Você está na página 1de 6

Corpo de Guardas Municipais Permanentes da Corte

Publicado: Sexta, 11 de novembro de 2016

O Corpo de Guardas Municipais Permanentes da Corte, também chamado Corpo Policial


da Corte e Corpo Militar de Polícia da Corte, foi criado pelo decreto de 22 de outubro de
1831 com a finalidade de manter a tranquilidade pública e auxiliar a Justiça (BRASIL,
1875a, art. 1º). Essa força policial substituiu a Divisão Militar da Guarda Real da Polícia
no Rio de Janeiro, extinta em 1831, cujas unidades se amotinaram contra o governo na
esteira das rebeliões que se seguiram à Abdicação de d. Pedro I no dia 7 de abril daquele
ano.
A Divisão Militar da Guarda Real da Polícia foi criada pelo decreto de 13 de maio de
1809 para auxiliar o Intendente/Intendência Geral de Polícia da Corte e Estado do Brasil.
Instituído após a chegada da Corte portuguesa, esse órgão ficou responsável por uma
gama de atribuições relacionadas com segurança pública, salubridade, urbanização e
embelezamento da cidade, que, alçada à posição de nova sede do Reino português, passou
a ser objeto de intervenções do poder público, visando a organização de seu espaço urbano
e disciplinarização dos costumes orientados conforme os padrões de civilidade das
demais capitais europeias (CABRAL, 2011).
Essa força policial militarizada, subordinada ao intendente, tinha por tarefa o
cumprimento das suas determinações relativamente à manutenção da ordem, da
segurança e da tranquilidade pública. A Guarda Real ficou, portanto, responsável pelo
patrulhamento de determinadas áreas da cidade – trapiches, docas, alfândega, mercado de
escravos e de produtos alimentícios – e dos locais de sociabilidade propícios à reunião de
indivíduos pertencentes às camadas pobres da sociedade e escravos. Numa cidade como
o Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, constituída por uma parcela
significativa de cativos, manter a ordem e a tranquilidade pública significava controlar e
reprimir esse contingente populacional, especialmente na Corte. Assim, o então coronel
Miguel Nunes Vidigal, que ocupou primeiramente o posto de auxiliar de oficial sob o
comando de José Maria Rebelo, e seus granadeiros ganharam notoriedade à época em
virtude do policiamento ostensivo então realizado e pela truculência empregada na
repressão aos escravos.
A partir da década de 1820, as autoridades policiais adquiriram o direito legal de punir os
escravos praticantes da capoeiragem por meio dos açoites no ato da prisão, e aprisioná-
los no Calabouço, situado no Morro do Castelo, até que seus proprietários, desejando
reavê-los, pagassem os custos relativos ao período de aprisionamento. A composição
social dos praticantes da capoeiragem no Rio de Janeiro mudou ao longo do século XIX,
passando a contar também, entre as suas fileiras, com homens livres. Tal prática foi,
durante todo esse período, alvo da repressão policial (HOLLOWAY, 1997, p. 52-3 e 266-
7; LEAL, PEREIRA, MUNTEAL FILHO, 2010, p. 59; SOARES, 1994). A Polícia da
Corte capturava ainda os escravos fugidos e destruía seus quilombos, substituindo, assim,
na prática, o capitão-do-mato, que se tornara um instrumento de repressão pouco eficaz,
além de representar uma interferência privada inconveniente num assunto que
2
paulatinamente passou a ser da área de atuação do poder público.
Com a abdicação de d. Pedro I, em 7 de abril de 1831, completou-se o processo de
emancipação política do país, inaugurando uma grave crise seguida imediatamente por
levantes, motins e revoltas, principalmente militares, que se estenderam até 1832. Desde
o 7 de abril, as ruas e praças da cidade haviam se tornado palco de inúmeras manifestações
em oposição ao governo, sendo uma das mais graves a que envolveu as unidades policiais
da Guarda Real.
A 14 de julho, suas tropas se amotinaram enquanto o governo ainda se encontrava às
voltas com a repressão aos soldados do 26º Batalhão de Infantaria do Exército Regular,
cuja rebelião ocorrera a 12 de julho. Além de exigirem o retorno dos revoltosos, que foram
obrigados a embarcar em navios deixando a cidade, a Guarda Real reivindicava o fim dos
castigos físicos aplicados nas forças armadas. Após invadirem as ruas da capital
promovendo toda sorte de atos ilícitos – como saques em lojas e agressão contra os
transeuntes – as tropas rebeldes da Guarda Real se dirigiram ao Campo de Santana,
seguidas por uma multidão composta de civis, onde permaneceram amotinadas por alguns
dias, somadas a parte das unidades militares enviadas inicialmente para reprimi-los,
totalizando, assim, perto de quatro mil manifestantes dos mais diversos matizes conforme
registraram os periódicos da época.
A 17 de julho de 1831, portanto, a Guarda Real de Polícia foi extinta, depois de vinte
