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ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República
I – COLOCAÇÃO DO PROBLEMA: A QUESTÃO DA LEGITIMA DEFESA PUTATIVA E DO ESTADO DE
NECESSIDADE PUTATIVO
Nelson Hungria2 considera que as ofendículas devem ser admitidas mesmo
com o risco de que, ao invés do ladrão, venha a ser vítima da armadilha uma pessoa inocente,
caso em que, a seu ver, configuraria legítima defesa putativa.
A legítima defesa é posta ao lado do estado de necessidade, do estrito
cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito, como causa de exclusão da
ilicitude. Estamos diante de causas de justificação que, quando incidem, o fato embora
aparentemente típico, não será um crime, mas sim um lícito penal.
No estado de necessidade(artigos 23,I e 24 do CP), onde há a prática de fato
para salvar de perigo atual, que o agente ativo não provocou por sua vontade, nem poder de
outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, pelas circunstâncias, não era
razoável exigir‐se, são exigidos para a configuração da excludente:
a)perigo atual, presente a ameaça concreta a bem jurídico;
b) proteção do direito próprio ou alheio;
c) situação de perigo atual não causada de forma voluntária pelo agente;
d) inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.
1
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, São Paulo, ed. Saraiva, pág.
206.
2
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I,
t..2, pág. 290 a 291.
1
O estado de necessidade defensivo vem a ocorrer quando o ato necessário se
dirige contra a coisa de que promana o perigo para o bem jurídico defendido. O estado de
necessidade defensivo ocorre quando o ato necessário se dirige contra coisa diversa daquela
que promana o perigo para o bem jurídico defendido.
Fala‐se com relação ao estado de necessidade na aplicação de duas teorias: a
unitária e a diferenciadora. Penso que podemos adotar a segunda teoria.
¨A legislação vigente, adotando fórmula unitária para o estado de necessidade
e aludindo apenas ao sacrifício de um bem que, nas circunstâncias, não era
razoável exigir‐se, compreende impropriamente também o caso de bens de
igual valor(é o caso do naufrago que, para ter a única tábua de salvamento,
sacrifica o outro). Em tais casos, subsiste a ilicitude e o que realmente ocorre é
o estado de necessidade como excludente da culpa(inexigibilidade de outra
conduta), que a seu tempo examinaremos.¨
Termina Heleno Cláudio Fragoso por dizer:
¨O estado de necessidade exclui a ilicitude quando, em situação de conflito ou
colisão, ocorre o sacrifício do bem de menor valor. A inexigibilidade de outra
conduta, no entanto, desculpa a ação quando se trata de sacrifício de bens de
igual ou de maior valor, que ocorre em circunstâncias nas quais ao agente não
era razoavelmente exigível o comportamento diverso. O estado de
necessidade previsto no art. 20 do Código Penal vigente, portanto, pode
excluir a antijuridicidade ou a culpabilidade, conforme o caso.¨
Se, pela teoria unitária, o estado de necessidade é sempre causa de exclusão
da ilicitude, a teoria diferenciada, com a colisão entre bens jurídicos de igual ou maior valor,
exclui a culpabilidade, enquanto que o sacrifício de bem de menor valor exclui a ilicitude.5
Para Júlio Fabbrini Mirabete6o Código brasileiro adotou a teoria unitária e não
a teoria diferenciadora7. Assim, há estado de necessidade não só no sacrifício de um bem
menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor idêntico
ao preservado, como no caso do homicídio praticado por um náufrago para se apoderar da
tábua de salvação. Não ocorrerá a justificativa se for de maior importância o bem lesado pelo
agente. Assim não se poderia matar para garantir um bem patrimonial.
3
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, parte geral, São Paulo, Bushatsky, 1976 a 1983, pág.
213.
4
Nelson Hungria, em seu Direito Penal, tomo I, pág. 379, entendeu que a teoria diferenciadora não se
aplicava ao direito brasileiro.
