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IEW WPM [TEN SPA epUy “poqpN ed (S¥GIA SYSSON Volaafr¥d OWOD POUNSOWODTANOO) TOMA ee LENE) Lee, LEE Pia Mellody Andrea Wells Miller eJ. Keith Miller ENFRENTANDO A CODEPENDENCIA AFETIVA © Que £, Como Surge, Como Prejudica Nossas Vidas Tradugdo de Claudia Gerpe Duarte = (CIP-Brasil Catalogagtonsfonte ‘Sindinto Neon doe itores de Lavoe, Melia Pa Enestndnsofepndtnca eo e ‘om sue some pee re vids Pia Mey, ‘Rae el Miler Rech Mor tdan Candi Gee Das Ro de Jana Reseed enn Terps, 1995 “iaujd de Facing coeds Incluaptndceo bogaia 1 tL le, Ane Walls. ile. Kah Ts cop — ssa COU — siss9.08 58 ‘Titulo original norte-americano FACING CODEPENDENCE : What I Is, Where It Comes From, How It Sabotages Our Lives (Copyright © 1989 by Pia Mellody, Andrea Wells Miller, andJ. Keith Miller. Publicado mediante acordo com a Harper San Francisco, uma divisto da HarperCollins Publishers Inc. Direitos exclusives de publicagio em lingua portuguesa para 0 Brasil sadguirdos pela 'Bditora Rosa dos Tempos Um selo da DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVICOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 — 20921-380 Rio de Janeiro, RJ — Tel: 585-2000 {ue se reserva a propriedade literéria desta tradugo Tmpresso no Brasil * ISBN 85-01-04341.9 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL, (Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RI— 20922970 Para Jane Kiamy, minha mae substituta, que foi a primeira pessoa a me mostrar minha ‘falta de compreensiio de como sou preciosa. Com carinho, insimeras vezes, fez-me ver 0 ‘fato de que merego ser amada, acalentando-me quando ndo fui capaz de amar a mim mesma, e compartithou comigo 0 apoio de sua familia a medida que ela propria desenvolvia a consciéncia de sua preciosidade. Sumario Prefécio de Andrea Wells Miller e J. Keith Miller 9 Agradecimentos 15 Introdugiio: Como Tudo Comegou 17 PRIMEIRA PARTE: Os Sintomas da Codependéncia 27 1. Enfrentando a Codependéncia 29 2. Os Cinco Sintomas Nucleares da Codependéncia 34 3. De Que Modo os Sintomas Sabotam Nossa Vida 74 ‘SEGUNDA PARTE: A Natureza da Crianca 91 4. ACrianga Preciosa numa Familia Funcional 93 5. ACrianca Preciosa numa Familia Disfuncional 107 6. Dano Emocional do Abuso 125 7. De Geragio para Geraglo 145 ‘TERCEIRA PARTE: Ratzes da Codependéncia 153 8. Enfrentando o Abuso 155 9. Defesas Criadas para 0 Nao-Reconhecimento doAbuso 162 10, Abuso Fisico 177 11. Abuso Sexual 190 12. Abuso Emocional 213 13. Abuso Intelectual 222 14. Abuso Espiritual 227 QUARTA PARTE: Avangando em Diregdio a Cura 243 15. Tratamento Pessoal 245 Apéndice: Uma Breve Histéria da Codependéncia e um Exame da Literatura Psicol6gica 257 Referéncias Bibliogréficas 267 Prefacio Os sentimentos humanos normais como vergonha, medo, dor e raiva tornam-se tao exagerados em algumas pessoas, que as deixam quase sempre presas a um estado emocional marcado pela ansieda- de e pelos sentimentos de serem irracionais, disfuncionais, e/ou “malueas”. Estas pessoas também acham que deveriam fazer felizes aqueles que estio a sua Volta, e quando nao o conseguem, ‘@ma sensagdo de que so, de algum modo, “inferiores”” aos outros. Estas pessoas veem-se com freqliéncia reagindo excessiva- ‘mente aos avontecimentos cotidianos € tendo sentimentos bem mais, exacerbados do que os adequados a uma dada situagao. Quando algo assustador acontece, por exemplo,em vez de um medo normal, entram em panico ou tém ataques de ansiedade. Estes siltimos também podem ocorrer sem ““nenhum motivo”. Quando algum dos males normais da vida atravessa seus caminhos, a reacio delas poderd ser um profundo desespero, a desesperanga ou talvez pen- samentos ou comportamentos suicidas. E quando surge uma situa «io que despertaria habitualmente uma raiva apropriada e genufna, essa pessoas ds vezes tém uma violenta explosiio de ira. B durante cessas experiéncias emocionais extremas, quase sempre pensam: “Por que ele me trata dessa maneira? Sera que ele ndo percebe ‘como isso me machuca?” Mas nio conseguem controlar as explo- ses emocionais e ficam frustradas. Essas intensas reagdes emocionais amitide tém lugar por causa de experiéneias menos dramiticas da vida, como uma discussio com 0 cénjuge a respeito