anos atuando como uma força policial militarizada no patrulhamento urbano, na proteção
ao patrimônio público e à propriedade, no controle e repressão da população escrava e
dos comportamentos considerados indesejáveis à segurança e à ordem públicas então
vigentes.
O Corpo de Guardas Municipais Permanentes, que sucedeu a Guarda Real, foi instituído
por Diogo Antônio Feijó, sendo formado por voluntários civis saídos, em geral, das
fileiras dos homens livres de baixa renda, alistados entre os cidadãos brasileiros de 18 a
40 anos de boa conduta, moral e política, podendo servir por tempo indeterminado, porém
podiam ser demitidos pelo Governo na Corte e pelos presidentes nas províncias, onde tais
corpos fossem criados, ou nos casos de sentença condenatória.
Subordinadas ao ministro da Justiça, suas praças eram bem remuneradas, e suas faltas
disciplinares deixaram de ser punidas com os castigos corporais (açoites) então vigentes
nas forças armadas. Os que transgredissem a rígida disciplina imposta ou apresentassem
um comportamento considerado inapropriado às regras da corporação eram punidos,
conforme o decreto de 22 de outubro de 1831, com severas penas de prisão, podendo ser
acrescidas, em alguns casos, a obrigatoriedade do trabalho, e a demissão (HOLLOWAY,
1997, p. 93). Diogo Feijó imprimiu sua marca a essa nova força policial cujo viés liberal
foi expresso no exercício tolerável da violência praticada por esses agentes, distinguindo-
os, assim, dos membros da extinta Guarda Real na sua tarefa de manter a ordem e a
segurança pública.
O patrulhamento da cidade se iniciou em novembro de 1831, sendo realizado pela
Infantaria nas ruas da cidade, e nos subúrbios pela Cavalaria. Os “permanentes” – como
ficaram conhecidos os policiais militares da capital – atuavam na repressão às reuniões
ilícitas com mais de três indivíduos ou às que ocorressem à noite sem a devida permissão
3
das autoridades policiais, onde participassem mais de cinco pessoas, conforme
determinado pela lei de 6 de junho de 1831. Controlavam a população que afluía aos
eventos públicos autorizados, prendiam os indivíduos envolvidos em distúrbios contra a
ordem civil, os que portassem armas e os que por suas atitudes ofendessem a moral
pública então imposta.
Conforme o regulamento de 22 de outubro de 1831, do estado-maior do Corpo de Guardas
Municipais, constavam um comandante-geral, com graduação de tenente-coronel, um
ajudante, um cirurgião-mor e seu ajudante, um secretário e um quartel-mestre. Para
realizar as atribuições ligadas ao policiamento urbano, o regulamento previu a existência
de quatro companhias de infantaria, composta, cada uma, de 100 soldados, e duas de
cavalaria, composta, cada uma, de 75 soldados. No entanto, um ano após a sua criação,
os “permanentes” contavam com 163 soldados na cavalaria e 191 na infantaria, e sete
homens servindo no quartel-general, totalizando 361 componentes. Em 1834, havia na
cavalaria 169 e na infantaria 279, e nove no quartel-general, somando 457 homens.
Apesar de a força policial desse período ter tido um maior número de alistados, seus
comandantes reclamavam constantemente junto às autoridades civis sobre a dificuldade
de os soldados realizarem a contento todas as incumbências ligadas ao policiamento
urbano – que ia desde as mais rotineiras, como a vigilância dos chafarizes e fontes
públicas e a prisão de bêbados e mendigos até a repressão armada a rebeliões militares e
movimentos políticos de oposição civil ao governo – contando com um número
insuficiente de pessoal (HOLLOWAY, 1997, p. 132-3).
O primeiro comandante interino dos “permanentes” foi o coronel do Exército Teobaldo
Sanches Brandão, seguido pelo major Luís Alves de Lima e Silva (1832-1839), o futuro
duque de Caxias, sendo este responsável por consolidar a recém-criada corporação. Logo
no início do seu comando, em julho de 1832, o major Lima e Silva enfrentou com êxito
mais uma revolta militar que ocorreu na capital do Império, a Abrilada, e sufocou uma
conspiração engendrada pelo Partido Restaurador. Redefiniu o campo de atuação do
Corpo de Guardas Municipais relativamente à Guarda Nacional dirimindo, assim, os
conflitos provenientes da sobreposição de jurisdição e comando entre essas duas
corporações armadas que atuavam concomitantemente no policiamento das ruas nos
casos em que a Guarda Nacional prestava auxílio aos soldados de polícia devido ao deficit
de pessoal dessa corporação. Tal quadro deficitário permaneceu ao longo do período, pois
em muitas ocasiões o chefe de Polícia pediu ao Ministério da Justiça que requeresse tropas
do Exército para suplementar o serviço de patrulha realizado pelos permanentes na Corte
