com
muitos anos de casamento. Levenson descobriu que os maridos
achavam extremamente desagradável deixarem-se excitar durante
uma discussão matrimonial, ao passo que as mulheres não davam
tanta importância ao facto.20

Os maridos são susceptíveis de se deixarem inundar a um nível


de negatividade mais baixo que as respectivas esposas; mais homens do
que mulheres reagem com inundação às críticas do outro cônjuge.
Uma vez inundados, os maridos segregam mais adrenalina na corrente
sanguínea, e a secreção de adrenalina é desencadeada por
níveis mais baixos de negatividade por parte das esposas; além
disso, os maridos levam mais tempo a recuperar fisiologicamente de
um episódio de inundação.21 Isto sugere que o macho estóico, imperturbável,
tipo Clint Eastwood, pode representar uma defesa contra
sentir-se emocionalmente dominado.

A razão por que, numa discussão, os homens se refugiam tantas


vezes no silêncio é, propõe Gottman, para se protegerem contra
uma inundação; as investigações demonstraram que quando o fazem
o seu ritmo cardíaco desce cerca de dez pulsações por minuto,
provocando uma sensação subjectiva de alívio. Mas — e há aqui um
paradoxo — quando os maridos se recusam a responder, é o ritmo
cardíaco das mulheres que acelera até níveis indicadores de uma
grande perturbação. Este tango límbico, em que cada sexo procura
conforto em jogadas opostas, conduz a uma atitude muito diferente
no que respeita às confrontações emocionais: os homens procuram
evitá-las a todo o custo, enquanto as mulheres se sentem impelidas
a procurá-las.

Tal como os homens são mais susceptíveis de se remeterem ao silêncio,


assim as mulheres são mais susceptíveis de criticar os maridos.22
Esta assimetria surge como uma consequência do facto de as
mulheres procurarem desempenhar o seu papel de gestoras emocionais.
Quanto mais elas tentam trazer a lume e resolver desacordos e
queixas, mais os maridos se mostram relutantes em deixarem-se en185
DANIEL GOLEMAN

volver no que promete ser uma discussão acalorada. Ao ver o marido


retirar-se do «combate», a mulher aumenta o volume e a intensidade
das suas queixas, começando a criticá-lo. Quanto mais ele
se põe na defensiva e se cala, mais ela se sente frustrada e furiosa,
recorrendo então ao desprezo como uma maneira de sublinhar a
intensidade da sua frustração. Ao ver-se alvo das críticas e do desprezo
da mulher, o marido começa a cair no padrão de pensamento
vítima-inocente ou indignação-justificada que facilita o desencadear
da inundação. A fim de proteger-se contra essa eventualidade, ele
torna-se ainda mais defensivo, ou remete-se a um silêncio ainda
mais pesado. Mas, recordemos, quando os maridos fazem isto, provocam
uma inundação nas respectivas esposas, que se sentem cornpletamente
bloqueadas. E à medida que a escalada prossegue, a situação
pode muito facilmente tornar-se descontrolada.

PARA ELE E PARA ELA: CONSELHOS MATRIMONIAIS

Considerando as consequências potencialmente terríveis das


diferenças no modo como homens e mulheres lidam com os sentimentos
perturbadores que surgem nas suas relações, que podem os
casais fazer para proteger o amor e o afecto que sentem um pelo
outro — em suma, o que é que protege o casamento? com base na
observação das interacções de casais cujos casamentos se mantiveram
felizes ao longo dos anos, os investigadores matrimoniais oferecem
conselhos específicos para homens e para mulheres, bem como
algumas palavras de ordem geral destinadas tanto a eles como a elas.

Os homens e as mulheres, de um modo geral, exigem uma afinação


emocional diferente. Para os homens, o conselho é não fugir ao
conflito, mas compreender que quando a esposa traz à baila alguma
queixa ou desacordo, pode estar a fazê-lo como um acto de amor,
tentando manter a relação saudável e no caminho certo (embora
também possa haver outros motivos para a hostilidade da esposa).
Quando as divergências ficam a fervilhar, vão crescendo de intensidade,
até que acaba por haver uma explosão; enfrentá-las e resolvê-las
é a melhor maneira de fazer baixar a pressão. Mas o marido
tem de compreender que irritação ou descontentamento não são
sinónimos de ataque pessoal — as emoções da esposa são muitas
vezes simples sublinhados destinados a realçar a intensidade dos
seus sentimentos relativamente ao assunto.

186
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Os homens precisam igualmente de estar em guarda contra o


hábito de encerrar a discussão propondo demasiado cedo uma
solução prática — é tipicamente mais importante para a esposa
sentir que o marido escuta as suas queixas e compreende os seus sentimentos
a respeito do assunto (embora possa não concordar com
ela). Poderá encarar o facto de ele propor imediatamente uma
solução como significando que não dá importância a esses sentimentos.
Os mandos que são capazes de acompanhar as mulheres ao
longo de toda a discussão, em vez de afastarem as suas queixas como
ninharias sem importância, ajudam as esposas a sentirem-se ouvidas
e respeitadas. Acima de tudo, a esposa quer que os seus sentimentos
sejam respeitados e reconhecidos como válidos, mesmo que o
marido discorde dela. As mais das vezes, quando a esposa sente que
as suas razões são ouvidas e registadas, acalma-se. ,í>u.-v !

Quanto às mulheres, o conselho é paralelo. Uma vez que o maior


problema para os homens é o facto de as esposas se mostrarem
demasiado intensas na exposição das suas queixas, as mulheres
devem fazer um esforço propositado para não atacarem os mandos
— queixarem-se do que eles fizeram, sim, mas não os atacarem pessoalmente
nem mostrarem desdém. Uma queixa não é um ataque
pessoal, é apenas uma afirmação de que determinada atitude foi
errada. Um ataque pessoal levará quase inevitavelmente a que o
marido se coloque na defensiva ou se remeta ao silêncio, o que será
terrivelmente frustrante e só servirá para provocar uma escalada da
discussão. Ajudará, também, se as queixas da esposa forem feitas no
contexto mais vasto de assegurar ao marido o seu amor por ele.

A BOA DISCUSSÃO

O jornal da manhã oferece uma lição objectiva sobre como não


resolver os problemas num casamento. Marlene Lenick teve uma
discussão com o marido, Michael: ele queria ver um jogo na televisão,
ela queria ver o noticiário. Quando Michael se instalou para
assistir ao jogo, Mrs. Lenick informou-o de que estava «farta de
futebol», foi ao quarto buscar um revólver calibre .38 e desfechou-lhe
dois tiros. Mrs. Lenick foi acusada de ofensas corporais agravadas
e libertada sob uma fiança de 50 000 dólares; Mr. Lenick está
bem, recuperando dos ferimentos causados pelas balas que lhe roçaram
o abdómen e lhe perfuraram o ombro esquerdo e o pescoço.23

187
DANIEL GOLEMAN

Embora poucas discussões matrimoniais sejam tão violentas

— ou saiam tão caras —•, proporcionam uma oportunidade única


para aplicar a inteligência emocional ao casamento. Por exemplo,
os casais com casamentos duradouros tendem a cingir-se a um
único assunto nas suas discussões, e a dar a cada parceiro a possibilidade
de expor o seu ponto de vista.21 Mas estes casais dão outro e
importante passo: mostram um ao outro que estão a ser ouvidos.
Uma vez que ser ouvido é muitas vezes exactamente aquilo que a
parte ofendida na realidade pretende, emocionalmente um gesto de
empatia é um poderoso redutor da tensão.

O que mais notavelmente falta nos casais que acabam por divorciar-se
é a existência de tentativas por parte de qualquer dos parceiros
para fazer baixar a tensão. A presença ou a ausência de maneiras
de colmatar a ruptura constitui uma diferença crucial entre
as discussões dos casais que têm um casamento saudável e aqueles
que acabam por se divorciar.25 Os mecanismos de reparação que
impedem uma discussão de transformar-se numa tremenda explosão
são coisas simples, como tentar manter o debate dentro de certos
limites, mostrar empatia e reduzir a tensão. Estes movimentos básicos
são como um termostato emocional, impedindo que os sentimentos
expostos aqueçam excessivamente e dominem a capacidade
de os parceiros se limitarem à questão presente.

Uma estratégia geral para fazer funcionar um casamento é não se


concentrarem nos assuntos específicos — a educação dos filhos, o
sexo, o dinheiro, as lides da casa — sobre os quais os casais discutem,
mas em vez disso desenvolverem uma inteligência emocional partilhada
pelo casal, aumentando deste modo as possibilidades de
resolver os problemas. Há um punhado de competências emocionais

— sobretudo ser capaz de se acalmar (e de acalmar o parceiro), empatia,


e saber ouvir — que contribuem poderosamente para que um
casal resolva as suas diferenças de um modo eficaz. São eles que tornam
possíveis os desacordos saudáveis, as «boas discussões» que permitem
a um casamento florescer e se sobrepõem aos aspectos negativos
que, se os deixarem crescer, podem destruir um casamento.26

Claro que nenhum destes hábitos emocionais se modifica da


noite para o dia; é preciso, no mínimo, persistência e vigilância. Os
casais conseguirão fazer tão mais facilmente as mudanças-chave
quanto mais motivados estiverem para o tentar. Muitas, ou mesmo
a maior parte, das respostas tão facilmente desencadeadas no casamento
foram esculpidas desde a infância, primeiro aprendidas nas

188
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

nossas relações mais íntimas ou modeladas pelos nossos pais, e


depois levadas para o casamento já completamente formadas. Por
isso obedecemos por vezes a certos hábitos emocionais — reagir de
uma maneira excessiva à mais pequena provocação, ou encerrarmo-nos
num mutismo obstinado ao primeiro sinal de confrontação —,
apesar de termos jurado a nós próprios que não nos comportaríamos
como os nossos pais.

Acalmar-se

Toda a emoção forte tem na sua origem um impulso para agir;


gerir esses impulsos é a base da inteligência emocional. Isto pode ser
particularmente difícil nas relações amorosas, onde está tanta coisa
em jogo. As reacções aqui desencadeadas tocam algumas das nossas
necessidades mais profundas — sentirmo-nos amados e respeitados,
o medo de sermos abandonados ou emocionalmente destituídos.
Não admira, pois, que por vezes nos comportemos numa briga
matrimonial como se a nossa sobrevivência estivesse em perigo.

Em todo o caso, nada se resolve positivamente quando o marido


ou a mulher se encontram em estado de sequestro emocional.
Uma das competências-chave no casamento é, para ambos os parceiros,
saber acalmar os seus próprios sentimentos. Essencialmente,
isto significa dominar a arte de recuperar rapidamente da inundação
causada por um sequestro emocional. Porque a capacidade de
ouvir, pensar e falar com clareza se dissolve durante estes picos
emocionais, acalmar-se a si mesmo é um passo altamente construtivo,
sem o qual não pode haver progresso nas tentativas de resolver
o que está em causa.

Os casais mais ambiciosos podem aprender a controlar o ritmo


cardíaco durante uma discussão agitada, sentindo o pulso na artéria
carótida, por baixo da mandíbula, na direcção do lóbulo da orelha
(os praticantes de ginástica aeróbica aprendem a fazer isto com toda
a facilidade).2’ Contando as pulsações durante quinze segundos e
multiplicando por quatro, obtém-se o ritmo em pulsações por minuto.
Fazê-lo quando se está calmo fornece a linha base; se o ritmo
sobe mais que, digamos, dez pulsações por minuto acima deste
nível, é sinal de que está a ocorrer um início de inundação. Quando
isso acontece, o casal deve fazer um intervalo de vinte minutos, em
que os dois se manterão afastados um do outro para se acalmarem

189
DANIEL GOLEMAN

antes de retomarem a discussão. Embora um intervalo de cinco


minutos possa parecer o suficiente, o tempo real de recuperação
fisiológica é mais lento. Como vimos no Capítulo 5, a ira residual
gera mais ira; a espera mais prolongada dá ao corpo mais tempo para
recuperar da excitação original.

Para os casais que, compreensivelmente, acham estranho estar


a controlar as pulsações no meio de uma discussão, é mais simples
ter um acordo prévio que permita a qualquer dos parceiros declarar
uma trégua aos primeiros indícios de inundação em si mesmo ou no
cônjuge. Durante este «período de desconto», pode ser útil praticar
qualquer técnica de relaxação ou fazer exercícios de aeróbica (ou
usar qualquer dos outros métodos que explorámos no Capítulo 5),
para ajudar os parceiros a recuperar do sequestro emocional.

Autoconvicção desintoxicante

Uma vez que a inundação é provocada por pensamentos negativos


a respeito do parceiro, convém que aquele que está a deixar-se
dominar por este tipo de julgamento tenha a capacidade de vêlos
como aquilo que na verdade são. Sentimentos do género «Não
estou para aguentar isto», ou «Não mereço este género de tratamento»,
são chavões típicos do pensamento «vítima-inocente» ou
«justificada-indignação». Como o terapeuta cognitivo Aaron Beck
salienta, detectando estes pensamentos e enfrentando-os — em vez
de simplesmente se deixar enfurecer ou magoar por eles — o marido
ou a mulher podem começar a libertar-se deles.28

Isto implica controlar esses pensamentos, compreender que não


é forçoso acreditar neles e fazer um esforço intencional para trazer
ao espírito provas ou perspectivas que os ponham em causa. Por
exemplo, a esposa que sente no calor do momento que «Ele não
quer saber das minhas necessidades... é sempre tão egoísta», pode
combater este pensamento recordando a si mesma todas as coisas
que o marido fez e que foram, de facto, atenciosas. Isto permite-lhe
reformular o pensamento como: «born, por vezes ele mostra que se
preocupa comigo, apesar de aquilo que fez ter sido insensível e me
ter magoado.» Esta última formulação abre a possibilidade de
mudança e de uma resolução positiva: a primeira só fomenta fúria e
ofensa.

190
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Ouvir e falar de forma não defensiva


Ele: Estás a gritar!

Ela: Claro que estou a gritar... Não ouviste uma palavra do que
eu disse. Não me ligas nenhuma!

Ouvir é uma arte que mantém os casais unidos. Mesmo no calor


de uma discussão, quando ambos estão dominados por sequestros
emocionais, um ou o outro, por vezes os dois, pode conseguir escutar
para lá da ira, e ouvir e responder a um gesto conciliador do parceiro.
Os casais que se encaminham para o divórcio, no entanto,
ficam de tal modo dominados pela fúria e concentrados nos aspectos
específicos do que estão a discutir que não conseguem ouvir
— quanto mais responder — a qualquer proposta de paz que possa
estar implícita naquilo que o parceiro diz. Estar na defensiva, no
caso do ouvinte, significa ignorar ou rebater imediatamente a queixa
do cônjuge, reagindo como se esta fosse um ataque pessoal e não
uma tentativa de levá-lo a modificar o seu comportamento. É certo
que, numa discussão, aquilo que um dos parceiros diz assume
frequentemente a forma de ataque, ou é dito com tanta negatividade
que se torna difícil seja o que for excepto um ataque.

Mesmo no pior dos casos, é sempre possível aos membros do


casal filtrar deliberadamente aquilo que ouvem, ignorando as partes
negativas ou hostis do diálogo — o torn duro, o insulto, a crítica
desdenhosa — para escutar a mensagem principal. Nestes casos
ajuda muito os parceiros conseguirem lembrar-se de ver a negatividade
do outro como uma afirmação implícita de como a questão é
importante para ele — um pedido de atenção que tem de ser satisfeito.
Então, se ela gritar: «És capaz de deixar de interromper-me,
pelo amor de Deus!», o melhor será dizer, sem responder abertamente
à hostilidade: «Está bem, acaba lá.»

A forma mais poderosa de escutar não defensivamente é, evidentemente,


a empatia: ouvir realmente os sentimentos por detrás do
que é dito. Como vimos no Capítulo 7, para que num casal um parceiro
sinta verdadeira empatia pelo outro, é preciso que as suas próprias
emoções se acalmem ao ponto de deixá-lo suficientemente
receptivo para que a sua fisiologia possa espelhar os sentimentos do
cônjuge. Sem esta sintonização fisiológica, a noção daquilo que o parceiro
está a sentir resulta completamente errada. A empatia deteriora-se
quando os nossos próprios sentimentos são tão fortes que não
permitem a harmonização fisiológica, sobrepondo-se a tudo o mais.

i
DANIEL GOLEMAN

Um método de escuta emocional eficaz, chamado «espelhar»,


é vulgarmente utilizado em terapia matrimonial. Quando um dos
parceiros faz uma queixa, o outro repete-a nas suas próprias palavras,
tentando captar não só a ideia, mas também os sentimentos
que a acompanham. O parceiro que está a espelhar confirma junto
do outro que a sua reformulação está correcta, e se não está, tenta
outra vez até que esteja — uma coisa que parece simples, mas na
prática se revela extremamente difícil.29 O efeito de se ser correctamente
«espelhado» é não só sentir-se compreendido, mas ter
uma sensação acrescida de sintonia emocional. Isto por si só basta
por vezes para desarmar um ataque iminente, e ajuda muito a evitar
que uma simples discussão ou um desacordo se transformem
em briga.

A arte de falar de forma não defensiva centra-se em limitar o


que é dito à queixa específica em vez de deixá-lo degenerar em ataque
pessoal. O psicólogo Haim Ginott, o avô dos programas de
comunicação-eficaz, recomendava que a melhor fórmula para uma
queixa era «XYZ»: «Quando fizeste X, eu senti-me Y e preferia que
tivesses feito Z». Por exemplo: «Quando não telefonaste a avisar
que ias chegar atrasado ao nosso jantar, senti-me desprezada e fiquei
furiosa. Gostaria que me avisasses quando souberes que vais chegar
atrasado», em vez de «És um filho da mãe egoísta e insensível», que
é como a questão é posta na maior parte das discussões no seio do
casal. Em suma, a comunicação aberta não comporta ameaças, imposições
nem insultos. Nem consente qualquer das inúmeras formas
de atitude defensiva — desculpas, negar a responsabilidade, contraatacar
com uma crítica, e por aí fora. Também nestes casos, a empatia
é uma ferramenta poderosa.

Finalmente, o respeito e o amor desarmam a hostilidade no casamento,


como em todas as ocasiões da vida. Uma maneira muito eficaz
de evitar uma briga é dar a entender ao nosso parceiro que somos
capazes de ver as coisas da outra perspectiva, e que esse ponto de
vista pode ser válido, embora não concordemos com ele. Outra é
aceitar a responsabilidade e pedir desculpa quando reconhecemos
que estávamos errados. No mínimo, a validação significa dar a entender
que se está a ouvir e se é capaz de compreender as emoções
expressas, embora não se esteja de acordo com os argumentos. Noutras
ocasiões, quando não há qualquer discussão em curso, a validação
toma a forma de um elogio, descobrindo qualquer coisa de que
verdadeiramente se gosta e dizendo-o em voz alta. A validação é,

192
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

claro, uma maneira de ajudar a apaziguar o cônjuge, ou de construir


um capital emocional sob a forma de sentimentos positivos.

Praticar

Porque estas manobras se destinam a ser utilizadas no calor da discussão,


quando a excitação emocional é seguramente alta, convém
aprendê-las previamente para que estejam disponíveis quando delas
mais precisamos. Isto porque o cérebro emocional acciona as rotinas
de resposta que foram anteriormente aprendidas em momentos
repetidos de fúria ou ofensa, e que deste modo se tornam dominantes.
Estando a memória e as respostas directamente ligadas a
emoções específicas, nesses momentos as reacções associadas a situações
mais calmas são menos fáceis de recordar e de pôr em prática.
Se uma determinada resposta emocional mais produtiva não
nos é muito familiar ou não está bem praticada; torna-se extremamente
difícil usá-la num momento de perturbação. Mas se a resposta
foi praticada ao ponto de tornar-se automática, tem mais possibilidades
de ser utilizada durante uma crise emocional. Por todas
estas razões, as estratégias atrás expostas precisam de ser treinadas e
ensaiadas no decurso de encontros mais calmos, mas também no
calor da batalha, para que possam transformar-se numa primeira
resposta imediata (ou pelo menos numa não muito tardia segunda
resposta) no repertório dos circuitos emocionais. Em essência, estes
antídotos contra a desintegração matrimonial são uma pequena
educação terapêutica no domínio da inteligência emocional.

193
I
10
Gerir com Coração
Melburn McBroom era um chefe dominador, com um feito que
intimidava quando com ele trabalhavam. O facto não mereceria talvez
qualquer comentário especial se Mr. McBroom trabalhasse num
escritório ou numa fábrica. Mas Mr. McBroom era piloto comercial.

Certo dia de 1978, o avião que pilotava aproximava-se de Portland,


no Oregon, quando os instrumentos assinalaram um problema
no trem de aterragem. McBroom começou então a descrever
círculos em altitude, por cima do aeroporto, enquanto tentava
resolver a avaria.

Obcecado com o problema no trem de aterragem, não notou


que os indicadores de combustível se aproximavam do zero. E o copiloto
receava de tal modo as iras de McBroom que não disse nada,
mesmo na iminência de um desastre. O avião despenhou-se, matando
dez pessoas.

Hoje, a história deste desastre é contada em jeito de conto cautelar


no treino de segurança dos pilotos comerciais.1 Em 80 por
cento dos desastres aéreos, os pilotos cometem erros que poderiam
ser evitados, especialmente se a tripulação trabalhasse em conjunto
de uma forma mais harmoniosa. Trabalho de equipa, linhas de
comunicação abertas, cooperação, saber ouvir e falar francamente
— rudimentos da inteligência social — são conceitos que hoje
merecem grande destaque no treino dos pilotos comerciais, a par
com a capacidade técnica.

A cabina de pilotagem é um microcosmo de qualquer organização


laborai. Mas, exceptuando os casos em que um acidente vem
trazê-los dramaticamente a lume, os efeitos destrutivos de um baixo
moral, de trabalhadores intimidados, de chefes arrogantes — ou de
qualquer das dúzias de outras permutações passíveis de deficiências
emocionais no local de trabalho — podem passar largamente despercebidos
a quem se situe fora da cena imediata. Os custos lêemse,
todavia, na baixa produtividade, na multiplicação de prazos não

194
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

cumpridos, na abundância de erros e acidentes, e no êxodo dos


empregados para outros ambientes mais hospitaleiros. Os baixos
níveis de inteligência emocional no trabalho têm inevitavelmente
um custo. Quando esses níveis atingem um determinado ponto, as
empresas, como os aviões, despenham-se e desaparecem em fumo.

A eficácia, em termos de custo, da inteligência emocional é


uma ideia relativamente nova no mundo dos negócios, e uma ideia
que alguns gestores acham difícil de aceitar. Um estudo levado a
cabo com 250 executivos concluiu que a maior parte deles sentia
que os empregos lhes exigiam «a cabeça, mas não o coração». Muitos
afirmaram recear que sentir empatia ou compaixão para com os
subordinados os fizesse entrar em conflito com os objectivos da
organização. Um declarou que a ideia de perscrutar os sentimentos
dos que trabalhavam para ele era absurda; tornaria, disse, «impossível
lidar com as pessoas». Outros protestavam que se não se mantivessem
emocionalmente isolados, seriam incapazes de tomar as
«duras» decisões que o mundo dos negócios exige — embora o mais
provável fosse que implementassem essas decisões de uma maneira
mais humana.2

Este estudo foi feito nos anos 70, quando o meio dos negócios
era muito diferente. A minha convicção é de que tais atitudes estão
ultrapassadas, são um luxo de outros tempos; uma nova realidade
competitiva veio dar uma importância crescente à inteligência
emocional, tanto no local de trabalho como no mercado. Tal como
Shoshona Zuboff, uma psicóloga de Harvard Business School, me
observou, «as empresas passaram ao longo deste século por uma
revolução radical, e com ela veio uma correspondente transformação
da paisagem emocional. Houve um longo período de domínio
administrativo da hierarquia empresarial em que o chefe duro,
manipulador, capaz de todos os truques foi recompensado. Mas essa
hierarquia rígida começou a desmoronar-se nos anos 80, sob as
pressões conjuntas da globalização e das tecnologias da informação.
O homem da selva simboliza aquilo que a empresa foi; o virtuoso
das relações interpessoais representa o futuro».3

Algumas das razões são patentemente óbvias — imaginem-se as


consequências para um grupo de trabalho quando alguém é incapaz
de conter as suas explosões de fúria ou não tem a mínima sensibilidade
em relação aos sentimentos dos que o rodeiam. Todos os efeitos
deletérios da agitação do pensamento que vimos no Capítulo 6
funcionam também no local de trabalho: quando emocionalmente

195
DANIEL GOLEMAN

perturbadas, as pessoas não conseguem recordar, ouvir, aprender ou


tomar decisões de uma forma clara. Nas palavras de um consultor
de gestão: «O stress torna as pessoas estúpidas.»

Do lado positivo, imaginem-se os benefícios para o trabalho de


se ser versado nas competências emocionais básicas — sintonizar-se
com os sentimentos dos outros, ser capaz de resolver desacordos
de modo a que não degenerem em discussões, ter a capacidade de
entrar em estado de fluxo enquanto se faz o seu trabalho. Chefia
não é domínio, mas antes a arte de persuadir as pessoas a trabalharem
para um objectivo comum. E, em termos de gerir a nossa própria
carreira, pode não haver nada mais importante que reconhecer
os nossos sentimentos mais profundos a respeito daquilo que fazemos
— e que mudanças poderiam tornar-nos ainda mais verdadeiramente
satisfeitos com o nosso trabalho.

Algumas das razões menos óbvias por que as aptidões emocionais


estão a passar para a primeira linha das capacidades laborais
reflectem as profundas mudanças que ocorreram no local de trabalho.
Permitam-me ilustrar este ponto estabelecendo a diferença
que fazem três aplicações da inteligência emocional: ser capaz de
exprimir queixas sob a forma de críticas construtivas, criar uma
atmosfera em que a diversidade seja valorizada e não considerada
uma fonte de atritos, e ter a capacidade de integrar-se em redes de
trabalho.

CRITICAR E A TAREFA NUMERO UM

Um engenheiro experiente, chefe de um projecto de desenvolvimento


de software, estava a apresentar o resultado de meses de
trabalho da sua equipa ao vice-presidente da empresa para a área
de novos produtos. Os homens e mulheres que tinham trabalhado
longos dias semana após semana estavam ali com ele, orgulhosos
de apresentar o fruto do seu esforço. Mas, quando o engenheiro terminou
a sua apresentação, o vice-presidente voltou-se para ele e
perguntou sarcasticamente: «Há quanto tempo saiu da universi’
dade? Estas especificações são ridículas. Não têm a mínima possibilidade
de merecer a minha aprovação.»

O engenheiro, embaraçado e surpreendido, assistiu sombriamente


ao resto da reunião, remetido ao silêncio. Os membros da
equipa ainda fizeram alguns comentários — por vezes de forma

196
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

hostil — em defesa do seu trabalho. A dada altura, o vice-presidente


teve de sair e a reunião foi bruscamente interrompida, deixando
um resíduo de ressentimento e fúria.

Durante as duas semanas seguintes, o engenheiro viveu obcecado


pelas palavras do vice-presidente. Desmotivado e deprimido,
convenceu-se de que nunca mais lhe confiariam outra tarefa importante
naquela empresa, e começou a pensar em mudar, embora
gostasse de trabalhar ali.

Finalmente, foi procurar o vice-presidente e recordou-lhe a


reunião, os comentários críticos que fizera e o efeito desmoralizador
que esses comentários tinham tido. Em seguida, perguntou, escolhendo
cuidadosamente as palavras: «Não percebi muito bem o que
pretendia conseguir. Deduzo que não estava apenas a querer embaraçar-me...
Tinha algum outro objectivo em mente?»

O vice-presidente ficou espantado — não fazia ideia de que o


seu comentário tivesse tido um efeito tão devastador. Na realidade,
pensara que o projecto de softivare era prometedor, mas precisava de
mais trabalho — nunca fora sua intenção pô-lo de parte como cornpletamente
imprestável. Pura e simplesmente, não se apercebera,
disse, de como expressara mal a sua reacção, nem de que magoara os
sentimentos de alguém e, ainda que tardiamente, pediu desculpa.4

Ê uma questão de retroalimentação (feedback) de facto; de as


pessoas receberem informações essenciais para a prossecução dos
seus esforços. A palavra inglesa feedback, significa, no seu sentido
original na teoria de sistemas, o intercâmbio de dados a respeito da
forma como uma parte de um sistema está a funcionar, com a cornpreensão
de que cada parte de um sistema afecta todas as outras, de
tal forma que qualquer uma que esteja a funcionar menos bem possa
ser corrigida para melhor. Numa empresa, toda a gente faz parte do
sistema, pelo que a retroalimentação é o sangue vital da organização
— a troca de informações que permite a cada um saber se o
seu trabalho está a ser bem feito ou se precisa de ser afinado, melhorado
ou inteiramente redireccionado. Sem retroalimentação, as
pessoas ficam às escuras; não fazem ideia de qual é a sua posição
junto do chefe, junto dos colegas, ou em termos do que se espera
delas, e, com o tempo, quaisquer problemas têm sempre tendência
para agravar-se.

Num certo sentido, criticar é a mais importante tarefa do gestor.


Mas é também uma das mais temidas e evitadas. E, como o sar197
DANIEL GOLEMAN

castiço vice-presidente, demasiados gestores dominam mal a arte


crucial da retroalimentação. Esta deficiência tem custos pesados: tal
como a saúde emocional de um casal depende do modo melhor ou
pior como exprimem as suas queixas, assim a eficácia, satisfação e
produtividade das pessoas no trabalho dependem da maneira como
os problemas lhes são expostos. Efectivamente, a maneira como as
críticas são feitas e recebidas determina em grande medida a satisfação
das pessoas com o seu trabalho, com aqueles com quem trabalham
e com aqueles perante os quais têm de responder.

A pior maneira de motivar seja quem for

As vicissitudes emocionais que interferem no casamento operam


também no local de trabalho, onde revestem formas semelhantes.
As críticas são expressas com ataques pessoais, e não como queixas
em relação às quais é possível fazer qualquer coisa; fazem-se
acusações aã hominem carregadas de enfado, sarcasmo e desdém;
ambas as coisas dão origem a atitudes defensivas, à negação das responsabilidades
e, finalmente, ao silêncio ou à amarga resistência
passiva de quem se sente injustamente tratado. Uma das formas
mais comuns de crítica destrutiva no local de trabalho, afirma um
! consultor empresarial, é uma afirmação generalizada do género. «Es:|,

tá a fazer tudo mal» feita num torn sarcástico, duro e zangado, que

f não dá possibilidade de resposta nem faz qualquer sugestão de como

j seria possível fazer melhor. Faz a pessoa visada sentir-se impotente e

| furiosa. Da perspectiva da inteligência emocional, este tipo de criti!

cismo revela ignorância dos sentimentos que provoca em quem o

Ú recebe, e dos efeitos devastadores que esses sentimentos terão na

motivação, energia e confiança da pessoa para fazer o trabalho.

Esta dinâmica destrutiva surgiu claramente de um estudo feito


com gestores aos quais se pedia que recordassem as vezes que se tinham
zangado com um empregado e, no calor do momento, feito
um ataque pessoal.5 Estes ataques tinham tido efeitos muito semelhantes
aos que têm num casal: os visados recebiam-nos as mais das
vezes colocando-se na defensiva, procurando desculpas ou fugindo
à responsabilidade. Ou então fechavam-se — ou seja, tentavam
evitar todo e qualquer contacto com o chefe que ralhava com eles.
Se tivesse sido submetido ao mesmo tipo de microscópio emocional
que John Gottman utilizou com os seus casais, verificar-se-ia sem

198
f
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

dúvida que estes empregados tinham os mesmos sentimentos de


vítima-inocente e justificada-indignação típicos dos maridos e mulheres
que se sentem injustamente atacados. Se a sua fisiologia fosse
monitorizada, provavelmente exibiriam também os sintomas de
inundação que reforçam estes sentimentos. Em todo o caso, os chefes
ficavam ainda mais aborrecidos e irritados com este tipo de resposta,
sugerindo o início de um ciclo que, no mundo do trabalho,
acaba com o empregado a despedir-se ou a ser despedido — o equivalente
empresarial do divórcio.

Num estudo feito com 108 gestores e empregados administrativos,


o criticismo inepto apareceu à frente da falta de confiança, dos
choques de personalidade, e as lutas por poder e por melhores salários
como a principal causa de conflitos no local de trabalho.6 Uma
experiência feita no Rensselaer Polytechnic Institute mostra quão
gravosa uma crítica excessivamente dura pode ser para uma relação
de trabalho. Numa simulação, pediu-se a um grupo de voluntários
que criassem um anúncio para um champô. Um outro voluntário
(de conluio com os experimentadores) devia supostamente avaliar
os anúncios propostos, mas na realidade fazia uma de duas críticas
pré-combinadas. Uma delas era considerada e específica. Mas
a outra incluía ameaças e censurava as deficiências inatas da pessoa,
com comentários do género «Nem sequer tente; ao que parece não
é capaz de fazer nada bem feito», e «Talvez seja só falta de talento.
Se fosse a si pedia a outra pessoa para o fazer.»

Compreensivelmente, os que eram atacados ficavam tensos,


irritados e hostis, afirmando que se recusavam a colaborar em futuros
projectos com a pessoa que os tinha criticado. Muitos indicavam
que preferiam até evitar qualquer espécie de contacto — ou
seja, o equivalente ao mutismo teimoso do esposo ofendido. A crítica
excessivamente acerba deixava aqueles que a recebiam de tal
modo desmoralizados que passavam a esforçar-se menos por fazer o
seu trabalho, e, o que era talvez pior, afirmavam que já não se sentiam
capazes de fazê-lo. O ataque pessoal era devastador em termos
de moral.

Numerosos gestores estão sempre prontos a criticar, mas mostram-se


parcimoniosos nos elogios, deixando os empregados com a
sensação de que só lhes falam naquilo que estão a fazer quando
cometem algum erro. Esta propensão para a crítica é agravada por
aqueles gestores que deixam passar longos períodos sem qualquer
espécie de retroalimentação. «A maior parte dos problemas no

199
DANIEL GOLEMAN

desempenho de um empregado não é súbita; vai-se desenvolvendo


lentamente ao longo do tempo», observa J. R. Larson, psicólogo da
Universidade do Illinois, em Urbana. «O chefe que não revela imediatamente
os seus sentimentos, vai acumulando frustração, até que
um dia rebenta. Se a crítica tivesse sido feita mais cedo, o empregado
poderia ter corrigido o problema. Muitas vezes, as pessoas
só criticam quando já estão a ferver, quando a irritação já é demasiado
grande para que consigam contê-la. E é nessas alturas que criticam
da pior maneira, com torn de sarcasmo mordaz, trazendo à
baila uma longa lista de queixas que guardaram para si mesmas, ou
fazendo ameaças. Estes ataques são contraproducentes. São encarados
como uma ofensa, e o visado irrita-se por sua vez. É a pior
maneira de motivar seja quem for.»

A arte da crítica
Consideremos a alternativa.

Uma crítica bem feita pode ser uma das mensagens mais proveitosas
que um gestor pode emitir. Por exemplo, o que o vice-presidente
sarcástico devia ter dito ao engenheiro — mas não disse —
era qualquer coisa no género: «A maior dificuldade nesta fase é que
o seu plano demorará demasiado tempo a concretizar e fará subir os
custos. Gostaria que pensasse melhor na sua proposta, sobretudo
nas especificações do software, para ver se consegue descobrir uma
maneira de fazer o trabalho mais rapidamente.» Este tipo de mensagem
tem precisamente o efeito oposto ao de uma crítica destrutiva:
em vez de criar impotência, fúria e rebelião, contém a esperança
de se conseguir fazer melhor e sugere o início de um plano para
atingir esse objectivo.

Uma crítica correcta põe a tónica naquilo que a pessoa fez e


pode fazer, em vez de ver uma marca de carácter num trabalho mal
feito. Tal como Larson observa, «O ataque pessoal — chamar a uma
pessoa estúpida ou incompetente — é sempre contraproducente.
Coloca imediatamente o visado na defensiva, de modo que deixa de
estar receptivo mesmo que se queira dizer-lhe como fazer as coisas
melhor.» Este conselho, claro, é precisamente o mesmo que se dá
aos casais quando discutem as suas divergências.

E, em termos de motivação, quando as pessoas acreditam que os


seus falhanços se devem a um defeito inato e irremediável nelas

200
f
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

próprias, perdem a esperança e deixam de tentar. A convicção básica


que conduz ao optimismo é, recordemos, a de que os desaires e
fracassos se devem a circunstâncias que temos a capacidade de
modificar para melhor.

Harry Levinson, um psicanalista que se fez consultor empresarial,


dá os seguintes conselhos sobre a arte da crítica, que está
inextricavelmente ligada à arte do elogio: ’ <>n\o:j A) -,v. y <.,,,

• Seja específico. Escolha um incidente significativo, uma ocorrência


que ilustre um problema-chave que precise de ser resolvido
ou um padrão de deficiência, como a incapacidade de fazer bem
certas partes do trabalho. Desmoraliza as pessoas ouvirem dizer
que estão a fazer «qualquer coisa» mal, sem saberem especificamente
o quê, de modo a poderem mudar. Concentre-se em
aspectos concretos, dizendo o que a pessoa fez bem, o que fez
mal e como pode ser mudado.

«A especificidade», afirma Levinson, «é tão importante para o


elogio como para a crítica. Não direi que um elogio vago não
tem qualquer efeito, mas não tem muito, e não se pode aprender
com ele.»7

• Proponha uma solução. A crítica, como toda a retroalimentação


útil, deve apontar uma maneira de resolver o problema. Caso
contrário deixa o recipiente a sentir-se frustrado, desmoralizado
ou desmotivado. A crítica pode abrir a porta para possibilidades
e alternativas de que a pessoa não se tinha apercebido, ou
simplesmente sensibilizá-la para deficiências que merecem
atenção, mas deve incluir sugestões a respeito de como resolver
os problemas.

• Esteja presente. As críticas, como os elogios, são mais eficazes


quando feitas cara a cara e em privado. As pessoas que não se
sentem à vontade a fazer uma crítica — ou um elogio — têm
tendência para fugir a essa carga fazendo-o à distância, por
exemplo, através de uma carta. Mas isto torna a comunicação
demasiado impessoal, e rouba à pessoa que a recebe a possibilidade
de responder ou esclarecer.

• Seja sensível. Isto é um apelo à empatia, a estar sintonizado com


o impacte na outra pessoa daquilo que se diz e da maneira como
se diz. Os gestores que têm pouca empatia, observa Levinson,
são os mais propensos a transmitir retroalimentação da maneira
errada, do género da crítica amesquinhadora. O efeito líquido
201
DANIEL GOLEMAN

deste tipo de crítica é destrutivo: em vez de abrir caminho a uma


atitude correctiva, provoca uma reacção emocional de ressentimento,
amargura e distância.

Levinson oferece também alguns conselhos emocionais àqueles


que são criticados. Um é ver na crítica uma informação valiosa a
respeito de como fazer melhor, e não um ataque pessoal. Outro é ter
cuidado com o impulso de adoptar uma atitude defensiva, em vez
de aceitar a responsabilidade. E, se a situação se torna demasiado
perturbadora, pedir para retomar a reunião mais tarde, depois de um
período para absorver a mensagem e acalmar. Finalmente, aconselha
as pessoas a verem a crítica como uma oportunidade de trabalhar
com quem a faz no sentido de resolver o problema, não como
uma situação adversa. Todos estes sábios conselhos, é claro, ecoam
directamente as sugestões feitas aos casais para que tentem resolver
os seus diferendos sem causarem danos permanentes ao relacionamento
entre ambos. No casamento como no trabalho.

LIDAR com A DIVERSIDADE

Sylvia Skeeter, ex-capitão do exército com trinta e poucos anos


de idade, era chefe de um turno num restaurante da cadeia Denny’s
em Columbia, na Carolina do Sul. Certa tarde, em que havia pouco
que fazer, um grupo de clientes negros — um sacerdote protestante,
um pastor-adjunto e dois membros de um coro religioso de visita
à cidade — entraram para almoçar e para ali ficaram sentados
imenso tempo, enquanto as empregadas os ignoravam completamente.
As empregadas, recorda Skeeter, «ficavam a olhar, de mãos
nas ancas, e depois voltavam à conversa umas com as outras, como
se aquelas pessoas de cor que estavam a metro e meio delas não
existissem».

Skeeter, indignada, admoestou as empregadas, e fez queixa ao


gerente, o qual encolheu os ombros e respondeu: «Foi assim que
foram educadas, não posso fazer nada contra isso.» Skeeter, que é
negra, despediu-se imediatamente.

Se se tivesse tratado de um incidente isolado, este momento de


descarado racismo teria talvez passado sem mais comentários. Mas
Sylvia Skeeter foi uma das centenas de pessoas que se prestaram a
dar testemunho de um padrão generalizado de preconceitos contra

202
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

as pessoas de cor em toda a cadeia de restaurantes Denny’s, um


padrão que resultou num acordo de 54 milhões de dólares de indemnizações
na sequência de uma acção de classe posta em nome
dos milhares de clientes negros que tinham sido vítimas daquele
tipo de indignidade.

Entre as queixas incluíam-se os depoimentos pormenorizados de


sete agentes afro-americanos dos Serviços Secretos que tiveram
de esperar uma hora pelo pequeno-almoço, enquanto os seus colegas
brancos da mesa ao lado eram prontamente servidos — isto
quando todos eles se encontravam a caminho da Academia Naval
de Annapolis, onde iam garantir a segurança durante uma visita do
presidente Clinton. E também o depoimento de uma jovem de
dezassete anos, paralítica da cintura para baixo, que em Tampa, na
Florida, foi obrigada a esperar duas horas na sua cadeira de rodas
antes que lhe servissem uma refeição. Este padrão de discriminação,
afirmavam os queixosos, devia-se à noção generalizada por toda a
cadeia de restaurantes — particularmente ao nível dos gerentes regionais
e locais — de que os clientes de cor eram prejudiciais para
o negócio. Hoje, largamente como resultado da acção e da publicidade
que rodeou este caso, a cadeia Denny’s emendou a sua posição
face à comunidade negra, e todos os empregados, sobretudo os gerentes,
são obrigados a assistir a sessões sobre as vantagens de uma
clientela multirracial.

Estes seminários tornaram-se um modelo do tipo de treino interno


proporcionado por inúmeras empresas através de todos os
Estados Unidos, com a compreensão crescente por parte dos gestores
de que mesmo que as pessoas levem os seus preconceitos para o
emprego, têm de aprender a agir como se os não tivessem. As razões,
para além das de simples decência humana, são pragmáticas.
Uma é a composição modificada da força laborai onde os brancos
do sexo masculino, que costumavam ser o grupo dominante, se
estão a tornar uma minoria. Um inquérito levado a cabo entre
várias centenas de empresas americanas concluiu que mais de três
novos quartos dos novos empregados não são de raça branca — uma
modificação demográfica que se reflecte também em larga medida
entre a clientela.8 Outra razão é a crescente necessidade de empresas
multinacionais terem empregados que não só ponham de lado
qualquer espécie de preconceito no modo como valorizam pessoas
de diversas culturas (e mercados), como também transformem essa
valorização numa vantagem competitiva. Um terceiro motivo são

203
DANIEL GOLEMAN

os frutos potenciais da diversidade, em termos de criatividade colectiva


acrescida e energia empresarial.

Tudo isto significa que a cultura de qualquer organização deve


modificar-se no sentido de promover a tolerância, mesmo quando
os preconceitos individuais permanecem. Mas como pode um
empresa conseguir este resultado? O triste facto é que a panóplia de
«treinos de diversidade» do tipo um-dia, um-vídeo, um-fim-de-semana
não tem na realidade qualquer efeito na maneira de ver
daqueles empregados que a eles assistem carregados com profundos
preconceitos contra este ou aquele grupo, seja por parte dos brancos
contra os negros, dos negros contra os asiáticos ou dos asiáticos
contra os hispânicos. A verdade é que o resultado líquido dos cursos
de diversidade ineficazes — aqueles que criam falsas esperanças
prometendo demasiado, ou simplesmente dão origem a uma atmosfera
de confrontação em vez de compreensão — é inclusivamente
aumentar as tensões entre grupos no local de trabalho, chamando
ainda mais a atenção para as diferenças. Para se compreender o que
pode ser feito, será útil compreender primeiro a natureza do próprio
preconceito.

As raízes do preconceito

O Dr. Vamik Volkan é hoje um psiquiatra na Universidade da


Virgínia, mas ainda se lembra do que foi crescer no seio de uma
família turca na ilha de Chipre, na altura ferozmente disputada por
Turcos e Gregos. Quando rapaz Volkan ouviu rumores de que o
cinto de corda de um sacerdote grego local tinha um nó por cada
criança turca que tinha estrangulado, e recorda o torn de nojo com
que lhe diziam que os seus vizinhos gregos comiam carne de porco,
considerada demasiado imunda pela sua própria cultura. Hoje,
como estudioso dos conflitos étnicos, Volkan recorre a estas recordações
da infância para mostrar como os ódios entre grupos são
mantidos vivos ao longo dos anos, à medida que cada geração é alimentada
com preconceitos hostis deste tipo.9 O preço psicológico
da lealdade para com o próprio grupo pode ser a antipatia para com
outro, especialmente quando há uma longa história de inimizade
entre os dois.

Os preconceitos são uma espécie de aprendizagem emocional


que ocorre no começo da vida, tornando estas reações particular204
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mente difíceis de erradicar completamente, mesmo quando as


pessoas, ao chegarem à idade adulta, sentem que é errado tê-las.
«As emoções do preconceito formam-se durante a infância,
enquanto as crenças utilizadas para justificá-lo aparecem mais
tarde», explicava Thomas Pettigrew, um psicólogo da Universidade
da Califórnia, em Santa Cruz, que estudou o fenómeno durante
décadas. «Numa fase posterior da vida, a pessoa pode querer modificar
os seus preconceitos, mas é muito mais fácil alterar as convicções
intelectuais do que os sentimentos profundos. Muito sulistas
me confessaram, por exemplo, que embora nos seus espíritos já
não tenham qualquer preconceito contra os negros, continuam a
sentir-se pouco à vontade quando apertam a mão a uma pessoa de
cor. Estes sentimentos ficaram-lhes daquilo que aprenderam com as
famílias quando crianças.»10

A força dos estereótipos que servem de base aos preconceitos


deriva em parte de uma dinâmica mais neutral da mente que faz que
estereótipos de todos os géneros sejam autoconfirmadores.” As pessoas
recordam mais facilmente circunstâncias que confirmam o
estereótipo, enquanto tendem a ignorar aquelas que o põem em
causa. Ao conhecerem numa festa um inglês emocionalmente aberto
e caloroso, que desmente o estereótipo do Britânico frio e reservado,
por exemplo, as pessoas podem dizer a si mesmas que se trata
de um caso invulgar, ou que «esteve a beber».

A tenacidade dos preconceitos pode explicar por que razão,


embora ao longo dos últimos quarenta anos a atitude dos americanos
brancos para com os negros tenha vindo a tornar-se cada
vez mais tolerante, outras formas mais subtis de preconceito persistem:
as pessoas condenam as atitudes preconceituosas, continuando
todavia a agir preconceituadamente, ainda que de forma disfarçada.12
Quando se lhes pergunta, essas pessoas afirmam não ser
racistas, mas em situações ambíguas procedem como se fossem,
embora dêem para isso outras razões. Este racismo pode assumir, por
exemplo, a forma do empregador branco — que acredita não ter
preconceitos — que rejeita um candidato negro a um lugar, ostensivamente
não por causa da sua raça mas porque a sua educação e
experiência «não são exactamente as necessárias», em seguida contrata
um candidato branco com as mesmas qualificações. Ou talvez
a forma do chefe de vendas que dá os melhores contactos ao vendedor
branco, negligenciando por uma razão ou outra fazer o mesmo
com os vendedores negros ou hispânicos.

205
DANIEL GOLEMAN

Zero tolerância para a intolerância

Se os preconceitos de há muito enraizados nas pessoas são difíceis


de extirpar, o que se pode fazer é modificar a maneira como
lidam com eles. Nos restaurantes da cadeia Denny’s por exemplo,
as empregadas de mesa e os gerentes que tomavam atitudes discriminatórias
contra os clientes negros raramente ou nunca eram chamados
à pedra. Em vez disso, alguns gerentes parecem ter encorajado,
pelo menos tacitamente, esse tipo de atitude, chegando a
sugerir políticas do género de exigir o pagamento adiantado das
refeições só às pessoas de cor, recusando aos negros as amplamente
anunciadas refeições gratuitas por ocasião do aniversário da casa ou
fechando as portas do restaurante e dizendo estarem encerrados se
viam aproximar-se um grupo de clientes negros. Nas palavra de
Jonh P. Relman, o advogado que processou a cadeia Denny’s em
nome dos sete agentes negros dos Serviços Secretos: «A administração
fechava os olhos ao que o pessoal fazia. Houve forçosamente
uma qualquer mensagem (...) que libertou as inibições dos gerentes
locais e lhes deu força para agirem de acordo com os seus
impulsos racistas.»13

Tudo o que sabemos a respeito das raízes do preconceito e de


como combatê-lo eficazmente sugere que é precisamente essa atitude
— fechar os olhos a actos racistas — que permite à discriminação
florescer. Cruzar os braços, neste conceito, é em si mesmo um acto
carregado de consequências, que permite ao vírus do preconceito
propagar-se sem oposição. Mais útil que os cursos sobre diversidade
— ou talvez essencial para a sua eficácia — é conseguir que as normas
de um grupo sejam decisivamente alteradas no sentido de passar
a assumir uma atitude activa contra quaisquer actos discriminatórios,
isto desde os mais altos escalões da chefia até ao fundo da
escala. O preconceito pode ser impossível de eliminar, mas os actos
preconceituosos podem ser erradicados, desde que o clima mude.
Nas palavras de um executivo da IBM: «Não toleramos desconsiderações
ou insultos sejam de que natureza forem; o respeito pelo indivíduo
é um aspecto central da cultura da IBM.»14

Se o estudo do preconceito contém alguma lição susceptível de


tornar a cultura empresarial mais tolerante, ela é a de encorajar as
pessoas a erguerem a voz mesmo contra os mais pequenos actos

206
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

de discriminação ou perseguição — desde as anedotas ofensivas à


exibição de calendários atentatórios da dignidade das mulheres.
Um estudo concluiu que quando num grupo alguém diz uma piada
racista, isso incita outros a fazer o mesmo. O simples acto de chamar
o preconceito pelo seu nome e de contrariá-lo em todas as circunstâncias
cria uma atmosfera social que o desencoraja; ficar calado
só serve para o alimentar.15 Neste empreendimento, aqueles que
ocupam posições de autoridade desempenham um papel crucial: o
facto de não condenarem actos de discriminação transmite a mensagem
tácita de que esses actos são tolerados. Puni-los com, por
exemplo, uma admoestação transmite, pelo contrário, a mensagem
de que o preconceito não é uma coisa sem importância, mas tem
consequências reais e negativas.

Também aqui as competências da inteligência emocional representam


uma vantagem, especialmente no ter a habilidade social
de saber não só quando, mas como falar produtivamente contra o
preconceito. Isto deve ser feito com toda a subtil delicadeza de uma
crítica construtiva, de modo a poder ser ouvido sem provocar
uma atitude defensiva. Se gestores e colegas de trabalho o fizerem
naturalmente, ou aprenderem a fazê-lo, os incidentes relacionados
com o preconceito terão forçosamente tendência a desaparecer.

Cursos de treino de diversidade mais eficientes criaram, ao nível


das organizações, uma nova regra básica que torna explicitamente
inaceitável qualquer espécie de preconceito, e deste modo encoraja
as pessoas que até agora foram simples espectadores e testemunhas
a darem voz às suas objecções. Outro ingrediente activo dos cursos
de diversidade é aprender a ver as coisas da perspectiva dos outros,
uma atitude que fomenta a empatia e a tolerância. As pessoas, na
medida em que conseguem compreender a dor daqueles que se sentem
discriminados, são mais incitadas a erguer a voz e protestar.

Em resumo, é mais prático tentar suprimir a expressão do preconceito


que tentar eliminar a atitude em si; os estereótipos mudam
muito lentamente, se é que mudam. Juntar pura e simplesmente
pessoas de diferentes grupos pouco ou nada contribui para fazer baixar
a intolerância, como ficou demonstrado pelo exemplo da dessegregação
das escolas, onde a hostilidade intergrupos subiu em vez de
diminuir. Para a pletora de programas de treino de diversidade a
que assistimos no mundo empresarial, isto significa que o objectivo
realista é modificar as normas do grupo no que respeita à exibição
de comportamentos preconceituosos; estes programas podem con207
DANIEL GOLEMAN

tribuir decisivamente para trazer à consciência colectiva a noção de


que o racismo e a perseguição não são aceitáveis e não serão tolerados.
Mas esperar que tais programas extirpem preconceitos profundamente
enraizados é irrealista.

No entanto, uma vez que os preconceitos são uma variedade de


aprendizagem emocional, reaprender é possível — embora demore
tempo e não se possa esperar que surja como resultado de um trabalho
episódico no interior da empresa. O que pode fazer a diferença,
pelo contrário, é a camaradagem constante e os esforços diários no
sentido de um objectivo comum feitos por pessoas de diferentes origens.
Aqui a lição é-nos dada pela dessegregação das escolas: quando
os grupos não conseguem misturar-se socialmente, formando em
vez disso facções hostis, os estereótipos negativos intensificam-se.
Mas quando os estudantes trabalham juntos e como iguais para a
obtenção de um objectivo comum, como numa equipa desportiva
ou numa banda de música, os seus estereótipos desfazem-se — tal
como pode acontecer naturalmente no local de trabalho, quando as
pessoas trabalham juntas e como iguais ao longo dos anos.16

Deixar de combater o preconceito no local de trabalho é, no


entanto, falhar um oportunidade ainda maior: tirar partido das
possibilidades criativas e empresariais que uma mão-de-obra diversificada
pode oferecer. Como veremos, um grupo de trabalho
onde haja variadas capacidades e perspectivas, desde que consiga
funcionar em harmonia, é capaz de chegar a soluções melhores,
mais criativas e mais eficazes do que essas mesmas pessoas trabalhando
isoladamente.

SABEDORIA ORGANIZACIONAL E QI DE GRUPO

Em finais deste século, um terço da força de trabalho americana


será constituído por «trabalhadores instruídos», pessoas cuja produtividade
é caracterizada pelo facto de acrescentarem valor à
informação — seja como analistas de mercado, escritores ou programadores
informáticos. Peter Druker, o eminente especialista do
mundo dos negócios que cunhou a expressão «trabalhador instruído»,
faz notar que o perfil destes trabalhadores altamente especializados
e que sua produtividade depende de os seus esforços serem
coordenados como parte de uma equipa organizacional: os
escritores não são editores, os programadores informáticos não são

208
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

distribuidores de software. Embora as pessoas sempre tenham trabalhado


em grupos, nota Drucker, no caso dos trabalhadores instruídos,
«é a equipa, e não o indivíduo, que se torna a unidade de trabalho».17
E isto sugere a razão por que a inteligência emocional, as
aptidões que ajudam as pessoas a harmonizarem-se, deverá tornar-se
uma aptidão profissional cada vez mais valorizada em anos futuros.

A forma mais rudimentar de trabalho de equipa organizacional


é talvez a reunião — essa parte inescapável da vida do executivo —
numa sala, pelo telefone, no escritório de alguém. As reuniões
— corpos na mesma sala — são apenas o mais óbvio, e um tanto
antiquado, exemplo da maneira como o trabalho é partilhado. As
redes e o correio electrónicos, as teleconferências, as equipas de trabalho,
as redes informais e outras soluções nesta linha estão a surgir
nas organizações como as novas entidades funcionais. Na medida
em que a hierarquia explícita tal como aparece no organograma
é o esqueleto da organização, estes núcleos humanos são o seu sistema
nervoso central.

Sempre que as pessoas se juntam para colaborar, seja numa reunião


executiva de planeamento, seja como equipa trabalhando para
um objectivo comum, pode, de uma maneira muito real, falar-se
de um QI de grupo, que é a soma dos talentos e capacidades de
todos os envolvidos. E o medo como desempenharão a tarefa será
determinado pelo valor desse QI. O elemento mais importante da
inteligência de grupo não é, concluiu-se, o QI médio no sentido
académico, mas em termos de inteligência emocional. A chave
para um elevado QI de grupo é a harmonia social. E esta habilidade
para harmonizar que, sendo todos outros aspectos iguais, torna
este grupo particularmente talentoso, produtivo e bem sucedido, e
aquele — onde os talentos e capacidades dos respectivos membros
são iguais em todos os outros aspectos — incapaz de produzir tão
bom trabalho.

A ideia da existência de uma inteligência de grupo vem de Robert


Sternberg, o psicólogo de Yale, e Wendy Williams, uma aluna
pós-graduada, que procurava compreender por que razão alguns
grupos são muito mais bem sucedidos que outros.18 Ao fim e ao
cabo, quando as pessoas se juntam para trabalhar em grupo, cada
uma delas contribui com determinados talentos — por exemplo,
uma elevada fluência verbal, criatividade, empatia ou capacidade
técnica. Embora um grupo não possa ser mais «esperto» que a soma
de todas estas capacidades específicas, pode ser muito menos esper209
DANIEL GOLEMAN

to que essa soma se o seu funcionamento interno não permitir às


pessoas partilharem os respectivos talentos. Esta máxima tornou-se
evidente quando Sternberg e Williams recrutaram pessoas para
fazerem parte de grupos aos quais era feito o desafio criativo de imaginar
uma campanha de publicidade para um adoçante fictício declarado
muito prometedor como substituto do açúcar.

Uma das surpresas foi que as pessoas que se mostravam demasiado


ansiosas por participar prejudicavam o grupo, fazendo baixar a
sua prestação geral; estes entusiastas eram excessivamente controladores
e dominadores. Às pessoas assim parece faltar um elemento
básico da inteligência social, a habilidade de reconhecer o que, numa
troca de ideias, é adequado ou inadequado. Outro aspecto negativo
era ter pesos mortos, membros que não participavam.

O factor mais importante para maximizar a qualidade da produção


do grupo era o grau em que cada um dos seus membros se
revelava capaz de criar um estado de hamonia interna que lhes permitisse
tirar partido da plenitude dos talentos de todos eles. O desempenho
geral dos grupos harmoniosos era reforçado pela circunstância
de possuírem um membro particularmente talentoso; os
grupos onde havia atritos mostravam-se muito menos capazes de
capitalizar o facto de terem membros dotados de grande habilidade.
Nos grupos onde se registem níveis elevados de estática social e
emocional — quer se devam ao medo ou à ira, a rivalidades ou a ressentimentos
— as pessoas não conseguem dar o seu melhor. A harmonia,
pelo contrário, permite ao grupo tirar o máximo partido das
capacidades dos seus membros mais criativos e talentosos.

Embora a moral desta história seja perfeitamente clara no caso,


digamos, das equipas de trabalho, tem uma implicação mais geral
para quem trabalhe no seio de uma organização. Muitas das coisas
que as pessoas fazem no emprego dependem da sua capacidade de
recorrer ao apoio de uma rede «livre» de colegas; diferentes tarefas
significam recorrer a diferente membros dessa rede. com efeito, isto
cria a possibilidade da formação de grupos ad hoc, cada um deles
com uma composição que tende a oferecer uma gama óptima de
talentos, capacidades e posições. A maneira melhor ou pior como
cada pessoa consegue «trabalhar» uma rede — na realidade, transformá-la
numa equipa ad hoc temporária — é um factor crucial do
êxito profissional.

Consideremos, por exemplo, um estudo feito com os melhores


executantes dos Bell Labs, a mundialmente famosa organização

210
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

técnico-cientffica instalada perto de Princeton. Os seus membros


são todos engenheiros e cientistas que se situam no topo dos testes
de QI académico. Mas mesmo nestes píncaros de talento, alguns
destacam-se como estrelas, enquanto outros são apenas médios no
seu desempenho. O que faz a diferença entre uns e outros não é o
QI académico, mas o QI emocional. Os primeiros são mais capazes
de se motivarem a si mesmos, e mais capazes de transportar as suas
redes em equipas ad hoc.

As «estrelas» foram estudadas numa das divisões dos laboratórios,


uma unidade que cria e desenha os comutadores electrónicos
que controlam os sistemas telefónicos — um trabalho de engenharia
electrónica altamente complicado e exigente.19 Tratando-se de
uma tarefa que está muito para além das capacidades de qualquer
pessoa isolada, é feita por equipas que podem ir de cerca de 15 a 150
engenheiros. Nenhum engenheiro por si só sabe o suficiente para
fazer o trabalho sozinho; fazer seja o que for significa, portanto recorrer
aos conhecimentos de terceiros. Para descobrir qual era o factor
que explicava a diferença entre os altamente produtivos e os
que se mantinham na média, Robert Kelley e Janet Caplan pediram
à administração dos laboratórios que lhes indicasse os 10 por cento
a 15 por cento de engenheiros que se destacavam como estrelas.

Quando compararam as estrelas com todos os outros, a descoberta


mais dramática que fizeram foi, de início, a escassez de
diferenças entre os dois grupos. «corn base numa vasta gama de medições
cognitivas e sociais, desde os normais testes de QI a inventários
de personalidade, verificam-se poucas diferenças significativas
nas capacidades inatas», escreverem Kelley e Caplan na
Harvard Business Review. «Como se deduz, o talento académico não
se revelou um bom previsor da produtividade profissional.» E o QI
também não.

Ao cabo de uma série de entrevistas pormenorizadas, porém, as


diferenças críticas começaram a emergir nas estratégias internas e
interpessoais a que as «estrelas» recorriam para fazer o seu trabalho.
Uma das mais importantes veio a ser a relação com uma rede de
pessoas-chave. As coisas correm melhor para os que se destacam
porque eles dedicam tempo a cultivar um bom relacionamento com
pessoas cujos serviços podem vir a ser necessários num aperto como
parte de uma equipa ad hoc instantânea, para se resolver um problema
ou enfrentar uma crise. «Um executante médio dos Bell Labs
ficou emperrado num problema técnico», observaram Kelley e

211
DANIEL GOLEMAN

Caplan. «Chamou laboriosamente diversos especialistas técnicos e


ficou à espera, perdendo um tempo precioso enquanto os seus telefonemas
ficavam sem resposta e as suas mensagens via correio electrónico
continuavam ignoradas. Os grandes executantes, pelo contrário,
raramente têm este tipo de problema, porque se dão ao
trabalho de criar redes de apoio antes de precisarem efectivamente
delas. Quando pedem a ajuda de alguém, as estrelas conseguem
regra geral uma resposta mais rápida.»

As redes informais são particularmente cruciais quando se trata


de enfrentar problemas imprevistos. «A organização formal está
preparada para resolver aqueles problemas que são facilmente previsíveis»,
observa um estudo sobre estas redes. «Mas quando surge
um problema inesperado, é a vez de a rede informal entrar em
acção. A sua complexa trama de relações sociais forma-se de cada
vez que os colegas comunicam, e consolida-se com o tempo em
redes surpreendentemente estáveis. Altamente adaptáveis, as redes
informais movem-se diagonal e elipticamente, passando por cima
de funções inteiras para fazer o que tem de ser feito.»20

A análise das redes informais mostra que o facto de as pessoas


trabalharem diariamente lado a lado não significa necessariamente
que confiem umas às outras informações importantes (como o desejo
de mudar de lugar, ou o ressentimento a respeito da maneira
como um chefe ou um colega se comportam), ou se voltem para elas
em situações de crise. Na realidade, uma visão mais sofisticada das
redes informais mostra que há pelo menos três variedades: redes de
comunicações — quem fala com quem; redes de especialização,
baseadas em que pessoas se procuram para pedir um conselho, e
redes de confiança. Ser um nódulo central numa rede de especialização
significa que essas pessoas têm uma reputação de excelência
técnica, o que muitas vezes conduz a uma promoção. Mas não há
praticamente qualquer relação entre ser um perito e ser visto como
alguém a quem se podem confiar segredos, dúvidas e vulnerabilidades.
Um tiranete de escritório pode ser muito competente, mas
merecerá tão pouca confiança que isso acabará por minar a sua
capacidade de chefiar e exclui-lo-á definitivamente das redes informais.
As estrelas de uma organização são frequentemente aqueles
que têm boas ligações em todas as redes, sejam de comunicações, de
especialização ou de confiança.

Para além do controlo destas redes essenciais, outras formas de


sabedoria organizacional que as estrelas dos Bell Labs dominavam

212
J
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

incluíam coordenarem eficazmente os seus esforços no trabalho de


equipa; serem líderes na obtenção de consensos; serem capazes
de ver as coisas da perspectiva dos outros, como os clientes ou os
restantes membros do grupo de trabalho, e promoverem a cooperação,
evitando os conflitos. Se todas estas vantagens são na realidade
aptidões sociais, as estrelas revelavam ainda o domínio de
outras espécies de jeitos: saberem tomar a iniciativa — serem suficientemente
automotivados para assumirem responsabilidades para
além das exigidas pelas suas funções, e saberem autogerir-se, no sentido
de saberem gerir o seu tempo e os prazos de trabalho. Tudo capacidades
que são, evidentemente, aspectos da inteligência emocional.
Há fortes indícios de que aquilo que é verdade para os Bell Labs
representa uma antevisão do futuro de toda a vida empresarial, um
amanhã em que estas aptidões básicas da inteligência emocional
serão cada vez mais importantes, no trabalho de equipa, na cooperação,
em ajudar as pessoas a aprenderem juntas como trabalhar
mais eficazmente. A medida que os serviços baseados no conhecimento
e o capital intelectual assumem para as organizações uma
importância cada vez maior, melhorar a forma como as pessoas trabalham
em conjunto tornar-se-á uma maneira ainda mais importante
de fazer crescer o capital intelectual, proporcionando uma
vantagem competitiva crítica. Para prosperarem, se não mesmo
para sobreviverem, as empresas terão de expandir a sua inteligência
emocional colectiva.

213
11

Mente e Medicina
«Quem lhe ensinou tudo isto, Doutor!»
A resposta veio, pronta:
«O sofrimento.»

ALBERT CAMUS, A Peste

Uma vaga dor numa virilha levou-me ao médico. Tudo parecia


normal, até que apareceram os resultados das análises. Havia vestígios
de sangue na minha urina.

— Quero que vá ao hospital fazer alguns testes... funções renais,


citologia... — declarou, num torn muito profissional.

Não me lembro do que disse a seguir. A minha mente pareceu


congelar ao ouvir a palavra citologia. Cancro.

Tenho uma recordação enevoada de ele me ter explicado quando


e aonde deveria ir fazer os testes. Eram instruções o mais simples
possível, mas tive de pedir-lhe que as repetisse três ou quatro vezes.
Citologia — a minha mente não saía daquela palavra. Sentia-me
como se acabasse de ser assaltado à porta de casa.

Por que teria reagido tão fortemente? O meu médico estava


apenas a ser meticuloso e competente, verificando as várias ramificações
de uma árvore de diagnóstico. Havia uma possibilidade
mínima de tratar-se de cancro. Mas esta análise racional era absolutamente
irrelevante de momento. Na terra dos doentes, as emoções
reinam como soberanas; o medo está só a um pensamento de
distância. Se ficamos tão emocionalmente fragilizados quando estamos
doentes é porque o nosso bem-estar mental se baseia em parte
numa ilusão de invulnerabilidade. A doença — em especial uma
doença grave — desfaz essa ilusão, atacando a premissa de que a
nossa vida pessoal está a salvo e em segurança. Subitamente, sentimo-nos
fracos, impotentes e vulneráveis.

O problema é quando o pessoal médico ignora como os doentes


estão a reagir emocionalmente, embora tratando da sua condição físi214
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ca. Esta desatenção à realidade emocional da doença negligencia


um crescente corpo de provas demonstradoras de que os estados
emocionais das pessoas podem por vezes desempenhar um papel
significativo na vulnerabilidade à doença e no decurso da convalescença.
Muito frequentemente, os cuidados médicos modernos
sofrem de falta de inteligência emocional.