5
Para Francisco de Assis Toledo(obra citada,pág. 184), ao estudar o balanceamento dos bens e
interesses em conflito, entende que afasta‐se qualquer possibilidade de justificação de sacrifício do bem
maior para salvação do bem menor, transferindo‐se, nesta última hipótese, a solução para o juízo de
culpabilidade.
6
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição, São Paulo, Atlas, volume I, pág. 171.
7
Essa teoria foi adotada no Código Penal Militar(artigos 39 a 43).
2
Sendo assim o estado de necessidade pode ser invocado quando da prática de
qualquer crime, mesmo os delitos culposos, não se admitindo a sua aplicação nos casos de
crimes permanentes ou habituais.
Mas há situação de estado de necessidade putativo, se o agente supõe por
erro que está em perigo. É o caso conhecido do agente que, supondo, por erro plenamente
justificado pelas circunstâncias, estar no meio de um incêndio, não responde por lesões
corporais ou morte que vier a causar para se salvar. Repito que estamos no campo das
chamadas discriminantes putativas.
Exige‐se para a legítima defesa:
a) repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;
b) defesa de direito próprio ou alheio;
c) emprego moderado de meios necessários;
d) orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos.
Há a análise da questão da proporcionalidade, na legítima defesa
Nelson Hungria8 nos dá uma conclusão, a nosso ver radical, data vênia,
quando embora entendendo que, no caso do roubo de frutas, se bastar a ameaça de arma,
estaria excluída a legitimidade de disparas no ladrão. Destaca que, por mínimo que seja o mal
ameaçado ou por mais modesto que seja o direito defendido, não há desconhecer a legítima
defesa, se a maior gravidade da reação derivou da indisponibilidade de outro meio menos
prejudicial, e posto que não tenha havido imoderação no seu emprego. Assim, para ele, à luz
da doutrina alemã, abatendo o chamado sentimentalismo latino, qualquer bem jurídico pode
ser defendido mesmo com a morte do agressor, se não há outro remédio para salvá‐lo. Ora,
data vênia, é brutal tal ponto de vista, pois a proporcionalidade da defesa deve ser
condicionada não apenas a gravidade da agressão, mas ainda a relevância do bem ou interesse
que se defende.
Ora, data vênia, não há direitos absolutos, pois não há falar em legítima defesa
abusiva.
Pode‐se falar em excesso doloso ou culposo na legítima defesa, assim como
também há no estado de necessidade.
8
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t.
2, pág. 298 a 299.
3
Aqui vem a ideia de excesso culposo,resultante de uma imprudente falta de
compreensão, falta de contensão por parte do agente, quando isso era possível nas
circunstâncias para evitar um resultado mais grave do que o necessário a defesa do bem
agredido, que viria de um estado emotivo causado pela repulsa ao ato agressivo.9
Esse estado emotivo pode‐nos trazer uma imaginação em nosso subconsciente
de situações que não condizem com a realidade fática.
É conhecido o surrado exemplo quando no auge de uma discussão áspera
entre duas pessoas, uma delas leve a mão ao bolso, e a outra, supondo que ela ia sacar uma
arma, ou coisa que o valha, atira primeiro, mas depois se descobre que a vítima estava
desarmada. É a chamada legítima defesa putativa, que está inserida entre as discriminantes
putativas, previstas no artigo 20, § 1º, do Código Penal.
Ainda é devido trazer outro exemplo quando certa pessoa, tarde da noite,
caminha por uma rua mal iluminada, em situação que já seria bastante a preocupar, diante de
assassinatos recentes que ali surgiram, ao desenvolver sua caminhada, encontra uma pessoa
que caminhava em sua direção, e que tinha feições de um criminoso que se dava como
perigoso assassino. O agente, em estado de tensão, saca a sua arma e dispara um tiro fatal
contra o suposto agressor. Ao seu aproximar se choca ao verificar que a pessoa atingida, na
verdade, era um conhecido, que procurava a sua ajuda.
