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Antonio F. Sanjuliani
Marcia R. S. G. Torres
Livia N. Paula
Fabiana B. Bassan
diabetes mellitus, a insuficiência renal crônica bição da ECA ou do bloqueio dos receptores
e o acidente vascular encefálico1. AT1 e uma nova expectativa com a introdução
Novos componentes do SRA ainda estão dos bloqueadores de renina. Assim, o SRA
sendo revelados. O clássico SRA tem início na parece regular mais e diferentes funções fisio-
ação de uma renina circulante atuando sobre o lógicas que se pensava anteriormente.
angiotensinogênio para produzir a angiotensi-
na (Ang) I que é convertida em angiotensina II principais componEntEs do sra
(Ang II) através da enzima conversora da an- A renina, o angiotensinogênio, a ECA, a
giotensina (ECA)1. Acreditava-se que a Ang II, ECA2, as angiotensinas e os receptores que
ainda o principal componente efetor do SRA, fazem a mediação das ações das angiotensinas
atuava somente como um hormônio circulan- são os principais componentes do SRA. A re-
te via receptores AT1 e AT22. Uma revisão de nina, uma protease produzida exclusivamente
conceitos emergiu após a demonstração de pelas células justaglomerulares dos rins, hi-
que tanto a renina como o angiotensinogênio drolisa o angiotensinogênio, um substrato de
estão presentes em inúmeros tecidos como os renina produzido pelo fígado, para Ang I, um
vasos sanguíneos, o cérebro, o coração, os rins, decapeptídeo, que é convertido pela ECA para
as adrenais e os órgãos reprodutores2. Esses o octapeptídeo Ang II1. Além da ECA, outra
achados sugerem que o SRA é composto por protease, a quimase, pode proporcionar uma
um duplo e independente sistema regulatório via alternativa para conversão da Ang I para
circulante e tecidual. Entretanto, essa divisão Ang II. Também tem sido descrito que a partir
sob a ótica funcional pode gerar alguma con- da Ang I ou da Ang II, outros metabólitos
fusão, uma vez que pode existir a possibilidade como a Ang III, Ang IV e Ang 1-7 podem ser
da captação de componentes circulantes pelos gerados (Fig. 1)1. A interação da Ang II com
tecidos e também a liberação de peptídeos
os receptores AT1 ativa numerosos processos
gerados nos tecidos para a circulação. Atu-
celulares induzindo a vasoconstricção, a ge-
almente, um SRA mais complexo tem sido
ração de espécies reativas de oxigênio (ROS),
revelado com o avanço de novas ferramentas
a inflamação vascular, o remodelamento car-
genéticas e moleculares, inclusive alguns
díaco e vascular e a produção de aldosterona
estudos têm sugerido a presença de um SRA
que contribuem não somente para a gênese da
intracelular (sistema hormonal intracrino)2.
HA, mas também para acelerar os danos nos
Outros componentes do SRA, com fun-
chamados “órgãos-alvo”1.
ções biológicas, têm sido identificados: a
angiotensina 2-8, um heptapeptídeo (Ang açõEs da rEnina E pró-rEnina
III), parece ter funções semelhantes à Ang mEdiadas por rEcEptorEs
II 1. A angiotensina 3-8, um hexapeptídeo
(Ang IV), provavelmente exerce suas ações Na visão clássica do SRA, a pró-renina
via receptores amino-peptidase regulada pela era considerada uma precursora inativa da
insulina. Finalmente, a angiotensina 1-7 (Ang renina, e cuja função atribuída a ela renina,
1-7) atua via receptores “Mas” e apresenta era unicamente gerar a Ang I através da
efeitos vasodilatores e anti-hipertensivos, biodegradação do angiotensinogênio. Novos
com características contrarreguladoras das conceitos, entretanto, apontam efeitos tóxi-
ações da Ang II3. A descoberta de uma nova cos tanto da renina como da pró-renina no
enzima conversora da angiotensina, a ECA2, coração e nos rins.
foi um importante complemento para esse A pró-renina, em seu estado original, é
cenário, assim como a recente descoberta dos inativa pelo fato da estrutura da sua cadeia de
receptores de renina que nos trouxeram uma aminoácidos ser fechada e, consequentemen-
visão extremamente complexa do SRA4. te, impedir a fixação do angiotensinogênio.