Para o paciente, qualquer encontro com uma enfermeira ou um


médico pode ser a oportunidade de conseguir informações tranquilizadoras,
conforto e alívio — ou, se mal conduzido, um convite ao
desespero. Muitas vezes, porém, os responsáveis por cuidados médicos
mostram-se apressados ou indiferentes às preocupações do paciente.
Claro que há numerosos médicos e enfermeiras que têm o
cuidado de informar e tranquilizar os seus doentes, além de lhes
prestarem assistência médica. Mas a tendência é no sentido de um
universo profissional em que os imperativos institucionais tornam
o pessoal médico inconsciente ou alheio às vulnerabilidades dos
doentes, ou demasiado pressionado para poder fazer qualquer coisa
a respeito. com as duras realidades dos sistemas de saúde cada vez
mais controladas pelos contabilistas, as coisas parecem estar a tornar-se
cada vez piores.

Para além do argumento puramente humanitário a favor da


necessidade de os médicos proporcionarem solicitude além de tratamento,
há outras fortes razões para se considerar que a realidade
psicológica e social dos doentes pertence ao domínio da medicina,
em vez de ser uma área separada. É hoje possível provar cientificamente
que há uma margem de eficiência médica a ganhar, tanto na
prevenção como no tratamento, tratando o estado emocional das
pessoas simultaneamente com os seus males físicos. Não em todos
os casos nem em todas as condições, claro. Mas observando os
dados de centenas e centenas de casos, verifica-se que há em média
um incremento suficiente de benefícios médicos para sugerir que
uma intervenção emocional deveria ser prática normal no tratamento
médico de uma vasta gama de doenças graves.

Historicamente, a medicina nas sociedades modernas definiu a


sua missão como curar a doença — a desordem médica — descurando
a enfermidade — a experiência do paciente com a doença. E os
pacientes, ao alinharem com esta visão dos seus males, juntam-se a
uma conspiração silenciosa para ignorar como estão a reagir emocionalmente
aos seus problemas médicos — ou considerar essas reacções
irrelevantes para a solução desses problemas. Esta atitude é reforça215
I
DANIEL GOLEMAN

da pelo modelo médico que recusa liminarmente a ideia de que a


mente pode influenciar o corpo de qualquer maneira consequente.

E o entanto, há uma outra teoria igualmente improdutiva que


aponta na direcção oposta: a noção de que as pessoas se podem
curar até das doenças mais graves simplesmente fazendo-se felizes
ou tendo pensamentos positivos, ou de que se adoeceram a culpa
até foi delas. O resultado desta retórica «a-atitude-cura-tudo» tem
sido criar uma confusão generalizada e uma incompreensão a respeito
de em que medida a doença pode ser afectada pela mente, e,
o que é ainda pior, por vezes fazer as pessoas sentirem-se culpadas
por estarem doentes, como se isso fosse o sinal de um qualquer lapso
moral ou desmerecimento espiritual.

A verdade situa-se algures entre estes dois extremos. O meu


objectivo é, através da avaliação dos dados científicos, esclarecer as
contradições e substituir o disparate por uma compreensão clara de
como e em que medida as nossas emoções — e a nossa inteligência
emocional — desempenham um papel na saúde e na doença.

A MENTE DO CORPO:
A IMPORTÂNCIA DAS EMOÇÕES PARA A SAÚDE

Em 1974, uma descoberta feita num laboratório da Faculdade de


Medicina e Odontologia da Universidade de Rochester rescreveu o
mapa biológico do corpo: Robert Ader, um psicólogo, descobriu que
o sistema imunológico, a exemplo do cérebro, é capaz de aprender.
Esta conclusão foi um choque: a convicção prevalecente na medicina
até ao momento fora a de que só o cérebro e o sistema nervoso
central eram capazes de responder à experiência modificando o
seu comportamento. A descoberta de Ader conduziu à investigação
daquilo que está a revelar-se como sendo a infinidade de maneiras
como o sistema nervoso central e o sistema imunológico comunicam
— caminhos biológicos que tornam a mente, as emoções e o
corpo intimamente interligados, e não entidades separadas.

Na experiência de Ader, era ministrado a ratos brancos um medicamento


que suprimia artificialmente a quantidade de células T,
que combatem a doença, em circulação no sangue. Sempre que
recebiam o medicamento, os ratos tomavam-no com água açucarada.
Mas Ader descobriu que dando aos ratos apenas a água açucarada,
sem o medicamento, se verificava da mesma maneira uma

216
*
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

redução na contagem de células T — ao ponto de alguns ratos adoecerem


e morrerem. O sistema imunológico tinha aprendido a suprimir
as células T em resposta à água açucarada. Algo que não
devia acontecer, de acordo com os melhores conhecimentos científicos
da época.

O sistema imunológico é, nas palavras do neurocientista Francisco


Varela, da Ecole Polytechnique de Paris, o cérebro do corpo,
definindo-lhe o sentido de identidade própria — aquilo que lhe pertence
e o que lhe é alheio.1 As células imunológicas viajam por todo
o corpo através da circulação sanguínea, contactando com praticamente
todas as outras células. Deixam em paz as que reconhecem,
atacam as desconhecidas. Esta ataque defende-nos contra os vírus,
as bactérias e o cancro, ou, se as células imunológicas identificam
erradamente como «intrusas» outras células do próprio corpo, provoca
uma doença auto-imunológica como uma alergia ou o lúpus.
Até ao dia em que Ader fez a sua inesperada descoberta, todos os
médicos, e todos os biólogos, pensavam que o cérebro (juntamente
com as suas extensões através do corpo via sistema nervoso central)
e o sistema imunológico eram entidades separadas, incapazes de
influenciar o funcionamento uma da outra. Não havia qualquer
caminho que pudesse ligar os centros do cérebro que registavam
aquilo que o rato saboreava com as áreas da medula óssea que
manufacturam as células T. Pelo menos era o que se pensava havia
mais de um século.

Ao longo dos anos que decorreram desde então, a modesta


descoberta de Ader forçou uma nova visão dos laços entre o sistema
imunológico e o sistema nervoso central. A área que estuda isto, a
psiconeuroimunologia, ou PNI, situa-se hoje na vanguarda da ciência
médica. O próprio nome reconhece os laços: psico, ou «mente»;
neuro pelo sistema neuroendócrino (que reúne o sistema nervoso e
o sistema hormonal), e imunologia, pelo sistema imunológico.

Uma rede de investigadores está a descobrir que os mensageiros


químicos que operam mais intensivamente tanto no cérebro como
no sistema imunológico são aqueles que se concentram sobretudo
nas áreas neuronais que regulam a emoção.2 Algumas das provas
mais fortes de uma ligação física directa que permite às emoções
agirem sobre o sistema imunológico foram proporcionadas por David
Felten, um colega de Ader. Felten começou por notar que as
emoções têm um efeito poderoso no sistema nervoso autónomo, o
qual regula tudo, desde quanta insulina é segregada até aos níveis

217
DANIEL GOLEMAN

da pressão sanguínea. Trabalhando juntamente com a esposa, Suzanne,


e outros colegas, detectou então um ponto de encontro onde
o sistema nervoso autónomo «dialoga» com os linfócitos e os macrófagos,
células do sistema imunológico.3

com a ajuda do microscópio electrónico, descobriram contactos


semelhantes a sinapses nos pontos onde os terminais nervosos do sistema
autónomo têm extremidades que se ligam directamente a essas
células imunológicas. Estes pontos de contacto físicos permitem
às células nervosas libertar neurotransmissores que regulam as células
imunológicas; na realidade, a comunicação faz-se nos dois sentidos.
A descoberta é revolucionária. Ninguém suspeitava que as células
imunológicas pudessem ser destinatárias de mensagens dos nervos.

Para testar a importância destes terminais nervosos no funcionamento


do sistema imunológico, Felten foi um passo mais adiante.
Em experiências com animais, retirou alguns nervos dos gânglios
linfáticos e do baço — onde as células imunológicas são armazenadas
ou produzidas — e em seguida usou vírus para desafiar o sistema
imunológico. A sua conclusão é a de que sem esses terminais nervosos,
o sistema imunológico simplesmente não responde como deveria
à invasão de vírus ou de bactérias. Em resumo, o sistema nervoso
não só está ligado ao sistema imunológico, como é essencial para
o seu funcionamento.

Um outro caminho-chave que liga as emoções ao sistema imunológico


é via a influência das hormonas libertadas em situações de
stress, durante as quais diversas substâncias, como as catecolaminas
(epinefrina e norepinefrina, também conhecidas como adrenalina
e noradrenalina), o cortisol e a prolactina, e os opiáceos naturais
beta-endorfina e encefalina, são libertadas na corrente sanguínea.
Todas elas têm um forte impacte no sistema imunológico. Embora
os relacionamentos sejam complexos, a principal influência é que
quando estas hormonas invadem o corpo, as células imunológicas
vêem a sua acção prejudicada: o stress reduz a resistência imunológica,
pelo menos temporariamente, presumivelmente numa conservação
de energia que dá prioridade à emergência mais imediata,
mais premente para a sobrevivência. Mas se o stress é constante e
intenso, essa redução pode tornar-se duradoura.4

Os microbiólogos e outros cientistas estão a descobrir cada vez


mais ligações deste tipo entre o cérebro e os sistemas cardiovascular
e imunológico — tendo primeiro de aceitar a noção outrora
radical de que elas existem.5

218
t

i
j

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

EMOÇÕES TÓXICAS: OS DADOS CLÍNICOS

Apesar de todas estas provas, muitos, ou mesmo a maior parte


dos médicos continua a não acreditar que as emoções tenham uma
grande importância clínica. Uma das razões para isto é que embora
muitos estudos comprovem que o stress e as emoções negativas reduzem
a eficácia de diversas células imunológicas, nem sempre fica
claro se o âmbito dessas transformações é suficientemente grande
para fazer diferença em termos médicos.

Mesmo assim, um número crescente de médicos reconhece o


lugar das emoções na medicina. Por exemplo, o Dr. Camran Nezhat,
um eminente cirurgião ginecologista laparoscópico da Stanford
University, diz: «Se alguma senhora com operação marcada me diz
que nesse dia está em pânico e não quer ir para diante, cancelo a
intervenção.» E Nezhat explica: «Todos os cirurgiões sabem que as
pessoas que estão muito assustadas se portam terrivelmente na sala
de operações. Sangram demasiado, têm mais infecções e complicações.
A convalescença é muito mais complicada. Corre tudo
muito melhor quando o paciente está calmo.»

A razão é simples: o medo e a ansiedade fazem subir a pressão


sanguínea, e as veias distendidas pela pressão sangram mais intensamente
quando cortadas pelo bisturi do cirurgião. A hemorragia
excessiva é uma das complicações cirúrgicas mais graves, que pode
inclusivamente levar à morte.

Para além destes detalhes médicos, as provas da importância


clínica das emoções têm vindo a acumular-se constantemente. Os
dados mais convincentes a respeito da relevância médica das emoções
são talvez os que decorrem de uma análise maciça em que os
resultados de 101 pequenos estudos foram combinados num outro
mais vasto, englobando vários milhares de homens e mulheres.
O estudo confirma que as emoções perturbadoras são prejudiciais
para a saúde — até um certo ponto.6 Descobriu-se que as pessoas
que experimentam ansiedade crónica, longos períodos de tristeza
ou pessimismo, tensão ininterrupta ou hostilidade constante, cinismo
prolongado ou desconfiança, correm um risco duplo de doença
— incluindo asma, artrite, dores de cabeça, úlceras pépticas e problemas
cardíacos. Esta ordem de grandeza faz das emoções perturbadoras
um factor de risco tão tóxico como, por exemplo, o fumar e o

219
DANIEL GOLEMAN

colesterol elevado são para as doenças cardíacas — por outras palavras,


constituem uma grave ameaça à saúde.

Trata-se, é claro, de um dado estatístico global, que de modo algum


significa que todas as pessoas que experimentam cronicamente
estes sentimentos sejam mais susceptíveis de sucumbir à doença.
Mas as provas do importante papel que a emoção desempenha na
doença são muito mais extensivas que aquilo que este estudo de
estudos indica. Uma análise mais aprofundada dos dados relativos a
emoções específicas, especialmente as três grandes — ira, ansiedade
e depressão — põe mais claramente em destaque algumas das
maneiras como os sentimentos têm relevância médica, ainda que os
mecanismos através dos quais essas emoções produzem o seu efeito
não sejam ainda plenamente compreendidos.7

Quando a ira é suicida


Há já algum tempo, disse o homem, uma pancada no lado do
carro obrigou-o a uma infrutífera e frustrante odisseia. Ao cabo de
infindáveis burocracias com a companhia de seguros e inúmeras
visitas a oficinas de bate-chapas, que fizeram mais mal do que bem,
continuava a dever 800 dólares. E a culpa nem sequer tinha sido dele.
Estava tão farto que sempre que se sentava no carro sentia-se
cheio de aversão. Acabou por vender o automóvel. Anos mais tarde,
a recordação deste episódio ainda o fazia ficar lívido de raiva.

Esta amarga recordação foi propositadamente evocada no âmbito


de um estudo sobre os efeitos da ira em doentes cardíacos na
Stanford University Medicai School. Todos os doentes incluídos no
estudo tinham, como este homem, sofrido um primeiro ataque de
coração, e a questão era saber se a ira poderia ter um impacte significativo
de qualquer tipo nas tespectivas funções cardíacas. O efeito
foi impressionante: enquanto os pacientes relatavam episódios que
os tinham enfurecido, a eficácia bombeadora dos seus corações descia
cinco pontos percentuais.8 Alguns deles mostravam quebras de
eficácia da ordem dos 7 por cento e mais — um valor que os cardiologistas
consideram como sinal de isquémia miocárdica, uma perigosa
descida do fluxo sanguíneo que chega ao próprio coração.

Esta quebra de eficiência não se registava com outros sentimentos


pertutbadores, como a ansiedade, nem durante o exercício físi220
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

co; a ira parece ser a emoção que mais mal faz ao coração. Ao contarem
os incidentes que os tinham perturbado, os pacientes afirmavam
que o nível de ira que sentiam na altura era cerca de metade
do que tinham sentido durante a ocorrência propriamente dita, o
que sugere que os seus corações tinham sido muito mais gravemente
afectados quando o caso se dera.

Esta descoberta faz parte de uma rede mais vasta de provas


emergentes de dezenas de estudos que denunciam o grande poder
da ira para ser prejudicial ao coração.9 A velha ideia de que as pessoas
que andam sempre apressadas e têm uma pressão arterial elevada
correm um risco maior de doença cardíaca foi posta de parte,
mas desta teoria falhada emergiu uma nova descoberta: é a hostilidade
que põe as pessoas em perigo.

A maior parte dos dados sobre hostilidade vem da investigação


levada a cabo pelo Dr. Redford Williams, da Duke University.10 Por
exemplo, Williams descobriu que os médicos que tinham obtido
pontuações elevadas em testes de hostilidade ainda na faculdade de
medicina tinham sete vezes mais probabilidades de morrer antes
dos cinquenta anos que aqueles com pontuações baixas — ser dado
à ira era um melhor previsor de uma morte prematura que outros
factores de risco, como fumar, ter uma pressão arterial elevada ou o
colesterol alto. E as descobertas de um colega, o Dr. ]ohn Barefoot,
da Universidade da Carolina do Norte, demonstram que no caso de
doentes cardíacos submetidos a angiografia — na qual é inserido
um catéter na artéria coronária para detectar as lesões — as pontuações
obtidas num teste de hostilidade apresentavam uma relação
directa com a extensão e gravidade das doenças coronárias.

Ninguém está a dizer, evidentemente, que a ira por si só provoca


doenças coronárias; mas é um dos vários factores intervenientes.
Como Peter Kaufman, chefe da Divisão de Medicina Comportamental
do Instituto Nacional do Coração, dos Pulmões e do Sangue,
me explicou: «Ainda não sabemos se a ira e a hostilidade desempenham
um papel causal no desenvolvimento inicial das doenças
coronárias, se agravam o problema depois de ele ter surgido, ou
ambas as coisas. Mas tomemos o caso de um homem de vinte anos
que se enfurece repetidamente. Cada episódio de ira representa um
novo ataque ao coração, aumentando o ritmo cardíaco e fazendo
subir a pressão arterial. Quando isto se repete uma e outra vez, pode
fazer estragos», especialmente porque a turbulência do fluxo sanguíneo
ao passar pela artéria coronária a cada bater do coração

221
DANIEL GOLEMAN

«pode causar microfendas na parede do vaso, onde a placa se desenvolve.


Se o ritmo cardíaco é mais rápido e a pressão sanguínea mais
elevada porque a pessoa está continuamente zangada, então a partir
dos trinta anos isto pode levar a uma acumulação de placa, e
consequentemente a uma doença coronária».11

A partir do momento em que a doença cardíaca se desenvolve,


o mecanismo disparado pela ira afecta a própria eficiência do coração
como bomba, como ficou demonstrado pelo estudo da recordação
de episódios irritantes feito com doentes cardíacos. O resultado
líquido é tornar a ira particularmente letal naqueles que já
sofrem do coração. Por exemplo, um estudo da Stanford University
Medicai School feito com 1012 homens e mulheres que tinham
sofrido um primeiro ataque cardíaco e foram depois acompanhados
durante oito anos mostrou que aqueles homens que eram de início
mais agressivos e hostis registaram a taxa mais elevada de segundos
ataques.12 Obtiveram-se resultados semelhantes num estudo da Yale
School of Medicine, no qual estiveram envolvidos 929 homens que
tinham sobrevivido a ataques de coração e foram acompanhados
durante dez anos.13 Aqueles que tinham sido classificados como facilmente
irritáveis tinham três vezes mais probabilidades de morrer
de paragem cardíaca que os mais calmos. Se sofriam igualmente de
níveis de colesterol elevados, o risco representado pela ira era cinco
vezes superior.

Os investigadores de Yale fazem notar que pode não ser exclusivamente


a ira a fazer subir o risco de morte por doença cardíaca,
mas antes qualquer tipo de emocionalidade negativa intensa
que invada regularmente o corpo com vagas de hormonas de stress.
De um modo geral, no entanto, as relações científicas mais fortes
entre as emoções e a doença cardíaca têm a ver com a ira: num
estudo da Harvard Medicai School, foi pedido a mais de mil e quinhentos
homens e mulheres que tinham sofrido ataques cardíacos
que descrevessem os seus estados emocionais nas horas anteriores
ao ataque. Enfurecer-se mais do que duplicava o risco de paragem
cardíaca nas pessoas que já sofriam de uma doença do coração; o
risco acrescido durava cerca de duas horas a partir do momento em
que a ira era provocada.”

Estas descobertas não significam que as pessoas devam esforçarse


por suprimir a ira quando ela é justificada. Na realidade, há até
provas de que tentar suprimir totalmente estes sentimentos no calor
do momento resulta num aumento da agitação corporal e pode

222
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

fazer subir a pressão sanguínea.15 Por outro lado, como vimos no


Capítulo 5, o resultado líquido de dar vazão à raiva cada vez que a
sentimos é alimentá-la, tornando-a uma resposta mais provável a
qualquer situação irritante. Williams resolve este paradoxo concluindo
que o facto de a ira ser ou não expressa é menos importante
que o facto de ser ou não crónica. Uma explosão ocasional de
hostilidade não é prejudicial para a saúde; o problema surge quando
a hostilidade se torna tão constante que passa a definir um estilo
pessoal antagónico — um estilo caracterizado por repetidos sentimentos
de desconfiança e cinismo e uma propensão para fazer
comentários amesquinhadores, bem como por explosões mais óbvias
de mau feitio e raiva.16

A boa notícia é que a ira crónica não tem necessariamente de


ser uma sentença de morte: a hostilidade é um hábito que pode ser
mudado. Um grupo de doentes cardíacos da Stanford University
Medicai School participou num programa destinado a ajudá-los a
temperar as atitudes que lhes davam mau feitio. Este treino de
controlo da ira resultou numa taxa de segundos ataques cardíacos
44 por cento inferior à daqueles que não tinham tentado modificar
a sua hostilidade.” Um outro programa concebido por
Williams teve resultados benéficos semelhantes.18 Tal como o
programa da Stanford, ensina os elementos básicos da inteligência
emocional, particularmente tomar consciência da ira quando
ela começa a surgir, a capacidade de regulá-la depois de ter-se
declarado, e a empatia. Pede-se aos pacientes que anotem os seus
pensamentos cínicos ou hostis à medida que os vão detectando.
Se os pensamentos persistem, tentam eliminá-los dizendo (ou
pensando): «Pára!» E são encorajados a substituir deliberadamente
os pensamentos cínicos, de desconfiança, por outros mais razoáveis
— por exemplo, se um elevador tarda a chegar, procurar
uma razão benigna para o facto em vez de enfurecer-se imediatamente
contra a pessoa sem consideração pelos outros que pode
estar a ser responsável pelo atraso. Para evitar os confrontos,
aprendem a habilidade de ver as coisas do ponto de vista da outra
pessoa — a empatia é um bálsamo para a ira.

Como Williams me disse: «O antídoto para a ira é desenvolver


um coração mais confiante. Tudo o que é preciso é ter a motivação
certa. Quando as pessoas se apercebem de que a sua hostilidade
pode levá-las prematuramente à cova, ficam dispostas a tentar.»

223
DANIEL GOLEMAN

Stress: ansiedade desproporcionada e deslocada


Sinto-me constantemente tensa e ansiosa. Tudo começou no
liceu. Era uma das melhores alunas, e estava sempre a preocuparme
com as notas, com chegar a horas às aulas, com o facto de os
meus colegas e os professores gostarem ou não de mim... coisas
deste género. Havia muita pressão por parte dos meus pais para ser
boa aluna e dar um bom exemplo... Acho que acabei por ir-me
abaixo, porque os meus problemas de estômago começaram no
segundo ano do liceu. Desde essa altura, tenho de ter sempre muito
cuidado no que respeita a beber cafeína e comer comidas muito temperadas.
Reparei que quando estou preocupada ou tensa, o meu
estômago dá logo sinal, e como geralmente ando preocupada com
qualquer coisa, nunca me sinto muito bem.”

A ansiedade — a agitação provocada pelas pressões da vida —


é talvez a emoção que mais peso tem nas provas científicas que
ligam ao aparecimento da doença e à maneira como decorre a convalescença.
Quando a ansiedade nos ajuda a prepararmo-nos para
enfrentar um perigo qualquer (o que foi presumivelmente uma vantagem
ao longo da evolução), é útil e benéfica. Mas na vida moderna,
a ansiedade é as mais das vezes desproporcionada e deslocada —
a perturbação instala-se face a situações com as quais temos mesmo
de viver ou são invenções do nosso espírito, e não perigos reais que
tenhamos de enfrentar. Ataques repetidos de ansiedade são sinal de
elevados níveis de stress. A senhora cuja preocupação constante lhe
provoca doenças de estômago é um exemplo clássico de como a
ansiedade e o stress agravam os problemas de saúde.

Num estudo sobre as pesquisas relativas à ligação srress-doença,


publicado, em 1993, nos Archives of Internai Medicine, Bruce meEwen,
um psicólogo de Yale, assinalava um largo espectro de efeitos:
comprometer a função imunológica ao ponto de poder acelerar as
metásteses do cancro; aumentar a vulnerabilidade às infecções
virais; exacerbar a formação de placa, o que conduz à aterosclerose e
à formação de coágulos sanguíneos capazes de provocar enfartes do
miocárdio; acelerar o aparecimento da diabetes Tipo I e a evolução
da diabetes Tipo II, e agravar ou desencadear um ataque de asma.20
O stress pode ainda provocar a ulceração do tracto gastrintestinal e
causar o aparecimento de sintomas nos casos de colite e doença

224

1
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

inflamatória dos intestinos. O próprio cérebro é susceptível aos efeitos


a longo prazo de um stress continuado, incluindo perturbações do
hipocampo, e consequentemente da memória. De um modo geral,
I diz McEwen, «há provas crescentes de que o sistema nervoso é sujeito

a um desgaste em consequência das experiências de stress» .n

Provas particularmente convincentes do impacte médico do


stress são-nos dadas por estudos feitos com doenças infecciosas como
as constipações, a gripe e a herpes. Estamos continuamente
expostos a estes vírus, mas em condições normais o nosso sistema
H| imunológico mantêm-nos à distância — só que, sob os efeitos do

J^B stress emocional, essas defesas muitas vezes falham. No decurso de

^H experiências em que a robustez do sistema imunológico tinha sido

^B directamente aferida, verificou-se que o stress e a ansiedade a enfra^H

queciam, embora a maior parte desses resultados não deixe claro se

^m a amplitude de tal enfraquecimento era ou não medicamente signi|

ficativa — ou seja, suficientemente elevada para abrir a porta à

I doença.22 E por essa razão que as melhores provas da ligação entre

stress e ansiedade e vulnerabilidade médica são dadas pelos estudos


propectivos: aqueles que começam com uma pessoa saudável e principiam
por detectar um aumento do stress, seguido por um enfraquecimento
do sistema imunológico e o aparecimento da doença.
Num dos mais esclarecedores destes estudos, Sheldon Cohen,
um psicólogo da Carnegie-Mellon University, trabalhando com
cientistas de uma unidade especializada na investigação da constipação
em Sheffield, na Inglaterra, avaliou cuidadosamente o nível
de stress que as pessoas sentiam nas suas vidas, e em seguida expôIas
sistematicamente ao vírus da constipação. Nem todas as pessoas

expostas acabam por apanhar uma constipação; um sistema imunológico


robusto pode resistir ao vírus, e fá-lo constantemente.
Cohen verificou que quanto mais stress as pessoas sentiam, mais
susceptíveis eram de sucumbir ao vírus. Entre os que sentiam
pouco stress, 27 por cento constiparam-se depois de terem sido
. expostos; entre os que sofriam mais de stress, esse valor subiu para

47 por cento — uma prova directa de que o stress debilita o sistema


imunológico.23 (Embora este possa ser um dos tais resultados
científicos que parecem vir confirmar aquilo que já toda a gente
sabia ou suspeitava, é considerado uma descoberta fundamental
; devido ao seu rigor científico.)

Do mesmo modo, os casais de um grupo que durante três meses


fizeram uma lista diária de incidentes perturbadores, como, por
225

I
DANIEL GOLEMAN

exemplo, discussões matrimoniais, acabaram por apresentar um


padrão revelador: três ou quatro dias depois de uma perturbação
particularmente intensa, adoeciam com uma constipação ou uma
infecção das vias respiratórias superiores. Este período de três ou
quatro dias é precisamente o tempo de incubação de numerosos
vírus da constipação, sugerindo que o facto de terem sido expostos
numa altura em que estavam especialmente agitados e perturbados
os tornou mais vulneráveis.24

Este mesmo padrão de ligação stress-infecção é válido também


no caso do vírus da herpes — tanto do tipo que provoca feridas nos
lábios como o que causa lesões genitais. Uma vez que a pessoa
tenha sido exposta ao vírus da herpes, ele mantém-se latente no
corpo, manifestando-se de tempos a tempos. A actividade deste
vírus pode ser acompanhada através dos níveis dos respectivos anticorpos
no sangue. Usando esta medida, verificou-se uma reactivação
do vírus em estudantes de medicina que se encontravam em
período de exames finais, em mulheres recentemente divorciadas e
entre pessoas sujeitas à pressão constante de terem de cuidar de um
parente afectado pela doença de Alzheimer.25

Os custos da ansiedade não são só fazer a resposta imunológica;


outras pesquisas estão a revelar efeitos adversos no sistema cardiovascular.
Enquanto para os homens a hostilidade crónica e os episódios
repetidos de ira parecem significar um risco acrescido de doença
cardíaca, no caso das mulheres as emoções mais mortais são a
ansiedade e o medo. Numa pesquisa realizada na Stanford University
School of Medicine com mais de mil homens e mulheres
que já tinham sofrido um primeiro ataque de coração, as mulheres que
tiveram um segundo ataque caracterizavam-se por apresentarem
altos níveis de medo e ansiedade. Por vezes, o medo assumia a
forma de fobias paralisantes: depois do primeiro ataque, as pacientes
deixavam de conduzir, abandonavam os empregos ou evitavam
sair de casa.26

Os insidiosos efeitos físicos da ansiedade mental e do stress — do


género produzido por profissões de alta tensão, ou por vidas de alta
tensão, como a da mãe solteira que tem de conciliar o emprego com
cuidar do filho — estão a ser analisados do ponto de vista anatómico
com um grande pormenor. Por exemplo, Stephen Manuk, um
psicólogo da Universidade de Pittsburgh, submeteu, no seu laboratório,
trinta voluntários a uma dura prova carregada de tensão, enquanto
controlava o sangue dos homens em buscam de uma substân226
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

cia segregada pelas plaquetas sanguíneas e chamada trifosfato de


adenosina, ou ATP (do inglês, adenosine triphosphate) capaz de provocar
alterações dos vasos que podem por sua vez conduzir a ataques
de coração ou tromboses. Quando os voluntários estavam submetidos
a condições de stress intenso, os seus níveis de ATP subiam
acentuadamente, tal como o ritmo cardíaco e a pressão arterial.

Compreensivelmente, os riscos para a saúde parecem maiores


para aqueles que têm profissões onde a pressão é muito intensa: exigindo
níveis de desempenho muito elevados ao mesmo tempo que
a pessoa tem pouco ou nenhum controlo sobre o modo como o trabalho
é feito (uma situação que dá aos motoristas de autocarro, por
exemplo, uma alta taxa de hipertensão). Por exemplo, num estudo
com 569 pacientes com cancro colorrectal e um grupo de controlo
equivalente, entre aqueles que afirmavam ter tido durante os dez
anos anteriores graves problemas no trabalho registava-se uma
incidência de aparecimento de cancro cinco vezes e meia superior
à daqueles que nunca nas suas vidas tinham passado por essa experiência.27

Porque os custos médicos da tensão são tão grandes e variados,


as técnicas de relaxação — que contrariam directamente a excitação
fisiológica do stress — começaram a ser clinicamente utilizadas
para atenuar os sintomas de uma grande variedade de doenças crónicas.
Entre estas incluem-se as doenças cardiovasculares, alguns
tipos de diabetes, artrite, asma, problemas gastrintestinais e dores
crónicas, para referir apenas algumas. Na medida em que todos os
sintomas são agravados pelo stress e pela agitação emocional, ajudar
os pacientes a tornarem-se mais descontraídos e capazes de controlar
os seus tumultuosos sentimentos pode frequentemente proporcionar
algum alívio.28

Os custos médicos da depressão


Foi-lhe diagnosticado um cancro metastático da mama, o regresso
e difusão de uma doença maligna vários anos depois daquilo
que ela julgara ter sido uma intervenção cirúrgica bem sucedida. O
médico já não podia falar de cura, e a quimioterapia poderia, na
melhor das hipóteses, dar-lhe mais alguns meses de vida. cornpreensivelmente,
sentia-se deprimida — de tal maneira que quando
ia visitar o oncologista acabava sempre por começar a chorar.

227
DANIEL GOLEMAN

Resposta invariável do oncologista: pedir-lhe que saísse imediatemente


do consultório.

Para além da dureza do comportamento do oncologista, teria


alguma importância em termos médicos o facto de ele se recusar a
lidar com a tristeza constante da sua doente? A partir do momento
em que uma doença atinge um tal grau de virulência, parece improvável
que qualquer emoção possa ter um efeito significativo no seu
desenvolvimento. Embora a emoção daquela mulher diminuísse
claramente a qualidade dos seus últimos meses, as provas médicas
de que a melancolia pode afectar o curso de um cancro são por
enquanto dúbias.” Mas, pondo de parte o cancro, uma grande variedade
de estudos sugere que a depressão desempenha um papel em
muitas outras condições médicas, especialmente no agravamento
de uma doença depois de esta ter-se declarado. Há cada vez mais
provas de que no caso de pacientes com doenças graves que estão
deprimidos, valeria a pena em termos médicos tratá-las também da
depressão.

Uma das complicações do tratamento da depressão nestes doentes


é que os sintomas, incluindo perda de apetite e letargia, se confundem
facilmente com os de outras doenças, particularmente no
caso de médicos com pouco treino na área do diagnóstico psiquiátrico.
Esta incapacidade de diagnosticar a depressão pode por si
mesma agravar o problema, uma vez que significa que a depressão
— como a da chorosa senhora que sofria de cancro da mama —
passa despercebida e sem tratamento. E isso pode fazer subir o risco
de morte em doenças graves.

Por exemplo, em 100 pacientes que receberam transplantações


de medula óssea, 12 de 13 que sofriam de depressão morreram no
primeiro ano após o transplante, enquanto 34 dos restantes 87 ainda
estavam vivos passados dois anos.30 E em doentes com incapacidade
renal crónica que faziam diálise, aqueles a quem fora diagnosticada
uma depressão grave eram os que mais probabilidades
tinham de morrer dentro dos dois anos seguintes; a depressão revelava-se
um previsor de morte mais certeiro que qualquer indicação
médica.31 Aqui, o caminho que ligava a emoção à situação médica
não era uma questão biológica, mas de atitude: os doentes deprimidos
tinham muito mais dificuldade em obedecer aos regimes médicos
— faziam batota na dieta, por exemplo, o que os colocava numa
situação de risco agravado.

228
l
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

As doenças cardíacas parecem ser exacerbadas pela depressão.


Num estudo com 2832 homens e mulheres de meia-idade que
foram acompanhados durante doze anos, aqueles que experimentavam
uma constante sensação de desespero e impotência registavam
uma taxa de mortalidade por doença cardíaca mais elevada que os
outros.32 E no caso dos cerca de 3 por cento que sofriam de depressões
graves, a taxa de mortalidade por doença de coração, cornparada
com a dos que não tinham qualquer depressão, era quatro
vezes mais alta.

A depressão parece constituir um risco médico particularmente


grave para os sobreviventes de ataques cardíacos.33 Num estudo feito
com doentes de um hospital de Montreal aos quais fora dada alta
depois de terem recebido tratamento a um primeiro ataque cardíaco,
verificou-se que os que sofriam de depressão corriam um risco
acentuadamente maior de morrer no decurso dos seis meses seguintes.
Entre os cerca de 12 por cento com depressões graves, a taxa de
mortalidade era cinco vezes superior à dos restantes — um efeito
igual ao de outros grandes riscos médicos de morte cardíaca, como
a disfunção do ventrículo esquerdo ou uma história de ataques cardíacos
anteriores.. Entre os possíveis mecanismos que podem explicar
por que razão a depressão aumenta desta maneira as probabilidades
de um segundo ataque incluem-se os seus efeitos na variabilidade
do ritmo cardíaco, agravando o risco de arritmias fatais.

Verificou-se igualmente que a depressão complica a recuperação


das fracturas do colo do fémur. Num estudo que envolveu
mulheres já idosas com este tipo de fractura, foi feita a vários milhares
delas, por ocasião da entrada no hospital, uma avaliação psiquiátrica.
Aquelas que revelavam sinais de depressão ao serem
admitidas permaneceram no hospital mais oito dias, em média, do
que as restantes, e tinham apenas um terço das probabilidades de
voltar a andar. Mas as mulheres deprimidas que receberam ajuda
psiquiátrica para a sua depressão juntamente com os outros cuidados
médicos precisaram de menos fisioterapia para voltar a andar e
menos re-hospitalizações durante os três meses seguintes a terem
regressado a casa.

Na mesma linha, num estudo com pacientes cujas condições


eram tão extremas que se contavam entre os primeiros dez por
cento daqueles que usam serviços médicos — frequentemente
por padecerem simultaneamente de várias enfermidades, como
doenças cardíacas e diabetes — cerca de um em cada seis sofria de

229
DANIEL GOLEMAN

depressões graves. Quando estes pacientes recebiam tratamento


específico para esse problema, o número de dias por ano que passavam
hospitalizados descia de 79 para 51 para os mais gravemente
afectados, e de 62 para apenas 18 nos que sofriam de depressões
ligeiras.34

OS BENEFÍCIOS MÉDICOS DO PENSAMENTO POSITIVO

As provas cumulativas dos efeitos médicos adversos da ira, da


ansiedade e da depressão são, pois, esmagadoras. Tanto a ira como
a ansiedade, quando crónicas, podem tornar as pessoas mais susceptíveis
a uma variedade de doenças. E embora a depressão possa não
tornar as pessoas mais vulneráveis à doença, parece afectar negativamente
a convalescença e aumentar o risco de morte, especialmente
no caso dos doentes mais débeis em situações graves.

Mas se a agitação emocional crónica nas suas muitas formas é


tóxica, a gama oposta de emoções pode ser tónica — até um certo
limite. Isto de modo algum quer dizer que as emoções positivas
curam, ou que bastam o riso e a felicidade para inverter o curso de
uma doença grave. A vantagem que as emoções positivas oferecem
parece ser subtil, mas, usando estudos que envolvem grande número
de pessoas, é claramente deductível da massa de complexas
variáveis que afectam o curso de uma doença.

O preço do pessimismo e as vantagens do optimismo

Tal como acontece com a depressão, há custos médicos a pagar


pelo pessimismo e os correspondentes benefícios a tirar do optimismo.
Por exemplo, 122 homens que tinham sofrido o seu primeiro
ataque cardíaco foram avaliados em termos do respectivo grau de
optimismo ou pessimismo. Oito anos mais tarde, dos 25 mais pessimistas,
21 tinham morrido, contra apenas 6 dos 25 mais optimistas.
A perspectiva mental provou ser um melhor previsor de sobrevivência
que qualquer factor de risco médico, incluindo a gravidade
das lesões causadas no coração pelo primeiro ataque, o bloqueamento
de artérias, o nível de colesterol ou a pressão arterial. Numa
outra pesquisa envolvendo doentes submetidos a intervenções cirúrgicas
para fazer um bypass arterial, os mais optimistas recupera230
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ram mais depressa e tiveram menos complicações durante e após a


operação do que os mais pessimistas.’5

Como o optimismo, seu primo chegado, também a esperança


tem poderes curativos. As pessoas mais esperançosas são, cornpreensivelmente,
mais capazes de suportar circunstâncias adversas,
incluindo dificuldades médicas. Num estudo com pessoas paralisadas
em consequência de lesões da espinha, aquelas que tinham mais
esperança conseguiram atingir níveis mais elevados de mobilidade
física, em comparação com outras que tinham à partida o mesmo
grau de incapacidade, mas se sentiam menos esperançadas. A esperança
é particularmente importante nos casos de paralisia decorrentes
de lesões espinais, uma vez que esta tragédia médica envolve
tipicamente um homem que ficou paralisado com vinte e poucos
anos em consequência de um acidente, e assim permanecerá para o
resto da sua vida. A maneira como reagir emocionalmente terá
amplas consequências no grau de esforço que fará para conseguir
uma maior funcionalidade física e social.36

A razão por que uma perspectiva optimista ou pessimista há-de


ter consequências em termos de saúde é passível de várias explicações.
Uma teoria propõe que o pessimismo leva à depressão, que
por sua vez interfere com a resistência do sistema imunológico a
tumores e infecções — uma especulação que, de momento, não está
provada. Ou pode acontecer que os pessimistas se tornem negligentes
consigo mesmos — diversos estudos mostram que os pessimistas
têm tendência para fumar e beber mais, e fazer menos exercício,
do que os optimistas, e são de um modo geral muito menos
cuidadosos nos seus hábitos de saúde. Ou também pode acontecer
que um dia se descubra que a fisiologia da esperança é em si mesma
biologicamente benéfica na luta do corpo contra a doença.

com um pouco de ajuda dos meus amigos:


o valor médico das relações

Acrescente sons de silêncio à lista dos riscos emocionais para a


saúde e inclua laços emocionais na lista dos factores protectivos.
Estudos feitos ao longo de mais de duas décadas e envolvendo cerca
de trinta e sete mil pessoas mostram que o isolamento social — a
sensação de que não temos ninguém com quem possamos compartilhar
os nossos sentimentos mais íntimos ou ter um contacto pró-
231
DANIEL GOLEMAN

ximo — duplica as probabilidades de doença ou morte.” O isolamento,


concluía um estudo publicado, em 1987, na Science, «é tão
significativo para a taxa de mortalidade como o fumar, a pressão
arterial elevada, o colesterol alto, a obesidade e a falta de exercício».
Na realidade, fumar multiplica a taxa de mortalidade por um
factor de apenas 1,6, ao passo que o isolamento social representa
um factor igual a 2, constituindo assim um maior risco para a
saúde.38

O isolamento é pior para os homens do que para as mulheres.


Os homens isolados tinham duas a três vezes mais probabilidades de
morrer do que os homens com relações sociais chegadas; para as
mulheres isoladas, o risco era uma vez e meia maior do que para as socialmente
mais relacionadas. A diferença entre homens e mulheres
no que respeita ao impacte do isolamento pode dever-se ao facto de
as relações das mulheres tenderem a ser emocionalmente mais íntimas
do que a dos homens; umas poucas destas relações sociais para
uma mulher podem ser mais confortantes do que o mesmo número
de amizades para um homem.

Claro que solidão não é o mesmo que isolamento; muitas pessoas


que vivem sozinhas ou têm poucos amigos sentem-se perfeitamente
contentes e felizes. E a sensação subjectiva de estar isolado
das outras pessoas e não ter ninguém a quem recorrer que se revela
um risco para a saúde. E uma descoberta sombria, quando vista à luz
do crescente isolamento gerado pela televisão e pela queda em
desuso, na modernas sociedades urbanas, de certos hábitos sociais,
como frequentar clubes e visitar os amigos; por outro lado, explica
o valor acrescentado das comunidades de substituição e de grupos
de auto-ajuda como os Alcoólicos Anónimos.

O poder do isolamento como factor de risco de mortalidade


— e o poder curativo das relações íntimas — ressalta claramente de
um estudo feito com cem doentes aos quais foi transplantada a
medula óssea.39 Entre aqueles que sentiam ter um forte apoio emocional
por parte do cônjuge, da família ou dos amigos, 54 por cento
tinham sobrevivido ao transplante passados dois anos, contra apenas
20 por cento entre os que se queixavam de pouco apoio. Do
mesmo modo, as pessoas já de idade que sofrem ataques de coração,
mas que têm na família duas ou três pessoas de quem podem receber
apoio emocional, têm duas vezes mais probabilidades de sobreviver
mais de um ano após o ataque que aquelas que não podem
contar com esse apoio.40

232
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

O testemunho mais revelador dos poderes curativos dos laços


emocionais é ”talvez um estudo sueco publicado em 1993.41 Foi oferecido
a todos os homens que viviam na cidade sueca de Goteborg
e que tinham nascido em 1933 um exame médico gratuito; sete
anos mais tarde, os 752 homens que tinham feito o exame foram
novamente contactados. Destes, 41 tinham morrido nos anos entretanto
decorridos.

Os que tinham originariamente referido viver sob intenso


stress emocional registavam uma taxa de mortalidade três vezes
superior à daqueles cujas vidas eram calmas e tranquilas. O stress
emocional devia-se a circunstâncias como graves problemas
financeiros, sentirem-se inseguros no trabalho ou terem perdido o
emprego, serem alvo de acções legais ou estarem a atravessar um
divórcio. Ter tido três ou mais destes problemas no ano anterior
ao exame constituía um previsor de morte nos sete anos seguintes
mais exacto que indicadores médicos como uma tensão arterial
elevada, uma alta concentração de triglicéridos no sangue ou altos
níveis de colesterol.

No entanto, entre os homens que tinham afirmado ter uma


boa rede de ligações íntimas — esposa, amigos chegados, etc. —
não se verificava qualquer relação entre níveis de stress elevados e
taxa de mortalidade. O facto de terem alguém a quem recorrer,
com quem falar, alguém capaz de oferecer conforto, ajuda e sugestões,
protegia-os contra o impacte mortal das dificuldades e dos
traumas da vida.

A qualidade das relações, como o seu número, parece ser também


um elemento-chave para combater os efeitos do stress. As
relações negativas têm um preço. As discussões matrimoniais,
por exemplo, têm um impacte negativo no sistema imunológico.42
Um estudo feito com companheiros de quarto, num colégio,
revelou que quanto menos gostavam um do outro, mais susceptíveis
eram de apanhar constipações e gripes, e mais frequentemente
procuravam o médico. John Cacioppo, o psicólogo da
Universidade do Ohio que conduziu este estudo, disse-me: «São
as relações mais importantes na nossa vida, as pessoas que vemos
todos os dias, que parecem ter uma importância crucial para a
nossa saúde. E quanto mais significativa for uma relação, mais influência
terá neste aspecto.»43

233
DANIEL GOLEMAN

O poder curativo do apoio emocional


Em As Alegres Aventuras de Robin dos Bosques, Robin dá o seguinte
conselho a um dos seus jovens seguidores: «Conta-nos os teus
problemas e fala livremente. As palavras libertam sempre o coração
de sofrimentos; é como abrir a comporta quando a represa está a
transbordar.» Este exemplo de sabedoria popular tem grande mérito;
aliviar um coração perturbado parece ser muito bom em termos
médicos. A confirmação científica do conselho de Robin vem de
James Pennebaker, um psicólogo da Southern Methodist University,
que demonstrou numa série de experiências que levar as pessoas
a falarem dos pensamentos que as perturbam tem um efeito médico
benéfico.44 O seu método é notavelmente simples: pede às pessoas
que escrevam, durante quinze ou vinte minutos por dia ao longo de
cinco dias, a respeito de, por exemplo, «a experiência mais traumática
de toda a minha vida», ou alguma premente preocupação do
momento. As pessoas podem conservar para si mesmas tudo aquilo
que escrevem, se assim desejarem.

O resultado líquido desta confissão é impressionante: aumento


da função imunológica, quedas significativas no número de visitas
a centros de saúde durante os seis meses seguintes, menos dias de
falta ao trabalho e inclusivamente um melhor funcionamento das
enzimas do fígado. Além disso, aqueles cujos escritos revelavam
mais sinais de pensamentos turbulentos eram os que registavam
melhoras mais acentuadas da função imunológica. Destas experiências
acabou por emergir, como sendo a maneira mais «saudável» de
ventilar sentimentos perturbadores, um determinado padrão:
de início exprimir um elevado nível de tristeza, ansiedade ou ira —
ou sejam quais forem os sentimentos negativos que o tema evoca —;
depois, ao longo dos dias que se seguem, tecer uma narrativa,
encontrar algum significado no trauma ou vicissitude.

Este processo, evidentemente, parece semelhante ao que acontece


quando as pessoas exploram estes problemas durante as sessões
de psicoterapia. Na realidade, as descobertas de Pennebaker sugerem
uma explicação para o facto de outros estudos mostrarem que
os pacientes aos quais é proporcionada psicoterapia juntamente
com o tratamento cirúrgico ou médico obtêm frequentemente
resultados médicos melhores que aqueles que recebem exclusivamente
tratamento médico.45

234
»
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

A melhor demonstração do poder clínico do apoio emocional é


talvez o que acontece nos grupos de mulheres afectadas por cancro
metástico da mama e estudadas na Stanford University Medicai
School. Após um tratamento inicial, que frequentemente incluíra
cirurgia, os cancros destas mulheres tinham reaparecido e estavam
a espalhar-se por todo o corpo. Era apenas uma questão de tempo,
clinicamente falando, até que a difusão dos cancros as matasse.
O próprio Dr. David Spiegel, que conduziu o estudo, ficou surpreendido
com as descobertas, como todo o resto da comunidade médica:
as mulheres com cancro da mama em estado avançado que iam a
reuniões semanais com outras nas mesmas condições sobreviviam
duas vezes mais tempo que aquelas que sofriam da mesma doença e a
enfrentavam sozinhas.46

Todas as mulheres recebiam os mesmos cuidados médicos; a


única diferença era que algumas frequentavam as sessões de grupo,
onde podiam desabafar com outras que compreendiam o que elas
estavam a sentir e estavam dispostas a ouvi-las falar da sua dor, do
seu medo e da sua revolta. Muitas vezes, as reuniões eram o único
lugar onde podiam discutir abertamente estas emoções, porque as
outras pessoas nas suas vidas receavam falar-lhes a respeito de cancro
e da sua morte iminente. As mulheres que assistiam às reuniões
viviam, em média, mais de trinta e sete meses, enquanto aquelas
que o não faziam morriam, em média, ao décimo nono mês — um
ganho de tempo de vida para além do alcance de qualquer medicação
ou outro tratamento médico. Como me disse o Dr. Jimmie
Holand, psiquiatra-chefe oncologista no Sloan-Kettering Memorial
Hospital, um centro de tratamento do cancro em Nova Iorque:
«Todos os doentes de cancro deviam participar em grupos como
estes.» Sem a mínima dúvida, se se tratasse de alguma droga capaz
de provocar este aumento da esperança de vida, as grandes empresas
farmacêuticas estariam a digladiar-se para produzi-la.

LEVAR A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL


AOS CUIDADOS MÉDICOS

No dia em que um exame de rotina detectou vestígios de sangue


na minha urina, os médicos mandaram-me fazer uma radiografia
para a qual foi necessário injectar-se um constrastante radiactivo.
Fiquei deitado na marquesa, enquanto um aparelho de raios X

235
DANIEL GOLEMAN

suspenso por cima de mim tirava imagens sucessivas da progressão


do contrastante através dos meus rins e bexiga. Tinha companhia
para este exame: um amigo chegado, também ele médico, estava de
visita por alguns dias e ofereceu-se para ir comigo ao hospital. Permaneceu
sentado perto de mim enquanto o aparelho de raios X,
automatizado, mudava de posição para obter novos ângulos, zumbido
e produzindo estalidos.

O exame demorou hora e meia. No final, o nefrologista entrou


na sala, apresentou-se apressadamente e voltou a desaparecer para
ir examinar as radiografias. Não regressou para informar-me do que
tinha encontrado.

Quando saíamos da sala, eu e o meu amigo passámos por ele.


Ainda abalado e um tanto entontecido pelo exame, não tive a presença
de espírito necessária para fazer a pergunta que estivera a
pesar-me na mente toda a manhã. Mas o meu companheiro, o
médico, sim. «Doutor», disse, «o pai do meu amigo morreu de cancro
na bexiga. Ele está ansioso por saber se detectou alguns sinais
de cancro nos raios X.»

«Nenhuma anormalidade», foi a seca resposta do nefrologista,


que se afastou imediatamente, chamado por outros compromissos.

A minha incapacidade de fazer a única pergunta que verdadeiramente


me interessava repete-se milhares de vezes por dia em hospitais
e clínicas por todo o lado. Um estudo feito com pacientes à
espera de consulta revelou que, em média, cada um deles tinha em
mente três ou quatro perguntas para fazer ao médico que ia ver. Mas
quando saíam do consultório, apenas uma pergunta e meia dessas
três, em média, obtivera resposta.47 Esta descoberta é reveladora de
uma das muitas maneiras como as necessidades dos doentes são
ignoradas pela medicina moderna. Perguntas sem resposta alimentam
a incerteza, o medo, as ideias catastróficas. E criam nos pacientes
uma resistência a seguir regimes de tratamento que não compreendem
cabalmente.

São muitas as maneiras pelas quais a medicina pode expandir a


sua visão da saúde de modo a incluir as realidades emocionais da
doença. Para começar, os doentes deveriam receber como questão
de rotina uma informação mais completa, essencial para as decisões
que têm de tomar a respeito do seu próprio tratamento médico;
alguns serviços já oferecem a qualquer consulente uma pesquisa
completa por computador da literatura a respeito dos males que o
afligem, de modo que o paciente possa estar mais à altura de tomar

236
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

juntamente com o seu médico as decisões necessárias.48 Outra abordagem


é constituída por programas que, em poucos minutos, ensinam
os pacientes a interrogar mais eficazmente os respectivos
médicos, de tal maneira que quando tenham três perguntas em
mente enquanto esperam pela consulta, saiam do consultório com
três respostas.49

Aqueles momentos em que os pacientes enfrentam uma intervenção


cirúrgica ou exames intrusivos e dolorosos são sempre carregados
de ansiedade — e constituem uma excelente oportunidade
para lidar com a dimensão emocional. Alguns hospitais criaram serviços
de instruções pré-cirúrgicas que ajudam os doentes a acalmar
os medos e enfrentar o desconforto — por exemplo, ensinando-lhes
técnicas de relaxação, respondendo a perguntas e explicando-lhes
vários dias antes da operação aquilo que provavelmente irão
sentir durante o período de recuperação. O resultado: os pacientes
recuperam da cirurgia em média dois ou três dias mais cedo.50

Estar internado num hospital pode ser uma experiência tremendamente


solitária. Mas alguns hospitais começaram a criar instalações
onde os membros da família podem estar com os doentes,
cozinhando e cuidando deles como fariam em casa — um passo em
frente que, ironicamente, é rotina por todo o Terceiro Mundo.51

O treino de relaxação pode ajudar os doentes a lidar com alguns


dos incómodos que os sintomas provocam, bem como com as emoções
que podem estar a causar ou a exacerbar esses sintomas. A clínica
de Redução do Stress Jon Kabat-Zinn, do Centro Médico da
Universidade do Massachussetts, que oferece cursos de dez semanas
de consciencialização e ioga, é neste aspecto um modelo exemplar;
dá-se especial ênfase a ensinar a pessoa a tomar consciência dos episódios
emocionais à medida que eles acontecem, e a cultivar uma
prática diária que oferece uma relaxação. Diversos hospitais têm
vindo a fazer cópias de vídeos do curso e a disponibilizá-las para
visionamento nos televisores dos doentes — uma dieta emocional
para quem está preso a uma cama muito melhor que a tradicional
dose de telenovelas.32

A relaxação e o ioga estão igualmente no cerne do inovador


programa para o tratamento de doenças cardíacas criado pelo Dr.
Dean Ornish.53 Ao cabo de um ano deste programa, que inclui um
dieta pobre em gorduras, doentes cuja condição cardíaca era suficientemente
grave para aconselhar uma intervenção cirúrgica, conseguiram,
pelo contrário, uma regressão da formação de placa.

237
à\

4
DANIEL GOLEMAN

Disse-me Ornish que o treino de relaxação é uma das partes mais


importantes do programa. Como o aplicado em Kabat Zinn, tira
partido daquilo a que o Dr. Herbert Benson chama «resposta de
relaxação», o oposto fisiológico da excitação provocada pelo stress
e que contribui para um tão grande espectro de problemas médicos.
Finalmente, há o valor clínico acrescentado do médico ou da
enfermeira que sabem mostrar empatia, que se sintonizam com os
doentes, que sabem ouvir e fazer-se ouvir. Isto significa promover
«cuidados centrados no relacionamento», reconhecendo que a relação
entre o médico e o paciente é em si mesma um factor importante.
Uma tal relação seria realmente encorajada se o ensino da
medicina incluísse algumas ferramentas básicas da inteligência
emocional, especialmente a autoconsciência e as artes de sentir
empatia e ouvir.54

EM PROL DE UMA MEDICINA MAIS HUMANA

Estes passos são um começo. Mas para que a medicina possa ampliar
a sua visão de modo a abarcar o impacte das emoções, é primeiro
preciso que duas importantes implicações das descobertas
científicas sejam levadas a sério:

1. Ajudar as pessoas a gerir os seus sentimentos perturbadores — ira,


ansiedade, depressão, pessimismo e solidão — ê uma maneira de
prevenir a doença. Uma vez que os dados provam que a toxicidade
destas emoções, quando crónicas, é equivalente ao hábito
de fumar, ajudar as pessoas a lidar melhor com elas poderia
potencialmente pagar dividendos médicos tão importantes
como ajudar os grandes fumadores a deixarem o tabaco. Uma
maneira de fazê-lo que teria seguramente efeitos sensíveis a
nível de saúde pública seria ensinar às crianças as competências
básicas da inteligência emocional, de modo a transformá-las
em hábitos enraizados. Outra estratégia preventiva altamente
eficaz seria ensinar gestão de emoções às pessoas que se aproximam
da idade da reforma, uma vez que o bem-estar emocional
é um dos factores que determina se a pessoa idosa declina rapidamente
ou continua de boa saúde. Um terceiro grupo-alvo
seriam as chamadas populações de risco — os muito pobres, as
mães solteiras e empregadas, os moradores de zonas com altos

238
t
I*
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

níveis de criminalidade, etc. — que vivem diariamente em


condições de grande tensão e que teriam muito a ganhar, em
termos médicos, se as ajudassem a lidar com o preço emocional
dessas tensões.

2. Muitos pacientes podem beneficiar consideravelmente do facto de as


sidas necessidades emocionais serem atendidas ao mesmo tempo que
as suas necessidades puramente médicas. Embora já seja um passo
dado no sentido de uma medicina mais humana quando um médico
ou uma enfermeira oferecem a um doente perturbado conforto
e carinho, muito mais pode ser feito. Mas os cuidados emocionais
são uma oportunidade demasiadas vezes perdida na
maneira como a medicina é hoje praticada. A despeito da crescente
montanha de dados sobre a utilidade de atender às necessidades
emocionais, bem como de todas as provas em apoio da
ligação entre os centros emocionais do cérebro e o sistema imunológico,
muitos médicos permanecem cépticos no que respeita
à relevância clínica das emoções dos seus doentes, considerando
estes dados e provas como triviais e anedóticos, «marginais»,
ou, ainda pior, como exageros de uns poucos em busca de autopromoção.

Embora cada vez mais pacientes procurem uma medicina mais


humana, esta está ameaçada. Claro que continua a haver numerosos
médicos e enfermeiras dedicados que dão aos seus doentes cuidados
cheios de sensibilidade e ternura. Mas as mudanças que se
verificam na própria cultura médica, crescentemente condicionada
pelos imperativos empresários, estão a tornar estes cuidados cada
vez mais difíceis de encontrar.

Por outro lado, até em termos de negócio uma medicina mais


humana pode revelar-se vantajosa: tratar os doentes emocionalmente
perturbados, está provado, pode poupar dinheiro — especialmente
na medida em que evita ou adia o aparecimento de
doenças, ou ajuda os doentes a curarem-se mais depressa. Num
estudo feito com doentes já de idade que tinham sofrido fractura
do colo do fémur, levado a cabo na Mt. Sinai School of Medicine,
em Nova Iorque, e na Northwestern University, os pacientes que
receberam terapia para a depressão juntamente com os cuidados
ortopédicos normais deixaram o hospital em média dois dias mais
cedo; a economia total no caso destes cem doentes foi de 97 361
dólares em custos médicos.35
239
DANIEL GOLEMAN

Este tipo de cuidados deixa igualmente os doentes mais satisfeitos


com o médico e com o tratamento. No mercado médico que
está a emergir, e em que os doentes têm muitas vezes a possibilidade
de escolher entre planos de saúde concorrentes, o nível de satisfação
entrará sem dúvida na equação dessas decisões tão pessoais
— experiências desagradáveis podem levar os doentes a ir procurar
tratamento noutros lugares, enquanto as experiências agradáveis se
traduzem em fidelidade.

Finalmente, a própria ética médica pode exigir este tipo de abordagem.


Um editorial do Journal of the American Medicai Association,
comentando um relatório em que se afirmava que a depressão aumenta
cinco vezes a probabilidade de morte após um ataque cardíaco,
nota: «A demonstração inequívoca de que factores psicológicos
como a depressão e o isolamento social colocam os pacientes afectados
de doença coronária num risco acrescido, significa que seria contrário
à ética não começar a tratar esses factores.»56

Se as descobertas sobre emoções e saúde significam alguma


coisa, é que um tratamento médico que ignore a maneira como as
pessoas se sentem quando têm de combater uma doença crónica ou
grave deixou de ser adequado. E tempo de a medicina tirar um proveito
mais metódico da ligação entre emoção e saúde. O que hoje
é a excepção poderia — e deveria — tornar-se a regra, de tal modo
que uma medicina mais empenhada esteja ao alcance de todos nós.
Pelo menos, serviria para tornar a medicina mais humana. E, para
alguns, poderia acelerar o curso da convalescença. «Compaixão»,
como um doente disse numa carta que escreveu ao médico que o
tinha operado, «não é apenas segurar a mão. E boa medicina.»57

240
Quarta Parte

Janelas de Oportunidade
12
O Crisol da Família
É uma pequena tragédia familiar. Cari e Ann estão a ensinar a
filha, Leslie, que tem apenas cinco anos, a brincar com um novo
jogo de vídeo. Mas quando Leslie começa a aprender, a ânsia dos
pais em «ajudá-la» parece só servir para complicar as coisas. Ordens
contraditórias voam em todas as direcções.

— Para a direita, para a direita... pára. Pára. Pára! — indica


Ann, a mãe, com a voz a tornar-se-lhe cada vez mais intensa e
ansiosa à medida que Leslie, a chupar o lábio inferior e a olhar para
o visor com os olhos muito abertos, se esforça por cumprir estas
directivas.

— Vês, não estás alinhada... puxa-o para a esquerda! Para a esquerda!


— ordena subitamente Cari, o pai da garota.

Entretanto, Ann, revirando os olhos de frustração, grita por


cima da voz dele:

— Pára! Pára!

Leslie, incapaz de agradar simultaneamente ao pai e à mãe, contorce


a boca, muito tensa, e pisca os olhos já cheios de lágrimas.
Os pais começam a discutir, ignorando as lágrimas da criança:

— Ela não moveu a alavanca assim tanto! — diz Ann, exasperada.

Quando as lágrimas começam a deslizar pelas faces de Leslie, nenhum


dos pais faz qualquer gesto que indique que as notou ou se interessa.
Leslie levanta uma mão, para limpá-las, e o pai ordena-lhe:

— OK, volta a pôr a mão na alavanca... tens de estar pronta


para disparar. Vamos lá.

E a mãe grita-lhe:

— OK, mexe-a só um bocadinho.

Leslie, porém, está agora a chorar mansamente, sozinha com a


sua angústia.

Nestes momentos, as crianças aprendem lições profundas. Para


Leslie, uma conclusão a tirar deste doloroso episódio poderá ser que

243
4
DANIEL GOLEMAN

nenhum dos pais, ninguém, para ser mais exacto, quer saber dos
seus sentimentos.1 Quando momentos como este se repetem vezes
sem conta ao longo da infância, transmitem algumas das mais fundamentais
mensagens emocionais — lições que podem determinar
o curso de uma vida. A vida familiar é a nossa primeira escola para
a aprendizagem emocional; neste caldeirão de intimidade aprendemos
como sentirmo-nos a respeito de nós próprios e como os outros
reagirão aos nossos sentimentos; o que pensar a respeito desses sentimentos
e que escolhas temos ao nosso dispor para reagir; como ler
e exprimir esperanças e medos. Esta aprendizagem emocional funciona
não só através das coisas que os pais dizem e fazem directamente
às crianças, mas também dos modelos que oferecem no modo
como lidam com os seus próprios sentimentos e com aqueles que
passam entre marido e mulher. Alguns pais são professores emocionais
muito dotados; outros são péssimos.

Centenas de estudos provam que o modo como os pais tratam os


filhos — com dura disciplina ou com compreensão empática, com
indiferença ou com ternura, e por aí fora — tem consequências profundas
e duradouras para a vida emocional da criança. Só muito
recentemente, no entanto, surgiram dados concretos mostrando que
o facto de ter pais emocionalmente inteligentes é em si mesmo uma
vantagem enorme para a criança. As maneiras como os membros do
casal lidam com os sentimentos entre ambos — somada aos seus
contactos directos com a criança — transmite poderosas lições aos
filhos, que são alunos argutos, atentos às mais subtis transformações
emocionais na família. Quando equipas de investigação chefiadas
por Carole Hooven e John Gottman, da Universidade de Washington,
fizeram uma microanálise das interacções em casais e das maneiras
como os dois parceiros lidavam com os filhos, descobriram por
aqueles que eram mais emocionalmente competentes no casamento
eram também os que mais eficazmente ajudavam os filhos nos seus
altos e baixos emocionais.2 As famílias foram observadas pela primeira
vez quando um dos seus filhos tinha apenas cinco anos de idade,
e novamente quando essa mesma criança chegava aos nove anos.
Além de observar como os pais falavam um com o outro, a equipa
de investigação acompanhava igualmente a família (incluindo a de
Leslie) quando o pai ou a mãe tentavam ensinar a criança a brincar
com um novo jogo de vídeo — uma interacção aparentemente inócua,
mas muito reveladora das correntes emocionais que passam
entre pai e filho.

244
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Algumas mães e pais eram como Ann e Cari: demasiado exigentes,


perdendo a paciência com a inépcia da criança, erguendo
a voz com nervosismo ou irritação, alguns inclusivamente acusando
a criança de ser «estúpida» — em resumo, cedendo às mesmas
tendências para o desprezo e o enfado que lhes corroíam o casamento.
Outros, pelo contrário, eram pacientes com os erros da
criança, ajudavam-na a aprender o jogo à sua própria maneira em
vez de imporem a vontade paternal. A sessão de jogo de vídeo
revelou-se um barómetro surpreendentemente apurado do estilo
emocional dos pais.

Os três estilos emocionalmente ineptos de lidar com uma criança


mais comuns provaram ser:

• Ignorar completamente os sentimentos da criança. Estes pais tratam


as perturbações emocionais dos filhos como uma ninharia ou
um incómodo, algo que deveriam esperar que passasse.
Negligenciam usar os momentos emocionais como oportunidade
para se aproximarem mais da criança ou ajudarem-na a
aprender lições no campo da competência emocional.

• Ser demasiado «deixar andar». Estes pais apercebem-se de como


os filhos se sentem, mas pensam que qualquer maneira que a
criança arranje de resolver a sua tempestade emocional estará
certa. Como os que ignoram os sentimentos dos filhos, estes pais
raramente intervêm para tentar mostrar à criança uma resposta
emocional alternativa. Tentam apaziguar todas as perturbações,
e recorrem, por exemplo, à negociação ou ao suborno para conseguir
que a criança deixe de estar triste ou zangada.

• Ser desdenhoso, não mostrar respeito por aquilo que a criança sente.
Estes pais são tipicamente severos, duros tanto nas criticas como
nos castigos. Podem, por exemplo, proibir à criança qualquer
sinal de zanga, e castigarem-na ao mais pequeno indício de
irratibilidade. Estes são os pais que gritam furiosamente à criança
que está a tentar contar o seu lado da história: «E não me
respondas!»

Finalmente, há os pais que aproveitam a oportunidade da perturbação


da criança para agirem como treinadores ou mentores
emocionais. Levam os sentimentos dos filhos suficientemente a
sério para tentarem compreender o que é exactamente que está a
perturbá-los («Estás zangado porque o Tommy te magoou?») e aju245
DANIEL GOLEMAN

darem-nos a encontrar maneiras positivas de acalmar as suas emoções


(«Em vez de lhe bateres, porque é que não procuras um brinquedo
com que possas brincar sozinho até teres vontade de brincar
com ele outra vez?»).

Para que os pais possam ser treinadores eficazes a este nível, têm
eles próprios de ter um conhecimento razoável dos rudimentos da
inteligência emocional. Uma das lições emocionais básicas para
uma criança é, por exemplo, como distinguir entre sentimentos; um
pai que não consiga identificar, digamos, a sua própria tristeza, não
poderá ajudar o filho a compreender a diferença entre estar triste
por ter sofrido uma perda, estar triste num filme triste, e a tristeza
que sentimos quando acontece alguma coisa má a alguém de quem
gostamos. Para além desta distinção, há outros conhecimentos mais
sofisticados, como o de que a ira é tantas vezes provocada pelo facto
de nos sentirmos magoados.

A medida que a criança cresce, assim se vão modificando as


lições emocionais específicas para que está preparada — e de que
tem necessidade. Como vimos no Capítulo 7, as lições de empatia
começam na infância, com pais que se sintonizam com os sentimentos
dos seus bebés. Ainda que algumas competências emocionais
sejam apuradas pelo convívio com os amigos ao longo dos
anos, os pais emocionalmente aptos podem fazer muito para ajudar
os filhos em todos os aspectos básicos da inteligência emocional:
aprender a reconhecer, gerir e controlar os sentimentos; sentir
empatia, e lidar com os sentimentos que surgem nos seus relacionamentos.