(HOLLOWAY, 1997, p. 100-102; 133, 167).
No Segundo Reinado (1840-1889), o Corpo de Guarda Municipais já havia se
transformado num instrumento de coerção nas mãos do Estado, atuando não só nas tarefas
ligadas ao policiamento urbano, mas também como força armada no combate aos
opositores do regime e em casos de guerra. Em 1842, o Corpo de Guardas Municipais foi
enviado para pacificar as revoltas liberais que ocorreram nas províncias de São Paulo e
Minas Gerais, sendo o sucesso da missão reconhecido, posteriormente, pelo imperador d.
Pedro II por meio da autorização para que a corporação portasse o estandarte do Império.
Mais tarde, na década de 1860, quinhentos homens do seu 31º Batalhão saíram do Quartel
dos Barbonos para se unirem às tropas brasileiras na Guerra do Paraguai (1864-1870),
4
participando de várias batalhas (LEAL, PEREIRA, MUNTEAL FILHO, 2010, p. 69-71).
Em 1858, por meio do decreto n. 2.081, de 16 de janeiro, o Corpo de Guardas Municipais
passou a se chamar Corpo Policial da Corte. Podiam ingressar nessa força todos os
cidadãos brasileiros que tivessem boa conduta e vigor físico para atuar no serviço de
patrulha e rondas em vários pontos da cidade, com idade de 17 a 45 anos, e os estrangeiros
de bom comportamento com dois anos de residência no Brasil. Os voluntários serviriam
por um período de três anos, podendo ser estendido por mais dois. Quando o alistamento
voluntário não suprisse o número necessário ocorreria o recrutamento entre as praças do
Exército. No que se refere às penas disciplinares aplicadas, os castigos corporais
continuavam proibidos como meio de punição conforme já havia sido determinado pelo
regulamento de 22 de outubro de 1831.
Em 1866, o decreto n. 3.598, de 27 de janeiro, reorganizou a força policial da Corte
dividindo-a em dois corpos, um militar e outro civil. O Corpo Policial da Corte passaria
a ser então o novo Corpo Militar de Polícia da Corte. Já o corpo paisano, ou civil,
subordinado ao chefe de Polícia, foi denominado Guarda Urbana. As idades para o
alistamento na força policial militar foram alteradas, passando a 16 e 50 anos, sendo
estipulado, ainda, que o número de estrangeiros não podia ultrapassar um terço do pessoal
efetivo da corporação. Na década de 1880, o novo regulamento para o Corpo Militar de
Polícia da Corte, baixado pelo decreto n. 9.395 de 7 de março, previu que essa força seria
composta por 1.008 homens e 182 cavalos, formada por oito companhias, sendo duas de
cavalaria e seis de infantaria. Podiam assentar praça nessa corporação, os cidadãos
brasileiros de boa conduta que possuíssem vigor físico para o serviço, com idade de 18 a
45 anos. Os estrangeiros poderiam se engajar desde que tivessem pelo menos dois anos
de residência no Brasil. O tempo de engajamento seria de três anos, podendo ser
estendido, em caso de bom comportamento, por mais dois. A partir da análise de alguns
documentos como os regulamentos gerais e as instruções operacionais, a historiografia
ressaltou que não havia indicação clara de discriminação no que se referia ao alistamento
dos futuros soldados policiais ou nas condições dos serviços a serem executados. Pelo
contrário, a composição daqueles que assentaram praça no Corpo Militar de Polícia da
Corte, na segunda metade do século XIX, mostrou que havia sim uma diversidade racial
e étnica notável, representada pela presença de negros e mulatos e uma percentagem
significativa de estrangeiros, alistados predominantemente entre os portugueses (36%),
além de espanhóis e italianos, embora em menor proporção. Esse contingente apresentava
alguns quesitos em comum como a condição livre, um estado de saúde compatível com o
serviço e pertenciam todos à mesma categoria social inferior constituída pelos homens
pobres, que também eram o alvo da repressão policial no período (HOLLOWAY, 1997,
p. 163).
No último regulamento do período imperial, o decreto n. 10.222, de 5 de abril de 1889,
foi previsto um aumento do contingente do Corpo Militar de Polícia, responsável por
zelar pela segurança pública e manutenção da ordem em todo o Município Neutro, com
1.487 praças e 315 cavalos, visando suprir a carência de pessoal que devia realizar as
rondas e o patrulhamento da cidade. As condições para o alistamento voluntário ficaram
mais restritivas, tendo sido alterados alguns quesitos como a preferência ao engajamento
das ex-praças do Exército, da Armada e do corpo de bombeiros entre os indivíduos que
tivessem ofício aproveitável ao serviço do Corpo Militar de Polícia e que soubessem ler
5
e escrever. O contingente de estrangeiros da corporação permanecia limitado a um terço
do pessoal efetivo e, além de já residirem no país por mais de dois anos, deviam apresentar
domínio da língua portuguesa.