Na doutrina, para a chamada teoria limitada da culpabilidade, nota‐se que as
discriminantes putativas são divididas entre as que ocorrem em relação a pressuposto fático
de uma excludente de ilicitude(para uns, erro do tipo permisivo) e quando relacionadas ao
limite ou a existência de uma causa de justificação(erro de proibição indireto). Com o devido
respeito penso que o erro na discriminante putativa é o erro de proibição.
Para aquela teoria limitada da culpabilidade, no erro sobre os pressupostos
fáticos de uma causa de justificação, ocorre um erro do tipo permissivo. No erro sobre a
existência ou sobre os limites de uma causa de justificação, configura‐se o erro de proibição,
com a exclusão da culpabilidade.
Entre as discriminantes putativas, além da legitima defesa putativa, existe
ainda o estado de necessidade putativo, o exercício regular de direito putativo e o estrito
cumprimento do dever legal putativo.
O quadro de legítima defesa putativa assim foi conceituada por Nelson
Hungria:
¨Dá‐se a legitima defesa putativa quando alguém erroneamente se julga em
face de uma agressão actual e injusta, e, portanto, legalmente autorizado à
reação que empreende.¨10
9
Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Adriano Marrey, que foi comentada por
Francisco de Assis Toledo, obra citada, pág. 208 e 209, e ainda pó Paulo José da Costa Júnior, Código
Penal e sua interpretação jurisprudencial, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, pág. 45.
10
HOFFBAUER, Nelson Hungria. A legítima defesa putativa, Rio de Janeiro Livraria Jacinto, 1936.
4
O agente se imagina na presença de uma causa, que se realmente existisse,
justificaria sua conduta, ou seja, uma causa de justificação.
Aquele que reage a uma suposta agressão, que se mostrou real apenas em sua
imaginação, e que se existisse tornaria a sua ação legítima, age em legítima defesa putativa.
Repete‐se o exemplo do agente que supõe que se encontra em meio a um
incêndio, dada a quantidade de fumaça e os gritos dos circunstantes, ferindo alguém para
safar‐se do local e se apura que não havia incêndio(estado de necessidade putativo).
De outro modo, é conhecido o exemplo do policial, que munido de um
mandado de prisão, recolhe à prisão A, supondo que este é B, irmão gênio daquele e objeto da
ordem judicial ( estrito cumprimento do dever legal putativo).
Certo que há, no direito penal, o conceito de crime putativo ou crime
imaginário, que se distancia da tentativa inidônea(crime impossível).
Adota‐se o entendimento de que a lei penal adotou a chamada teoria objetiva
na distinção entre inidoneidade absoluta e inidoneidade relativa de meios e de objeto. A
tentativa absolutamente inidônea fica impune.
Por sua vez, o crime imaginário é um fato que o agente julga punível, mas que,
na realidade, não é definido como crime pela lei. O crime existe apenas em sua imaginação e
essa errônea opinião não bastaria para torná‐lo punível. Para Aníbal Bruno,11 haveria
atipicidade, ausência de tipicidade.
Para Aníbal Bruno 12, ainda há erro no crime putativo. O agente erra em supor
criminoso o ato que pratica, na realidade não definido na lei como crime. Mas, não seria erro
do agente que excluiria o tratamento penal, pois não haveria crime, porque não haveria
nenhum tipo legal a que o ato praticado correspondesse. O fato na sua expressão objetiva e na
sua elaboração psíquica seria totalmente estranho ao direito punitivo. Isso porque a norma
proibitiva só existiria no subjetivo do agente.
Há, sem dúvida, um enorme abismo entre legítima defesa putativa e legítima
defesa real. A primeira existe no conhecimento equivocado do agente em relação aos
pressupostos objetivos da legítima defesa enquanto a segunda se configura com a existência
concreta desses pressupostos.
A modesta pretensão desse estudo é expor o conflito de ideias envolvendo a
natureza jurídica das discriminantes putativas.
Aliás, dispõe o artigo 20,§ 1º, do Código Penal: ¨É isento de pena quem, por
erro, plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse,
11
BRUNO, Aníbal. Direito Penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1967, tomo II, pág. 253.