O impacte na criança deste tipo de educação é extraordinariamente


abrangente.3 A equipa da Universidade de Washington
descobriu que quando os pais são emocionalmente aptos, cornparados
com aqueles que lidam mal com os sentimentos, os filhos
dão-se compreensivelmente melhor com eles, demonstram-lhes
mais afecto e sentem-se menos tensos na sua companhia. Mas para
além disso, estas crianças são também melhores a gerir as suas próprias
emoções, mais capazes de se acalmarem quando perturbadas,
além do que se perturbam menos frequentemente. São, ainda, biologicamente
mais descontraídas, com níveis mais baixos de hormonas
de stress e outros indicadores fisiológicos de extinção emocional
(um padrão que, se mantido ao longo da vida, pode bem augurar
uma melhor saúde física, como vimos no Capítulo 11). Outras vantagens
são de ordem social: estas crianças são mais populares e mais

246
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

apreciadas pelos colegas, e vistas pelos professores como socialmente


mais competentes. Tanto pais como professores referem que
estas crianças têm menos problemas comportamentais, como mácriação
ou agressividade. Finalmente, há os benefícios cognitivos;
estas crianças são mais atentas, e portanto aprendem melhor.
Considerando um QI constante, as crianças de cinco anos cujos
pais eram bons «treinadores» emocionais obtiveram melhores notas
em matemática e leitura quando chegaram ao terceiro ano (um argumento
poderoso a favor de se ensinarem às crianças as cornpetências
emocionais, de modo a prepará-las tanto para a escola como
para a vida). Em suma, o lucro para as crianças filhas de pais
emocionalmente aptos é uma surpreendente — quase espantosa —
gama de vantagens que cobre, e ultrapassa, o espectro da inteligência
emocional.

UM bom COMEÇO

O impacte na competência emocional da maneira como os pais


lidam com a criança começa no berço. O Dr. T. Berry Brazelton, o
eminente pediatra de Harvard, tem um teste-diagnóstico muito
simples para medir a perspectiva básica da criança em relação à
vida. Oferece dois blocos a uma criança de oito meses, e em seguida
mostra-lhe como pretende que ela os junte. A criança que tem
esperança na vida, que tem confiança nas suas próprias capacidades,
diz Brazelton,

pega num dos blocos, leva-o à boca, esfrega-o no cabelo, deita-o da


mesa abaixo, para ver se vamos apanhá-lo. Quando o fazemos, ela
completa finalmente a tarefa que lhe foi pedida: juntar os dois blocos.
Depois olha para nós com uns olhos brilhantes e uma expressão
de expectativa que diz: «Então, sou ou não sou bom! »4

As crianças assim tiveram uma boa dose de encorajamento e


aprovação por parte dos adultos; esperam enfrentar com êxito os
pequenos desafios da vida. Pelo contrário, as crianças oriundas de
lares demasiado áridos, caóticos, ou desinteressados abordam esta
mesma pequena tarefa de uma maneira reveladora de que já estão à
espera de fracassar. Não que não consigam juntar os blocos; compreendem
a instrução e possuem a coordenação motora para fazê-lo.

247
DANIEL GOLEMAN

Mas mesmo quando o fazem, diz Brazelton, todo o seu ar é de «vencido»,


com uma expressão que diz: «Não presto, estão a ver, falhei.»
Estas crianças atravessarão provavelmente a vida com uma perspectiva
derrotista, sem esperarem encorajamento nem interesse por
parte dos professores, incapazes de encontrar alegria na escola, acabando
em muitos casos por abandoná-la.

A diferença entre as duas filosofias de vida — as crianças que são


confiantes e optimistas e aquelas que já esperam falhar — começa
a ganhar forma logo nos primeiros anos de vida. Os pais, diz Brazelton,
«precisam de compreender como as suas acções podem contribuir
para gerar a confiança, a curiosidade, o prazer em aprender e a
compreensão dos limites» que ajudam as crianças a ser bem sucedidas
na vida. O seu conselho é apoiado por um crescente corpo de
provas demonstradas de que o êxito escolar depende, numa surpreendente
medida, de características emocionais formadas anos
antes de a criança entrar para a escola. Como vimos no Capítulo 6,
por exemplo, a capacidade de uma criança de quatro anos de agarrar
um rebuçado prediz uma vantagem de 210 pontos na sua pontuação
SAT catorze anos mais tarde.

A primeira oportunidade para dar forma aos ingredientes da


inteligência emocional surge nos primeiríssimos anos, embora essas
capacidades continuem a ser formadas ao longo dos anos de escola.
As aptidões que a criança adquire mais tarde na vida têm por base
as que adquiriram nos primeiros anos. E essas aptidões, como vimos
no Capítulo 6, são o alicerce essencial de toda a aprendizagem. Um
relatório do Centro Nacional de Programas Clínicos Infantis afirma
que o êxito escolar tem menos a ver com o capital de factos que
a criança possui ou com uma habilidade precoce para a leitura do
que com medições de ordem social e emocional: ser autoconfiante
e interessada; saber que espécie de comportamento se espera dela e
saber controlar o impulso para portar-se mal; saber esperar, seguir
instruções e procurar ajuda junto dos professores, e expressar as suas
necessidades dando-se bem com as outras crianças.5

A quase todos os alunos que obtêm maus resultados na escola,


diz o relatório, falta um ou mais destes elementos da inteligência
emocional (independentemente de também terem ou não dificuldades
cognitivas, como a incapacidade de aprender). A magnitude
do problema não é dispicienda; em alguns estados (estamos, naturalmente,
a falar dos Estados Unidos), cerca de uma em cada cinco
crianças tem de repetir o primeiro ano, e depois, à medida que o

248
I

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

tempo passa, vão ficando ainda mais para trás, tornando-se cada vez
mais desencorajadas, ressentidas, perturbadas e perturbadoras.

A preparação de uma criança para a escola depende do mais


básico de todos os conhecimentos: como aprender. O relatório refe’
re os sete ingredientes-chave desta aptidão — todos eles relacionados
com a inteligência emocional:6

1. Confiança. Uma sensação de controlo e domínio do próprio corpo,


comportamento e mundo; a sensação que a criança tem de
que muito provavelmente será bem sucedida naquilo que tentar,
e que os adultos a ajudarão.

2. Curiosidade. A sensação de que descobrir coisas é positivo


e conduz ao prazer.

3. Intencionalidade. O desejo e a capacidade de ter um impacte,


e esforçar-se por isso com persistência. Isto relaciona-se com a
sensação de competência, de ser eficaz.

4. Autocontrolo. A capacidade de modular e controlar as próprias


acções de maneiras adequadas à idade; uma sensação de controlo
interior.

5. Capacidade de relacionar-se. Saber lidar com os outros com base


numa sensação de ser compreendido e compreender.

6. Capacidade de comunicar. O desejo e a habilidade de trocar verbalmente


ideias, sentimentos e conceitos com outras pessoas.
Isto relaciona-se com ter confiança nos outros e prazer em relacionar-se
com eles, incluindo os adultos.

7. Cooperação. A capacidade de equilibrar as próprias necessidades


com as dos outros, em actividades de grupo.

Se a criança chega ou não ao primeiro ano da escola primária


dotada destas capacidades depende largamente de os pais, e os professores
pré-primários, lhe terem dado ou não as bases suficientes
para um bom começo.

APRENDER AS BASES DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Digamos que um bebé de dois meses acorda às 3 da madrugada


e começa a chorar. A mãe acorre e, durante a meia hora seguinte,
o bebé toma o biberão aconchegadamente instalado nos seus braços,
enquanto ela o olha afectuosamente e lhe diz que está feliz por

249
DANIEL GOLEMAN

vê-lo, mesmo a meio da noite. O bebé, seguro do amor da mãe,


volta a adormecer.

Digamos agora que a um outro bebé de dois meses, que também


acordou a chorar a altas horas da madrugada, aparece uma mãe tensa
e irritada, porque adormeceu há apenas uma hora depois de ter
tido uma discussão com o marido. O bebé começa a ficar tenso no
instante em que a mãe lhe pega abruptamente, dizendo-lhe: «Está
calado... Já não estou capaz de suportar mais nada! Vamos, acaba lá
com isso.» Enquanto lhe dá o biberão, esta mãe olha sombriamente
em frente, e não para ele, revendo a discussão com o marido, tornando-se
cada vez mais agitada à medida que a vai remoendo. O bebé,
sentindo-lhe a tensão, agita-se, põe-se rígido, e pára de mamar.
«Não queres mais?», diz a mãe. «Então não comas.» com a mesma
brusquidão, volta a deitá-lo no berço e vai-se embora, deixando-o
chorar até acabar por adormecer, exausto.

Estes dois cenários são apresentados no relatório do Centro


Nacional de Programas Clínicos Infantis como exemplos dos tipos
de interacção que, se frequentemente repetidos, instilam na criança
sentimentos muito diferentes a respeito de si mesma e dos que lhe
são mais chegados.7 A primeira criança aprende que pode contar
com as pessoas, que elas se apercebem das suas necessidades e a ajudarão,
que possui meios eficazes de pedir ajuda; a segunda descobre
que ninguém quer saber dela, que não pode contar com ninguém e
que os seus esforços para pedir ajuda estão condenados ao fracasso.
Claro que a maior parte das crianças tem pelo menos uma experiência
destes dois tipos de interacção. Mas conforme um ou outra
sejam típicas da maneira como os pais tratam a criança ao longo dos
anos, esta recebe lições emocionais básicas a respeito do seu grau de
segurança neste mundo, de quão eficaz tem o direito de sentir-se e
de em que medida pode contar com os outros. Erik Erikson põe
a questão em termos de saber se a criança passará a sentir uma
«confiança básica» ou uma desconfiança básica.

Esta aprendizagem emocional começa nos primeiros momentos


da vida e continua ao longo de toda a infância. Todas as pequenas
trocas entre pais e filhos têm uma legendagem emocional, e é a partir
da repetição destas mensagens através dos anos que a criança
forma o núcleo das suas perspectivas e capacidades emocionais.
A menina que não consegue fazer um puzzle e pede ajuda à mãe,
que está ocupada, recebe uma mensagem se a resposta da mãe for
prontificar-se a ajudá-la com um sorriso de prazer, e outra muito

250
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

diferente se essa resposta for um seco: «Não me incomodes agora.


Não vês que estou a fazer uma coisa importante?» Quando estes
encontros se tornam típicos da relação entre pai e filho, moldam as
expectativas emocionais da criança a respeito dos seus relacionamentos,
criando perspectivas que influenciarão o seu comportamento
por toda a vida, para o melhor ou para o pior.

Os riscos são maiores para aquelas crianças filhas de pais flagrantemente


inaptos — imaturos, drogados, deprimidos ou cronicamente
zangados, ou apenas desprovidos de um objectivo e vivendo
vidas caóticas. Estes pais são muito menos capazes de dar à criança
os cuidados necessários, quanto mais sintonizarem-se com as suas
necessidades emocionais. A simples negligência, está provado por
vários estudos, pode ser mais perniciosa do que os maus tratos descarados.8
Um estudo feito com crianças maltratadas chegou à conclusão
de que as abandonadas eram as que se encontravam em
piores condições: eram as mais ansiosas, desatentas e apáticas, alternadamente
agressivas e retiradas. A taxa de repetições no primeiro
ano escolar situava-se entre elas nos 65 por cento.

Os primeiros três ou quatro anos de vida são o período em que


o cérebro da criança cresce até atingir cerca de dois terços do seu
volume definitivo, além do que evolui em complexidade a um
ritmo mais rápido do que em qualquer outra altura da vida. Durante
este período as formas-chave de aprendizagem ocorrem mais facilmente
do que em épocas posteriores da vida — sobretudo da aprendizagem
emocional. E uma época em que uma tensão grave pode
afectar os centros de aprendizagem do cérebro (e deste modo ser
prejudicial para o intelecto). Ainda que, como veremos, isto possa
ser de certa maneira remediado por outras experiências mais tarde
na vida, o impacte desta aprendizagem inicial é profundo. As consequências
a longo prazo das lições básicas emocionais dos primeiros
quatro anos de vida podem ser extremamente graves:

Uma criança que não consegue fixar a atenção, que é desconfiada


em vez de confiante, triste ou zangada em vez de optimista,
destrutiva em vez de respeitadora, uma criança que esteja
constantemente dominada pela ansiedade, preocupada com fantasias
aterradoras e se sinta de um modo geral infeliz consigo mesma
— essa criança tem muito poucas oportunidades, quanto mais
oportunidades iguais, de reclamar como suas as possibilidades que
o mundo oferece.9

251
1
DANIEL GOLEMAN

COMO CRIAR UM RUFIÃO

Os estudos longitudinais, como o que envolveu 870 crianças do


estado de Nova Iorque que foram acompanhadas desde os oito até
aos trinta anos,10 ensinam-nos muito sobre as consequências de ser
criado por pais emocionalmente ineptos — sobretudo no que respeita
ao nível de agressividade. As mais beligerantes destas crianças
— as mais propensas a envolverem-se em brigas e as que recorriam
habitualmente à força para obterem aquilo que queriam — eram
também as que mais provavelmente acabavam por abandonar a
escola e tinham, aos trinta anos, um cadastro de crimes violentos.
Pareciam igualmente transmitir esta propensão para a violência: os
seus filhos eram, na escola, tão rufiões e delinquentes como os pais
tinham sido.

Há aqui uma lição sobre a maneira como a agressividade é passada


de geração em geração. Pondo de parte quaisquer propensões
hereditárias, os pequenos rufiões agiam, quando adultos, de uma
maneira que fazia da vida familiar uma escola de agressão. Como
crianças, tinham tido pais que os disciplinavam com uma severidade
arbitrária e impiedosa; como pais, repetiam o padrão. Isto era
verdade quer tivesse sido o pai ou a mãe que, na infância, aparecessem
como figuras altamente agressivas. As raparigas agressivas mostravam-se
tão arbitrárias e violentas ao tornarem-se mães como os
rapazes agressivos ao tornarem-se pais. E embora castigassem os filhos
com particular severidade, exceptuando isso não mostravam
qualquer interesse especial pelas suas vidas, ignorando-os pura e
simplesmente a maior parte do tempo. Simultaneamente, estes pais
ofereciam aos filhos um exemplo vívido — e violento — de agressividade,
um modelo que as crianças levavam consigo para a escola e
para o recreio, e seguiam ao longo de toda a vida. Os pais não eram
necessariamente maus, nem deixavam de querer o melhor para os
filhos; pareciam estar apenas a repetir o estilo de educação que lhes
fora ministrado pelos seus próprios pais.

Neste modelo de violência, as crianças eram disciplinadas de


uma forma caprichosa: se os pais estavam de mau humor, castigavam-nas
severamente por tudo e por nada; se estavam de bom
humor, podiam pôr a casa de pernas para o ar. Assim, o castigo não
era uma consequência daquilo que tinham feito, mas de como os

252
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

pais se sentiam no momento. Esta é a receita para sentimentos de


incapacidade e impotência, e para a sensação de que as ameaças
estão em todo o lado e podem atacar a qualquer momento. Vistas à
luz da vida familiar que as cria, a combatividade e a atitude desafiadora
destas crianças face ao mundo em geral até faz um certo sentido,
por muito infeliz que seja. O que é descoroçoante é saber quão
cedo na vida estas terríveis lições podem ser aprendidas, e quão dramáticos
os custos podem revelar-se para a vida emocional da criança.

MAUS TRATOS: A EXTINÇÃO DA EMPATIA

Na confusão da brincadeira, Martin, de apenas dois anos e


meio, chocou com uma garotinha que, inexplicavelmente, começou
a chorar. Martin tentou pegar-lhe na mão, mas quando ela se afastou,
soluçante, deu-lhe uma palmada num braço.

Ao ver que ela não parava de chorar, Martin desviou os olhos e


começou a repetir, gritando: «Pára com isso! Pára com isso!», cada
vez mais alto e mais depressa.

Martin fez então nova tentativa de acariciá-la, mas ela voltou a


resistir. Desta vez Martin arreganhou os lábios, como um cão a rosnar,
bufando para a garota.

Mais uma vez, Martin tentou acarinhá-la, mas as palmadinhas


que lhe dava nas costas depressa se transformaram em pancadas, e
Martin continuou a bater na pobre garota a despeito dos seus gritos.

Este perturbador episódio testemunha como os maus tratos


— ser espancada repetidamente, ao sabor do mau humor dos pais —
destrói a inclinação natural da criança para a empatia.11 A estranha,
quase violenta resposta de Martin às lágrimas da companheira de
brinquedos é típica das crianças como ele, vítimas de espancamentos
e outros maus tratos físicos desde a mais tenra infância. Esta resposta
representa um gritante contraste com os habituais rogos e
tentativas dos pequenitos para acalmar um companheiro que chora,
conforme vimos no Capítulo 7. A reacção violenta de Martin reflecte
provavelmente as lições que ele próprio aprendeu em casa no
que respeita às lágrimas e à angústia: o choro tem como resposta um
seco gesto de consolo, mas, se continua, a progressão vai dos olhares
duros e dos gritos até às pancadas. E, o que é talvez ainda mais
perturbador, parece faltar já a Martin o mais primitivo de todos os

253
DANIEL GOLEMAN

tipos de empatia: o instinto de não agredir alguém que já está magoado.


com dois anos e meio, revela os incipientes impulsos morais
de um bruto sadista e cruel.

A maldade de Martin em vez de empatia é típica de outras


crianças como ele que, numa tenra idade, estão já marcadas pelos
severos maus tratos físicos e emocionais que sofrem em casa. Martin
fazia parte de um grupo de nove crianças nestas condições, com idades
entre um e dois anos e meio, observadas durante duas horas na
creche onde se encontravam. Estas crianças foram comparadas com
outras nove da mesma creche, igualmente oriundas de famílias
pobres e ambientes de alta tensão, mas que não eram maltratadas.
A diferença na maneira como os membros de ambos os grupos reagiam
quando uma outra criança se magoava ou começava a chorar
era gritante. Em vinte e três incidentes teste-tipo, cinco das nove
crianças que não sofriam maus tratos reagiram à perturbação de um
colega com preocupação, tristeza ou empatia. Mas nos vinte e sete
casos em que as crianças maltratadas tiveram a ocasião de fazer o
mesmo, nenhuma delas mostrou o mais pequeno sinal de preocupação;
em vez disso, reagiram às lágrimas do colega com expressões
de medo, ira, ou, como no caso de Martin, com um ataque físico.

Uma garotinha maltratada, por exemplo, fez uma careta feroz,


ameaçadora, a uma outra que tinha começado a chorar. Thomas,
com um ano de idade, ficou petrificado de terror ao ouvir outra
criança chorar do outro lado da sala; permaneceu absolutamente
imóvel, com uma expressão de medo no rosto, com as costas rígidas,
cada vez mais tenso à medida que o choro continuava — como
se ele próprio se preparasse para um ataque. Kate, de vinte e oito
meses, também ela uma criança maltratada, foi quase sadista: chegando-se
a Joey, um garoto mais pequeno, derrubou-o com uma rasteira,
e quando o viu caído pôs-se a olhar para ele ternamente enquanto
lhe dava suaves palmadinhas nas costas — transformando
gradualmente as palmadinhas em violentas pancadas, alheia ao
choro do infeliz. Continuou a bater-lhe, inclinando-se para dar-lhe
mais seis ou sete murros, até que ele se fastou, a rastejar.

Estas crianças, é evidente, tratam as outras como elas próprias


são tratadas. E a crueldade de que dão provas é apenas uma versão
mais extrema da que se verifica noutras crianças cujos pais são excessivamente
críticos, ameaçadores e severos nos seus castigos.
Estas crianças tendem também a mostrar indiferença quando os
colegas se magoam ou choram; parecem representar uma extremi254
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

dade do contínuo de frieza que culmina na brutalidade da criança


maltratada. A medida que vão progredindo na vida, têm, como
grupo, mais probabilidades de sentir dificuldades cognitivas na
aprendizagem, de serem mais agressivas e menos populares entre os
colegas (o que não espanta, se a dureza de que dão provas na creche
é uma amostra do que está para vir), mais propensas a depressões e,
como adultos, de arranjarem mais sarilhos com a lei e de cometerem
mais crimes violentos.’2

A falta de empatia repete-se por vezes, senão mesmo frequentemente,


de geração em geração, com pais brutais que foram por sua
vez brutalizados pelos seus próprios pais durante a infância.” Isto representa
um dramático contraste com a empatia geralmente demonstrada
pelos filhos de pais carinhosos, que os encorajaram a
mostrar preocupação pelos outros e a compreender como a maldade
faz as outras crianças sentirem-se. Faltando-lhes estas lições de
empatia, estas crianças parecem não saber sequer o que isso seja.

O que é talvez mais perturbador nestas crianças maltratadas é


ver quão cedo elas parecem aprender a reagir como versões miniaturizadas
dos respectivos pais. Mas considerando os espancamentos
que por vezes recebem como dieta diária, as lições emocionais são
mais do que claras. Recordemos que é nos momentos em que a
paixão nos domina ou uma crise está no seu auge que as tendências
primitivas dos centros límbicos do nosso cérebro assumem o papel
mais dominante. Nesses momentos, os hábitos que o cérebro emocional
aprendeu repetidamente vêm ao de cima, para o melhor ou
para o pior.

Ver como o próprio cérebro é enformado pela brutalidade — ou


pelo amor — sugere que a infância representa uma janela especial
de oportunidade para as lições emocionais. Estas infelizes crianças
foram sujeitas desde muito cedo a uma dieta constante de trauma.
O paradigma mais instrutivo para compreender o tipo de aprendizagem
emocional a que as crianças maltratadas são sujeita será talvez
ver como o trauma pode deixar no cérebro uma marca duradoura
— e como até estas cicatrizes selvagens podem ser saradas.

255
13

Trauma e
Reaprendizagem Emocional
Som Chit, uma refugiada cambojana, recusou quando os três filhos
lhe pediram que lhes comprasse espingardas automáticas AK47
de brinquedo. Os três garotos — de seis, nove e onze anos —
queriam as espingardas para uma brincadeira que costumavam fazer
na escola e se chamava Purdy. No jogo, Purdy, o mau, usa uma
espingarda automática para matar um grupo de crianças, após o que
se suicida. Por vezes, no entanto, as crianças modificam o fim da
brincadeira: são elas quem mata Purdy.

Purdy era a macabra reconstituição feita por alguns dos sobreviventes


dos catastróficos acontecimentos ocorridos a 17 de Fevereiro
de 1989 na Cleveland Elementary School em Stockton, Califórnia.
Aí, durante, o último intervalo para os alunos dos primeiro, segundo
e terceiro anos, Patrick Purdy — que frequentara aquela mesma
escola elementar vinte e tal anos antes — chegou-se à beira do pátio
de recreio e disparou rajadas de projécteis de 7,22 milímetros
contra as centenas de crianças que ali brincavam. Durante sete minutos,
Purdy metralhou o recreio, após o que levou uma pistola à
cabeça e se matou. Quando a polícia chegou, cinco crianças jaziam
mortas, e vinte e nove estavam feridas.

Ao longo dos meses que se seguiram, o jogo do Purdy surgiu espontaneamente


nas brincadeiras de rapazes e raparigas na Cleveland
Elementary, um dos muitos sinais de que aqueles sete minutos
e as suas consequências estavam marcados a fogo na memória das
crianças. Quando visitei a escola, que fica a um curto passeio de bicicleta
do bairro junto à Universidade do Pacífico onde eu próprio
cresci, tinham-se passado cinco meses desde que Purdy transformara
aquele recanto num pesadelo. A sua presença era ainda palpável,
embora as mais macabras reminiscências do tiroteio — buracos de
bala, poças de sangue, pedaços de carne, pele e osso — tivessem
desaparecido logo na manhã seguinte.

256
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Por essa altura, as cicatrizes mais profundas na Cleveland Elementary


já não estavam nos edifícios, mas nas psiques dos alunos e
do pessoal, que se esforçavam por continuar a viver como sempre.1
O mais impressionante era talvez a maneira como a recordação
daqueles poucos minutos era revivida uma e outra vez por cada pequeno
pormenor que com eles de algum modo se relacionasse, por
pouco que fosse. Uma das professoras disse-me, por exemplo, que
uma vaga de emoção se apoderara da escola quando fora anunciada
a aproximação do dia de São Patrício (St. Patrick, santo padroeiro
da Irlanda): algumas das crianças foram buscar, sabe-se lá porquê,
a ideia de que a festa se destinava a homenagear o assassino,
Patrick Purdy.

«Sempre que ouvimos uma ambulância a caminho da casa de


repouso, ao fim da rua, tudo pára», disse-me outro professor. «As
crianças ficam à espera de ver se vai deter-se aqui ou seguir em frente.»
Durante semanas, muitas das crianças viveram apavoradas com
os espelhos dos lavabos; corria pela escola o boato de que a «Virgem
Maria Sangrenta», uma qualquer espécie de monstro fantástico, se
escondia neles. Semanas depois do tiroteio, uma garota aterrorizada
entrou a correr pelo gabinete do director da escola, Pat Busher,
gritando: «Estou a ouvir tiros! Estou a ouvir tiros!» O som era produzido
pelo bater das cordas do mastro da bandeira do pátio, provocado
pelo vento.

Muitas das crianças tornaram-se hipervigilantes, como que continuamente


em guarda contra a repetição do terror; alguns rapazes
e raparigas ficavam-se pelos umbrais das portas das salas de aula,
não se atrevendo a pôr os pés no pátio onde ocorrera a matança.
Outros só brincavam em pequenos grupos, deixando um dos cornpanheiros
de sentinela. Muitos continuavam durante meses a evitar
as áreas «más», onde os colegas tinham morrido.

As recordações perduraram ainda em sonhos perturbadores, que


se insinuavam como intrusos nos espíritos desprotegidos das crianças
enquanto dormiam. Além de pesadelos em que de uma ou outra
forma reviviam o tiroteio, as crianças tinham sonhos ansiosos que
as deixavam preocupadas com a possibilidade de também elas morrerem
em breve. Algumas tentavam dormir de olhos abertos, para
não sonharem.

Todas estas reacções são bem conhecidas dos psiquiatras como


fazendo parte da síndroma do stress pós-traumático, ou SPT. No
cerne deste trauma, diz o Dr. Spencer Eth, um psiquiatra infantil

257
DANIEL GOLEMAN

que se especializou em SPT em crianças, está «a recordação intrusiva


da acção violenta central: o último golpe dado com um punho,
o descer de uma faca, o tiro de uma caçadeira. As recordações são
experiências perceptuais intensas — a visão, o som e o cheiro de
um tiro; os gritos ou o súbito silêncio da vítima; o espadanar do sangue;
as sereias da polícia».

Estes momentos vívidos, aterradores, dizem agora os neurocientistas,


tornam-se recordações gravadas nos circuitos emocionais. Os
sintomas são, como efeito, indícios da acção de uma amígdala
sobreexcitada que incita as recordações vivas de um momento traumático
a continuarem a intrometer-se na consciência. Como tais,
as recordações traumáticas convertem-se em desencadeadores mentais,
prontos a fazer soar o alarme à menor sugestão de que o temido
momento está prestes a acontecer outra vez. Este fenómeno é
uma das marcas características de todos os géneros de trauma emocional,
incluindo os que resultam de sofrer repetidos maus tratos
físicos durante a infância.

Qualquer acontecimento traumatizante pode implantar na amígdala


este tipo de memórias «disparadoras»: um incêndio ou um acidente
de automóvel, passar por uma catástrofe natural, como um
tremor de terra ou um furacão, ser violada ou vítima de um assalto.
Todos os anos, centenas de milhar de pessoas conhecem uma destas
experiências, e muitas, senão mesmo a maioria, sai delas com a
espécie de ferimento emocional que deixa a sua marca no cérebro.

Os actos violentos são mais perniciosos do que as catástrofes


naturais porque, ao contrário da vítima de um furacão, por exemplo,
a vítima de um assalto sente que foi intencionalmente escolhida
como alvo de uma malevolência. O facto destrói as suposições a
respeito da confiança que se pode ter nas pessoas e da segurança do
mundo interpessoal, uma suposição que a catástrofe natural não
abala. No espaço de um instante, o mundo social torna-se um lugar
perigoso, onde as outras pessoas representam uma ameaça potencial
à nossa segurança.

A crueldade humana grava nas recordações das suas vítimas


uma matriz que encara com medo tudo o que mesmo vagamente se
assemelhe ao ataque propriamente dito. Um homem que levou uma
pancada na cabeça, sem nunca ter chegado a ver o seu atacante
ficou de tal maneira amedrontado que depois disso se esforçava
sempre por caminhar na rua imediatamente à frente de uma velhota,
para ter a certeza de que não voltava a ser agredido por trás.2

258
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Uma mulher que foi assaltada por um indivíduo que entrou com ela
num elevador e a obrigou, à ponta de faca, a sair num andar desocupado,
recusou-se durante semanas a entrar não só num elevador,
mas também numa carruagem de metropolitano ou outro qualquer
espaço fechado onde pudesse sentir-se encurralada; saiu a correr do
banco quando viu um homem levar a mão ao bolso do casaco, como
o seu assaltante tinha feito.

A gravação do horror na memória — e a hipervigilância resultante


— podem durar uma vida inteira, como um estudo feito
com sobreviventes do Holocausto concluiu. Quase cinquenta anos
depois de terem estado à beira da morte pela fome, da chacina dos
seres amados e do terror constante dos campos da morte nazis, as
terríveis recordações continuavam vivas. Um terço dos inquiridos
afirmava sentirem-se de um modo geral temerosos. Quase três quartos
declararam que ainda se sentiam ansiosos face a qualquer coisa
que lhes recordasse a perseguição nazi, como avistar um uniforme,
uma pancada na porta, cães a ladrar, ou fumo a sair de uma chaminé.
Cerca de 60 por cento disseram pensar no Holocausto quase
todos os dias, mesmo meio século mais tarde; dos que apresentavam
sintomas activos, oito em cada dez ainda sofriam de pesadelos repetidos.
Nas palavras de um sobrevivente: «Quem passou por
Auschwitz e não tem pesadelos, é porque não é normal.»

O HORROR PERPETUADO NA MEMÓRIA

Estas palavras são de um veterano da guerra do Vietname, com


quarenta e oito anos, e foram ditas cerca de vinte e quatro anos
depois de ter passado por um momento de horror numa terra distante:

Não consigo afastar as recordações do meu espírito! As imagens


estão sempre a voltar cheias de pormenores, provocadas pelas
coisas mais comezinhas, como o bater de uma porta, avistar uma
mulher oriental, o toque de uma esteira de bambu, ou o cheiro de
carne de porco frita. Ontem à noite fui para a cama e, para variar,
estava a dormir bem. Então, ao começo da madrugada, houve uma
tempestade, com raios e trovões. Acordei no mesmo instante,
petrificado de medo. Estou outra vez no Vietname, no meio da
estação da monção, no meu posto de sentinela. Estou convencido

259
DANIEL GOLEMAN

de que serei atingido pela próxima rajada e sei que you morrer.
Tenho as mãos geladas, mas o suor escorre-me de todo o corpo.
Sinto os cabelos eriçarem-se-me na nuca. Não consigo respirar e o
; coração bate-me com força. Sinto um cheiro húmido, sulfuroso.
Subitamente, vejo o que resta do meu amigo Troy... numa bandeja
de bambu, enviada ao nosso acampamento pelo Vietcong... O
próximo relâmpago e o trovão que se segue fazem-me dar um salto
tão grande que caio no chão.3

Esta recordação horrível, vividamente fresca e pormenorizada


passadas mais de duas décadas, continua a ter a capacidade de provocar
neste ex-soldado o mesmo pavor que sentiu naquele dia fatídico.
A SPT representa um abaixamento perigoso do ponto de alarme
neuronal, levando a pessoa a reagir aos momentos normais da
vida como se fossem emergências. O circuito de sequestro que discutimos
no Capítulo 2 parece desempenhar um papel crucial neste
fenómeno de registo na memória: quanto mais brutais, chocantes e
horrendos forem os acontecimentos que desencadeiam o sequestro
da amígdala, mais indelével será a gravação. A base neuronal para
estas recordações parece ser uma total alteração da química do cérebro
provocada por um único instante de terror intenso.4 Embora as
descobertas do SPT se baseiem tipicamente no impacte de um
único episódio, resultados semelhantes podem decorrer de crueldades
infligidas ao longo de um período de anos, como o caso das
crianças que são sujeitas a abusos sexuais ou a maus tratos físicos ou
emocionais.

Os trabalhos mais pormenorizados a respeito destas alterações


do cérebro estão a ser feitos no National Center for Post-Traumatic
Disorder, uma rede de investigação baseada nos hospitais da Veteran’s
Administration, onde se encontram numerosos pacientes de
SPT entre os veteranos do Vietname e de outras guerras. É de estudos
com estes veteranos que vem a maior parte do nosso conhecimento
sobre o SPT. Mas estas descobertas aplicam-se igualmente às
crianças que sofreram graves traumas emocionais, como os alunos
da Cleveland Elementary.

«As vítimas de um trauma devastador podem nunca mais voltar


a ser as mesmas biologicamente», disse-me o Dr. Dennis Charney.5
Psiquiatra em Yale, Charney é director de neurociência clínica no
National Center. «Não importa se foi o incessante terror do cornbate,
da tortura ou os contínuos maus tratos quando criança, ou

260
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

uma experiência única, como ser apanhado num furacão ou quase


morrer afogado num acidente de automóvel. Todos os episódios de
stress incontrolável podem ter o mesmo impacte biológico.»

Aqui a palavra fundamental é incontrolável. Quando as pessoas


sentem que há alguma coisa que podem fazer numa situação catastrófica,
um mínimo de controlo que podem exercer, por pouco que
seja, saem-se muito melhor do que aqueles que se sentem completamente
impotentes. O elemento de impotência é o que torna um
dado acontecimento subjectivamente esmagador. Como me disse o
Dr. John Krystal, director do Laboratório de Psicofarmacologia do
centro: «Digamos que alguém que está a ser atacado com uma faca
sabe como defender-se e age em consequência, enquanto outra pessoa
nas mesmas circunstâncias pensa ”Estou morto.” Mais tarde, a
pessoa que se sentiu impotente é a que tem mais probabilidade de
vir a sofrer de SPT. É a sensação de que a nossa vida está em perigo
e de que nada podemos fazer para evitá-lo — é nesse instante que
se inicia a alteração no cérebro.»

A impotência como factor que desencadeia o SPT tem aparecido


em dezenas de estudos laboratoriais com pares de ratos, cada
um deles numa gaiola diferente, ambos a receberem ligeiros — mas
para um rato bastante perturbadores — choques eléctricos de
intensidade igual. Um dos ratos tem uma alavanca na sua gaiola;
quando o rato empurra a alavanca, os choques cessam nas duas
gaiolas. Durante dias e semanas, os dois ratos recebem exactamente
a mesma quantidade de choques. Mas aquele que tem a possibilidade
de fazê-los parar sai da experiência sem quaisquer sinais
duradouros de stress. E só no que está impotente que ocorrem as
alterações cerebrais induzidas pelo stress.6Para uma criança que está
a ser alvejada a tiro no recreio da escola — ou para o professor que
assiste sem possibilidade de pôr termo à carnificina — a sensação de
impotência há-de ser algo muito palpável.

SPT COMO UMA DESORDEM LIMBICA

Havia já vários meses que um grande tremor de terra a fizera


saltar da cama e, gritando de terror, atravessar a casa às escuras para
ir buscar o filho de quatro anos. Passaram horas ao frio da noite de
Los Angeles, abrigados sob o umbral de uma porta, sem água, sem
comida e sem luz, enquanto vagas sucessivas de réplicas sacudiam
DANIEL GOLEMAN

o chão debaixo dos seus pés. Agora, meses mais tarde, recuperara
quase completamente do pânico que a dominara durante os primeiros
dias que se tinham seguido, quando o bater de uma porta era o
suficiente para a pôr a tremer de medo. O único sintoma que perdurava
era a incapacidade de dormir, um problema que só surgia
quando o marido não estava em casa — como acontecera na noite
do terramoto.

Os principais sintomas deste medo aprendido — incluindo os


do tipo mais intenso, SPT — têm a sua explicação em alterações
dos circuitos límbicos centrados na amígdala.7 Algumas das modificações-chave
registam-se no locus ceruleus, uma estrutura que regula
a secreção por parte do cérebro de duas substâncias chamadas
catecolaminas: adrenalina e noradrenalina. Estes neuroquímicos
mobilizam o corpo para uma emergência; esta mesma descarga de
catecolaminas grava a memória com especial intensidade. No SPT,
este sistema torna-se hiper-reactivo, segregando doses extragrandes
destes químicos cerebrais em situações que representam pouca ou
nenhuma ameaça mas que de algum modo recordam o trauma inicial,
como as crianças da Cleveland Elementary, que entravam em
pânico ao ouvir a sereia de uma ambulância, semelhante às que tinham
ouvido na escola depois do tiroteio.

O locus ceruleus e a amígdala estão intimamente ligados, juntamente


com outras estruturas como o hipocampo e o hipotálamo; os
circuitos que desencadeiam a secreção de catecolaminas prolongam-se
pelo córtex. Pensa-se que alterações registadas nestes circuitos
reforçam os sintomas de SPT, entre os quais se contam ansiedade,
medo, hipervigilância, ser facilmente perturbado ou excitado,
prontidão para fugir ou lutar, e o registo indelével de intensas recordações
emocionais.8 Um estudo feito com veteranos do Vietname
afectados por SPT descobriu que estes homens tinham 40 por cento
menos receptores destinados a conter as catecolaminas do que as
pessoas «normais» — sugerindo que os seus cérebros tinham sofrido
uma modificação duradoura, da qual resultava um mau controlo
da secreção de catecolaminas.9

Outras modificações ocorrem nos circuitos que ligam o cérebro


límbico à glândula pituitária, a qual regula a CRF, a principal hormona
de stress que o corpo segrega para mobilizar a resposta lutaou--fuga.
As modificações levam a uma secreção excessiva desta hormona
— especialmente na amígdala, hipocampo e locus ceruleus —,
alertando o corpo para uma emergência que na realidade não existe.10

262
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Como me disse o Dr. Charles Nemeroff, um psiquiatra da Duke


University: «Demasiada CRF provoca reacções desproporcionadas.
Por exemplo, quando um veterano do Vietname com SPT ouve o
estampido do tubo de escape de um carro, é a secreção de CRF que
o avassala com os mesmos sentimentos que experimentou durante
o trauma original: começa a transpirar, assusta-se, tem arrepios e
tremores, pode inclusivamente reviver a situação. Nas pessoas que
segregam demasiada CRF, a resposta sobressaltada é sempre desproporcionada.
Por exemplo, se nos colocarmos sem sermos vistos atrás
de uma pessoa e batermos subitamente as palmas, obteremos uma
resposta sobressaltada da primeira vez, mas não à segunda, terceira
ou quarta repetições. Mas as pessoas com demasiada CRF nunca se
habituam: responderão à quarta palmada como à primeira.11

Um terceiro conjunto de mudanças ocorre no sistema opáceo do


cérebro, que segrega endorfinas para atenuar a sensação de dor.
Também ele se torna hiperactivo. Este circuito neuronal envolve
igualmente a amígdala, desta vez em concerto com uma região do
córtex cerebral. Os opáceos são químicos produzidos pelo cérebro
que têm um poderoso efeito analgésico, como o ópio e outros narcóticos
que são seus parentes químicos. Quando se verificam níveis
elevados de opáceos («a morfina do cérebro») as pessoas têm uma
tolerância acrescida à dor — um efeito que tem sido notado pelos
cirurgiões militares, os quais descobriram que os soldados gravemente
feridos precisam de doses mais reduzidas de narcóticos para
suportar a dor do que civis com ferimentos muito menos graves.

Algo de semelhante parece acontecer na SPT.12 As alterações


na secreção de endorfinas acrescentam uma nova dimensão à mistura
neuronal desencadeada pela reexposição ao trauma: um entorpecimento
de certas sensações. Isto parece explicar um conjunto de
sintomas psicológicos negativos há muito detectados no SPT: anedonia
(a incapacidade de sentir prazer) e um entorpecimento emocional
geral, uma sensação de estar isolado da vida ou das preocupações
a respeito dos outros. Os que estão próximos destas pessoas
podem atribuir esta indiferença a falta de empatia. Outro efeito
possível é a dissociação, incluindo a incapacidade de recordar minutos,
horas ou mesmo dias cruciais do acontecimento traumático.

As alterações neuronais do SPT parecem igualmente tornar a


pessoa mais susceptível a novos traumas. Diversos estudos feitos
com animais mostram que se são expostos a um stress mesmo ligeiro
quando jovens, ficam, numa fase posterior das suas vidas, mais vul-
DANIEL GOLEMAN

neráveis do que outros animais que não passaram por essa experiência
às modificações cerebrais provocadas pelo trauma (o que sugere
a necessidade urgente de tratar as crianças com SPT). Parece ser
esta a razão por que, quando expostas à mesma catástrofe, umas pessoas
desenvolvem SPT e outras não: a amígdala destas últimas já
está predisposta para encontrar perigos, e quando a vida lhes apresenta
novamente um perigo real, o seu alarme soa mais alto.

Todas estas modificações neuronais oferecem vantagens a


curto prazo para lidar com as emergências que as provocam. Numa
situação de perigo, é vantajoso em termos de sobrevivência ser
hipervigilante, alerta, pronto para tudo, insensível à dor, ter o
corpo preparado para responder a grandes exigências físicas, e —
de momento — ser indiferente àquilo que noutras circunstâncias
seriam acontecimentos altamente perturbadores. Estas vantagens
a curto prazo tornam-se, porém, problemas duradouros quando o
cérebro se modifica de modo a fazer delas predisposições, como
um carro perpetuamente engatado em primeira velocidade.
Quando a amígdala e as regiões que lhe estão ligadas adoptam um
novo ponto de origem durante um momento de trauma intenso,
esta mudança de excitabilidade — esta prontidão acrescida para
desencadear um sequestro neuronal — significa que a vida inteira
está à beira de tornar-se uma emergência, e que mesmo um
momento inocente é susceptível de provocar uma explosão de
medo descontrolado.

REAPRENDIZAGEM EMOCIONAL

Estas recordações traumáticas parecem permanecer como características


fixas das funções cerebrais porque interferem com a
aprendizagem subsequente — especialmente com a reaprendizagem
de uma resposta mais normal aos acontecimentos traumatizantes.
No medo adquirido, como é o caso da SPT, os mecanismos da
aprendizagem e da memória ficam afectados; mais uma vez, é a
amígdala a principal das regiões cerebrais envolvidas. Mas para
vencer o medo aprendido, o neocórtex é crucial.

Condicionamento pelo medo é a expressão que os psicólogos utilizam


para referir o processo através do qual algo que não é minimamente
ameaçador se torna temido ao ser associado no espírito da
pessoa a qualquer coisa assustadora. Quando estes sustos são indu264
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

zidos em animais de laboratório, nota Charney, os medos podem


durar anos.13 A região-chave do cérebro que aprende, regista e reage
a esta resposta de medo é o circuito entre tálamo, amígdala e o
lóbulo pré-frontal — za via do sequestro emocional.

Normalmente, quando uma pessoa aprende a recear qualquer


coisa através do condicionamento pelo medo, esse receio diminui
com o tempo. Isto parece acontecer graças a uma reaprendizagem
emocional, à medida que o objecto temido é encontrado outras
vezes sem a presença de qualquer coisa verdadeiramente assustadora.
Assim, a criança que ganhou medo aos cães por ter sido perseguida
por um pastor-alemão, perderá gradual e naturalmente esse
medo se, digamos, for viver para junto de um vizinho que tenha um
cão manso com o qual se habitue a brincar.

No SPT, esta reaprendizagem espontânea não acontece. Charney


propõe que isto pode dever-se às alterações no cérebro provocadas
pela doença, as quais são tão fortes que, na realidade, o sequestro
da amígdala pode ser provocado por qualquer coisa mesmo
que só muito vagamente reminiscente do trauma original, reforçando
o caminho do medo. Isto significa que nunca há uma altura em
que aquilo que é temido seja associado a uma sensação de calma — a
amígdala nunca reaprende uma reacção mais moderada. A «extinção»
do medo, observa Charney, «parece envolver um processo
activo de aprendizagem», que é impedido nas pessoas afectadas por
SPT, «conduzindo a uma persistência anormal das recordações
emocionais».14

Através das experiências adequadas, no entanto, até o SPT pode


ceder; as fortes recordações emocionais, e os padrões de pensamento
e reacção que desencadeiam, podem mudar com o tempo.
Esta reaprendizagem, propõe Charney, é cortical. O medo original
gravado na amígdala não desaparece completamente; em vez disso,
o córtex pré-frontal suprime activamente as ordens da amígdala ao
resto do cérebro para responder com medo.

«A questão é, quanto tempo leva desembaraçarmo-nos do medo


aprendido?», pergunta Richard Davidson, o psicólogo da Universidade
do Wisconsin que descobriu o papel do córtex pré-frontal
esquerdo no combate à perturbação. Numa experiência de
laboratório na qual as pessoas começavam por aprender a sentir
aversão a um ruído intenso — um paradigma de medo aprendido e
um equivalente ligeiro do SPT —, Davidson descobriu que os
sujeitos que apresentavam mais actividade no córtex pré-frontal

265
DANIEL GOLEMAN

esquerdo esqueciam mais rapidamente o medo adquirido, sugerindo


mais uma vez um papel do córtex na superação das perturbações
aprendidas.15

REEDUCAR O CÉREBRO EMOCIONAL

Uma das descobertas mais encoraj adoras a respeito do SPT veio


de um estudo feito com sobreviventes do Holocausto, cerca de três
quartos dos quais se verificou apresentarem sintomas activos desta
doença mesmo meio século mais tarde. A descoberta positiva foi
que um quarto dos sobreviventes que em tempos tinham sido afligidos
por estes sintomas já não os sentiam; de alguma maneira, os
acontecimentos naturais das suas vidas tinham eliminado o problema.
Os que continuavam a ter os sintomas apresentavam sinais das
modificações cerebrais relacionadas com as catecolaminas características
do SPT, mas nos que tinham recuperado não havia vestígios
dessas modificações.16 Esta descoberta, e outras semelhantes, contém
a promessa de que as alterações cerebrais provocadas pelo SPT
não são indeléveis, e que a pessoa pode recuperar mesmo da mais
terrível impressão emocional — em suma, que os circuitos emocionais
podem ser reeducados. A boa notícia é, pois, que mesmos traumas
tão profundos como os que provocam SPT podem ser curados,
e que o caminho para essa cura passa pela reaprendizagem.

Uma das maneiras com esta cura parece ocorrer espontaneamente


— pelo menos em crianças — é através de brincadeiras
como o jogo do Purdy. Estas brincadeiras, repetidas uma e outra vez,
permitem às crianças reviver o trauma de forma segura, como um
jogo. Isto abre duas vias para a cura: por um lado, a recordação repete-se
num contexto de baixa ansiedade, dessensibilizando-a e permitindo
que lhe seja associado um conjunto de respostas não-traumatizadas.
Outro caminho para a cura é que, nos seus espíritos, as
crianças podem magicamente dar à tragédia um desenlace diferente,
e melhor: por vezes, quando brincam ao Purdy, as crianças
matam-no aumentando assim a sua sensação de domínio sobre esse
momento traumático de impotência.

Brincadeiras como o Purdy são previsíveis em crianças muito novas


que passaram por experiências de violência extrema. Estas
brincadeiras macabras a que se entregam as crianças traumatizadas
foram notadas pela primeira vez pela Dr.a Lenore Terr, uma psiquia266
4

i
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

tra infantil de São Francisco.” Encontrou estes jogos entre as crianças


de Chowchilla — a pouco mais de uma hora de Stokton, onde
Purdy cometeu o seu nefando crime — que, no Verão de 1973, tinham
sido raptadas quando regressavam a casa de autocarro depois de
um dia passado no campo. Os raptores entraram no autocarro, com
as crianças lá dentro, num pesadelo que durou vinte e sete horas.

Cinco anos mais tarde, Terr viu o rapto ser reencenado nas
brincadeiras das vítimas. As raparigas, por exemplo, brincavam aos
raptos com as suas bonecas Barbie. Uma menina, que detestara sentir
na pele a urina das outras crianças quando todas se tinham refugiado
a monte num canto, cheias de terror, lavava a sua Barbie
vezes sem conta. Outra brincava à Barbie Viajante, um jogo em que
a Barbie viajava para um sítio qualquer — não importava qual —
e regressava em segurança, que era o objectivo do jogo. O preferido
de uma terceira garota era um cenário em que a boneca era enfiada
num buraco e sufocava.

Enquanto os adultos que passaram por um trauma esmagador


podem sofrer uma espécie de entorpecimento psíquico, bloqueando
a recordação da catástrofe ou os sentimentos que ela despertou, as
psiques das crianças lidam frequentemente com a situação de uma
maneira diferente. Não bloqueiam tanto o trauma, pensa Terr, porque
utilizam a fantasia, a brincadeira e a imaginação para reviver e
repensar as suas provações. Estas reconstituições voluntárias do
trauma parecem evitar a necessidade de represá-lo em poderosas
recordações que podem mais tarde extravasar. Se o trauma é só ligeiro,
como ir ao dentista brocar um dente, uma ou duas vezes
podem bastar. Mas se é muito grande, a criança pode necessitar de
incontáveis repetições, reencenando-o uma e outra vez, num ritual
macabro e monótono.
Uma maneira de chegar à imagem gravada na amígdala é através
da arte, que é ela própria um meio de expressão do inconsciente.
O cérebro emocional está altamente sintonizado com os significados
simbólicos e com o modo a que Freud chamava o «processo
primário»: as mensagens da metáfora, do conto, do mito, das artes.
Esta via é frequentemente usada no tratamento de crianças traumatizadas.
Por vezes a arte proporciona à criança uma maneira de
falar a respeito de um momento de horror que de outra forma não
ousaria abordar.

Spencer Eth, o psiquiatra infantil de Los Angeles que se especializou


no tratamento destas crianças, conta a história de um garo267
DANIEL GOLEMAN

to de cinco anos que foi raptado juntamente com a mãe pelo examante
desta. O homem levou-os para um quarto de motel, onde
ordenou à criança que se escondesse debaixo de uma manta enquanto
espancava a mãe até à morte. O rapaz estava, compreensivelmente,
relutante em falar a Eth sobre o que ouvira e vira enquanto
estava tapado pela manta. Por isso Eth pediu-lhe que fizesse
um desenho — um desenho qualquer.

O desenho que o garoto fez representava um corredor de automóveis


que tinha um par de olhos muito grandes. Eth interpretou
estes olhos enormes com uma referência à coragem do próprio garoto
em ter ousado espreitar o assassino. Estas referências escondidas
à cena traumática aparecem quase sempre nos trabalhos artísticos
das crianças traumatizadas; pedir a essas crianças para fazerem um
desenho passou a ser, para Eth, o movimento de abertura da sua
terapia. As poderosas recordações que as preocupam intrometem-se
na sua arte tanto como nos seus pensamentos. Além disso, o acto
de desenhar é em si mesmo terapêutico, uma vez que dá início ao
processo de controlar o trauma.

REAPRENDIZAGEM EMOCIONAL
E RECUPERAÇÃO DO TRAUMA

Irene tinha saído com um homem, um encontro que terminara


em tentativa de violação. Embora tivesse conseguido repelir o
atacante, este continuou a persegui-la, assediando-a com telefonemas
obscenos, fazendo ameaças de violência, ligando-lhe para casa
a meio da noite, seguindo-a na rua e vigiando todos os seus movimentos.
Quando Irene procurou a ajuda da polícia, foi-lhe dito que
nada podiam fazer, uma vez que «nada tinha verdadeiramente acontecido».
Quando iniciou a terapia, apresentava sintonias de SPT,
tinha desistido completamente de qualquer espécie de vida social e
sentia-se prisioneira em sua própria casa.

O caso de Irene é citado pela Dr.a Judith Lewis Herman, uma


psiquiatra de Harvard cujo trabalho pioneiro define os passos para
a recuperação do trauma. Herman vê três fases: adquirir uma sensação
de segurança, recordar os pormenores do trauma e chorar a
perda que ele causou, e, finalmente, restabelecer uma vida normal.
Há, como veremos, uma razão biológica para a ordenação destas
fases: esta sequência parece reflectir a maneira como o cérebro

268
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

emocional aprende mais uma vez que a vida não tem necessariamente
de ser vista como uma emergência prestes a acontecer.

O primeiro passo, recuperar uma sensação de segurança, traduz-se


presumivelmente por encontrar maneiras de acalmar suficientemente
os alarmados e sobreexcitados circuitos emocionais para permitir
uma reaprendizagem.18 Muitas vezes isto começa com ajudar
os pacientes a compreender que a sua excitabilidade e os seus pesadelos,
a sua hipervigilância e os seus pânicos, fazem parte dos sintomas
do SPT. Esta compreensão por si só torna esses sintomas menos
assustadores.

Outro passo inicial é ajudar os pacientes a readquirir alguma


noção de controlo sobre o que lhes acontece, uma desaprendizagem
directa das ligações de impotência que o trauma lhes transmitiu.
Irene, por exemplo, mobilizou a família e os amigos para criar um
tampão entre ela e o seu perseguidor, e conseguiu finalmente convencer
a polícia a intervir.

A maneira como os doentes de SPT se sentem «inseguros» vai


para além do medo dos perigos que os ameaçam; a sua insegurança
começa a um nível mais íntimo, na sensação de que não controlam
o que se passa com os seus corpos e com as suas emoções. Isto
é compreensível, considerando a acuidade do disparador de sequestro
emocional que a SPT cria ao hipersensibilizar os circuitos da
amígdala.

A medicação proporciona uma maneira de restaurar nos doentes


a noção de que não têm necessariamente de estar tão à mercê
dos alarmes emocionais que os enchem de uma inexplicável
ansiedade, os mantêm acordados à noite ou lhes salpicam o sono
de pesadelos. Os farmacólogos esperam conseguir um dia criar um
medicamento que vise precisamente os efeitos do SPT na amígdala
e nos circuitos neurotransmissores que lhe estão ligados. De
momento, no entanto, a medicação existente consegue contrariar
apenas algumas destas alterações, nomeadamente os antidepressivos
que actuam sobre o sistema da serotonina, e os betabloqueantes
como o propanol, que bloqueiam a activação do sistema nervoso
simpático. Os pacientes podem igualmente aprender
técnicas de excitabilidade e nervosismo. Uma calma fisiológica
abre uma janela para ajudar os brutalizados circuitos emocionais a
redescobrir que a vida não é uma ameaça e para devolver aos
pacientes alguma da sensação de segurança que tinham antes de o
trauma ter acontecido.

269
DANIEL GOLEMAN

O passo seguinte no caminho da cura envolve recontar e


reconstituir a história do trauma ao abrigo dessa segurança, permitindo
aos circuitos emocionais adquirir uma nova e mais realista
compreensão das recordações traumáticas e dos respectivos disparadores
e criando simultaneamente uma resposta mais adequada.
A medida que os pacientes recontam os horríveis pormenores do
trauma, a recordação começa a transformar-se, tanto no seu significado
emocional como nos seus efeitos sobre o cérebro emocional.
O ritmo desta reconstituição é importante; idealmente, imita o ritmo
que ocorre naturalmente naquelas pessoas que são capazes de
recuperar de um trauma sem sofrerem de SPT. Nestes casos parece
muitas vezes haver um relógio interior que «doseia» nas pessoas
recordações intrusivas que as fazem reviver o trauma, com intervalos
de semanas ou meses durante os quais quase nada recordam dos
horríveis pormenores do acontecimento.19

Esta alternância de reimersão e descanso parece permitir uma


revisão espontânea do trauma e o desenvolvimento das respostas
emocionais mais adequadas. Para aqueles cujo SPT é mais intratável,
diz Herman, recontar a história pode por vezes desencadear
medos avassaladores, caso em que o terapeuta deve abrandar o ritmo
de modo a manter as reacções do doente dentro de uma gama
suportável, que não perturbe a aprendizagem.

O terapeuta encoraja o paciente a recontar os acontecimentos


traumáticos, o mais vividamente possível, como um filme de
terror, relembrando cada sórdido pormenor. Isto inclui não apenas
exactamente aquilo que viu, ouviu, cheirou e sentiu, mas também
as suas reacções — o medo, o nojo, a náusea. Aqui o objectivo
é traduzir toda a recordação em palavras, o que significa
recuperar partes da recordação que podem ter sido dissociadas e
encontrarem-se por isso ausentes da memória consciente. Pondo
em palavras os pormenores sensoriais e os sentimentos, presumivelmente
as recordações são colocadas mais sob o controlo do
neocórtex, onde as reacções que geram podem ser tornadas mais
compreensíveis e consequentemente mais tratáveis. Neste ponto,
a reaprendizagem emocional consegue-se sobretudo revivendo os
acontecimentos e as suas emoções, mas desta vez num ambiente
de segurança, na companhia do terapeuta. Isto começa a transmitir
aos circuitos emocionais uma lição importante: a de que a
experiência associada às remodelações do trauma pode ser a segurança,
e não o terror.

270
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

O garoto de cinco anos que desenhou os olhos gigantes depois


de ter assistido ao macabro assassínio da mãe não voltou a fazer
qualquer outro desenho depois daquele; em vez disso, ele e o terapeuta
brincaram e jogaram, criando uma relação entre ambos. Só
muito lentamente o pequeno começou a contar a história do assassínio,
ao princípio de uma forma estereotipada, repetindo exactamente
cada pormenor de cada vez que a contava. Pouco a pouco,
porém a sua narrativa tornou-se mais aberta e mais livre, o seu
corpo menos tenso enquanto a fazia. Ao mesmo tempo, os seus
pesadelos a respeito da cena tornaram-se menos frequentes, um
sinal, diz Eth, de algum «domínio do trauma». Gradualmente, a
conversa entre ambos foi-se afastando dos medos deixados pelo
trauma e focou-se mais no que estava a acontecer no dia-a-dia do
garoto enquanto ele se adaptava a uma nova casa com o pai. E,
finalmente, o pequeno começou a conseguir falar apenas da sua
vida quotidiana, à medida que o trauma se ia desvanecendo.

Finalmente, Herman pensa que os pacientes precisam de chorar


a perda que o trauma causou — seja ela um ferimento, a perda de
alguém querido ou o fim de uma relação, o arrependimento por um
passo que não se deu para salvar alguém, ou apenas o despedaçar da
convicção de que se pode confiar nas pessoas. A pena que acompanha
o relato destes dolorosos acontecimentos serve um propósito
crucial: marca a capacidade de, em certa medida, abrir mão do
próprio trauma. Significa que em vez de ficar perpetuamente capturado
por aquele momento do passado, o paciente pode começar a
olhar em frente, inclusivamente a ter esperança e reconstituir uma
nova vida livre da garra do trauma. É como se o constante reciclar
e reviver do terror do trauma por parte dos circuitos emocionais
fosse uma espécie de encantamento que pudesse finalmente ser
quebrado. O som de uma sereia não tem necessariamente de provocar
uma onda de medo; um ruído na noite não tem forçosamente de
trazer à memória uma recordação de terror.

Persistem frequentemente efeitos secundários e recorrências de


sintomas, diz Herman, mas há indicações específicas de que o trauma
foi largamente ultrapassado. Entre elas contam-se a redução dos
sintomas fisiológicos para níveis aceitáveis, e ser capaz de suportar
os sentimentos associados à recordação do trauma. Especialmente
significativo é o facto de essas recordações deixarem de surgir em
momentos incontroláveis; o doente passa, pelo contrário, a ser capaz
de revivê-las voluntariamente, como qualquer outra recordação

271
DANIEL GOLEMAN

— e, o que é talvez ainda mais importante — pô-las de lado, como


qualquer outra recordação. Finalmente, significa reconstruir uma
nova vida, com relações fortes e confiantes e um sistema de crenças
que encontre significado até num mundo onde tais injustiças podem
acontecer.20 Todas estas coisas juntas são marcadores do êxito
na reeducação do cérebro emocional.

A PSICOTERAPIA COMO EDUCAÇÃO EMOCIONAL

Felizmente, os momentos catastróficos durante os quais as recordações


traumáticas se gravam na memória são raros na vida da maior
parte de nós. Mas os mesmos circuitos que vemos de modo tão flagrante
a imprimir recordações traumáticas presumivelmente funcionam
também noutras ocasiões menos vividas. As provações mais
vulgares da infância, como ser cronicamente ignorado ou privado de
atenção e carinho por parte dos pais, o abandono ou a perda, ou a
rejeição social, podem nunca atingir a intensidade do trauma, mas
deixam seguramente a sua marca no cérebro emocional, criando distorções
— e lágrimas e fúrias — nas relações que vêm a deformar-se
mais tarde na vida. Se o SPT pode ser curado, também o podem
as cicatrizes emocionais mais discretas que muitos de nós trazemos
connosco; é essa a tarefa da psicoterapia. E, de um modo geral, é no
aprender a lidar habilmente com estas reacções carregadas que a
inteligência emocional desempenha o seu papel.

A dinâmica entre a amígdala e as reacções mais bem informadas


do córtex pré-frontal pode servir de modelo neuroanatómico à
maneira como a psicoterapia remodela padrões emocionais profundos
e inadaptados. De acordo com as conjecturas de Joseph LeDoux,
o neurocientista que descobriu o papel desencadeador da
amígdala nas explosões emocionais: «A partir do momento em que
o nosso sistema emocional aprende qualquer coisa, parece nunca
mais a esquecer. O que a terapia faz é ensinar-nos a controlá-lo
— ensina o neocórtex a inibir a amígdala. A propensão para agir é
suprimida, enquanto a emoção básica a respeito do que se trata permanece
sob uma forma atenuada.»

Se tivermos em conta a arquitectura do cérebro que está


subjacente à reaprendizagem emocional, o que parece restar, mesmo
depois de uma psicoterapia bem sucedida, é uma reacção residual,
um remanescente da sensibilidade ou medo originais que estavam na

272
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

origem de um padrão emocional perturbador.21 O córtex pré-frontal


pode refinar ou travar os impulsos da amígdala, mas não pode
impedi-la de reagir. Assim, embora não possamos decidir quando
teremos as nossas explosões emocionais, temos pelo menos algum
controlo sobre quanto tempo elas vão durar. Recuperar mais rapidamente
de uma destas explosões podem bem ser uma marca de
maturidade emocional.

O que sobretudo parece mudar ao longo da terapia são as respos’


tas que as pessoas dão a partir do momento em que é desencadeada
uma reacção emocional — mas a tendência para o desencadear da
reacção nunca desaparece inteiramente. As provas disto decorrem
de uma série de estudos sobre psicoterapia conduzidos por Lester
Luborsky e pelos seus colegas na Universidade da Pensilvânia.22 Luborsky
e os membros da sua equipa analisaram os principais conflitos
de relacionamento que levaram dezenas de pacientes a procurar
ajuda na psicoterapia — questões como uma ânsia profunda de ser
aceite ou encontrar intimidade, ou o medo de falhar ou de tornarse
excessivamente dependente. Em seguida analisaram as respostas
típicas (e sempre autoderrotistas) que os pacientes davam quando
esses desejos e medos apareciam nas suas relações — respostas como
ser demasiado exigente, o que provocava uma reacção de ira e frieza
na outra pessoa, ou remeter-se a uma posição defensiva face a
uma recusa imaginada, deixando a outra pessoa confusa pela aparente
rejeição. Durante estes malogrados encontros, os pacientes
sentiam-se compreensivelmente cheios de sentimentos perturbadores
— desesperança e tristeza, ressentimento e ira, tensão e medo,
culpa e auto-recriminação, etc. Fosse qual fosse o padrão específico
do paciente, parecia surgir em praticamente todas as suas relações
mais importantes, como um cônjuge ou um amante, um filho ou um
pai, os colegas ou os chefes no emprego.

No decurso da terapia a longo prazo, porém, operavam-se nestes


pacientes duas espécies de mudanças: as suas reacções emocionais
aos acontecimentos desencadeadores tornavam-se menos perturbadoras,
e as suas respostas declaradas mais efectivas no sentido
de obterem da relação aquilo que verdadeiramente desejavam.
O que não mudava, no entanto, era o desejo ou o medo subjacentes,
nem o sentimento inicial. Quando já só faltavam a estes doentes
algumas poucas sessões para completar o tratamento, os encontros
que relatavam mostravam que, em comparação com o que
acontecia no início da terapia, tinham agora apenas metade do

273
DANIEL GOLEMAN

número de reacções emocionais negativas, e eram duas vezes mais


capazes de conseguir da outra pessoa a resposta positiva que tão
profundamente desejavam. Mas o que de modo algum mudava era
a sensibilidade específica que se encontrava na origem dessas
necessidades.

Em termos de cérebro, podemos especular, o sistema límbico


enviaria sinais de alarme em resposta a indícios de um acontecimento
temido, mas o córtex pré-frontal e as zonas com ele relacionadas
teriam aprendido uma resposta nova e mais saudável. Em
resumo, as lições emocionais — mesmo os mais profundamente
enraizados hábitos do coração aprendidos na infância — podem ser
reformuladas. A aprendizagem emocional dura a vida inteira.

274
h
14
O Temperamento Não E Fatalidade
Falamos em alterar padrões emocionais que foram aprendidos.
Mas o que dizer daquelas respostas que nos são ditadas pela nossa
herança genética? Que tal mudar as reacções habituais daqueles que
por natureza são, digamos, altamente voláteis ou dolorosamente
tímidas? Esta área do registo emocional cai sob a alçada do temperamento,
o pano de fundo de sentimentos que caracteriza a nossa
disposição básica. O temperamento pode ser definido em termos
dos estados de espírito que tipificam a nossa vida emocional. Em
certa medida, todos nós temos uma área emocional favorita deste
tipo; o temperamento é uma característica inata, faz parte da lotaria
genética que tão determinante se revela no desenrolar da vida.
Todos os pais sabem disto: logo a partir do momento em que nasce,
uma criança pode ser calma e sossegada, ou agitada e difícil. A questão
está em saber se esta estrutura emocional geneticamente determinada
pode ser modificada pela experiência. A biologia fixa para
sempre o nosso destino emocional, ou pode uma criança inatamente
tímida transformar-se num adulto mais confiante?

A resposta mais clara a esta pergunta resulta do trabalho de


Jerome Kagan, o eminente psicólogo do desenvolvimento da Harvard
University.1 Kagan postula que há pelo menos quatro tipos
temperamentais — tímido, confiante, alegre e melancólico — e
que cada um deles se deve a um padrão diferente de actividade cerebral.
Há inúmeras diferenças na herança temperamental, todas elas
baseadas em diferenças inatas nos circuitos emocionais; seja qual
for a emoção, as pessoas podem diferir na facilidade com que ela é
desencadeada, no tempo que dura, na intensidade que revela. O trabalho
de Kagan concentra-se num destes padrões: a dimensão de
temperamento que vai da confiança à timidez.

Durante décadas, incontáveis mães têm levado os seus filhos ao


Laboratório para o Desenvolvimento Infantil, dirigido por Kagan,
no décimo quarto piso do William James Hall, em Harvard, para

275
DANIEL GOLEMAN

participarem em estudos sobre desenvolvimento infantil. Foi aí que


Kagan e os seus co-investigadores detectaram sintomas precoces de
timidez num grupo de crianças com vinte e um meses que lhes tinham
sido levadas para observação. Algumas eram efervescentes e
espontâneas, brincando com outros bebés sem a mínima hesitação.
Outras, pelo contrário, mostravam-se incertas e hesitantes, deixando-se
ficar de lado, agarradas às mães, assistindo sossegadamente às
brincadeiras sem participar. Quase quatro anos mais tarde, quando
estas crianças estavam na escola infantil, foram novamente observadas
pelo grupo de Kagan. Nos anos decorridos, nenhuma das
crianças extrovertidas se tornara tímida, enquanto dois terços das tímidas
continuavam reticentes.

Kagan pensa que as crianças excessivamente sensíveis e receosas


se transformam em adultos tímidos e timoratos: cerca de 15 por
cento a 20 por cento das crianças são, à nascença, «comportamentalmente
inibidas», como ele lhes chama. Estas crianças mostramse
temerosas relativamente a tudo o que não lhes seja familiar; isto
torna-as avessas a provar novas comidas, relutantes em aproximarem-se
de animais ou lugares desconhecidos, tímidas na presença de
estranhos. Tornam-se também particularmente sensíveis noutros
aspectos — por exemplo, propensas à culpa e à auto-recriminação.
São as crianças que ficam paralisadas pela ansiedade em situações
sociais: na aula ou no recreio, quando conhecem novas pessoas,
sempre que as atenções recaem sobre elas. Como adultos, têm tendência
para a retracção, ficando morbidamente apavorados quando
têm de fazer um discurso ou aparecer em público.

torn, um dos rapazes do estudo de Kagan, é tipicamente tímido.