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa


5 dez. 2015

Bibliografia

Brasil. Lei de 10 de outubro de 1831. Autoriza a criação de corpos de Guardas Municipais


voluntários nesta cidade e províncias. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de
Janeiro, parte 1, p. 129-130, 1875a.
____. Decreto de 22 de outubro de 1831. Dá regulamento ao Corpo da Guardas
Municipais permanentes da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro,
parte 2, p. 48-51, 1875b.
____. Regulamento n. 191, de 1º de julho de 1842. Regula a organização e disciplina da
Guarda Municipal Permanente. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro,
tomo V, parte 2, p. 353-375, 1842.
____. Decreto n. 2.081, de 16 de janeiro de 1858. Regula a organização e disciplina do
corpo policial da corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte
2, p. 26-49,1858.
____. Decreto n. 3.598, de 27 de janeiro de 1866. Reorganiza força policial da corte,
dividindo-a em dois corpos, um militar outro civil. Coleção das leis do Império do Brasil,
Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 45-55,1866.
____. Decreto n. 9.395, de 7 de março de 1885. Dá novo Regulamento para o Corpo
Militar de Polícia da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p.
301-328, 1885.
____. Decreto n. 10.222, de 5 de abril de 1889. Dá novo Regulamento para o Corpo
Militar de Polícia da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1,
parte 2, p. 399, 1889.
BRETAS, Marcos Luiz. A polícia carioca no Império. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
v. 12, n. 22. p. 219-234, 1998. Disponível em: <https://goo.gl/7jrijG>. Acesso em: 12 jun.
2008.
CABRAL, Dilma. Intendente/Intendência de Polícia da Corte e do Estado do Brasil. In:
Dicionário Online da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822).
Disponível em: <https://goo.gl/E8vT1t> Acesso em: 14 set. 2015.
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade
6
do século XIX. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.
LEAL, Ana Beatriz; PEREIRA, Íbis Silva, MUNTEAL FILHO, Oswaldo (Org.). 200
anos – Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010.
SILVA, José Luiz Werneck da. A polícia no município da Corte. In: NEDER, Gizlene. A
polícia na Corte e no Distrito Federal, 1831-1930: estudo das características histórico-
sociais das instituições policiais brasileiras. Rio de Janeiro: Departamento de
História/PUC, 1981. p. 1-227.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de
Janeiro 1850-1890. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral
de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1994.

Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo
Nacional
BR RJANRIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR RJANRIO 23 Decretos do Executivo – Período Republicano
BR RJANRIO OI Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR RJANRIO 4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR RJANRIO 0E Polícia da Corte
BR RJANRIO 8M Série Agricultura – Administração (IA2)
BR RJANRIO 9V Série Guerra – Quartéis (IG8)
BR RJANRIO AF Série Justiça – Administração (IJ2)
BR RJANRIO AM Série Justiça –Polícia – Escravos – Moeda Falsa – Africanos (IJ6)

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações
entre 1889-1930, consulte o verbete Regimento Policial da Capital Federal

Você também pode gostar