de qual filme iriam assistir on onde pasar as férias, O desespeto on a ira podem ser desencadeados pelo 9 desapontamento decorrente de comparecer a uma entrevista de emprego e ndo ser contratado, pela tristeza causada pela mudanga de um grande amigo para uma outra cidade ou, ainda, pela raiva de ter tido 0 canteiro de flores destrufdo pelo cachorro do vizinho. ‘Todas essas experiéncias podem suscitar reagdes emocionais que, Jonge de ser moderadas, vo de sentimentos intensos ¢ explosivos a uma meiga docura, até a auséncia de qualquer manifestagio ‘emocional. Mas estas duas reagdes aparentemente incontrolAveis sabotam a vida e 0s relacionamentos dessas pessoas. Existem hoje em dia muitas provas documentais que indicam que o estresse fisico causado pela convivéncia com sentimentos tolhidos ou explosivos pode contribuir para distarbios fisicos como a pressao alta, doencas cardfacas, artrte, enxaqueca, cfncer ¢ outros. O fator emocional da codependéncia pode niio apenas ssabotar nossa sate como também nossos relacionamentos. E, no entanto, essas pessoas agem como se acreditassemn que somente sendo "perfeitas” em tudo que fazem ou agradando aque- les que as rodeiam é que podetiio acalmar os sentimentos exagera- dos, incontrolveis ¢ irracionais que as tiranizam. Vivern na ilusdo de que os maus sentimentos (que as vezes consideram quase cesmagadores) poderio ser subjugados se elas simplesmente pude- rem “fazer melhor” ou conseguir a aprovagdo de certas pessoas importantes em sua vida. Através desta atitude, elas inconsciente- ‘mente tomam importantes essas pessoas, cuja aprovagdio passa a ser responsavel pela felicidade delas. Quando aqueles a quem elas tentam agradar “no apreciam o que estou fazendo por eles” e ndio dao sua decisiva aprovagio, os individuos emocionalmente tirani- zzados ficam furiosos. Mas como a opinio favordvel do aprovador em potencial é extremamente importante, esta raiva deve ser repri- mida. E embora nao se manifeste diretamente, a raiva precisa vir para fora “indiretamente”, através do sarcasmo, na negligéncia, das piadas agressivas ou ainda de outros comportamentos passivo- agressivos. Essas pessoas freqiientemente parecem ser delicadas e presta- tivas. Um exame majs minucioso, contudo, revela que elas t¢m dentro de si uma poderosa necessidade de controlar e manipular os 10 {que esto @ sua volta, fazendo com que estes the concedam a aprovacdo que acreditam precisar para suavizar seus sentimentos ‘esmagadores, Porém, no final das contas, seus esforcos sto imiteis, porque ninguém & capaz de eliminar a parte esmagadora de seus sentimentos. Podem chegar a acreditar que ndo exista esperanga para elas. Por outro lado, algo muito diferente acontece a algumas pes- soas com uma experiéncia bastante semelhante, Asemogies huma- nas normais se tomnam to reduzidas que essas pessoas praticamente no tm sentimentos — no sentem medo, dor, raivae vergonha, ¢ tampoucoalegria, prazere satisfagdo, Elas se arrastamentorpecidas pela vida dia apos dia. Na verdade, foram as familias de aleo6licos e de dependentes de outras drogas que chamaram a ateng’o dos terapeutas dos ccentros de tratamento para esses dois conjuntos de sintomas. Os ‘membros dessas familias pareciam, de um modo geral, atormenta- dos por intensos sentimentos de vergonha, medo, raiva e dor em seu relacionamento com 0 alcodlico ou viciado, foco principal da familia, Muitas vezes, porém, nd eram capazes de expressar esses sentimentos de uma maneirs saudével por causa da compulsdo de agradar e tomar conta do viciado. Seus esforgos estavam ostensivamente voltados para fazer 0 dependente ficar sGbrio ou livre das drogas. Entretanto, o relacio- namento entre a familia e 0 alcoélico também apresentava alguns aspectos irracionais comuns. Um deles eta que quase todos os ‘membros dessas familias tinham a enganosa esperanga de que se cconseguissem ser perfeitos ao “se relacionar” e “ajudar”” 0 alco6- lico, este abandoraria 0 vicio —e eles, os membros da fami ficariam livres de sua terrfvel vergonha, dor, medo e raiva. Mas esta estratégia nuncadeu certo. Mesmo quando oalcoslico deixava de beber, com freqiiéncia a familia continuava doente, aparentando, efetivamente, ressentir-se desta sobriedade. Algumas