Em todas as avaliações ao longo da infância — aos dois, cinco e sete
anos — apareceu sempre entre as crianças mais tímidas. Quando foi
entrevistado aos treze, era um rapazito tenso e rígido, que mordia os
lábios, torcia as mãos e mantinha um rosto impassível, só esboçando
um sorriso contraído quando falava da namorada; as suas respostas
eram curtas, os seus modos submissos.2 Durante toda a sua infância,
até cerca dos onze anos, torn lembrava-se de ser dolorosamente
tímido, começando a transpirar sempre que tinha de aproximar-se
dos amigos. Era ainda atormentado por medos intensos: de que a
casa ardesse, de cair na piscina, de ficar sozinho no escuro. Em pesadelos
frequentes, era atacado por monstros. Embora se tenha sentido
um pouco menos tímido nos últimos dois ou três anos, continua
a sentir alguma ansiedade na companhia de outras crianças, e as

276
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

suas preocupações centram-se agora em obter bons resultados na


escola, mesmo estando entre os 5 por cento melhores da sua turma.
Filho de um cientista, sente-se atraído por uma carreira nessa área,
até porque o relativo isolamento da actividade se enquadra bem
com as suas tendências introvertidas.

Ralph, pelo contrário, mostrou-se em todas as idades uma das


crianças mais confiantes e expansivas. Sempre descontraído e falador,
aos treze anos recostava-se descontraidamente na sua cadeira,
não tinha quaisquer maneirismos nervosos, e falava num torn confiante
e amistoso, como se o entrevistador fosse um seu igual, e não
vinte e cinco anos mais velho. Durante a infância, tivera apenas
dois medos, ambos de curta duração: de cães, depois de um destes
animais o ter atirado ao chão quando tinha três anos de idade, e de
voar, por, aos sete anos, ter ouvido falar de acidentes de aviação.
Sociável e popular, Ralph nunca se vira a si mesmo como tímido.

As crianças tímidas parecem nascer com circuitos neuronais


que as tornam mais reactivas mesmo a formas atenuadas de stress —
desde os primeiros dias de vida, os seus corações batem mais depressa
que os de outras crianças em resposta a situações estranhas ou
novas. Aos vinte e um meses, quando as crianças reticentes se agarravam
às saias das mães sem quererem participar nas brincadeiras,
os monitores do ritmo cardíaco revelavam que os corações lhes
batiam loucamente de ansiedade. Esta ansiedade facilmente provocada
parece estar subjacente à timidez que as acompanha por toda
a vida: tratam qualquer pessoa ou situação novas como se fossem
uma ameaça potencial. Talvez em consequência disto, as mulheres
de meia idade que se lembram de ter sido particularmente tímidas
quando crianças tendem, em comparação com outras mais extrovertidas,
a atravessar a vida sobrecarregadas por mais medos, preocupações
e culpas, e a sofrer mais afecções relacionadas com o
stress, como enxaquecas, intestinos irritáveis e problemas de estômago.3

A NEUROQUIMICA DA TIMIDEZ

A diferença entre o cauteloso torn e o ousado Ralph reside,


pensa Kagan, na excitabilidade dos circuitos neuronais centrados
na amígdala. Kagan propõe que as pessoas como torn, que são propensas
a medos, nascem com uma neuroquímica que torna estes cir277
DANIEL GOLEMAN

cuitos facilmente excitáveis, o que as leva a evitar o desconhecido,


fugir do incerto e sofrer de ansiedade. Aqueles que, como Ralph,
possuem um sistema nervoso calibrado com um limiar de excitação
da amígdala muito mais elevado, são menos assustadiços, mais
naturalmente expansivos, mais dados a explorar novos lugares e
conhecer novas pessoas.

Uma pista precoce para se saber qual destes padrões uma criança
herdou é o modo como se comporta quando bebé, se é ou não difícil
e irritável, como reage na presença de alguma coisa ou de alguém
que não conheça. Enquanto cerca de uma em cinco crianças
cai na categona dos tímidos, duas em cinco têm um temperamento
ousado — pelo menos à nascença.

Parte das provas obtidas por Kagan decorre da observação de gatos


invulgarmente tímidos. Cerca de um em cada sete gatos domestiços
apresenta um padrão de timidez semelhante ao da criança
tímida: fogem de tudo o que seja novidade (em vez de exibirem a
legendária curiosidade dos gatos), têm relutância em explorar novos
territórios e só atacam os ratos mais pequenos, sendo demasiado
timoratos para perseguir os maiores, como fazem entusiasticamente
os seus congéneres mais corajosos. Observações directas do
cérebro permitiram concluir que nestes gatos tímidos a amígdala é
invulgarmente excitável, especialmente quando, por exemplo, ouvem
um miado ameaçador de outro gato.

A timidez dos gatos manifesta-se por volta do mês de idade,


que é quando a amígdala está suficientemente matura para assumir
o controlo do circuito do cérebro que determina a aproximação
ou a fuga. Um mês na maturação do cérebro de um gatinho
equivale a oito meses numa criança; é cerca dos oito ou nove
meses, nota Kagan, que aparece nos bebés o medo dos «estranhos»
— se a mãe sai da sala e está um desconhecido presente, o
resultado são lágrimas. As crianças tímidas, postula Kagan, podem
ter herdado níveis cronicamente altos de norepinefrina e outros
químicos cerebrais que activam a amígdala, criando assim um
baixo limiar de excitabilidade.

Um sinal desta sensibilidade acrescida é, por exemplo, o seguinte:


quando rapazes e raparigas que foram muito tímidos na infância
são expostos em laboratório a situações provocadoras de tensão,
como cheiros desagradáveis, os seus ritmos cardíacos mantêm-se
elevados durante mais tempo do que os de outros jovens mais expansivos
— uma indicação de que uma inundação de norepinefri278
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

na continua a excitar-lhes a amígdala e, através dos circuitos neuronais


correlacionados, o sistema nervoso simpático.4 Kagan conclui
que as crianças tímidas apresentam níveis de reactividade mais
elevados em toda a gama de indicadores do sistema nervoso simpático,
desde uma pressão arterial em descanso mais alta e uma maior
dilatação das pupilas, a níveis mais altos de marcadores de norepinefrina
na urina.

O silêncio é outro barómetro da timidez. Sempre que a equipa


de Kagan observou crianças tímidas e confiantes num ambiente
natural — nas aulas da escola infantil, com outras crianças que não
conheciam ou a conversar com um entrevistador — pôde verificar
que as tímidas falam menos. Uma criança tímida num jardim infantil
não dizia palavra quando um colega se lhe dirigia e passava a
maior parte do dia a ver os outros brincarem. Kagan especula que
um silêncio tímido face a uma novidade ou aquilo que é percebido
como uma ameaça representa uma indicação da actividade de um
circuito neuronal que liga o lóbulo frontal, a amígdala e as estruturas
límbicas próximas que controlam a capacidade de vocalizar
(os mesmos circuitos que nos fazem «engasgar» sob pressão).

Estas crianças excessivamente sensíveis correm um alto risco de


desenvolver problemas relacionados com a ansiedade, como ataque
de pânico, logo no sexto ou sétimo ano escolar. Num estudo que envolveu
754 rapazes e raparigas destas idades, verificou-se que 44 tinham
já sofrido pelo menos um episódio de pânico, ou manifestado
diversos sintomas preliminares. Estes episódios de ansiedade eram
habitualmente desencadeados pelos alarmes normais do início da
adolescência, como um primeiro encontro ou um exame importante
— alarmes com que a maior parte das crianças lida sem desenvolver
problemas mais graves. Mas os adolescentes que eram tímidos
por temperamento e se deixavam assustar de uma forma anormal por
novas situações apresentavam sintomas de pânico, como palpitações
cardíacas, respiração ofegante ou uma sensação de sufoco, juntamente
com a sensação de que algo de terrível estava para acontecer-lhes,
como enlouquecerem ou morrerem. Os investigadores acreditam
que embora estes episódios não fossem suficientemente significativos
para merecerem o diagnóstico psiquiátrico de «desordem de
pânico», constituem uma indicação de que estes adolescentes
correm um risco acrescido de vir a desenvolver essa condição com o
passar dos anos; muitos adultos que sofrem de ataques de pânico referem
que esses ataques começaram durante a adolescência.5
DANIEL GOLEMAN

O início dos ataques de ansiedade está intimamente ligado à puberdade.


As raparigas que apresentam poucos sinais de puberdade
não referem quaisquer ocorrências deste tipo, mas entre as já púberes
cerca de 8 por cento afirmam ter experimentado momentos de
pânico. Depois de terem sofrido um destes ataques, criam tendência
para desenvolver o medo de uma recorrência que leva as pessoas
com a doença do pânico a fugirem da vida.

NADA ME INCOMODA: O TEMPERAMENTO ALEGRE

Nos anos 1920, quando ainda era uma jovem, a minha tia June
deixou a sua casa em Kansas City e aventurou-se sozinha até Xangai,
naqueles tempos uma viagem perigosa para uma mulher solitária.
Aí, june conheceu e casou com um detective da polícia colonial
daquele centro internacional de comércio e intriga. Quando os
japoneses capturaram Xangai, no início da Segunda Guerra Mundial,
a minha tia e o marido foram internados no campo de prisioneiros
descrito no livro e filme O Império do Sol. Depois de sobreviverem
cinco horríveis anos no campo de concentração, tinham
literalmente perdido tudo o que possuíam. Sem um centavo, foram
ambos repatriados para a Colúmbia Britânica.

Lembro-me de, em criança, ter conhecido a tia june, uma velhota


animadíssima cuja vida tinha seguido um curso notável. Nos
seus últimos anos, sofreu uma trombose que a deixou parcialmente
paralisada; após uma lenta e árdua recuperação, foi capaz de andar
outra vez, embora coxeando. Lembro-me de, nesses tempos, ter ido
dar um passeio com a tia june, na altura com setenta e alguns anos.
Por qualquer razão que já não recordo, afastou-se de mim, e alguns
minutos mais tarde ouvi um débil grito da tia june a pedir ajuda.
Tinha caído e não conseguia levantar-se sozinha. Corri a ajudá-la,
e ela, em vez de queixar-se ou lamentar-se, pôs-se a rir do que lhe
acontecera. O seu único comentário foi um jovial: «born, pelo
menos consigo andar outra vez.»

As emoções de algumas pessoas, como as da minha tia June,


parecem gravitar por natureza para o pólo positivo; estas pessoas
são naturalmente alegres e descontraídas, enquanto outras são tristes
e melancólicas. Esta dimensão de temperamento — ebuliência
de um lado, melancolia do outro — parece ligada à actividade relativa
das áreas pré-frontais direita e esquerda, os pólos superiores do

280
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

cérebro emocional. Esta visão resultou sobretudo dos trabalhos de


Richard Davidson, um psicólogo da Universidade do Wisconsin.
Davidson descobriu que as pessoas que apresentam maior actividade
no lóbulo frontal esquerdo, em comparação com o direito, são
por temperamento alegres; têm tipicamente prazer na companhia
dos outros e naquilo que a vida lhes oferece, reagindo aos percalços
de uma maneira muito semelhante à da minha tia June.
Pelo contrário, as que registam relativamente mais actividade do
lado direito são dadas a estados de espírito negativos e sombrios, e
deixam-se facilmente abater pelas dificuldades; de uma certa
maneira, parecem sofrer porque são incapazes de desligar as suas
angústias e depressões.

Numa das experiências de Davidson, voluntários que apresentavam


uma actividade mais pronunciada nas áreas frontais esquerdas
foram comparados com os quinze que registavam mais actividade
nas áreas frontais direitas. Aqueles em que se verificava uma pronunciada
actividade do lóbulo frontal direito revelaram num teste
de personalidade um nítido padrão de negatividade: correspondiam
à caricatura retratada pelas personagens de Woody Allen, o alarmista
que vê uma catástrofe nas mais pequenas coisas — propenso
a medos e maus humores, sempre desconfiado de um mundo que lhe
parece cheio de dificuldades inultrapassáveis e perigos escondidos.
Em contraste com estes melancólicos, os voluntários com uma forte
actividade do lóbulo frontal esquerdo viam o mundo de uma maneira
muito diferente. Sociáveis e alegres, tinham tipicamente uma
sensação de prazer, estavam frequentemente de bom-humor, eram
autoconfiantes e sentiam-se satisfatoriamente empenhados na vida.
As suas pontuações nos testes psicológicos sugeriam um risco muito
menor de depressão e outras desordens emocionais.6

As pessoas que têm uma história de depressão clínica, comproyou


Davidson, apresentam níveis mais baixos de actividade cerebral
no lóbulo pré-frontal esquerdo, e mais altos no direito, do que
as pessoas que nunca estiveram deprimidas. Davidson encontrou o
mesmo padrão em pessoas a que fora recentemente diagnosticada
uma depressão. Disto deduz que as pessoas que conseguem vencer
a depressão aprenderam a aumentar a actividade do lóbulo préfrontal
esquerdo — uma especulação que aguarda comprovação
experimental.

Embora a sua investigação se centre nos cerca de 30 por cento


de indivíduos que se situam nos extremos, praticamente qualquer

281
DANIEL GOLEMAN

pessoa pode ser classificada com base nos padrões das suas ondas
cerebrais como tendo tendência para um ou outro tipo, afirma
Davidson. O contraste de temperamento entre o triste e o alegre
revela-se de muitas maneiras diferentes, grandes e pequenas. Por
exemplo, numa determinada experiência os voluntários viam uma
série de pequenos filmes. Alguns eram divertidos — um gorila a
tomar banho, um cachorrinho a brincar. Outros, como um filme
de um curso de enfermagem que mostrava os pormenores mais
sanguinolentos de uma operação, eram francamente perturbadores.
Os tristonhos, os que registavam maior actividade no
hemisfério direito, achavam os filmes alegres apenas medianamente
divertidos, mas reagiam à sangueira da operação com medo e
nojo muito intensos. Os do grupo dos alegres tinham reacções mínimas
às imagens da operação, mas ficavam deliciados com os filmes
divertidos.

Parece, pois, que somos predispostos pelo temperamento para


responder à vida num registo emocional positivo ou negativo.
A tendência para um temperamento melancólico ou alegre —
como para a timidez ou a confiança — manifesta-se durante o primeiro
ano de vida, um facto que sugere fortemente que também ela
é geneticameante determinada. Como a maior parte do cérebro, os
lóbulos pré-frontais continuam a amadurecer ao longo dos primeiros
meses de vida, de modo que a sua actividade só pode ser medida
com alguma precisão por volta dos dez meses. Mas Davidson descobriu
que em crianças dessa idade o nível de actividade dos
lóbulos pré-frontais já prediz se vão ou não chorar quando a mãe se
afasta. A correlação foi praticamente de 100 por cento: das dezenas
de bebés testados desta maneira, todos os que choravam apresentavam
mais actividade do lado direito, enquanto os que não choravam
tinham mais actividade do lado esquerdo.

No entanto, mesmo admitindo que esta dimensão básica do


temperamento fica definida à nascença, ou muito pouco tempo
após o nascimento, isso não significa que aqueles de nós que
apresentam o padrão triste estejam necessariamente condenados a
passar toda a vida sombrios e rabugentos. As lições emocionais da
infância podem ter um impacte profundo no temperamento, quer
amplificando quer atenuando uma predisposição inata. A enorme
plasticidade do cérebro durante a infância significa que as experiências
desses anos podem ter um impacte duradouro no sentido
de abrir e modelar caminhos neuronais para o resto da vida. A me282
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

lhor ilustração do género de experiências capazes de alterar o temperamento


será talvez uma observação que emergiu das investigações
de Kagan com crianças tímidas.

CONTROLAR UMA AMÍGDALA SOBREEXCITÁVEL

A boa notícia que vem dos estudos de Kagan é a de que nem


todas as crianças medrosas crescem a fugir da vida: o temperamento
não é fatalidade. A amígdala sobreexcitável pode ser controlada,
através das experiências adequadas. O que faz a diferença são as
lições emocionais e as respostas que as crianças aprendem à medida
que crescem. Para a criança tímida, o que importa desde o início
é a maneira como os pais a tratam, e logo a maneira como aprendem
a lidar com a timidez natural do filho. Aqueles pais que sabem
inventar experiências cada vez mais aventurosas para os seus filhos
estão a oferecer-lhes um correctivo do medo que lhes vai durar a
vida toda.

Cerca de um terço das crianças que vêm ao mundo com todos


os sinais de uma amígdala sobreexcitável já perderam a timidez
quando chega a altura de entrar no ensino pré-escolar.7 com base
em observações destas crianças ex-medrosas em suas casas, torna-se
claro que os pais, e especialmente as mães, desempenham um papel
crucial para determinar se uma criança inatamente tímida se torna
mais confiante com a idade ou continua a fugir de tudo o que seja
novidade e a deixar-se perturbar pelos desafios. A equipa de Kagan
descobriu que algumas mães optam por um comportamento de protecção
dos seus filhos tímidos de tudo o que possa perturbá-los, ao
passo que outras acham que é mais importante ajudar a criança
tímida a enfrentar esses momentos perturbadores e desse modo
adaptar-se às pequenas lutas da vida. A atitude protectora parece
promover a timidez, provavelmente ao privar a criança da oportunidade
de aprender a vencer os seus medos. A teoria «aprender a
adaptar-se» parece, pelo contrário, ajudar a criança tímida a tornar-se
mais confiante.

Observações feitas em casa quando os bebés tinham cerca de


seis meses mostraram que as mães protectoras, nos seus esforços por
acalmar os filhos, lhes pegavam ao colo e os embalavam sempre que
eles tinham uma birra ou choravam, e o faziam durante mais tempo
do que aquelas outras mães que se esforçavam por ajudar os filhos a
DANIEL GOLEMAN

aprenderem a ultrapassar esses momentos de perturbação. A proporção


entre o número de vezes que as crianças eram embaladas
quando calmas e quando perturbadas mostrava que as mães protectoras
pegavam muito mais nos filhos durante os períodos de excitação
do que nos momentos de calma.

Quando as crianças tinham cerca de um ano, emergiu uma nova


diferença: as mães protectoras eram muito mais lenientes e indirectas
no modo como estabeleciam limites para os filhos quando eles
faziam qualquer coisa potencialmente perigosa, como levar à boca
um objecto que pudessem engolir. As outras mães, pelo contrário,
eram enfáticas, estabelecendo limites firmes, dando ordens directas,
impedindo as acções da criança, exigindo obediência.

De que maneira poderá a firmeza levar a uma redução do medo?


Kagan especula que a criança aprende qualquer coisa quando, ao
gatinhar em direcção a um objecto que a ela lhe parece intrigante
(mas que para a mãe é perigoso), é interrompida por um aviso: «Não
mexas nisso!» A criança é subitamente forçada a lidar com uma
pequena incerteza. A repetição deste desafio centenas e centenas de
vezes durante o primeiro ano de vida proporciona à criança ensaios
contínuos, em doses reduzidas, de encontros com o inesperado. Para
a criança medrosa, esse é precisamente o encontro que tem de ser
dominado, e as doses pequenas são exactamente o que convém para
aprender a lição. Quando o encontro tem lugar com pais que, embora
amantes, não vão a correr pegar na criança à mais pequena contrariedade,
ela aprende gradualmente a lidar sozinha com esses
momentos. Quando, com dois anos de idade, estas crianças que deixaram
de ser medrosas voltam ao laboratório de Kagan, é muito
menos provável que se ponham a chorar porque um desconhecido
lhes franziu a testa, ou um experimentador lhes pôs a tira de um
esfigmomanómetro à volta do braço.

A conclusão de Kagan: «Parece, pois, que as mães que protegem


os seus filhos altamente reactivos contra quaisquer formas de frustração
ou ansiedade na esperança de obter um resultado benévolo,
estão na realidade a exacerbar a incerteza da criança e a provocar o
efeito contrário.»8 Por outras palavras, a estratégia protectora é
contraproducente uma vez que priva as crianças tímidas da oportunidade
de aprenderem a acalmarem-se sozinhas face ao desconhecido,
e deste modo ganharem algum controlo sobre os seus medos. Ao
nível neurológico, isto significa presumivelmente que os seus circuitos
pré-frontais perdem a oportunidade de aprender respostas alter284
*
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

nativas ao medo reflexo; em vez disso, a sua tendência para o medo


incontrolado pode sair reforçada pela simples repetição.

Em contraste, segundo me disse Kagan: «As crianças que se tornaram


menos tímidas quando vão para a escola infantil parecem ter
pais que as foram pressionando pouco a pouco no sentido de ganharem
mais confiança. Embora esta característica temperamental
pareça ligeiramente mais difícil de modificar do que outras — provavelmente
devido à sua base fisiológica — nenhuma qualidade
humana está para além da possibilidade de mudança.»

Ao longo da infância, algumas crianças tímidas vão-se tornando


mais ousadas à medida que a experiência continua a moldar o
circuito neuronal-chave. Um dos sinais de que uma criança tímida
terá mais capacidade para ultrapassar esta inibição natural é ter
um nível mais elevado de competência social: ser cooperadora e
dar-se bem com as outras crianças; ser empática, gostar de dar
e partilhar, e ser afável; ser capaz de desenvolver amizades íntimas.
Estas características marcavam um grupo de crianças inicialmente
identificadas como tendo um temperamento tímido aos quatro
anos de idade mas que se tinham modificado completamente
quando chegaram aos dez.9

Por contraste, aquelas crianças que eram tímidas aos quatro


anos e não se modificaram sensivelmente durante os seis anos seguintes
tendiam a ser emocionalmente menos hábeis: choravam e
iam-se abaixo sob pressão com mais facilidade; eram emocionalmente
inadaptadas, medrosas, com tendência para amuar e choramingar;
reagiam com fúria à mais pequena frustração; eram excessivamente
sensíveis às críticas e desconfiadas. Estes lapsos emocionais,
é evidente, significam provavelmente que as suas relações com outras
crianças serão atribuladas, mesmo que consigam vencer a relutância
inicial em confraternizar.

Não é difícil perceber a razão por que as crianças emocionalmente


competentes — ainda que tímidas por temperamento —
conseguiam vencer espontaneamente a sua timidez. Sendo socialmente
mais dotadas, tinham mais possibilidades de passar por uma
série de experiências positivas com outras crianças. Embora tivessem
alguma dificuldade em, por exemplo, falar pela primeira vez
com um novo colega de escola, uma vez quebrado o gelo eram capazes
de brilhar socialmente. A repetição regular destes êxitos sociais
ao longo dos anos acaba naturalmente por tornar o tímido mais
seguro de si mesmo.

285
DANIEL GOLEMAN

Estes progressos no sentido da autoconfiança e da abertura são


encoraj adores: sugerem que todo e qualquer padrão inato pode, até
um certo ponto, ser modificado. A criança que vem ao mundo com
uma tendência natural para ser assustadiça pode aprender ao mostrar-se
mais calma, ou mesmo confiante, face ao desconhecido. A
timidez — ou qualquer outro tipo de temperamento — pode fazer
parte dos dados biológicos das nossas vidas emocionais, mas não
estamos necessariamente limitados pelas nossas características hereditárias
a uma ementa emocional específica. Há uma gama de
possibilidades, mesmo no âmbito dos constrangimentos genéticos.
Tal como os geneticistas comportamentais observam, os genes por
si sós não determinam o comportamento; o meio, especialmente o
que experimentamos e aprendemos à medida que vamos crescendo,
modela o modo como as predisposições temperamentais se expressam
ao longo da vida. As nossas capacidades emocionais não
são um dado inalterável; com a aprendizagem adequada, podem ser
aperfeiçoadas. A razão disto reside no modo como o cérebro humano
amadurece.

INFÂNCIA: UMA JANELA DE OPORTUNIDADES

O cérebro humano de modo algum está completamente formado


à nascença. Continua a moldar-se a si mesmo ao longo da vida,
embora o período de crescimento mais intenso ocorra durante a
infância. As crianças nascem com muitos mais neurónios do que
aqueles que o seu cérebro plenamente amadurecido conterá; através
de um processo conhecido como «poda», o cérebro vai perdendo
as ligações neuronais menos usadas, ao mesmo tempo que forma
fortes ligações nos circuitos sinápticos que são mais utilizados. A
poda, ao eliminar as sinapses irrelevantes, melhora a relação sinal-ruído
do cérebro, ao remover a causa do «ruído». Este processo é
constante e rápido; as ligações sinápticas podem formar-se numa
questão de horas ou de dias. A experiência, especialmente durante
a infância, esculpe o cérebro.

A demonstração clássica do impacte da experiência no crescimento


do cérebro foi feita por Thorsten Wiesel e David Hubel,
ambos neurocientistas galardoados com o Prémio Nobel.10 Wiesel e
Hubel demonstraram que no caso dos gatos e dos macacos há um
período crítico, durante os primeiros meses de vida, para o desen286
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

volvimento das sinapses que transportam sinais do olho até ao córtex


visual, onde esses sinais são interpretados. Se um dos olhos fosse
mantido fechado durante esse período, o número de sinapses entre
esse olho e o córtex visual diminuía, enquanto as sinapses do olho
aberto se multiplicavam. Se, depois do período crítico, o olho fechado
fosse reaberto, o animal ficava funcionalmente cego desse
olho. Embora nada houvesse de errado com o olho propriamente
dito, os circuitos que o ligavam ao córtex visual eram demasiado
poucos para que os sinais pudessem ser interpretados.

Nos seres humanos, o período crítico equivalente para a visão


corresponde aos primeiros seis anos de vida. Durante este tempo, o
acto normal de ver estimula a formação de um circuito cada vez
mais complexo que começa no olho e termina no córtex visual. Se
um dos olhos da criança permanece fechado por poucas semanas
que seja, o facto pode provocar um défice mensurável na capacidade
visual desse olho. Se a criança mantém um dos olhos fechados
pelo espaço de meses durante este período, a visão desse olho para
o pormenor fica diminuída.

Os estudos com ratos «ricos» e «pobres» proporcionam-nos uma


demonstração vívida do impacte da experiência no cérebro em
desenvolvimento.11 Os ratos «ricos» viviam em pequenos grupos
em gaiolas bem fornecidas de «divertimentos para ratos», como
escadas e rodas. Os ratos «pobres» viviam em gaiolas iguais, mas
vazias e desprovidas de qualquer espécie de diversão. Ao longo de
um período de meses, o neocórtex dos ratos ricos desenvolveu uma
rede muitíssimo mais complexa de circuitos sinápticos entre os neurónios;
os circuitos neuronais dos ratos pobres eram, em comparação,
muito mais esparsos. A diferença era tão grande que os ratos
ricos tinham cérebros mais pesados e eram, talvez sem surpresa,
mais hábeis do que os pobres a resolver problemas de labirintos.
Experiências semelhantes feitas com macacos resultaram nas mesmas
diferenças entre «ricos» e «pobres» em experiência, e o mesmo
efeito ocorre seguramente com os seres humanos.

A psicoterapia — ou seja, a reaprendizagem emocional sistemática


— constitui uma boa prova de como a experiência pode simultaneamente
modificar os padrões emocionais e modelar o cérebro.
A demonstração mais dramática decorre de um estudo feito com
pessoas que estavam em tratamento com sintomas obsessivo-compulsivos.!2Uma
das compulsões mais habituais é lavar as mãos, por
vezes tão frequentemente — centenas de vezes por dia — que a pele

287
DANIEL GOLEMAN

da pessoa fica gretada. Exames tomográficos feitos ao cérebro revelam


que os pacientes de doenças obsessivas-compulsivas apresentam
uma actividade superior à normal nos lóbulos pré-frontais.13

Metade dos doentes envolvidos no estudo recebia o tratamento


medicamentoso habitual, fuoxetina (mais conhecida pelo nome de
marca Prozac) enquanto a outra metade era submetida a terapia
comportamental. Durante a terapia, eram sistematicamente expostos
ao objecto da sua obsessão ou compulsão, sem no entanto poderem
realiza-la; os pacientes que tinham a compulsão de lavar as
mãos, por exemplo, eram colocados diante de um lavatório, mas não
podiam servir-se dele. Ao mesmo tempo, aprendiam a pôr em causa
os medos que os levavam àquele comportamento — por exemplo, o
facto de não lavarem as mãos significaria que contrairiam uma
doença e morreriam. Pouco a pouco, graças a meses destas sessões,
a compulsão desaparecia, tal como acontecia com a medicação.

A descoberta mais espantosa foi, no entanto, o facto de os exames


tomográficos mostrarem que os pacientes que tinham sido
sujeitos a terapia comportamental apresentavam uma redução significativa
de actividade numa área-chave do cérebro emocional,
o núcleo caudado, tal como os doentes tratados com êxito com a
droga fluoxetina. A experiência modificara as funções cerebrais — e
aliviara os sintomas — tão eficazmente como a medicação!

JANELAS CRUCIAIS

Entre todas as espécies, a nossa é aquela em que o cérebro demora


mais tempo a atingir a maturidade plena. Enquanto cada área
cerebral se desenvolve a um ritmo diferente durante a infância, o
início da puberdade assinala um dos mais intensos períodos de poda
em toda a extensão do cérebro. Diversas áreas cerebrais críticas para
a vida emocional contam-se entre as que amadurecem mais lentamente.
Enquanto as áreas sensoriais amadurecem durante a primeira
infância, e o sistema límbico com o início da puberdade, os lóbulos
frontais — sede do autocontrolo emocional, da compreensão e
das respostas construídas — continua a desenvolver-se pela adolescência
adentro, até cerca dos dezasseis ou dezoito anos.14

Os hábitos de gestão emocional que são repetidos uma e outra


vez durante a infância e os anos da adolescência, ajudam a modelar
estes circuitos. Isto faz da infância uma janela de oportunidades cru288
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ciai para enformar propensões emocionais que durarão a vida inteira;


os hábitos adquiridos durante a infância ficam gravados nas
ligações sinápticas básicas da arquitectura neuronal, e são por isso
mais difíceis de modificar numa fase posterior da vida. Considerando
a importância dos lóbulos pré-frontais na gestão das emoções,
uma tão longa janela de oportunidades para esculpir sinapticamente
esta região do cérebro pode perfeitamente significar que, no
desenho geral do cérebro, as experiências infantis ao longo dos anos
são capazes de moldar ligações duradouras nos circuitos reguladores
do cérebro emocional. Como vimos, entre as experiências críticas
incluem-se o maior ou menor apoio dos pais e a maneira como respondem
às necessidades dos filhos, as oportunidades e a ajuda que
a criança tem para aprender a lidar com os seus próprios momentos
de perturbação e controlar os seus impulsos, e a prática da empatia.
Na mesma linha, a negligência ou os maus tratos, a dessintonia de
um pai absorvido por si mesmo ou indiferente, e também uma disciplina
brutal, podem deixar uma marca profunda nos circuitos
emocionais.15

Uma das ligações emocionais mais essenciais, aprendida logo na


primeira infância e depois refinada ao longo dos anos seguintes, é
como acalmarmo-nos a nós próprios quando perturbados. No caso
das crianças muito novas, o apaziguamento vem do exterior: a mãe
ouve o filho a chorar, pega-lhe ao colo e embala-o até ele se acalmar.
Esta sintonização biológica, propõem alguns teóricos, ajuda a
criança a começar a aprender como fazer o mesmo sozinha.16 Durante
um período crítico entre os dez e os dezoito meses, a área orbifrontal
do córtex pré-frontal forma rapidamente as ligações com o
cérebro límbico que farão dela um interruptor essencial para as perturbações.
A criança que, através de incontáveis episódios de ser
acalmada, é ajudada a aprender a acalmar-se, postula esta especulação,
terá ligações mais fortes neste circuito controlador da perturbação,
e saberá fazê-lo melhor ao longo de toda a sua vida.

Claro que a arte de nos acalmarmos a nós próprios vai sendo


aprendida ao longo dos anos, e com novos meios, à medida que a
maturação do cérebro proporciona à criança ferramentas emocionais
progressivamente mais sofisticadas. Recordemos que os lóbulos
frontais, tão importantes para a regulação dos impulsos límbicos,
continuam a amadurecer quase até à idade adulta.17 Outro circuitochave
que continua a formar-se ao longo da infância tem como centro
o nervo vago, que numa extremidade regula o coração e outras

289
DANIEL GOLEMAN

partes do corpo, e na outra envia à amígdala sinais emitidos pelas


supra-renais, levando-a a segregar as catecolaminas que desencadeiam
a resposta luta-ou-fuga. Uma equipa da Universidade de
Washington que determinou a importância da educação paternal
descobriu que ter pais emocionalmente aptos conduz a uma mudança
para melhor na função do nervo vago.

Tal como John Gottman, o psicólogo que conduziu a investigação,


explicou: «Os pais modificam o torn vagai dos filhos»
— uma medida de quão facilmente o nervo vago é «disparado» —
«aconselhando-os emocionalmente: falando com eles a respeito dos
seus sentimentos e de como compreendê-los, não se mostrando
excessivamente críticos, ajudando-os a resolver problemas emocionais,
ensinando-lhes o que fazer, como, por exemplo, que alternativas
têm a envolverem-se numa briga, ou a retirarem-se quando
estão tristes.» Quando os pais fazem isto bem, as crianças são mais
capazes de suprimir a actividade vagai que mantém a amígdala a
pressionar o corpo com hormonas de luta-ou-fuga, e portanto portam-se
melhor.

Parece razoável admitir que cada uma das competências-chave


da inteligência emocional tem períodos críticos que se prolongam
ao longo de vários anos durante a infância. Cada período representa
uma janela para ajudar a criança a instilar hábitos emocionais
benéficos ou, se desperdiçada, para tornar muito mais difícil oferecer
lições correctivas mais tarde na vida. A modelação e poda maciças
dos circuitos neuronais que se verifica durante a infância explicam
talvez por que razão os problemas e os traumas infantis têm
efeitos tão duradouros e generalizados na idade adulta. E talvez também
expliquem por que razão a psicoterapia demora por vezes tanto
tempo a afectar alguns destes padrões — e a razão por que, mesmo
depois da terapia, esses mesmos padrões permanecem como propensões
subjacentes, embora sob uma camada de novas perspectivas
e respostas reaprendidas.

É certo que o cérebro se conserva bastante plástico ao longo de


toda a vida, se bem que não na medida espectacular que vimos na
infância. Toda a aprendizagem implica uma alteração no cérebro,
um reforço de ligações sinápticas. As mudanças verificadas nos
pacientes com sintomas obsessivo-compulsivos mostram que os
hábitos emocionais se mantêm maleáveis ao longo da vida, com
algum esforço, mesmo ao nível neuronal. O que acontece com o
cérebro no SPT (ou em terapia, já agora) é análogo aos efeitos que

290
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

todas as experiências emocionais repetidas ou intensas provocam,


para o melhor ou para o pior.

Algumas das mais importantes destas lições passam de pais para


filhos. São muito diferentes os hábitos emocionais instilados por
pais cuja sintonização significa que as necessidades emocionais dos
filhos são reconhecidas e satisfeitas, por um lado, ou por pais indiferentes
que ignoram os problemas dos filhos ou os disciplinam aos
gritos e à pancada. Grande parte da psicoterapia é, em certo sentido,
um remédio para aquilo que foi feito pela rama ou inteiramente
esquecido mais cedo na vida. Mas porque não fazer tudo o
que pudermos para prevenir essa necessidade, começando por dar às
crianças os cuidados e a orientação que à partida definem as cornpetências
essenciais da inteligência emocional?

291
Quinta Parte
Literacia Emocional
15
O Preço da Iliteracia Emocional
Começou como um vulgar desentendimento, mas depressa deu
para o torto. Ian Moore e Tyrone Sinkler, dois alunos da Jefferson
High School, em Brooklyn, tinham-se travado de razões com um
colega, Khalil Sumpter, de quinze anos. Depois começaram a implicar
sistematicamente com ele, fazendo ameaças. Até que a situação
explodiu.

Khalil, receoso de que Ian e Tyrone estivessem a preparar-se


para dar-lhe uma tareia, levou consigo um revólver calibre .38 e, a
cinco metros de distância de um vigilante, abateu ambos à queimaroupa,
num dos corredores do liceu.

O incidente, arrepiante como é, pode ser lido como mais uma


prova da necessidade desesperada de ensinar as crianças a lidar com
as emoções, resolver desacordos de maneira pacífica e pura e
simplesmente conviverem umas com as outras. Os educadores, de
há muito preocupados com os maus resultados que os seus alunos
obtêm em matemática e em leitura, começam agora a compreender
que há uma outra e ainda mais alarmante deficiência: a iliteracia
emocional.1 E embora se façam esforços louváveis para elevar os
padrões académicos, esta nova e preocupante deficiência continua
a ser ignorada nos currículos normais das escolas. Nas palavras de
um professor de Brooklyn, a actual ênfase nas escolas sugere que
«nos preocupamos mais com o facto de os nossos alunos saberem ler
e escrever que com saber se estarão vivos na próxima semana».

Sinais desta deficiência são patentes em incidentes violentos


como a morte de Ian e Tyrone, cada vez mais frequentes nas escolas
americanas. Mas trata-se de algo mais que episódios isolados;
estatísticas como as que se seguem são reveladoras do agravamento
dos tumultos da adolescência e dos problemas da infância nos
Estados Unidos, e, inevitavelmente, prenúncio de uma tendência a
nível mundial:2

Em 1990, em comparação com as duas décadas anteriores, os


Estados Unidos conheceram a taxa mais alta de sempre de crimina295
DANIEL GOLEMAN

lidade juvenil grave; o número de violações com violência praticadas


por adolescentes duplicou; os assassínios quadruplicaram, devido
sobretudo a mortes provocadas por armas de fogo.3 Durante as
mesmas duas décadas, a taxa de suicídio de adolescentes triplicou,
assim como o número de crianças com idade inferior a catorze anos
que foram vítimas de assassínios.4

Cada vez mais adolescentes ficam grávidas, e cada vez mais


novas. Em 1993, a taxa de partos em raparigas dos dez aos catorze
anos tinha subido durante cinco anos seguidos — há quem fale de
«bebés a terem bebés» — bem como a proporção de gravidezes
indesejadas na adolescência. As taxas de doenças venéreas entre os
adolescentes triplicaram ao longo das últimas três décadas.5

Se estes números são descoroçoantes, quando nos concentramos


na juventude afro-americana, sobretudo a urbana, eles tornam-se
assustadores: todas as taxas são muito mais altas, por vezes o dobro,
ou o triplo, ou ainda mais. Por exemplo, o consumo de cocaína e
heroína entre a população jovem branca subiu 300 por cento ao
longo das duas décadas anteriores aos anos 90; no caso dos jovens
afro-americanos, o aumento foi de umas espantosas 13 vezes relativamente
ao que se registava há vinte anos.6

A causa mais comum de invalidez entre os adolescentes são as


doenças mentais. Os sintomas de depressão, grave ou ligeira, afectam
cerca de ura terço de todos os adolescentes; no caso das raparigas,
a incidência de depressões duplica com a chegada da puberdade. A
frequência de desordens alimentares em raparigas adolescentes
subiu em flecha.7

Finalmente, a menos que qualquer coisa mude, as probabilidades


a longo prazo de as nossas crianças virem a casar e ter uma
vida estável e frutífera são mais ténues a cada geração que passa.
Como vimos no Capítulo 9, enquanto nos anos 70 e 80 a taxa de
divórcios rondava os 50 por cento, quando entrámos nos anos 90 a
previsão era de que dois em cada três casamentos entre jovens acabariam
em divórcio.

MAL-ESTAR EMOCIONAL

Estas alarmantes estatísticas são como o canário da mina, cuja


morte é sinal de escassez de oxigénio. Para além destes números assustadores,
a situação difícil em que se encontram as nossas crian296
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ças revela-se a níveis mais subtis em problemas do quotidiano que


ainda não degeneraram em verdadeiras crises. Os dados mais reveladores
— um barómetro directo dos níveis cada vez mais baixos de
competência emocional — são talvez os proporcionados por uma
amostragem nacional de crianças americanas, com idades entre os
sete e os dezasseis anos, que compara as condições emocionais destes
jovens em meados dos anos 70 e finais dos anos 80.8 De acordo
com as avaliações de pais e professores, verificou-se um agravamento
constante. Nenhum dos vários problemas se destacou: todos os
indicadores avançaram consistentemente na direcção errada. As
crianças, de um modo geral, estavam a portar-se cada vez pior nestas
áreas específicas: , ...-.-:

• Retraimento ou problemas sociais: preferindo estar sozinhas; mostrando-se


reservadas; revelando falta de energia; sentindo-se
infelizes; sendo excessivamente dependentes.

• Ansiosas e deprimidas: revelando tendência para a solidão; tendo


muitos medos e angústias; sentindo a necessidade de ser perfeitas;
sentindo-se pouco amadas; sentindo-se nervosas ou tristes e
deprimidas.

• Problemas de atenção ou de concentração: incapazes de prestar


atenção ou de estar quietas; sonhando acordadas; agindo sem
pensar; estando demasiado nervosas para conseguirem concentrar-se;
obtendo maus resultados escolares; incapazes de se preocuparem.

• Delinquentes ou agressivas: dando-se com outras crianças que se


metem em sarilhos; mentindo e enganando; discutindo muito;
sendo más para outras pessoas; exigindo atenção; destruindo as
coisas de outras pessoas; desobedecendo em casa e na escola;
sendo teimosas e dadas a maus humores; falando demasiado;
implicando muito; tendo mau feitio.

Embora nenhum destes problemas possa, isoladamente, considerar-se


grave, tomados em grupo tornam-se barómetros de uma
mudança profunda, de uma nova espécie de toxicidade que se está
a infiltrar e a envenenar a própria experiência da infância, significando
vastos défices na área das competências emocionais. Esta
doença emocional parece ser o preço universal que a vida moderna
exige às crianças. Embora os Americanos tenham tendência para
considerar os seus problemas particularmente graves quando corn297
DANIEL GOLEMAN

parados com os de outras culturas, estudos levados a cabo por todo


o mundo encontram níveis iguais ou piores que os dos Estados Unidos.
Por exemplo, nos anos 1980, pais e professores da Holanda,
China e Alemanha avaliaram as suas crianças mais ou menos aos
mesmos níveis de problemas que se tinham verificado para as crianças
americanas em 1976. E em alguns países, incluindo a França, a
Austrália e a Tailândia, as crianças estavam ainda em piores condições
do que as indicadas pelos níveis actualmente encontrados
nos Estados Unidos. Mas isto pode não continuar a ser verdade
durante muito tempo. As forças mais vastas que empurram para
baixo a espiral da competência emocional parecem estar a ganhar
mais impulso na América que em muitos dos restantes países desenvolvidos.9

Nenhuma criança, rica ou pobre, está isenta de risco: estes problemas


são universais e ocorrem em todos os grupos étnicos, raciais
e económicos. Assim, embora as crianças pobres apresentem valores
mais baixos no que respeita a índices de competências emocionais,
a sua taxa de deterioração ao longo de décadas não foi pior que
a das crianças da classe média ou das mais ricas; todas apresentam
a mesma pendente gradual e constante. Verificou-se também o triplo
do número de crianças que tiveram de receber ajuda psicológica
(talvez um bom sinal, indicador de que essa ajuda se tornou mais
acessível), assim como quase o dobro do número de crianças com
problemas psicológicos suficientemente graves para justificar esse
tipo de ajuda, mas que não a receberam (um mau sinal) — de cerca
de 9 por cento em 1976 para 18 por cento em 1989.

Urie Bonfrenbrenner, o eminente psicólogo do desenvolvimento


da Cornell University que fez uma comparação a nível internacional
do bem-estar das crianças, diz: «Na ausência de bons sistemas
de apoio, as pressões externas tornaram-se tão intensas que até
as famílias mais fortes estão a desmoronar-se. A agitação, instabilidade
e inconsistência da vida familiar quotidiana campeiam em
todos os segmentos da nossa sociedade, incluindo os mais instruídos
e abastados. O que está aqui em causa é nada menos do que a próxima
geração, especialmente os rapazes, que ao crescerem são particularmente
vulneráveis a forças tão disruptivas como os efeitos
devastadores do divórcio, da pobreza e do desemprego. A situação
das crianças e famílias americanas é mais desesperada do que nunca
(...) Estamos a privar milhões de crianças das suas competências e
do seu carácter moral.»10

298
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Não se trata de um fenómeno exclusivamente americano, mas


global, com a competição a nível internacional a fazer baixar os
custos de mão-de-obra que cria forças económicas que pressionam
as famílias. Vivemos uma época de famílias financeiramente sitiadas
em que ambos os pais trabalham longas horas, deixando os filhos
entregues a si mesmos ou a ver televisão; em que cada vez mais
crianças crescem na pobreza; em que a família monoparental está a
tornar-se cada vez mais vulgar; em que cada vez mais crianças são
deixadas em creches tão mal dirigidas que na prática equivalem ao
abandono. Tudo isto significa, mesmo para os pais melhor intencionados,
a erosão dessas incontáveis e pequenas trocas entre pais e filhos
que estão na origem das competências emocionais.

Se as famílias deixaram de ter a capacidade efectiva de preparar


todas as nossas crianças para a vida, que podemos nós fazer? Um
olhar mais atento às mecânicas dos problemas específicos sugere o
modo como determinados défices nas competências sociais ou emocionais
lançam as bases de problemas graves, e como medidas correctivas
ou preventivas bem direccionadas podem ajudar a manter
as crianças no bom caminho.

DOMESTICAR A AGRESSÃO

Na minha escola primária, o menino mau era o Jimmy, que já


andava no quarto ano enquanto eu frequentava o primeiro. Era o
miúdo que roubava aos outros o dinheiro para o almoço, lhes tirava
as bicicletas e lhes batia por dá cá aquela palha. Era o rufião clássico,
que começava uma briga à mais pequena provocação, ou por
vezes até sem provocação nenhuma. Todos nós tínhamos medo de
Jimmy e todos nós nos mantínhamos à distância. Toda a gente o
detestava, ninguém queria brincar com ele. Era como se onde quer
que ele fosse, no recreio, um guarda-costas invisível afastasse as
outras crianças do seu caminho.

Os garotos como Jimmy são claramente crianças perturbadas.


Mas o que talvez seja menos óbvio é que ser tão flagrantemente
agressivo na infância constitui um prenúncio de problemas emocionais,
e outros, que estão ainda para vir. Jimmy foi preso por assalto
quando tinha apenas dezasseis anos.

A herança vitalícia de agressividade infantil em garotos como


Jimmy tem emergido de muitos estudos.” Como vimos, a vida fami299
DANIEL GOLEMAN

liar destas crianças agressivas inclui tipicamente pais que alternam


o mais total desinteresse com castigos severos e caprichosos, um
padrão que, talvez compreensivelmente, torna a criança um tanto
paranóica ou combativa.

Nem todas as crianças zangadas são rufiões; algumas são párias


sociais que reagem exageradamente retraindo-se face a tudo o que
considerem uma ofensa ou injustiça. Mas a falha perceptual que as
liga a todas é o facto de verem desconsiderações onde elas não existem,
imaginando os colegas como mais hostis do que na realidade
são. Isto conduz a interpretar actos neutros como ameaças efectivas
— um encontrão inocente é visto como uma vingança — e retaliar
com um ataque. Isto, como é evidente, leva as outras a evitarem-nas,
deixando-as ainda mais isoladas. Estas crianças são altamente
sensíveis às injustiças. Vêem-se tipicamente a si mesmas como vítimas
e são capazes de recitar uma lista de ocasiões em que, por exemplo,
os professores as acusaram de qualquer coisa de que estavam
inocentes. Outra característica destas crianças é que uma vez dominadas
pela raiva só conseguem pensar numa maneira de reagir:
batendo.

O funcionamento destas deficiências perceptuais vê-se muito


claramente numa experiência em que se juntam um rufião e uma
outra criança mais pacífica para assistir a vídeos. Num dos filmes,
um rapaz deixa cair os livros quando um outro choca com ele, e
os colegas que estão por perto riem; o rapaz que deixou cair os livros
enfurece-se e tenta agredir um dos que estão a rir. Quando, terminado
o vídeo, os dois rapazes que estiveram a assistir são interrogados,
o rufião é sempre de opinião que o que levou o encontrão e
deixou cair os livros tinha razões para bater nos outros. Ainda mais
revelador, quando, ao discutir o que viram, têm de classificar em
termos de agressividade as personagens do vídeo, o rufião vê sempre
o rapaz que chocou com o outro como mais agressivo, e acha
justificada a fúria do que tentou bater.12

Este juízo precipitado testemunha uma profunda parcialidade


perceptual das pessoas invulgarmente agressivas: agem com base em
suposições de hostilidade ou ameaça, dando pouca atenção ao que
realmente acontece. A partir do momento em que imaginam uma
ameaça, entram imediatamente em acção. Por exemplo, se um
rapaz agressivo está a jogar damas com outro que move uma peça
sem ser a sua vez, interpreta imediatamente o gesto como uma tentativa
de fazer batota, sem se deter um instante a pensar que pode

300
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ter-se tratado de um engano inocente. A sua conjectura é de malevolência,


nunca de inocência; a sua reacção é hostilidade automática.
Interligada a esta percepção reflexa de um acto hostil, está
uma agressividade igualmente automática; em vez de, por exemplo,
fazer notar ao parceiro de jogo que se enganou, saltará imediatamente
para a acusação, gritando e batendo. E quanto mais as
crianças fazem isto, mais automática a agressão se torna para elas, e
mais se reduz o repertório de respostas alternativas, como ser bemeducado
ou dizer uma graça.

Estas crianças são emocionalmente vulneráveis na medida em


que têm um baixo limiar de exaltação, irritando-se mais vezes e por
um maior número de razões; uma vez irritadas, o pensamento deixa
de ser claro, de modo que percebem como hostis os actos mais
benignos e recorrem imediatamente à resposta que têm bem aprendida:
bater.13

Estas deficiências perceptuais já estão bem instaladas nos primeiros


anos escolares. Enquanto a maior parte das crianças, e especialmente
os rapazes, se mostra regra geral indisciplinada no jardim
infantil e no primeiro ano, as crianças mais agressivas não conseguiram
aprender nem um pouco de autocontrolo quando chegam
ao segundo ano. Enquanto as outras crianças começaram a aprender
a resolver os desentendimentos do recreio através da negociação
e do compromisso, os rufiões confiam cada vez mais na força.
E pagam por isso um preço social: duas ou três horas depois de um
primeiro contacto no recreio com um rufião, as outras crianças já
dizem que não gostam dele.14

Estudos que acompanharam crianças desde a pré-primária até à


adolescência concluíram que cerca de metade das que no primeiro
ano eram indisciplinadas, incapazes de dar-se com os colegas, desobedientes
aos pais e resistentes aos professores se tornarão delinquentes
antes de fazerem vinte anos.15 Claro que nem todas as crianças
se encontram numa trajectória que as conduza à violência e à
criminalidade. Mas, de todas as crianças, estas são as que correm
maiores riscos de vir a cometer crimes violentos.

A tendência para o crime manifesta-se surpreendentemente


cedo na vida destas crianças. Quando as crianças de um jardim
infantil de Montreal foram classificadas em termos de hostilidade e
indisciplina, as que aos cinco anos tinham obtido pontuações mais
altas já apresentavam, apenas cinco a oito anos mais tarde, maiores
indícios de delinquência. Em comparação com quaisquer outras

301
DANIEL GOLEMAN

crianças, era três vezes mais provável ouvi-las admitir que tinham
batido em alguém que não lhes fizera qualquer mal, ou praticado
furtos em lojas, ou usado uma arma numa luta, ou roubado um
carro, ou terem-se embriagado — tudo isto antes de atingirem os
catorze anos de idade.16

A vida típica para a violência e a criminalidade começa com


crianças que já eram agressivas e difíceis de controlar no primeiro e
segundo anos.17 Caracteristicamente, logo a partir dos primeiros
anos de escola, a dificuldade de controlarem os seus impulsos contribui
igualmente para serem más estudantes, considerados por
todos, e por elas próprias, como «burras» — uma avaliação confirmada
pelo facto de terem de ser remetidas para turmas de ensino
especial (e embora algumas destas crianças possam ter altos níveis
de «hiperactividade» ou problemas de aprendizagem, nem todas os
têm, nem pouco mais ou menos). As crianças que, ao chegarem à
escola, já aprenderam em casa um estilo «coercivo» — ou seja,
usando a força — são postas de parte pelos professores, que têm de
dedicar demasiado tempo a manter a ordem entre os seus alunos.
O desafio às regras da aula, que é tão natural para estas crianças, significa
que desperdiçam um tempo que de outro modo seria utilizado
para aprender; o inapelável fracasso académico destes alunos já
é habitualmente evidente a partir do terceiro ano. Embora os rapazes
que já se encontram numa trajectória que os conduzirá à delinquência
obtenham habitualmente pontuações de QI inferiores aos
colegas, a sua impulsividade é a causa mais directa desta situação; a
impulsividade em garotos de dez anos constitui um previsor de futura
delinquência três vezes mais certeiro do que o QI.18

No quarto ou quinto ano estes rapazes — entretanto considerados


como rufiões ou apenas «difíceis» — são rejeitados por todos os
colegas e incapazes de fazer amigos, além de terem falhado academicamente.
Sentindo-se repelidos, gravitam para a órbita de outros
párias sociais. Entre o quarto e o nono anos ligam-se definitivamente
ao grupo de marginais a que pertencem e iniciam-se numa vida
de desafio às leis: multiplicam por cinco o seu nível de delinquência,
bebendo e consumindo drogas, com o aumento mais acentuado
entre o sétimo e o oitavo anos. Um pouco mais tarde, junta-se-lhes
um outro tipo de «atrasados», que se sentem atraídos pelo seu
estilo de vida inconformista; estes «atrasados» são frequentemente
jovens que não têm em casa qualquer espécie de controlo e começaram
a andar pelas ruas ainda na escola primária. A meio do curso

302
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

secundário, este grupo marginal abandona tipicamente os estudos e


envereda mais abertamente pela delinquência, começando por praticar
pequenos crimes, como furtos em lojas, roubos e tráfico de
drogas.

(Esta trajectória apresenta uma diferença bem reveladora entre


rapazes e raparigas. Um estudo conduzido com raparigas que no
quarto ano eram consideradas «más» — que arranjavam problemas
com os professores e violavam as regras da escola, mas não eram
desdenhadas pelas colegas — verificou que cerca de 40 por cento
delas já tinham um filho quando chegavam ao fim do secundário.19
Isto correspondia a três vezes a taxa média para as outras raparigas
das suas escolas. Por outras palavras, as adolescentes anti-sociais
não se tornam violentas — ficam grávidas.)

Não existe, evidentemente, um caminho único para a violência


e a criminalidade, e muitos outros factores podem colocar uma
criança em risco: ter nascido numa zona de alta criminalidade, onde
é exposta a mais tentações à prática do crime e da violência, ser
oriunda de uma família sujeita a elevados níveis de tensão, ou viver
num ambiente de pobreza. Mas nenhum destes factores torna inevitável
uma vida de crime violento. Sendo tudo o mais igual, as
forças psicológicas em jogo na criança agressiva aumentam enormemente
a probabilidade de ela vir a tornar-se um criminoso violento.
Nas palavras de Gerald Patterson, um psicólogo que acompanhou
de perto as carreiras de centenas de rapazes desde a infância à
idade adulta, «os actos anti-sociais do garoto de cinco anos podem
ser protótipos dos actos do delinquente adolescente».20

ESCOLA PARA RUFIÕES

Esta propensão natural que as crianças agressivas arrastam consigo


por toda a vida quase lhes assegura que irão ver-se metidas em
sarilhos. Um estudo de deliquentes juvenis condenados por crimes
violentos e de estudantes do ensino secundário agressivos concluiu
que existe entre os dois grupos um tipo de mentalidade comum:
quando têm dificuldades com alguém, colocam-se desde logo numa
posição de antagonismo, vendo imediatamente nessa pessoa um
inimigo, sem procurarem obter mais informações ou tentarem pensar
numa maneira pacífica de resolver as diferenças. Ao mesmo
tempo, as consequências negativas de uma solução violenta — tipi303
DANIEL GOLEMAN

camente uma luta — nem sequer lhes passam pelo espírito. A tendência
para a agressividade é justificada nos seus espíritos por ideias
como: «É normal bater em alguém quando se perde a cabeça devido
à raiva», «Se fugirmos a uma luta, todos nos julgarão cobardes»,
e «As pessoas que apanham uma tareia não sofrem assim tanto
como isso».21 i

Uma ajuda dada a tempo pode, no entanto, modificar estas *

atitudes e travar a trajectória da criança a caminho da deliquência;


diversos programas experimentais tiveram algum êxito em ajudar j

crianças agressivas a aprenderem a controlar os seus impulsos anti- \

sociais antes que eles as metessem em sarilhos mais graves. Um deles,


na Duke University, trabalhou com crianças especialmente turbulentas
e desordeiras da escola primária, em sessões de treino de
quarenta minutos, duas vezes por semana, entre seis a doze semanas.
Os rapazes eram ensinados, por exemplo, a ver como algumas situações
sociais que interpretavam como hostis eram na realidade neutras
ou amigáveis. Aprendiam a ver a perspectiva das outras crianças,
a terem uma noção de como eram vistos e do que os outros
podiam estar a pensar ou a sentir durante os encontros que os tinham
feito zangar-se tanto. Além disso, recebiam treino directo de
controlo da ira, através da representação de cenas — como alguém ;

implicar com eles — que normalmente os levariam a reagir com


violência. Uma das habilidades-chave para controlar a fúria era tomarem
consciência dos seus próprios sentimentos — aperceberem-se
das sensações dos seus corpos, como ficarem corados, ou com os
músculos tensos, quando se enfureciam, e tomarem esses sentimentos
como uma indicação para parar e pensar no que fazer a seguir,
em vez de passarem impulsivamente à agressão.

John Lochman, um psicólogo da Duke University que foi um


dos autores do programa, disse-me: «Discutem situações em que se
viram envolvidos recentemente, como levarem um encontrão no
corredor e pensarem ter sido de propósito. Conversam a respeito
de como poderiam ter lidado com a situação. Um dos rapazes disse,
por exemplo, que se tinha limitado a olhar para o que lhe dera o
encontrão e lhe dissera que não voltasse a fazê-lo, afastando-se em
seguida. Isso colocara-o numa posição de exercer algum controlo e
conservar o seu amor-próprio, sem se envolver numa luta.»

Isto resulta; muitos destes garotos agressivos sentem-se infelizes


por perderem tão facilmente as estribeiras e mostram-se receptivos
a aprender a controlar-se. No calor do momento, é evidente, res304
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

postas de «cabeça fria» do género afastar-se ou contar até dez e esperar


que o impulso para bater passe antes de reagir não são automáticas;
os rapazes praticam estas alternativas representando cenas
como uma em que entram num autocarro cheio de outros garotos
que os provocam. Desta maneira podem ensaiar respostas amigáveis
que lhes preservam a dignidade e lhes dão uma alternativa a bater,
chorar ou fugir envergonhados.

Três anos depois de terem passado pelo treino, Lochman cornparou


estes rapazes com outros que eram igualmente agressivos mas
não tinham beneficiado das sessões de controlo da ira. Verificou
que, na adolescência, os rapazes que tinham seguido o programa
eram muito menos turbulentos nas aulas, tinham mais sentimentos
positivos a respeito de si mesmos, eram menos propensos a beber ou
a consumir drogas. E quanto mais tempo tivesse durado o programa,
menos agressivos se mostravam como adolescentes.

PREVENIR A DEPRESSÃO

Dana, de dezasseis anos, sempre parecera ter uma vida normal.


Mas agora, subitamente, não conseguia relacionar-se com outras
raparigas, e, o que era ainda mais perturbador, não conseguia arranjar
maneira de conservar um namorado, embora dormisse com eles.
Triste e permanentemente cansada, Dana perdeu o interesse por
comer, por qualquer tipo de divertimento; dizia que se sentia desesperada
e impotente para escapar a este estado de espírito, e que
estava a pensar suicidar-se.

A queda na depressão tinha sido causada pelo seu mais recente


rompimento. Dizia que não sabia como sair com um rapaz sem
envolver-se sexualmente logo no primeiro encontro — embora
achasse que procedia mal — e que não sabia como pôr fim a uma
relação, ainda que insatisfatória. Ia para a cama com os rapazes,
dizia, quando na realidade tudo o que desejava era conhecê-los
melhor.

Acabava de mudar-se para uma nova escola, e sentia-se tímida


e renitente em fazer novas amizades. Por exemplo, nunca iniciava
uma conversa, só falando com alguém que se lhe dirigisse primeiro.
Sentia-se incapaz de transmitir aos outros aquilo que era e nem
sequer sabia o que dizer depois de «Olá, como estás?».22

305
DANIEL GOLEMAN

Dana começou a frequentar sessões de terapia no âmbito de um


programa experimental destinado a adolescentes deprimidos na
Columbia University. O tratamento incidiu em ajudá-la a aprender
a lidar melhor com as suas relações: como fazer amigos, como sentir-se
mais à vontade junto de outros adolescentes, como definir os
limites da proximidade sexual, como ser íntima, como expressar
os seus sentimentos. Em essência, era um ensino curativo de algumas
das competências emocionais mais básicas. E resultou; a
depressão de Dana cedeu.

Muito especialmente com os jovens, os problemas de relacionamento


constituem uma causa de depressão. A dificuldade reside frequentemente
nas relações das crianças com os pais e com os colegas.
Muitas vezes, as crianças e os adolescentes deprimidos não
conseguem, ou não querem, falar a respeito da sua tristeza. Parecem
incapazes de classificar correctamente os seus sentimentos, mostrando
em vez disso uma irritabilidade soturna, impaciência, mauhumor
e ira, especialmente dirigidos aos pais. Isto, por sua vez,
torna mais difícil aos pais oferecerem o apoio emocional e a orientação
de que a criança deprimida na realidade necessita, iniciando
uma espiral descendente que termina tipicamente em discussões
constantes e em alienação.

Uma nova maneira de ver as causas da depressão nos jovens


aponta para défices de duas áreas da competência emocional: a capacidade
de relacionamento, por um lado, e uma maneira de interpretar
os desaires que é promotora de depressão, pelo outro.
Embora alguma da tendência para a depressão seja quase seguramente
devida à fatalidade genética, muita dela decorre de hábitos
de pensamento pessimistas mas reversíveis que predispõem a criança
a reagir às pequenas derrotas da vida — uma má nota, uma discussão
com os pais, a rejeição social — ficando deprimida. E há provas
que sugerem que a predisposição para a depressão, seja qual for a
sua base, está a tornar-se cada vez mais espalhada entre os jovens.

UM CUSTO DA MODERNIDADE:
TAXAS DE DEPRESSÃO CRESCENTES

Estes anos do fim do milénio estão a levar-nos para uma Era da


Melancolia, tal como o século XX foi a Era da Ansiedade. Os dados
internacionais revelam aquilo que parece ser uma epidemia de

306
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

depressão, que se vai espalhando simultaneamente com a adopção


por todo o mundo dos costumes modernos. Desde o início do século,
cada geração sucessiva, a nível mundial, tem vivido com um
risco superior ao dos pais de sofrer ao longo da vida uma depressão
profunda — não apenas tristeza, mas uma apatia paralisante, um
abatimento, uma autocomiseração e um desespero esmagadores.23
E estes episódios estão a aparecer cada vez mais cedo. A depressão
infantil, outrora praticamente desconhecida (ou, pelo menos, não
reconhecida) está a emergir como uma característica constante da
cena moderna.

Embora a probabilidade de ficar deprimido aumente com a


idade, o maior acréscimo verifica-se entre os jovens. Para os que
nasceram depois de 1955, a possibilidade de virem a sofrer uma
depressão profunda a qualquer altura das suas vidas é, em muitos
países, três vezes maior da que fora para os avós. Entre os americanos
nascidos antes de 1905, a taxa dos que sofriam de uma depressão
profunda ao longo da sua vida era de apenas um por cento; para os
que nasceram depois de 1955, aos vinte e quatro anos 6 por cento
sofriam de depressão. Para os nascidos entre 1945 e 1954, a probabilidade
de terem tido uma depressão profunda antes dos trinta e
quatro anos é dez vezes maior do que para os nascidos entre 1905
e 1914.24 E em cada geração o início do primeiro episódio de depressão
tem tendência para ocorrer cada vez mais cedo.

Um estudo a nível mundial e envolvendo trinta e nove mil pessoas


detectou esta mesma tendência em Porto Rico, no Canadá, em
Itália, na Alemanha, em França, em Taiwan, no Líbano e na Nova
Zelândia. Em Beirute, o aumento das depressões acompanhou de
perto os acontecimentos políticos, com um pico pronunciado durante
os períodos de guerra civil. Na Alemanha, entre os nascidos
antes de 1914, a taxa de depressão aos trinta e cinco anos de idade
era de 4 por cento; entre os nascidos na década que antecedeu 1944
essa mesma taxa é de 14 por cento. Em todo o mundo, as gerações
que atingem a idade adulta em períodos politicamente conturbados
apresentam taxas muito altas de depressão, embora a tendência
geral para a subida se mantenha independentemente de quaisquer
acontecimentos políticos.

O abaixamento para a infância da idade em que as pessoas experimentam


o seu primeiro episódio de depressão parece ser igualmente
uma tendência mundial. Quando pedi a diversos peritos que
arriscassem uma razão, foram-me apresentadas várias teorias.
DANIEL GOLEMAN

O Dr. Frederick Goodwin, na altura director do Instituto


Nacional de Saúde Mental, adiantou: «Verificou-se uma erosão tremenda
da família nuclear: um duplicar das taxas de divórcio, uma
quebra do tempo que os pais têm disponível para os filhos, um
aumento da mobilidade. Hoje, as crianças já não crescem conhecendo
uma grande parte da família alargada. A perda destas fontes
estáveis de auto-identificação significa uma maior susceptibilidade
à depressão.»

O Dr. David Kupfer, director de psiquiatria da Faculdade de


Medicina da Universidade de Pittsburgh, apontou-me outra
tendência: «corn o incremento da industrialização na esteira da
Segunda Guerra Mundial, de algum modo as pessoas deixaram de
estar em casa. Em cada vez mais famílias verificou-se uma indiferença
crescente dos pais em relação às necessidades dos filhos
enquanto eles cresciam. Isto não é uma causa directa de depressão,
mas cria uma vulnerabilidade. As tensões emocionais precoces
podem afectar o desenvolvimento neuronal, o que por sua vez pode
conduzir à depressão quando a pessoa é submetida a um grande
stress, mesmo várias décadas mais tarde.»

Martin Seligman, o psicólogo da Universidade da Pensilvânia,


propôs: «Durante os últimos trinta ou quarenta anos temos assistido
a uma ascendência do individualismo e a um esbatimento das
crenças religiosas, bem como a uma redução do apoio da comunidade
ê da família alargada. Isto significa uma perda dos recursos
que ajudam a proteger-nos contra desaires e derrotas. A partir do
momento em que a pessoa vê um fracasso como algo duradouro e o
amplia de modo a afectar todos os aspectos da sua vida, está pronta
a deixar que qualquer derrota se transforme numa fonte perpétua de
desespero. Mas se a pessoa tem uma perspectiva mais vasta, como a
crença em Deus e numa outra vida, e sofre um contratempo como
perder o emprego, essa derrota é vista como apenas temporária.»

Seja qual for a sua causa, a depressão nos jovens é um problema


premente. Nos Estados Unidos, as estatísticas sobre o número de
crianças e adolescentes que sofrem de depressão num dado ano variam
bastante (ao contrário das que respeitam ao índice de vulnerabilidade
ao longo da vida). Alguns estudos epidemiológicos que
utilizam conceitos estritos — os sintomas que determinam um diagnóstico
oficial de depressão — concluíram que para os rapazes e
raparigas entre os dez e os treze anos a taxa de depressão profunda
ao longo de um ano é de 8 por cento ou 9 por cento, embora outros

308
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

estudos a situem em cerca de metade (alguns chegam mesmo a


apontar taxas de apenas 2 por cento). Diversos dados indicam que,
com a chegada da puberdade, este índice quase duplica no caso das
raparigas; cerca de 16 por cento das raparigas entre os catorze e os
dezasseis anos sofrem um episódio de depressão, ao passo que nos
rapazes a taxa não se altera.25

O PERCURSO DA DEPRESSÃO NOS JOVENS

O facto de que, nas crianças, a depressão não deveria ser tratada,


mas prevenida, ressalta claramente de uma descoberta alarmante:
até mesmo episódios ligeiros de depressão numa criança podem
prenunciar casos mais graves numa fase posterior da vida.26 Isto
contraria a velha suposição de que a depressão na infância não tem
importância a longo prazo, uma vez que as crianças supostamente
«esquecem» o que se passou. Claro que todas as crianças ficam tristes
de vez em quando; a infância e a adolescência são, como a idade
adulta, tempos de desapontamentos ocasionais e perdas grandes e
pequenas, acompanhadas da inevitável dor. A necessidade de prevenção
não se aplica a esses casos, mas àquelas crianças para as
quais a tristeza é uma espiral descendente que as arrasta perpetuamente
para um desalento que as deixa desesperadas, irritáveis e
retraídas — uma forma de melancolia muito mais intensa.

