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A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apresenta anualmente a

Campanha da Fraternidade como caminho de conversão quaresmal. O tema


para a Quaresma de 2020 é “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso“, e o
lema é “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele“, em referência à parábola do bom
samaritano (Lc 10,34-35). O cartaz da campanha destaca a imagem de Santa
Dulce dos Pobres, uma das mais representativas e impactantes
personificações da caridade cristã levada à prática em nosso país.

O bom samaritano

A propósito da inspiração do lema na parábola do bom samaritano, o portal


católico Kairós publicou um texto do qual reproduzimos o seguinte extrato:

“Um doutor da Lei se levantou e, para experimentar Jesus, perguntou: ‘Mestre,


que devo fazer para herdar a vida eterna?’ Jesus lhe disse: ‘Que está escrito
na Lei? Como lês?’. Ele respondeu: ‘Amarás o Senhor; teu Deus, de todo o teu
coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu
entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo!’. Jesus lhe disse:
‘Respondeste corretamente. Faze isso e viverás’. Ele, porém, querendo
justificar-se, disse a Jesus: ‘E quem é o meu próximo?’. Jesus retomou: ‘Certo
homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes, que
lhe arrancaram tudo, espancaram-no e foram embora, deixando-o meio morto.
Por acaso descia por aquele caminho um sacerdote, mas ao ver o homem,
passou longe. Assim também um levita: chegou ao lugar, viu o homem e
seguiu adiante pelo outro lado. Um samaritano, porém, que estava viajando,
chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e
tratou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho. Depois, colocou-o sobre
seu próprio animal e o levou a uma hospedaria, onde cuidou dele. No dia
seguinte, pegou dois denários e deu-os ao dono da hospedaria,
recomendando: Cuida dele, e o que gastares a mais, eu o pagarei quando eu
voltar. No teu parecer, qual dos três fez-se o próximo do homem que caiu nas
mãos dos assaltantes?’. Ele respondeu: ‘Aquele que usou de misericórdia para
com ele’. Então Jesus lhe disse: ‘Vai e faze o mesmo’” (Lc 10,25-37).

Essa parábola, proposta por Jesus em seu caminho de subida a Jerusalém (Lc
9,51-19,27), é parte da explicação do que seria necessário fazer para entrar na
vida eterna. Esse tipo de questionamento era muito comum naquele tempo já
que existiam mais de 613 leis e outras prescrições pontuais a serem cumpridas
para se chegar a esse fim. Por essa razão, vendo a impossibilidade de cumprir
fielmente todos os mandamentos, o doutor da lei questiona Jesus sobre o que
realmente não poderia deixar de ser feito para herdar a vida eterna.

“Que devo fazer?” A busca pelo cumprimento exato das prescrições da lei
deveria ser seguida do esforço pessoal para colocá-las em prática. Diante da
questão, Jesus responde com uma nova pergunta com a qual indaga sobre o
conteúdo das Escrituras. O que elas dizem sobre o que fazer para herdar a
vida eterna?

A resposta oferecida pelo doutor da lei a Jesus conecta Dt 6,5 a Lv 19,18


criando um mandamento único composto de duas partes: “Amarás o Senhor;
teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e
com todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo’’ (Lc 10,27).

A Jesus não interessava inserir um novo ensino teórico sobre os deveres em


relação ao mandamento do amor a Deus e ao próximo. Diante da segunda
pergunta do doutor da lei, “Quem é meu próximo?”, Jesus propõe uma nova
perspectiva e uma nova possibilidade de realizar tal mandamento, divergindo
do que havia sido proposto.

Os mestres fariseus já haviam ensaiado muitas vezes respostas sobre quem


seria o próximo citado em Lv 19,18. No entanto, suas respostas oscilavam
sempre entre as ligações nacionais, étnicas, afetivas, sociais e religiosas. No
texto do Antigo Testamento, o próximo era o compatriota, membro do povo de
Deus e também aquele que tinha sido inserido no povo na medida em que
assumia sua religião e seus costumes (Lv 19,33-34).