12
BRUNO, Aníbal, Direito Penal, 3ª edição, Rio de janeiro, Forense, 1967, tomo II, pág. 126.
5
tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo.¨
O agente supõe que está agindo licitamente ao imaginar que se encontram
presentes os requisitos de uma das causas justificativas presentes na lei.
Estaríamos diante de um erro do tipo permissivo? Será caso de erro de
proibição ou ainda um tipo intermediário?
Para isso, penso correto fazer uma divagação com relação a teoria da
culpabilidade, desde a teoria normativa até a teoria finalista, para se verificar a dicotomia erro
do tipo e erro de proibição.
II – CULPABILIDADE
Posteriormente, com as ideias trazidas por Frank, em 1907, lançaram‐se as
bases da denominada ¨teoria normativa da culpabilidade¨, introduzindo‐se no conceito de
culpa a reprovabilidade do ato praticado.
Para ser culpável não bastava que o fato fosse doloso, ou culposo, mas era
preciso que, além disso, seja censurável ao autor. Sendo assim o dolo e a culpa deixaram de
ser espécies de culpabilidade e passaram a ser elementos dela. A culpabilidade era um juízo de
reprovação ao autor do ato composto dos seguintes elementos: imputabilidade, dolo ou culpa
stricto sensu(negligência, imprudência, imperícia); exigibilidade, nas circunstâncias de um
comportamento conforme ao direito. O dolo era visto como voluntariedade, previsão e
consciência atual do ilícito, que presentes possibilitam o juízo de censura de culpabilidade.
No entanto, Hans Welzel, professor da Universidade de Göttingen, e mais
tarde da Universidade de Bonn, entendeu que o dolo faz parte da ação humana e não do juízo
de culpabilidade. O dolo e a culpa stricto sensu foram extraídos da culpa e inseridos no
conceito de ação, incluídos no tipo legal do crime. Há, pois, tipos dolosos e tipos culposos.
Do dolo foi retirada a consciência da ilicitude, fazendo‐se alteração no
entendimento quanto a consciência potencial da ilicitude, ficando o dolo do tipo e a
culpabilidade assim reduzidos:
dolo do tipo:
‐ intencionalidade, que é igual a finalidade da ação(elemento volitivo);
‐previsão do resultado(elemento intelectual).
6
culpabilidade
‐ imputabilidade;
‐consciência potencial da ilicitude;
‐possibilidade e exigibilidade, nas circunstâncias, de um agir de outro modo;
‐ juízo de censura do autor por não ter exercido, quando podia, esse poder‐agir
de outro modo.
Assim a culpabilidade é entendida como um juízo valorativo, um juízo de
censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo terá por objetivo o agente do
crime e sua ação criminosa enquanto que o dolo está no objeto da valoração, sendo um
elemento necessário do tipo doloso.
Em síntese, na matéria, disse Miguel Reale Jr.13 que a culpabilidade é um juízo
de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que a antijuridicidade é o caráter
de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este deflui da
vontade axiológicamente negativa.
Ainda é Miguel Reale Jr.14 quem nos ensina que dentro do quadro da
culpabilidade, a não exigibilidade é um juízo de valor sobre a formação do querer do agente e
encerra, primeiramente, a valoração da situação na qual é necessária a presença de
necessários requisitos objetivos e, posteriormente, a avaliação da opção realizada em função
que, naquela situação, assume relevância, perante um juízo de direito como deve ser.
III – O ERRO DO TIPO E O ERRO DE PROIBIÇÃO
O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre
elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.
Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre
esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.
O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o
desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:
a) Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da
legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que
contraria outro preceito;
b) Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal,
ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
13
REALE Jr,Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 86.
14
REALE Jr, Miguel. Teoria do delito, São Paulo, RT, 1988, pág. 153.
7
c) Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque
sobre o enquadramento legal da conduta;
d) Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo
proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.
A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da
lei.
A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.
Abordou‐se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato
típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.
Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um
erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.
