Você está na página 1de 14

DOI: 10.1590/1413-81232017228.

01602017 2487

Avaliação da capacidade de gestão do componente especializado

ARTIGO ARTICLE
da assistência farmacêutica

An evaluation of governance capacity of the specialized component


of pharmaceutical services in Brazil

Marina Raijche Mattozo Rover 1


Claudia Marcela Vargas Peláez 2
Emília Baierle Faraco 1
Mareni Rocha Farias 1
Silvana Nair Leite 1

Abstract This paper presents application of an Resumo Este artigo apresenta a aplicação de
indicator protocol to assessment of current levels of um protocolo de indicadores para a avaliação da
governance capacity of the Specialized Component capacidade de gestão do Componente Especializa-
of Pharmaceutical Services (CEAF) in a state of the do da Assistência Farmacêutica (CEAF) em um
South of Brazil. We chose the theoretical referential estado do Sul do Brasil. A escolha do referencial
of ‘governance capacity’ proposed by Carlos Matus, teórico de capacidade de governo de Carlos Ma-
which reflects in the concepts of management ca- tus, refletido no conceito de capacidade de gestão
pacity and Pharmaceutical Service management, e de gestão da assistência farmacêutica, tem por
due to the perception of a need to overcome the base a necessidade de superar a fragmentação e a
fragmentation and technicist reductionism that redução tecnicista imposta à área. A aplicação do
we believe has been imposed on the area of phar- protocolo envolveu a coleta de dados em 74 uni-
maceutical services. Data was collected using the dades (municipais ou estaduais). Os resultados
protocol in 74 municipal or state units. The results das análises indicam que a capacidade de gestão
of the analysis indicate that the currently existing necessita de avanços nas três dimensões avalia-
governance capacity needs improvement in all das, principalmente em relação aos aspectos que
three dimensions that were evaluated, principally visam à sustentabilidade da gestão. O modelo e o
in relation to the aspects that seek sustainability of protocolo utilizados trazem avanços para a gestão
the governance. The model and the protocol used da assistência farmacêutica ao propor uma mu-
indicate a way forward for governance of phar- dança do foco técnico-logístico, para as ações de
maceutical service by proposing a change from the natureza estratégica e política, ou que fomentem
technicist-logistical focus to an emphasis on strate- maior participação e autonomia. De posse dos re-
gic and political actions, or ones which foster great- sultados poder-se-á desenvolver estratégias para a
er participation and autonomy. With these results qualificação do acesso a medicamentos no SUS, no
1
Departamento de Ciências
Farmacêuticas, Centro in hand, it will be possible to develop strategies for sentido de que o CEAF se torne capaz de garantir
de Ciências da Saúde, improvement of access to medicines in the SUS, in a integralidade dos tratamentos medicamentosos.
Universidade Federal de the sense that the CEAF becomes able to guarantee Palavras-chave Avaliação em saúde, Gestão em
Santa Catarina. Campus
Universitário, Trindade. integrality of medicines treatments. saúde, Assistência farmacêutica, Política Nacional
88040-970 Florianópolis Key words Health evaluation, Health manage- de Assistência Farmacêutica, Componente Espe-
SC Brasil. ment, Brazilian National Pharmaceutical Services, cializado da Assistência Farmacêutica
marinarover@yahoo.com.br
2
Fundación IFARMA. Specialized Component of Pharmaceutical Services
Bogotá Colômbia.
2488
Rover MRM et al.

Introdução relacionados com a continuidade do cuidado, a


oportunidade do acesso, a equidade e a satisfação
As tecnologias em saúde, entre elas os medica- dos pacientes, alguns destes ainda estão pouco
mentos, constituem um dos fatores do aumento desenvolvidos no mundo. Nesse sentido, é neces-
nos gastos em saúde nos países1. Este crescimen- sária a construção de modelos de avaliação que
to pode ser atribuído à mudança do perfil epide- possibilitem detectar as dificuldades e produzir
miológico, à pressão pela incorporação das novas recomendações que auxiliem na correção de ru-
tecnologias nos serviços públicos e à ampliação mos e disseminação de lições e aprendizagens vi-
do acesso nos sistemas de saúde2. sando à melhoria do desempenho das políticas11.
Para garantir o acesso e o Uso Racional dos No caso das políticas de AF, as avaliações re-
Medicamentos (URM), o Brasil tem implemen- alizadas usualmente focam-se nos aspectos téc-
tado diferentes políticas públicas desde 19983,4. nicos e logísticos, desconsiderando os aspectos
O Componente Especializado da Assistência Far- políticos e sociais que influenciam a implemen-
macêutica (CEAF) é uma estratégia que objetiva tação das políticas públicas12. Alguns avanços no
viabilizar o acesso aos medicamentos para a ga- conceito de gestão e avaliação da AF foram apre-
rantia da integralidade dos tratamentos, a partir sentados por Guimarães13, Barreto14 e Barreto e
de linhas de cuidado expressas em Protocolos Guimarães15 na Bahia, Manzini e Leite16 e Mendes
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) publi- e Leite17 em Santa Catarina. Estas avaliações da
cados pelo Ministério da Saúde (MS)5. gestão da AF básica adotaram o referencial teó-
O CEAF é uma estratégia relevante à medida rico de capacidade de governo de Matus18 adap-
que é a única via de acesso a alguns medicamen- tando-o ao contexto político e às particularida-
tos, especialmente os de preço mais elevado. Em des do sistema de saúde brasileiro em cada um
2014, dos 12,4 bilhões de reais investidos em me- dos estados estudados. Esta concepção de gestão
dicamentos pelo MS, 4,9 bilhões foram destina- valoriza o processo e não só o resultado; e privi-
dos ao financiamento do CEAF6. legia discussões sobre os aspectos sociais, o poder
Apesar do grande destaque aos aspectos fi- e sua legitimidade. Além disso, consideraram que
nanceiros, diferentes desafios compõem um con- a gestão deve ser orientada pelos princípios do
texto complexo a ser administrado pelos gestores SUS e que a avaliação, como um instrumento de
do SUS, visando o acesso integral e universal aos gestão, deve seguir também estes preceitos.
medicamentos. Um destes desafios é a descen- Neste contexto, este estudo foi conduzido
tralização das ações, a partir da qual os estados e com o objetivo de avaliar a capacidade de gestão
municípios passaram a assumir a responsabilida- do CEAF, em um estado do sul do país, sob as
de direta pela atenção à saúde, incluindo as ações dimensões organizacional, operacional e de sus-
relacionadas à Assistência Farmacêutica (AF). tentabilidade.
Segundo Solla7, a descentralização por si só não
é suficiente para viabilizar os princípios e as di-
retrizes do SUS, pois depende do fortalecimento Método
institucional, da capacidade de gestão e da demo-
cratização das instituições de saúde. Trata-se de um estudo avaliativo transversal, sen-
Para responder a estes desafios, a investigação do a posição do avaliador externa. O protocolo
de políticas e serviços de saúde cumpre um pa- de indicadores aplicado foi construído com base
pel fundamental ao possibilitar a identificação de nos estudos de Guimarães13, Barreto14 e Barreto
problemas relevantes e a provisão de informação e Guimarães15 e nos resultados de estudos ex-
confiável, constituindo uma importante ferra- ploratórios sobre o CEAF19-21. Este protocolo de
menta para a melhoria da qualidade dos serviços8. indicadores foi validado por meio de oficina de
Apesar de muitos países terem desenvolvido consenso com pesquisadores da área, gestores e
sistemas de monitoramento e avaliação de pro- outros atores envolvidos, e inclui além da descri-
gramas e políticas, poucos têm produzido infor- ção dos indicadores, as medidas, os cálculos e os
mações regulares sobre sua continuidade e sobre parâmetros, assim como os instrumentos para a
os benefícios esperados9. Segundo Kruk e Freed- coleta de dados22. Os 25 indicadores são dividi-
man10, embora estudos de avaliação do desempe- dos em três dimensões: 8 na organizacional, 11
nho de sistemas de saúde incorporem indicadores na operacional e 6 na de sustentabilidade22.
2489