Entre as crianças cuja depressão era suficientemente grave para


exigir tratamento, três quartos tiveram um episódio subsequente de
depressão profunda, segundo dados recolhidos por Maria Kovacs,
uma psicóloga do Western Psychiatric Institute and Clinic, de
Pittsburgh.27 Kovacs estudou crianças às quais tinham sido diagnosticadas
depressões quando tinham apenas oito anos, observando-as
de tantos em tantos anos até algumas delas terem completado vinte
e quatro.

As crianças que sofriam de depressão profunda tinham episódios


que duravam em média onze meses, embora numa em cada seis esses
episódios persistissem por períodos que chegavam aos dezoito meses.
A depressão ligeira, que no caso de algumas crianças começava aos
cinco anos, era menos incapacitante mas durava mais tempo — em
média cerca de quatro anos. E, concluiu Kovacs, as crianças que sofrem
de depressão ligeira têm mais probabilidades de vê-la transformar-se
em depressão profunda — a chamada depressão dupla. Aque309
DANIEL GOLEMAN

les que desenvolvem depressões duplas são muito mais propensos a


ter episódios recorrentes à medida que os anos passam. Enquanto se
iam tornando adolescentes e jovens adultos, as crianças que tinham
tido um episódio depressivo sofriam de depressão ou de sintomas
maníaco-depressivos, em média, um ano em cada três.

O preço para as crianças vai mais além do sofrimento causado


pela própria depressão. Disse-me Kovacs: «As crianças aprendem as
competências sociais no seu relacionamento com outras, por exemplo,
quando querem uma coisa e não estão a consegui-la, vendo
como as outras crianças lidam com a situação e tentando imitá-las.
Mas as crianças deprimidas contam-se muito provavelmente entre
aquelas que na escola são postas de parte, aquelas com que as restantes
não brincam muito.»28

A tristeza que estas crianças sentem leva-as a evitar iniciar


contactos sociais, ou a voltar a cabeça quando outras tentam
estabelecê-los — um sinal social que a outra criança só pode
interpretar como rejeição; o resultado final é que as crianças
deprimidas acabam por ser rejeitadas ou ignoradas no recreio.
Esta lacuna na sua experiência interpessoal significa que perdem
tudo aquilo que normalmente aprenderiam com as brincadeiras,
o que pode fazer delas retardatários sociais e emocionais, com
necessidade de fazer uma grande recuperação quando a depressão
desaparece.29 Na realidade, comparando crianças deprimidas com
outras emocionalmente saudáveis, verificou-se que as primeiras
são socialmente mais inaptas, menos apreciadas como cornpanheiras
de brincadeiras, e têm mais dificuldade em relacionarse
com outras crianças.

Outro preço que estas crianças têm de pagar é obter maus resultados
nos estudos; a depressão interfere com a memória e a concentração,
tornando mais difícil prestar atenção nas aulas e reter o
que é ensinado. Uma criança que não sinta alegria em coisa alguma
terá dificuldade em reunir energia suficiente para vencer os desafios
das lições mais difíceis, quanto mais experimentar fluxo na aprendizagem.
Compreensivelmente, quanto mais tempo as crianças do
estudo de Kovacs estavam deprimidas, mais as suas notas desciam e
piores resultados obtinham nos testes, o que reforçava a probabilidade
de ficarem para trás nos estudos. Na realidade, verificava-se
uma correlação directa entre a duração da depressão das crianças
e os seus resultados escolares, com uma queda constante ao
longo do curso do episódio. Todos estes problemas académicos,

310
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

como é evidente, só servem para agravar a depressão. Diz Kovacs:


«Imagine que já está a sentir-se deprimido, e começa a falhar na
escola, e fica sentado em casa sozinho, em vez de estar a brincar
com os outros miúdos.»

MANEIRAS DE PENSAR DEPRESSIOGÉNICAS

Tal como no caso dos adultos, as maneiras pessimistas de interpretar


as derrotas da vida parecem alimentar a sensação de desespero
e impotência que está no fundo da depressão infantil. Que as pessoas
que já estão deprimidas pensam destas maneiras, é algo que há
muito se sabe. O que só muito recentemente foi descoberto, no
entanto, é que as crianças mais dadas à melancolia tendem para
esta perspectiva pessimista antes de ficarem deprimidas. Esta revelação
parece sugerir uma janela de oportunidade para inoculá-las
contra a depressão antes que esta se manifeste.

Uma linha de evidência experimental provém de estudos sobre


aquilo que as crianças pensam a respeito da sua própria capacidade
de controlar o que lhes acontece na vida — por exemplo, serem
capazes de mudar as coisas para melhor. Isto avalia-se através das
classificações que as crianças atribuem a si mesmas em termos de
afirmações como «Quando tenho problemas em casa, sou melhor
do que a maior parte dos outros miúdos a ajudar a resolvê-los» e
«Quando me esforço consigo boas notas». As crianças que dizem
que nenhuma destas situações se lhes aplica têm pouca noção de
que podem fazer qualquer coisa para forçar uma mudança; esta sensação
de impotência é particularmente acentuada nas crianças mais
deprimidas.30

Num estudo revelador observou-se um grupo de alunos do quinto


e sexto anos poucos dias depois de terem recebido as notas. Como
todos sem dúvida recordamos, as notas escolares são, durante a
infância, uma das grandes fontes de alegria e de desespero. Mas os
investigadores detectam uma importância assinalável na maneira
como as crianças avaliam o seu papel depois de terem recebido uma
nota mais baixa do que esperavam. Aquelas que vêem a nota baixa
como consequência de uma falha pessoal («Sou estúpido») sentemse
mais deprimidas do que aquelas que explicam a má nota em termos
de qualquer coisa que podem modificar («Se me aplicar mais aos
trabalhos de casa de matemática, conseguirei uma nota melhor»).31

311
DANIEL GOLEMAN

Os investigadores identificaram um grupo de alunos dos terceiro,


quarto e quinto anos que os colegas rejeitavam, e verificaram
quais continuavam a ser párias sociais nas novas turmas em que
eram integrados no ano seguinte. O modo como as crianças explicavam
a si mesmas a rejeição parecia ser crucial para determinar se
ficavam ou não deprimidas. Aquelas que viam a rejeição como
devida a qualquer coisa de errado nelas próprias ficavam mais deprimidas.
Mas as optimistas, as que sentiam que podiam fazer qualquer
coisa para modificar a situação para melhor, não ficavam particularmente
deprimidas, apesar de a rejeição se manter.32 E num estudo
envolvendo crianças que faziam a notoriamente difícil transição
para o sétimo ano, as que tinham a atitude pessimista respondiam
ao maior nível de dificuldade na escola e à tensão adicional em casa
tornando-se ainda mais deprimidas.”

A prova mais directa de que uma perspectiva pessimista torna


as crianças altamente susceptíveis à depressão é-nos dada por um
estudo que começou com um grupo de crianças do terceiro ano e
se prolongou por cinco anos.34 Entre as crianças mais novas, o previsor
mais forte de depressão era uma perspectiva pessimista aliada
a um rude golpe, como o divórcio dos pais ou uma morte na
família, o que as deixava perturbadas, instáveis e, presumivelmente,
com uns pais menos capazes de dar-lhes o apoio necessário.
A medida que cresciam através dos anos da escola primária,
verificava-se uma mudança reveladora na maneira como encaravam
os acontecimentos bons e maus das suas vidas, atribuindo-os
cada vez mais às suas próprias características: «Tenho boas
notas porque sou inteligente»; «Não tenho muitos amigos porque
não sou divertido». Esta mudança parece instalar-se progressivamente
ao longo do período que vai do terceiro ao quinto anos.
A medida que isto acontece, aquelas crianças que desenvolvem
uma perspectiva pessimista — atribuindo os desaires que sofrem
na vida a um qualquer defeito em si mesmas — começam a deixar-se
dominar por estados de espírito depressivos em resposta aos
fracassos. O que é mais, a experiência da própria depressão parece
reforçar estas maneiras pessimistas de pensar, de tal modo que
mesmo quando a depressão cede, a criança fica com o equivalente
a uma cicatriz emocional; um conjunto de convicções alimentadas
pela depressão e solidificadas na mente: que não é capaz de
obter bons resultados na escola, que não é simpática, que nada
pode fazer para escapar aos seus humores sombrios. Estas ideias

312
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

fixas podem tornar a criança mais susceptível a uma nova depressão,


mais tarde ou mais cedo.

ATALHAR A DEPRESSÃO

As boas notícias: tudo parece indicar que ensinar às crianças


maneiras mais produtivas de encarar as dificuldades baixa o risco de
depressão.* Num estudo levado a cabo numa escola secundária do
Oregon, cerca de um em cada quatro estudantes tinha aquilo a que
os psicólogos chamam «depressão ligeira», ainda não suficientemente
grave para se poder dizer que ultrapassava o nível da vulgar
infelicidade.35 Alguns estariam nas primeiras semanas ou meses
daquilo que viria a transformar-se numa depressão.

Numa aula especial, em horário pós-escolar, setenta e cinco


estudantes moderadamente deprimidos aprenderam a questionar os
padrões de pensamento associados à depressão, a fazer amigos com
mais facilidade, a darem-se melhor com os pais e a envolverem-se
em mais actividades sociais de que gostassem. No final do programa,
que durou oito semanas, 55 por cento dos estudantes tinham
recuperado das suas depressões ligeiras, enquanto apenas um quarto
dos membros de um outro grupo de estudantes começavam a
libertar-se das suas. Um ano mais tarde, um quarto dos incluídos no
grupo de comparação tinham caído em depressão profunda, contra
apenas 14 por cento dos que tinham sido sujeitos ao programa.
Embora tivessem durado apenas oito sessões, as aulas especiais tinham
aparentemente reduzido a metade o risco de depressão.36

Um outro programa, com uma aula especial por semana, dedicado


a jovens entre os dez e os treze anos que tinham problemas
com os pais e apresentavam sinais de depressão, obteve resultados
igualmente encoraja dores. Durante as sessões, estas crianças apren*
Nas crianças, ao contrário do que acontece com os adultos, a medicação não
constitui uma alternativa clara à terapia ou à educação preventiva no tratamento
da depressão; as crianças metabolizam os medicamentos de uma forma diferente da
dos adultos. Os antidepressivos tricíclicos, frequentemente bem sucedidos com
adultos, não obtiveram, em estudos controlados, melhores resultados do que os
diversos placebos inactivos. Os medicamentos mais recentes contra a depressão,
incluindo o Prozac, não foram ainda clinicamente testados em crianças. E a
desipramina, um dos tricíclicos mais comuns (e seguros) usados com adultos, está,
no momento em que escrevo, a ser alvo de uma investigação por parte das autoridades
sanitárias como possível causa de morte em crianças.

313
DANIEL GOLEMAN

diam algumas competências emocionais básicas, incluindo como


resolver desentendimentos, pensar antes de agir, e, talvez mais
importante, questionar as crenças pessimistas associadas à depressão
— por exemplo, resolver estudar mais depois de ter tido
uma má nota num exame, em vez de pensar: «Não sou suficientemente
inteligente.»

«O que a criança aprende durante estas sessões é que os estados


de espírito como a ansiedade, a tristeza ou a ira não nos acontecem
sem que possamos fazer seja o que for para controlá-los, mas que,
pelo contrário, podemos modificar aquilo que sentimos através do
que pensamos, explica o psicólogo Martin Seligman, um dos criadores
do programa que se desenvolve ao longo de doze semanas.
Uma vez que contrariar os pensamentos deprimentes consegue vencer
o abatimento, fazê-lo, acrescenta Seligman, «é um tonificante
instantâneo que se transforma num hábito».

Também neste caso, as sessões especiais reduziram a metade a


taxa de depressões — um resultado que ainda se mantinha dois
anos mais tarde. Um ano depois de as aulas terem terminado, apenas
8 por cento dos que tinham participado registavam pontuações
entre moderadas e graves num teste de depressão, contra
29 por cento das crianças num grupo de comparação. Passado
mais um ano, 20 por cento dos que tinham participado no curso
mostravam alguns sinais de depressão ligeira, contra 44 por cento
dos membros do grupo de comparação.

Aprender estas habilidades emocionais no início da adolescência


pode ser particularmente útil. Seligman observa que «Estas
crianças parecem lidar melhor com as agonias rotineiras da rejeição
inevitáveis na adolescência. Parecem tê-lo aprendido durante uma
janela crucial de risco de depressão, quando passam os dez anos.
E a lição parece persistir e tornar-se mais forte à medida que os anos
passam, sugerindo que os garotos usam este conhecimento na sua
vida de todos os dias.» Outros peritos em depressão infantil aplaudem
os novos programas «Se quisermos fazer realmente uma diferença
no caso de uma doença psiquiátrica como a depressão, teremos
de agir antes que a criança adoeça», diz Kovacs. «A verdadeira
solução é a vacinação psicológica.»

314
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

DESORDENS ALIMENTARES

Quando ainda era estudante de psicologia clínica, em finais da


década de 60, conheci duas mulheres que sofriam de desordens
alimentares, embora só tenha vindo a aperceber-me disso muitos
anos mais tarde. Uma delas era uma brilhante estudante de matemática
em Harvard, uma amiga dos meus tempos do liceu; a outra
pertencia aos quadros do MIT (Instituto de Tecnologia do Massachussetts).
A matemática, apesar de esqueleticamente magra, não
conseguia pura e simplesmente comer; a comida, dizia, repugnavalhe.
A bibliotecária tinha uma figura planturosa e gostava de fazer
grandes festins de gelados, bolo de cenoura e outras sobremesas;
após o que — conforme me confidenciou com algum embaraço —
ia à casa de banho e forçava-se a vomitar. Hoje, à matemática diagnosticaríamos
uma anorexia nervosa, e à bibliotecária uma bulimia.

Naqueles tempos, porém, ainda não existiam estes rótulos. Os médicos


mal começavam a comentar o problema; Hilda Bruch, a pioneira
deste movimento, publicou o seu artigo de tese sobre desordens
alimentares em 1969.” Bruch, intrigada pelas mulheres que
pareciam querer matar-se à fome, propôs que uma das várias causas
subjacentes residia numa incapacidade de identificar e responder
adequadamente às necessidades corporais, nomeadamente, é claro,
a fome. De então para cá, a literatura clínica sobre as desordens alimentares
cresceu exponencialmente, com uma infinidade de hipóteses
a respeito das causas, que vão desde o facto de as raparigas se
sentirem cada vez mais novas obrigadas a competir com padrões
inatingíveis de beleza feminina, a mães dominadoras que envolvem
as suas filhas numa rede de culpa e remorso.

A maior parte destas hipóteses enfermava de um grave defeito:


eram extrapolações de observações feitas durante a terapia. Muito
mais desejáveis, do ponto de vista científico, são os estudos de
grandes grupos de pessoas ao longo de vários anos, para ver quais
entre essas pessoas desenvolvem o problema. Este tipo de estudo
permite uma comparação clara capaz de dizer, por exemplo, se ter
pais dominadores predispõe ou não uma rapariga para sofrer de
desordens alimentares. Para além disso, permite identificar o conjunto
de condições que conduzem ao problema e distingui-las das
condições que podem aparentemente ser causas, mas que na realidade
se encontram tanto em pessoas que não têm o problema
como noutras que estão a tratar-se dele.

315
DANIEL GOLEMAN

Quando um destes estudos foi efectivamente feito com mais de


novecentas alunas do sétimo ao décimo anos, os défices emocionais
— particularmente a incapacidade de distinguir os sentimentos
perturbadores e de controlá-los — surgiram entre os factores-chave
que conduzem ao desenvolvimento de desordens alimentares.38 No
décimo ano, sessenta e uma destas raparigas, oriundas de uma abastada
zona suburbana de Minneapolis, apresentavam já graves sintomas
de anorexia ou de bulimia. Quanto maior fosse o problema,
mais as raparigas reagiam aos desaires, dificuldades e pequenas contrariedades
com sentimentos intensamente negativos que não
conseguiam controlar, e menor era a sua consciência do que estavam
exactamente a sentir. Quando a estas duas tendências emocionais
se somava uma fortíssima insatisfação com o próprio corpo, o
resultado era a anorexia ou a bulimia. Ter pais excessivamente controladores
não desempenhava, verificou-se, um papel importante
como causa de desordens alimentares. (Como a própria Bruch avisou,
as teorias baseadas em visões retrospectivas têm poucas probabilidades
de ser correctas; por exemplo, os pais podem tornar-se
excessivamente controladores em resposta à desordem alimentar da
filha, na sua ânsia de ajudá-la.) Diversas explicações populares,
como o medo da sexualidade, a puberdade precoce e um baixo nível
de auto-estima, foram igualmente declaradas irrelevantes.

Em vez disso, a cadeia causal que este estudo prospectivo revelou


começa com os efeitos que causa numa jovem o facto de crescer
numa sociedade que considera uma magreza não natural como
um sinal de beleza feminina. As raparigas começam a preocupar-se
com o peso muito antes de chegarem à adolescência. Uma garota
de seis anos, por exemplo, pôs-se a chorar quando a mãe lhe disse
que fosse nadar, queixando-se de que ficava gorda em fato de banho.
Na realidade, diz o pediatra desta rapariguinha, que é quem
conta a história, a pequena tinha o peso normal para a sua altura.39
Num estudo que envolveu 271 adolescentes, metade das raparigas
achava-se gorda, ainda que a vasta maioria tivesse o peso normal.
Mas o estudo de Minneapolis veio demonstrar que a preocupação
com o excesso de peso não é por si só suficiente para explicar por
que razão algumas raparigas desenvolvem desordens alimentares.

Algumas pessoas obesas são incapazes de distinguir entre estarem


assustadas, zangadas ou com fome, de modo que entendem todos
estes sentimentos e sensações como significando fome, o que as
leva a comer demasiado sempre que se sentem perturbadas.40 Algo

316
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

do mesmo género parece acontecer a estas raparigas. Gloria Leon,


a psicóloga da Universidade do Minesota que conduziu o estudo
sobre as jovens e as desordens alimentares, observou que estas raparigas
«têm uma fraca consciência dos seus sentimentos e sinais corporais;
era este o previsor mais forte de que iam desenvolver uma
desordem alimentar dentro dos dois anos seguintes. De um modo
geral, as crianças aprendem a distinguir as suas sensações, a saber se
se sentem aborrecidas, zangadas, deprimidas ou com fome — é um
aspecto básico da aprendizagem emocional. Mas estas moças têm
dificuldade em distinguir os seus sentimentos básicos. Podem ter
um problema com o namorado, e não saberem de certeza se estão
zangadas, ou ansiosas, ou deprimidas — experimentam uma tempestade
emocional difusa com a qual não sabem lidar eficazmente.
Em vez disso, aprendem a sentir-se melhor comendo; isto pode tornar-se
um hábito emocional profundamente enraizado».

Quando, porém, este hábito graças ao qual se acalmam interfere


com as pressões a que as raparigas estão sujeitas para se conservarem
magras, está aberto o caminho para a desordem alimentar. «De
início a jovem pode começar por comer em excesso», observa Leon.
«Mas, para permanecer magra, recorre ao truque de vomitar, ou
toma laxativos, ou ainda pratica exercícios físicos intensos para perder
o peso que ganhou. Um outro cenário que esta luta para lidar
com a confusão emocional pode assumir é a jovem deixar pura e
simplesmente de comer — pode ser uma maneira de sentir que tem
pelo menos algum controlo sobre estes sentimentos avassaladores.»

A combinação de uma escassa consciência interior e fracas


competências sociais significa que estas jovens, quando perturbadas
pela família ou pelos amigos, não conseguem agir eficazmente de
modo a apaziguar o relacionamento em causa ou os seus próprios
sentimentos. Em vez disso, a perturbação que as domina desencadeia
a desordem alimentar, quer se trate de anorexia ou bulimia,
ou simplesmente comer em excesso. O tratamento efectivo destas
jovens, pensa Leon, tem forçosamente de incluir alguma instrução
na área das competências emocionais que lhes faltam. «Os médicos
descobriram», disse-me, «que se estes défices forem compensados a
terapia resulta melhor. Estas raparigas precisam de aprender a identificar
os seus sentimentos e aprender maneiras de se acalmarem a
si mesmas ou de gerir melhor as suas relações, sem recorrerem para
isso a hábitos alimentares prejudiciais.»

317
DANIEL GOLEMAN

SÓ OS SOLITÁRIOS: DESISTENTES

É um drama de escola primária: Ben, um aluno do quarto ano


com pouco jeito para fazer amizades, acaba de ouvir da boca do seu
único amigo, Jason, que não vão brincar os dois durante o intervalo
do almoço — Jason quer brincar com outro rapaz, Chad. Ben,
esmagado, inclina a cabeça e chora. Quando os soluços acalmam,
Ben dirige-se à mesa onde Jason e Chad almoçam juntos.

— Odeio-te! — grita a Jason.

— Porquê — surpreende-se este.

— Porque me mentiste — declara Ben, em torn acusatório.


— Disseste que ias brincar comigo esta semana toda e mentiste.

Dito isto, Ben regressa à mesa onde estava a comer sozinho,


chorando baixinho. Jason e Chad aproximam-se e tentam falar-lhe,
mas Ben tapa os ouvidos, ignorando-os deliberadamente, e acaba por
sair a correr da sala, indo esconder-se no pátio da escola. Algumas
raparigas que assistiram à cena tentam fazer o papel de pacificadoras,
procuram Ben e dizem-lhe que Jason afinal sempre quer brincar
com ele também. Ben, porém, não escuta, e diz-lhes que o deixem
em paz. Fica a lamber as suas feridas, amuado e choroso, desafiadoramente
sozinho.41

Um momento pungente, sem a mínima dúvida; a sensação de


ser rejeitado e não ter amigos é algo que todos nós conhecemos
numa ou noutra altura da nossa infância ou adolescência. Mas o
que é mais revelador na reacção de Ben é o facto de recusar-se a responder
aos esforços de Jason para fazer as pazes, uma atitude que
prolonga o seu sofrimento, quando poderia pôr-lhe fim. Esta incapacidade
de aperceber-se de pistas-chave é característica das
crianças pouco populares; como vimos no Capítulo 8, as crianças
socialmente rejeitadas são tipicamente ineptas na leitura de sinais
sociais e emocionais; e mesmo quando lêem esses sinais, podem
possuir um repertório de respostas demasiado limitado.

Desistir dos estudos constitui, para estas crianças, um risco muito


acentuado. A taxa de desistência entre as crianças que são rejeitadas
pelos colegas é duas a oito vezes maior do que entre as que
têm amigos. Um estudo concluiu, por exemplo, que cerca de 25 por
cento das crianças que eram impopulares na escola primária tinham
desistido dos estudos antes de completarem o secundário, em cornparação
com a média geral de 8 por cento.42 O que não espanta:

318
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

imagine-se o que será passar trinta horas por semana num lugar
onde ninguém gosta de nós.

Há dois tipos de tendências emocionais que levam uma criança


a acabar como pária social. Como já vimos, um é a propensão para
explosões de fúria e para ver hostilidade onde ela não existe. O segundo
é ser tímido, ansioso e socialmente retraído. Mas acima e para
além destes factores temperamentais, são as crianças «dessincronizadas»
— aquelas cuja falta de jeito para tudo deixa as pessoas repetidamente
pouco à vontade— que tendem a ser postas de lado.

Uma das maneiras como estas crianças revelam a sua «dessincronização»


é nos sinais emocionais que emitem. Quando se pediu
a alunos do ensino primário que identificassem as emoções expressas
por uma série de desenhos de caras, os que tinham poucos amigos
cometeram muitos mais erros do que as crianças mais populares.
E quando se pediu a um grupo de crianças da pré-primária que
explicassem como faziam para travar amizade com alguém ou evitar
uma luta, foram as mais impopulares — aquelas com que todas as
outras se recusavam a brincar — que deram as respostas mais negativas
(por exemplo, «Bater-lhe», ao ser-lhes perguntado o que fazer
quando duas crianças querem o mesmo brinquedo), ou referiram
vagamente pedir ajuda a um adulto. Numa outra experiência, tendo
sido pedido a um grupo de adolescentes que fingissem estar zangados,
tristes ou intrigados, foram os menos populares entre eles que
desempenharam menos convincentemente os seus papéis. Não
será, pois, uma surpresa o facto de estas crianças sentirem que são
incapazes de fazer amigos; a incompetência social de que dão provas
torna-se uma profecia que se cumpre a si mesma. Em vez de
aprenderem novas maneiras de fazer amigos, continuam a tentar as
mesmas coisas que já não resultavam no passado, ou descobrem respostas
ainda mais inadequadas.43

Na lotaria do gostar, estas crianças não satisfazem um conjunto


de critérios emocionais-chave: não são uma companhia divertida,
e não sabem como fazer os outros sentirem-se bem. A observação
do modo como as crianças impopulares brincam mostra, por
exemplo, que são muito mais propensas do que as outras a fazer
batota, amuar, desistir quando estão a perder ou gabar-se quando
ganham. Claro que todas as crianças querem ganhar num jogo
— mas, quer percam quer ganhem, sabem geralmente conter as
suas reacções emocionais de modo a não minar a relação com o
amigo com quem jogam.

319
DANIEL GOLEMAN

Enquanto as crianças que são socialmente surdas — que têm


continuamente dificuldade em ler e responder a emoções — acabarn
por ficar isoladas, isto não acontece, é evidente, àquelas
crianças que atravessam um período temporário de rejeição. Mas no
caso das que são permanentemente excluídas e rejeitadas, este doloroso
estatuto de párias agarra-se-lhes à pele e acompanha-as ao
longo de todos os anos de escola. As consequências de acabar
à margem da sociedade são potencialmente enormes à medida que a
criança se transforma em adulto. Para começar, é no caldeirão das
amizades íntimas e no tumulto da brincadeira que se refinam as
competências sociais e emocionais que mais tarde levamos para
as nossas relações. As crianças que são excluídas desta aprendizagem
ficam, inevitavelmente, em desvantagem.

Compreensivelmente, aquelas que são rejeitadas tornam-se


ansiosas e preocupadas, além de deprimidas e solitárias. Na realidade,
o grau de popularidade de uma criança no terceiro ano veio a
revelar-se um previsor mais certeiro de uma boa saúde mental aos
dezoito anos do que qualquer outro factor — incluindo as avaliações
de professores e enfermeiras, desempenho escolar e QI, ou
mesmo pontuações em testes psicológicos.44 E, como vimos, nos
estádios posteriores da vida as pessoas que têm poucos amigos e se
sentem cronicamente solitárias correm um risco acrescido de
doença e morte prematura.

Como o psicanalista Harry Stack Sullivan observou, é nas amizades


infantis com membros do nosso próprio sexo que aprendemos
a gerir os nossos relacionamentos íntimos, a resolver diferenças e a
partilhar os nossos sentimentos mais profundos. Mas as crianças
socialmente rejeitadas têm apenas metade das probabilidades das
restantes de ter um «melhor amigo» durante os anos cruciais da
escola primária, perdendo assim uma das oportunidades essenciais
de crescimento emocional.45 Um amigo pode fazer a diferença
— mesmo quando todos os outros voltam as costas (e mesmo quando
essa amizade não é muito sólida).

TREINAR AMIZADE

Há esperança para as crianças rejeitadas, apesar da sua inépcia.


Steven Asher, um psicólogo da Universidade do Illinois, concebeu
uma série de sessões de «treino de amizade» para crianças impopu320
t
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

lares que tem obtido algum êxito.46 Depois de ter identificado alunos
do terceiro e quarto anos que eram os menos apreciados nas respectivas
turmas, Asher deu-lhes seis sessões a respeito de como
«tornar as brincadeiras mais divertidas», sendo «amistoso, divertido
e simpático». Para evitar o estigma, foi dito às crianças que
seriam «consultoras» do professor, o qual estaria a tentar descobrir
que género de coisas podiam contribuir para tornar as brincadeiras
mais divertidas.

As crianças eram ensinadas a comportarem-se de maneiras que


Asher considerava típicas das crianças mais populares. Por exemplo,
eram encorajadas a pensar em sugestões alternativas e em
compromissos (em vez de provocarem uma luta) quando discordavam
das regras; a lembrarem-se de falar e fazer perguntas às outras
crianças durante o jogo; a escutar e observar os colegas para verem
como eles faziam; a dizer qualquer coisa simpática quando o outro
jogava bem; a sorrir e oferecer ajuda ou sugestões e encorajamento.
Treinavam estas graças sociais básicas jogando umas com as outras,
após o que o professor lhes explicava o que tinham feito bem ou
mal. Este minicurso teve um efeito notável: um ano mais tarde, as
crianças que o tinham frequentado — e que tinham sido todas
escolhidas por serem as mais impopulares das respectivas turmas —estavam
solidamente instaladas a meio da escala de popularidade da
aula. Nenhuma delas era uma estrela social, mas também não eram
párias. Stephen Nowicki, um psicólogo da Emory University, obteve
resultados semelhantes.47 O seu programa ensina inadaptados
sociais a apurarem a capacidade de interpretar e responder adequadamente
aos sentimentos dos outros. As crianças são, por exemplo,
filmadas em vídeo enquanto praticam a expressão de sentimentos
como a felicidade ou a tristeza, e em seguida ensinadas a melhorar
a sua expressividade emocional. Feito isto, experimentam as suas
recém-adquiridas habilidades com um colega com o qual desejem
fazer amizade.

Os programas deste tipo têm obtido uma taxa de êxito de 50 por


cento a 60 por cento no que respeita a aumentar a popularidade de
crianças rejeitadas. Verifica-se que (pelo menos tal como estão presentemente
concebidos) resultam melhor com crianças dos terceiro
e quarto anos do que com outras mais velhas, e são mais capazes
de ajudar as crianças socialmente ineptas do que as altamente
agressivas. Tudo isto é, porém, apenas uma questão de afinação; o
sinal de esperança é que muitas ou mesmo a maior parte das crian321
DANIEL GOLEMAN

ças rejeitadas pode ser reintroduzida no círculo da amizade graças a


um pouco de ensino emocional básico.

BEBIDA E DROGAS: O VÍCIO COMO AUTOMEDICAÇÃO

Os estudantes do campus local chamam-lhe «beber até cair»


— ingerir cerveja ao ponto de desmaiar. Uma das técnicas consiste
em ligar um funil a uma mangueira de jardim, de modo que uma
lata de cerveja possa ser despejada em cerca de dez segundos. O método
não é uma bizarria isolada. Um inquérito descobriu que dois
quintos da população universitária masculina «aviam» sete ou mais
bebidas de cada vez, enquanto 11 por cento se consideram «grandes
bebedores». Outro termo poderia, evidentemente, ser «alcoólicos».48
Cerca de metade dos universitários e 40 por cento das universitárias
apanham em média duas bebedeiras por mês.49

Enquanto nos Estados Unidos o consumo da maior parte das


drogas entre os jovens decresceu de um modo geral nos anos 80,
verifica-se uma tendência constante para um maior consumo de
álcool em idades cada vez mais baixas. Um inquérito levado a cabo
em 1993 concluiu que 35 por cento das jovens universitárias afirmavam
beber para se embriagarem, enquanto apenas 10 por cento
o faziam em 1977; ao todo, um em cada três estudantes bebe para
se embriagar. Isto levanta outros riscos: 90 por cento de todas as
violações registadas nas nossas universidades ocorreram depois de o
assaltante ou a vítima — ou ambos — terem bebido.50 Os acidentes
relacionados com o consumo de álcool são a principal causa de
morte entre os jovens dos quinze aos vinte e quatro anos.51

Experimentar drogas e álcool pode parecer um simples rito de


passagem para os adolescentes, mas este primeiro contacto pode ter,
para alguns, resultados duradouros. No caso da maior parte dos alcoólicos
e os drogados, o vício começou nos anos da adolescência,
embora poucos dos que fazem esta experiência acabem como alcoólicos
ou drogados. Quando terminam o secundário, 90 por cento
dos alunos já provaram álcool, ainda que apenas cerca de 14 por
cento venham a tornar-se alcoólicos; dos milhões de americanos
que experimentaram cocaína, menos de 5 por cento ficam viciados.52
O que é que faz a diferença?

Claro que aqueles que vivem em zonas de alta criminalidade,


onde se vende crack em cada esquina e o traficante de drogas é o

322
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mais proeminente modelo local de sucesso económico, correm um


risco acrescido de se tornarem viciados. Alguns chegam ao vício
tornando-se eles próprios pequenos traficantes, outros simplesmente
por causa do fácil acesso e de uma subcultura que prestigia as drogas
— um factor que aumenta o risco de consumo em qualquer
lado, incluindo (e talvez especialmente) as zonas mais abastadas.
Mas mesmo assim a questão permanece: do conjunto dos que são
expostos às tentações e às pressões, e dos que fazem a experiência,
quais são os mais susceptíveis de se tornarem viciados?

Uma teoria científica corrente postula que aqueles que contraem


o hábito, tornando-se cada vez mais dependentes do álcool ou
das drogas, usam essas substâncias como uma espécie de medicação,
uma maneira de acalmar sentimentos de ansiedade, ira ou depressão.
Através das primeiras experiências, descobrem uma solução
química, uma maneira de combater a ansiedade ou a tristeza que os
atormentam. Assim, das várias centenas de alunos do sétimo e oitavo
anos acompanhados ao longo de dois anos, foi entre os que apresentavam
níveis mais elevados de perturbação emocional que se
registaram taxas maiores de consumo de drogas.53 Isto talvez explique
a razão por que tantos jovens são capazes de experimentar as
drogas e o álcool sem se tornarem viciados, enquanto outros ficam
dependentes quase logo desde o início: os mais vulneráveis parecem
encontrar na droga ou no álcool uma maneira instantânea de apaziguar
emoções que os perturbaram durante anos.

Nas palavras de Ralph Tarter, psicólogo do Western Psychiatric


Institute and Clinic, de Pittsburgh: «Para as pessoas biologicamente
predispostas, a primeira bebida ou dose de uma droga são tremendamente
fortalecedoras, de uma maneira que outros pura e simplesmente
nunca experimentam. Muitos toxicodependentes em
recuperação dizem-me: ”No momento em que tomei a minha primeira
droga, senti-me normal pela primeira vez.” Estabiliza-os fisiologicamente,
pelo menos a curto prazo.»54 É este, claro, o negócio
com o diabo envolvido na toxicodependência: sentir-se bem por
um instante a troco da destruição gradual de toda uma vida.

Determinados padrões emocionais parecem tornar as pessoas


mais susceptíveis de encontrar alívio emocional numa substância
do que noutra. Por exemplo, há duas vias emocionais para o alcoolismo.
Uma começa com alguém que era tenso e ansioso quando
criança e que tipicamente descobre durante a adolescência que o
álcool lhe acalma a ansiedade. Muito frequentemente são filhos

323
DANIEL GOLEMAN

— quase sempre rapazes — de alcoólicos que se voltaram eles próprios


para o álcool em busca de alívio para os nervos. Um marcador
biológico deste padrão é uma secreção inferior à normal de
GABA, um neurotransmissor que regula a ansiedade — um índice
excessivamente baixo de GABA é sentido como um alto nível de
tensão. Um estudo verificou que os filhos de pais alcoólicos tinham
baixos níveis de GABA e eram altamente ansiosos, mas
quando bebiam álcool os níveis de GABA subiam e a ansiedade
descia.55 Estes filhos de alcoólicos bebem para aliviar a tensão,
encontrando no álcool um relaxamento que parecem incapazes de
conseguir de qualquer outra maneira. Estas pessoas podem ser vulneráveis
ao abuso de sedativos, além do álcool, para obterem os
mesmos efeitos calmantes.

Um estudo neuropsicológico de filhos de alcoólicos que aos doze


anos de idade apresentavam sinais de ansiedade, como uma aceleração
do ritmo cardíaco em resposta ao stress, bem como impulsividade,
descobriu que estes rapazes tinham também um fraco
funcionamento dos lóbulos frontais.36 Assim, as áreas do cérebro que
poderiam ajudá-los a acalmar a ansiedade e controlar a impulsividade
proporcionavam-lhes menos ajuda do que a outros rapazes. E uma
vez que são os lóbulos pré-frontais que gerem também a memóriade-trabalho
— que conserva na mente as consequências das várias
linhas de acção durante a tomada de decisões —, um défice nesta
área poderia contribuir para uma queda no alcoolismo, levando-os a
ignorar os inconvenientes a longo prazo da bebida, ao mesmo tempo
que encontravam no álcool um alívio imediato para a ansiedade.

Esta ânsia de calma parece ser um marcador emocional de uma


susceptibilidade genética ao alcoolismo. Um estudo de mil e trezentos
familiares de alcoólicos descobriu que os filhos de alcoólicos que
corriam um maior risco de se tornarem eles próprios alcoólicos
eram os que apresentavam níveis de ansiedade cronicamente elevados.
De facto, os investigadores concluíram que o alcoolismo se desenvolve
nestas pessoas como uma «automedicação de sintomas
de ansiedade.»5’

A segunda via emocional para o alcoolismo decorre de um alto


nível de agitação, impulsividade e tédio. Este padrão manifesta-se
na infância através de um comportamento agitado, caprichoso e difícil
de controlar; na escola primária, estas crianças são nervosas,
hiperactivas, sempre a arranjar problemas, uma tendência que, como
vimos, pode levá-las a procurar amigos em ambientes marginais

324
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

— o que por vezes as conduz a uma carreira criminosa ou a um diagnóstico


de «personalidade anti-social». Estas pessoas (e são sobretudo
homens) têm como principal queixa emocional a agitação; a
sua principal fraqueza é uma impulsividade descontrolada; a sua resposta
habitual ao tédio — que sentem com muita frequência — é
uma busca impulsiva de risco e excitação. Quando adultas, as pessoas
com este padrão (que pode estar ligado a deficiências em outros
dois neurotransmissores: serotonina e MAO) descobrem que o
álcool consegue acalmar-lhes a agitação. E o facto de não poderem
suportar a monotonia torna-as capazes de experimentar seja o que
for; isto, aliado à sua impulsividade geral, predispõe-nas ao consumo
abusivo de uma grande série de drogas além do álcool.58

Embora a depressão possa levar algumas pessoas a beber, os efeitos


metabólicos do álcool resumem-se muitas vezes a agravá-la, depois
de um alívio de curta duração. As pessoas que procuram no
álcool um paliativo emocional fazem-no muito mais frequentemente
para acalmar a ansiedade do que para combater a depressão; uma
classe completamente diferente de drogas serve para apaziguar os
sentimentos das pessoas que se sentem deprimidas — pelo menos
temporariamente. Sentir-se cronicamente infeliz coloca as pessoas
num risco acrescido de viciar-se em estimulantes como a cocaína,
que proporciona um antídoto directo contra os sentimentos depressivos.
Um estudo descobriu que a mais de metade dos pacientes que
estavam em tratamento numa clínica contra o vício da cocaína tinha
sido diagnosticada uma depressão profunda antes de terem contraído
o hábito, e que quanto mais grave fora a depressão anterior,
mais forte era a dependência.59

A ira crónica pode conduzir a ainda um outro tipo de susceptibilidade.


Num estudo que envolveu quatrocentos pacientes em
tratamento contra a dependência de heroína e outros opiáceos, o
padrão emocional mais destacado era uma dificuldade em controlar
a ira e a agressividade. Alguns dos próprios pacientes diziam que
com os opiácios se sentiam finalmente normais e descontraídos.60

Embora a predisposição para o consumo de drogas possa, em


certos casos, ter origem no cérebro, os sentimentos que levam as
pessoas a «automedicar-se» através da bebida ou das drogas podem
ser tratados sem o recurso a medicação, como os Alcoólicos Anónimos
e outros programas de recuperação vêm demonstrando há
décadas. Adquirir a capacidade de lidar com esses sentimentos
— acalmar a ansiedade, combater a depressão, apaziguar a raiva —

325
DANIEL GOLEMAN

elimina o impulso para recorrer às drogas ou ao álcool. Estas com


petências emocionais básicas são ensinadas com carácter curativo
em programas de tratamento contra o consumo de drogas e do
álcool. Seria muito melhor, evidentemente, se fossem aprendidas
muito mais cedo na vida, bem antes de o vício se ter instalado.

ACABAR com AS GUERRAS:


UMA VIA PREVENTIVA COMUM E DEFINITIVA

Ao longo da última década, têm sido sucessivamente declaradas


«guerras» à gravidez juvenil, ao insucesso escolar, às drogas e, mais
recentemente, à violência. O problema com estas campanhas, no
entanto, é que chegam demasiado tarde, depois de os males visados
terem atingido proporções epidémicas e criado raízes profundas
na vida dos jovens. São intervenções de crise, o correspondente a
resolver um problema enviando uma ambulância para transportar o
doente em vez de aplicar atempadamente uma vacina que tivesse
impedido a doença de manifestar-se, para começar. Em vez de mais
destas «guerras», aquilo de que precisamos é seguir uma lógica de
prevenção, oferecendo às nossas crianças as capacidades que lhes
permitam enfrentar a vida com mais possibilidades de evitar cada
uma e todas essas sortes.610 destaque que dou ao papel dos défices
sociais e emocionais não pretende negar a importância de outros
factores de risco, como ter crescido no seio de uma família fragmentada,
abusiva ou caótica, ou viver num bairro pobre, onde o crime
e a droga campeiem livremente. A própria pobreza desfere na criança
duros golpes emocionais: aos cinco anos, as crianças pobres são
já mais receosas, ansiosas e tristes do que as mais abastadas, e têm
mais problemas comportamentais, como birras frequentes e a tendência
para destruir coisas, uma inclinação que se prolonga pelos
anos da adolescência. As pressões da pobreza corroem também as
bases da vida familiar: a tendência é para haver menos demonstrações
de ternura parental, mais depressões nas mães (que são frequentemente
solteiras e desempregadas) e um muito maior recurso
a castigos exagerados, como gritar, bater e fazer ameaças físicas.62

Há, porém, um papel que a competência emocional desempenha


acima e para além das forças familiares e económicas — e que
pode ser decisivo para determinar em que medida uma dada criança
ou adolescente sucumbirá a estas provações ou encontrará um

326
I
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

núcleo de resistência que lhe permita sobreviver-lhes. Estudos feitos


a longo prazo com centenas de crianças criadas na pobreza, no
seio de famílias abusivas ou por pais com graves doenças mentais
mostram que aqueles que conseguem resistir mesmo às mais duras
provações tendem a compartilhar determinadas competências
emocionais-chave.6’ Entre elas conta-se uma sociabilidade que
atrai as pessoas, a autoconfiança, um optimismo persistente face às
derrotas e às frustrações, a habilidade de recuperar rapidamente
dos desaires, e uma natureza serena.

A maior parte das crianças, porém, enfrenta todas as dificuldades


sem dispor de tais vantagens. Claro que muitas destas capacidades
são inatas, resultado da lotaria dos genes — mas mesmo as
qualidades do temperamento podem ser modificadas para melhor,
como vimos no Capítulo 14- Uma linha de intervenção é, evidentemente,
política e económica, combatendo a pobreza e outras condições
sociais que geram estes problemas. Mas para além destas tácticas
(que parecem ocupar um lugar cada vez mais baixo na agenda
social), há muita coisa que podemos oferecer às crianças para ajudálas
a enfrentar melhor as dificuldades da vida.

Tomemos o caso das desordens emocionais, uma aflição que


cerca de um em cada dois americanos experimenta uma vez no decurso
da vida. O estudo de uma amostragem representativa de 8098
americanos concluiu que 48 por cento sofriam de pelo menos um
problema psiquiátrico numa ou noutra altura da vida.64 Os mais gravemente
afectados eram os cerca de 14 por cento que desenvolviam
três ou mais problemas psiquiátricos ao mesmo tempo. Este grupo
era o mais perturbado, correspondendo a 60 por cento de todas as
doenças psiquiátricas que ocorriam em qualquer altura, e a 90 por
cento das mais graves e incapacitantes. Embora estes pacientes necessitem
agora de cuidados intensivos, a solução óptima teria sido,
sempre que possível, evitar desde logo o aparecimento destes problemas.
Claro que nem todas as doenças mentais podem ser evitadas,
mas há algumas, e talvez muitas, que podem. Disse-me Ronald
Kessler, o sociólogo da Universidade do Michigan que conduziu o
estudo: «Temos de intervir mais cedo. Tomemos o caso de uma rapariguinha
que desenvolve uma fobia social no sexto ano, e começa
a beber na escola secundária como uma maneira de lidar com as
suas ansiedades. com vinte e muitos anos, quando finalmente aparece
no nosso consultório, continua assustada, tornou-se consumidora
de álcool e de drogas, e está deprimida porque a sua vida é um

327
DANIEL GOLEMAN

autêntico caos. A grande questão é: que teríamos podido fazer numa


fase anterior para evitar toda esta espiral descendente?»

O mesmo é verdade, evidentemente, para acabar com a violência,


ou com a maior parte da litania de perigos que ameaçam a
juventude dos nossos dias. Os programas educacionais para combater
um ou outro problema específico como o consumo de drogas ou
a violência têm proliferado abundamentemente ao longo da última
década, ou cerca disso, criando uma mini-indústria dentro do mercado
do ensino. Mas muitos deles — incluindo alguns dos mais
habilmente publicitados e mais largamente utilizados — provaram
ser ineficazes. Alguns, para grande desgosto dos educadores, parecem
inclusivamente fomentar os problemas que se propõem cornbater,
nomeadamente o consumo de drogas e o sexo juvenil.

Informar não basta

Um caso bem instrutivo é o abuso sexual de crianças. De 1993


para cá, têm sido denunciados anualmente nos Estados Unidos
cerca de duzentos mil casos apoiados em provas, um número que
cresce cerca de 10 por cento ao ano. E embora as estatísticas variem
grandemente, a maior parte dos especialistas concorda que entre 20
por cento e 30 por cento das raparigas e cerca de metade desse
número de rapazes já foram vítimas de uma ou outra forma de abuso
sexual quando chegam aos dezassete anos (estes valores sobem ou
descem dependendo da definição de abuso sexual, entre outros factores).63
Não existe um perfil único de uma criança que seja particularmente
vulnerável ao abuso sexual, mas a maior parte sente-se
desprotegida, impotente para resistir sozinha, e isolada por aquilo
que lhe aconteceu.

Tendo presentes estes riscos, muitas escolas começaram a oferecer


programas para evitar o abuso sexual. A maior parte destes programas
centra-se sobretudo em proporcionar informação básica
sobre o problema, ensinando as crianças, por exemplo, a distinguir
entre um tocar «born» e um tocar «mau», alertando-as para os perigos
e encorajando-as a contar a um adulto se alguma coisa de menos
normal lhes acontecer. Mas um inquérito feito a duas mil crianças
a nível nacional provou que este treino básico pouco melhor é do
que nada — ou na realidade pior do que nada — na tarefa de ajudar
as crianças a evitarem ser vitimizadas, seja pelo rufião da esco328
t
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Ia, seja por um potencial violador.66 Pior, as crianças que tinham


apenas estes programas básicos e que subsequentemente foram vítimas
de abusos sexuais mostravam-se 50 por cento menos dispostas
a denunciar os factos do que aquelas que não tinham passado por
qualquer espécie de programa.

Em contraste, as crianças às quais foi dado um treino mais cornpleto


— incluindo no campo das competências sociais e emocionais
correlacionadas — eram mais capazes de proteger-se eficazmente
contra a ameaça de serem vitimizadas: mostravam-se muito
mais dispostas a exigir que as deixassem em paz, a gritar e lutar, a
ameaçar contar, e efectivamente fazê-lo se alguma coisa lhes acontecesse.
Esta última vantagem — denunciar o abuso — é preventiva
num sentido bem revelador: muitos perpetradores de abusos
sexuais vitimizam centenas de crianças. Um estudo destes indivíduos
concluiu que, aos quarenta anos, tinham feito em média uma
vítima por mês desde os seus tempos de adolescência. Um relatório
sobre o caso de um condutor de autocarro e um professor liceal
revela que, entre os dois molestavam cerca de trezentas crianças por
ano, e no entanto nenhuma delas os denunciou; o caso só veio
a lume depois de um dos rapazes que tinha sido molestado pelo professor
ter começado a fazer o mesmo à irmã.6’

As crianças que tinham passado pelos programas mais cornpletos


mostravam-se três vezes mais dispostas a denunciar abusos
sexuais do que aquelas que se tinham limitado aos programas mínimos.
O que foi que resultou tão bem? Estes programas não se restringiam
a um tema único; em vez disso, eram dados a vários níveis
e em várias etapas ao longo da carreira escolar da criança, integrados
nas aulas de educação sexual ou de saúde. Recrutavam os pais
para transmitirem a mensagem à criança simultaneamente com o
que lhes era ensinado na escola (as crianças cujos pais faziam isto
eram as que melhor sabiam resistir às ameaças de abuso sexual).

Para além disto, as competências sociais e emocionais faziam a


grande diferença. Não basta que a criança saiba o que é um tocar
«born» e um tocar «mau»; precisa sobretudo de ter a autoconsciência
suficiente para sentir quando uma situação está errada ou é perturbadora
ainda antes de se chegar à fase do tocar. Isto significa ter
não só autoconsciência, mas também autoconfiança e espírito de
iniciativa suficientes para confiar e agir com base nessa sensação
de que algo está errado, mesmo face a um adulto que pode estar a
tentar convencê-la de que «não faz mal». E nessa altura a criança

329
DANIEL GOLEMAN

precisa de ter um repertório de maneiras de evitar o que está prestes


a acontecer — tudo, desde fugir a ameaçar contar. Por todas
estas razões, os melhores programas ensinam as crianças a bateremse
por aquilo que querem, a afirmarem os seus direitos em vez de se
mostrarem passivas, a saberem quais são as suas fronteiras e a
defendê-las.

Os programas mais eficazes complementavam, pois, a informação


básica sobre o abuso sexual com o ensino de competências sociais
e emocionais essenciais. Estes programas ensinavam as crianças
a encontrar maneiras de resolver os conflitos interpessoais de
uma forma mais positiva, a terem mais autoconfiança, a não se culparem
a si mesmas se alguma coisa lhes acontecesse, e a sentirem
que tinham nos professores e nos pais uma rede de apoio à qual
podiam recorrer. E se alguma coisa má lhes acontecia, as probabilidades
de estarem dispostas a denunciá-lo eram muito maiores.

Os ingredientes activos

Estas descobertas conduziram a uma revisão daquilo que devem


ser os ingredientes de um programa de prevenção óptimo, com base
naqueles que uma avaliação imparcial mostrou serem verdadeiramente
eficazes. Num projecto de cinco anos patrocinado pela
W. T. Grant Foundation, uma equipa de investigadores analisou
esta paisagem e destilou os ingredientes que parecem ter sido cruciais
para o êxito dos programas que resultaram.68 A lista das cornpetências-chave
que na opinião deste consórcio devem ser abrangidas,
seja qual for o problema específico que o programa se destine a
combater, mais parece o rol dos ingredientes da inteligência emocional
(ver o Apêndice D a lista completa).69

As competências emocionais incluem a autoconsciência: identificar,


expressar e gerir os sentimentos; controlar o impulso e adiar
a recompensa, e lidar com o stress e a ansiedade. Uma capacidade
essencial no que respeita ao controlo de impulsos é saber a diferença
entre sentimentos e acções e aprender a tomar melhores
decisões emocionais, controlando primeiro o impulso para agir,
identificando em seguida as acções alternativas e as respectivas
consequências antes de finalmente passar à acção. Muitas cornpetências
são interpessoais: ler indicações sociais e emocionais,
escutar, ser capaz de resistir a influências negativas, ver as coisas da

330
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

perspectiva dos outros e compreender que comportamento é aceitável


em cada situação.

Trata-se de capacidades sociais e emocionais que se contam


entre as mais nucleares para enfrentar a vida, e incluem remédios
pelo menos parciais para a maioria, se não a totalidade, das dificuldades
que discuti neste capítulo. A escolha dos problemas específicos
que estas capacidades ajudam a combater é quase arbitrária
— o mesmo que aqui fica dito relativamente às competências
sociais e emocionais aplicar-se-ia igualmente bem a, por exemplo,
as questões da gravidez ou do suicídio juvenis.

É certo que as causas de todos estes problemas são complexas,


entrelaçando diferentes proporções de fatalidade biológica, dinâmicas
familiares, as políticas da pobreza e a cultura das ruas. Nenhum
tipo de intervenção única, nem mesmo uma que se dirija às emoções,
pode ter a pretensão de resolver sozinha o problema. Mas na
medida em que os défices emocionais acrescem os riscos a que a
criança está sujeita — e vimos que acrescem muito — tem de ser
dada atenção aos remédios emocionais, não com a exclusão de
outras respostas, mas juntamente com elas. A próxima pergunta é:
como seria uma educação das emoções?

331
16
Educar as Emoções
A principal esperança das nações reside na educação da sua
juventude.

ERASMO

E uma estranha chamada, que percorre o círculo de quinze alunos


do quinto ano, sentados no chão de pernas cruzadas. A medida
que o professor chama os seus nomes, os alunos respondem não com
o descuidado «Presente» normal nas escolas, mas enunciando um
número que indica como se sentem; um significa estar em baixo,
dez corresponde a alta energia.

Hoje, o moral é elevado:

— Jessica.

— Dez: estou eufórica, é sexta-feira.

— Patrick.

— Nove: excitado, um pouco nervoso.

— Nicole.

— Dez: tranquila, feliz...

Estamos numa aula de Ciência do Eu no Nueva Learning Center,


uma escola instalada naquela que foi em tempos a mansão da
família Crocker, a dinastia que fundou um dos maiores bancos
de São Francisco. Hoje o edifício, que parece uma versão miniaturizada
da Ópera de São Francisco, alberga uma escola privada que
oferece aos seus alunos aquilo que pode bem considerar-se um
curso-modelo em inteligência emocional.

Na Ciência do Eu, a matéria são os sentimentos — os nossos


próprios e aqueles que surgem nos relacionamentos. O tema, pela
sua própria natureza, exige que professores e alunos se concentrem
no tecido emocional da vida da criança — um foco que é determinadamente
ignorado em quase todas as outras escolas americanas.
Aqui a estratégia inclui usar as tensões e os traumas da vida das
crianças como o tópico do dia. Os professores falam de questões

332
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

reais — a dor de ter sido posto de parte, a inveja, os desentendimentos


que podem degenerar em batalha durante o recreio. Nas palavras
de Karen Stone McCown, criadora do currículo da Ciência do Eu e
directora do Nueva: «A aprendizagem não acontece isolada dos sentimentos
das crianças. A Hteracia emocional é tão importante para a
aprendizagem como o ensino da matemática ou da leitura.»1

A Ciência do Eu é um projecto pioneiro, precursor de uma ideia


que está a espalhar-se por escolas de todo o país. São muitos os nomes
que estas aulas assumem, desde «desenvolvimento social» a
«aprendizagem social e emocional». Algumas, referindo-se à ideia
das inteligências múltiplas proposta por Howard Gardner, usam a
expressão «inteligências pessoais». A linha comum é o objectivo de
fazer subir o nível da competência social e emocional das crianças
como parte da sua educação normal — não apenas algo que se ensina,
terapeuticamente, a crianças com problemas e identificadas como
«perturbadas», mas um conjunto de capacidades e compreensões
essencial para todas as crianças.

Os cursos de Hteracia emocional têm algumas remotas raízes no


movimento de ensino afectivo dos anos 60. A ideia na altura era
que as lições psicológicas e motivacionais eram mais profundamente
aprendidas se envolvessem uma experiência imediata daquilo
que estava a ser conceptualmente ensinado. O movimento da literacia
emocional, no entanto, vira do avesso a expressão ensino afectivo
— em vez de usar o afecto para educar, educa o próprio afecto.

Mais imediatamente, muitos destes cursos e o impulso para a sua


divulgação provêm de uma série de programas de prevenção baseados
na escola e actualmente em curso, cada um dos quais visa cornbater
um problemas específico: o hábito de fumar entre os jovens,
o consumo de drogas, a gravidez, o insucesso escolar e, mais recentemente,
a violência. Como vimos no capítulo anterior, o estudo
do W. T. Grant Consortium sobre os programas de prevenção concluiu
que estes são mais eficazes quando ensinam um conjunto de
competências sociais e emocionais, como o controlo de impulsos,
dominar a ira e descobrir soluções criativas para as situações sociais.
Deste princípio emergiu uma nova geração de intervenções.

Como vimos no Capítulo 15, as intervenções destinadas a


colmatar os défices específicos das competências sociais e emocionais
que estão na base de problemas como a agressão ou a depressão
podem ser altamente eficazes como defesas para as crianças. Mas
estas intervenções bem concebidas e dirigidas têm sido sobretudo

333
DANIEL GOLEMAN

obra de psicólogos investigadores no âmbito das suas experiências.


O passo seguinte será pegar nas lições aprendidas com esses programas
altamente focalizados e generalizá-las como uma medida preventiva
extensiva a toda a população escolar, ensinada por professores
vulgares.

Esta abordagem mais sofisticada e mais eficaz à prevenção inclui


informação a respeito de problemas como a sida, as drogas e outros
nesta linha, numa altura da vida dos jovens em que estão a começar
a enfrentá-los. Mas o seu tema principal, constante, é a competência
básica que tem o principal papel na resolução de qualquer destes
dilemas específicos: a inteligência emocional.

Esta nova iniciativa de trazer a literacia emocional até à escola


faz das emoções e da vida social temas por direito próprio, em vez de
tratar estas importantíssimas facetas do quotidiano da criança como
intrusões irrelevantes, ou, quando conduzem a explosões, relegá-las
à condição de pretexto para uma ocasional visita disciplinar ao psicólogo
da escola ou ao gabinete do director.

As aulas em si mesmas podem à primeira vista não parecer


muito interessantes, e menos ainda uma solução para os dramáticos
problemas que pretendem abordar. Mas isso acontece largamente
porque, como a boa educação dada em casa, as lições transmitidas
são pequenas mas importantes, ensinadas regularmente ao longo de
um período de anos. E assim que a aprendizagem emocional se consolida;
à medida que as experiências são repetidas uma e outra vez,
o cérebro reflecte-as como padrões reforçados, hábitos neuronais
para serem aplicados em momentos de provação, frustração e dor.
E embora a substância do dia-a-dia das aulas de literacia emocional
possa parecer irrelevante, o resultado — seres humanos decentes —
é mais crítico que nunca para o nosso futuro.

UMA LIÇÃO DE COOPERAÇÃO

Compare o leitor um momento de uma aula de Ciência do Eu


com as experiências escolares de que consiga lembrar-se.

Um grupo de alunos do quinto ano prepara-se para jogar o jogo


dos Quadrados da Cooperação, em que as crianças colaboram para
juntar as peças quadradas de um puzà&- Mas com umas condições:
este trabalho de equipa tem de ser feito em silêncio, e não são permitidos
gestos.

334
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

A professora, Jo-An Varga, divide a turma em três grupos, a


cada um dos quais é atribuída uma mesa. Três observadores, todos
eles familiarizados com o jogo, têm uma folha de avaliação na qual
anotam, por exemplo, quem em cada grupo assume a liderança,
quem é o palhaço, quem é perturbador.

Os estudantes despejam as peças do puzzle em cima da mesa e


começam a trabalhar. Um minuto mais tarde, torna-se claro que
um dos grupos funciona como equipa de uma maneira surpreendentemente
eficaz: terminam o jogo em poucos minutos. Num segundo
grupo de quatro fazem-se esforços solitários, paralelos, com cada
um a trabalhar separadamente no seu próprio puzzk, mas sem conseguir
resultados. Começam então lentamente a trabalhar em conjunto
para completar o primeiro quadrado, e continuam a funcionar
como equipa até que o puzzle fica resolvido.

O terceiro grupo, porém, continua com grandes dificuldades; só


um dos puzzles está em vias de formação, e mesmo assim parece
mais um trapézio do que um quadrado. Sean, Fairlie e Rahman ainda
não conseguiram encontrar a coordenação a que os outros grupos
chegaram. Estão claramente frustrados, procurando freneticamente
entre as peças que juncam a mesa, pegando nas que lhes
parecem mais prováveis e colocando-as junto dos quadrados
parcialmente acabados, ficando muito desapontados quando verificam
que não encaixam.

A tensão cede um pouco quando Rahman pega em duas peças


e as coloca diante dos olhos, como uma máscara; os companheiros
riem. Este vai ser um momento de referência na lição do dia.

Jo-An Varga, a professora, dá algum encorajamento: «Aqueles


de vocês que já acabaram podem dar uma, e só uma, indicação aos
que ainda estão a trabalhar.»

Dagan chega-se ao grupo que continua a debater-se com o problema,


aponta para duas peças que sobressaem do quadrado e sugere:
«Têm de voltar essas duas peças.» Subitamente Rahman,
com o largo rosto franzido em concentração, apanha a nova
configuração, e depressa as peças entram nos seus lugares no primeiro
puzzle, e pouco depois nos restantes também. Soam aplausos
espontâneos quando a última peça do último puzzle ocupa finalmente
o seu lugar.

335
DANIEL GOLEMAN

UM PONTO DISCUTÍVEL

Enquanto a turma medita sobre a lição objectiva de trabalho de


equipa que acaba de receber, decorre entre dois dos seus membros
uma animada conversa. Rahman, alto e com os espessos cabelos negros
cortados à escovinha, e Tucker, o observador do grupo, estão
envolvidos numa acesa discussão a respeito da regra que proíbe
fazer gestos. Tucker, de cabelos louros cuidadosamente penteados,
com excepção de um topete teimoso, veste uma larga T-sJúrt azul
onde está estampado o mote «Sê Responsável», o que de algum
modo sublinha o seu papel oficial.

— Pode-se entregar uma peça... isso não é fazer gestos — diz


Tucker a Rahman, num torn enfático e definitivo.

— Mas isso é fazer um gesto — insiste Rahman, veemente.


Varga apercebe-se do aumento de volume e da agressividade

crescente desta troca de palavras, e aproxima-se da mesa. Trata-se


de um incidente crítico, uma troca espontânea de sentimentos agitados;
é em momentos como este que as lições já aprendidas mostram
o seu valor, e outras novas podem ser mais proveitosamente
ensinadas. E, tal como qualquer bom professor sabe, os ensinamentos
transmitidos durante estes momentos electrizantes perdurarão
na memória dos alunos.

— Não estou a criticar... cooperaram muito bem... mas, Tucker,


tenta dizer o que queres num torn de voz que não soe tão crítico —
aconselha Varga.

Tucker, com uma voz mais calma, dirige-se a Rahman:

— Pode-se colocar uma peça onde achamos que é o lugar dela,


ou oferecer a outro o que nos parece que lhe faz falta, sem fazer gestos.
Só entregar.

Rahman replica, num torn ainda zangado:

— Basta uma pessoa fazer isto — e coça a cabeça, para ilustrar


um movimento inocente — para ele começar logo a dizer «Nada
de gestos!»

É muito claramente isto que provoca a ira de Rahman, e não a


discussão a respeito do que pode ou não ser considerado um gesto.
Os seus olhos dirigem-se constantemente para a folha de avaliação
que Tucker preencheu e que, embora não tenha ainda sido mencionada,
está na origem da tensão entre os dois. Nessa folha, Tucker
escreveu o nome de Rahman no espaço em branco à frente da frase
«Quem é perturbador?»

336
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Varga, reparando que Rahman não afasta os olhos da ofensiva


folha, arrisca um palpite, dizendo a Tucker:

— O Rahman acha que usaste uma palavra negativa... perturbador.


em relação a ele. O que era exactamente que querias dizer?

— Não queria dizer que fosse uma má perturbação — diz


Tucker, agora conciliatório.

Rahman não está convencido, mas a sua voz também soa mais
calma, quando diz: j

— Cá para mim, essa é um bocado forçada.

Varga dá destaque à maneira positiva de ver a questão:

— O Tucker está a querer dizer que aquilo que poderia ser


considerado perturbador poderia também fazer parte de uma tentativa
de aligeirar o ambiente durante um momento de frustração.

— Mas — protesta Rahman, agora muito mais tranquilo — perturbador


era se estivessem todos concentrados numa coisa e eu me
pusesse a fazer assim — faz uma careta de palhaço, com os olhos
esbugalhados e as bochechas inchadas. — Isso é que era ser perturbador.

Varga tenta um pouco mais de instrução emocional, dizendo a


Tucker:

— Não querias dizer que ele, ao tentar ajudar, foi perturbador


de uma maneira má. Mas com o modo como falas a esse respeito
transmites uma mensagem diferente. O Rahman precisa que tu o
escutes e aceites os seus sentimentos. O que ele está a dizer é que
usar palavras como perturbador lhe parece injusto. Não gosta
que lhe chamem isso.

Então, voltando-se para Rahman, acrescenta:

— Gostei da maneira como falaste com o Tucker. Foste firme,


sem o atacar. Ninguém gosta que lhe chamem perturbador. Parece
que quando puseste aquelas duas peças diante dos olhos estavas a
sentir-te frustrado e querias aliviar o ambiente. Mas o Tucker achou
que era perturbador porque não compreendeu a tua intenção. Foi
ou não foi?

Ambos os rapazes confirmam com um aceno de cabeça, enquanto


os outros alunos recolhem as peças dos puzzks. O pequeno melodrama
está a chegar ao seu fim.

— Sentes-te melhor? — pergunta Varga. — Ou continuas aborrecido?

— Não, está tudo OK — diz Rahman, num torn muito mais suave,
agora que se sente escutado e compreendido. Tucker faz tam337
DANIEL GOLEMAN

I
bém um gesto de assentimento, sorrindo. Os dois rapazes, reparando
que todos os outros já saíram para a próxima aula, voltam-se e
correm porta fora.

AUTOPSIA: UMA LUTA QUE NÃO ACONTECEU

Enquanto um novo grupo começa a instalar-se, Varga disseca o


que acaba de passar-se. A acalorada discussão e o seu apaziguamento
têm tudo a ver com o que os dois rapazes aprenderam a respeito
da resolução de conflitos. Aquilo que tipicamente degenera em
conflito começa, como Varga diz, com «não comunicar, fazer
deduções e tirar conclusões precipitadas, transmitindo uma mensagem
”dura” de maneiras que tornam difícil para as pessoas ouvir o
que estamos a dizer».

Os estudantes da Ciência do Eu aprendem que o que importa


não é evitar totalmente o conflito, mas resolver os desacordos e
ressentimentos antes que eles se transformem numa luta aberta. Há
sinais destas primeiras lições na maneira como Tucker e Rahman
resolveram a sua disputa. Ambos, por exemplo, fizeram algum
esforço para exprimir os seus pontos de vista de uma maneira tal
que não acelerasse o conflito. Esta franqueza (diferente da agressão
ou da passividade) é ensinada no Nueva a partir do terceiro ano.
Destaca a importância de expressar abertamente os sentimentos,
mas não de maneira que possa degenerar em agressão. Enquanto no
início da discussão nenhum dos rapazes olhava um para o outro, à
medida que ela se ia desenrolando ambos começaram a mostrar
sinais de «escuta activa», enfrentando-se um ao outro, olhando-se
nos olhos e emitindo as indicações silenciosas que indicam ao interlocutor
que está a ser ouvido.

Ao porem estas ferramentas em acção, com a ajuda da professora,


«franqueza» e «escuta activa» tornaram-se para estes rapazes
mais do que frases vazias num questionário — passaram a ser
maneiras de agir a que podem recorrer naqueles momentos em que
precisam delas mais urgentemente.