É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo15 coloca‐se a distinção entre
tipo e antijuridicidade(ou ilicitude). O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias
integrantes do tipo legal do crime(fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da
ação. Assim, no primeiro caso, tem‐se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro
do tipo. Na segunda hipótese, tem‐se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.
São exemplos de erro do tipo:
a) no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um
fato definido como crime porque acredita, de forma sincera, que tenha
sido o mesmo praticado. O agente desconhece a elementar típica
falsamente, uma condição do tipo. Assim se o agente não sabia que a
imputação era falsa, não agiu com dolo de caluniar, excluindo‐se a
tipicidade;
b) no delito de corrupção ativa(artigo 333 do CP), ser o agente passivo
¨funcionário público¨ constitui elemento essencial do tipo, constando o
conceito de funcionário público da lei(artigo 327). Quem oferece propina,
para a prática de ato de ofício, a um empregado de entidade autárquica,
ou paraestatal, supondo que essa espécie de empregado não se reveste da
qualidade de funcionário público, incorre em erro do tipo;
c) No crime de furto(artigo 155 do CP) dois elementos do tipo são a coisa e a
circunstância de ser alheia. Quem se apodera de um cheque ao portador,
seja por supor que não se trata de coisa ou ainda por entender que lhe
pertence, incorre em erro do tipo;
15
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 267.
8
d) No crime de desacato, se o agente desconhece que a pessoa contra a qual
está agindo com desrespeito é funcionária pública, imaginando tratar‐se
de pessoa comum, não pratica o desacato, por não haver dolo de
desacatar, podendo incidir no crime de injúria verbal;
e) Em crime previsto na lei de drogas, se o agente tem cocaína em casa,
supondo‐se tratar de outra substância inócua, pratica erro do tipo;
f) Em crime de homicídio, se um caçador dispara uma arma sobre um objeto
escuro, imaginando‐se tratar‐se de um animal, e atinge uma pessoa, incide
em erro do tipo;
O dolo, sabe‐se, compreende a vontade e a consciência em realizar o tipo
penal e se o agente errou sobre algum dos elementos do tipo, desaparece o dolo, há causa de
exclusão da tipicidade.
O erro do tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo crime
culposo, se previsto em lei, não se falando em culpabilidade.
O erro do tipo essencial é o que recai sobre algum elemento do tipo, sem o
qual o crime deixa de existir. Quem se apodera de coisa alheia móvel, pensando ser um objeto
que lhe pertence, erra sobre um elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Não
comete furto algum. O erro é escusável.
Diferente é aquele que supondo matar A, mata B, por engano. É erro acidental,
sendo irrelevante ser a vítima A ou B, bastando matar um ser humano, sendo que o crime não
deixa de existir.
Fala‐se num erro do tipo permissivo, que ocorre quando o objeto do erro for
um pressuposto de uma causa de justificação. Para os adeptos da teoria limitada da culpa essa
é a hipótese a tratar no que concerne às discriminantes putativas, do que se lê do artigo 20,
parágrafo único, do Código Penal.
Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e
parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O
desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de
pena: se evitável, poderá diminuí‐la de um sexto a um terço. Considera‐se evitável o erro se o
agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.¨
Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos
fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como
ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.
O erro de proibição exclui a culpabilidade.
9
O projeto do Código Penal, voltando‐se para um pluralismo que inexistia, por
certo, à época do Código Penal de 1940, erigido no Estado Novo, e a reforma de sua Parte
Geral, de 1984, ao final da ditadura militar, no caso de crimes de índios, defende que se trata
de erro de proibição, quando o índio pratica o fato agindo de acordo com os costumes, crenças
e tradições de seu povo(artigo 36).
Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma
exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por
convicção.