vezes, ela o sabotava. Era como se os membros da familia preci- sassem de que 0 viciado permanecesse doente e dependente deles ppara que pudessem, por sua vez, se manter dependentes dele na ul cesperanga de assim explicarem seus sentimentos negativos exage- rados. De algumas maneiras, o alcodlico ofenden direta ou indireta- mente os membros da familia através de seu comportamento ego- céntrico. Por vezes, 0 membro viciado da familia se mostrava de tal modo ofensivo, quer fisica, sexual ou emocionalmente, que qualquer pessoa normal teria abandonado o relacionamento. E este 0 segundo aspecto irracional do relacionamento dos membros dessas famflias com 0 viciado: eles nfo partiam e pareciam estar ‘presos com o dependente numa doenga conjunta. ‘Os membros da familia que permaneciam no relacionamento apesar das conseqiiéncias nocivas (0 abuso) se equiparavam a0 alcoslico — que continuava a beber apesar das conseqiiéncias pemiciosas. Dessa maneira, ficou claro que tal como 0 aleoslico dependia do dlcool para lidar com os sentimentos esmagadores de sua doenga, a familia dependia dele de uma forma doentia analogamente dependente. Em outras palavras, 0 aleo6lico e 0 codependente estavam tentando solucionar sintomas basicos idén- ticos da mesma doenga — o viciado através do dlcool ou das drogas © 0 codependente por meio do relacionamento obsessivo. Essa codependéncia com o viciado levou os terapeutas a com- preender que uma doenca dolorosa e mutiladora estava em ago — doenga esta que eles perceberam depois estar também atuando em inimeras famflias dos Estados Unidos que ndo tinkam nenkum ‘membro com dependéncia quimica. Acreditamos que essas pessoas sofredoras estdo sob o dominio de uma grave doenga fundamental chamada codependéncia. E apenas poucas tém uma no¢io a respeito da cura para os sintomas ‘mutiladores anteriormente descritos. E, contudo, as pessoas que sofrem de codependéncia muitas vezes acabam no desespero e, de fato, morrem por causa dele, Os atestados de ébito nunca especifi- cam 0 nome da doenga. Jé a hist6ria das vitimas esté repleta de desesperanga, suicfdios, “acidentes”, problemas cardiovasculares e doengas malignas relacionados com 0 autodesprezo, 0 estresse & também a raiva reprimida e sua companheira, a depressio. E dificil ao extremo perceber a doenga pelo exterior porque os 12 que dela sofrem usam uma mascara de adequago e sucesso desti- nada a obter a tao importante aprovacdo. Mas esses escravos de poderosos sentimentos compulsivos e aparentemente infundados cstio fadados a se envolver numa rotina infindével de fracasso pessoal ¢ intensas vivéncias de vergonha, dor, medo e raiva repri- mida. Com efeito, muitas pessoas, no esforgo de escapar desses sentimentos esmagadores, voltam-se &s drogas para entorpecer seu desconforto. Esto a caminho de se tomar alcoslicos ou viciados de outro tipo. Acreditamos que a codependéncia nfo apenas susten- ta como também alimenta esses vicios. Quando um aleoélico ou qualquer outro dependente consegue se libertar do vicio do agente «quimico ou desse comportamento, com freqléncia teré de enfrentar as conseqiiéncias e os sintomuas da codependéncia no caminho para a recuperagio, Nos tiltimos oito anos, Pia Mellody desenvolveu uma terapia ppara a codependéncia em The Meadows, um centro de tratamento para viciados em Wickenburg, no estado do Arizona. Ela conduziu pessoalmente centenas de pessoas que sofriam das agonias da codependéncia para a recuperaedo e a totalidade. Este livro no se [prope a apresentar uma hist6ria detalhada do desenvolvimento do cconceito de codependéncia nem argumentos que comprovem sua conidigo de doenga genuina. Seu objetivo é descrever a doenga da maneira como Pia Mellody a viu —a partir do interior —na vida de centenas de pacientes, inclusive nadela mesmo. (Embora os res autores tenfam contribuido para a producdo deste livro, Pia Mello- dy usou a primeira pessoa do singular para descrever a doengae a abordagem & recuperago aqui apresentada.) Os conceitos terapéuticos, métodos e abordagem eclética sto aapresentados na linguagem que saiu do caldeiraio da experiéncia de Pia Mellody relacionada com o combate & doenga e ni de uma base te6rica. Com efeito, esta nfo é de modo nenhum uma tentativa de projetar