Ciência & Saúde Coletiva, 22(8):2487-2499, 2017


Aplicação do protocolo Na revisão documental foram incluídos do-
cumentos como o organograma da SES; as de-
População de estudo e seleção da amostra liberações da Comissão Intergestores Bipartite
de municípios (CIB); atas das reuniões do Conselho Estadual
Considerou-se como população de estudo de Saúde (CES); Programação Plurianual (PPA),
todas as unidades que desenvolvem atividades do registros do Banco de Preços em Saúde, Plano
CEAF no estado. Junto à Secretaria Estadual de Estadual de Saúde (PES), registros da ouvidoria
Saúde (SES) foi obtido o contato de 143 unida- e dados dos sistemas informatizados.
des, incluindo as municipais e as estaduais. Para Para a coleta de dados in loco os questionários
todas foram enviados, via e-mail, convites para utilizados (um específico para farmacêuticos das
a participação na pesquisa. Em 10% a coleta de unidades municipais, um para os das unidades
dados foi realizada na forma presencial e nas estaduais e um para o gestor da SES) continham
demais via online. Foram incluídas na amostra perguntas abertas e fechadas para verificação de
aquelas unidades em que o farmacêutico respon- aspectos concernentes a cada indicador. Além
sável aceitou participar da pesquisa, incluindo disso, formulários tipo check-list foram apli-
um representante da diretoria de assistência far- cados pela pesquisadora no dia da visita, para a
macêutica do estado, de um serviço de referên- avaliação das condições logísticas das unidades
cia e da Central de Abastecimento Farmacêutico constituintes do CEAF.
(CAF). Para a coleta de dados a distância, o link dos
Para a caracterização dos municípios inclu- questionários online foi enviado via e-mail às de-
ídos foi considerado o porte populacional cate- mais unidades. Estes instrumentos foram adap-
gorizado segundo a proposta de Veber et al.23: tados dos questionários e formulários check-list
Conglomerado A até 9.999 habitantes; Conglo- da coleta de dados in loco, e validados após verifi-
merado B entre 10.000 e 49.999; e Conglomera- cação da concordância através do fator Kappa22,25.
do C mais de 50.000 habitantes. Foram incluídas
unidades de todas as macrorregiões de saúde do Análise dos dados e cálculo dos indicadores
estado. Para o processamento dos dados coletados e
o cálculo dos indicadores foi utilizado o softwa-
Coleta de dados re Microsoft Excel®. O cálculo da pontuação dos
O trabalho de campo foi realizado entre os indicadores foi realizado a partir da aglomeração
meses de fevereiro e maio de 2016. A coleta de dos dados obtidos das unidades participantes, se-
dados foi desenvolvida utilizando triangulação guindo as medidas e os parâmetros estabelecidos
de métodos24 incluindo revisão documental, e no protocolo de avaliação para cada indicador22.
aplicação in loco e a distância de questionários. Na sequência, para cada indicador, foi atribu-
Estudos qualitativos que fizeram parte do proje- ído um juízo de valor e sua conversão em cores,
to do estudo avaliativo foram apresentados em definidas durante o desenho do protocolo de in-
artigos complementares e foram utilizados para dicadores (Quadro 1). O julgamento é formado
subsidiar as discussões dos resultados aqui apre- quando as descobertas e as interpretações são
sentados20,21. comparadas com um ou mais parâmetros selecio-

Quadro 1. Critérios de julgamentos, considerando as faixas de pontuação dos indicadores, a escala de cores e o
seu significado.
Cor Pontuação* O que indica
Manter/Avançar – representa os indicadores que estão de acordo com a
Verde 76 a 100% dos pontos
imagem-objetivo que se deseja construir.
Cuidado – sinaliza os indicadores que apresentaram avanços, porém
Amarelo 50 a 75% dos pontos
precisam ser aperfeiçoados.
Laranja 25 a 49% dos pontos Alerta – evidencia os indicadores que precisam melhorar
Vermelho 0 a 24% dos pontos Urgente – sinaliza os indicadores que precisam ser priorizados.
*Calculadas a partir da pontuação máxima do indicador.
Fonte: Elaborado pela autora.
2490
Rover MRM et al.