É sabido que o autor comum é aquele que está normalmente em contradição
consigo mesmo e reconhece, desta forma, a norma que viola. Por sua vez, o autor por
convicção e o autor de consciência não estão em contradição consigo próprios, uma vez que
agem segundo as suas convicções, a sua consciência, consoante a sua visão de mundo, e assim
rejeitam a ordem jurídica, por entenderem ser contrária aos seus entendimentos, às suas
crenças e aos seus princípios éticos e morais. Sendo assim o autor por convicção tem
consciência do caráter proibitivo do ato, mas em nome de uma certa convicção política,
religiosa ou social, nega a natureza criminosa do comportamento que leva a cabo, substituindo
à sua a valoração legal, como ensina Eduardo Correia16
Seja como for, a mensagem do projeto parece ser de que os índios devem ter a
sua forma de organização social, política e jurídica respeitadas, mas coloca a oposição entre o
índio e o homem branco, o que se distancia do direito penal liberal, em sua tradição, que se
afirma cega a determinadas características contingenciais.
Ademais, fica nítido no Projeto, quando se estuda esses crimes praticados
pelos índios, sob o enfoque de um erro de proibição, a questão, para muitos perigosa, do
chamada culpabilidade da personalidade ou de pessoa. Para Figueiredo Dias17, considerado o
pai do código penal português, culpa da pessoa é a violação pelo homem do dever de
conformar o seu existir por forma a que, na sua atuação de vida, não viole ou ponha em perigo
bens juridicamente protegidos.
Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade.
Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência,
age com culpa.
Há o erro de proibição direto que ocorre quando o agente desconhece a
norma proibitiva ou a conhece mal ou ainda por desconhecer a sua verdadeira incidência.
Ainda temos como erro de proibição escusável, o erro de mandamento(erro
mandamental), quando o agente se encontra em posição de ¨garantidor¨, diante de situação
de perigo de cujas circunstâncias fáticas tem perfeito conhecimento, omite a ação que lhe é
determinada pela norma preceptiva, envolvendo um dever jurídico de impedir um resultado,
16
CORREIA, Eduardo. Direito criminal, volume II, Coimbra, Almedina, 1965, pág. 331.
17
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Liberdade – Culpa – Direito Penal, pág. 118.
10
supondo que não tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado, por erro inevitável. O
tutor, supondo já ser um pesado ônus ter aceitado os encargos da tutela, pensa não estar
obrigado a arriscar a sua própria vida para salvar o irrequieto pupilo que está se afogando,
num exemplo trazido por Francisco de Assis Toledo.18
No erro de proibição indireto o agente erra sobre a existência ou sobre os
limites de uma causa de justificação. Ele sabe que pratica um fato em principio proibido, mas
supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita a seu favor uma norma permissiva
prevalente.
Veja‐se a diferença: no erro de proibição indireto, o engano incide sobre o
entendimento da norma excludente da ilicitude, seja quanto à existência dela, seja quanto aos
seus limites jurídicos. É o exemplo da chamada legítima defesa da honra, no que concerne ao
erro de proibição sobre os limites objetivos e subjetivos de uma causa de justificação. Há caso
do exemplo da ultrapassada e censurável ideia da defesa da honra, quando o agente mata o
cônjuge ao surpreendê‐lo em flagrante adultério
Há ainda exemplo de erro de proibição quanto a existência ou sobre os limites
de causa de justificação quando há a prática de um furto, supondo estar o agente da subtração
em estado de necessidade, uma vez que está desempregado e com dificuldades financeiras.
Ora, estado de precisão não é estado de necessidade.
São hipóteses de erro sobre a ilicitude do fato.
A eles poderemos somar como casos de erros de proibição:
a) matar uma pessoa gravemente enferma, a seu pedido, para livrá‐la de um
mal incurável, supondo o agente que a eutanásia é permitida;19
b) vender o relógio que recebeu para conserto depois de escoar‐se o prazo
em que o proprietário deveria apanhá‐lo,supondo o sujeito que a lei
permite a venda para pagamento dos serviços dos reparos;
c) vender mercadoria do empregador para se pagar de salários atrasados;
d) a exibição de um filme pornográfico quando o agente supõe lícita sua
conduta por ter sido liberado pela censura.
O Projeto do Código Penal manteve o erro do tipo como estava na Lei
7.209/84.