A importância do SRA nas doenças car- Nos rins, a pró-renina inativa é convertida
diovasculares também tem sido demonstrada em renina ativa através da quebra enzimática
por inúmeros ensaios clínicos, através da ini- desses aminoácidos que estavam fechados5.
Por outro lado, quando a pró-renina circu- nismo para a gênese da HA, assim como a
lante fixa-se ao receptor de pró-renina/renina pró-renina pode vir a ser um novo biomar-
no coração e rins, a cadeia de aminoácidos cador para as complicações vasculares da HA
da pró-renina é aberta, mas não quebrada; e do diabetes6.
há, então, a ativação total da pró-renina.
Esse processo não enzimático de ativação da
açõEs EstaBElEcidas da
pró-renina resulta em aumento na produção angiotEnsina ii
de fator de crescimento tumoral β (TGF-β) A Ang II é o principal peptídeo efetor do
induzindo deposição de colágeno e fibrose5. SRA e exerce suas ações via receptores AT1 e
Interessantemente, todo esse processo AT2, que parecem mediar ações opostas, en-
mediado pelos receptores independe da ge- quanto os receptores AT1 mediam ações com
ração de Ang II e, consequentemente, não é consequências potencialmente deletérias, se
afetado pelos inibidores da ECA ou mesmo não forem apropriadamente contrabalancea-
pelos bloqueadores dos receptores AT1 da dos, os receptores AT2 parecem induzir ações
angiotensina (BRAs) 6. Há, também, a pos- protetoras, embora de relevância clínica ainda
sibilidade desses hipotensores induzirem o não totalmente esclarecida1.
aumento da pró-renina e da renina podendo A Ang II é a maior reguladora do equi-
contrapor o efeito cardioprotetor proporcio- líbrio hemodinâmico e da homeostase de
nados pela redução da atividade dos recepto- líquidos e do sódio e também participa, de
res AT16. Esse aumento reativo da pró-renina forma importante, no crescimento celular e do
e da renina também tem sido observado com processo de remodelamento cardiovascular1.
a utilização do inibidor direto da renina, o Assim, os receptores AT1, encontrados de for-
aliskireno, o bloqueio direto da renina pode ma abundante nos vasos, rins, coração, fígado
reduzir a sua capacidade de degradar o angio- e cérebro mediam a vasoconstricção, a sede,
tensinogênio e gerar Ang I, mas não inibe a a liberação de vasopressina e aldosterona, a
sinalização pró-fibrose induzida pelo receptor fibrose, o crescimento e a migração celular
de renina/pró-renina7. (Fig. 2)1. Mais recentemente, foi descrito que
Os níveis circulantes da pró-renina são, a Ang II pode ser responsável pela geração
aproximadamente, 100 vezes maiores que de radicais oxidativos e estar envolvida no
os da renina, e a ativação dos receptores da processo de inflamação, aterosclerose e en-
pró-renina pode ser um importante meca- velhecimento vascular (Fig. 2). O receptor
como por exemplo, o estímulo para liberação os estudos têm apontado que a Ang 1-7 tem
da vasopressina11. efeitos que se opõem aos da Ang II, particu-
Estudos experimentais em cães mos- larmente induzindo a vasodilatação, os efeitos
traram que a infusão sistêmica de Ang II antitróficos e a amplificação da vasodilatação
ou Ang III produz, com doses equivalentes, induzida pela bradicinina2. Numerosos estu-
efeitos semelhantes sobre a PA, a secreção de dos sugerem uma forte interação entre a Ang
aldosterona, a excreção de sódio e a atividade 1-7 e o sistema prostaglandina-bradicinina-
plasmática de renina. Entretanto, o clearance -óxido nítrico (NO)14. A Ang 1-7 liga-se ao
metabólico da Ang III foi cinco vezes supe- receptor Mas que media a vasodilatação e as
rior ao da Ang II, ratificando que a Ang II ações antiproliferativas desse heptapeptídeo3.
tem papel dominante como efetor no SRA O receptor Mas é o principal mediador das
circulante12. ações da Ang 1-7, sendo bloqueado espe-
cificamente pelo D-Ala-Ang 1-7 (A-799) e
angiotEnsina iv (3-8 hExapEptídEo) pelo D-Pro-Ang 1-7. Esse receptor possui
Conforme mostra a Figura 1, a Ang IV sete domínios transmembrana hidrofóbicos
pode ser gerada a partir da Ang III através acoplados à proteína G3.