A mestria do domínio emocional é particularmente difícil por


tratar-se de competências que têm de ser adquiridas quando as pessoas
estão normalmente menos capazes de assimilar novas informações
e de aprender novos hábitos de resposta — quando estão
perturbadas. Ser apoiado nestes momentos ajuda muito. «Todos

338
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

nós, adultos ou crianças, precisamos de alguma ajuda para podermos


observar-nos a nós mesmos quando estamos perturbados», afirma
Varga. «O coração bate-nos mais depressa, temos as mãos suadas,
estamos em pilha, e estamos a tentar ouvir claramente ao mesmo
tempo que nos esforçamos por manter o autocontrolo necessário
para suportarmos aquilo sem nos pormos aos gritos, começarmos
a fazer acusações ou retrairmo-nos numa atitude de defesa.»

Para quem conheça o tipo de convivência de rapazes do quinto


ano, o mais notável terá sido o facto de tanto Tucker como
Rahman terem tentado afirmar os seus pontos de vista sem recorrerem
às acusações, aos insultos ou aos gritos. Nenhum deles deixou
os seus sentimentos chegarem ao descontrolo do palavrão ou dos
murros, nem cortou a palavra ao outro saindo abruptamente da
sala. Aquilo que poderia ter sido o início de uma briga, teve, pelo
contrário, o efeito de aumentar a competência de ambos os rapazes
nas subtilezas da resolução de conflitos. Como tudo poderia ter sido
diferente noutras circunstâncias. Todos os dias há jovens que chegam
à agressão física — ou até pior — por muito menos.

AS PREOCUPAÇÕES DO DIA

No tradicional círculo com que se iniciam todas as aulas de


Ciência do Eu, os números nem sempre são tão altos como foram
hoje. Quando são baixos — os uns, dois e três que indicam uma disposição
terrível — o facto dá aso a que alguém pergunte: «Queres
falar a respeito da razão por que te sentes assim?» Se o aluno quer
(ninguém é pressionado para falar a respeito seja do que for, se não
o desejar), isso permite trazer a lume o facto ou a circunstância perturbadores
e procurar opções criativas para lidar com o assunto.

Os problemas variam com a idade dos alunos. Nos primeiros


anos, trata-se tipicamente de embirrações, sentir-se rejeitado, medos.
A partir do sexto ano, começa a emergir um novo conjunto de
preocupações — estar magoada por não ter sido convidada a sair,
ou ter sido posta de parte; amigos que são imaturos; os dolorosos
desgostos dos jovens («Os rapazes mais velhos embirram comigo»,
«Os meus amigos fumam e estão sempre a insistir comigo para que
experimente também»).

Estes são temas de enorme importância na vida de uma criança


que só são abordados, quando o são, na periferia da escola — duran339
DANIEL GOLEMAN

te o almoço, no autocarro a caminho da escola, em casa de um


amigo. As mais das vezes, são problemas que as crianças guardam
para si mesmas, que à noite, na solidão do leito, removem obsessivamente,
sem ninguém com quem discuti-los. Na Ciência do Eu,
podem tornar-se os temas do dia.

Cada uma destas discussões é matéria-prima potencial para o


objectivo explícito da Ciência do Eu, que é iluminar a noção de
identidade da criança e as suas relações com os outros. Embora o
curso tenha um plano de lições, este é flexível de modo a permitir
que momentos como a discussão entre Tucker e Rahman possam
ser explorados. As questões que os alunos levantam proporcionam
os exemplos vivos a que eles próprios e os professores podem aplicar
as competências que estão a aprender, como os métodos de resolução
de conflitos que acalmaram a disputa entre os dois rapazes.

O ABC DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Em uso há cerca de vinte anos, o currículo da Ciência do Eu


constitui um modelo para o ensino da inteligência emocional. As
lições são por vezes surpreendentemente sofisticadas; como me
disse Karen Stone McCown: «Quando ensinamos as crianças a respeito
da ira, ajudamo-las a compreender que ela é quase sempre
uma reacção secundária, e encorajamo-las a procurar o que está por
baixo: Estás ofendido? com ciúmes? As nossas crianças aprendem
que há sempre uma opção na maneira como respondemos às emoções,
e quanto mais maneiras soubermos de responder a uma emoção,
mais rica pode ser a nossa vida.»

A lista de matérias da Ciência do Eu corresponde quase ponto


por ponto aos ingredientes da inteligência emocional e às capacidades
básicas recomendadas como prevenção primária contra uma
vasta gama de armadilhas que ameaçam as crianças (ver no Apêndice
E a lista completa).2 Os temas ensinados incluem a autoconsciência,
no sentido de reconhecer os sentimentos e construir um
vocabulário para eles, e ver as ligações entre pensamentos,
sentimentos e reacções; saber se são os sentimentos ou os pensamentos
que estão a determinar uma decisão; ver as consequências
de opções alternativas; aplicar estes conhecimentos às decisões que
se tomam a respeito de questões como as drogas, o fumar e o sexo.
A autoconsciência reveste também a forma de reconhecer os nos340
>
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

sos pontos fortes e fracos, e vermo-nos a uma luz positiva mas realista
(e deste modo evitar a armadilha comum da tendência para a
auto-estima).

Outro aspecto que merece especial ênfase é a gestão das emoções:


compreender o que está por trás de um sentimento (por exemplo,
a dor que gera a ira), e aprender maneiras de lidar com a ansiedade,
a fúria e a tristeza. Também o assumir a responsabilidade
pelas próprias decisões e acções e levar os compromissos até ao fim
são pontos profundamente tratados.

Uma competência social-chave é a empatia, compreender os


sentimentos dos outros, ver as coisas da sua perspectiva, respeitar as
diferenças no modo como as pessoas sentem a respeito disto ou daquilo.
O relacionamento é um dos aspectos aprofundados, incluindo
aprender a ser um bom ouvinte e um bom fazedor-de-perguntas;
distinguir entre aquilo que alguém faz ou diz e as nossas próprias
reacções e juízos; ser franco e aberto em vez de agressivo ou passivo;
e aprender as artes da cooperação, da resolução de conflitos, de
negociar compromissos.

Não se dão notas na Ciência do Eu; a própria vida constitui o


exame final. Mas no fim do oitavo ano, quando os alunos estão
prestes a trocar o Nueva pela escola secundária, todos passam por
um exame socrático, uma prova oral em Ciência do Eu. Uma das
questões de um destes exames pedia: «Descreva uma resposta apropriada
que ajude um amigo a solucionar um conflito com alguém
que o pressiona a experimentar drogas, ou com alguém que gosta de
implicar.» E outra: «Indique algumas maneiras saudáveis de lidar
com o stress, a ira e o medo.»

Se fosse hoje vivo, Aristóteles, sempre tão preocupado com a


habilidade emocional, havia de aprovar.

LITERACIA EMOCIONAL NOS BAIRROS POBRES

Muito compreensivelmente, os cépticos perguntarão se um curso


como a Ciência do Eu resultaria num ambiente menos privilegiado,
ou se só é possível numa pequena escola particular como o
Nueva, onde todas as crianças são, num ou noutro aspecto, especialmente
dotadas. Em resumo, poderá a competência emocional
ser ensinada onde é mais urgentemente necessária, no conturbado
caos das escolas públicas dos bairros pobres? A resposta pode estar

341
DANIEL GOLEMAN

numa visita à Augusta Lewis Troup Middle School, em New


Haven, social e economicamente tão distante do Nueva Learning
Center como é geograficamente.

É certo que na Troup se respira muita da mesma atmosfera de


interesse pelo ensino — a escola é também conhecida como a
Troup Magnetic Academy of Science e é uma das duas escolas
deste tipo existentes no bairro concebidas para atrair alunos do
quinto ao oitavo anos, oriundos de toda New Haven, para um currículo
científico particularmente rico. Aqui os alunos podem, graças
a uma ligação-satélite, comunicar com os astronautas de Houston e
fazer-lhes perguntas a respeito da física do espaço exterior, ou programar
os seus computadores para tocarem música. Mas, a despeito
de todas estas conveniências académicas, e como acontece em muitas
cidades, a fuga dos brancos para os subúrbios e para os colégios
particulares significou que 95 por cento dos alunos da Troup são
negros ou hispânicos.

A poucos quarteirões do compus de Yale — mas como se pertencesse


a um outro universo —, Troup é um bairro operário degradado
que, nos anos 50, tinha vinte mil pessoas a trabalhar nas fábricas
próximas, desde a Olin Brass Mills à Winchester Arms. Hoje,
os empregos reduziram-se a menos de três mil, encolhendo em
simultâneo com os horizontes económicos das famílias que lá
vivem. New Haven, como tantas outras cidades industriais de Nova
Inglaterra, afundou-se numa fossa de pobreza, drogas e violência.

Foi em resposta às urgências deste pesadelo urbano que, nos


anos 80, um grupo de psicólogos e educadores de Yale concebeu o
Programa de Competência Social, um conjunto de cursos que cobre
praticamente o mesmo terreno que o currículo da Ciência do Eu do
Nueva Learning Center. Mas em Troup a ligação aos temas é frequentemente
mais directa e crua. Não se trata de um mero exercício
académico quando, nas aulas de educação sexual do oitavo ano,
os alunos aprendem como a tomada de decisões pessoais pode
ajudá-los a evitar doenças como a sida. New Haven tem a maior
proporção de mulheres com sida dos Estados Unidos; muitas das
mães que mandam os filhos para esta escola são seropositivas e
alguns dos alunos também. Apesar de um currículo enriquecido, os
alunos da Troup debatem-se com todos os problemas dos bairros
degradados; muitas crianças têm situações familiares tão caóticas,
para não dizer terríveis, que há dias em que não conseguem sequer
ir à escola.

342
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Como em todas as escolas de New Haven, o cartaz mais proeminente


que acolhe o visitante tem a forma familiar de um sinal de
tráfego amarelo e octogonal, mas contém as palavras «Zona Livre
de Drogas». A entrada está Mary Ellen Collins, a «facilitadora» da
escola — uma espécie de provedora multifacetada que trata dos
problemas especiais à medida que eles vão surgindo, e cujas funções
incluem ajudar os professores com as exigências do currículo de
competência social. Se um professor não sabe muito bem como dar
uma lição, Collins vai à aula e mostra-lhe como é.

«Ensino nesta escola há mais de vinte anos», diz Collins, ao


receber-me. «Olhe para este bairro... Não posso continuar a limitar-me
a ensinar matérias académicas, com os problemas que estes
garotos enfrentam apenas para viver. Veja o caso dos rapazes e raparigas
que são obrigados a enfrentar o facto de terem sida, ou alguém
lá em casa ter... Não tenho a certeza se teriam a coragem de
confessá-lo durante uma discussão a respeito da sida, mas a partir
do momento em que saibam que o professor está disposto a ouvi-los
falar de um problema emocional, e não apenas de questões
académicas, fica aberto o caminho para que essa conversa seja
possível.»

No terceiro piso do velho edifício de tijolos, Joyce Andrews dá


aos seus alunos do quinto ano a aula de competência social a que
assistem três vezes por semana. Andrews, como todos os outros professores
do quinto ano, frequentou um curso especial de Verão para
ensinar esta matéria, mas a sua exuberância sugere que os temas da
competência social lhe ocorrem naturalmente.

A lição de hoje é a respeito de identificar sentimentos; ser capaz


de nomear os sentimentos, e desta maneira distingui-los melhor, é
uma habilidade emocional-chave. O trabalho de casa atribuído na
aula anterior foi trazer fotografias de caras de pessoas tiradas de
revistas, identificar a emoção que a cara revela e explicar como se
sabe que a pessoa tem esses sentimentos. Depois de recolher os
trabalhos, Andrews escreve no quadro uma lista de sentimentos
— tristeza, preocupação, excitação, felicidade, etc. — e inicia um
diálogo vivo com os dezoito alunos que conseguiram ir à escola naquele
dia. Sentados em grupos de quatro, os alunos levantam excitadamente
as mãos, esforçando-se por captar a atenção da professora
de modo a serem eles a responder.

Enquanto acrescenta frustrado à lista do quadro, Andrews pergunta:

343
DANIEL GOLEMAN

— Quantas pessoas se sentiram frustradas alguma vez? Ergue-se


uma floresta de mãos.

— Como é que nos sentimos quando estamos frustrados? As respostas


surgem em catadupa:

— Cansados.

— Confusos.

— Não conseguimos pensar direito.

— Ansiosos.

Uma nova palavra vai juntar-se à lista: exasperado. Joyce comenta:

— Esta sei eu o que é... Quando é que uma professora se sente


exasperada?

— Quando estão todos a falar — sugere uma rapariguinha,


sorrindo.

Sem perder a passada, Andrews distribui uma folha fotocopiada.


Numa coluna há caras de rapazes e raparigas, cada uma delas expressando
uma da seis emoções básicas — felicidade, tristeza, fúria,
surpresa, medo, nojo — e uma descrição da actividade muscular
facial que a provoca. Por exemplo:

MEDO:

• A boca está aberta e os lábios repuxados para trás.

• Os olhos estão abertos, e os cantos interiores puxados para cima.

• As sobrancelhas estão levantadas e juntas.

• Há rugas no meio da testa.3

Enquanto vão lendo a folha, expressões de medo, fúria, surpresa


ou nojo reflectem-se nos rostos dos alunos de Andrews, à medida
que imitam as fotos e seguem as instruções para a movimentação
dos músculos faciais respeitantes a cada emoção. Esta lição vem
directamente das investigações de Paul Ekman sobre as expressões
faciais; costuma ser ensinada em praticamente todos os cursos universitários
de introdução à psicologia, mas muito raramente, se de
todo, ao nível do secundário. Esta capacidade elementar de relacionar
um nome com uma emoção e essa emoção com uma expressão
facial poderia parecer tão óbvia que nem precisaria de ser ensinada.
A verdade é, no entanto, que pode servir de antídoto a uma série
de lapsos surpreendentemente comuns em termos de literacia emocional.
Os rufiões da escola, recordemo-lo, atacam muitas vezes por

344
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

interpretarem erradamente como hostis mensagens ou expressões


perfeitamente neutras, e as raparigas que sofrem de desordens alimentares
não conseguem distinguir entre ira, ansiedade e fome.

LITERACIA EMOCIONAL DISFARÇADA

com um programa já sobrecarregado por uma proliferação de


temas e agendas, alguns professores mostram, compreensivelmente,
alguma relutância em roubar tempo às matérias normais para ensinar
mais um curso extra. Assim sendo, a estratégia mais frequentemente
usada na educação emocional é não criar novas aulas, mas
misturar as lições sobre sentimentos e relações com outros temas já
ensinados. As lições emocionais podem fundir-se naturalmente
com a escrita e a leitura, a saúde, as ciências, os estudos sociais e
muitas outras matérias que compõem o currículo padrão. Embora
nas escolas de New Haven a Competência Social constitua para
alguns anos matéria separada, noutros é misturada com outros cursos,
como saúde ou leitura. Algumas das lições são até ensinadas
como parte das aulas de matemática — nomeadamente das capacidades
básicas relacionadas com o estudo, como ignorar as distracções,
criar motivação e controlar os impulsos de modo a poder concentrar-se
em aprender.

Alguns programas de competência social e emocional não figuram


no currículo nem ocupam tempo de aulas como matéria separada;
em vez disso, infiltram as suas lições no próprio tecido da vida
escolar. Um modelo deste tipo de abordagem — essencialmente um
curso de competência social e emocional invisível — é o Projecto
do Desenvolvimento da Criança, criado por uma equipa dirigida
pelo psicólogo Eric Schaps. O projecto, que tem a sua base em
Oakland, na Califórnia, está actualmente a ser experimentado num
punhado de escolas por todo o país, sobretudo em áreas que cornpartilham
muitos dos problemas que afligem os bairros pobres de
New Haven.4

O projecto oferece um pacote de material que se insere nos cursos


já existentes. Assim, os alunos do primeiro ano, nas suas aulas
de leitura, travam conhecimento com uma história intitulada «A
Rã e o Sapo São Amigos», em que a Rã, desejosa de brincar com o
seu amigo Sapo, que está a hibernar, lhe prega uma partida para
o fazer acordar mais cedo. A história é utilizada como plataforma

345
DANIEL GOLEMAN

para uma discussão geral a respeito da amizade, e questões como saber


como se sentem as pessoas quando alguém lhes prega uma partida.
Uma sucessão de aventuras traz à baila temas como a autoconsciência,
ter consciência das necessidades dos amigos, o que se sente
quando embirram connosco e partilhar os sentimentos com os amigos.
Um plano curricular pré-determinado propõe histórias cada
vez mais sofisticadas à medida que as crianças vão progredindo ao
longo da escola primária e preparatória, dando aos professores pontos
de entrada para discutir assuntos como a empatia, ver as coisas
da perspectiva dos outros e preocupar-se com os seus problemas.

Uma outra maneira de entretecer as lições emocionais no tecido


da vida escolar já existente é ajudar os professores a repensar
como disciplinar os alunos que se portam mal. A premissa no
Programa do Desenvolvimento da Criança é que esses momentos
são excelentes oportunidades para ensinar às crianças capacidades
que lhes faltam — controlo de impulsos, explicar os seus sentimentos,
resolver conflitos — e que há maneiras de disciplinar
melhores do que a coerção. O professor que vê três alunos do primeiro
ano aos encontrões uns aos outros para serem o primeiro na
fila para o almoço poderá sugerir-lhes que tentem adivinhar um
número, e deixem o vencedor entrar à frente. A lição imediata é
que há maneiras justas e imparciais de decidir estas pequenas disputas,
enquanto a lição profunda é que as disputas podem ser
negociadas. E uma vez que se trata de uma abordagem que estas
crianças podem depois aplicar a outros conflitos («Eu primeiro!»
é, ao fim e ao cabo, epidémico nos primeiros anos da escola — se
não mesmo ao longo de toda a vida, sob uma ou outra forma),
contém uma mensagem mais positiva do que o ubíquo e autoritário
«Parem com isso!»

O CALENDÁRIO EMOCIONAL

«As minhas amigas Alice e Lynn não querem brincar comigo.»


Esta dolorida queixa é feita por uma aluna do terceiro ano na John
Muir Elementary School, em Seattle. A autora anónima deixou-a
na «caixa de correio» da aula — na realidade, uma caixa de cartão
pintada de uma cor especial — onde ela e todos os colegas são
encorajados a depositar as suas queixas e problemas, de modo que
toda a turma possa discuti-los e tentar descobrir maneiras de

346
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

resolvê-los. A discussão não fará qualquer menção aos nomes dos


envolvidos; em vez disso, o professor faz notar que todas as crianças
compartilham aqueles problemas uma ou outra vez, e que todas precisam
de aprender a lidar com eles. Enquanto falam a respeito de
como se sentem quando são postas de parte, ou do que poderiam
fazer para ser incluídas, têm a oportunidade de experimentar novas
soluções para estes dilemas — uma maneira de corrigir a maneira de
pensar estreita que vê o conflito como o único caminho para resolver
todos os desacordos.

A caixa do correio permite uma grande facilidade na escolha de


exactamente que crises ou questões se tornarão o tema da aula, pois
uma agenda demasiado rígida estaria inevitavelmente desfasada em
relação ao mundo de realidades fluidas da infância. A medida que
as crianças mudam e crescem, as preocupações do momento mudam
também. As lições emocionais mais eficazes devem estar ligadas ao
desenvolvimento da criança, e ser repetidas em idades diferentes de
maneiras que se adequem à sua compreensão e capacidade, sempre
em evolução.

Uma questão é saber quando começar. Há quem pense que logo


nos primeiro anos de vida não é demasiado cedo. T. Berry Brazelton,
o pediatra de Harvard, é de opinião que muitos pais podem
beneficiar de ser treinados como mentores emocionais dos seus filhos
mais pequenos, como fazem alguns programas dados em casa.
Há, sem a mínima dúvida, excelentes razões para destacar a importância
de incluir mais sistematicamente o ensino das competências
sociais nos programas pré-primários; como vimos no Capítulo 12, a
receptividade da criança à aprendizagem depende em largas medida
de ter ou não adquirido algumas das capacidades emocionais básicas.
Os anos pré-escolares são cruciais para a aquisição destas
capacidades, e há provas de que alguns destes programas, quando
bem dirigidos (e este é um condicionalismo muito importante), podem
ter efeitos sociais e emocionais benéficos que chegam a prolongar-se
até ao início da idade adulta — menos problemas com drogas
e prisões, melhores casamentos, mais capacidade para ganhar
melhores salários.5

Estas intervenções resultam melhor quando acompanham o


calendário emocional do desenvolvimento.6 Como o choro dos recém-nascidos
testemunha, os bebés têm sentimentos intensos a
partir do momento em que nascem. Mas o cérebro do recém-nascido
está longe de encontrar-se plenamente formado; como vimos no

347
DANIEL GOLEMAN

Capítulo 15, só à medida que o sistema nervoso atinge o seu desenvolvimento


final — um processo que se desenrola de acordo com
um relógio biológico inato ao longo de toda a infância e começo da
adolescência — as emoções da criança amadurecerão completamente.
O repertório de sentimentos do recém-nascido é primitivo
quando comparado com a gama de sentimentos de uma criança de
cinco anos, a qual, por sua vez, é reduzida quando medida contra a
plenitude de sentimentos de um adolescente. Na realidade, os
adultos caem com demasiada facilidade na armadilha de esperar
que as crianças possuam uma maturidade desproporcionada em relação
à idade, esquecendo que cada emoção tem a sua altura pré-programada
para aparecer no desenvolvimento da criança. A fanfarronice
de um garoto de quatro anos, por exemplo, poderá bem
merecer-lhe uma reprimenda dos pais e, no entanto, a autoconsciência
capaz de gerar a humildade só aparece normalmente por
volta dos cinco anos.

O calendário do crescimento emocional está intimamente ligado


a linhas aliadas de desenvolvimento, em especial da cognição,
por um lado, do cérebro e da maturação biológica, pelo outro.
Como vimos, competências emocionais tais como a empatia e a
auto-regulação emocional começam a formar-se praticamente
a partir dos primeiros meses de vida. Os anos pré-escolares assinalam
um pico de maturação das «emoções sociais» — sentimentos
como a insegurança e a humildade, o ciúme e a inveja, o orgulho e
a confiança — que exigem todos a capacidade de compararmo-nos
com os outros. A criança de cinco anos, ao entrar no mundo social
mais vasto da escola, entra também num mundo de comparação
social. Não é só a mudança externa que fomenta estas comparações,
mas também a emergência de uma competência cognitiva: ser capaz
de comparar-se com outros no que respeita a uma determinada qualidade,
seja ela popularidade, beleza ou perícia com o skateboard.
Esta é a idade em que, por exemplo, ter uma irmã mais velha que
só tira boas notas pode levar a irmã mais nova a sentir-se «burra»
por comparação.

O Dr. David Hamburg, psiquiatra e presidente da Carnegie Corporation,


que avaliou alguns programas pioneiros de educação
emocional, vê os anos de transição para a escola primária, e novamente
para a escola média e secundária, como os dois pontos cruciais
do ajustamento da criança.7 Entre os seis e os onze anos, diz
Hamburg, «a escola é um ca.dinho e uma experiência definidoras

348
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

que influencia poderosamente a adolescência da criança, e chega


mesmo mais adiante. A noção que a criança tem do seu próprio
valor depende substancialmente do êxito que teve na escola. O
insucesso escolar desencadeia toda uma série de atitudes autoderroristas
que pode reduzir as perspectivas de uma vida inteira». Entre
as condições essenciais para tirar partido da escola, conta-se a capacidade
«de adiar a recompensa, de ser socialmente responsável da
maneira adequada, de manter o controlo sobre as próprias emoções
e de ter uma perspectiva optimista» — por outras palavras, inteligência
emocional.8

A puberdade — porque é uma altura de extraordinárias mudanças


na biologia da criança, na sua capacidade de pensar e no
funcionamento do cérebro — é também uma altura crucial para a
aprendizagem de lições sociais e emocionais. A este respeito, observa
Hamburg, «os adolescentes têm normalmente entre dez e quinze
anos quando são expostos à sexualidade, ao álcool e às drogas, ao
tabaco» e a outras tentações.9

A transição para a escola média ou secundária marca o fim da


infância, e constitui por si mesma um formidável desafio emocional.
Pondo de parte todos os outros problemas, no momento em
que entram neste novo ambiente escolar praticamente todos os
estudantes têm uma quebra de autoconfiança e uma subida de autoconsciência;
as próprias noções que têm de si mesmos são confusas
e tumultuosas. Um dos mais fortes golpes específicos atinge a «autoestima
social» — a certeza de que sabem fazer e conservar amigos.
E neste momento crítico, aconselha Hamburg, que se torna particularmente
benéfico reforçar nos rapazes e nas raparigas a capacidade
de construir relações sólidas e resolver as crises nas amizades,
e alimentar-lhes a autoconfiança.

Hamburg nota que quando os estudantes entram para a escola


média, no auge da adolescência, há qualquer coisa de diferente
naqueles que tiveram aulas de literacia emocional: parecem ter
mais facilidade da que os outros em enfrentar e resolver as pressões
e políticas internas, o aumento no nível de exigência e as tentações
para fumar e consumir drogas. Isto porque dominam algumas capacidades
emocionais que, pelo menos a curto prazo, os vacinam contra
o tumulto e as pressões que vão ter de enfrentar.

I
349
DANIEL GOLEMAN

A OPORTUNIDADE É TUDO

A medida que os psicólogos do desenvolvimento e outros especialistas


vão cartografando o crescimento das emoções, ficam em
condições de ser mais específicos a respeito de exactamente que
lições as crianças devem aprender em cada momento do expandir da
inteligência emocional, quais serão os défices duradouros que provavelmente
afectarão aqueles que não conseguirem aprender as cornpetências
certas na altura apropriada, e que experiências correctivas
poderão compensar aquilo que se perdeu.

No programa de New Haven, por exemplo, os alunos dos primeiros


anos recebem lições básicas sobre autoconsciência, relacionamento
e tomada de decisões. No primeiro ano, as crianças
sentam-se em círculo e fazem rolar os «cubos dos sentimentos»,
que têm inscritas em cada uma das faces palavras como triste, ou
excitado. Descrevem então, à vez, uma ocasião em que tiveram
aquele sentimento, um exercício que lhes dá uma maior segurança
na arte de ligar sentimentos a palavras e ajuda a criar
empatia, quando ouvem os outros dizer que já sentiram o mesmo
que eles próprios.

No quarto ou quinto ano, quando as relações com os colegas adquirem


uma importância enorme nas suas vidas, recebem lições que
as ajudam a conservar melhor as suas amizades: empatia, controlo
de impulsos e gestão da ira. A aula de Competências Sociais sobre
leitura de emoções através de expressões faciais que os alunos do
quinto ano da Troup estavam a experimentar, por exemplo, trata
essencialmente de empatia. No que respeita ao controlo de impulsos,
há um «semáforo», um cartaz colocado em local bem destacado,
com seis passos:

Pára, acalma-te e pensa antes de agir. Diz qual é o problema e


como te sentes. Define um objectivo positivo. Pensa em várias situações.
Pensa nas consequências. Avança e tenta o melhor plano.

Luz vermelha 1. Pára, acalma-te e pensa antes de agir.


Luz amarela 2. Diz qual é o problema e como te sentes.

3. Define un abjectivo positivo.

4. Pensa en várias situações.

5. Pensa nas consequências.

Luz verde 6. Avança e tenta o melhor plano

350
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

A noção de semáforo é regularmente invocada quando uma


criança, por exemplo, se prepara para bater noutra levada pela fúria,
ou amua à mais pequena contrariedade, ou se põe a chorar quando
as outras implicam com ela, e oferece um conjunto concreto de passos
para lidar com esses momentos de uma maneira mais pensada.
Para além da gestão dos sentimentos, aponta o caminho para uma
acção mais eficaz. E, como uma maneira habitual de controlar o
impulso emocional indisciplinado — pensar antes de agir levado
pelos sentimentos — pode trasnformar-se numa estratégia básica
para lidar com os riscos da adolescência e até da vida.

No sexto ano, as lições relacionam-se mais directamente com as


tentações e pressões para praticar sexo, consumir drogas e beber álcool
que começam a invadir a vida das crianças. No nono ano,
numa altura em que os adolescentes são confrontados com realidades
sociais mais ambíguas, o destaque vai para a capacidade de
encarar perspectivas múltiplas — as próprias e as dos outros. «Se
um rapaz está furioso porque viu a namorada a conversar com outro»,
diz um dos professores de New Haven, «encorajamo-lo a considerar
o que pode estar a passar-se também de um outro ponto de
vista, em vez de lançar-se de cabeça numa confrontação».

A LITERACIA EMOCIONAL COMO PREVENÇÃO

Alguns dos programas de literacia emocional mais eficazes foram


desenvolvidos como resposta a um problema específico, nomeadamente
a violência. Um dos cursos de literacia emocional inspirados
na prevenção que conheceram um mais rápido crescimento
é o Programa para a Resolução Criativa de Conflitos, utilizado em
centenas de escolas públicas de Nova Iorque e de todo o país. Este
programa centra-se nas maneiras de resolver as disputas que podem
degenerar em incidentes como o assassínio a tiro de Ian Moore e
Tyrone Sinkler por um colega, na Jefferson High School.

Linda Lantieri, a fundadora do Programa para a Resolução Criativa


de Conflitos, tem dele uma visão que vai muito para além da
simples prevenção de lutas. Diz ela: «O programa mostra aos alunos
que têm muitas maneiras de lidar com os conflitos além da passividade
ou da agressão. Mostramos-lhes a futilidade da violência, ao
mesmo tempo que a substituímos por aptidões concretas. As crianças
aprendem a defender os seus direitos sem o recurso à violência.

351
- DANIEL GOLEMAN

São competências que servem para toda a vida, e não apenas para
aqueles que são naturalmente violentos.»10

Num exercício, os alunos pensam num único passo realista, por


pequeno que seja, que pudesse ter ajudado a resolver um conflito
que tiveram. Noutro, representam uma cena em que uma irmã mais
velha que está a tentar estudar se irrita com a música que a mais
nova está a ouvir em altos berros. Desesperada, a mais velha desliga
o gravador, a despeito dos protestos da mais nova. A turma procura
encontrar maneiras de resolver o problema de forma a contentar
as duas irmãs.

Uma das chaves do êxito do programa de resolução de conflitos


é alargá-lo para além da sala de aula até ao recreio e ao refeitório,
onde os maus humores têm mais probabilidade de manifestar-se.
com este objectivo, alguns alunos são treinados como mediadores,
um papel que pode começar nos últimos anos da escola primária.
Quando as tensões irrompem, os adversários podem procurar um mediador
que os ajude a resolver a questão. Os mediadores do recreio
aprendem a lidar com lutas, desafios e ameaças, problemas inter-raciais
e outros incidentes potencialmente incendiários da vida escolar.

Os mediadores aprendem a formular as suas frases de tal maneira


que ambas as partes sintam que o mediador é imparcial. As suas
tácticas incluem sentarem-se com os envolvidos e conseguir que se
ouçam uns aos outros sem interrupções nem insultos. Depois de
conseguirem que ambos os lados se acalmem e exponham as respectivas
posições, pedem a cada um que parafraseie o que o outro disse,
para que não restem dúvidas de que ficou tudo bem entendido.
Procuram então, em conjunto, encontrar soluções que ambas as
partes possam aceitar; os acordos são frequentemente reduzidos a
escrito e assinados.

Para além da mediação de disputas, o programa começa logo por


ensinar os alunos a pensar de uma maneira diferente a respeito dos
desentendimentos. Nas palavras de Angel Pérez, treinado como
mediador quando ainda estava na escola primária, o programa «modificou
a minha maneira de pensar. Costumava pensar, eh, se alguém
se mete comigo, se alguém me faz qualquer coisa, a única
coisa a fazer é lutar, vingar-me. Depois de ter passado por este programa,
tenho uma maneira de pensar mais positiva. Se me fazem
alguma coisa negativa, já não tento responder com outra. Tento
resolver o problema.» E Pérez tem tentado disseminar esta abordagem
entre a sua comunidade.

352
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Embora o foco do Programa para a Resolução Criativa de Conflitos


incida na prevenção da violência, Lantieri vê-o como tendo
uma missão mais vasta. A sua perspectiva é de que as capacidades
necessárias para evitar a violência não podem ser dissociadas do
espectro completo da competência emocional — que, por exemplo,
a pessoa saber como se sente e como controlar o impulso ou a dor é
tão importante para a prevenção da violência como a gestão da ira.
Grande parte do treino tem a ver com capacidades emocionais básicas
como a empatia ou reconhecer uma vasta gama de sentimentos
e atribuir-lhes um nome. Quando faz uma avaliação de resultados
dos efeitos do seu programa, Lantieri refere com tanto orgulho o
«aumento da solicitude entre as crianças» como a diminuição do
número de lutas, desafios e insultos.

Uma convergência semelhante na literacia emocional ocorreu


com uma equipa de psicólogos que tentavam ajudar jovens já colocados
numa trajectória que os apontava para uma vida marcada
pelo crime e pela violência. Dezenas de estudos feitos com rapazes
assim — como vimos no Capítulo 15 — transmitiam uma ideia
muito clara do caminho que a maior parte deles segue, começando
com a impulsividade e a agressividade nos primeiros anos de escola,
passando por tornarem-se párias sociais no final do ensino primário
e conduzindo-os finalmente à ligação a um círculo de outros
iguais a eles e ao início da delinquência quando chegam à escola
média. No começo da idade adulta, muitos destes rapazes têm já
cadastro policial e uma propensão para a violência.

Quando se tratou de imaginar intervenções capazes de ajudar


estes rapazes a afastarem-se desta estrada de violência e crime o
resultado foi, uma vez mais, um programa de literacia emocional.”
Um destes programas, desenvolvido por um grupo que incluía Mark
Greenberg, da Universidade de Washington, é o currículo PATHS
(PATHS é o acrónimo de Parents and Teachers Helping Students
— Pais e Professores Ajudando Alunos —, mas é também uma
palavra em inglês que significa «caminhos»). Embora aqueles que
se encontram já numa trajectória que os conduz ao crime e à violência
sejam os que mais necessitam destas lições, elas são ministradas
a todos os alunos em geral, para evitar a estigmatização de um
qualquer subgrupo.

Seja como for, as lições são úteis para todas as crianças. Incluem,
por exemplo, aprender logo a partir da escola primária a controlar
os impulsos; quando não dominam esta capacidade, as crianças têm

353
DANIEL GOLEMAN

especial dificuldade em prestar atenção ao que é ensinado, atrasando-se


na aprendizagem e nas notas. Outra é reconhecer os próprios
sentimentos; o currículo PATHS comporta cinquenta lições sobre
diferentes emoções, ensinando as mais básicas, como a felicidade ou
a ira, às crianças mais novas, deixando para mais tarde os sentimentos
mais complicados como o ciúme, o orgulho ou a culpa. As tições
de autoconsciência emocional incluem ensiná-las a identificar
aquilo que elas próprias e os outros sentem, e — o que é particularmente
importante para as mais propensas à violência — a reconhecer
quando alguém está a mostrar-se verdadeiramente agressivo, ou
quando a presunção de hostilidade parte delas próprias.

Uma das lições mais importantes é, evidentemente, a gestão


da ira. A premissa básica que as crianças aprendem a respeito da
ira (e de todas as outras emoções) é que «não há sentimentos
que não se devam ter», mas que certas reacções são correctas e
outras não. Aqui, uma das ferramentas utilizadas para ensinar
autocontrolo é o mesmo «semáforo» usado no curso de New
Haven. Outras unidades ajudam as crianças com as suas amizades,
um antídoto para as rejeições sociais que podem impelir
uma criança para a delinquência.

REPENSAR AS ESCOLAS: ENSINAR SENDO,


COMUNIDADES QUE SE PREOCUPAM

Uma vez que a vida familiar já não oferece a muitas crianças um


apoio firme na vida, é para as escolas que as comunidades se voltam
em busca de correctivos para as deficiências das crianças na área das
competências sociais e emocionais. Não quer isto dizer que as escolas
por si sós possam substituir todas as instituições sociais que tão
frequentemente se encontram em estado de colapso, ou muito perto
dele. Mas considerando que praticamente todas as crianças frequentam
a escola (pelo menos no início), ela constitui um lugar
onde podem ser-lhes ministradas lições básicas na arte de viver que
de outro modo nunca receberiam. A literacia emocional implica
para as escolas um mandato acrescido, assumindo o papel que as
famílias não cumprem na socialização das crianças. Esta tarefa enorme
exige duas grandes modificações: que os professores vão mais
além da sua missão tradicional, e que os membros da comunidade
se envolvam mais na vida das escolas.

354
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Haver ou não uma aula explicitamente dedicada à literacia


emocional pode importar menos do que a maneira como essas lições
são ensinadas. Não há talvez outra matéria em que a qualidade do
professor importe tanto, uma vez que o modo como lida com as suas
turmas é em si mesmo um modelo, uma lição de facto de competência
emocional, ou falta dela. Sempre que o professor responde a um
aluno, vinte ou trinta outros alunos aprendem uma lição.

Há uma auto selecção no tipo de professores que gravitam para


estes cursos, porque nem toda a gente tem o temperamento adequado.
Para começar, o professor tem de sentir-se à vontade para falar
a respeito de sentimentos; nem todos estão, ou querem estar. Na
formação normal do professor, pouco ou nada há que o prepare para
este tipo de ensino. Por estas razões, os programas de literacia emocional
facultam tipicamente aos candidatos a professores cursos
especiais de treino que podem durar várias semanas.

Embora muitos professores possam de início mostrar-se relutantes


em abordar um tema aparentemente tão alheio ao seu treino e
rotina, há provas de que a partir do momento em que se dispõem
a tentar, são mais os que se deixam cativar do que os restantes. Nas
escolas de New Haven, quando os professores souberam pela primeira
vez que iam ser treinados para ensinar os novos cursos de
literacia emocional, 31 por cento disseram que tinham relutância
em fazê-lo. Ao cabo de um ano de prática, mais de 90 por cento
declararam-se satisfeitos com eles e dispostos a ensiná-los novamente
no ano seguinte.

UMA MISSÃO ALARGADA PARA AS ESCOLAS

Para além do treino dos professores, a literacia emocional dános


uma visão alargada da tarefa da própria escola, tornando-a mais
explicitamente um agente da sociedade com a missão de garantir
que as crianças aprendam estas lições essenciais para a vida — um
regresso ao papel clássico da educação. Este desígnio mais vasto
exige — além de quaisquer especificidades de currículo — que se
aproveitem todas as oportunidades, dentro e fora das aulas, para
ajudar os alunos a transformarem momentos de crise pessoal em
lições de competência emocional. Tudo isto funciona melhor
quando as lições ministradas na escola se coordenam com o que se
passa em casa das crianças. Muitos programas de literacia emocio355
DANIEL GOLEMAN

nal incluem aulas especiais para os pais, com o objectivo de instruílos


a respeito daquilo que os filhos estão a aprender, não só para
complementar o que é ministrado na escola, mas também para ajudar
os pais que sentem essa necessidade de lidarem mais eficazmente
com a vida emocional dos filhos.

Deste modo, as crianças recebem mensagens consistentes a respeito


da competência emocional em todas as partes da suas vidas.
Nas escolas de New Haven, diz Tim Shriver, director do Programa
de Competência Social, «se os miúdos se envolvem numa discussão
no refeitório, são mandados a um mediador que é um colega da
mesma idade e que conversa com eles até resolverem o problema,
usando as mesmas técnicas que aprenderam nas aulas. Os treinadores
usam a mesma técnica para sanar os conflitos no campo de jogos.
E nós ensinamos os pais a usarem os mesmos métodos em casa».

Este sistema de linhas paralelas de reforço das lições emocionais


— não só na aula mas também no recreio; não apenas na escola mas
também em casa — é a solução óptima. Significa ligar a escola, os
pais e a comunidade numa teia mais unida. Aumenta a probabilidade
de aquilo que as crianças aprendem nas aulas de literacia emocional
não ficar limitado à escola, mas em vez disso ser praticado,
experimentado e apurado nos desafios da vida quotidiana.

Outra maneira como esta filosofia reformula a escola é construindo


uma cultura académica que faz dela uma «comunidade que
se preocupa», um lugar onde o estudante se sente respeitado, aca- i

rinhado e ligado aos colegas, aos professores e à própria escola.12 Por *

exemplo, as escolas em áreas como New Haven, onde as famílias se


desintegram a um ritmo crescente, oferecem uma gama de progra- i

mas que recrutam os membros mais interessados da comunidade e !

os envolvem com alunos cuja vida familiar é, no mínimo periclitante.


Nas escolas de New Haven, adultos responsáveis oferecem-se
como mentores, companheiros habituais de estudantes que estão a
ir-se abaixo e que nas suas próprias famílias não encontram o apoio
de que necessitam.

Em suma, o formato ideal dos programas de literacia emocional ’

é começarem cedo, estarem adequados à idade dos alunos, acompanharem


toda a vida escolar e coordenarem esforços com a escola, o
lar e a comunidade.

Embora a maior parte deste esforço se encaixe facilmente nos


horários escolares normais, estes programas constituem uma mu- dança

importante em qualquer currículo. Seria ingenuidade não

356
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

esperar quaisquer obstáculos na sua implementação. Muitos educadores


sentem que o próprio tema é demasiado pessoal para ser tratado
na escola, que essas coisas são da competência dos pais (um
argumento que ganha credibilidade quando os pais abordam efectivamente
estes tópicos, mas que cai pela base quando isso não acontece).
Os professores podem mostrar relutáincia em dedicar mais
uma parte do dia escolar a temas que parecem nada ter a ver com a
base académica; alguns deles sentir-se-ão talvez excessivamente
pouco à vontade com estes tópicos para poderem ensiná-los, e em
todo o caso todos necessitarão de uma formação específica. Também
algumas crianças resistirão, especialmente na medida em que
estas aulas estejam desfasadas relativamente às suas preocupações
dominantes, ou que as sintam como intrusões à sua intimidade.
E depois há o dilema de manter altos níveis de qualidade, impedindo
que os vendilhões do ensino lancem no mercado programas de
competência emocional pobremente concebidos que venham repetir,
digamos, os desastres de determinados cursos sobre o consumo
de drogas ou a gravidez juvenil.

Considerando tudo isto, porque havemos de dar-nos ao trabalho


de tentar?

A LITERACIA EMOCIONAL FAZ ALGUMA DIFERENÇA?

E o pesadelo de qualquer professor: um dia, Tim Shriver abriu


o jornal e ficou a saber que Lamont, um dos seus alunos preferidos,
fora atingido por nove balas, numa rua de New Haven, e se encontrava
em estado crítico. «Lamont tinha sido um dos líderes da escola,
um jovem atleta de grande estatura — quase um metro e noventa
— imensamente popular, sempre de sorriso nos lábios»,
recorda Shriver. «Na altura fazia parte de um clube de líderes que
eu organizara e onde discutíamos ideias num modelo de resolução
de problemas a que chamávamos SOCS.»

A sigla corresponde a Situação, Opções, Consequência, Soluções


— um método com quatro fases: expõe qual é a situação e o
que sentes a respeito dela; pensa em quais são as tuas opções para
resolver o problema e quais serão as consequências prováveis; escolhe
uma solução e execu’ta-a — uma versão adulta do modelo «semáforo».
Lamont, acrescentou Shriver, adorava procurar maneiras
imaginativas mas potencialmente eficazes de resolver os prementes

357
DANIEL GOLEMAN

dilemas da vida numa escola secundária, como problemas com


namoradas e como evitar lutas.

Aquelas poucas lições parecem, no entanto, não lhe ter servido


depois de sair da escola. Vagueando à deriva pelas ruas de um mar
de pobreza, drogas e armas, Lamont, com vinte e seis anos de idade,
jazia numa cama de hospital, envolto em ligaduras e trespassado por
balas. Correndo ao hospital, Shriver encontrou Lamont quase incapaz
de falar, com a mãe e a namorada junto à sua cabeceira. Ao ver
o antigo professor, Lamont fez-lhe sinal para que se aproximasse e,
quando Shriver se inclinou para ouvi-lo, murmurou: «Shriver,
quando sair daqui, you passar a usar o método SOCS.»

Lamont tinha frequentado Hillhouse Hight anos antes de o


curso de desenvolvimento social lá ter sido implementado. Teria a
sua vida sido diferente se tivesse tido a oportunidade de beneficiar
dessa educação especial durante os seus anos de escola, como as
crianças de New Haven agora fazem? Tudo aponta para um possível
sim, embora ninguém possa saber com certeza.

Nas palavras de Tim Shriver: «Uma coisa é certa: o terreno de


prova das técnicas de resolução de problemas não é a sala de aulas,
mas também o refeitório, as ruas, a casa.» Considere-se o testemunho
de vários professores e professoras ligados ao programa de New
Haven. Uma delas conta como uma antiga aluna, ainda solteira, o
visitou e lhe disse que seria seguramente uma mãe solteira «se não
tivesse aprendido a afirmar os seus direitos durante as aulas de
Desenvolvimento Social».13 Outra professora recorda como o relacionamento
de uma das suas alunas com a mãe era tão mau que as
conversas entre ambas acabavam sempre num concurso de gritos;
depois de a rapariga ter aprendido a acalmar-se e a pensar antes de
reagir, a mãe confessou que se tinham tornado capazes de conversar
sem lhes «saltar a tampa». Na escola Troup, uma das alunas do
sexto ano escreveu uma nota à sua professora de Desenvolvimento
Social: a sua melhor amiga, dizia a nota, estava grávida, não tinha
com quem falar a respeito do que fazer e estava a planear suicidar-se,
mas ela sabia que a professora se interessaria.

Um momento revelador ocorreu quando eu próprio estava a


acompanhar uma aula de desenvolvimento social numa escola de New
Haven, e o professor pediu que «alguém me contasse um desentendimento
que tivesse tido recentemente e que tivesse acabado bem».

Uma garota gorducha, com cerca de doze anos, levantou a mão:


«Havia esta rapariga que eu pensava que era minha amiga, mas ai358
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

guém me disse que ela queria lutar comigo. Disseram-me que ia apanhar-me
num canto depois das aulas.»

Em vez de confrontar a outra rapariga já disposta a lutar, a moça


utilizou uma abordagem que aprendera na aula — descobrir o que
se passava antes de tirar conclusões precipitadas: «Por isso fui ter
com ela e perguntei-lhe se tinha dito aquilo. Ela disse que não, e
assim não tivemos nenhuma luta.»

A história parece bastante banal. Excepto que a rapariga que a


conta já tinha sido expulsa de uma outra escola por andar à pancada.
Antigamente, costumava atacar primeiro e fazer perguntas depois,
ou nem sequer as fazer. O facto de ter abordado uma potencial
inimiga de uma maneira construtiva em vez de lançar-se imediatamente
numa confrontação violenta constituía uma vitória, pequena
mas real.

A prova mais evidente do impacte destas lições de literacia


emocional está talvez contida nos dados que o director de uma
escola para rapazes de doze anos compartilhou comigo. Uma regra
inapelável dessa escola é que qualquer aluno apanhado a lutar é suspenso.
Mas à medida que as aulas de literacia emocional se multiplicaram
ao longo dos anos, verificou-se uma quebra drástica no
número de suspensões. «No último ano escolar», diz o director,
«houve 106 suspensões. Este ano, e já estamos em Março, houve
apenas 26.»

Estes são benefícios concretos. Mas para além destes episódios


de vidas melhoradas ou salvas, há a questão empírica de saber que
importância as aulas de literacia emocional têm verdadeiramente
para aqueles que a elas assistem. Os dados sugerem que embora estes
cursos não modifiquem ninguém da noite para o dia, à medida que
as crianças vão avançando no currículo de ano para ano, há melhorias
discemíveis no ambiente geral da escola e na maneira de estar
— e no nível de competência emocional — dos rapazes e raparigas
que os frequentam.

Foi feito um punhado de avaliações objectivas, as melhores


das quais comparam alunos destes cursos com outros de idade
correspondente que os não fizeram, sendo o comportamento de
uns e outros classificados por observadores independentes. Outro
método consiste em acompanhar as mudanças verificadas nos alunos
antes e depois de terem feito os cursos, baseando-se as avaliações
em medições objectivas do seu comportamento, como o
número de brigas no recreio e de suspensões. Feitas as contas,

359
DANIEL GOLEMAN

verifica-se um benefício generalizado no que respeita à competência


social e emocional das crianças, ao seu comportamento dentro
e fora da sala de aulas e à sua capacidade de aprendizagem (ver
pormenores no Apêndice F):

AUTOCONSCIÊNCIA EMOCIONAL

• Mais capazes de reconhecer e identificar as próprias emoções.

• Melhor compreensão das causas dos sentimentos.

• Reconhecer a diferença entre sentimentos e acções.

GESTÃO DAS EMOÇÕES

• Melhor tolerância à frustração e melhor controlo da ira.

• Menos ofensas verbais, lutas e perturbações das aulas.

• Maior capacidade para expressar verbalmente a ira, sem lutar.

• Menos suspensões e expulsões.

• Menos comportamentos agressivos ou autodestruidores.

• Mais sentimentos positivos a respeito de si mesmo, da escola


e da família.

• Maior capacidade de lidar com o stress.

• Menos solidão e ansiedade social.

CONTROLAR PRODUTIVAMENTE AS EMOÇÕES

• Mais responsabilidades.

• Maior capacidade de concentração na tarefa entre mãos


e mais atenção.

• Menos impulsivas; mais autocontrole

• Melhores notas nos testes de aproveitamento.

EMPATIA: LER EMOÇÕES

• Mais capazes de aceitar a perspectiva dos outros.

• Mais empatia e sensibilidade aos sentimentos dos outros.

• Maior capacidade de escutar os outros.

GERIR RELACIONAMENTOS

• Maior capacidade de analisar e compreender relacionamentos.


• Maior capacidade para resolver conflitos e negociar desacordos.

• Maior capacidade para resolver problemas de relacionamento.

360
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Mais abertura e capacidade de comunicação.

Mais populares e alegres; amistosas e envolvidas com os


colegas.

Mais procuradas pelos colegas.

Mais interessadas e consideradas.

Mais «pró-sociais» e harmoniosas em grupos. (

Mais partilha, cooperação e ajuda. ;

Mais democráticas na maneira como lidam com as outras.

Um dos itens desta lista exige atenção especial: os programas


de literacia emocional melhoram o desempenho académico das
crianças e o nível de aprendizagem. Não se trata de uma descoberta
isolada; aparece constantemente nestes estudos. Numa altura
em que falta a tantas crianças a capacidade de lidar com os seus
problemas, de ouvir e dar atenção, de controlar os impulsos, de se
sentirem responsáveis pelos seus trabalhos e interessarem-se por
aprender, tudo o que venha fortalecer estas aptidões constitui uma
ajuda para a educação. Neste sentido, a literacia emocional reforça
a capacidade da escola de ensinar. Mesmo numa época de cortes
orçamentais, é fácil ver que estes programas ajudam a inverter uma
maré de declínio educacional e esteiam as escolas no desempenho
da sua principal missão, pelo que mais do que justificam o investimento
necessário.

Para além destas vantagens educacionais, os cursos parecem ajudar


as crianças a melhor cumprirem os seus papéis na vida, tornando-as
melhores amigos, estudantes, filhos e filhas — e no futuro,
muito provavelmente, melhores pais e mães, empregados e
patrões, pessoas e cidadãos. Embora nem todos os rapazes e raparigas
adquiram estas aptidões com igual segurança, na medida em que
o fizerem tornar-se-ão melhores por isso. «Quando a maré sobe,
levanta todos os barcos», como Tim Shriver costuma dizer: «Não
só os miúdos com problemas, mas todos os miúdos, podem beneficiar
destas aptidões; elas são uma vacina para a vida.»

CARACTER, MORALIDADE
E AS ARTES DA DEMOCRACIA

Há uma palavra antiquada para designar o corpo de capacidades


que a inteligência emocional representa: carácter. O carácter, escre361
DANIEL GOLEMAN

ve Amitai Etzioni, o teórico social da Universidade de Washington,


é «a musculatura psicológica que a conduta moral exige.»14 E o filósofo
John Dewey bem viu que a educação moral é mais eficaz quando
as suas lições são ensinadas às crianças no decorrer de acontecimentos
autênticos e não de forma abstracta — o modo de ensino da
literacia emocional.15

Se o desenvolvimento do carácter é o alicerce das sociedades


democráticas, consideremos algumas das maneiras como a inteligência
emocional reforça esse alicerce. A base do carácter é a autodisciplina;
a vida virtuosa, como tem sido observado por todos os
filósofos desde Aristóteles, baseia-se no autocontrolo. Uma das
pedras angulares do carácter é a pessoa ser capaz de motivar-se e
guiar-se a si mesma, quer se trate de fazer os trabalhos de casa, terminar
uma tarefa ou levantar-se de manhã. E, como já vimos, a
capacidade de adiar a recompensa e controlar e canalizar os nossos
impulsos para agir constitui uma aptidão emocional básica, a que
noutros tempos se chamava força de vontade. «Precisamos de controlar-nos
a nós mesmos — os nossos apetites, as nossas paixões —
para podermos proceder bem para com os outros», nota Thomas
Likonam ao escrever sobre a educação do carácter.16 «É preciso
força de vontade para manter as emoções sob o controlo da razão.»

Ser capaz de pôr de lado o nosso egoísmo e os nossos impulsos


tem vantagens sociais: abre caminho à empatia, ajuda-nos a ouvir
verdadeiramente, a ver as coisas do ponto de vista dos outros. A empatia,
como vimos, leva-nos a preocuparmo-nos com os outros, ao
altruísmo e à compaixão. Ver as coisas do ponto de vista dos outros
quebra os estereótipos preconceituados, e deste modo gera a tolerância
e a aceitação das diferenças. Estas capacidades são cada vez
mais necessárias nas nossas sociedades crescentemente pluralistas,
permitindo às pessoas viverem umas com as outras em respeito
mútuo e criando a possibilidade de um discurso público produtivo.
São estas as artes básicas da democracia.17

As escolas, nota Etzioni, desempenham um papel central na


cultivarão do carácter, ao inculcarem a autodisciplina e a empatia,
que por sua vez possibilitam o verdadeiro empenhamento aos valores
morais e cívicos.18 Para tanto, não basta falar às crianças a respeito
de valores: elas precisam de praticá-los, que é o que acontece
quando constróem as aptidões sociais e emocionais básicas. Neste
sentido, a literacia emocional anda a par com a educação do carácter,
do desenvolvimento moral e da cidadania.

362
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

UMA ULTIMA PALAVRA

No momento em que termino este livro, a minha atenção é


atraída por algumas notícias perturbadoras que aparecem nos jornais.
Uma delas anuncia que as armas se tornaram a principal causa
de morte nos Estados Unidos, destronando os acidentes de automóvel.
Outra comunica-me que no ano passado a taxa de assassínios
subiu 3 por cento.” Particularmente descoroçoante é uma previsão
feita, neste segundo artigo, por um criminologista, segundo o qual
estaríamos num «período de acalmia» antes da «tempestade de
crime» que há-de abater-se sobre nós na próxima década. A razão
que dá para este pessimismo é o facto de o número de assassínios
cometidos por adolescentes de catorze e quinze anos estar a subir, e
de este grupo etário representar a crista de uma mini-vaga populacional.
Durante a próxima década, os seus membros terão entre
dezoito e vinte e quatro anos, a idade em que os crimes violentos
atingem o seu ponto alto no decurso de uma carreira criminosa. Os
sinais precursores já estão no horizonte: um terceiro artigo afirma
que nos quatro anos que decorreram entre 1988 e 1992 os números
do Departamento da Justiça mostram uma subida de 68 por cento
no número de jovens acusados de assassínio, ofensas corporais graves,
roubo e violação com violência; só os casos de ofensas corporais
graves subiram 80 por cento.

Estes adolescentes são a primeira geração a dispor não só de armas,


mas de armas automáticas, que lhes são facilmente acessíveis,
tal como os pais foram a primeira geração a ter acesso fácil às drogas.
O uso de armas por adolescentes significa que um desentendimento
que antigamente poderia no máximo conduzir a uma luta a
soco, hoje pode com a mesma facilidade degenerar numa luta a tiro.
E, como faz notar um outro perito, «os adolescentes não são muito
bons a evitar disputas».

Uma das razões por que dominam tão mal esta aptidão básica
é, evidentemente, o facto de nós, como sociedade, não nos termos
dado ao trabalho de assegurar que todas as crianças aprendiam minimamente
a lidar com a ira e a resolver conflitos de uma forma
positiva — como não nos demos ao trabalho de ensinar-lhes
empatia, controlo de impulsos ou qualquer das outras formas fundamentais
de competência emocional. Deixando ao acaso as

363
DANIEL GOLEMAN

lições emocionais que as crianças aprendem, arriscamo-nos a perder


a janela de oportunidade oferecida pela lenta maturação do
cérebro para ajudar as crianças a cultivarem um repertório emocional
saudável.

A despeito do alto interesse que a literacia emocional merece a


alguns educadores, estes cursos são ainda raros; a maior parte dos
professores, directores de escolas e pais não sabe sequer que eles
existem. Os melhores modelos encontram-se largamente fora da
principal corrente educacional, num punhado de escolas privadas e
numas poucas centenas de escolas públicas. Claro que nenhum programa,
incluindo este, constitui a resposta para todos os problemas.
Mas considerando as crises que nós e os nossos filhos enfrentamos,
e considerando o quantum de esperança que estes cursos de literacia
emocional representam, devemos perguntar a nós mesmos: não
deveríamos estar a ensinar estas aptidões essenciais para a vida a todas
as crianças — agora mais do que nunca?

E se não agora, então quando?

364

K
Apêndices
e Notas
Apêndice A
O Que E a Emoção
Uma palavra a respeito daquilo a que me refiro sob a rubrica
emoção, um termo cujo significado preciso tem vindo a ser objecto
de controvérsias entre psicólogos e psiquiatras desde há mais de um
século. No seu sentido mais literal, o Oxford English Dictionary define
emoção como «uma agitação ou perturbação do espírito, sentimento,
paixão; qualquer estado mental excitado ou veemente.»
Quanto a mim, interpreto emoção como referindo-se a um sentimento
e aos raciocínios daí derivados, estados psicológicos e biológicos,
e o leque de propensões para a acção. Há centenas de emoções,
incluindo respectivas combinações, variações, mutações e
tonalidades. Na realidade, há muito mais subtilezas de emoção do
que nós temos palavras para descrevê-las.

Os investigadores continuam a debater precisamente que emoções


podemos considerar primárias — o azul, amarelo e vermelho do
sentimento que estão na base de todas as combinações — ou mesmo
se há efectivamente emoções primárias. Alguns teóricos propõem
famílias básicas, mas nem todos estão de acordo quanto a elas. Os
principais candidatos e alguns dos membros das respectivas famílias:

• Ira: fúria, ultraje, ressentimento, cólera, exasperação, indignação,


vexação, acrimónia, animosidade, aborrecimento, irritabilidade,
hostilidade e, talvez no extremo, ódio e violência patológicos.

• Tristeza: dor, pena, desânimo, desalento, melancolia, autocomiseração,


solidão, abatimento, desespero, e, quando patológica,
depressão profunda.

• Medo: ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação, consternação,


receio, precaução, aflição, desconfiança, pavor, horror,
terror; como psicopatologias, fobia e pânico.

• Prazer: felicidade, alegria, alívio, contentamento, satisfação, delícia,


divertimento, orgulho, prazer sensual, excitação, êxtase,
agrado, euforia, gratificação, bom-humor, arrebatamento, entusiasmo
e, no extremo, mania.

• Amor: aceitação, amizade, confiança, bondade, afinidade, devoção,


adoração, fascinação, ágape.

367
DANIEL GOLEMAN

• Surpresa: choque, espanto, assombro, admiração.

• Aversão: desprezo, desdém, troça, repugnância, nojo, desagrado,


repulsa.

• Vergonha: culpa, embaraço, desgosto, remorso, humilhação, arrependimento,


mortificação e contrição.

Claro que esta lista não resolve todos os problemas de como


categorizar a emoção. Por exemplo, o que dizer de combinações
como o ciúme, uma variante da ira que também inclui tristeza e
medo? E as virtudes, como a esperança e a fé, a coragem e o
perdão, a certeza e a equanimidade? Ou alguns dos vícios clássicos,
como a dúvida, a complacência, a preguiça e o torpor ou o
tédio? Não há respostas claras; o debate científico sobre como
classificar as emoções continua.

O argumento a favor da existência de um punhado de emoções


nucleares apoia-se em certa medida na descoberta de Paul Ekman,
da Universidade de Califórnia em São Francisco, de que as expressões
faciais de quatro delas (medo, ira, tristeza e prazer) são reconhecidas
por pessoas pertencentes a culturas de todo o mundo,
incluindo povos pré-letrados presumivelmente ainda não expostos
ao cinema ou à televisão — o que sugere a sua universalidade.
Ekman mostrou fotos de rostos que retratavam com precisão técnica
várias expressões a pessoas de culturas tão remotas como os Fores
da Nova Guiné, uma remota tribo de montanheses que vive ainda
na Idade da Pedra, e verificou que essas pessoas reconheciam as
mesmas emoções básicas. O primeiro a notar a universalidade das
expressões faciais da emoção foi provavelmente Darwin, que viu no
facto uma prova de que as forças da evolução tinham gravado esses
sinais no nosso sistema nervoso central.

Na busca de princípios básicos, acompanho Ekman e outros ao


pensar nas emoções em termos de famílias ou dimensões, tomando
as principais famílias — ira, tristeza, medo, prazer, amor, vergonha,
etc. —, como casos demonstrativos das infindáveis tonalidades
da nossa vida emocional. Cada uma destas famílias tem no
seu âmago um núcleo emocional básico, do qual emanam em
ondas sucessivas incontáveis mutações aparentadas. Nas orlas
exteriores encontramos os estados de espírito, que, tecnicamente
falando, são mais atenuados e duram muito mais tempo do que
uma emoção (enquanto é relativamente raro uma pessoa ter um
«ataque» de ira que dure o dia inteiro, por exemplo, pode bem

368
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

passar todo o dia num estado de espírito conflituoso, irritadiço,


entremeado por curtas explosões de ira). Para além dos estados de
espírito, há os temperamentos, a prontidão para evocar uma emoção
ou um estado de espírito que torna uma pessoa melancólica,
tímida ou alegre. E, ainda para além destas disposições emocionais,
há as doenças emocionais, como a depressão clínica e a ansiedade
constante, graças às quais certas pessoas se sentem perpetuamente
encurraladas num estado tóxico. . u ; ~ .:.. >,;.. ,
.’:; ,-iru. ” ’..; .’. ’y•
’ ’:. UiUúi • ,. >!.

Apêndice B >, , 5.,

Características Definidoras ....•


da Mente Emocional
Só nos anos recentes emergiu um modelo científico da mente
emocional capaz de explicar como tanto do que fazemos pode ser
emocionalmente conduzido — como podemos ser tão razoáveis num
momento e tão irracionais no seguinte — e em que sentido as emoções
têm as suas próprias razões e a sua própria lógica. As duas melhores
avaliações da mente emocional são talvez as oferecidas, independentemente,
por Paul Ekman, director do Laboratório de Interacção
Humana na Universidade da Califórnia, em São Francisco, e por
Seymour Epstein, um psicólogo clínico da Universidade do Massachussetts.1
Embora Ekman e Epstein se tenham baseado em provas
científicas diferentes, em conjunto oferecem-nos uma lista básica das
qualidades que distinguem as emoções do resto da vida mental.2

Uma resposta rápida mas trapalhona

A mente emocional é muito mais rápida do que a mente racional,


entrando em acção sem «pensar» por um instante no que vai
fazer. A sua rapidez exclui a reflexão deliberada e analítica que é
característica da mente pensante. No decurso da evolução, esta
rapidez girava provavelmente em torno da mais básica das decisões,
a que prestar atenção, e, uma vez atento na situação de, por exem369
DANIEL GOLEMAN

pio, se encontrar face a um animal, tomar decisões instantâneas do


género: «Como esta coisa, ou come-me ela a mim?» Os organismos
que demoravam demasiado tempo a pensar nestas respostas não tinham
grandes probabilidades de deixar muita progénie à qual transmitir
os seus lentos genes.

As acções geradas pela mente emocional contêm um sentido de


certeza particularmente forte, um subproduto de uma maneira esquemática
e simplificada de ver as coisas que pode ser perfeitamente
desnorteante para a mente racional. Quando o pó assenta, ou
mesmo a meio da resposta, damos por nós a pensar: «Por que diabo
é que eu fiz isto?» — um sinal de que a mente racional está a despertar
para a ocasião, mas não com a rapidez da mente emocional.

Uma vez que o intervalo entre aquilo que dispara uma emoção e
a sua reacção pode ser praticamente inexistente, o mecanismo que
avalia as percepções tem de ser capaz de uma grande velocidade,
mesmo em tempo de cérebro, que se conta em milésimos de segundo.
Esta avaliação da necessidade de agir tem de ser automática, tão
rápida que nunca chega a entrar no consciente.3 O tipo de resposta
rápida-e-suja da mente emocional domina-nos praticamente antes
que tenhamos tempo de perceber o que se está a passar.

Este modo de percepção rápida sacrifica a certeza à rapidez, baseando-se


em primeiras impressões, reagindo à imagem geral ou aos
aspectos mais salientes. Apreende as situações globalmente, como
um todo, reagindo sem ter tido tempo para uma análise pensada.
Os elementos mais vívidos podem determinar essa impressão, sobrepondo-se
à apreciação cuidadosa dos pormenores. A grande
vantagem é que a mente emocional consegue ler uma realidade
emocional (ele está furioso comigo; ela está a mentir; isto está a
deixá-lo triste) num instante, fazendo um juízo imediato que nos diz
com quem ter cuidado, em quem confiar, quem está perturbado.
A mente emocional é o nosso radar contra o perigo; se nós (ou os
nossos antepassados) ficássemos à espera de que a mente racional
fizesse alguns destes juízos, podíamos estar não só enganados
— podíamos estar mortos. O inconveniente é que estas intuições e
juízos intuitivos, por serem instantâneos, podem estar errados.

Paul Ekman propõe que esta rapidez com que as emoções podem
dominar-nos antes que nos apercebamos inteiramente do que estão
a fazer é essencial para o facto de serem tão altamente adaptativas;
mobilizam-nos para responder a ocorrências urgentes sem perdermos
tempo a ponderar a reacção ou a resposta. Usando o sistema

370
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

que ele próprio inventou para identificar emoções a partir de subtis


alterações das expressões faciais, Ekman é capaz de detectar microemoções
que nos perpassam pelo rosto em menos de meio segundo.
Ekman e os seus colaboradores descobriram que as expressões emocionais
começam a revelar-se em modificações da musculatura
facial poucos milésimos de segundo depois do acontecimento que
desencadeia a reacção, e que as mudanças fisiológicas típicas de
uma determinada emoção — como um desvio da corrente sanguínea
ou o aumento do ritmo cardíaco — demoram também apenas
umas escassas fracções de segundo a manifestar-se. Esta rapidez é
especialmente verdadeira no caso das emoções intensas, como o
medo face a uma ameaça súbita.

Ekman argumenta que, tecnicamente falando, o pico da emoção


é muito breve, dura apenas segundos em vez de minutos, horas
ou dias. O seu raciocínio é que seria prejudicial em termos de adaptação
se uma emoção pudesse capturar o cérebro e o corpo por
longos períodos de tempo, independentemente da mudança das
circunstâncias. Se as emoções provocadas por um único acontecimento
continuassem invariavelmente a dominar-nos depois de
ele ter passado, e independentemente do que estivesse a acontecer
à nossa volta, então os nossos sentimentos seriam fracos guias para
a acção. Para que as emoções durassem mais tempo o respectivo
disparador teria de manter-se, continuando efectivamente a evocar
a emoção, como acontece quando a morte de um ente querido
nos entristece. Quando os sentimentos persistem durante horas, é
habitualmente como estados de espírito, uma forma mais atenuada.
Os estados de espírito definem um torn afectivo, mas não
determinam da mesma maneira que o pico da emoção pura o modo
como percebemos e agimos.

Primeiro sentimentos, depois pensamentos

Uma vez que a mente racional demora mais um ou dois instantes


do que a mente emocionai a registar e responder, o «primeiro
impulso» numa situação emocional é sempre do coração, e não da
cabeça. Há também um segundo tipo de reacção emocional, mais
lento do que a resposta rápida, que fica primeiro a fervilhar no
nosso pensamento antes de conduzir ao sentimento. Esta segunda
via para desencadear emoções é mais deliberada, e tipicamente te371
DANIEL GOLEMAN

mos perfeita consciência dos pensamentos que a ela conduzem.