18
TOLEDO, Francisco de Assis. O erro no direito penal. São Paulo, Saraiva, 1977, pág. 65.
19
Necessário distinguir a eutanásia, da ortotanásia e da distanásia. A ortotanásia, prevista na Resolução
1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina, é o processo pelo qual se opta por não submeter um
paciente terminal a procedimentos invasivos que adiam sua morte, mas ao mesmo tempo,
comprometem sua qualidade de vida. Por sua vez, a eutanásia corresponde a prática de interromper a
vida de um paciente com doença em estágio irreversível(é crime). A distanásia se refere ao adiamento
da morte do indivíduo, geralmente pela utilização de fármacos e aparelhagens que, muitas vezes,
ocasionam um sofrimento desnecessário. Na ortotanásia o sujeito não possui dolo de atingir o bem
jurídico vida, havendo atipicidade de conduta. É a eutanásia passiva.
11
O Projeto, outrossim, extirpa a redação que era dada ao artigo 21 que ainda
proclama a vigência do vetusto brocardo error iuris nocet, dificultando o reconhecimento
prático da figura do erro de proibição.
Todavia, na redação que é dada ao artigo 35, § 1º, do Projeto, onde se observa
que no erro de proibição evitável, o agente responderá pelo crime, sem dúvida, uma expressão
coloquial que se distancia da definição científica que se deve dar ao texto da lei penal. Correto
afirmar que no erro de proibição evitável, a pena será reduzida de forma obrigatória,
diferentemente do que se lê na redação atual do artigo 21, ¨poderá¨.
Aliás, essa evitabilidade do erro de proibição deverá levar em conta de acordo
com as qualidades e defeitos do sujeito, sem levar em conta um padrão médio que se dê de
comportamento.
IV – DISCRIMINANTES PUTATIVAS
Como bem advertiu Júlio Fabbrini Mirabete20, diante dos termos do que reza a
parte geral do Código Penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84, há controvérsia séria sobre
a sua natureza jurídica. Para a teoria limitada da culpabilidade, as discriminantes putativas
constituem‐se em erro do tipo permissivo, excluindo o dolo, isto é, ocorrendo quando o objeto
do erro for pressuposto de uma causa de justificação, que excluem a antijuridicidade, excluem
o crime. Para essa teoria, não age dolosamente quem supõe, justificadamente, pelas
circunstâncias de fato, que esta praticando um ato típico, em legítima defesa, em estado de
necessidade, etc. Para a teoria extremada da culpabilidade(normativa pura), trata‐se de um
erro de proibição, razão pela qual se exclui a culpabilidade.
Essa a melhor concepção, que tem apoio de Júlio Fabbrini Mirabete.21
Apesar disso considero a teoria limitada como dominante no direito brasileiro,
como se lê da redação da Exposição de Motivos, item 17.
Nessa linha de pensar trago o entendimento de Francisco de Assis Toledo22:
¨Embora a sede das discriminantes putativas seja o § 1º do art. 20
inicialmente citado (¨......que, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias impõe situação de fato que, se existisse tornaria a ação
legítima¨) pensamos que tal preceito não é exaustivo, não esgota as hipóteses
das discriminantes imaginárias. Percebe‐se, com efeito, claramente, que esse
preceito, completado pela parte final do parágrafo(¨não há isenção de pena
quando o erro deriva de culpa o fato é punível como crime culposo¨), aplica‐se
apenas ao erro do tipo permissivo¨excludente do dolo, não ao erro excludente
20
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 7ª edição, parte geral, volume I, pág. 197.
21
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Obra citada,pág. 197.
22
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada, pág. 272 a 273.
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da censura da culpabilidade, tanto que se permite a punição a título de culpa
stricto sensu (esta é, aliás, a posição da teoria limitada da culpabilidade, que
adotamos).¨
No entanto, o próprio Francisco de Assis Toledo23 observa que as
discriminantes putativas(erro que recai sobre uma causa de justificação) não se limitam às
hipóteses de exclusão do dolo, mas apresentam‐se, por vezes, com pretensão à exclusão da
censura da culpabilidade. O erro sobre uma causa de justificação pode recair sobre os
pressupostos fáticos, mas sobre os limites, ou a própria existência, de uma causa de
justificação(supor estar autorizado).