da aminopeptidase M. Esse peptídeo bio- angiotEnsina (1-12)
logicamente ativo tem despertado grande
interesse após a descoberta dos receptores Mais recentemente, estudos japoneses
aminopeptidases regulados pela insulina conseguiram isolar, a partir de células do
(IRAP) que são um sítio de ligação e um intestino delgado de ratos, um novo pep-
provável receptor (AT4) da Ang IV 13. As tídeo derivado do angiotensinogênio. Esse
ações da Ang IV mediadas pelo IRAP (Fig. substrato derivado do angiotensinogênio foi,
2) incluem vasodilatação renal; aumento da inicialmente, chamado de “pró-angiotensina
expressão do inibidor do ativador do plas- 12”, como base em sua capacidade de ser um
precursor da Ang II, apesar disso, a termino-
minogênio-1 (PAI-1), da interleucina-6, das
logia aprovada foi de “angiotensina (1-12)”
moléculas de adesão intercelular (ICAM-1)
(Ang-[1-12])15. A presença da Ang (1-12) foi
e do fator de necrose tumoral α 13. Alguns
registrada, também, no fígado, pulmão, adre-
estudos sugerem, também, a importância da
nais, coração, cérebro e pâncreas, constatando,
Ang IV na regulação de funções cognitivas,
nesses órgãos, concentrações mais elevadas do
do metabolismo renal, do crescimento de fi-
que a concentração correspondente de Ang I15.
broblastos cardíacos, da célula endotelial e da
A capacidade da Ang (1-12) atuar como um
célula da musculatura lisa dos vasos, podendo
substrato endógeno para formação de Ang II
ter um importante papel na fisiopatologia das
decorreu, também, da observação de que o
doenças cardiovasculares1.
seu efeito vasoconstrictor foi prevenido pelo
angiotEnsina 1-7 hEptapEptídEo E bloqueio prévio do SRA com inibidor da ECA
ou com BRA tanto na circulação sistêmica
rEcEptor mas
quanto em aorta isolada16.
Durante vários anos, acreditava-se que a Assim, um novo nível de complexidade
Ang 1-7 era desprovida de ações biológicas, regulatória do SRA foi adicionado com a
sendo sua importância apenas enfatizada após demonstração da existência da Ang (1-12),
a descoberta da ECA2. Essa enzima, ECA2, é como um substrato alternativo, contribuindo
capaz de gerar Ang 1-7 a partir da Ang II; en- para formação da Ang II através de um meca-
tretanto a Ang 1-7 pode, também, ser formada nismo independente da renina. A formação e
a partir da Ang I ou Ang II por outras endo- o processamento de produtos biologicamente
peptidases (Fig. 1)2. Na década de 80, estudos ativos do SRA podem seguir as vias já descri-
em ratos mostraram que a Ang 1-7 podia in- tas anteriormente, entretanto a síntese da Ang
duzir a liberação de vasopressina de forma tão II e da Ang 1-7 pode ser determinada pela
efetiva quanto a Ang II. Mais recentemente, disponibilidade de formação da Ang (1-12) 15.
II parecem estar aumentados com o envelheci- um efeito proliferativo via estímulo da MAP
mento. A sinalização da Ang II via receptores quinase32.
AT1 aumenta a produção de colágeno dentro Além disso, tanto a hiperglicemia quanto
da parede arterial, reduz a atividade de formas a hiperinsulinemia ativam o SRA por aumen-
de nicotinamida-adenina fosfato oxidase e tarem a expressão do angiotensinogênio, da
aumenta a migração de células da musculatura Ang II e do receptor AT1, podendo contribuir
lisa dos vasos29. para o desenvolvimento da hipertensão em
A Ang II pode, também, induzir a for- indivíduos com resistência à insulina32. Adi-
mação das ROS, podendo contribuir para a cionalmente, a Ang II agindo via receptores
doença vascular e cardiovascular relacionadas AT1 é uma potente estimuladora da NADPH
ao envelhecimento30. O aumento na formação oxidase, que parece já estar aumentada em
dos ROS ativa a metaloprotease e induz menor estados hiperglicêmicos, uma das principais
biodisponibilidade de óxido nítrico e, conse- fontes das ROS. Esse aumento do estresse
quentemente, disfunção endotelial30. Esses oxidativo provoca disfunção endotelial, in-
dados sugerem que a Ang II pode ter um papel flamação, hipertrofia da musculatura lisa dos
central em muitos estímulos que influenciam vasos e remodelamento vascular32. Também
o envelhecimento arterial. tem sido proposto que o estresse oxidativo
Recentemente, observou-se que o trata- pode estimular a formação de produtos finais
mento com um inibidor da ECA (enalapril) ou da glicação avançada, formados através da
um BRA (losartan) em ratos machos Wistar, glicação não enzimática de aminoácidos sobre
durante 18 meses ou ao longo da vida desses proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. Essas
animais, resultou em prolongamento da vida moléculas podem ter um papel importante
em 21% (enalapril) e 19% (losartan) compa- na patogênese da lesão vascular dos estados
rado com animais controle não tratados31,22. hiperglicêmicos, dependendo, pelo menos
Como a diferença da duração da vida parece em parte, da geração das ROS dependente de
não poder ser explicada por efeito sobre a NADPH32.