ou defender uma sintese mental te6rica. Os autores pretendem, em vez disso, (1) descrever a estrutura da doenga da codependéncia em fungdo da maneira como ela atua na vida coti- diana e nos relacionamentos e (2) indicar um modelo prético que 3 consiga curar as pessoas que sofrem dos sintomas. Fornecemos no final do livro um breve apéndice destinado as pessoas interessadas na hist6ria e desenvolvimento da nogéo da codependéncia na literatura psicolégica. ‘Muitos dos conceitos deste livro, como a ligagao da codepen- déncia ao abuso infantil bem como a descrigao de limites extemnos ¢ internos, foram formulados e usados por Pia Mellody pela primei- avez anos atrés. O fato de algumas de suas idéias terem se tornado ‘conhecidas e usadas entre terapeutas ¢ codependentes de todos os lugares em que chegaram suas palestras série de fitas (Permission to be Precious) é umtributo aos insights de Pia, e estamos satisfeitos, por trabalhar neste projeto que se destina a apresentar, de forma escrita organizada, as idéias dela e as nossas a respeito da codepen- déncia. Esperamos que, através da leitura destas piginas, aqueles ator- ‘mentados por esta doenga sejam capazes de enfrenté-Iae de conse~ ‘guir se recuperar, uma vez que as atitudes que tomamos para enfrentar a codependéncia ¢ transcrever a negagdo nos conduziu a0 inicio da esperanca e da recuperago em nossa Vida. Andrea Wells Miller J. Keith Miller Agradecimentos Quero agradecer, por suas contribuigdes, a meu marido Pat, que desempenhou um papel importante no desenvolvimento desses conceitos. O conceito de limites nasceu de conversas que tivemos a respeito das idéias dadas por sua mae para que se defendesse. ‘Além disso, uma razdo importante pela qual compreendi este ‘material foi o resultado do desafio de Pat ao proceso de minha doenga. Na qualidade de diretor de The Meadows, Pat possibili- tou-me iniciar a elaboragdo dessas idéias, conversando com outros codependentes em tratamento e ensinando-as na instituigao. ‘Também quero agradecer as centenas de colegas codependen- tes que compartilharam comigo sua histéria e que puseram em pratica estas idéias d medida que iam se desenvolvendo, manten- do-me informada de suas dores e sucessos. Sua cooperacdo, estt- ‘mulo e, por fim, os indicios de recuperacdo serviram para motivar e inspirar minha caminhada. ‘Ninguém se cura sozinho da codependéncia. Nos momentos sombrios em que me sinto afastada do apoio de outros seres ‘humanos, tenho profunda consciéncia da presenca protetora de um Poder Superior, sem o que, estou certa, estaria perdida, Pia Mellody (Os autores desejam agradecer ds seguintes pessoas: Roy Carlisle, que percebeu o escopo deste projeto e nos encorajou a prosseguir: Thomas Grady, cuja orientagdo com relagdo a sua estrutura foi inestimdvel; Valerie Bullock; Arlene Carter; Richard D. Grant, Jn; Carolyn Huffman; Charles Huffman e Kay Sexton que, ao lerem e comeniarem os primeiros rascunhos do original, nos ajudaram a esclarecer esses conceitos. Também queremos estender nossos agradecimentos a David Greene, que nos ajudou com a referéncia teoria dos circuitos elétricas no debate sobre a vergonha condu- zida. Uma vez que a decisao final com relagio a fraseologia a revisdo do texto & responsabilidade tanto de Pia Mellody quanto nossa, essas pessoas néo podem ser culpadas por nenhum erro ou ‘confusio que porventura ainda possa persistir. Andrea Wells Miller J. Keith Miller Introdugao: Como Tudo Comecou Ha varios anos, em 1977, estava tendo um nimero cada vez maior de problemas em meu relacionamento com pessoas importantes para mim, Meu relacionamento comigo propria também era dificil e doloroso, e eu ficava inquieta e sentindo muita raiva e medo. Estava tio ocupada tentando ser uma excelente esposa, mae, enfermeira e amiga que fiquei exausta. Secretamente, vivia para agradar s pessoas e sentia uma crescente sensagao de raiva com relagdo a isso, mas ndo parecia conseguir mudar ou deixar de me preocupar. Encontrava-me cheia de medo e me sentia muito inca- paz, embora tentasse fazer tudo da maneira mais perfeita possfvel. E estava comecando a ter cada vez mais vergonha porque nao parecia obter sucesso em alcangar meu objetivo, ou seja, ser per- ‘eita. Ent, enfim, minha