A parábola do samaritano é composta por cinco personagens anônimos,


indicados apenas por suas etnias ou funções, e ocorre em um local de fácil
compreensão para alguém daquele tempo. Por isso, embora seja uma
parábola, a história narrada possui grande possibilidade de ter sido, ao menos
em parte, um fato que realmente aconteceu na estrada que ligava Jericó a
Jerusalém. Um homem, vítima de salteadores, é deixado quase morto, à beira
da estrada. O fato de ter sido agredido leva a pensar na possibilidade de ter
resistido ao assalto, o que lhe teria ocasionado a agressão quase fatal e o
abandono à beira da estrada, não sendo mais capaz de fazer algo por si
mesmo.

Dois transeuntes oriundos do templo, o sacerdote, responsável pelos


sacrifícios, e o levita, responsável pela animação da liturgia, retornam de
Jerusalém após concluírem seus turnos de trabalho e agem com indiferença
diante daquele que jaz sofrendo à beira da estrada. Não se descreve o motivo
da indiferença. Poderia ser por motivos culturais, religiosos [se fossem
contaminados com o sangue ou o homem viesse a morrer, ficariam impuros
(Lvl5; 21,11)], ou simplesmente por não desejarem interromper a viagem, não
mudarem seus planos, não terem seu trajeto e horário prejudicados por esse
acontecimento. De qualquer forma, é dito que viram o homem e se
distanciaram dele, seguindo o trajeto anteriormente proposto.

Um samaritano que passava, ao ver o homem, sentiu compaixão. Essa


compaixão nasceu do seu modo diferente de olhar, do seu modo diferente de
perceber aquela realidade. Essa compaixão o levou a se aproximar do homem,
gastar tempo, modificar parcialmente sua viagem, tudo para não ser indiferente
com aquele que sofria diante dele. Os cuidados práticos descritos na parábola
são emergenciais: desinfeta as feridas com vinho e alivia a dor com o óleo,
costumes daquele tempo; transporta o homem até a hospedaria e paga as
despesas de sua estada.

A postura inesperada do samaritano contém o centro do ensinamento de


Jesus: o próximo não é apenas alguém com quem possuímos vínculos, mas
todo aquele de quem nos aproximamos. E todo aquele que sofre diante de nós.
Não é a lei que estabelece prioridades, mas a compaixão que impulsiona a
fazer pelo outro aquilo que é possível, rompendo, dessa forma, com a
indiferença. A fé leva necessariamente à ação, à fraternidade e à caridade.

A vida nos traz oportunidades de concretizar a fé em atitudes bem específicas.


Para perceber os outros, principalmente em suas necessidades, não bastam os
conceitos, mas, sim, a compaixão e a proximidade. Não se deve questionar
quem é o destinatário do amor. Importa identificar quem deve amar e não tanto
quem deve ser amado, pois todos devem ser amados, sem distinção. Não
importa quem é o próximo. Importa quem, por compaixão, se torna próximo do
outro (Lc 10,36). A medida do amor para com o próximo não é estabelecida
com base em pertença religiosa, grupo social ou visão de mundo. Ela é
estabelecida pela necessidade do outro, acolhendo como próximo qualquer
pessoa de quem se possa acercar com amor generoso e operativo. Isso abre
uma nova perspectiva nos relacionamentos, excluindo a indiferença diante da
dor alheia.

No final da narrativa (do samaritano), Jesus se dirige novamente ao doutor da


lei com uma nova pergunta: “No teu parecer, qual dos três fez-se próximo do
homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lc 10,36). Desse modo, afirma
Papa Francisco, Jesus inverte a pergunta do seu interlocutor e também a lógica
de todos nós. Cristo nos faz entender que não somos nós, com base em
nossos critérios, que definimos quem é o próximo e quem não é, mas é a
pessoa em situação de necessidade a quem devemos reconhecer como
próximo, isto é, usar de misericórdia para com ela.

Via Aleteia

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