Quadro 2. Protocolo de indicadores e resultados da avaliação com o juízo de valor para cada indicador e dimensão.
Pontuação Pontos
Indicadores O que é medido no indicador? Dados coletados Cor
máxima obtidos
Dimensão organizacional
Participação 1- Participação da gestão em 10 1- CES, CIB, 5 Amarelo
Órgãos de participação social. Conferência
2- Existência de instâncias que Estadual de Saúde e
permitam a participação dos reuniões do PES
atores envolvidos. 2– Não há.
Transparência 1-Divulgação de informações 10 1– Não há. 5 Amarelo
sobre as faltas de medicamentos. 2– Sim no Banco de
2- Divulgação dos preços Preços em Saúde.
praticados na aquisição dos
medicamentos.
Planejamento 1- Inclusão de ações do CEAF 10 1– Sim. 5 Amarelo
no PES, PPA e no Relatório de 2– Não há.
Gestão.
2- Existência de reuniões de
planejamento específicas.
Monitoramento e Existência de indicadores e a 10 Não há indicadores 0 Vermelho
avaliação das ações utilização do monitoramento
destes para o planejamento das
ações.
Parcerias Parcerias com outras instituições 10 Sim com os 10 Verde
para o desenvolvimento de municípios (CIB
atividades do CEAF. 398/2014).
Regulamentação 1- Existência de fluxos 10 1- Sim - fluxos e 7,5 Amarelo
regulamentados para a avaliação portarias.
das solicitações. 2- Sim em 41
2- Existência de diretrizes sobre unidades.
os processos de trabalho nas
unidades.
Institucionalização Existência de uma instância 10 Sim, mas a CAF 5 Amarelo
institucionalizada responsável e as licitações são
por todas as atividades do CEAF. responsabilidades de
outra diretoria.
Acesso Atendimento dos usuários em 10 Sim em 100% dos 10 Verde
descentralizado seus municípios de residência. municípios
TOTAL DIMENSÃO 80 47,5 Amarelo
(59,37 %)
continua

nados para avaliação26. A conversão em cores visa sigilo em relação à identificação dos participantes
facilitar a visualização dos resultados obtidos13-15. de acordo com o TCLE assinado por todos os en-
A partir do somatório das pontuações dos in- trevistados.
dicadores, foi obtida uma pontuação por dimen-
são, a qual também foi atribuída uma cor, como
forma de sintetizar os resultados encontrados. Resultados

Aspectos éticos Das 143 unidades convidadas, 76 retornaram


aceitando participar da pesquisa. Houve uma de-
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética sistência de participação para a coleta presencial
em Pesquisa com Seres Humanos da Universida- e uma resposta via online não incluída, pois foi
de Federal de Santa Catarina. Foram garantidos o enviada após a finalização do período de coleta
2491

Ciência & Saúde Coletiva, 22(8):2487-2499, 2017


Quadro 2. continuação
Pontuação Pontos
Indicadores O que é medido no indicador? Dados coletados Cor
máxima obtidos
Dimensão operacional
Comunicação Comunicação entre as unidades. 10 Boa ou muito boa 10 Verde
de acordo com
77% das unidades,
principalmente por
email.
Complementariedade Preocupação com o atendimento 10 100% do elenco 10 Verde
das linhas de cuidados. do grupo 3 está
pactuado em CIB
(501/2013) e está
regulamentada a
produção de APAC
para o grupo 2.
Condições normativas Unidades com condições legais 10 - Não há PGRSS 0 Vermelho
e sanitárias para o exercício das - 66,2% das
atividades. unidades têm
Alvarás Sanitários e
88,7% certidões de
RT atualizadas.
- 38% referiram
controle do estado.
Infraestrutura Existência de investimentos 10 -77,78% das 8,5 Verde
e condições mínimas de unidades estaduais
infraestrutura nas unidades. receberam
investimentos.
- 75% das unidades
estaduais e 50,8%
das municipais
cumprem com pelo
menos 75% das
condições mínimas.
SR/Polos de Aplicação Existência de SR nas diversas 10 Concentrados na 5 Amarelo
regiões do estado. capital do estado.
Sistemas de Existência de sistemas de 10 Sim, porém não 3 Laranja
informação informação integrados para o alimentam a base
desenvolvimento das atividades. nacional e não
interoperam com
outros sistemas da
rede de atenção à
saúde.
Recursos humanos 1- Disponibilidade de RH. 10 1- Em 55,55% das 2,5 Laranja
2 - Preocupação com a unidades do estado
capacitação contínua do RH. há farmacêuticos em
número suficiente.
2- 22,86% dos
farmacêuticos
referem capacitações
ao menos 1 vez ao
ano.
continua

de dados. Assim, a coleta presencial ocorreu em contou-se com 61 participantes, totalizando 74


13 unidades e na coleta via formulário eletrônico unidades incluídas no estudo.
2492
Rover MRM et al.

Quadro 2. continuação
Pontuação Pontos
Indicadores O que é medido no indicador? Dados coletados Cor
máxima obtidos
Financiamento 1- Capacidade de aplicar as 10 1- Sim – CAP e 6,25 Amarelo
estratégias para a manutenção desonerações de
do equilíbrio financeiro. tributos.
2- Disponibilidade de recursos. 2- Há planejamento
3- Recursos perdidos por APACs orçamentário, mas
glosadas. há falta de recursos.
3- < 5% das APACs
são glosadas.
Gestão da logística 1- Existência de mecanismos 10 1- Há método 6 Amarelo
que qualificam a programação. estabelecido.
2- Existência de mecanismos 2- Apenas
que qualificam a aquisição. mecanismos de
punição para
fornecedores que
descumprem
os critérios
estabelecidos.
Boas práticas em 1- Existência de mecanismos 10 1- Não há normas 6,5 Amarelo
logística que qualificam a distribuição. de boas práticas
2- Existência de controle de transporte, mas
periódico do estoque de há cronograma de
medicamentos. distribuição.
2- 80% das unidades
estaduais e 70,5%
das municipais
fazem controle
mensal de estoque.
Disponibilidade de Preocupação com o atendimento 10 Há avaliação para 3 Laranja
medicamentos oportuno dos usuários. seleção do elenco
estadual, porém
houve falta de
medicamentos por
falta de recursos
e atrasos na
dispensação em
15,7% das unidades.
TOTAL DIMENSÃO 110 60,75 Amarelo
(55,23%)
continua

As unidades estaduais participantes foram: a usuários do CEAF no estado) envolvendo o tra-


coordenação/diretoria da assistência farmacêuti- balho de 427 profissionais. A maioria das uni-
ca, 8 unidades descentralizadas, 1 Serviço de Re- dades (90%) atendem outros componentes da
ferência (SR) e a CAF Central. Entre as unidades assistência farmacêutica e/ou programas além
municipais foram coletados dados de 63 unida- do CEAF, entre eles os mais frequentes são o
des de diferentes municípios. Componente Básico da Assistência Farmacêutica
Com relação ao porte populacional, 22 muni- (CBAF) e as demandas judiciais.
cípios participantes são classificados no conglo- O protocolo de indicadores e os resultados da
merado A, 26 no B e 16 no C. avaliação são apresentados no Quadro 2.
As unidades participantes atendiam 36.823 Das três dimensões avaliadas, nenhuma delas
usuários do CEAF (aproximadamente 40% dos está de acordo a imagem objetivo que se deseja
2493