fachada de aclequada aparéneia comegou a rachar, deixando escapar rajadas de uma raiva violenta, 0 que assustou a mim e as pessoas prOximas. E as coisas pioraram. A ansiedade e a pressdo interior que eu sentia eram avassaladoras. Minha vida parecia estar se descontrolando, e procurei ajuda, ‘Finalmente, em 1979, fui para um centro de tratamento em busca de cura para uma série de sintomas que caracterizavam o que agora chamo de codependéncia, Descobri que a comunidade profissional a quem eu recorrera ‘nao sabia como me ajudar. Era como se eu falasse inglés e eles ‘ouvissem grego. Nao pareciam compreender a natureza ou a gra- vidade de meus sintomas, e 0 tratamento oferecido aparentemente nao tinh nenhuma relago com o que euestava vivenciando. Tentei transmitir 0 que me estava acontecendo, mas tinha a sensagaio de 7 «que nfo era compreendida ou levada a sério. Em vez disso, sentia que a equipe do centro culpava-me pelo que havia de errado comigo. Segundo meu ponto de vista, tudo que eles faziam limita- va-se ame olhar como se eu fosse uma criadora irracional de casos ce que me recusava a cooperar. Eu sabia que provavelmente eu era de fato irracional, mas sabia também que realmente as pessoas no centro nao compreendiam o que havia de errado comigo. ‘Eu trabalhava nessa 6poca em The Meadows, um outro centro de tratamento de alcoolismo, abuso de drogas e problemas correla- tos na cidade de Wickenburg, no Arizona. Em fungdo de meu emprego, conhecia o suficiente a respeito dos tratamentos para saber que meus terapeutas nao sabiam como tratar de mim. Fiquei assustada com 0 fato e pensei: “Se eu procuro profissionais que t€ma obrigacdo de saber o que esto fazendo, digo-Ihes o que est errado, ¢ eles simplesmente olham para mim como se estivesse ‘maluca — estou realmente perdida!” Quando saf daquele centro de tratamento e voltei para The Meadows, onde trabalhava, estava mais confusa e disfuncional do que antes. Tinha explosdes de raiva por causa das coisas mais insignificantes. Ainda me lembro do dia, pouco depois de eu voltar, em que o diretor executivo de The Meadows me disse: — Pia, se vocé ndo conseguir deixar de ficar tio zangada nas reunides da equipe, ndo poderd mais comparecer a essas reunies. Eu sabia que o que ele dissera significava “voc vai perder 0 emprego”, 0 que me deixou aterrorizada. Naquele momento com- preendi que minha vida se tomnara ingovernavel e que eu precisava fazer alguma coisa a respeito de meu problema. Tanto a experigncia de no ter sido ajudada no tratamento quanto a possibilidade de perder meu emprego por causa de minha ira, fizeram com que empreendesse minha jornada de autodesco- berta. Na verdade, eu ndo era tio madura. Umdia, fui de certa forma Jangada na aventura da descoberta por outra crise de raiva durante meu expediente no trabalho. Estava no gabinete do diretor conver- sando com ele e com outro orientador que estava de pé perto da porta. Queria que esses dois homens extremamente importantesem minha vida soubessem como eu estava contrariada porque ninguém 18 parecia me “ouvir” quando falava a respeito de meu sofrimento. E, enquanto falava, compreendi que esses dois profissionais extre mamente inteligentes tampouco conseguiam me entender! Esta Jembranga ainda hoje me magoa. les simplesmente olharam para mim e um deles disse: — Bem, por que vocé niio descobre como tratar seja lé 0 que for que vocé tem? Figuei tio furiosa a ponto de desejar bater nos dois! Dei meia-volta ¢ saf majestosamente pela porta enquanto eles me olhavam como se achassem que ficara maluca. Enquanto caminhava furiosa pelo corredor externo do gabine- te, lembro-me de ter dito para mim prdpria: “Se sou eu que tenho que descobrir uma maneira de tratar 0 problema, todos nés que sofremos desse mal estamos perdidos. Como posso fazer isso?” Senti-me tertivelmente incapaz. Sentia-me confusa até ao tentar identificar os componentes do problema. Ao mesmo tempo que me debatia com minha raiva e meu pénico, pergumava-me como caracterizar os sintomas de minha dor e elaborar eu propria um plano de tratamento. Depois, quando dobrei a esquina, algo me acontecen. Naquele momento, tive a sensagio de que toda minha confusio havia

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