Neste tipo de reacção emocional há uma avaliação mais prolongada;
os nossos pensamentos — cognição — desempenham um papel
essencial na determinação de que emoções serão despertadas.
Depois de termos feito uma avaliação — «Este motorista de táxi
está a intrujar-me», ou «Este bebé é adorável», segue-se uma resposta
emocional adequada. Nesta sequência mais lenta, o pensamento
mais articulado precede o sentimento. As emoções mais
complexas, como o embaraço ou a apreensão por causa de um
exame, seguem esta via lenta, demorando segundos ou minutos a
desenvolver-se — são emoções que decorrem de pensamentos.

Em contraste, na sequência de resposta rápida o sentimento


parece preceder ou ocorrer em simultâneo com o pensamento. Esta
reacção emocional de tiro rápido assume o controlo em situações
que tenham a urgência da sobrevivência primária. É esta a força de
tais decisões rápidas: mobilizam-nos instantaneamente para fazer
face a uma emergência. Os nossos sentimentos mais intensos são
reacções involuntárias; não podemos decidir quando surgirão. «O
amor», escreveu Stendhal, «é como uma febre que vai e vem independentemente
da vontade.» Não apenas o amor, mas as nossas iras
e medos também, como que nos invadem, parecendo acontecer’nos,
em vez de acontecerem por nossa escolha. Por essa razão, podem
proporcionar-nos um álibi. «É o facto de não podermos escolher as
emoções que temos», nota Ekman, que permite às pessoas explicar o
que fizeram afirmando terem sido dominadas pela emoção.4

Tal como há caminhos lentos e rápidos para a emoção — um


através da percepção imediata e o outro através do pensamento reflectido
— assim há emoções que vêm quando as chamamos. Um
exemplo são os sentimentos intencionalmente manipulados, arte
em que os actores são peritos, como as lágrimas que surgem quando
se evocam recordações tristes propositadamente com esse fim.
Mas os actores são apenas mais habilidosos do que o resto de nós
no uso intencional desta segunda via para a emoção, através do
pensamento. Embora não possamos modificar com facilidade que
tipo de emoções um determinado pensamento vai provocar, podemos
muito frequentemente, e fazemo-lo, escolher aquilo em que
pensamos. Tal como uma fantasia sexual pode levar a sentimentos
sexuais, assim uma recordação agradável pode alegrar-nos, ou pensamentos
melancólicos tornarem-nos meditabundos. A mente
racional, no entanto, não decide habitualmente que emoções

372
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

«devemos» ter. Em vez disso, os nossos sentimentos as mais das


vezes surgem-nos como um facto consumado. O que a mente racional
pode normalmente controlar é o curso dessas reacções. com
umas poucas excepções, não decidimos quando estamos tristes, zangados,
ou seja o que for.

Uma realidade simbólica, infantil

A lógica da mente emocional é associativa; encara os elementos


que simbolizam uma realidade, ou evocam a recordação de uma
realidade, como sendo o mesmo que essa realidade. É por isso que
os sorrisos, as metáforas e as imagens falam directamente à mente
emocional, tal como a arte — o romance, o cinema, a poesia, a canção,
o teatro, a ópera. Os grandes mestres espirituais, como Buda e
Jesus, tocavam os corações dos seus discípulos falando-lhes na linguagem
da emoção, ensinando por parábolas, fábulas e histórias. Na
realidade, o simbolismo e o ritual religiosos fazem pouco sentido do
ponto de vista racional; expressam-se no vernáculo do coração.

A lógica do coração — do cérebro emocional — é bem descrita


por Freud através do seu conceito de pensamento de «processo
primário»; é a lógica da religião e da poesia, das psicoses e das
crianças, do sonho e do mito (como diz Joseph Campbell, «Os
sonhos são mitos privados; os mitos são sonhos compartilhados»).
O processo primário é a chave que abre o significado de
obras como o Ulisses, de James Joyce: no pensamento de processo
primário, são associações livres que determinam o fluxo da narrativa;
um objecto simboliza outro; um sentimento desaloja outro e
fica no seu lugar; todos são condensados em partes. Não existe o
tempo nem há leis de causa-efeito. Na realidade, no processo primário
o «Não» é coisa que não existe; tudo é possível. O método
psicanalítico é em parte a arte de decifrar e interpretar estas substituições
de significados.

Se a mente emocional segue esta lógica e as suas regras, com um


elemento a ocupar o lugar de outro, as coisas não têm necessariamente
de ser definidas pela sua identidade objectiva: o que importa
é a maneira como são percebidas; as coisas são o que parecem ser.
Aquilo que qualquer coisa nos faz recordar pode ser muito mais
importante do que aquilo que «é». Na realidade, na vida emocional,
as identidades podem ser como um holograma, na medida em

373
DANIEL GOLEMAN

que uma única parte evoca o todo. Tal como Seymour Epstein faz
notar, enquanto a mente racional estabelece ligações lógicas entre
causas e efeitos, a mente emocional é indiscriminada, relacionando
coisas que se limitam a ter alguns aspectos semelhantes.3

São muitas as maneiras por que a mente emocional se revela


infantil, e tanto mais assim quanto mais fortes forem as emoções.
Uma dessas maneiras é o pensamento categórico, em que tudo é preto
e branco, sem tonalidades de cinzento; alguém que esteja embaraçado
por ter cometido uma gafe poderá ter este pensamento imediato:
«Digo sempre a palavra errada». Outro sinal deste modo
infantil é o pensamento personalizado, em que todos os acontecimentos
são vistos, de uma perspectiva centrada na própria pessoa,
como o condutor que, depois de um acidente, explicava que «o
poste de electricidade veio direito a mim».

Este pensamento personalizado é aucoconfirmador, suprimindo


ou ignorando as recordações ou factos que contrariem as suas crenças
e agarrando-se àqueles que as confirmam. As crenças da mente
racional são tentativas; novas provas podem desmentir uma crença
e substituí-la por outra — raciocina com base em provas objectivas.
A mente emocional, pelo contrário, considera as suas crenças absolutamente
verdadeiras, e portanto ignora todas as provas em contrário.
Por isso é tão difícil argumentar com alguém que esteja emocionalmente
agitado: seja qual for a solidez dos nossos argumentos
de um ponto de vista lógico, não têm qualquer peso desde que não
concordem com a convicção emocional do momento. Os sentimentos
justificam-se a si próprios, recorrendo para isso a um conjunto
de percepções e «provas» muito suas.

O passado imposto ao presente

Quando um aspecto de um acontecimento parece semelhante a


uma recordação emocionalmente carregada do passado, a mente
emocional responde evocando os sentimentos que acompanharam
o acontecimento recordado. A mente emocional reage ao presente
como se ele fosse o passado.6 O problema é que, especialmente quando
a avaliação é rápida e automática, podemos nem sempre nos
aperceber de que aquilo que era na altura o caso já não é. Alguém
que aprendeu, à força de muitas tareias durante a infância, a reagir
com ódio e um medo intenso a um cenho franzido, terá essa

374
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

reacção, mais ou menos intensa, mesmo depois de adulto, quando o


cenho franzido já não implica a mesma ameaça.

Quando os sentimentos são fortes, a reacção que provocam é


óbvia. Mas se os sentimentos são vagos e subtis, é possível que não
compreendamos muito bem a reacção emocional que estamos
a ter, ainda que ela influencie subtilmente a maneira como reagimos
no momento. Os pensamentos e colorações de agora tomarão
as cores dos pensamentos e reacções de então, embora possa parecer
que a reacção se deve exclusivamente às circunstâncias do
momento. A nossa mente emocional submeterá a mente racional
aos seus propósitos, de tal modo que procuramos explicações para
os nossos sentimentos e reacções — racionalizações — justificando-os
em termos do momento presente, sem nos apercebermos da
influência da recordação emocional. Neste sentido, podemos não
fazer a mínimo ideia do que está efectivamente a passar-se, embora
estejamos perfeitamente convencidos de que sim. Nestes
momentos a mente emocional subjuga a mente racional, utilizando-a
para os seus próprios fins.

Realidade ligada a um estado

O funcionamento da mente emocional é em larga medida


determinado por estados específicos, ou seja, ditado pelos sentimento
dominante num dado momento. A maneira como pensamos
e agimos quando nos sentimos românticos é completamente diferente
de quando estamos furiosos ou abatidos; na mecânica da
emoção, cada sentimento tem o seu repertório diferente de pensamentos,
reacções e até recordações. Estes repertórios específicos dos
vários estados tornam-se mais predominantes em momentos de
emoção intensa.

Uma indicação de que um destes repertórios está activo é a memória


selectiva. Parte da resposta da mente a uma situação emocional
é reorganizar as recordações e as opções de acção de tal modo
que as mais relevantes fiquem no topo da hierarquia, e consequentemente
mais «à mão» para serem usadas. E, como vimos, cada
emoção tem a sua assinatura biológica característica, um padrão de
alterações que modificam o corpo sempre que essa emoção se torna
ascendente, e um conjunto único de sinais que o corpo emite quando
está sob o seu dominio.7

375
DANIEL GOLEMAN

Apêndice C
Os Circuitos Neuronais do Medo
A amígdala é crucial para o medo. Quando uma rara doença
cerebral destruiu a amígdala (mas não qualquer das outras estruturas
do cérebro) de uma doente, que os neurologistas identificam
pelas iniciais S. M., o medo desapareceu completamente do seu
repertório mental. Esta mulher tornou-se incapaz de identificar as
expressões de medo na cara de outras pessoas, ou de fazê-las ela
própria. Nas palavras do seu neurologista: «Se alguém lhe apontasse
uma pistola à cabeça, ela saberia intelectualmente que deveria
ter medo, mas não o sentiria como você ou eu.»

Os circuitos do medo foram possivelmente os que os neurocientistas


cartografaram mais em pormenor, embora no estado actual da
ciência nenhum circuito completo de nenhuma emoção seja totalmente
conhecido. O medo proporciona-nos um bom exemplo para
compreendermos as dinâmicas neuronais da emoção. Para já, tem
uma proeminência especial na evolução: talvez mais do que qualquer
outra emoção, é crucial para a sobrevivência. Claro que, nos
tempos modernos, os medos deslocados são a maldição da vida quotidiana,
fazendo-nos sofrer de aflições, angústias e preocupações
— ou, no extremo patológico, de ataques de pânico, fobias ou
doenças obsessivas-compulsivas.

Digamos que o leitor está sozinho em casa, de noite, a ler um livro,


quando subitamente ouve um barulho na sala ao lado. O que
acontece no seu cérebro durante os momentos que se seguem abre
uma janela sobre os circuitos neuronais do medo, e sobre o papel da
amígdala como sistema de alarme. O primeiro circuito neuronal
envolvido limita-se a receber o som como simples ondas físicas e
transforma-as em linguagem de cérebro para o colocar a si em estado
de alerta. Este circuito vai do ouvido ao tronco cerebral, e daí
para o tálamo. A partir daqui, partem duas ramificações: um feixe
mais pequeno de projecções dirige-se à amígdala e ao hipocampo,
que lhe fica próximo; o outro, maior, segue para o córtex auditivo no
lóbulo temporal, onde os sons são identificados e compreendidos.

O hipocampo, um local de armazenamento chave da memória,


compara rapidamente aquele «barulho» com outros ruídos seme376
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

lhantes que o leitor já ouviu, para ver se lhe é familiar — será um


«barulho» que reconhece imediatamente? Entretanto, o córtex auditivo
está a fazer uma análise mais sofisticada do som, para tentar
compreender a sua origem — será o gato? Uma persiana a bater
com o vento? Um gatuno? O córtex auditivo apresenta as suas
hipóteses — pode ter sido o gato que deitou abaixo o candeeiro da
mesa, mas também pode ser um assaltante — e envia a mensagem
à amígdala e ao hipocampo, que a comparam rapidamente com
recordações semelhantes.

Se a conclusão é tranquilizadora (é apenas a persiana que bate


sempre que há um pouco de vento), o alarme geral não passa ao
nível seguinte. Mas se o leitor continua inseguro, outro circuito que
reverbera entre a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal amplia
esta incerteza e fixa a sua atenção, deixando-o ainda mais preocupado
com identificar a origem do som. Se nenhuma resposta
satisfatória resulta desta nova análise, a amígdala acciona um alarme;
a sua área central activa o hipotálamo, o tronco cerebral e o sistema
nervoso autónomo.

A soberba arquitectura da amígdala como sistema de alarme


central do cérebro torna-se evidente neste momento de apreensão
e ansiedade subliminar. Cada um dos feixes de neurónios da amígdala
possui um conjunto distinto de projecções dotadas de receptores
sintonizados com diferentes neurotransmissores, algo semelhante
àquelas empresas de segurança cujos operadores estão prontos
para chamar os bombeiros, a polícia ou um vizinho sempre que um
sistema de segurança doméstico dá o alarme.

Diferentes partes da amígdala recebem diferentes informações. Ao


núcleo lateral da amígdala chegam projecções vindas do tálamo e dos
córtices visual e auditivo. Os cheiros, vindos do bolbo olfactivo, dirigem-se
à área corticomédia, e os sabores e mensagens das vísceras vão
para a área central. Todos estes sinais fazem da amígdala uma sentinela
permanente, que escrutina todas as experiências sensoriais.

Da amígdala partem projecções em direcção a todas as principais


partes do cérebro. Das áreas central e média parte um ramo para as
áreas do hipotálamo que segregam a substância que prepara o corpo
para as respostas de emergência, a hormona libertadora de corticotropina
(CRH), mobilizando a reacção luta-ou-fuga através de uma série
de outras hormonas. A área basal da amígdala envia ramificações
para o corpo estriado, ligando-se ao sistema motor do cérebro. E,
através do núcleo central, que fica próximo, a amígdala envia sinais

377
DANIEL GOLEMAN

ao sistema nervoso autónomo, activando uma vasta gama de respostas


no sistema cardiovascular, nos músculos e no estômago.

Da área basolateral da amígdala partem ramificações para o córtex


cingulado e para as fibras conhecidas como «cinzentas centrais»,
células que regulam os grandes músculos esqueléticos. São
estas células que fazem o cão rosnar ou o gato arquear o dorso para
ameaçar um intruso no seu território. Nos seres humanos, esses
mesmos músculos tornam tensas as cordas vocais, provocando a voz
aguda típica do medo.

Uma outra projecção da amígdala liga-a ao locus ceruleus, no


tronco cerebral, que por sua vez produz norepinefrina (também
chamada «noradrenalina») e a espalha por todo o cérebro. O efeito
líquido da norepinefrina é aumentar a actividade geral das áreas
do cérebro que a recebem, tornando os circuitos sensoriais mais
sensíveis. A norepinefrina derrama-se pelo córtex, o tronco cerebral
e o próprio sistema límbico, essencialmente colocando o cérebro
em estado de alerta. Neste momento, até um vulgar rangido das
madeiras da casa é capaz de provocar no leitor um tremor de medo.
A maior parte destas mudanças ocorre fora do consciente, de modo
que neste momento o leitor ainda não sabe que está com medo.

Quando, porém, começa a sentir medo — isto é, quando a


ansiedade que era inconsciente se torna consciente — a amígdala
dispara imediatamente uma série de respostas. Indica às células do
tronco cerebral que lhe desenhem uma expressão de medo no rosto,
põe-no alerta e sobressaltado, detém quaisquer movimentos não
correlacionados que os seus músculos estivessem a fazer, acelera-lhe
o ritmo cardíaco e faz-lhe subir a pressão arterial e abranda-lhe a
respiração (talvez tenha reparado que reteve subitamente a respiração
no primeiro instante de medo, para poder ouvir melhor aquilo
que o assustou). Isto é apenas parte do vasto e cuidadosamente
coordenado conjunto de modificações que a amígdala e as áreas a
ela ligadas orquestram quando se assenhoreiam do cérebro num
momento de crise.

Entretanto a amígdala, juntamente com o hipocampo, que lhe


está ligado, ordena às células que libertem neurotransmissores-chave,
por exemplo, dopamina, que conduz a uma fixação da atenção
na fonte do seu medo — o barulho estranho — e põe os seus músculos
de alerta para reagir de acordo com as necessidades. Ao
mesmo tempo, a amígdala sinaliza as áreas sensoriais da visão e
da atenção, certificando-se de que os olhos procuram aquilo que for

378
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mais relevante para a emergência presente. Simultaneamente, os


sistemas da memória cortical são reorganizados de maneira que
os conhecimentos e as recordações mais relevantes para aquela
urgência emocional particular fiquem mais facilmente acessíveis,
tomando precedência sobre outras linhas de pensamento menos
importantes de momento.

Uma vez enviados todos estes sinais, o caro Leitor está em pleno
ataque de medo: apercebe-se de um aperto característico no estômago,
de que o coração lhe bate mais depressa, da tensão dos músculos
à volta do pescoço e dos ombros, do tremor dos membros;
o seu corpo imobiliza-se enquanto se esforça por captar novos sons,
e o seu espírito imagina uma série de perigos possíveis e maneiras
de lhes responder. Toda esta sequência — da surpresa à incerteza, à
apreensão e ao medo — decorre no espaço de cerca de um segundo.
(Para mais informação, ver Jerome Kagan, Galerís Prophecy,
Nova Iorque, Basic Books, 1994.)

Apêndice D
W. T. Grant Consortium Ingredientes
Os ingredientes-chave dos programas eficazes incluem:

CAPACIDADES EMOCIONAIS

• Identificar e rotular sentimentos

• Expressar sentimentos

• Avaliar a intensidade dos sentimentos

• Gerir sentimentos

• Adiar a recompensa

• Controlar impulsos

• Reduzir o stress

• Saber a diferença entre sentimentos e acções

APTIDÕES COGNITIVAS

• Autoconversa — conduzir um «diálogo interior» como uma


maneira de lidar com um tema ou um desafio ou reforçar o próprio
comportamento

379
DANIEL GOLEMAN

Ler e interpretar indicações sociais — por exemplo, reconhecer


as influências sociais no comportamento e ver-se a si mesmo na
perspectiva mais vasta da comunidade

Utilizar passos para a solução de problemas e a tomada de decisões


— por exemplo, controlar impulsos, definir objectivos,
identificar acções alternativas, antecipar consequências
Compreender o ponto de vista dos outros
Compreender as normas comportamentais (o que é e o que não
é comportamento aceitável)
Uma atitude positiva face à vida

Autoconsciência — por exemplo, criar expectativas realistas a


respeito de si mesmo

CAPACIDADES COMPORTAMENTAIS

• Não-verbais — comunicar por contacto visual, expressividade


facial, torn de voz, gestos, etc.

• Verbais — fazer pedidos claros, responder eficazmente às críticas,


resistir às influências negativas, ouvir os outros, ajudar os
outros, participar em grupos positivos
FONTE: W. T. Grant Consortium sobre a Promoção Escolar da Competência
Social, «Drug and Alcohol Curricula», in J. David Hawkins et ai, Communitíes
That Care, São Francisco, Tossev-Bass, 1992.

Apêndice E
Currículo da Ciência do Eu
Principais componentes:

• Autoconsciência: observar-se a si mesmo e reconhecer os próprios


sentimentos; construir um vocabulário para os sentimentos;
conhecer a relação entre pensamentos, sentimentos e reacções.

• Tomada de decisões pessoais: examinar as próprias acções e reconhecer


as suas consequências; saber se é o pensamento ou o

380
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

sentimento que estão a governar uma acção; aplicar este conhecimento


a questões como o sexo e a droga.
Gerir os sentimentos: controlar a «autoconversa» de modo a detectar
as mensagens negativas, como as autodepreciações; cornpreender
o que está por trás de um sentimento (por exemplo, a
dor que provoca a ira); descobrir maneiras de lidar com os medos
e as ansiedades, a ira e a tristeza.

Lidar com o stress: aprender o valor do exercício, da fantasia


orientada, dos métodos de relaxação.

Empada: compreender os sentimentos e preocupações dos outros


e ver as coisas do seu ponto de vista; ponderar as diferenças
no modo como as pessoas sentem.

Comunicações: falar a respeito de sentimentos de uma forma eficaz:


tornar-se um bom ouvinte e um bom fazedor-de-perguntas;
distinguir entre aquilo que alguém diz ou faz e as próprias reacções
ou juízos sobre o que é dito ou feito.
Abertura: valorizar a franqueza e imprimir confiança numa relação;
saber quando pode com segurança falar a respeito dos seus
próprios sentimentos íntimos.

Introspecção: identificar padrões na sua vida emocional e reacções;


reconhecer padrões equivalentes nos outros.
AutO’aceitação: ter orgulho e ver-se a si mesmo a uma luz positiva;
reconhecer os seus pontos fortes e fracos; ser capaz de rir de
si mesmo.

Responsabilidade pessoal: assumir responsabilidade; reconhecer


as consequências das suas decisões e acções, aceitar os seus próprios
sentimentos e estados de espírito, cumprir os compromissos
assumidos (por exemplo, estudar).

Assertividade: expor os seus sentimentos e preocupações sem ira


nem passividade.

Dinâmica de grupo: cooperação, saber como e quando liderar, ou


quando seguir.

Resolução de conflitos: como confrontar lealmente as outras crianças,


os pais, os professores; o modelo ganha/ganha para a negociação
de compromissos.
FONTE: Karen F. Stone e Harold Q. Dillehunt, Self Science: The Subject Is Me,
Santa Mónica, Goodyear Publishing Co., 1978.

381
DANIEL GOLEMAN

Apêndice F

Aprendizagem Social e Emocional:


Resultados
Projecto de Desenvolvimento da Criança

Eric Schaps, Centro de Estudos do Desenvolvimento, Oakland,


Califórnia.

Avaliação em escolas do Norte da Califórnia, grau K-6;


classificação por observadores independentes, por comparação com
escolas de controlo.

RESULTADOS:

• Mais responsáveis

• Mais assertivas

• Mais populares e alegres

• Mais pró-sociais e dispostas a ajudar

• Melhor compreendidas pelos colegas

• Mais atenciosas e interessadas

• Mais estratégias pró-sociais para a resolução de problemas


interpessoais

• Mais harmoniosas

• Mais «democráticas»

• Mais aptidões para a resolução de conflitos


FONTES: E. Schaps e V. Battistich, «Promoting Health Through School-Based
Prevention: New Approaches», OSAP Prevention Monograph, n.° 8; Preventing
Adolescent Drug Use: From Theory to Practice. Eric Gopelrud (ed.) Rockville,
MD, Gabinete para a Prevenção do Consumo de Drogas, Departamento de Saúde
e Serviços Humanos dos EUA, 1991.

D. Solomon, M. Watson, V. Battistich, E. Schaps e K. Delucchi, «Creating a


Caring Community: Educational Practices to Promote Children’s Prosocial
Development», in F.K. Oser, A. Dick e J.-L. Patry eds., Effective and Responsible
Teaching: The Neto Synthesis, São Francisco, Jossey-Bass, 1992.

382
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Paths
Mark Greenberg, Projecto Via Rápida, Universidade de Washington.

Avaliado em escolas de Seattle, graus 1-5; classificação por


professores, comparando grupos equivalentes de controlo entre
1) alunos normais, 2) alunos surdos, 3) alunos do ensino especial.

RESULTADOS:

• Melhoria em aptidões cognitivo-sociais

• Melhoria nas áreas da emoção, identificação e compreensão

• Melhor autocontrolo

• Melhor capacidade de planeamento para resolver tarefas cognitivas

• Maior capacidade de pensar antes de agir

• Mais eficácia na resolução de conflitos

• Uma atmosfera mais positiva na sala de aula

ALUNOS com NECESSIDADES ESPECIAIS

Melhor comportamento na aula no que respeita a:

• Tolerância à frustração

• Capacidade de afirmação social

• Orientação para as tarefas

• Aptidões de companheirismo

• Partilhar

• Sociabilidade

• Autocontrolo

MELHOR COMPREENSÃO EMOCIONAL:

• Identificação

• Rotulagem

• Diminuição de auto-referências de tristeza e depressão

• Diminuição de ansiedade e alheamento

FONTES: Grupo de Investigação de Problemas de Conduta, «A Developmental


and Clinicai Model for the Prevention of Conduct Disorder: The Fast Track
Program» Development and Psychopatology 4 (1992).

M. T. Greenberg e C. A. Kusche, Promoting Social and Emotional Development in


Deaf Children; The PATHS Project, Seattle, University of Washington Press, 1993.
M. T. Greenberg, C. A. Kusche, E. T. Cook e J. P. Quamma, «Promoting
Emotional Competence in School-Aged Children: The Effects of the PATHS
Currículum», Development and Psychopatology 7 (1995).

383
DANIEL GOLEMAN

Projecto de Desenvolvimento Social de Seattle

J. David Hawkins, Grupo de Investigação do Desenvolvimento


Social, Universidade de Washington.

Avaliado nas escolas primárias e médias de Seattle por testes


independentes e padrões objectivos, em comparação com escolas
onde não existe o programa.

RESULTADOS:

• Ligação mais positiva à família e à escola

• Rapazes menos agressivos, raparigas menos autodestrutivas

• Menos suspensões e expulsões de maus alunos

• Menor iniciação no consumo de drogas

• Menor delinquência

• Melhores notas nos testes normais de avaliação


FONTES: E. Schaps e V. Battistich, «Promoting Health Development Through

School-Based Prevention: New Approaches», OSAP Prevention Monograph, n.°

8: Preventing Adolescent Drug Use: From Theory to Practice, Eric Gopelrud

(ed.), Rockville, MD: Gabinete para a Prevenção do Consumo de Drogas,

Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, 1991.

J. D. Hawkins et ai., «The Seattle Social Development Project», in J. McCord e

R. Tremblays, eds., The Prevention of Antisocial Behavior in Children, Nova

Iorque, Guilford, 1992.

]. D. Hawkins, E. Von Cleve e R. F. Catalano, «Reducing Early Childhood

Agression: Results of a Primary Prevention Program», Journal of the American

Academy of Child and Adolescent Psychiatry 30, 2 (1991), pp. 208-217.

J. A. CDonnell, J. D. Hawkins, R. F. Catalano, R. D. Abbot e E. L. Day,

«Preventing School Failure, Drug Use and Delinquency Among Low-Income

Children; Effects of a Long-Term Prevention Project in Elementary Schools»,

American Journal of Orthopsychiatry 65 (1994)

Yale — Programa para a Promoção da Competência Social


em New Haven

Roger Weissberg, Universidade do Illinois em Chicago


Avaliado em escolas públicas de New Haven, graus 5-8, por

observações independentes e depoimentos de alunos e professores,


por comparação com grupo de controlo.

384
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

RESULTADOS:

• Melhores aptidões para a resolução de problemas

• Mais envolvimento com os colegas

• Melhor controlo de impulsos , .-,

• Melhor comportamento

• Melhor eficácia interpessoal e popularidade •> ,

• Mais capacidade de cooperação .... .. j

• Mais capacidade para lidar com problemas interpessoais

• Mais capacidade para lidar com a ansiedade

• Menos comportamentos delinquentes

• Mais capacidade para resolver conflitos

FONTES: M. J. Elias e R. P. Weissberg, «School-Based Social Competence Promotion


as a Primary Prevention Strategy: A Tale of Two Projects», Prevention in
Human Services 7, 1 (1990), pp. 177-200.

M. Caplan, R. P. Weissberg, J. S. Grober, P. J. Sivo, K. Grady e C. Jacoby, «Social


Competence Promotion with Inner-City and Suburban Young Adolescents:
Effects of Social Adjustment and Alcohol Use», Journal of Consulting and
Clinicai Psychology 60, 1 (1992), pp. 56-63.

Programa para a Resolução Criativa de Conflitos

Linda Lantieri, Programa do Centro Nacional para a Resolução


Criativa de Conflitos (uma iniciativa de Educadores pela Responsabilidade
Social), Nova Iorque.

Avaliado em escolas de Nova Iorque, graus K-12, por classifica’


ção dos professores antes e depois do programa.

RESULTADOS:

• Menos violência nas aulas

• Menos ofensas verbais nas aulas

• Atmosfera mais solícita

• Mais vontade de cooperar

• Mais empatia

• Melhores aptidões para a comunicação


FONTE: Metis Associates, Inc., The Resolving Conflict Creatively Program:
1988-1989. Sumary of Significam Findings of RCCP New York Site (Nova Iorque:
Metis Associates, Maio de 1990).
385
DANIEL GOLEMAN

Melhorar a Consciência Social — Projecto para a Solução


de Problemas Sociais

Maurice Elias, Rutgers University.

Avaliado em escolas de New Jersey, graus K-6, por classificações


de professores, apreciação de colegas e registos escolares, por cornparação
com não-participantes.

RESULTADOS:

• Maior sensibilidade aos sentimentos dos outros

• Melhor compreensão das consequências do seu comportamento

• Mais capacidade para «avaliar» situações sociais e planear as


acções adequadas.

• Mais auto-estima

• Comportamento mais pró-social

• Maior procura de colegas com pedidos de ajuda

• Melhor transição para a escola média

• Menos comportamentos anti-sociais, autodestrutivos e desordeiros,


mesmo quando acompanhados até ao ensino secundário

• Mais capacidade de aprender a aprender

• Mais autocontrolo, consciência social e capacidade para tomar


decisões sociais, dentro e fora da sala de aula
FONTES: M. ]. Elias, M. A. Gara, T. F. Schuyler, L. R. Branden-Muller e M. A.

Sayette, «The Promotion of Social Competence: Longitudinal Study a Preventive

School-Based Program», American Journal of Orthopsychiatry 61 (1991), pp.

409-17.

M. J. Elias e J. Clabby, Building Social Problem Solving Skills: Guidelines From a

School-Based Program, São Francisco, Jossey-Bass, 1992.

386
Notas
PRIMEIRA PARTE:
O CÉREBRO EMOCIONAL

Capítulo l. Para Que Servem as Emoções

1. Associated Press, 15 de Setembro de 1993.

2. A intemporalidade deste tema do amor altruísta é sugerida pelo próprio


facto de ser uma presença constante em todos os mitos mundiais; os contos
Jakata, contados na maior parte da Ásia desde há milénios, contêm inúmeras
variações deste tipo de parábolas de auto-sacrifício.

3. Amor altruísta e sobrevivência humana: as teorias evolucionistas que postulam


as vantagens adaptativas do altruísmo estão bem sumarizadas em
Malcolm Slavin e Daniel Kriegman, The Adaptative Design of the Human
Psyche, Nova Iorque, Guilford Press, 1992.

4- Grande parte desta discussão baseia-se no ensaio essencial de Paul Ekman:


«An Argument for Basic Emotion», Cognition and Emotion 6, 1992, pp. 169200.
Este ponto é respigado do ensaio de P. N. Johnson e K. Oatley no mesmo
número da revista.

5. A morte de Matilda Crabtree: The New York Times, 11 de Novembro de 1994.

6. Só em adultos: uma observação de Paul Ekman, da Universidade da


Califórnia em São Francisco.

7. As modificações corporais provocadas pelas emoções e suas razões evolucionistas:


algumas destas modificações aparecem documentadas em Robert
W. Levenson, Paul Ekman e Wallace V. Friesen, «Voluntary Facial Action
Generates Emotion-Specific Autonomous Nervous System Activity», Psychophysiology
27, 1990. A presente lista foi respigada daí e de outras fontes. De
momento, é de certo modo especulativa; está em curso um debate científico
sobre a assinatura biológica precisa de cada emoção, com alguns investigadores
a tomarem a posição de que há muito mais sobreposição do que diferenças entre
as emoções, ou de que a nossa capacidade actual para medir as correlações biológicas
da emoção é demasiado imatura para permitir-nos distingui-las correctamente.
Para este debate, ver: Paul Ekman e Richard Davidson, eds., Fundamental
Questions About Emotions, Nova Iorque, Oxford University Press, 1964.

8. Nas palavras de Paul Ekman: «A ira é a mais perigosa de todas as emoções;


alguns dos principais problemas que destroem a sociedade dos nossos dias têm
a ver com a ira descontrolada. É hoje a menos adaptativa das emoções, uma vez
que nos mobiliza para lutar. As nossas emoções evoluíram num tempo em que
não dispúnhamos de meios tecnológicos tão poderosos para dar-lhes expressão.
Nos tempos pré-históricos, se alguém tinha um ataque de fúria e queria matar
outra pessoa, não era assim tão fácil fazê-lo. Mas hoje é.»

9. Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, tradução de Maria Isabel


Gonçalves Tomás, publicações Europa-América, Mem Martins, 1973.

10. Este tipo de respostas básicas constitui aquilo que poderíamos considerar
a «vida emocional» — ou mais exactamente a «vida institiva» — des387
DANIEL GOLEMAN

tas espécies. Mais importante em termos evolutivos, trata-se de decisões cruciais


para a sobrevivência; os animais capazes de torná-las correctamente, ou
suficientemente bem, sobreviviam para transmitir os respectivos genes.
Naqueles tempos primitivos, a vida mental era elementar: os sentidos e um
repertório simples de reacções aos estímulos que recebiam bastavam ao lagarto,
à rã, à ave ou ao peixe — e talvez também ao brontossauro — para sobreviver
mais um dia. Mas este cérebro rudimentar não permitia ainda aquilo a
que chamamos emoção.

11. O sistema límbico e as emoções: R. Joseph, «The Naked Neuron: Evolution


and the Languages of the Brain and Body», Nova Iorque, Plenum Publishing,
1993; Paul D. MacLean, The Triune Brain in Evolution, Nova Iorque,
Plenum, 1990.

12. Bebés e adaptabilidade: «Aspects of emotion conserved across species»,


Ned Kalin, M. D., Departamento de Psicologia e Psiquiatria, Universidade do
Wisconsin, preparado para o MacArthur Affective Neuroscience Meeting,
Novembro de 1992.

Capítulo 2. Anatomia de um «Sequestro» Emocional

1. O caso do homem que não tinha sentimentos foi descrito por R. Joseph,
ob. cit., p. 83. Por outro lado, pode haver vestígios de sentimentos em pessoas
que não têm amígdala (ver Paul Ekman e Richard Davidson, eds., Questtons
About Emottons, Nova Iorque, Oxford University Press, 1994). As conclusões
diferentes podem dever-se a exactamente que partes da amígdala e circuitos
relacionados estão em falta; estamos ainda longe de ter ouvido a última palavra
sobre a neurologia pormenorizada das emoções.

2. Como muitos neurocientistas, LeDoux trabalha a diversos níveis, estudando,


por exemplo, de que maneira determinadas lesões específicas no cérebro
de um rato afectam o seu comportamento; seguindo minuciosamente o caminho
de um único neurónio; concebendo complexas experiências para incutir
um condicionamento de medo em ratos cujos cérebros foram cirurgicamente
alterados. As suas descobertas, como outras aqui referidas, situam-se na fronteira
da exploração na neurociência, e por isso mesmo são um tanto especulativas
— principalmente as implicações que parecem decorrer desde os dados em
bruto até à compreensão da nossa vida emocional. Mas o trabalho de LeDoux
é apoiado por um crescente corpo de provas convergentes fornecidas por um
grande número de neurocientistas que vão pouco a pouco pondo a nu as bases
neuronais das emoções. Ver, por exemplo, Joseph LeDoux, «Sensory Systems
and Emotion», lntegrative Psychiavry 4, 1986; Joseph LeDoux, «Emotion and
the Limbic System Concept», Concepts in Neuroscience 2, 1992.

3. A ideia do sistema límbico como o centro emocional do cérebro foi induzida


pelo neurologista Paul MacLean há mais de quatro décadas. Em anos
mais recentes, descobertas como as de LeDoux refinaram o conceito do sistema
límbico, mostrando que algumas das suas estruturas centrais, como o hipocampo,
estão menos directamente envolvidas nas emoções, enquanto os circuitos
que ligam outras partes do cérebro, particularmente os lóbulos préfrontais,
à amígdala são mais importantes neste domínio. Para além disso, há
um reconhecimento crescente de que cada emoção pode fazer apelo a diferentes
áreas do cérebro. O pensamento mais recorrente é o de que não existe um
«cérebro emocional» claramente definido, mas antes vários sistemas de cir388
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

cuitos que dispersam a regulação de uma dada emoção por partes afastadas, mas
coordenadas, do cérebro. Os neurocientistas especulam que quando estiver terminado
o mapa cerebral completo das emoções, cada emoção principal terá a
sua própria topografia, um mapa distinto de caminhos neurais que determinem
as sua qualidades únicas, embora muitos ou mesmo a maior parte desses circuitos
possa estar interligada em junções-chave do sistema límbico, como a
amígdala, e no córtex pré-frontal. Ver Joseph LeDoux, «Emotional Memory
Systems in the Brain», Behavioral and Brian Research 58, 1993.

4- Circuitos cerebrais de diferentes níveis de medo: esta análise baseia-se na


excelente síntese de Jerome Kagan em Galen’s Prophecy, Nova Iorque; Basic
Books, 1994.

5. Escrevi a respeito da investigação de Joseph LeDoux no The Neui York


Times de 15 de Agosto de 1989. A discussão neste capítulo baseia-se em entrevistas
que lhe fiz, e em alguns dos seus artigos, incluindo «Emotional
Memory Systems in the Brain», Behavioral and Brain Research 58, 1993; «Emotion,
Memory and the Brain», Scientific American, Junho de 1994; «Motion and
the Limbic System Concepts in Neuroscience 2, 1992.

6. Preferências inconscientes: William Raft Kunst-Wilson e R. B. Zajonc,


«Affective Discrimination of Stimuli That Cannot Be Recognized», Science, 1
de Fevereiro de 1980.

7. Opinião inconsciente: John A. Barg, «First Second: The Preconscious in


Social Interactions», apresentado na reunião da American Psychological
Society, Washington, DC, Junho de 1994.

8. Memória emocional: Larry Cahil et a!, «Beta-adrenergic activation of


memory for emotional events», Nature, 20 de Outubro de 1994.

9. Teoria psicoanalítica e maturação do cérebro: a discussão mais pormenorizada


dos primeiros anos de vida e das consequências emocionais do desenvolvimento
do cérebro encontra-se en AUan Schore, Affect Regulation and
the Origin ofSelf, Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 1994.

10. Perigoso, mesmo que não se saiba o que é: LeDoux, citado em «How
Scary Things Get That Way», Science, 6 de Novembro de 1992, p. 887.

11. A maior parte desta especulação a respeito da afinação da resposta emocional


pelo neocórtex vem de Ned Kalin, op. cit.

12. Um olhar mais atento à neuroanatomia mostra que os lóbulos pré-frontais


funcionam como gestores emocionais. Numerosas provas apontam para
uma parte do córtex pré-frontal como sendo o lugar onde se juntam muitos ou
mesmo todos os circuitos corticais envolvidos na reacção emocional. Nos seres
humanos, as ligações mais fortes entre o neocórtex e a amígdala fazem-se com
o lóbulo pré-frontal esquerdo e o lóbulo temporal que lhe fica por baixo, e a
face lateral do lóbulo pré-frontal (o lóbulo temporal é essencial para identificar
o que é um objecto). Ambas estas ligações são feitas por uma única projecção,
sugerindo uma via rápida e poderosa, uma auto-estrada neuronal. Esta projecção
neuronal única entre a amígdala e o córtex pré-frontal dirige-se a uma
área chamada córtex orbifrontal Ê a área que parece mais essencial para avaliar e
corrigir as respostas emocionais quando estamos no meio delas.

O córtex orbifrontal não só recebe sinais da amígdala como tem a sua


própria, extensa e complexa rede de projecções por todo o cérebro límbico.
Através desta rede, desempenha um papel na regulação das respostas emocionais
— inclusive inibindo sinais do cérebro límbico dirigidos a outras áreas do

389
DANIEL GOLEMAN

córtex, atenuando assim a urgência neuronal desses sinais. As ligações do córtex


orbifrontal ao cérebro límbico são tão extensas que alguns neuroanatomistas
lhe chamaram uma espécie de «córtex límbico» — a parte pensante do cérebro
emocional. Ver Ned Kalin, Departamento de Psicologia e Psiquiatria,
Universidade do Winconsin, «Aspects of Emotion Conserved Across Species»,
um manuscrito inédito preparado para a MacArthur Affective Neuroscience
Meeting, Novembro de 1992; e AUan Schore, Affect Regulaúon and the Origin
ofSelf, Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 1994.

Há não só uma ponte estrutural entre a amígdala e o córtex pré-frontal, mas


também, e como sempre, uma ponte bioquímica: tanto a secção centro-média
do córtex pré-frontal com a amígdala possuem concentrações particularmente
elevadas de receptores químicos para o neurotransmissor serotonina. Este químico
cerebral parece, entre outras coisas, promover a cooperação: os macacos
que possuem uma alta densidade de receptores de serotonina no circuito amígdala-córtex
pré-frontal são «socialmente bem sintonizados», enquanto os que
apresentam baixas concentrações destes receptores se mostram hostis e agressivos.
Ver António Damásio, Descartes’ Error, Nova Iorque, Grosset/Putnam,
1994; publicado em Portugal com o título O Erro de Descartes, Lisboa, Círculo
de Leitores e Europa-América, 1995.

13. Estudos com animais mostram que quando certas áreas dos lóbulos préfrontais
são lesionadas, deixando de modular os sinais emocionais emitidos pela
área límbica, os animais tornam-se erráticos, com impulsivas e imprevisíveis
explosões de fúria ou acessos de medo paralisante. A. R. Luria, o brilhante neuropsicólogo
russo, propôs já nos anos 30 que o córtex pré-frontal era a chave do
autocontrolo e da regulação das explosões emocionais; os pacientes com lesões
nesta área, observou Luria, eram impulsivos e propensos a acessos de fúria e
medo. E um estudo de duas dezenas de homens e mulheres acusados de terem
cometido assassínio num momento de paixão impulsiva e descontrolada permitiu
verificar, através de exames visuais do cérebro pelo sistema PET, que apresentavam
um nível de actividade nessas mesmas secções do córtex pré-frontal
inferior ao normal.

14. Alguns dos principais trabalhos com lóbulos lesionados em ratos foram
feitos por Victor Donnenberg, um psicólogo da Universidade do Connecticut.

15. Lesões do hemisfério esquerdo e jovialidade: G. Gianotti. Emotional


behavior and hemispheric side lesion», Córtex 8, 1972.

16. O caso dos doentes de trombose felizes foi relatado por Mary K. Morris,
do Departamento de Neurobiologia da Universidade da Florida, durante a
International Neurophysiological Society Meeting, de 13-16 de Fevereiro de
1991, em Santo António.

17. Córtex pré-frontal e memória de trabalho: Lynn D. Selemon et ai.,


«Prefrontal Córtex», American Journal of Psychiatry 152, 1995.

18. Lóbulos frontais defeituosos: Philip Harden e Robert Phil, «Cognitive


Function, Cardiovascular Reactivity, and Behavior in Boys at High Risk for
Alcoholism», Journai o/Abnorma! Psychology 104, 1995.

19. Córtex pré-frontal: António Damásio, op. cit.


1
390
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

SEGUNDA PARTE:

A NATUREZA DA
INTELIG NCIA EMOCIONAL

Capítulo 3. Quando o Esperto É Burro


1. A história de Jason H. vem relatada em «Warning by a Valedictorian
Who Faced Prison», in The Neui York Times, 23 de Junho de 1992.

2. Um observador nota: Howard Gardner, «Cracking Open de 1Q Box», The


American Prospect, Inverno de 1995.

3. Richard Herrnstein e Charles Murray, The Bell Curve: inteUigence and


Cfoss Structure in American Life, Nova Iorque, Free Press, 1994, p. 66.

4. George Vaillant, Adaptation to Life, Boston, Little Brown, 1977. A pontuação


SAT média do grupo de Harvard foi 584, numa escala em que o máximo
é 800. O Dr. Vaillant, hoje na Faculdade de Medicina da Harvard
University, falou-me do valor relativamente escasso das pontuações em testes
como previsores de êxito na vida no seio deste grupo de homens privilegiados.

5. J. K, Felsman e G. E. Vaillant, «Resilient Children as Adults: A 40-Year


Study», in E. J. Anderson e B. J. Cohler, eds., The lnvulnerable Child, Nova
Iorque, Guilford Press, 1987.

6. Karen Arnold, que fez o estudo sobre os melhores alunos juntamente com
Terry Denny, na Universidade do Illinois, foi citada no The Chicago Tribune,
29 de Maio de 1992.

7. Projecto Spectrum: os principais colaboradores de Gardner no desenvolvimento


do Projecto Spectrum foram Mara Krechvsky e David Feldman.

8. Entrevistei Howard Gardner a respeito da sua teoria das inteligência múltiplas


em «Rethinking the Value of InteUigence Tests» in The New York Times
Educaúon Supplement, 3 de Novembro de 1986, e várias outras vezes desde então.

9. A comparação entre testes de QI e competências Spectrum vem referida


num capítulo, de que é co-autora Mara Krechvsky, em Howard Gardner,
Multiple Intelligences: The Theory in Practice, Nova Iorque, Basic Books, 1993.

10. O excerto, reduzidíssimo, é de Howard Gardner, Multiple Intelligences, p. 9.

11. Howard Gardner e Thomas Hatch, «Multiple Intelligences Go to


School», Educacional Researcher 18, 8, 1989.

12. O modelo de inteligência emocional foi proposto pela primeira vez em


Peter Salovey e John D. Mayer, «Emotional InteUigence», Imaginatíon, Cognition,
and Personality 9, 1990, pp. 185-211.

13. A inteligência prática e as capacidades das pessoas: Robert Sternberg,


Beyond ÍQ, Nova Iorque, Cambridge University Press, 1985.

14- A definição básica de «inteligência emocional» aparece em Salovey e


Mayer, «Emotional InteUigence», p. 189

15. QI vs. inteligência emocional: Jack Block, Universidade da Califórnia


em Berkeley, manuscrito inédito, Fevereiro de 1995. Block prefere o conceito
«resiliência do ego» ao de «inteligência emocional», mas nota que entre os seus
principais componentes se incluem a auto-regulação, um controlo de impulsos
adaptativo, um sentido de auto-eficácia e a inteligência social. Uma vez que
estes são os elementos básicos da inteligência emocional, a resiliência do ego
pode ser vista como uma medida alternativa da inteligência emocional, mais ou

391
DANIEL GOLEMAN

menos como as pontuações SAT o são relativamente ao QI. Block analisou


dados de um estudo longitudinal feito com cerca de cem homens e mulheres à
volta dos vinte anos, e usou métodos estatísticos para avaliar as correlações de
personalidade e comportamentais de um QI elevado independentemente
da inteligência emocional, e da inteligência emocional independentemente do
QI. Há, em sua opinião, uma modesta correlação entre QI e resiliência do ego,
mas os dois são construtos independentes.

Capítulo 4- Conhece-te a Ti Mesmo


1. Uso autoconsciência no sentido de auto-reflexão, atenção introspectiva às
próprias experiências.

2. Ver também: Jon Kabat-Zinn, Wherever You Go, There You are, Nova
Iorque, Hyperion, 19943.

O ego observador: para uma comparação aprofundada entre a atitude de


atenção do psicanalista e a autoconsciência, ver Mark Epstein, Thoughts
Without a Thinker, Nova Iorque, Basic Books, 1995. Epstein nota que se esta
habilidade for profundamente cultivada, pode sobrepor-se à autoconsciência do
observador e tornar-se um «ego desenvolvido mais flexível e mais corajoso, capaz
de abarcar toda a vida».

4. William Styron, Darkness Visible: A Memoir ofMadness, Nova Iorque,


Random House, 1990, p. 64.

5. John D. Mayer e Alexander Stevens, «An Emerging Understanding of the


Reflective (Meta) Experience of Mood», manuscrito inédito, 1993.

6. Mayer e Stevens, «An Emerging Understanding». Alguns dos termos utilizados


para referir estes estilos de autoconsciência emocional são adaptações
minhas das categorias de Mayer e Stevens.

7. A intensidade das emoções: muito deste trabalho foi feito por ou com
Randy Larsen, um ex-aluno graduado de Diener actualmente na Universidade
do Michigan.

8. Gary, o cirurgião emocionalmente surdo-mudo, vem descrito em Hillel I.


Swiller, «Alexithymia: Treatment Utilizing Combined Individual and Group
Psychotherapy», International Journal for Group Psychotherapy 38, 1, 1988, pp.
47-61.

9. Iletrado emocional foi a expressão usada por M. B. Freedman e B. S. Sweet,


«Some Specific Features of Group Psychotherapy», Internacional Journal for
Group Psychotherapy 4, 1954, pp. 335-68.

10. As características clínicas da alexitimia vêm descritas em Graeme L.


Taylor, «Alexithymia: History of the Concept», uma comunicação apresentada
durante a reunião da American Psychiatric Association em Washington,
DC, Maio de 1986.

11. A descrição de alexitimia é de Peter Snifeos, «Affect, Emotional Conflict,


and Déficit: An Overview», Psychotherapy-and-Psychosomatics 56, 1991,
pp. 116-22.

12. A mulher que não sabia por que chorava é referida em H. Warnes,
«Alexithymia, Clinicai ad Therapeutical Aspects», Psychotherapy-Psychosomatics
46, 1986, pp. 96-104.

13. Papel das emoções no raciocínio: António Damásio, O Erro de Descartes.


14- Medo inconsciente: os estudos envolvendo cobras vêm descritos em

Kagan, Gakris Prophecy.

392
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Capítulo 5. Escravos da Paixão

1. Sobre a proporção entre sentimentos negativos e positivos e bem-estar, ver


Ed Diener e Randy J. Larsen, «The Experience of Emocional Well-Being», in
Michael Lewis e Jeannette Haviland, eds., Handbook of Emotions, Nova Iorque,
Guilford Press, 1993.

2. Foi em Dezembro de 1992 que entrevistei Diane Tice sobre esta questão
do que as pessoas fazem para escapar ao mau humor. Tice publicou as suas descobertas
sobre a ira num capítulo que escreveu de parceria com o marido, Roy
Baumeister, em Daniel Wegner e James Pennebaker, eds., Handbook of Mental
Control v. 5, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall, 1993.

3. Cobradores de contas: também descrito em Arlie Hochschild, The


Managed Heart, Nova Iorque, Free Press, 1980.

4. O caso contra a ira, e a favor do autocontrolo, baseia-se largamente em Diane


Tice e Roy F. Baumeister, «Controlling Anger: Self-Induced Emotion Change» in
Wegner e Pennebaker, Handbook of Menta/ Control. Mas ver também Carol
Tavris, Anger: The Misunderstood Emotion, Nova Iorque, Touchstone, 1989.

5. A pesquisa sobre a ira aparece descrita em Dolf Zillmann, «Mental Control


of Angry Agression» in Wegner e Pennebaker, Handbook of Mental Control.

6. O passeio apaziguador: citado em Tavris, Anger: The Misunderstood Emotion,


p. 135.

7. As estratégias de Redford Williams para controlar a hostilidade vêm pormenorizadas


em Redford Williams e Virgínia Williams, Anger Kills, Nova
Iorque, Times Books, 1993.

8. Dar razão à ira não a dissipa: ver, por exemplo, S. K. Mallick e B. R.


McCandless, «A Study of Catharsis Aggression», Journal of Personality and
Social Psychohgy 4, 1966. Para um resumo desta investigação, ver Tavris, Anger:
The Misunderstood Emotion.

9. Quando dar razão à ira resulta: Tavris, Anger: The Misunderstood Emotion.

10. O trabalho de preocupar-se: Lizabeth Roemer e Thomas Borkovec,


«Worry: Unwanted Cognitive Activity That Controls Unwanted Somatic Experience»
in Wegner e Pennebaker, Handbook of Mental Control.

11. Medo dos germes: Davíd Riggs e Edna Foa, «Obsessíve-Compulsive


Dissorder» in David Barlow, ed., Clinicai Handbook of Psychological Disorders,
Nova Iorque, Guillford Press, 1993.

12. O paciente preocupado vem citado em Roemer e Borkovec, «Worry»,


p. 221.

13. Terapias para doenças ansiosas: ver, por exemplo, David H. Barlow, ed.,
Clinicai Handbook of Psychological Disorders, Nova Iorque, Guilford Press, 1993.

14- A depressão de Styron: William Styron, Darkness Visible: A Memoir of


Madness, Nova Iorque, Random House, 1990.

15. As preocupações dos deprimidos vêm referidas em Susan NolenHoeksma,


«Sex Differences in Control of Depression», in Wegner e Pennebaker,
Handbook of Mental Control, p. 307.

16. Terapia da depressão: K. S. Dobson, «A Meta-analysis of the Efficacy of


Cognitive Therapy for Depression», Journal of Consulting and Clinicai
Psychology 57, 1989.

17. O estudo dos padrões de pensamentos das pessoas deprimidas é referido


em Richard Wenzlaff, «The Mental Control of Depression», in Wegner e
Pennebaker, Handbook of Mental Control.
393
DANIEL GOLEMAN

18. Shelley Taylor et ai., «Maintaining Positive lllusions in the Face of


Negative Information», Journal of Clinicai and Social Psychology 8, 1989.

19. O estudante universitário repressor é de Daniel A. Weinberger, «The


Construct Validity of the Repressive Coping Style»s in ]. L. Singer, ed.,
Repression and Dissociation, Chicago, University of Chicago Press, 1990. Weinberger,
que desenvolveu o conceito dos repressores durante os seus estudos com
Gary F. Schwartz e Richard Davidson, tornou-se mais tarde o principal investigador
nesta área.

Capítulo 6. A Aptidão-Mestra
1. O terror do exame: Daniel Goleman, Vital Lies, Simple Truths: T/ie
Psychology of Self-Deception, Nova Iorque, Simon And Schuster, 1985.

2. Memória de trabalho: Alan Baddeley, Working Memory, Oxford,


Clarendon Press, 1986.

3. Memória de trabalho e córtex pré-frontal: Patricia Goldman-Rakic,


«Cellular and Circuit Basis of Working Memory in Prefrontal Córtex on Nonhuman
Primates», Progress in Brain Research 85, 1990; Daniel Weinberger, «A
Connectionist Approach to the Prefrontal Córtex», Journal of Neuropsychiatry
5, 1993.

4. Motivação e desempenho: Anders Ericssom, «Expert Performance: Its


Structure and Acquisition», American Psychologist, Agosto de 1994.

5. Vantagem em QI dos asiáticos: Herrnstein e Murray, The Bell Curve.

6. QI e ocupações dos americanos de origem asiática: James Flynn, AsianAmerican


Achievement Beyond IQ, New Jersey, Lawrence Erlbaum, 1991.

7. O estudo sobre o adiamento da recompensa com crianças de quatro anos


vem relatado em Yuichi Shoda, Walter Mischel e Philip K. Peake, «Predicting
Adolescent Cognitive and Self-regulatory Competencies From Preschool
Delay of Gratification», Developmental Psychgology 26, 6, 1990, pp. 978-86.

8. Pontuações SAT de crianças impulsivas e autocrontroladas: a análise dos


dados SAT foi feita por Phil Peake, um psicólogo do Smith College.

9. QI vs. adiamento como previsores de pontuações SAT: comunicação pessoal


de Phil Peake, psicólogo do Smith College, que analisou os dados SAT o
estudo de Walter Mischel sobre o adiamento da recompensa.

10. Impulsividade e delinquência: ver a discussão em Jack Block, «On the


Relation Betwen IQ, Impulsivity, and Delinquency», Journal of Abnormal
Psychology 104, 1995.

11. A mãe preocupada: Timothy A. Brown et ai., «Generalized Ansiety


Disorder», in David H. Barlow, ed., Clinicai Handbook of Psychological Disorders,
Nova Iorque, Guilford Press, 1993.

12. Controladores de tráfego aéreo e ansiedade: W. E. Collins et ai., «Relationships


of Anxiety Scores to Academy and Field Training of Air Traffic
Specialists», FAA Office of Aviation Medicine Reports, Maio de 1989.

13. Ansiedade e desempenho académico: Bettina Seipp, «Anxiety and


Academic Performance: A Meta-analysis», Anxiety Research 4, 1, 1991.

14- Os «preocupados»: Richard Metzger et ai., «Worry Changes Decisionmaking:


The Effects of Negative Thoughts on Cognitive Processing», Journal
of Clinicai Psychology, Janeiro de 1990.

15. Ralph Haber e Richard Alpert, «Test Anxiety», Journal of Abnormal and
Social Psychology 13, 1958.

394
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

16. Estudantes ansiosos: Theodore Chapin, «The Relationship of Trait


Anxiety and Academic Performance to Achievement Anxiety», Journal of
Colkge Student Development, Maio de 1989.

17. Pensamentos negativos e pontuações nos exames: John Hansley, «Internai


Dialogue During Academic Examinations», Cognitiva Therapy and Research,
Dezembro de 1987.

18. Os internos aos quais foi oferecido chocolate: «The Influence of Positive
Affect on Clinic Problem Solving», Medicai Decision Making, Julho-Setembro
de 1991.

19. Esperança e uma má nota: C. R. Snyder et ai., «The Will and the Ways:
Development and Validation of an Invididual-Diferences Measure of Hope»,
Journal of Personality and Social Psychology 60, 4, 1991, p. 579.

20. Entrevistei C. R. Snyder no The Neui York Times, 24 de Dezembro de


1991.

21. Nadadores optimistas: Martin Seligman, learned Optimism, Nova Iorque,


Knopf, 1991.

22. Optimismo realista e optimismo ingénuo: ver, por exemplo, Carol Halen
et ai., «Optimism in Children’s Judgments of Health and Environmental
Risks», Health Psychology 13, 1994.

23. Entrevistei Martin Seligman a propósito do optimismo no The New York


Times, 3 de Fevereiro de 1987.

24- Entrevistei Albert Banduras a propósito da auto-eficácia no The New


York Times, 8 de Maio de 1988.

25. Mihaly Csikszentmihalyi, «Play and Intrinsic Rewards», Journal of


Humanistic Psychology 15, 3, 1975.

26. Mihaly Csikszentmihalyi, Fiou/: The Psychology ofOptimal Experience, l.a


ed., Nova Iorque, Harper and Row, 1990.

27. «Like a waterfall»: Newsweek, 28 de Fevereiro de 1994.

28. Entrevistei o Dr. Csikszentmihalyi no The New York Times, 4 de Março


de 1986.

29. O cérebro em fluxo: Jean Hamilton et ai., «Intrinsic Enjoyment and


Boredom Coping Scales: Validation With Personality, Evoked Potential and
Attention Measures», Personality and Individual Differences 5, 2, 1864.

30. Activação cortical e fadiga: Ernest Hartmann, The Functions of Sleep,


New Haven, Yale University Press, 173.

31. Entrevistei o Dr. Csikszentmihalyi no The New York Times, 22 de Março


de 1922.

32. O estudo a respeito de fluxo e os estudantes de matemática: Jeanne


Nakamura, «Optimal Experience and the Uses of Talent», in Mihaly Csikszentmihalyi
e Isabella Csikszentmihalyi, Optimal Experience: Psychological
Studies ofFlow in Consciousness, Cambridge, Cambridge University Press, 1988.

Capítulo 7. As Raízes da Empatia

1. Autoconsciência e empatia: ver, por exemplo, John Mayer e Melissa


Kirkpatrick, «Hot Information-Processing Becomes More Accurate With
Open Emotional Experience», Universidade de New Hampshire, manuscrito
inédito, Outubro de 1994; Randy Larsen et ai., «Cognitive Operations Associated
With Individual Differences in Affect Intensity», Journal of Personality
and Social Psychobgy 53, 1987.
395
DANIEL GOLEMAN

2. Robert Rosenthal et ai, «The PONS Test: Measuring Sensitivity to


Nonverbal Cues», in P. McReynolds, ed., Advances ín Psychohgical Assessment,
São Francisco, Jossey-Bass, 1977.

3. Stephen Nowicki e Marshall Duke, «A Measure of Nonverbal Processing


Ability in Children Betwen the Ages of 6 and 10», comunicação apresentada
na reunião de American Psychological Society, 1989.

4. As mães que funcionaram como investigadoras foram treinadas por


Marian Radke-Yarrow e Carolyn Zahn-Waxler no Laboratory of Develop-mental
Psychology. National Institute of Mental Health.

5. Escrevi a respeito da empatia, das suas raízes e da sua neurologia, no The


New York Times, 28 de Março de 1989.

6. Instilar empatia nas crianças: Martin Radke-Yarrow e Carolyn ZahnWaxler,


«Roots, Motives and Patterns in Children Prosocial Behavior», in
Ervin Staub et ai., eds., Development and Maintenance of Prosocial Behavior,
Nova Iorque, Plenum, 1984.

7. Daniel Stern, The Interpersonal World of the Infant, Nova Iorque, Basic
Books, 1987, p. 30.

8. Stern, op. cit.

9. As crianças deprimidas aparecem descritas em Jeffrey Pickens e Tiffany


Field: «Facial Expressivity in Infants of Depressed Mothers», Devehpmental
Psychobgy 29, 6, 1993.

10. O estudo sobre as infâncias dos violadores violentos foi feito por Robert
Prenkty, um psicólogo de Filadélfia.

11. Empatia em pacientes com «personalidade de fronteira». «Guidedness


and Psychological Abuse in Borderline Personality Disorder: Their Relevan-ce
to Génesis and Treatment», Journal of Personality Disorders, 1992.

12. Leslie Brothers, «A Biological Perspective of Empathy», American


Journal ofPsychiatry 146, 1, 1989.

13. Brothers, «A Biological Perspective», p. 16.

14. Fisiologia da empatia: Robert Levenson e Anna Ruef, «Empathy: A


Physiological Substrate», Journal of Personality and Social Psychology 63, 2, 1992.

15. Martin L. Hofman, «Empathy, Social Cognition, and Moral Action», in


W. Kurtines e J. Gerwitz, eds., Morai Behavior and Development Advances in
Theory, Research and Applications, Nova Iorque, John Wiley and Sons, 198416.

Os estudos sobre a relação entre empatia e ética encontram-se em


Hoffman, «Empathy, Social Cognition, and Moral Action».

17. Escrevi a respeito do ciclo emocional que culmina em crimes de carácter


sexual no The Neui York Times, 14 de Abril de 1992. A fonte é William Pithers,
um psicólogo do Vermont Department of Corrections.

18. A natureza da psicopatia aparece descrita em mais pormenor num artigo


que escrevi para o The Neui York Times, 7 de Julho de 1987. Muito do que aqui
escrevo vem do trabalho de Robert Hare, um psicólogo da Universidade da
Colúmbia Britânica e perito em psicopatas.

19. Leon Bing, Do or Die, Nova Iorque, Harper Collins, 1991.

20. Espancadores de mulheres: Neil S. Jacobson et ai., «Affect, Verbal


Content, and Psychophysiology in the Arguments of Couples With a Violent
Husband», Journal of Clinicai and Consulting Psychology, Julho de 199421.

Os psicopatas não têm medo — o efeito verifica-se em criminosos psicopatas


que estão prestes a receber um choque eléctrico: uma das replicações
396
1
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

mais recentes deste efeito vem descrita em Christopher Patrick et ai., «Emotion
in the Criminal Psychopath: Fear Image Processing», Journal of Abnormal
Psychology 103, 1994.

Capítulo 8, As Artes Sociais

1. O diálogo entre Jay e Len foi descrito por Judy Dunn e Jane Brown em
«Relationships, Talk About Feelings, and the Development of Affect Regulation
in Early Childhood», Judy Garber e Kenneth A. Dodge, eds., The
Development of Emotion Regulation and Dysregulation, Cambridge, Cambridge
University Press, 1991. Os floreados dramáticos são meus.

2. As regras de exibição encontram-se em Paul Ekman e Wallace Friesen,


LJnmasking the Face, Englewood Cliffs, NJ, Prentice Hall, 1975.

3. Monges no meio da batalha: a história é contada por David Busch em


«Culture Cul-de-Sac», Arizona State University Research, Primavera-Verão,
1994.

4. O estudo sobre a transferência de estados de espírito foi relatado por Ellen


Sullins no número de Abril de 1991 do Personality and Social Psychology
Bulletin.

5. Os estudos sobre transmissão de estados de espírito e sincronismo foram


feitos por Frank Bernieri, um psicólogo da Oregon State University; escrevi a
respeito do trabalho de Bernieri no The Neiv York Times. Grande parte da sua
investigação aparece referida em Bernieri e Rober Rosenthal, «Interpersonal
Coordination, Behavior Matching, and Interpersonal Synchrony», in Robert
Feldman e Bernard Rine, eds., Fundamentais of Nonverbal Behavior, Cambridge;
Cambridge University Press, 1991.

6. A teoria do arrastamento é proposta por Bernieri e Rosenthal, Funda’


mentais of Nonverbal Behavior.

7. Thomas Hatch, «Social Intelligence in Young Children», comunicação


feita na reunião anual da American Psychological Association, 1990.

8. Camaleões sociais: Mark Snyder, «Impression Management: The Self in


Social Interaction», in L. S. Wrightsman e K. Deaux, Social Psychology in the
’80s, Monterrey, CA, Brooks/Cole, 1981.

9. E. Lakin Philips, The Social Skills Basis of Psycopathology, Nova Iorque,


Grune and Stratton, 1987, p. 140.

10. Problemas de aprendizagem não-verbal: Stephen Nowicki e Marshall


Duke, Helping the Child Who Doesnt Fit in, Atlanta Peachtree Publishers, 1992.
Ver também Byron Rourke, Nonverbal learning Disabilities, Nova Iorque,
Guilford Press, 1989.

11. Nowicki e Duke, Helping the Child Who Doesnt Fit In.

12. Este apontamento, e as notas sobre a investigação de como entrar num


grupo, são de Martha Putallaz e Aviva Wasserman, «Children’s Entry
Behavior», in Steven Asher e John Coie, eds., Peer Rejection in Childhood, Nova
Iorque, Cambridge University Press, 1990.

13. Putallaz e Wassermen, «Children’s Entry Behavior».


14- Hatch, «Social Intelligence in Young Children».

15. A história de Terry Dobson a respeito do operário bêbedo e do velho é


aqui contada com autorização dos herdeiros de Dobson. Aparece igualmente
referida em Ram Dass e Paul Gorman, How Can 1 Help?, Nova Iorque, Alfred
A. Knopf, 1985, pp. 167-71.

397
DANIEL GOLEMAN

TERCEIRA PARTE:
A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL APLICADA
Capítulo 9. Inimigos íntimos

1. Há muitas maneiras de calcular a taxa de divórcios, e os meios estatísticos


utilizados determinarão o resultado. Alguns métodos mostram esta taxa a atingir
um pico de cerca de 50 por cento, decrescendo em seguida ligeiramente. Quando
os divórcios são calculados pelo número total num dado ano, a taxa parece ter
atingido o ponto mais alto nos anos 1980. Mas as estatísticas que aqui cito não
calculam o número de divórcios num dado ano, e sim as probabilidades de um
casal que contraiu matrimónio num dado ano vir a divorciar-se. Esta estatística
mostra uma taxa ascendente ao longo de todo este século. Para mais pormenores:
John Gottman, What Predicts Divorce: The Relattonships Between Marital Processes
and Marital Outcomes, Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, Inc., 1993.

2. Os mundos separados de rapazes e raparigas: Eleanor Maccoby e C. N.


Jacklin, «Gender Segregation In Childhood», in H. Reese, ed., Advances in
Childhood Development and Behavior, Nova Iorque, Academic Press, 1987.

3. Companheiros de brincadeiras do mesmo sexo: John Gottman, «Same and


Cross Sex Friendship in Young Children», in J. Gottman e J. Parker, eds.,
Conversation ofFriends, Nova Iorque, Cambridge University Press, 1986.

4. Este sumário, e os que se seguem, sobre as diferenças entre os sexos na


socialização das emoções baseiam-se no excelente trabalho de Leslie R. Brody
e Judith A. Hall, «Gender and Emotion», in Michael Lewis e Jeannette Haviland,
eds., Handbook ofEmotions, Nova Iorque, Guilford Press, 1993.

5. Brody e Hall, «Gender and Emotion», p. 456.

6. As raparigas e a arte da agressão: Robert B. Cairns e Beverley D. Cairnes,


Lifelines and Risks, Nova Iorque, Cambridge University Press, 1994.

7. Brody e Hall, «Gender and Emotion».

8. As descobertas sobre as diferenças entre sexos no que respeita às emoções


são analisadas em Brody e Hall, «Gender and Emotion».