Correta a posição de Alcides Munhoz Neto24 para quem o erro nas
discriminantes putativas é sempre erro de proibição. Disse ele:
¨A ausência do dolo por não representação da tipicidade não pode ser
afirmada nos casos de invencível erro sobre circunstâncias de fato, que
tornaria a ação legítima, isto é, nas hipóteses das discriminantes putativas
fáticas. Quem, v.g, lesa corporalmente outrem, porque se imagina por ele
injustamente agredido, tem representação da tipicidade de seu proceder; sabe
que está a praticar a ação correspondente à definição típica de lesão corporal,
ou seja, que ofende a integridade corporal e saúde de outrem; supõe, porém,
que sua conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa legal de
exclusão da antijuricidade(legítima defesa). Desta forma, a eficácia do erro de
fato só pode ser atribuída à ignorância da antijuridicidade.¨
Guilherme de Souza Nucci25 defende a teoria extremada da culpabilidade.
Assim para a teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que
recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição.
O agente, em decorrência da situação de fato, supõe que sua conduta é lícita,
mas age com dolo, que é a mera vontade de concretizar os elementos do tipo, não se fazendo
indagação a respeito da antijuridicidade da conduta. O sujeito age com dolo, mas sua conduta
não é considerada como reprovável por não ter consciência da ilicitude de sua conduta.
Se o erro do tipo exclui sempre o dolo, quer seja inevitável ou evitável; se o
erro do tipo é evitável, mas não se evitou, há que se investigar a possibilidade de um crime
culposo. Por sua vez, o erro de proibição exclui a culpabilidade somente quando inevitável.
Luiz Flávio Gomes26 justifica o tratamento do erro do tipo permissivo, nas
chamadas discriminantes putativas,em separado, do artigo 20, § 1ª, afirmando ser ele um erro
sui generis, situado entre o erro do tipo e o erro de proibição indireto. Assim o erro não afeta
23
TOLEDO, Francisco de Assis. Obra citada ,pág. 273 a 274.
24
MUNOZ NETO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal,Rio de Janeiro, Forense,
1978, pág. 112.
25
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 4ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais,
2008.
26
GOMES, Luis Flávio. Erro do tipo e erro de proibição, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, pág. 114.
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o conhecimento do tipo, mas leva o autor supor que a norma proibitiva é afastada
excepcionalmente diante de uma norma permissiva.
Muito ainda há que se discutir sobre as discriminantes putativas, que surgem,
no dia a dia, da vida, tal a riqueza dos exemplos que o cotidiano nos dá.
O Projeto do novo Código Penal inova ao proclamar que o erro do tipo
permissivo, que não mais poderá ostentar esse nome, segundo a redação proposta, não exclui
a punição pelo delito doloso, e submete‐se às regras do erro de proibição, excluindo‐se, se
inevitável, a culpabilidade. Filia‐se o Projeto a chamada teoria extremada da culpabilidade.
A discussão não para por aqui.
Mesmo diante da nova opção legal há, sem dúvida, um abismo no tratamento
que é dado àquele que se crê autorizado pela ordem jurídica a disparar mortalmente contra o
ladrão em fuga que furtara um boné e aquele que dispara por pensar que o ladrão que o
assalta retirou uma arma no bolso, quando na verdade se tratava de uma lanterna. No
primeiro caso, há nítido excesso de causa justificadora, que elidiria o crime, não representando
um direito, mas um benefício, que a lei, em condições de interpretação restrita, lhe dá.
Os que entendem ao contrário defendem os termos da redação dada pela
reforma de 1984, que alterou o regime jurídico da teoria do erro, ao considerar que o erro do
tipo permissivo exclui a punição por crime doloso.
27
Relatório, pág. 220.
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