Ciência & Saúde Coletiva, 22(8):2487-2499, 2017


Quadro 2. continuação
Pontuação Pontos
Indicadores O que é medido no indicador? Dados coletados Cor
máxima obtidos
Dimensão sustentabilidade
Controle social Inclusão do CEAF nas pautas do 10 Não há pautas nas 0 Vermelho
Conselho Estadual de Saúde. atas de 2015.
Perfil do gestor 1- Condição de existência 10 1- Cargo formal, 7,5 Amarelo
do cargo de coordenador mas não responsável
da assistência farmacêutica, por todas as
formalmente instituído, atividades do CEAF
responsável pela gestão do 2- 9 anos de
CEAF. experiência e
2- Qualificação do gestor. especialista em
gestão da assistência
farmacêutica.
Acessibilidade 1- Prazo para atendimento dos 10 1- Em média 50 3,75 Laranja
usuários. dias para o 1º
2- Existência de demanda atendimento 2- Sem
judicial e de mecanismos para informações do %
evitar as ações. de ações, mas há
um comitê para
assessorar o judicial.
Relação entre serviços 1- Existência de ações de 10 1- Gestor- Sim 3 Laranja
acompanhamento e repasse para ambas;
periódico de orientações às Farmacêuticos
unidades. 67,14%
2- Relação da gestão com responderam que
os outros setores da rede de há orientações
atenção à saúde. periódicas,
mas.apenas
11,43% que há
acompanhamento.
2- Não realiza
levantamentos das
demandas para
discussão com
outros setores.
Aspectos clínicos 1- Existência do monitoramento 10 1- 32,3% realizam o 6,25 Amarelo
dos tratamento. monitoramento.
2- Realização do primeiro 2- Ocorre em 67,7%
atendimento pelo farmacêutico. das unidades.
Relação com os Preocupação da gestão com a 10 - 4,9% unidades 0 Vermelho
usuários satisfação dos usuários, através informaram já ter
de avaliações e ouvidoria. realizado pesquisa
de satisfação.
- Há ouvidoria,
mas os dados não
são utilizados no
planejamento das
ações.
TOTAL DIMENSÃO 60 20,5 Laranja
(34,17%)
PONTUAÇÃO TOTAL DO PROTOCOLO 250 128,75 (51,5 %)
Legenda: CES: Conselho Estadual de Saúde; CIB: Comissão Intergestores Bipartite; CEAF: Componente Especializado da Assistência
Farmacêutica; PES: Plano Estadual de Saúde; PPA: Programação Plurianual; RH: Recursos Humanos; SR: Serviço de Referência; CAF: Central
de Abastecimento Farmacêutico; APAC: Autorização de Procedimento de Alto Custo; PGRSS: Programa de Gerenciamento de Resíduos de
Serviços de Saúde. Fonte: Elaborado pela autora.
2494
Rover MRM et al.

construir. A dimensão que atingiu a menor pon- boa parte das unidades, o que indicou a existên-
tuação foi a da sustentabilidade. Nesta dimensão, cia de condições mínimas para a promoção do
nenhum dos indicadores avaliados alcançou a URM29 e alcance dos objetivos do CEAF. Porém,
maior faixa de pontuação, ou seja, todos os as- é necessário avançar na implementação e registro
pectos analisados precisam ser aprimorados, com de atividades do monitoramento dos tratamentos
destaque para o controle social e a relação com os propostos nos PCDT30. Registros do monitora-
usuários como aspectos mais críticos. mento são fontes ricas de informações para a ges-
Na dimensão organizacional as parcerias e o tão no que se refere à identificação das falhas nos
acesso descentralizado apresentaram melhor de- serviços e no planejamento das ações16,30, contudo,
sempenho, enquanto o monitoramento das ações foram verificados em apenas pouco mais de um
apareceu como um fator a ser priorizado. Por fim, terço das unidades. Para a superação desta limita-
na dimensão operacional, as principais fortalezas ção são necessárias medidas como a ampliação do
foram em relação à infraestrutura, complementa- quadro de farmacêuticos e o desenvolvimento de
riedade e comunicação. As maiores fragilidades se atividades de capacitação focadas na “mudança
encontraram nas condições normativas, ou seja, do enfoque filosófico, organizacional e funcional
existiam debilidades nas condições legais e sanitá- da farmácia, elevando o seu nível de responsabili-
rias para o exercício das atividades nas unidades. dade e do profissional farmacêutico”31.
O alerta no indicador da acessibilidade estava
relacionado com tempo de espera até a primeira
Discussão dispensação dos medicamentos e a existência de
demandas judiciais para medicamentos forneci-
A expressiva participação e representatividade dos pelo CEAF. Estas evidenciam a necessidade de
das unidades avaliadas permitiram inferências criação de fluxos mais ágeis e menos burocratiza-
relativas à gestão do componente em nível es- dos, visando o atendimento oportuno dos usuá-
tadual e indicou interesse e comprometimento rios21, o que redundará na sustentabilidade da ges-
com o desenvolvimento da AF. tão pela satisfação das necessidades dos usuários.
Em relação ao resultado geral da avaliação, De forma similar, o alerta no indicador da
este expressa a necessidade de investimentos na relação entre serviços demonstrou a necessidade
qualificação da gestão estadual do CEAF em to- de informações sobre a demanda de serviços re-
das as dimensões, mas especialmente na de sus- lacionada ao CEAF e a oferta destes pelo estado.
tentabilidade. Estas informações poderiam ser obtidas, tanto
A dimensão da sustentabilidade avaliou o por ações de acompanhamento das unidades do
potencial da gestão em sustentar as ações e os CEAF, quanto por meio da melhoria da interação
resultados do CEAF, a qual é dependente da in- com outros setores da rede de saúde, no plane-
ter-relação da AF com outros setores da saúde, da jamento para atendimento dos serviços. Estas
satisfação dos usuários com a qualidade dos ser- medidas são fundamentais para a superação das
viços e do grau de participação social15,27. A baixa limitações na oferta descritas em estudo anterior,
pontuação desta dimensão e o fato de nenhum com usuários, médicos e farmacêuticos21.
indicador alcançar a imagem-objetivo refletiu o Os aspectos mais críticos da dimensão da
fato da sustentabilidade das ações ser um tema sustentabilidade, e que precisam ser priorizados
pouco avaliado na área da AF17. foram os indicadores Controle social e Relação
As principais fortalezas nesta dimensão se com os usuários. A relação distante da gestão com
encontraram nos indicadores perfil do gestor e os usuários, descrita pelos participantes neste
aspectos clínicos. No perfil do gestor destacou-se a estudo corrobora o relato de Lima-Dellamora
formação e a experiência na área farmacêutica, et al.31. Estes resultados revelam a necessidade de
bem como a existência formal do cargo na SES, aproximar a gestão da “ponta”, e que o gestor, no
fator considerado um avanço na direção da insti- seu papel de líder, estabeleça canais de comuni-
tucionalidade do SUS28. A fragilidade encontrada cação eficientes com vistas à transformação da
foi a fragmentação e os problemas de articulação realidade organizacional e das relações sociais de
do gestor com outras áreas da SES que são res- produção de cuidados, de modo que facilitem a
ponsáveis por parte das funções relativas ao fun- identificação e a solução oportuna das necessida-
cionamento do CEAF. des dos usuários22.
No caso dos aspectos clínicos destacou-se a Algumas alternativas úteis para resolver es-
participação do farmacêutico no primeiro aten- tas fragilidades incluem a institucionalização de
dimento (dispensação) dos usuários do CEAF em pesquisas de satisfação com usuários do CEAF e
2495

Ciência & Saúde Coletiva, 22(8):2487-2499, 2017


o acompanhamento dos dados levantados pela A existência de diretrizes de abrangência es-
ouvidoria para o planejamento das ações do tadual sobre os processos de trabalho nas unida-
componente. Estes processos poderiam criar um des (definida como responsabilidade da gestão
ambiente favorável para sustentar as decisões, estadual na CIB 398/201432) demonstrou o inte-
traduzindo a construção de uma imagem posi- resse e o compromisso da gestão com o estabele-
tiva que aumentaria a viabilidade da gestão no cimento de fluxos e normas que legitimem e via-
âmbito estadual. bilizem a organização das atividades relacionadas
Em relação ao Controle social, a ausência de ao CEAF, porém ficou evidente nos resultados a
pautas sobre o CEAF nas reuniões do CES de- necessidade de melhorar os canais de divulgação
monstrou a não valorização, por parte da gestão, às unidades, uma vez que apenas pouco mais da
da participação social. Considerando a natureza metade dos farmacêuticos participantes conhe-
estratégica e essencial da participação social para ciam as diretrizes, o que pode comprometer a
a gestão de programas e políticas públicas15, suge- adequada implementação das mesmas.
re-se a utilização destes espaços para a discussão Apesar da inclusão de ações do CEAF no PES,
de aspectos como a disponibilidade e a organi- na PPA e no Relatório de Gestão, não foram iden-
zação de serviços que comprometem o acesso a tificadas ações de incentivo para o processo de
medicamentos do CEAF22. planejamento (ex. reuniões de planejamento es-
Na dimensão organizacional, observou-se que tratégico). O indicador monitoramento e avalia-
apenas dois indicadores estão de acordo com a ção das ações foi considerado em situação urgente
imagem-objetivo que se deseja construir: parceiras e ponto a ser priorizado. Tanto o planejamento
e acesso descentralizado. Estes indicadores estavam quanto o monitoramento e a avaliação contri-
relacionados entre si, pois a parceria com outras buem para o aperfeiçoamento permanente da
instituições para o desenvolvimento de atividades gestão, na medida em que se configuram como
do CEAF foi realizada entre o estado e os muni- um relevante mecanismo que visa determinar a
cípios através de pactuação em CIB32. O atendi- qualidade dos serviços oferecidos, identificar as
mento dos usuários passou a ocorrer em seus mu- fragilidades (onde e porque acontecem) e im-
nicípios de residência, possibilitando a ampliação plantar as melhorias necessárias35,36.
do acesso aos medicamentos do componente por Já na dimensão operacional três indicadores
aumentar a acessibilidade aos serviços farmacêu- foram avaliados como de acordo com a imagem
ticos, como colocado por Penchansky e Thomas33. -objetivo: a comunicação, a complementariedade
Os indicadores de participação, transparência, e a infraestrutura. No entanto, o alcance dado na
planejamento, institucionalização e regulamenta- avaliação a estes indicadores foi limitado, e ape-
ção sinalizavam avanços, mas também necessi- sar do resultado positivo, foram detectados al-
dade de aperfeiçoamento. Este conjunto de indi- guns aspectos que precisam ser melhorados. No
cadores evidenciou que a capacidade de planejar caso da comunicação, embora a maior parte dos
e decidir de forma participativa e transparente, farmacêuticos participantes tenha informado
precisa avançar28. Para melhorar a participação conseguir se comunicar com a gestão regional/
poderiam ser criadas estratégias ou instâncias, central em tempo hábil para resolver os proble-
como reuniões de planejamento, consultas pú- mas, ainda persistiam problemas na agilidade da
blicas e atividades com associações de pacientes, comunicação que em alguns casos compromete a
para o engajamento e a corresponsabilização dos resolução imediata dos problemas e/ou dúvidas,
envolvidos no CEAF (pacientes, prescritores, podendo resultar na necessidade de retorno do
farmacêuticos) na gestão e desenvolvimento do usuário à unidade.
mesmo15. A criação de tais estratégias indicaria Quanto à complementariedade, esta objetivou
compartilhamento e transparência no processo identificar a capacidade da gestão estadual para
decisório o que soma para a capacidade de deci- propiciar mecanismos que visam garantir o aten-
dir em ambiente democrático. dimento de todas as linhas de cuidado, como a
Embora o estado registrasse os preços pra- pactuação em CIB da responsabilidade dos mu-
ticados no Banco de Preços em Saúde34, a ine- nicípios com o elenco da primeira linha de cui-
xistência de divulgação de informações sobre o dado. Contudo, não foi avaliado se na prática tais
desabastecimento de medicamentos demonstrou mecanismos garantem a integralidade dos trata-
que a gestão descumpriu princípios legais da mentos medicamentosos.
transparência. Este último ainda acarreta o re- No caso da infraestrutura, a maioria das uni-
torno dos usuários diversas vezes às unidades de dades envolvidas com o CEAF apresentavam
dispensação. condições mínimas, demonstrando avanço neste
2496
Rover MRM et al.

indicador em relação ao estudo de Blatt e Farias37, A regularidade da distribuição mostrou,


e resultados melhores que os de Lima Dellamora também, o interesse da gestão em assegurar o
et al.31 em unidades do Rio de Janeiro. Tal resul- pronto acesso. Da mesma forma, o controle de
tado expressou os investimentos nas unidades estoque mensal permite a obtenção regular de
estaduais nos últimos anos32. informações sobre os quantitativos nas unidades,
Por outro lado, embora a descentralização do evitando assim desabastecimentos ou perda de
CEAF beneficie os usuários, foi observado que al- medicamentos por validade expirada. Ambos os
guns municípios não têm capacidade de garantir critérios analisados somam para as boas práticas
a organização do serviço, estrutura física e pes- em logística. O critério que comprometeu a ca-
soal com a qualificação que o CEAF exige. Por- pacidade de gestão, neste indicador, foi a inexis-
tanto, é importante que a gestão estadual avalie tência de normas que atendam às boas práticas
permanentemente a estrutura física, a capacida- de transporte de medicamentos, a fim de suprir
de instalada e os equipamentos necessários para as demandas das unidades com qualidade ates-
a estruturação dos serviços37,38 e colabore com tada40. Esta atividade era realizada pelos municí-
os municípios na estruturação e qualificação da pios, embora seja responsabilidade do estado32.
AF16. Apesar de haver no estado sistemas de infor-
A disponibilidade no estado de Serviços de mação para o gerenciamento das atividades do
Referência (SR) recomendados pelos PCDT CEAF, estes não estão conectados à base nacional
para algumas situações clínicas30 representaram e não interoperam com outros sistemas da rede
um avanço importante na implementação do de atenção à saúde. Este fato comprometeu a ca-
CEAF39. No entanto, os resultados revelaram a pacidade de gestão, pois gera trabalho adicional e
concentração dos SR na capital e a inexistência possibilita a ocorrência de erros. Além disso, im-
de polos de aplicação dos medicamentos em to- possibilita que os profissionais responsáveis pelo
das as regiões. Polos de aplicação são fundamen- cuidado do usuário (médicos e farmacêuticos) de
tais para a garantia da aplicação, conservação, outras unidades de saúde acessem informações
compartilhamento de doses e até mesmo para o sobre os tratamentos realizados no CEAF, dificul-
adequado descarte dos insumos, devido ao risco tando a interação dos diferentes serviços de saú-
ambiental e biológico. Desta forma, há ainda a de e comprometendo a integralidade do cuidado.
necessidade de ampliação destes serviços visando Quanto ao número de farmacêuticos neces-
melhorar a qualidade da assistência prestada. sários para o desenvolvimento das atividades do
Relativo ao financiamento, segundo as infor- CEAF, pouco mais da metade das unidades in-
mações fornecidas pelo gestor, o estado aplicava formou os possuir em número suficiente. Cabe
as estratégias (coeficiente de adequação de preços neste momento a discussão de que, embora a
e as desonerações de tributos) para a manuten- obrigatoriedade da presença do farmacêutico du-
ção do equilíbrio financeiro. Estas estratégias vi- rante todo o período de funcionamento das far-
sam a obtenção da proposta mais vantajosa para mácias41,42, o número de profissionais está aquém
a administração pública e a aplicação destas, de- das necessidades. Blatt e Farias37 e Lima Dellamo-
monstra capacidade de execução neste quesito. Já ra et al.31 já haviam observado tal deficiência para
a insuficiência de recursos para a aquisição dos o desenvolvimento das atividades do CEAF.
medicamentos, vem comprometendo a capacida- Em relação à responsabilidade da gestão no
de de executar da gestão, prejudicando o atendi- desenvolvimento, na formação e na capacitação
mento da linha de cuidado sob responsabilidade de pessoal, foi pequeno o percentual de farma-
do gestor estadual. cêuticos que referiu a oferta anual de capaci-
Em relação à Gestão da logística não havia tações3,4. Entre as necessidades de capacitação
no estado estratégias visando enfrentar os pro- referidas pelos farmacêuticos estavam: sobre os
blemas nas aquisições, o que pode também ser PCDT, o monitoramento clínico e o sistema de
uma das causas dos desabastecimentos, que com- informação utilizado. Desta forma, se observou
prometem o acesso aos medicamentos no tempo incipiência na qualificação dos profissionais
oportuno37,39. Já a existência de método definido para algumas atividades, apesar do aumento das
e aplicado na programação e de mecanismos de oportunidades de qualificação, nos últimos anos,
punição para os fornecedores que descumprem como por exemplo, algumas iniciativas federais.
os critérios estabelecidos nos editais foram posi- É importante destacar que, de acordo com
tivas para a gestão, pois visavam a disponibilida- a Portaria nº 1.554 de 201343, não é obrigatória
de de medicamentos de qualidade e nas quanti- a disponibilização de todos os medicamentos
dades adequadas38. padronizados, porém, a seleção não pode com-
2497

Ciência & Saúde Coletiva, 22(8):2487-2499, 2017


prometer as linhas de cuidado. A não disponibili- tempo negligenciados na área, como a participa-
zação de medicamentos prejudica a integralidade ção social, os aspectos clínicos e a relação entre
dos tratamentos e provoca desequilíbrio finan- serviços, traz novos elementos para o campo da
ceiro43,44. Segundo os dados coletados, as faltas de AF e da gestão da AF.
medicamentos e os atrasos na dispensação por A avaliação final, neste estado, expressa a
falta de recursos, problemas de infraestrutura e necessidade de investimentos na qualificação
pessoal comprometeram a disponibilidade dos da gestão do CEAF em todas as dimensões, mas
medicamentos. Estas situações impactam negati- especialmente na dimensão de sustentabilidade.
vamente na saúde dos usuários, comprometendo Avanços são fundamentais para que a capacida-
assim a capacidade de execução. de de decisão, de execução e de sustentabilidade
O único indicador em vermelho na dimensão dos resultados garantam a integralidade do trata-
operacional, condições normativas, foi avaliado mento medicamentoso e os melhores resultados
através da existência de condições legais para o possíveis de saúde da população.
exercício das atividades nas unidades. Para tal, Para tanto, há a necessidade de projetos cla-
o Programa de Gerenciamento de Resíduos de ros e pactuados, planejamento e avaliação que
Serviços de Saúde (PGRSS)45, os Alvarás Sani- direcionem para o alcance e manutenção dos
tários46 e as certidões de Regularidade Técnica recursos operacionais, técnicos e humanos visan-
(RT)47 foram verificados. Embora o Alvará Sani- do o atendimento oportuno, integral e contínuo.
tário e a Certidão de RT sejam responsabilidade Portanto, não é um elemento individual que será
dos farmacêuticos dos municípios (nas unidades primordial para a tomada de decisões e alcance
municipais), a verificação desses requisitos indica dos resultados, e sim o conjunto de recursos, ser-
a preocupação da gestão com as condições sani- viços, habilidades, ações no campo político e das
tárias das farmácias onde são desenvolvidas as relações sociais.
atividades do componente. No estudo de Mendes Os problemas na articulação da gestão com
e Leite17, sobre a AF na atenção básica, menos da usuários, profissionais e outros setores da admi-
metade das unidades municipais de saúde anali- nistração pública e seus reflexos na oferta dos
sadas contavam com farmacêutico, e em muitos serviços são fatores capacitantes que restringem
casos quando há farmacêutico, este está envol- o acesso, além de constrangerem a sustentabili-
vido em várias atividades como a coordenação dade do próprio projeto de gestão.
da AF e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Assim, considerando a relevância do proces-
Desta forma, o fato do estado não possuir PGRSS so de implementação de uma política de saúde e
e monitorar os Alvarás Sanitários e as certidões seus programas, na perspectiva de consolidação
de RT de menos da metade das unidades indicou do SUS, são fundamentais estudos como este
que a gestão tem que avançar nestes aspectos. para acompanhar e avaliar esse processo.
Este estudo apresentou como limitações a
inclusão somente de unidades do CEAF cujos
farmacêuticos aceitaram participar da pesquisa.
Destaca-se que o uso de metodologia qualitati-
va (entrevistas e grupos focais), importante para
a consolidação dos resultados da avaliação, não
foram descritos neste artigo, mas utilizados21,22
para a discussão dos resultados quantitativos dos
indicadores apresentados no texto.

Considerações finais da avaliação


Colaboradores
Este estudo traz, pela primeira vez, a aplicação
de indicadores para a avaliação da capacidade de MRM Rover coletou os dados, analisou os acha-
gestão estadual do CEAF contemplando a pers- dos de campo e redigiu o texto; SN Leite auxi-
pectiva dos diferentes atores envolvidos e levan- liou na análise dos resultados, na concepção e na
do em consideração a política e as especificidades redação final; CM Vargas Peláez colaborou nas
da organização da AF no estado. análises dos resultados e na elaboração do texto;
Cabe destacar que os indicadores utilizados EB Faraco colaborou na elaboração do texto; MR
nesta avaliação, ao abranger aspectos por muito Farias auxiliou na redação final do texto.
2498
Rover MRM et al.

Referências

1. Sorenson C, Drummond M, Bhuiyan KB. Medical 16. Manzini F, Leite SN. Matriz de indicadores do mode-
technology as a key driver of rising health expenditure: lo de avaliação e as premissas da capacidade de gestão
disentangling the relationship. Clinicoecon Outcomes da Assistência Farmacêutica em âmbito municipal. In:
Res 2013; 5:223-234. Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ, Leite
2. Soares L. O acesso ao serviço de dispensação e a medi- SN, organizadores. Gestão da Assistência Farmacêutica:
camentos: modelo teórico e elementos empíricos [tese]. Proposta para Avaliação no Contexto Municipal: A Expe-
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; riência em Santa Catarina 2015. Florianópolis: Editora
2013. da UFSC; 2016. p. 95-141.
3. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria n° 3.916, de 17. Mendes SJ, Leite SN. Resultados gerais da avaliação da
30 de outubro de 1998. Aprova a Política Nacional de gestão da assistência farmacêutica em Santa Catarina.
Medicamentos. Diário Oficial da União 1998; In: Manzini F, Farias MR, Rover MRM, Mendes SJ,
4. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Resolução nº 338, de Leite SN, organizadores. Gestão da Assistência Farma-
6 de maio de 2004. Aprova a Política Nacional de As- cêutica: Proposta para Avaliação no Contexto Municipal:
sistência Farmacêutica. 2004. Diário Oficial da União A Experiência em Santa Catarina 2015. Florianópolis:
2004; 7 maio. Editora da UFSC; 2016. p. 147-160.
5. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.981, de 18. Matus C. Política, planejamento & governo. Brasília:
26 de novembro de 2009. Aprova o Componente Espe- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1993.
cializado da Assistência Farmacêutica. Diário Oficial da 19. Rover MRM, Vargas-Pelaez CM, Fernanda M, Mendes
União 2009; 27 nov. SJ, Farias MR, Leite SN. Modelo Teórico e Lógico para
6. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Componente Espe- a avaliação da capacidade de gestão do Componente
cializado da Assistência Farmacêutica: inovação para a Especializado da Assistência Farmacêutica. Gestão e
garantia do acesso a medicamentos no SUS. Brasília: MS; Saúde 2016; 7(1):191-210.
2014. 20. Rover MRM, Vargas-Pelaez CM, Farias MR, Leite SN.
7. Solla J. Dilemas e desafios da gestão municipal do SUS: Acceso a medicamentos de alto precio en Brasil: la
avaliação da implantação do Sistema Municipal em Vi- perspectiva de médicos, farmacéuticos y usuarios. Ga-
tória da Conquista (Bahia), 1997- 2008. São Paulo: Ed. ceta Sanitaria 2016; 30(2):110-116.
Hucitec; 2010. 21. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN.
8. Lugones R, Bermudez JAZ, Bonfim JRA. Analisis com- Da organização do sistema à fragmentação do cuida-
parado de política de medicamentos. São Paulo: Hucitec/ do: a percepção de usuários, médicos e farmacêuticos
Sobravime; 1999. sobre o Componente Especializado da Assistência Far-
9. Felisberto E. Análise da implantação e da sustentabilida- macêutica em um estado do sul do Brasil. Physis 2016;
de da política nacional de monitoramento e avaliação da 26(2):691-711.
atenção básica no Brasil, no período de 2003-2008 [tese]. 22. Rover MRM, Vargas-Peláez CM, Farias MR, Leite SN.
Recife: Fundação Oswaldo Cruz; 2010. Metodologia para o desenvolvimento de um protocolo
10. Kruk ME, Freedman LP. Assessing health system per- de indicadores para a avaliação da capacidade de ges-
formance in developing countries: a review of the liter- tão da assistência farmacéutica. UFSC – Especialização
ature. Health Policy 2008; 85(3):263-276. em Gestão da Assistência Farmacêutica. Universidade
11. Humphreys K, Mclellan AT. A policy-oriented review Aberta do SUS – UNASUS. [acessado 2017 jan 5]. Dis-
of strategies for improving the outcomes of services ponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/
for substance use disorder patients. Addiction 2011; ARES/6141
106(12):2058-2066. 23. Veber AP, Diehl E, Leite SN, Prospero ENS. Pharma-
12. Santos RI. Concepções de assistência farmacêutica no ceutical assistance in local public health services in
contexto histórico brasileiro [doutorado]. Florianópolis: Santa Catarina (Brazil): characteristics of its organiza-
Universidade Federal de Santa Catarina; 2011. tion. Brazilian Journal of Pharmaceutical Sciences 2011;
13. Guimarães MCL. Indicadores para avaliar a gestão des- 47(1):75-80.
centralizada da Assistência Farmacêutica na Atenção 24. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Avaliação por Trian-
Básica: um modelo em construção [resumo executivo gulação de Métodos: abordagem de programas sociais. 3ª
projeto de pesquisa]. Salvador: Universidade Federal ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2010.
da Bahia; 2007. 25. Gisev N, Bell JS, Chen TF. Interrater agreement and
14. Barreto JL. Análise da gestão descentralizada da assis- interrater reliability: key concepts, approaches, and ap-
tência farmacêutica: um estudo em municípios baianos plications. Res Social Adm Pharm 2013; 9(3):330-338.
[dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia;
2007.
15. Barreto JL, Guimarães MCL. Evaluation of decentral-
ized management of basic pharmaceutical care in Bahia
State, Brazil. Cad Saude Publica 2010; 26(6):1207-1220.
2499

Ciência & Saúde Coletiva, 22(8):2487-2499, 2017


26. Alves CKA, Natal S, Felisberto E, Samico I. Interpreta- 39. Becker IRT, Blatt CR, Farias MR. Municipalização das
ção e análise das informações: o uso de matrizes, crité- atividades relacionadas ao componente especializado
rios, indicadores e padrões. In: Samico I, Felisberto E, de Assistência Farmacêutica. Rev. Bras. Farm. 2011;
Figueiró AC, Frias PG, editores. Avaliação em saúde: ba- 92(3):128-36.
ses conceituais e operacionais. Rio de Janeiro: Medbook; 40. Guerra Júnior AA, Camuzi RC. Logística Farmacêuti-
2010. p. 89-107. ca. In: Osório-de-Castro CGS, Luiza VL, Castilho SR,
27. Guimarães MCL, Santos SMC, Melo C. Sanches Filho Oliveira MA, Jaramillo NM, organizadores. Assistência
A. Avaliação da capacidade de gestão de organizações farmacêutica: gestão e práticas para profissionais de saú-
sociais: uma proposta metodológica em desenvolvi- de. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014. p. 89-118.
mento. Cad Saude Publica 2004; 20(6):1642-1650. 41. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Lei
28. Paim JS, Teixeira CF. Institutional configuration and nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o
administration of Brazil’s National Health System controle sanitário do comércio de drogas, medicamen-
(SUS): problems and challenges. Cien Saude Colet tos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá outras
2007; 12(Supl. 0):819-829. providências. Diário Oficial da União 1973; 18 dez.
29. Ev LS, Gonçalves CB. Utilização de medicamentos. In: 42. Brasil. Lei nº 13.021, de 8 de agosto de 2014. Dispõe
Osório-de-Castro CGS, Luiza VL, Castilho SR, Oliveira sobre o exercício e a fiscalização das atividades farma-
MA, Jaramillo NM, organizadores. Assistência Farma- cêuticas. Diário Oficial da União 2014; 9 ago.
cêutica: Gestão e prática para profissionais da saúde. Rio 43. Brasil. Ministério da Saúde (MS), Conselho Nacional
de Janeiro: Fiocruz; 2014. p. 119-134. de Saúde. Portaria nº 1.554, de 30 de julho de 2013.
30. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Protocolo Clínico Dispõe sobre as regras de financiamento e execução do
e Diretrizes Terapêuticas. 2010. [acessado 2016 jul 4]. Componente Especializado da Assistência Farmacêuti-
Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?s- ca no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário
cript=sci_arttext&pid=S0102-311X2008001400021 Oficial da União 2013; 31 jul.
31. Lima-Dellamora EC, Caetano R, Osorio-de-Castro 44. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Da excepcionalidade
CGS. Dispensing specialized component medicines in às linhas de cuidado: o Componente Especializado da As-
areas of the State of Rio de Janeiro. Cien Saude Colet sistência Farmacêutica. Brasília: MS; 2010.
2012; 17(9):2387-2396. 45. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Re-
32. Santa Catarina. Secretaria Estadual de Saúde (SES). De- solução da diretoria colegiada - RDC nº 306, de 7 de
liberação Comissão Intergestores Bipartite 398 de 25 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Téc-
setembro de 2014. Florianópolis: SES; 2014. nico para o gerenciamento de resíduos de serviços de
33. Penchansky R, Thomas JW. The concept of access: de- saúde. Diário Oficial da União 2004; 8 dez.
finition and relationship to consumer satisfaction. Med 46. Brasil. Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977. Configu-
Care 1981; 19(2):127-140. ra infrações à legislação sanitária federal, estabelece as
34. Brasil. Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de sanções respectivas, e dá outras providências. Diário
2009. Acrescenta dispositivos à Lei Complementar nº Oficial da União 1977; 24 ago.
101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de 47. Conselho Federal de Farmácia (BR). Resolução nº 577
finanças públicas voltadas para a responsabilidade na de 25 de julho de 2013. Dispõe sobre a direção técnica
gestão fiscal e dá outras providências, a fim de deter- ou responsabilidade técnica de empresas ou estabele-
minar a disponibilização, em tempo real, de informa- cimentos que dispensam, comercializam, fornecem e
ções pormenorizadas sobre a execução orçamentária e distribuem produtos farmacêuticos, cosméticos e pro-
financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dutos para a saúde. Diário Oficial da União 2013; 26 jul.
dos Municípios. Diário Oficial da União 2000; 28 maio.
35. Marin N, editor. Assistência Farmacêutica para gerentes
municipais. Rio de Janeiro: OPAS/OMS; 2003.
36. World Health Organization (WHO). Promoting ratio-
nal use of medicine: core components. 2002. [2014 abr
15]. Disponível em: http://apps.who.int/medicinedocs/
pdf/h3011e/h3011e.pdf
37. Blatt CR, Farias MR. Diagnóstico do Programa de
Medicamentos Excepcionais do Estado de Santa Cata-
rina-Brasil. Latin American Journal of Pharmacy 2007;
26(5):776-783.
38. Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).
A Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília: Conass; Artigo apresentado em 26/10/2016
2011. Aprovado em 18/04/2017
Versão final apresentada em 20/04/2017

Você também pode gostar