9. A importância de uma boa comunicação para as mulheres vem referida em


Mark H. Davis e H. Alan Oathout, «Maintenance of Satisfaction in Romantic
Relationships; Empathy and Relational Competence», Journal of Personality
and Social Psychology 53, 2, 1987, pp. 397-410.

10. O estudo das queixas de maridos e mulheres: Robert J. Sternberg,


«Triangulating Love», in Robert Sternberg e Michael Barnes, eds., The Psy~
chology ofLove, New Haven, Yale University Press, 1988.

11. Ler caras tristes: a pesquisa foi feita pelo Dr. Ruben C. Gur na Faculdade
de Medicina da Universidade da Pensilvânia.

12. O diálogo entre Fred e Ingrid é de Gottman, What Predicts Divorce, p. 84.

13. A investigação marital conduzida por John Gottman e pelos seus colegas
da Universidade de Washington vem mais pormenorizadamente descrita em
dois livros: John Gottman, Why Marriages Succeed or Fail, Nova Iorque, Simon
and Schuster, 1994 e What Predicts Divorce.

14. Remeter-se ao silêncio: Gottman, What Predicts Divorce.

15. Pensamentos venenosos: Aaron Beck, Love Is Never Enough, Nova


Iorque, Harper and Row, 1988, pp. 145-46.

398
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

16. Pensamentos em casamentos conturbados: Gottman, What Prédios Divorce.

17. O pensamento distorcido dos maridos violentos vem descrito em Amy


Holtzworth-Munroe e Glenn Hutchinson, «Attributing Negative Intent to
Wife Behavior: The Attributions of Maritally Violem Versus Nonviolent
Men», Journal of Abnormal Psychology 102, 2, 1993, pp. 206-11. A desconfiança
dos homens sexualmente agressivos: Neil Malamuth e Lisa Brown, «Sexually
Agressive Men’s Perceptions of Women’s Communications», Journal of Personatity
and Social Psychology 67, 1994.

18. Maridos violentos: há três espécies de maridos que batem nas mulheres:
os que raramente o fazem, os que o fazem impulsivamente quando se zangam, e
os que o fazem de uma maneira fria, calculada. A terapia parece só resultar com
os dois primeiros tipos. Ver Neil Jacobson et ai., Clinicai Handbook of Marital
Therapy, Nova Iorque, Guilford Press, 199419.

Inundação: Gottman, What Predicts Divorce.

20. Os homens não gostam de discussões matrimoniais: Robert Levenson et


ai., «The Influence of Age and Gender on Affect, Physiology, and Their
Interrelations: A Study of Long-term Marriages», Journal of Personality and
Social Psychology 67, 1994.

21. Inundação nos maridos. Gottman, What Predicts Divorce.

22. Os homens remetem-se ao silêncio, as mulheres criticam: Gottman,


What Predicts Divorce.

23. «Mulher acusada de disparar contra o marido por causa do futebol na


televisão», The New York Times, 3 de Novembro de 1993.

24. Discussões matrimoniais produtivas: Gottman, What Predicts Divorce.

25. Falta de capacidade para colmatar divergências nos casais: Gottman,


What Predicts Divorce.

26. Os quatro passos que conduzem a uma «boa discussão» são de Gottman,
Why Marriages Succeed or Fail.

27. Vigiar a pulsação cardíaca: Gottman, ibid.

28. Apanhar os pensamentos automáticos: Beck, Love Is Never Enough.

29. Espelhar: Harvill Hendrix, Getting the Love You Want, Nova Iorque,
Henry Holt, 1988.

Capítulo 10. Gerir com Coração


1. O desastre do piloto intimidante: Cari Lavin, «When Moods Affect Safety:
Communications in a Cockpit Mean a Lot a Few Miles Up», The New
York Times, 26 de Junho de 1994.

2. O inquérito feito a 250 executivos: Michael MacCoby, «The Corporate


Climber Has to Find His Heart», Fortune, Dezembro de 1976.

3. Zuboff: em conversa, Junho de 1994. Para o impacte das tecnologias de


informação, ver o seu livro In the Age of the Smart Machine, Nova Iorque, Basic
Books, 1991.

4. A história do vice-presidente sarcástico foi-me contada por Hendrie


Weisinger, um psicólogo da UCLA School of Business. O seu livro intitula-se
The Criticai Edge: How to Criticize Up and Down the Organization and Make It
Pay Off, Boston, Little, Brown, 1989.

5. O estudo sobre o número de vezes que os gestores perdiam a cabeça foi


feito por Robert Baron, um psicólogo do Rensselear Polytechnic Institute, que
entrevistei para o The Nem York Times, 11 de Setembro de 1990.
399
DANIEL GOLEMAN

6. O criticismo como causa de conflito: Robert Baron, «Countering the


Effects of Destructive Criticism: The Relative Efficacy of Four Interventions»,

Í]oumal of Applied Psychobgy 75, 3, 1990.


7. Críticas específicas e vagas: Harry Levinson, «Feedhack to Subordinates»,
Addendum to the Levinson Letter, Levinson Institute, Waltham, MA, 1992.
8. A face cambiante da força de trabalho: inquérito conduzido junto de 645
empresas de nível nacional pelos consultores de gestão da Towers Perrin, de
Manhattan, referido no The New York Times, 26 de Agosto de 1990.
9. As raízes do ódio: Vamik Volkan, The Need to Have Enemies and Allies,
Northvale, NJ, Jason Aronson, 1988.
10. Thomas Pettigrew: Entrevistei Pettigrew no The New York Times, 12 de
Maio de 1987.
11. Estereótipos e preconceitos: Samuel Gaertner e John Davidio, Prejudice,
Discrimination, and Racism, Nova Iorque, Academic Press, 1987.
I 12. Preconceito disfarçado: Gaertner e Davidio, Prejudice, Discrimination,

I ; and Racism.

I ’, 13. Relman: citado em Howard Kohn, «Service With a Sneer», The New

I : York Times Sunday Magazine, 11 de Novembro de 1994.

^HLfljfc H- IBM: «Responding to a Diverse Work Force», The New York Times, 26

^H|P’ de Agosto de 1990.

^^Blt 15- O poder de erguer a voz: Fletcher Blanchard, «Reducing the Expression

^^Hf I of Racial Prejudice», Psychological Science, vol. 2, 1991.

^HbJ;| 16. O desfazer dos estereótipos: Gaertner e Davidio, Prejudice, Discrimination,

^^T I arul Racism.

I j 17- Equipas: Peter Drucker, «The Age of Social Transformation», The

I jk Atlantic Monthly, Novembro de 1994.

I HJj 18. O conceito de inteligência de grupo vem exposto em Wendy Williams e

I SI Robert Sternberg, «Group Intelligence: Why Some Groups Are Better Than

I ’ Others», Intelligence, 1988.

I I 19. O estudo relativo às estrelas dos Bell Labs vem referido em Robert Kelley

I í e Janet Caplan, «How the Bell Labs Creates Star Performers», Harvard Business

l Review, Julho-Agosto de 1993.

^^__hL 20. A utilidade das redes informais é assinalada em David Krackhardt e

H^HHH Jeffrey R. Hanson, «Informal Networks: The Company Behind the Chart»,

H^HJplT Harvard Business Review, Julho-Agosto de 1993, p. 104^^Hff

Capítulo 11. Mente e Medicina


H^HJBjl 1. O sistema imunológico como cérebro do corpo: Francisco Varela no terJ^HHBj

ceiro encontro Mind and Life, Dharamsala, índia, Dezembro de 1990.

H^^^HP 2. Mensageiros químicos entre o cérebro e o sistema imunológico: ver Robert

I T Ader et ai., Psychoneuroimmunobgy, 2.a edição, San Diego, Academic Press, 1990.
^L^ jj, 3. Contacto entre os nervos e células imunológicas: David Felten et ai.,

H^^Hi «Noradrenergic Sympathetic Innvervation of Lymphoid Tissue», Journal of

^^Êm Immunology 135, 1985.

H^HUff 4. Hormonas e função imunológica: B. S. Rabin et ai., «Bidirectional InH^^

\ teraction Between the Central Nervous System and the Immune System»,

H jí Criticai Reviews in Immunology 9 (4), 1989, pp. 279-312.

H 5. Ligações entre o cérebro e o sistema imunológico: ver, por exemplo, Steven B.

H Maier et aí., «Psychoneuroimmunobgy», American Psycobgist, Dezembro de 1994.

400
}
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

6. Emoções tóxicas: Howard Friedman e S. Boothby-Kewley, «The DiseaseProne


Personality: A Meta-Analytic View», American Psychohgist 42 (1987).
Esta ampla análise de estudos usou «metaanálise», graças à qual os resultados de
estudos mais pequenos podem ser estatisticamente combinados num único
grande estudo. Isto permite detectar mais facilmente efeitos que de outro modo
passariam despercebidos, devido ao número muito maior de pessoas envolvidas.

7. Os cépticos argumentam que a imagem emocional ligada a uma taxa mais


elevada de doença é o perfil do neurótico quintessencial — um destroço emocional
ansioso, deprimido e zangado — e que as taxas mais altas de doença que
estas pessoas registam se devem não tanto a um facto médico como a uma propensão
para estarem sempre a queixar-se de problemas de saúde, exagerando a
sua gravidade. Mas Friedman e outros respondem fazendo notar que o peso da
prova a favor da ligação emoção-doença resulta de investigações em que são as
avaliações de sintomas observáveis de doença e de testes médicos, e não as
queixas dos doentes, que determinam o nível de doença — uma base mais
objectiva. Claro que há tanto a possibilidade de o aumento de perturbação ser
consequência de uma condição médica como de ser aquele a precipitar esta; por
esta razão, os dados mais convincentes provêm de estudos prospectivos em que
os estados emocionais são avaliados antes da declaração da doença.

8. Gail Ironson et ai., «Effects of Anger on Left Ventricular Ejection


Fraction in Coronary Artery Disease», The American Journal of Cardiology 70,
1992. A eficiência bombeadora, por vezes referida como «fracção de ejecção»,
quantifica a capacidade do coração de bombear sangue do ventrículo esquerdo
para as artérias; mede a percentagem de sangue bombeado para fora do ventrículo
a cada contracção. Nas doenças de coração, a quebra da capacidade de
bombagem significa um enfraquecimento do músculo cardíaco.

9. Entre cerca de uma dezena de estudos sobre a hostilidade e a morte por


doença cardíaca, alguns não encontraram qualquer relação. Mas isso pode terse
ficado a dever a diferenças de método, como usar uma medição errada de
hostilidade, e à relativa subtileza do efeito. Por exemplo, o maior número
de mortes devidas ao efeito da hostilidade parece ocorrer na meia-idade. Se um
estudo não procurar determinar as causas da morte durante este período, não
poderá detectar o efeito.

10. Hostilidade e doenças cardíacas: Redford Williams, The Trusting Heart,


Nova Iorque, Times Books/Random House, 1989.

1,1, Peter Kaufman: entrevistei o Dr. Kaufman no The New York Times, 1 de
Setembro de 1992.

12. O estudo da Stanford sobre ira e segundos ataques cardíacos: Cari


Thoreson, apresentado no Congresso Internacional de Medicina Comportamental,
Uppsala, Suécia, Julho de 1990.

13. Lynda H. Powell, «Emotional Arousal as a Predictor of Long-Term


Mortality and Morbidity in Pos M. I. Men», Circulation, vol. 82, n.° 4, Suplement
in, Outubro de 1990.

14- Murray A. Mittleman, «Triggering the Myocardial Infarction Onset by


Episodes of Anger», Circulation, vol. 89, n.° 2, 1994.

15. Suprimir a ira faz subir a pressão arterial: Robert Levenson, «Can We
Control Our Emotions, and How Does Such Control Change an Emotional
Episode?», in Richard Davidson e Paul Ekman, eds., Fundamental Questions
About Emotions, Nova Iorque, Oxford University Press, 1995.
401
DANIEL GOLEMAN

16. O tipo zangado: escrevi a respeito da investigação de Redford Williams


sobre a ira e o coração no The New York Tintes Good Health Magazine, 16 de
Abril de 1989.

17. Uma redução de 44 por cento em segundos ataques cardíacos:


Thorenson, op. cit.

18. O programa do Dr. Williams para o controlo da ira: Williams, The


Trusting Heart.

19. A mulher preocupada: Timothy Brown et ai., «Generalized Anxiety


Disorder», in David H. Barlow, ed., Clinicai Handbook of Psychological Disorders,
Nova Iorque, Guilford Press, 1993.

20. Stress e metástases: Bruce McEwen e Eliot Stellar, «Stress and the Individual
Mechanisms Leading to Disease», Archíves of Internai Medicine 153 (27
de Setembro de 1993). O estudo descrito é de M. Robertson e J. Ritz, «Biology
and Clinicai Relevance of Human Natural Killer Cells», Blood 76, 1990.

21. Pode haver muitas razões, além dos caminhos biológicos, para que as pessoas
submetidas a fortes doses de stress sejam mais vulneráveis à doença. Uma
poderá ser que as maneiras como as pessoas tentam acalmar a ansiedade — por
exemplo, fumando, bebendo ou abusando de comidas gordas — são em si mesmas
pouco saudáveis. Outra será o facto de a ansiedade e a preocupação constantes
levarem as pessoas a perder o sono e esquecerem-se de seguir os regimes
médicos — como tomar remédios — prolongando deste modo uma doença que
já tenham. Muito provavelmente, todos estes aspectos funcionam em conjunto
para ligar o stress à doença.

22. O stress debilita o sistema imunológico: por exemplo, num estudo com
estudantes de medicina que enfrentavam a tensão dos exames, verificou-se que
os sujeitos tinham não só um menor controlo imunológico do vírus do herpes,
como também apresentavam um declínio na capacidade dos seus glóbulos brancos
de eliminar células infectadas, bem como um aumento do nível de um químico
associado à supressão da capacidade imunológica dos linfócitos, os glóbulos
brancos que constituem os elementos essenciais da defesa imunológica. Ver
Ronald Glaser e Janice Kiecolt-Glaser, «Stress-Associated Depression in
Cellular Immunity», Brain, Behavior and Immunity 1, 1987. Em todo o caso, na
maioria destes estudos que mostram um enfraquecimento das defesas imunológicas
provocado pelo stress, não ficou claro que esse enfraquecimento seja suficientemente
acentuado para representar um risco médico.

23. Stress e constipações: Sheldon Cohen et ai, «Psychological Stress and


Susceptibility to the Common Cold», New England Journal of Medicine, 325, 1991.

24. As perturbações diárias e a infecção: Arthur Stone et ai., «Secretory IgA


as a Measure of Immunocompetence», Journal of Human Stress 13, 1987. Num
outro estudo, maridos, mulheres e filhos mantiveram um «diário de bordo» onde
registavam os momentos de stress na vida familiar ao longo de uma época de
gripes. Aqueles que referiam um maior número de crises familiares tinham também
uma maior taxa de gripes, medida em dias com febre e níveis de anticorpos
de gripe. Ver R. D. Clover et ai., «Family Function and Stress as Predictors of
Influenza B Infection», Journal of Family Pracúce 28, Maio de 1989.

25. Vírus do herpes e stress: uma série de estudos conduzidos por Ronald
Glaser e Janice Kiecolt-Glaser — e.g. «Psychological Influences of Immunity»,
American Psychohgist 43, 1988. A relação entre o stress e o herpes é tão forte
que ficou demonstrada num estudo de apenas dez pacientes: quanto mais

402
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

ansiedade, preocupações e stress os pacientes referiam, maiores eram as probabilidades


de virem a ter ataques de herpes nas semanas seguintes; os períodos de
calma conduziam a uma dormência da doença. Ver H. E. Schimdt et ai., «Stress
as a Precipitating Factor in Subjects With Recurrent Herpes Labialis», Journal
of Family Practice 20, 1985.

26. Ansiedade nas mulheres e doenças cardíacas: Cari Thoreson, apresentado


no Congresso Internacional de Medicina Comportamental, Uppsala,
Suécia, Julho de 1990. A ansiedade pode desempenhar igualmente um papel
em tornar alguns homens mais susceptíveis às doenças cardíacas. Num estudo
conduzido na Faculdade de Medicina da Universidade do Alabama, 1123
homens e mulheres com idades compreendidas entre os quarenta e cinco e os
setenta e sete anos foram avaliados em termos de perfil emocional. Os homens
mais propensos à ansiedade e à preocupação na meia idade tinham mais probabilidades
de sofrer de hipertensão quando examinados vinte anos mais tarde.
Ver Abraham Markowitz et ai., Journal of the American Medicai Association, 14
de Novembro de 1993.

27. Stress e cancro colorrectal: Joseph C. Courtney et ai., «Stressful Life


Events and the Risk of Colorectal Câncer», Epidemiology, Setembro de 1993,
4(5).

28. A relaxação para contrariar os sintomas relacionados com o stress: ver,


por exemplo, Daniel Goleman e Joel Gurin, Mind Body Medicine, Nova Iorque,
Consumer Reports Books/St. Martin’s Press, 1993.

29. Depressão e doença: ver, por exemplo, Seymour Reichlin, «Neuroendocrine-lmmune


Interactions», New England Journal of Medicine, 21 de Outubro
de 1993.

30. Transplantações de medula óssea: citado em James Strain, «Cost Offset


From a Psychiatric Consultation-Liaison Intervention Wíth Elderly Hip
Fracture Patients», American Journal of Psychiacry, 148, 1991.

31. Howard Burton et ai., «The Relationship of Depression to Survival in


Chronic Renal Failure», Psychosomaúc Medicine, Março de 1986.

32. Desesperança e morte por doença cardíaca: Robert Anda et ai.,


«Depressed Affect, Hopelessness, and the Risk of Ischemic Heart Disease in a
Cohort of US. Adults», Epidemiology, Julho de 1993.

33. Depressão e ataque cardíaco: Nancy Frasure-Smith et ai., «Depression


Following Myocardial Infarction», Journal of the American Medicai Association,
20 de Outubro de 1993.

34- A depressão em múltiplas doenças: o Dr. Michael von Korff, o psiquiatra


da Universidade de Washington que fez o estudo, disse-me a respeito destes
doentes, que enfrentam desafios tremendos só para viverem o dia a dia:
«Quando tratamos a depressão do doente, verificamos melhoras acima e para
além de qualquer alteração na condição médica. Quando estamos deprimidos,
todos os sintomas nos parecem piores. Ter uma doença física crónica é um grande
desafio adaptativo. Se a pessoa está deprimida, fica menos capaz de aprender
a lidar com a doença. Mesmo com uma enfermidade física, se a pessoa está
motivada e tem sentimentos de autovalor — tudo coisas que a depressão põe
em risco — consegue adaptar-se notavelmente até aos casos mais graves.»

35. Optimismo e cirurgia cardíaca: Chris Peterson et aí., Learned


Helplessness: A Theory for the Age of Personal Controí, Nova Iorque, Oxford
University Press, 1993.

403
DANIEL GOLEMAN

36. Lesões espinais e esperança: Timothy Elliott et ai., «Negotiating Reality


After Physical Loss: Hope, Depression, and Disability», Journal of Personality
and Social Psychohgy 61, 4, 1991.

37. Os riscos médicos do isolamento social: James House et ai, «Social


Relationships and Health», Science, 29 de Julho de 1988. Mas ver também uma
descoberta ambígua: Carol Smith et ai., «Meta-Analysis of the Associations
Between Social Support and Health Outcomes», Journa! of Behavioral Medicine,
1994.

38. Isolamento e risco de mortalidade: outros estudos sugerem a acção de um


mecanismo biológico. Estas descobertas, citadas em House, «Social Relationships
and Health», concluíram que a simples presença de uma outra pessoa
pode reduzir a ansiedade e atenuar a perturbação emocional em doentes internados
em unidades de cuidados intensivos. Verificou-se que o efeito confortante
da presença de outra pessoa faz baixar não só o ritmo cardíaco e a pressão
arterial, mas também a secreção de ácidos gordos capazes de bloquear as artérias.
Uma teoria avançada para explicar os efeitos curativos do contacto social
sugere a acção de um mecanismo cerebral. Esta teoria aponta para dados obtidos
com animais que mostram um efeito calmante na zona hipotalâmica posterior,
uma área do sistema límbico com numerosas ligações à amígdala. A presença
confortante de outra pessoa, postula esta teoria, inibe a actividade
límbica, baixando a taxa de secreção de acetilcolina, cortisol e catecolaminas,
tudo neuroquímicos que provocam uma aceleração da respiração e do ritmo
cardíaco, bem como de outros sinais fisiológicos de stress.

39. Strain, «Cost Offset».

40. Sobreviver a um ataque cardíaco e apoio emocional: Lisa Berkman et ai.,


«Emotional Support and Survival After Myocardial Infarction, A Prospectiv
Population Based Study of the Elderly», Armais of Internai Medicine, 15 de
Dezembro de 1992.

41. O estudo sueco: Annika Rosengren et ai., «Stressful Life Events, Social
Support, and Mortality in Men bom in 1933», Briris/i Medicai Journal, 19 de
Outubro de 1993.

42. Discussões domésticas e sistema imunológico: Janice Kiecolt-Glaser et


ai., «Marital Quality, Marital Disruption, and Immune Function»,
Psychosomatic Medicine 49, 1987.

43. Entrevistei John Cacioppo para o The New York Times, 15 de Dezembro
de 1992.

44. Falar a respeito de pensamentos perturbadores: James Pennebaker,


«Putting Stress Into Words: Health, Linguistic and Therapeutic Implications»,
comunicação apresentada na reunião da American Psychological Association,
Washington, DC, 1992.

45. Psicoterapia e melhoras médicas: Lester Luborsky et ai., «Is Psychotherapy


Good for Your Health?», comunicação apresentada na reunião da American
Psychological Association, Washington, DC, 1993.

46. Grupos de apoio aos cancerosos: David Spiegel et ai., «Effect of


Psychosocial Treatment on Survival of Patients with Metastatic Breast Câncer»,
Lancet n.° 8668, ii, 1989.

47. Perguntas dos doentes: a conclusão foi citada pelo Dr. Steven CohenCole,
psiquiatra da Emory University, quando o entrevistei para o The New
York Times, 13 de Novembro de 1991.

404
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

48. Informação completa: por exemplo, o programa Planetree, no


Presbyterian Hospital de São Francisco, faz investigação médica e leiga sobre
qualquer tema médico para quem quer que a solicite.

49. Tornar os pacientes eficazes: um programa foi desenvolvido pelo Dr.


Mack Lipkin, Jr., na Faculdade de Medicina da Universidade de Nova Iorque.

50. Preparação emocional para a cirurgia: escrevi a este respeito no The New
York Times, 10 de Dezembro de 1987.

51. Cuidados familiares no hospital: mais uma vez, o programa Planetree


serve de modelo, tal como as residências Ronald McDonald, que permitem aos
pais ficarem junto dos hospitais onde os filhos estão internados.

52. Consciencialização e medicina: ver Jon Kabat-Zinn, Full Catastrophe


Living, Nova Iorque, Delacorte, 1991.

53. Programa para a reversão de doenças cardíacas: ver Dean Omish, Dr.
Dean Omish Program for Reversing Heart Disease, Nova Iorque, Ballantine, 1991.

54- Medicina baseada no relacionamento: Health Professions Education and


Relationship-Centered Care. Relatório do Grupo de Trabalho Pew-Fetzer sobre
Promoção de uma Educação de Saúde Psicossocial, Pew Health Professions
Commission e Fetzer Institute no Center of Health Professions, Universidade
da Califórnia em São Francisco, São Francisco, Agosto de 1994.

55. Sair do hospital mais cedo: Strain, «Cost Offset».

56. Não é ético não tratar a depressão nos doentes cardíacos: Redford
Williams e Margaret Chesney: «Psychosocial Factors and Prognosis in Established
Coronary Heart Disease», Journal of American Medicai Associaàon, 20
de Outubro de 1993.

57. Carta aberta a um cirurgião: A. Stanley Kramer, «A Prescription for


Healing», Newsweek, 7 de Junho de 1993.

QUARTA PARTE:
JANELAS DE OPORTUNIDADE

Capítulo 12. O Crisol da Famúia


1. Leslie e o jogo de vídeo: Beverly Wilson e John Gottman, «Marital Conflict
and Parenting: The Role of Negativity in Families», in M. H. Bornstein, ed.,
Handbook of Parenting, vol. n.° 4, Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum, 1994.

2. A investigação sobre as emoções na família foi uma extensão dos estudos


matrimoniais de John Gottman, «The Family as a Meta-emotion Culture»,
Cognition and Emotion, Primavera de 1994.

3. Os benefícios para as crianças de terem pais emocionalmente aptos:


Hooven, Katz e Gottman, «The Family as a Meta-emotion Culture».

4. Crianças optimistas: T. Berry Brazelton, no prefácio a Heart Start: The


Emotional Foundations ofSchool Readiness, Arlington, VA, National Center for
Clinicai Infant Programs, 1992.

5. Previsores emocionais de êxito escolar: Heart Start.

6. Elementos de preparação para a escola: Heart Start, p. 7.

7. Mães e filhos: Heart Start, p. 9.

8. Danos da negligência: M. Erickson et ai., «The Relationship Between


Quality of Attachment and Behavior Problems in Preschool in a High-Risk
405
DANIEL GOLEMAN

Sample», in I. Betherton e E. Waters, eds., Monographs of the Soáety of Research


m Child Devehpment 50, série n.° 209.

9. As lições duradouras dos primeiros quatro anos: Heart Start, p. 13.

10. O acompanhamento de crianças agressivas: L. R. Huesman, Leonard Eron


e Patty Warnicke-Yarmel, «Intelectual Function and Agression», The Journal of
Personality and Social Psychohgy, Janeiro de 1987. Descobertas semelhantes
foram referidas por Alexander Thomas e Stella Chess, na edição de Setembro
de 1988 de Child Devehpment, na sequência do seu estudo com setenta e cinco
crianças que foram avaliadas a intervalos regulares a partir de 1956, quando tinham
entre sete e doze anos. Alexander Thomas et ai., «Longitudinal Study of
Negative Emotional States and Adjustments From Early Chilhood Through
Adolescence», Child Devehpment 59, 1988. Uma década mais tarde, as crianças
que tinham sido classificadas por pais e professores como mais agressivas na escola
primária eram as que apresentavam mais problemas emocionais no fim da adolescência.
Eram crianças (duas vezes mais rapazes que raparigas) que não só estavam
constantemente a envolver-se em lutas, como também se mostravam
desdenhosas ou abertamente hostis em relação às outras, e mesmo em relação às
famílias e professores. Esta hostilidade não se alterou ao longo dos anos; como
adolescentes, tinham dificuldade em dar-se com os colegas e com as famílias, e
tinham problemas na escola. Contactados já quando adultos, as suas dificuldades
iam desde problemas com a lei a estados de ansiedade e depressão.

11. Ausência de empatia nas crianças maltratadas: as observações e conclusões


vêm referidas em Mary Main e Carol George, «Responses of Abused
and Disadvantaged Toddlers to Distress in Agemates: A Study in the Day-care
Setting», Developmental Psychology 21,3, 1985. Estas descobertas repetiram-se
igualmente com crianças em idade pré-escolar: Bonnie Klimes-Dougan e Janet
Kistner, «Physically Abused Preschooler’s Responses to Peer’s Distress», Devebpmentd
Psychology 26, 1990.

12. Dificuldades das crianças maltratadas: Robert Emery, «Family Violence»,


American Psychologist, Fevereiro de 1989.

13. Maus tratos ao longo de gerações: se as crianças maltratadas acabam ou


não por tornar-se em adultos que maltratam os seus próprios filhos é um ponto
que continua aberto a debate científico. Ver, por exemplo, Cathy Spatz
Widom, «Child Abuse, Neglect and Adult Behavior», American Journal of
Orihopsychiatry, Julho de 1989.

Capítulo 13. Trauma e Reaprendizagem Emocional

1. Escrevi a respeito dos traumas duradouros da matança da Cleveland


Elementary School no The Nem York Times, secção «Education Life», 7 de
Janeiro de 1990.

2. Os exemplos de SPT em vítimas de crimes foram facultados pela Dr.”


Shelly Niederbach, uma psicóloga do Victims’ Counseling Service, Brooklyn.

3. A recordação do Vietname é de M. Davis. «Analysis of Aversive Memories


Using the Fear-Potentiated Startle Paradigm», in N. Butters and L. R.
Squire, eds., The Neuropsychology of Memory, Nova Iorque, Guilford Press,
1992.

4- LeDoux defende em termos científicos a durabilidade destas recordações


em «Indelibility of Subcortical Emotional Memories», Journal of Cognitive
Neuroscience, 1989, vol. 1, 238-43.

406
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

5. Entrevistei o Dr. Charney no The New York Times, 12 de Junho de 1990.

6. As experiências com pares de animais foram-me descritas pelo Dr. John


Krystal, e foram repetidas em diversos laboratórios. Os principais estudos foram

i feitos pelo Dr. Jay Weiss, na Duke University.

7. A melhor descrição das mudanças cerebrais subjacentes à SPT, e ao papel


que a amígdala nelas desempenha, encontra-se em Dennis Charney et ai.,

; «Psychobiologic Mechanisms of Posttraumatic Stress Disorder», Archives of

; General Psychiatry 50, Abril de 1993, 294-305.

8. Algumas das provas das mudanças induzidas pelo trauma na rede cerebral
vêm de experiências em que veteranos do Vietname foram injectados com
ioimbina, uma droga que alguns índios da América do Sul utilizam para embeber
as pontas das setas e imobilizar as suas presas. Em doses diminutas, a ioimbina
bloqueia a acção de um receptor específico (a extremidade de um neurónio
que recebe um neurotransmissor) que normalmente funciona como um
travão das catecolaminas. A ioimbina retira esse travão, impedindo que estes
receptores se apercebam da secreção de catecolaminas; o resultado é um
aumento do nível destas hormonas. com os travões à ansiedade neutralizados
pela injecção de droga, a ioimbina desencadeou pânico em 9 de 15 pacientes de
SPT, eflashbacks (situação em que a pessoa revive um acontecimento passado)
muitos vívidos em 6. Um veterano teve uma alucinação de um helicóptero a
ser abatido no meio de um violento clarão, deixando atrás de si um rasto de
fumo; outro viu uma mina rebentar debaixo de um jeep onde seguiam camaradas
seus — a mesma cena que lhe enchia os pesadelos e lhe aparecia em flashbacks
havia mais de vinte anos. O estudo com a ioimbina foi conduzido pelo Dr.
John Krystal, director do Laboratório de Psicofarmacologia no Nation Center
for PTSD no West Haven, Conn., VA Hospital.

9. Menos receptores alfa-2 em homens com SPT: ver Charney, «Psycho!


biologic Mechanisms».

j 10. O cérebro, ao tentar diminuir a taxa de secreção de CRF, compensa reduI

zindo o número de receptores que a libertam. Um sinal revelador de que isto é

| o que acontece em pessoas com SPT decorre de um estudo em que oito pacien|

tes que estavam a ser tratados deste problema receberam injecções de CRF.

| Normalmente, uma injecção de CRF provoca uma inundação de ACTH, a hor!

mona que percorre o corpo para desencadear a secreção de catecolaminas. Mas

nos pacientes de SPT, ao contrário do que aconteceu num grupo de comparação


constituído por pessoas que não sofriam deste mal, não houve qualquer
modificação discernível nos níveis de ACTH — um sinal de que os seus cérebros
tinham reduzido o número de receptores de CRF porque já estavam sobrecarregados
com hormonas de stress. A investigação foi-me descrita por Charles
Nemeroff, um psiquiatra da Duke University.

11. Entrevistei o Dr. Nemeroff no The New York Times, 12 de Junho de 1990.

12. Algo de semelhante parece acontecer na SPT: por exemplo, numa experiência,
foi mostrado a veteranos do Vietname com diagnóstico de SPT um
excerto de 15 minutos especialmente editado com cenas de combate extraídas do
filme Platoon. Num grupo, os sujeitos foram injectados com naloxona, uma substância
que bloqueia as endorfinas; depois de verem o filme, estes sujeitos não
apresentavam qualquer alteração na sua sensibilidade à dor. Mas no grupo que

| não recebeu o bloqueador de endorfinas, a sensibilidade às dores dos sujeitos

| desceu 30 por cento, indicando um aumento de secreção de endorfinas. As mes407


DANIEL GOLEMAN

mas cenas não provocaram efeitos em sujeitos que não sofriam de SPT, o que sugere
que nos pacientes com SPT as vias neuronais que regulam as endorfinas eram
altamente sensitivas ou hiperactivas — um efeito que só se tornou aparente
quando foram reexpostos a algo reminiscente do trauma original. Nesta sequência,
a amígdala começa para avaliar a importância daquilo que vemos. O estudo
foi feito pelo Dr. Roger Pitman, um psiquiatra de Harvard. Como acontece com
outros sintomas de SPT, esta modificação do cérebro pode não só ser aprendida
sob tensão, como também novamente desencadeada na presença de qualquer
coisa reminiscente do acontecimento original. Por exemplo, Pitman descobriu
que quando se aplicavam choques eléctricos a ratos numa gaiola, estes desenvolviam
a mesma analgesia à base de endorfinas verificada nos veteranos do
Vietname a que eram mostradas cenas de Platoon. Semanas mais tarde, quando
os ratos eram novamente colocados nas gaiolas onde tinham recebido os choques
— mas sem ligar a corrente — os animais tornavam-se novamente insensíveis à
dor, como tinha originariamente acontecido ao receberem os choques. Ver Roger
Pitman, «Naloxone-Reversible Analgesic Response to Combat-Related Stimuli
in Posttraumatic Stress Disorder», Archives of General Medicine, Junho de 1990.
Ver também Hillel Glover, «Emotional Numbing: A Possible EndorphinMediated
Phenomenon Associated with Post-Traumatic Stress Disorders and
Other Allied Psychopathologic States», Journal ofTraumaúc Stress 5, 4, 1992.

13. As provas referentes ao cérebro referidas nesta secção baseiam-se no


excelente artigo de Dennis Charney. «Psychobiologic Mechanisms».

14. Charney, «Psychobiologic Mechanisms», 300.

15. Papel do córtex pré-frontal no esquecimento do medo: no estudo de


Richard Davidson, media-se a resposta da transpiração (um barómetro de ansiedade)
dos voluntários, enquanto estes ouviam um sinal sonoro seguido de um
ruído muito desagradável e violento. O ruído desencadeava um aumento da
transpiração. Após algum tempo, o sinal bastava para provocar o mesmo
aumento, mostrando que os voluntários tinham aprendido uma aversão ao sinal.
Mas à medida que continuaram a ouvir o sinal sem o ruído desagradável, a
aversão aprendida foi-se esbatendo — o sinal passou a não provocar qualquer
aumento de sudação. Quanto mais activo fosse o córtex pré-frontal esquerdo
dos voluntários, mais rapidamente perdiam o medo aprendido.

Numa outra experiência destinada a provar o papel dos lóbulos pré-frontais


para vencer o medo, ratos de laboratório — como tantas vezes acontece nestes
estudos — aprenderam a temer um sinal sonoro associado a um choque eléctrico.
Foi então feito a alguns deles o equivalente a uma lobotomia, uma lesão
cirurgia do cérebro que isolava os lóbulos pré-frontais da amíglada. Durante os
dias que se seguiram, os ratos ouviram o sinal sem receberem o choque. Pouco
a pouco, foram perdendo o medo ao sinal. Mas aqueles cujos lóbulos pré-frontais
tinham sido «desligados» levaram quase o dobro do tempo a desaprender
este medo — sugerindo um papel crucial dos lóbulos pré-frontais na gestão do
medo e, mais geralmente, na aprendizagem de lições emocionais. Esta experiência
foi conduzida por Maria Morgan, uma estudante graduada de Joseph
LeDoux no Center for Neural Science, Universidade de Nova Iorque.

16. Recuperação de SPT; este estudo foi-me referido por Rachel Yehuda,
neuroquímica e directora do Traumatic Stress Studies Program na Mt. Sinai
School of Medicine, em Manhattan. Escrevi sobre os resultados no The New
York Times, 6 de Outubro de 1992.

408
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

17. Traumas de infância: Leonore Terr, Too Scared to Cry, Nova Iorque,
Harper Collins, 1990.

18. Caminhos para recuperar do trauma: Judith Lewis Herman, Trauma and
Recovery, Nova Iorque, Basic Books, 1992.

19. «Dosear» o trauma: Mardi Horowitz, Stress Response Syndromes


Northvale, NJ, Jason Aronson, 1986.

20. Um outro nível a que a reaprendizagem se processa, pelo menos no caso


dos adultos, é o filosófico. A eterna pergunta da vítima «Porquê eu?», tem de
ser respondida. Ser vítima de um trauma destrói a convicção da pessoa de que
o mundo é um lugar em que se pode confiar, e que o que nos acontece na vida
é justo — isto é, que podemos controlar o nosso destino vivendo uma vida
correcta. A resposta não tem, evidentemente, de ser filosófica ou religiosa; a
tarefa é reconstruir o sistema de crença ou fé que permite viver novamente
como se o mundo e as pessoas merecessem confiança.

21. Que o medo original persiste, mesmo de uma forma atenuada, ficou provado
por estudos em que ratos de laboratório eram condicionados a temer um som,
como uma campainha, quando associado a um choque eléctrico. Depois, quando
ouviam a campainha reagiam com medo, apesar de não receberem qualquer choque.
Gradualmente, ao longo de um ano (muitíssimo tempo para um rato —
cerca de um terço da sua vida), iam perdendo o medo à campainha. Mas este
medo era reinstaurado na máxima força no momento em que o som da campainha
voltava a ser associado a um choque. O medo regressava num único instante,
mas demorava meses a desaparecer. O paralelo no caso dos seres humanos é, evidentemente,
quando um medo traumático antigo, adormecido durante anos,
volta com toda força provocado por qualquer coisa que recorde o trauma original.

22. A pesquisa terapêutica de Luborsky vem pormenorizada em Lester


Luborsky e Paul Crists-Christoph, Understanding Transference: The CCRT
Method, Nova Iorque, Basic Books, 1990.

Capítulo 14- Temperamento Não É Fatalidade


1. Ver, por exemplo, Jerome Kagan et ai, «Initial Reactions to Unfamiliarity»,
Current Directions in Psychobgical Science, Dezembro de 1992. A descrição
completa da biologia do temperamento encontra-se em Kagan, Galens
Prophecy.

2. torn e Ralph, tipos arquétipos de timidez e abertura, vêm descritos em


Kagan, Galens Prophecy, pp. 155-57.

3. Problemas a longo prazo da criança tímida: íris Bell, «Increased Prevalence


of Stress-related Symptoms in Middle-aged Women Who Report Childhood
Shyness», Armais of Behauior Medicine 16, 1994.

4. O aumento do ritmo cardíaco: íris R. Bell et ai., «Failure of Heart Rate


Habituation During Cognitive and Olfactory Laboratory Stressors in Young
Adults With Childhood Shyness», Annals ofBehavior Medicine, 16, 1994.

5. Pânico em adolescentes: Chris Hayward et ai., «Pubertal State and Panic


Attack History in Sixth — an Seventh-grade Girls», American Journal of
Psychiatry, vol. 149 (9), Setembro de 1992, pp. 129-43; Jerold Rosenbaum et
aí., «Behavior Inhibition in Childhood: A Risk Factor for Anxiety Disorders»,
Harvard Review of Psychiatry, Maio de 1993.

6. A pesquisa sobre personalidade e diferenças foi feita pelo Dr. Richard


Davidson na Universidade do Wisconsin, e pelo Dr. Andrew Tomarken, um

409
DANIEL GOLEMAN

psicólogo da Vanderbilt University: ver Andrew Tomarken e Richard Davídson,


«Frontal Brain Activation in Repressors and Nonrepressors», Journal of
AbnormalPsychobgy, 103, 1994.

7. As observações a respeito de como as mães podem ajudar as crianças tímidas


a tornarem-se mais abertas foram feitas com Doreen Arcus. Pormenores
em Kagan, Galerís Prophecy.

8. Kagan, Gakn’s Prophecy, pp. 194-95.

9. Tornar-se menos tímido: Jens Asendorpf, «The Malleability of Behavioral


Inhibition: A Study of Individual Development Functions», Developmental
Psychobgy, 30, 6, 1994.

10. Hubel e Wiesel: David H. Hubel, Thornsten Wiesel e S. Levay,


«Plasticity of Ocular Columns in Monkey Striate Córtex», Philosophical Tronsactions
ofthe Royal Society ofLondon, 278, 1977.

11. Experiência e o cérebro do rato: o trabalho de Marian Diamond e outros


é descrito em Richard Thompson, The Brain, São Francisco, W. H. Freeman,
1985.

12. Alterações cerebrais no tratamento de doenças obsessivas-compulsivas:


L. R. Baxter et ai., «Caudate Glucose Metabolism Rate Changes With Both
Drug and Behavior Therapy for Obsessive-Compulsive Disorder», Archives of
General Psychiatry, 49, 1992.

13. Aumento de actividade nos lóbulos pré-frontais: L. R. Baxter et ai,


«Local Cerebral Glucose Metabolic Rates in Obsessive-Compulsive Disorder»,
Archives of General Psychiatry, 44, 1987.

14. Maturidade dos lóbulos pré-frontais: Brian-Kolb, «Brain Development,


Plasticity, and Behavior», American Psychologist 44, 1989.

15. Experiência infantil e poda pré-frontal: Richard Davidson, «Assymmetric


Brain Function, Affective Style and Psychopathology: The Role of Early
Experience and Plasticity», Devebpment and Psychopathology, vol. 6, 1994, pp.
741-58.

16. Sintonização biológica e crescimento do cérebro: Schore, Affect Regulation.

17. M. E. Phelps et ai., «PET; A Biochemical Image ofthe Brain at Work»,


in N. A. Lassen et. ai, Brain Work and Mental Activity: Quantitative Studies with
Radioactive Tracers, Copenhaga, Munsgaard, 1991.

QUINTA PARTE:
LITERACIA EMOCIONAL

Capítulo 15. O Preço da Literária Emocional

1. Literacia emocional: escrevi a respeito destes cursos no The New York


Times, 3 de Março de 1992.

2. As estatísticas referentes às taxas de crime juvenil são do Uniform Crime


Reports, Crime in the US, 1991, publicados pelo Departamento de Justiça.

3. Crimes violentos e adolescentes: em 1990, a taxa de prisões de jovens por


crimes violentos chegou a 430 em 100 000, um aumento de 27 por cento relativamente
a 1980. As prisões de jovens por violação com violência subiu de 10,9
em 100 000 em 1965 para 21,9 em 100 000 em 1990. A taxa de assassínios
cometidos por adolescentes mais do que quadruplicou entre 1965 e 1990, e pas410
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

sou de 2,8 em 100 000 para 12,1; em 1990, três em cada quatro assassínios
cometidos por adolescentes foram com arma de fogo, um aumento de 79% ao
longo de uma década. As ofensas corporais graves praticadas por adolescentes
cresceram 64% entre 1980 e 1990. Ver, por exemplo, Ruby Takanashi, «The
Opportunities of Adolescence», American Psychologist, Fevereiro de 1993.

4- Em 1950, a taxa de suicídio nos jovens dos 15 aos 24 anos era de 4,5 em
100 000. Em 1990, era três vezes mais alta, 13,3. A taxa de suicídio entre as crianças
dos 10 aos 14 quase triplicou entre 1968 e 1985. Os números sobre suicídios,
vítimas de homicídios e gravidezes foram respigados de Health, 1991, US
Department of Health and Human Services, e Children’s Safety Network, A
Data Book ofChild and Adolescent lnjury, Washington, DC; National Center for
Education in Maternal and Child Health, 1991.

5. Nas três décadas que decorreram desde 1960, as taxas de gonorreia quadruplicaram
entre as crianças dos 10 aos 14 anos, e triplicaram entre os jovens dos
15 aos 19. Em 1990, 20% dos doentes de sida tinham vinte e poucos anos;
muitos tinham sido infectados ainda na adolescência. A pressão para manter
relações sexuais cada vez mais cedo tem vindo a aumentar. Um inquérito levado
a cabo em 1990 revelou que mais de um terço das raparigas muito novas
admitia que tinha sido a pressão das colegas a decidi-las a ter relações sexuais
pela primeira vez; na geração anterior, apenas 13% das mulheres fazia a mesma
admissão. Ver Ruby Takanashi, «The Oportunities of Adolescence», e Children’s
Safety Network, A Data Book of Child and Adolescent lnjury.

6. O consumo de heroína e cocaína entre brancos subiu de 18 em 100 000


em 1970 para 68 em 100 000 em 1990 — cerca de três vezes mais. Mas durante
as mesmas duas décadas, no caso dos negros, a taxa saltou de 53 em 100 000
para uns espantosos 766 — cerca de 13 vezes mais em vinte anos. Os números
referentes ao consumo de drogas foram respigados de Crime in the US, 1991,
Departamento de Justiça dos EUA.

7- Uma em cada cinco crianças tem problemas psicológicos que lhe dificultam
a vida de uma ou de outra maneira, de acordo com uma pesquisa feita nos Estados
Unidos, Nova Zelândia, Canadá e Porto Rico. A ansiedade é o problema mais
comum nas crianças com menos de 11 anos, afligindo 10% delas com fobias suficientemente
graves para interferirem com a vida normal, outros 5% com ansiedade
generalizada e preocupações constantes, e ainda outros 4% com ansiedade
intensa a respeito de ficarem separadas dos pais. O consumo excessivo de bebidas
alcoólicas sobe durante os anos de adolescência, entre os rapazes, até uma taxa de
20% aos 20 anos. Referi a maior parte destes dados sobre as desordens emocionais
em crianças no The New York Times, 10 de Janeiro de 1989.

8. O estudo a nível nacional sobre os problemas emocionais das crianças e


comparação com outros países: Thomas Achenbach e Catherine Howell, «Are
America’s Children’s Problems Getting Worse? A 13-Year Comparison», Journal
of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, Novembro de 1989.

9. A comparação entre nações foi feita por Urie Bronfenbrenner, em Michael


Lamb e Kathleen Sternberg, Child Care in Context: Cross-Cultural Perspectives,
Englewood, NJ, Lawrence Erlbaum, 1992.

10. Urie Bronfenbrenner falava num simpósio na Cornell University, 24 de


Setembro de 1993.

11. Estudos longitudinais sobre crianças agressivas e delinquentes: ver, por


exemplo, Alexander Thomas et ai., «Longitudinal Study of Negative

411
DANIEL GOLEMAN

Emotional States and Adjustments from Early Childhood Through Adolescence»,


Child Devebpment, vol. 59, Setembro de 1988.

12. A experiência do rufião: John Lochmann, «Social-Cognitive Processes of


Severely Violent, Moderately Aggressive, and Nonaggressive Boys», Journal of
Clinicai and Consulting Psychology, 1994.

13. A pesquisa sobre rapazes agressivos: Kenneth A. Dodge, «Emotion and


Social Information Processing», in J. Garber e K. Dodge, The development of
Emotional Regulation and Dysregulatkm, Nova Iorque, Cambridge University
Press, 1991.

14- As crianças não gostam de rufiões: J. D. Coie e J. B. Kupersmidt, «A


Behavioral Analysis of Emerging Social Status in Boy’s Groups», ChM
Devebpment, 54, 1983.

15. Cerca de metade das crianças indisciplinadas: ver, por exemplo, Dan
Offord et ai., «Outcome, Prognosis, and Risk in a Longitudinal Follow-up
Study», Journal of the American Academy of Child and Adalescent Psychiatry,
31,4992.

16. Crianças agressivas e crime: Richard Tremlay et ai., «Predicting Early


Onset of Male Antisocial Behavior from Preschool Behavior», Archives of General
Psychiatry, Setembro de 1994.

17. Aquilo que acontece na família de uma criança antes de ela chegar à
escola é, evidentemente, crucial para criar uma predisposição para a agressão.
Um estudo, por exemplo, mostrou que as crianças cujas mães as rejeitavam
quando elas tinham um ano de idade, e aquelas cujo parto fora mais complicado,
tinham quatro vezes mais probabilidades do que as outras de cometer um
crime violento antes dos 18 anos. Adriane Raines et ai., «Birth Complications
Combined With Early Maternal Rejection at Age One Predispose to Violent
Crime at Age 18 Years», Archives of General Psychiatry, Dezembro de 199418.

Embora um baixo QI verbal pareça ser um previsor de delinquência (um


estudo detectou uma diferença de 8 valores neste tipo de pontuação entre delinquentes
e não-delinquentes), há provas de que a impulsividade é uma causa mais
poderosa e directa tanto de valores baixos de QI como de delinquência. Quanto
às pontuações baixas, as crianças impulsivas não prestam atenção suficiente para
aprenderem as aptidões de linguagem e raciocínio em que se baseiam as classificações
do QI verbal, de modo que a impulsividade faz baixar estas pontuações.
No Pittsburgh Youth Study, um projecto longitudinal bem concebido que avaliava
a impulsividade e o QI de crianças dos dez aos doze anos, a impulsividade
era um previsor de delinquência quase três vezes mais certeiro do que o QI. Ver
a discussão em: Jack Block, «On the Relation Between IQ, Impulsivity, and
Delinquency», Journal of Abnor-mal Psychology, 104, 1995.

19. Raparigas «más» e gravidez: Marion Underwood e Melinda Albert,


«Fourth-Grade Peer Status as a Predictor of Adolescent Pregnancy», comunicação
apresenta na reunião da Society for Research on Child Development,
Kansas City, Missouri, Abril de 1989.

20. A trajectória para a delinquência: Gerald R. Patterson, «Orderly Change


in a Stable World: The Antisocial Trait as Chimera», Journal of Clinicai and
Consulting Psychohgy, 62, 1993.

21. Tendência para a agressividade: Ronald Slaby e Bancy Guerra,


«Congnitive Mediators of Aggression in Adolescent Offenders», DevehpmentalPsychology,
24, 1988.

412
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

22. O caso de Dana: de Laura Mufson et ai., ínterpersonaí Psychotherapy for


Depressed Adolescents, Nova Iorque, Guilford Press, 1993.

23. Aumenro dos índices de depressão em todo o mundo: Cross-National


Collaborative Groupe, «The Changing Rate of Major Depression: Cross-National
Comparisons», Journal of the American Medicai Association, 2 de Dezembro
de 1992.

24. Dez vezes mais probabilidades de depressão: Peter Lewinsohn et ai.,


«Age-Cohort Changes in the Lifetime Occurrence of Depression and Other
Mental Disorders», Journal of Abnormal Psychology, 102, 1993.

25. Epidemiologia da depressão: Patrícia Cohen et aí., New York Psychiatric


Institute, 1988; Peter Lewinsohn et ai., «Adolescent Psycopathology: I.
Prevalence and Incidence of Depression in High School Students», Journal of
Abnormal Psychology 102 (1993). Ver também Muffson et a!., Interpersoruxl
Psychotherapy. Para uma visão de estimativas mais baixas: E. Costello, «Developments
in Child Psychiatric Epidemiology», Journal of the Academy ofChild
and Adolescent Psychiatry, 28, 1989.

26. Padrões de depressão nos jovens: Maria Kovacs e Leo Bastiaens, «The
Psychotherapeutic Management of Major Depression and Dysthymic Disorders
in Childhood and Adolescente: Issues and Prospects», in I. M. Goodyer, ed.,
Mood Disorders in Childhood and Adolescence, Nova Iorque, Cambridge University
Press, 1994.

27. Depressão nas crianças: Kovacs, op. cit.

28. Entrevistei Maria Kovacs no The New York Times, 11 de Janeiro de 1994.

29. Atraso emocional e social em crianças deprimidas: Maria Kovacs e David


Goldston, «Cognitive and Social Development of Depressed Children and
Adolescents», Journal of the American Academy of Child and Adolescent
Psychiatry, Maio de 1991.

30. Impotência e depressão: John Weis et ai., «Control-Related Beliefs and


Self-reported Depressive Symptoms in Late Childhood»; Journal of Abnormal
Psychobgy, 102, 1993.

31. Pessimismo e depressão nas crianças: Judy Garber, Vanderbilt University.


Ver, por exemplo, Ruth Hilsman e Judy Garber, «A Test of the Cognitive
Diathesis Model of Depression in Children: Academic Stressors, Attributional
Style, Perceived Competence and Control», Journal of Personality and Social
Psychology 67, 1994; Judith Garber, «Cognitions, Depressive Symptoms, and
Development in Adolescents», Journal of Abnormal Psychology, 102, 1993.

32. Garber, «Cognitions».

33. Garber, «Cognitions».

34. Susan Nolen-Hoeksema et aí., «Predictors and Consequences of


Childhood Depressive Symptoms: A Five-Year Longitudinal Study», Journal of
Abnormal Psychology, 101, 1992.

35. Taxas de depressão reduzidas a metade: Gregory Clarke, LJniversity of


Oregon Health Sciences Center, «Prevention of Depression in At-Risk High
School Adolescents», comunicação feita na American Academy of Child and
Adolescent Psychiatry, Outubro de 1993.

36. Garber, «Cognitions».

37. Hilda Bruch, «Hunger and Instinct», Journal ofNervous and Mental Disease
149, 1969. A tese de Hilda Bruch, The Golden Cage: The Enigma of Anorexia
Nervosa, Cambridge, MA, Harvard LJniversity Press, só foi publicada em 1978.

413
DANIEL GOLEMAN

38. O estudo das desordens alimentares: Gloria R. Leon et ai., «Personality


and Behavioral Vulnerabilities Associated with Risk Status for Eating Disorders
in Adolescent Girls», Journal ofAbnormal Psychology, 102, 1993.

39. A garota de seis anos que se sentia gorda era uma doente do Dr. William
Feldman, pediatra na Universidade de Ottawa.

40. Notado por Sifheos, «Affect, Emotional Conflict, and Déficit».

41. O apontamento sobre Ben é de Steven Asher e Sonda Gabriel, «The


Social World of Peer-Rejected Children», comunicação apresentada na reunião
anual da American Educational Research Association, São Francisco,
Março de 1989.

42. A taxa de desistência escolar entre as crianças socialmente rejeitadas:


Asher e Gabriel, «The Social World of Peer-Rejected Children».

43. As conclusões a respeito da fraca competência emocional das crianças


pouco populares entre os colegas são de Kenneth Dodge e Esther Feldman,
«Social Cognition and Sociometric Status», in Steven Asher e John Coie, eds.,
Peer Rejection in Childhood, Nova Iorque, Cambridge University Press, 1990.

44- Emory Cohen et ai., «Longterm Follow-up of Early Detected Vulnerable


Children», Journal of Clinicai and Consulting Psychology, 41, 1973.

45. Os melhores amigos e os rejeitados: Jeffrey Parker e Steven Asher:


«Frienship Adjustment, Group Acceptance and Social Dissatisfaction in
Childhood», comunicação apresentada na reunião anual da American Educational
Research Association, Boston, 1990.

46. A ajuda a crianças socialmente rejeitadas: Steven Asher e Gladys Williams,


«Helping Children Without Friends in Home and School Contexts», in
Children’s Social Development: Information for Parents and Teachers, Urbana and
Champaign, University of Illinois Press, 1987.

47. Resultados semelhantes: Stephen Nowicki, «A Remediation Procedure


for Nonverbal Processing Deficits», manuscrito inédito, Duke University, 1989.

48. Dois quintos são grande bebedores: um inquérito feito na Universidade


do Massachussetts pelo Projecto Pulse, referido no Daily Hampshire Gazette, 13
de Novembro de 1993.

49. Beber em excesso: os números são de Harvey Wechsler, director dos


College Alcohol Studies na Harvard School of Public Health, Agosto de 1994.

50. As mulheres, o álcool e o risco de violação: relatório do Columbia


University Center of Addiction and Substance Abuse, Maio de 1993.

51. Principal causa de morte: Alan Marlatt, relatório apresentado na reunião


anual da American Psychology Association, Agosto de 1994.

52. Os números referentes à viciação no álcool e na cocaína são de Meyer


Glantz, chefe em exercício da Etiology Research Section do National Institute
for Drug and Alcohol Abuse.

53. Perturbação emocional e consumo de drogas: Jeanne Tschann, «Initiation


of Substance Abuse in Early Adolescence», Health Psychology 4, 199454.

Entrevistei Ralph Tarter no The New York Times, 26 de Abril de 1990.

55. Níveis de tensão em filhos de alcoólicos: Howard Moss et ai., «Plasma


GABA-like Activity in Response to Ethanol Challenge in Men at High Risk
for Alcoholism», Biological Psychiatry 27(6), Março de 1990.
56. Défice dos lóbulos frontais em filhos de alcoólicos: Philip Harden e
Robert Phil, «Cognitive Function, Cardiovascular Reactivity, and Behavior in
Boys at High Risk for Alcoholism», Journal of Abnormal Psychology 104, 1995.

414
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

57. Kathleen Merikanga et ai., «Familial Transmission of Depression and


Alcoholism», Archives of General Psychiatry, Abril de 1985.

58. O alcoólico irrequieto e impulsivo: Moss et ai.

59. Cocaína e depressão: Edward Khantzian, «Psychiatríc and Psychodynamic


Factors in Cocaine Addiction», in Arnold Washton e Mark Gold, eds.,
Cocaine: A Cliniciaris Handbook, Nova Iorque, Guilford Press, 1987.

60. Viciação na heroína e ira: Edward Khantzian, Harvard Medicai School,


em conversa, baseado em mais de 200 pacientes que tratou e que eram viciados
em heroína.

61. Acabar com as guerras: a frase foi-me sugerida por Tim Shriver, do
Collaborative for the Advancement of Social and Emotional Learning no Yale
Child Studies Center.

62. O impacte emocional da pobreza: «Economic Deprivation and Early


Childhood Development» e «Poverty Experiences of Young Children and the
Quality of Their Home Environments». Greg Duncan e Patrícia Garrett descreveram
as conclusões das suas pesquisas, em artigos separados, in Child
Development, Abril de 1994.

63. Características da criança resistente: Norman Garmezy, The Invulnerable


Child, Nova Iorque, Guilford Press, 1987. Eu próprio escrevi a respeito das
crianças que resistem a todas as vicissitudes no The hleui York Times, 13 de
Outubro de 1987.

64. Prevalência das doenças mentais: Ronald C. Kessler et ai, «Lifetime and
12-month Prevalence of DSM-III-R Psychiatric Disorders in the US», Archives
of General Psychiatry, Janeiro de 199465.

Os números referentes aos rapazes e raparigas que denunciam abusos


sexuais nos Estados Unidos são de Malcolm Brown, do Violence and Traumatic
Stress Branch do National Institute of Mental Health; o número de casos substanciados
é do National Commitee for the Prevention of Child Abuse and
Neglect. Um inquérito à escala nacional junto de crianças encontrou taxas de
3,2% para as raparigas e 0,6% para os rapazes num dado ano: David Finkelhor
e Jennifer Dziuba-Leatherman, «Children as Victims of Violence: A National
Survey», Pediatrics, Outubro de 1984.

66. O inquérito nacional sobre os programas para a prevenção de abusos


sexuais foi conduzido por David Finkelhor, um sociólogo da Universidade do
New Hampshire.

67. Os valores referentes ao número de vítimas dos molestadores de crianças


são de uma entrevista com Malcolm Gordon, um psicólogo do Violence and
Traumatic Stress Branch do National Institute of Mental Health.

68. W. T. Consortium sobre a Promoção Escolar da Competência Social,


«Drug and Alcohol Prevention Curricula», in ]. David Hawkins et ai, cornmunities
That Care, São Francisco, Jossey-Bass, 1992.

69. W. T. Grant Consortium, «Drug and Alcohol Prevention Curricula»,


p. 136.

Capítulo 16. Educar as Emoções

1. Entrevistei Karen Stone McCown no The hl eu/ York Times, 7 de Novembro


de 1993.

2. Karen F. Stone e Harold Q. Dillehunt, Self Science: The Subject Is Me,


Santa Mónica, Goodyear Publishing Co., 1978.

415
DANIEL GOLEMAN

3. Commitee for Children, «Guide to Feelings», Second Step 4-5, 1992, p. 84.

4. The Child Development Project: ver, por exemplo, Daniel Solomon et ai.,
«Enhancing Children Prosocial Behavior in the Classroom», American
Educatiorud Research Journal, Inverno de 1988.

5. Vantagens de começar cedo: relatório da High/Scope Educational Research


Foundation, Ypsilanti, Michigan, Abril de 1993.

6. O calendário emocional: Carolyn Saarni, «Emotional Competence:


How Emotions and Relationship Become Integrated», in R. A. Thompson,
ed., Socioemotional DevehpmentINebraska Symposium on Motivation 36,
1990.

7. A transição para a escola primária e para a escola média: David Hamburg,


Today’s Children: Creating a Future for a Generation in Crisis, Nova Iorque,
Times Books, 1992.

8. Hamburg, Today’s Children, pp. 171-172.

9. Hamburg, Today’s Children, p. 182.

10. Entrevistei Linda Lantieri no The New York Times, 3 de Março de 1992.

11. Os programas de literacia emocional como prevenção primária: Hawkins


et ai., Communities That Care.

12. As escolas como comunidades que se preocupam: Hawkins et ai.,


Communities That Care.

13. A história da rapariga que não estava grávida: Roger P. Weissberg et ai.,
«Promotion Positive Social Development and Health Practice in Young Urban
Adolescents», in M. J. Elias, ed., Social Decision-making in the Middle School,
Gaithersburg, MD, Aspen Publishers, 1992.

14- Construção do carácter e conduta moral: Amitai Etzioni, The Spirit of


Communit^, Nova Iorque, Crown, 1992.

15. Lições morais: Steven C. Rockfeller, John Dewey: Religious Faith and
Democraúc Humanism, Nova Iorque, Columbia University Press, 1991.

16. Fazer bem aos outros: Thomas Lickona, Educating for Character, Nova
Iorque, Bantam, 1991.

17. As artes da democracia: Francis Moore Lappe e Paul Martin DuBois, The
Quickening of America, São Francisco, Jossey-Bass, 1994.

18. Cultivar o carácter: Amitai Etzioni et ai., Character Building for a Democratic,
Civil Society, Washington, DC, The Communitarian Network, 199419.

Três por cento de aumento na taxa de assassínios: «Murders Across


Nation Rise 3 Percent, but Overall Violent Crime Is Down», The New York
Times, 2 de Maio de 199420.

Salto no crime juvenil: «Serious Crimes by Juveniles Soar», Associated


Press, 25 de Julho de 1994.

Apêndice B. Características Definidoras da Mente Emocional

1. Escrevi a respeito do modelo do «inconsciente experimental» de Seymour


Epstein em várias ocasiões, no The New York Times, e muito deste sumário
baseia-se em conversas que tive com ele, em cartas que me escreveu, no
seu artigo, «Integration of the Cognitive and Psychodynamic Unconscious»,
American Psychologist 44, 1994 e no livro de que foi co-autor com Archie
Brodsky, YouVe Smarter Than You Thinlc, Nova Iorque, Simon & Schuster,
1993. Embora o seu modelo de «mente experimental» enforme o meu a respeito
da «mente emocional», fiz a minha própria interpretação.
416
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

2. Paul Ekman, «An Argument for the Basic Emotions», Cognítion and
Emotion 6, 1992, p. 175. A lista das características que distinguem as emoções
é um pouco mais longa, mas estas são as que aqui nos interessam.

3. Ekman, op. cit., p. 187.

4. Ekman, op. cit., p. 189.

5. Epstein, 1993, p. 55.

6. J. Toobey e L. Cosmides, «The Past Explains the Present: Emotional


Adaptations and the Structure of Ancestral Environments», Ethology and Sociobiobgy
11, pp. 418-19.

7. Embora possa parecer evidente que cada emoção tem o seu próprio padrão
biológico, não o tem sido para os que estudam a psicofisiologia da emoção.
Continua em curso um debate altamente técnico sobre se a excitação emocional
é basicamente a mesma para todas as emoções, ou se é possível distinguir
padrões específicos. Sem entrar em pormenores do debate, apresentei o caso
daqueles que defendem a existência de perfis biológicos específicos para cada
uma das principais emoções.

417
Agradecimentos
Ouvi pela primeira vez a frase «literacia emocional» da boca de
Eileen Rockfeller Growald, na altura fundadora e presidente do
Institute for the Advancement of Health. Foi esta conversa casual
que despertou a minha atenção e determinou as pesquisas que finalmente
resultaram neste livro. Ao longo dos anos, tem sido um prazer
ver Eileen desenvolver este campo.

O apoio do Fetzer Institute, em Kalamazoo, Michigan,


permitiu-me o luxo de ter tempo para explorar aprofundadamente
o significado de «literacia emocional», e estou grato pelo importantíssimo
encorajamento inicial que recebi de Rob Lehman, presidente
do Instituto e colaborador de David Sluyter, que é o seu
director de programas. Foi Rob Kehman quem, no início das minhas
explorações, me incitou a escrever um livro a respeito da literacia
emocional.

Entre as minhas mais profundas dívidas contam-se as que tenho


para com as centenas de investigadores que ao longo dos anos partilharam
comigo as suas descobertas, e cujos esforços são aqui revistos
e sintetizados. A Peter Salovey, da Yale, fiquei a dever o conceito
de «inteligência emocional». Ganhei igualmente muito com
o conhecimento íntimo do trabalho de numerosos educadores e
praticantes da arte da prevenção primária, que se encontram na
primeira linha do movimento nascente a favor da literacia emocional.
Os seus esforços para dar às crianças melhores capacidades
sociais e emocionais e para recriar escolas como ambientes mais
humanos foram verdadeiramente inspiradores. Entre eles contamse
Mark Greenberg e David Hawkins, da Universidade de
Washington; David Schaps e Catherine Lewis, do Development
Studies Center em Oakland, Califórnia; Tim Shriver, do Yale
Child Studies; Roger Weissberg, da Universidade do Illinois em
Chicago; Maurice Elias, da Rutgers; Shelly Kessler, do Goddard
Institute in Teaching and Learning, em Boulder, Colorado; Chevy
Martin e Karen Stone McCown, do Nueva Learning Center, em
Hillsborough, Califórnia, e Linda Lantieri, directora do National
Center for Resolving Conflict Creatively, em Nova Iorque.

418
INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

Tenho uma dívida especial para com aqueles que reviram e comentaram
partes deste manuscrito: Howard Gardner, da Graduate
School of Education da Harvard University; Peter Salovey, do
departamento de psicologia da Yale University; Paul Ekman, director
do Human Interaction Laboratory da Universidade da
Califórnia em São Francisco; Michael Lerner, director do cornmonwealth,
em Bolinas, Califórnia; Denis Prager, na altura director
do programa de saúde na John D. and Catherine T. MacArthur
Foundation; Mark Gerzon, director da Common Enterprise,
Boulder, Colorado; Mary Schwab-Stone, Child Studies Center,
Yale University School of Medicine; David Spiegel, Departamento
de Psiquiatria, Stanford University Medicai School; Mark
Greenberg, director do Fast Track Program, Universidade de
Washington; Shoshona Zuboff, Harvard School of Business; Joseph
LeDoux, Center of Neural Science, Universidade de Nova Iorque;
Richard Davidson, director do Psychophysiology Laboratory,
Universidade do Wisconsin; Paul Kaufman, Mind and Media,
Point Reyes, Califórnia; Jessica Brackman, Naomi Wolf e, especialmente,
Fay Goleman.

Tive a ajuda erudita de Page DuBois, da Universidade da


Califórnia do Sul; Mathew Kapstein, filósofo nas áreas de ética e
religião na Columbia University, e Steven Rockfeller, o intelectual
biógrafo de John Dewey, do Middlebury College. Joy Nolan compilou
apontamentos sobre episódios emocionais; Margaret Howe e
Annette Spychalla prepararam o Apêndice sobre os efeitos dos
currículos de literacia emocional. Sam e Susan Harris facultaram
equipamento essencial.

Os meus editores no New York Times ao longo da última década


apoiaram-me maravilhosamente nas minhas muitas pesquisas
sobre novas descobertas na área das emoções que apareceram
pela primeira vez nas páginas do jornal e que enformam muito
deste livro.

Toni Burbank, o meu editor na Bantam Books, oferece o entusiasmo


e a segurança editoriais que apuraram a minha resolução e
pensamento.

E a minha esposa, Tara Bennett-Goleman, proporcionou-me o


casulo de ternura, amor e compreensão que permitiu a este projecto
crescer e concretizar-se.

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