proteção cardiovascular, os autores especu- Essas bases fisiopatológicas da interação
lam que o prolongamento da vida possa ser entre o SRA e a sinalização da insulina moti-
decorrente da redução na formação de ROS e varam a exploração terapêutica da inibição do
do processo oxidativo decorrentes da inibição SRA, pelos IECA ou pelos BRAs, não somente
do SRA30. no controle da HA, mas também no melhor
controle do metabolismo da glicose e da
intEração do sistEma rEnina- insulina32. Vários estudos com IECA e BRAs
angiotEnsina E a insulina mostraram a possibilidade dessas drogas
serem efetivas em aumentar a sensibilidade
Um considerável número de evidências
à insulina e o controle glicêmico, reduzir a
sugere que a Ang II pode modular as ações
inflamação e a disfunção endotelial e dimi-
da insulina. Uma complexa interação celular
nuir a incidência de novos casos de diabetes
entre o SRA e a sinalização da insulina inclui
tipo 233,34.
uma via de sinalização compartilhada que
envolve o trifosfato inositol (PI3), a prote-
ína quinase ativada por mitógenos (MAP
conclusõEs
quinase) e a fosforilação dos substratos dos Desde a descoberta da renina no final do
receptores de insulina IRS1 e IRS2. A ativação século XIX até o encontro das mutações do
da fosforilação dos substratos do receptor da receptor AT2, da inter-relação entre o eixo
insulina (IRS1 e IRS2) ativa o PI3, enquanto ECA/Ang II/AT1 e o contrabalanço do eixo
a ativação do receptor da Ang II (AT1) inibe ECA2/Ang 1-7/Mas, e das potenciais ações
o IP3 quinase. Portanto, a ativação do SRA das mais recentes angiotensinas, as pesquisas
pode inibir as ações metabólicas da insulina nos induzem a concluir que o SRA é muito
via IP3 quinase e, sinergicamente, promover mais complexo e com uma dinâmica rede de
rEFErências
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aBstract
The renin-angiotensin system has long been
recognized as an important regulator of the sys-
temic blood pressure and the renal electrolyte
homeostasis. The classical renin-angiotensin
system consisted of circulating renin, acting
on angiotensinogen to produce angiotensin I,
which in turn was converted into angiotensin II
et al by angiotensin-converting enzyme. Angiotensin
II, still considered the main effector of renin-an-
giotensin system, was believed to act only as a
et al circulating hormone via angiotensin receptors,
AT1 and AT2. Local tissue renin-angiotensin
systems have been identified in most organs
and recently and evidence for an intracellular
et al
rennin-angiotensin system has been reported.
Others peptyde of these system have been shown
to have biological actions such as angiotensin
III, angiotensin IV and angiotensin 1-7 that
et al acts via Mas receptors. The recent discovery of
another angiotensin-convertin enzyme ECA2
and the renin receptors was an important com-
plement to this picture. These findings suggest
that the renin-angiotensin system is composed
of a dual, independently regulated, blood-borne
and tissue system.
KEY WORDS: Renin; Angiotensin; Aldos-
terone; Angiotensin converting enzyme; Aging.
Professor Titular de Clínica Médica da UERJ Márcia Regina Simas Gonçalves Torres
Nuricionista, Mestrado e Doutorado em
artigo 1: inflamação como Fisiopatologia Clínica e Experimental – CLINEX/
mEcanismo patogênico na UERJ
Antonio F. Sanjuliani
(Vide Editorial)
Mario F. Neves
Fernanda Medeiros
(Vide Editorial)
Professora Adjunto do Departamento de Nutrição
Aplicada, Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro