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O ABC

da ESCLEROSE MÚLTIPLA
O seu apoio a cada momento

Catarina Fernandes
Celena Veloso
Daniela Leal
Maria José Carvalho
Ficha técnica
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sendo os artigos da responsabilidade dos seus autores.

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Autores
Catarina Fernandes
Celena Veloso
Daniela Leal
Maria José Carvalho

PT/NONNI/0418/0006
Aprovado em 05/2018
O ABC
da ESCLEROSE MÚLTIPLA
O seu apoio a cada momento

Catarina Fernandes | Celena Veloso


Daniela Leal | Maria José Carvalho
PREFÁCIO

Enquanto presidente do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla, a


associação de médicos e outros profissionais de saúde dedicada à
promoção do conhecimento e dos melhores cuidados às pessoas com
esta doença, é para mim um gosto poder prefaciar esta obra.

Ter uma doença nunca é fácil, mas viver com esclerose múltipla tem
duas caraterísticas que acrescem a essa dificuldade e às implicações de
viver com uma doença crónica. Por um lado, é muito difícil saber o que
vai acontecer na doença, não só no longo prazo, mas ao nível do dia a
dia: quando e como vai ser o próximo surto; quando é que vai aparecer
“aquela” fadiga ou as dores, que não me deixam fazer nada. Por outro,
a maior parte dos familiares, amigos e colegas (e mesmo dos doentes)
desconhece a doença ou confunde-a com outras “escleroses”, o que
favorece o estigma ou o rótulo fácil, dificultando a integração e a aceitação.
Entre a imprevisibilidade (e as limitações que a doença impõe) e a
ignorância, viver todos os dias com esclerose múltipla requer uma
aprendizagem constante. Esta obra foi pensada para facilitar essa
aprendizagem e servir como um manual útil, sobretudo para quem
ainda está a começar e se sente muitas vezes perdido. Escrita por
profissionais de saúde com muita experiência a acompanhar de muito
perto pessoas com esclerose múltipla (e por isso muito conscientes das
suas necessidades e dificuldades), funciona como um pequeno guia,
muito prático e de consulta fácil, mas cientificamente muito rigoroso e
completo. Em boa hora o temos, dada a escassez de fontes credíveis,
em português e adaptadas à realidade do nosso país, sobre o assunto.

Estou certo que será um aliado importante dos doentes e, porque


não, também dos profissionais de saúde, que podem confiar nos seus
conteúdos para ajudar a esclarecer algumas dúvidas, ou levantar outras
questões para serem debatidas nas consultas.

Boa leitura!

Professor João Cerqueira,


Presidente do Grupo de Estudos de Esclerose Múltipla
O ABC da esclerose múltipla

ÍNDICE

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

8
Índice

Introdução 14

I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla 16

1. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE A ESCLEROSE MÚLTIPLA 17

O que é Esclerose Múltipla? 17

Prevalência da Esclerose Múltipla 17

A Esclerose Múltipla e Sistema Nervoso Central 20

Desmielinização 21

O que é um surto? 21

Como é que a Esclerose Múltipla Progride? 22

2. CAUSAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA 23

Causa Genética 23

Causas Ambientais 24

Causa Viral 25

3. SINTOMAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA 25

Alterações Sensitivas 25

Alterações Visuais 26

Alterações de Equilíbrio e Coordenação Motora 26

Disartria 27

Alterações Motoras e Espasticidade 27

Alterações Urinárias 28

Fadiga 29

Alterações Psicológicas e Cognitivas 30

9
O ABC da esclerose múltipla

4. TIPOS DE ESCLEROSE MÚLTIPLA 31

Esclerose Múltipla Surto Remissão (EMSR) 31

Esclerose Múltipla Secundária Progressiva (EMSP) 32

Esclerose Múltipla Primária Progressiva (EMPP) 32

5. DIAGNÓSTICO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA 33

A importância de uma Consulta Médica Minuciosa 33

Como é Confirmado o Diagnóstico de Esclerose


Múltipla? 33

O Exame Neurológico 34

O Exame dos Nervos Cranianos 34

O Teste aos Reflexos 35

O Teste à Função Motora 35

O Teste à Marcha e Equilíbrio 35

O Teste à Função Sensitiva 36

6. TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA 36

Ressonância Magnética Nuclear (RMN) 36

Punção Lombar 38

Testes dos Potenciais Evocados 39

7. TRATAMENTO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA 41

A Importância do Tratamento Precoce 41

Opções de Tratamento 43

10
Índice

Tratamento com Medicamentos Imunomoduladores 44

Tratamento com Medicamentos Imunossupressores 45

Tratamento com Medicamentos de Imuno-reconstituição 45

Tratamento com Corticosteróides 45

Tratamento Sintomático 46

Tratamento da Espasticidade 47

Tratamento da Ataxia 47

Tratamento da Fadiga devida à Esclerose Múltipla 48

Tratamento da Depressão 48

Tratamento das Alterações Urinárias 48

II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla 50

1. VIDA SAUDÁVEL COM ESCLEROSE MÚLTIPLA 51

Dieta 51

Desporto 54

Descanso 56

Sexualidade 56

Contraceção e Fertilidade 58

Gravidez, Parto e Amamentação 58

Viajar 60

Esclerose Múltipla e Emprego 63

11
O ABC da esclerose múltipla

III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade 66

1. ABORDAGEM SOCIAL 67

Direitos das pessoas com Esclerose Múltipla 67

Proteção Social na Esclerose Múltipla 68

Benefícios do doente de Esclerose Múltipla 75

Benefícios Fiscais 77

Arrendamento 78

Crédito Bonificado para Aquisição de Habitação 79

Seguro de Vida não é obrigatório 82

Habitação Social 82

Aquisição de Veículo Automóvel e Estacionamento 83

Cartão de Estacionamento de Modelo Comunitário


para pessoas com Deficiência 86

Isenção do Imposto Único de Circulação (IUC) 89

Isenção do Pagamento de Taxas Moderadoras Versus


Dispensa de Cobrança de Taxas Moderadoras 89

Dispensa de Cobrança de Taxas Moderadoras 90

Proteção Social para a Inclusão 91

12
Índice

2. GRUPOS DE APOIO AOS DOENTES COM ESCLEROSE


MÚLTIPLA 94

Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) 94

Associação Nacional de Esclerose Múltipla (ANEM) 95

CONCLUSÃO 96

BIBLIOGRAFIA 100

13
O ABC da esclerose múltipla

INTRODUÇÃO

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

14
Introdução

INTRODUÇÃO
A Esclerose Múltipla é a doença neurológica crónica do sistema nervoso
central mais comum entre os adultos jovens, estimando-se que afete
cerca de 2,3 milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar da sua
prevalência ainda não existe uma cura, continuando por determinar
muitos aspetos desta afeção, inclusive a sua causa exata.

O progresso da investigação, na área das doenças neurodegenerativas,


tem ajudado a compreender melhor esta patologia e a promover a
procura de soluções terapêuticas que visam minimizar os seus efeitos,
proporcionando uma melhoria real na vida quotidiana dos doentes.

Este guia destina-se a todos os que convivem diariamente com a


Esclerose Múltipla, enquanto doentes ou cuidadores. Disponibiliza
informação detalhada sobre a doença, as suas possíveis causas, exames
usados para o diagnóstico, possibilidades e recomendações para um
estilo de vida saudável.

15
O ABC da Esclerose Múltipla

I CAPÍTULO
A ESCLEROSE MÚLTIPLA

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

16
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

1. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE ESCLEROSE MÚLTIPLA

O que é a Esclerose Múltipla?


A Esclerose Múltipla é uma doença inflamatória crónica degenerativa,
sendo a patologia não traumática mais comum do sistema nervoso
central (SNC) e a principal causa de incapacidade neurológica no
adulto jovem.

Trata-se de uma doença autoimune, em que o sistema imunitário não


consegue distinguir as células do próprio corpo de células estranhas,
atacando erroneamente e destruindo os seus próprios tecidos. O principal
alvo deste ataque é a mielina, uma camada de gordura protetora que
envolve as fibras nervosas e que ajuda na transmissão de mensagens às
diversas partes do corpo.

As cicatrizes que se formam depois de um surto agrupam-se em


estruturas conhecidas como «escleroses», por vezes também chamadas
de «placas» ou «lesões». Com a progressão da doença estas lesões
atingem milhões de fibras nervosas, afetando profundamente a
transmissão de mensagens através das mesmas. O nome Esclerose
Múltipla advém da multiplicidade e da aleatoriedade com que estas
áreas ou estruturas aparecem dispersas pelo cérebro e espinal medula.

Prevalência da Esclerose Múltipla


Estima-se que existam em todo o mundo cerca de 2,3 milhões de
pessoas com Esclerose Múltipla.

Em Portugal a prevalência é de 56 por 100.000 habitantes, estimando-se


a existência de 6500 pessoas com Esclerose Múltipla.

17
O ABC da Esclerose Múltipla

Qualquer indivíduo pode desenvolver Esclerose Múltipla,


independentemente do local onde vive, da sua raça ou idade. Os padrões
de distribuição global indicam que fatores hereditários e ambientais
podem desempenhar um papel importante no seu aparecimento. Ocorre
com maior frequência nas mulheres do que nos homens, exceto no caso
da Esclerose Múltipla Primária-Progressiva, em que a prevalência entre
homens e mulheres é idêntica.

Apesar de uma distribuição geográfica desigual, sabe-se que existe


maior prevalência da doença na América do Norte e no Norte da Europa
do que em regiões tropicais e subtropicais, tendo sido estabelecida
uma ligação entre a prevalência de Esclerose Múltipla e os países mais
distantes do Equador.

Sabe-se também que o risco de desenvolver Esclerose Múltipla altera-se


quando um indivíduo migra de um país de incidência baixa para um de
incidência elevada, ou vice-versa. Por exemplo, um indivíduo natural de
uma área de risco baixo, como a Ásia, ao mudar-se para uma região de
risco elevado antes dos 15 anos, como a Europa do Norte, aumenta a
probabilidade de vir a sofrer da doença.

Distribuição geográfica da Esclerose Múltipla

O número estimado de pessoas com Esclerose Múltipla aumentou de 2,1


milhões em 2008 para 2,3 milhões em 2013.

A prevalência média global usada para calcular esse número aumentou


de 30 (em 2008) para 33 por 100.000 habitantes (em 2013). Não está claro
se esse aumento se deve a melhores diagnósticos e ferramentas para
reporte ou a outras causas.

18
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

Enquanto a Esclerose Múltipla está presente em todas as regiões do


mundo, a sua prevalência varia muito, sendo mais alta na América do
Norte e Europa (140 e 108 por 100.000 habitantes, respetivamente) e
menor na região da África Subsaariana e na Ásia Oriental, na proporção
de 2.1 e 2.2 por 100.000, respetivamente.

Pessoas
por 100.000
doentes com
Esclerose Múltipla
>100
60.01-100
20.01-60
5.01-20
0-5
Sem dados

Sabe-se que a prevalência da Esclerose Múltipla variava de acordo com


a latitude. Por exemplo, na América do Sul, a prevalência de Esclerose
Múltipla na Argentina - considerado um país de risco médio para a
Esclerose Múltipla - é de 18 por 100.000 habitantes, o que é seis vezes
mais alta do que a prevalência de 3.2 por 100.000 registrada no Equador,
um país com risco baixo para Esclerose Múltipla.

A Esclerose Múltipla pode desenvolver-se em qualquer idade. Em média,


o momento do diagnóstico surge por volta dos 30 anos, ocorrendo muito
raramente em crianças ou em idosos. Menos de 4% dos indivíduos afetados
são diagnosticados durante a infância, sendo a Esclerose Múltipla Surto

19
O ABC da Esclerose Múltipla

Remissão (EMSR) a forma mais comum em crianças, com um predomínio


de sintomas sensitivos e uma maior prevalência em indivíduos do sexo
feminino.

A Esclerose Múltipla e o Sistema Nervoso Central


O sistema nervoso central (cérebro e espinal medula) é composto por
células nervosas (neurónios) e células gliais (células de apoio que
asseguram o normal funcionamento dos neurónios). Um neurónio é
constituído por um corpo celular que contém prolongamentos dendríticos
e por uma extensão longa chamada axónio. De modo a assegurar a
condução dos impulsos nervosos, os axónios são envolvidos por uma
substância gordurosa e isolante chamada mielina.

A mielina envolve o axónio


célula nervosa
de forma a isolar as células com bainha de mielina
nervosas do pequeno fluxo
de eletricidade que flui no seu
interior e gera os impulsos
nervosos. Na bainha de
mielina existem pequenas
interrupções que formam os
nódulos de Ranvier. Durante
a condução nervosa, a bainha
de mielina permite que os
impulsos nervosos saltem de
um nódulo para o próximo
de uma forma rápida e eficiente (condução saltitante), estando este
fenómeno na base de uma condução nervosa rápida. Ao saltar de nódulo
em nódulo, a condução do impulso torna-se muito mais rápida do que se
fosse efetuada ao longo de todo o comprimento da fibra nervosa.

20
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

Desmielinização
Na Esclerose Múltipla, os processos inflamatórios danificam ou
destroem as bainhas de mielina das células nervosas, sendo os axónios
e a mielina os alvos principais desta inflamação. Esta perda é conhecida
por desmielinização. Os axónios que ficam sem mielina deixam de
poder conduzir adequadamente os impulsos nervosos, traduzindo-se
nos sintomas neurológicos normalmente sentidos durante um surto ou
recidiva da Esclerose Múltipla. Dado que a localização das regiões de
desmielinização do sistema nervoso central é imprevisível, a natureza dos
défices neurológicos associados a estes surtos pode ser muito diversa.

Uma vez desaparecida a inflamação, a mielina danificada pode ser


substituída levando à recuperação da função neurológica, como
ilustrado pelo caráter temporário de um surto de Esclerose Múltipla.
Contudo, em casos de desmielinização grave e prolongada, os axónios
podem ser destruídos antes da camada protetora de mielina voltar a
ser restabelecida. Nestes casos verifica-se a substituição dos axónios
por tecido cicatrizado sem qualquer função neurológica, dando lugar a
alterações neurológicas permanentes.

O que é um Surto?
Um surto, ou exacerbação, é um dos sinais distintivos da Esclerose Múltipla
sendo definido como «a ocorrência não provocada e não antecipada de
um novo sintoma ou recorrência de um sintoma antigo, com um período
de duração superior a 24 horas».

O tempo e curso de um surto ou exacerbação são dos poucos aspetos


relativamente consistentes da doença. Durante um surto, os sintomas
desenvolvem-se normalmente ao longo de alguns dias, permanecem

21
O ABC da Esclerose Múltipla

constantes durante três ou quatro semanas, diminuindo lentamente ao


longo de um período de cerca de um mês.

Como é que a Esclerose Múltipla Progride?


A Esclerose Múltipla é uma doença imprevisível. A sua progressão, o tipo e
a gravidade dos sintomas ou danos subsequentes diferem de pessoa para
pessoa e são impossíveis de prever com rigor no momento do diagnóstico.
Por esta razão, é difícil saber quais as pessoas cuja doença irá progredir
para uma forma mais avançada e quais aquelas que permanecerão
estáveis. Apesar de a sua evolução variar muito de pessoa para pessoa,
a maioria dos indivíduos com Esclerose Múltipla pode esperar uma vida
normal ou próxima do normal. A medicação pode ajudar os doentes a
viver uma vida plena e ativa, aliviando muitos dos sintomas e, o que é mais
importante, abrandando o seu curso.

Não existe um padrão evolutivo da Esclerose Múltipla, mas é certo que


alguns fatores desempenham um papel significativo na sua evolução a
longo prazo. Sabe-se, por exemplo, que em casos de incapacidade ligeira
nos primeiros cinco anos, dois terços das pessoas com Esclerose Múltipla
ficam relativamente estáveis durante um período de 15 anos.

Os fatores que se seguem são indicadores de um prognóstico favorável:

• Perturbações sensitivas ou da visão como sintomas iniciais;

• Remissão completa da sintomatologia após os surtos;

• Ausência de incapacidade após um período de cinco anos.

Importa referir que a Esclerose Múltipla não é uma doença mortal. O


falecimento devido a complicações decorrentes é raro e apenas ocorre
em estadios muito avançados. A esperança de vida é aproximadamente

22
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

equivalente à das pessoas não afetadas e cerca de metade das pessoas


afetadas podem esperar um curso da doença relativamente favorável,
sem limitações graves.

2. CAUSAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA


Na Esclerose Múltipla, a mielina torna-se o alvo de um ataque orquestrado
por parte das células do sistema imunitário. Desconhece-se ainda o que
desencadeia este fenómeno imunológico mas sabe-se que existem
alguns fatores que poderão desencadear esta resposta inflamatória em
indivíduos geneticamente suscetíveis.

Causa Genética
Atualmente, não existem dados científicos conclusivos que permitam
confirmar a hereditariedade da Esclerose Múltipla, embora, pareça
existir uma «recetividade» hereditária à doença. No entanto, esta ocorre
frequentemente entre membros da mesma família o que, pode indicar
uma ligação genética. Ainda assim, é bom lembrar que os membros de
uma família partilham, muitas vezes, um ambiente e um estilo de vida
semelhantes, o que pode constituir um fator ambiental que explique o
aparecimento da doença no seio de uma mesma família.

O risco de filhos e irmãos desenvolverem a doença é relativamente baixo,


com uma probabilidade de 96% a 98% de um parente direto não ser
afetado pela doença.

Foram também realizados vários estudos sobre a incidência de Esclerose


Múltipla em gémeos, tendo estes fornececido provas adicionais,
confirmando a não existência de uma ligação genética direto na Esclerose

23
O ABC da Esclerose Múltipla

Múltipla. Se os genes fossem os únicos responsáveis pelo desenvolvimento


da doença, então a presença de Esclerose Múltipla num gémeo idêntico
significaria um risco de 100% de desenvolvimento no outro gémeo. Um
estudo efetuado no Canadá revelou que o risco entre gémeos idênticos
é de aproximadamente 30%. Além disso, nos gémeos não idênticos o
risco de ocorrência no segundo gémeo é aproximadamente o mesmo
que para os irmãos não gémeos.

Atualmente, e devido à falta de dados científicos sobre o controlo


genético da doença, é extremamente difícil prestar aconselhamento
nesta área.

Causas Ambientais
Existe a convicção generalizada de que os fatores ambientais têm também
um papel importante a desempenhar no desencadear da Esclerose
Múltipla.

Conforme anteriormente referido, a comunidade médica reconhece


que a Esclerose Múltipla é mais comum nas populações dos países mais
distantes do Equador. No Canadá e nos países da Europa do Norte
(particularmente na Escandinávia e na Escócia) existe uma elevada
incidência da doença, o que poderá refletir uma suscetibilidade específica
dessas populações.

O mais provável é que a Esclerose Múltipla se desenvolva como


resultado de fatores genéticos e ambientais. Uma pessoa que nasça com
uma suscetibilidade genética e que também esteja exposta a fatores
ambientais ainda desconhecidos, terá certamente um risco acrescido de
desencadear uma resposta autoimune que poderá dar origem à doença.

24
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

Causa Viral
Uma das teorias para explicar a ocorrência da Esclerose Múltipla
defende que determinadas infeções virais em indivíduos geneticamente
«suscetíveis» provocariam o desencadeamento de uma resposta
autoimune do organismo. No entanto, esta hipótese de que um vírus
específico possa estar relacionado com o desenvolvimento da doença
não está provada de uma forma conclusiva.

3. SINTOMAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA


A Esclerose Múltipla é uma doença inflamatória crónica que interfere com
a capacidade de controlo de funções vitais como a visão, locomoção e
equilíbrio. A sintomatologia é muito variável, tanto em frequência como
em gravidade, e os sintomas neurológicos surgem consoante o local do
sistema nervoso central que se encontra lesado, diferindo os sintomas de
indivíduo para indivíduo.

Alterações Sensitivas
As alterações de sensibilidade (parestesias) são sintomas muito comuns.
Estas caraterizam-se por sensações cutâneas subjetivas, vivenciadas
espontaneamente na ausência de estimulação direta e são originadas
por lesões localizadas na vias sensitivas. Os doentes descrevem-nas
como formigueiros, dormências, sensação de picada de agulha ou falta
de sensibilidade. Estes sintomas são muitas vezes assimétricos, ou seja,
podem surgir apenas num dos lados do corpo, nomeadamente apenas
num braço ou numa perna, ou numa só zona do tronco.

25
O ABC da Esclerose Múltipla

As parestesias surgem frequentemente na fase inicial da doença e ao


serem muitas vezes pouco valorizadas, podem estar na base de um
diagnóstico tardio da Esclerose Múltipla.

Uma sensação de aperto torácico ou a sensação de ter uma articulação


«presa» são sintomas igualmente frequentes. Algumas pessoas também
descrevem sentir uma «sensação de choque elétrico», ao longo das
costas, que pode surgir espontaneamente ou após flexão do pescoço.
Este fenómeno é conhecido por Sinal de Lhermitte.

Alterações Visuais
O nervo ótico é muitas vezes atingido na Esclerose Múltipla e a sua
inflamação origina diversas alterações visuais, tais como diminuição da
acuidade visual, visão desfocada ou turva, intolerância à luz (fotofobia)
ou visão dupla. Pode surgir também dor ocular (relacionada com os
movimentos oculares) ou perda temporária da visão de um dos olhos.

Alterações de Equilíbrio e Coordenação Motora


Os problemas de coordenação são geralmente resultado de lesões ao
nível do cerebelo, a região do cérebro situada atrás do tronco cerebral
que controla o equilíbrio e a coordenação dos movimentos.

A alteração da coordenação motora é uma condição médica conhecida


por ataxia, caraterizada por afetar o equilíbrio e a força muscular. Não
se manifesta de igual modo em todos os indivíduos. Enquanto algumas
pessoas podem ter dificuldade em sentar-se, estar de pé ou andar,
outras podem apresentar ataxia da marcha, que consiste numa marcha
cambaleante, com aumento da base de sustentação do corpo, semelhante

26
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

à marcha de um indivíduo embriagado. Este tipo de lesões pode originar


desequilíbrios na marcha e falta de coordenação, dificuldade em efetuar
movimentos específicos, como agarrar objetos de pequena dimensão
(como, por exemplo, uma chávena ou uma colher). Por vezes, a ocorrência
de oscilações bruscas e descoordenadas no movimento (designadas por
tremor de intenção) pode fazer com que algumas atividades da vida diária
se tornem muito difíceis de realizar.

Disartria
As alterações da fala/articulação verbal são originadas sobretudo por
lesões no tronco cerebral e cerebelo. Em consequência desta perturbação,
os doentes apresentam alterações ao nível da expressão oral (fala).

Os indivíduos com Esclerose Múltipla podem apresentar um discurso


atípico, mal pronunciado, com alterações bruscas na articulação das
palavras, caraterizando-se por um ritmo particular, por vezes lentificado,
com palavras arrastadas e sem variações de tonalidade. Estas alterações
podem ter uma frequência variável, podendo ocorrer por períodos de
alguns segundos até vários minutos.

Alterações Motoras e Espasticidade


As alterações motoras ocorrem devido a lesões cerebrais provocadas
pela Esclerose Múltipla, e podem, ao longo do tempo, interferir
significativamente com a mobilidade dos indivíduos afetados.

Os sintomas mais comuns são a fraqueza muscular e a alteração da


tonicidade muscular. O aumento do tónus muscular designa-se por
espasticidade, e traduz-se por um aumento da tensão muscular e da

27
O ABC da Esclerose Múltipla

resistência à mobilização. Este tipo de sintomas pode interferir com


a marcha. Por exemplo, as pernas tornam-se mais pesadas com a
sensação de “ficarem presas” ao chão, sobretudo após longos períodos
de caminhada, ou os movimentos tornam-se mais lentos, sendo difícil
executar movimentos rápidos. Os doentes podem, por vezes, deparar-se
com a incapacidade de mover os membros livremente e de acordo com a
sua própria vontade. O ato aparentemente simples de subir umas escadas
pode tornar-se muito cansativo.

A espasticidade é também influenciada por fatores externos como o stress,


as condições atmosféricas, a dor ou por situações infeciosas associadas.

Outro sintoma comum é a paresia, que consiste na diminuição da força


muscular e da sensibilidade numa determinada parte do corpo. Os
doentes mantêm a função motora e os movimentos voluntários mas de
uma forma mais débil e limitada, devido à extrema fraqueza muscular.
Este tipo de sintoma pode afetar a face, um membro ou um dos lados
do corpo (hemiparésia), podendo ser confundidos com os sintomas
de um AVC. A paresia é um sintoma muito incapacitante e, após ou
durante o surto, os doentes poderão necessitar de fisioterapia para uma
recuperação mais rápida.

Alterações Urinárias
A existência e a frequência das alterações urinárias estão relacionadas
com as diferentes fases da doença, a localização das lesões e o grau geral
de incapacidade.

A queixa mais frequente é a urgência urinária, uma necessidade quase


compulsiva de urinar, e a polaquiúria, a necessidade de urinar muitas
vezes. Nas fases mais avançadas da Esclerose Múltipla, pode também

28
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

surgir incontinência ou retenção urinária, ou seja, o controlo da bexiga


pode por vezes desaparecer ou só se conseguir o esvaziamento da bexiga
de um modo muito lento. Por sua vez, o esvaziamento lento e incompleto
da bexiga pode originar infeções urinárias recorrentes.

Fadiga
A fadiga provocada pela Esclerose Múltipla é uma forma particular de
exaustão, de instalação rápida. Pode manifestar-se como um cansaço
físico e mental excessivo e grande parte das pessoas com Esclerose
Múltipla sentem-na em determinada altura, durante o curso da doença.

Este tipo de cansaço pode interferir com aspetos físicos, emocionais e/


ou profissionais da vida dos doentes impedindo-os de efetuar mais do
que uma rotina diária mínima. Muitas vezes, pode facilmente ser mal
interpretada por terceiros, especialmente por pessoas que desconhecem
as caraterísticas da doença, e pode ocorrer mesmo depois de um muito
pequeno esforço.

A realização de tarefas caseiras, uma simples ida às compras ou sair à


noite com os amigos pode deixar o doente mais cansado do que seria
normal resultando, por vezes, no isolamento dos doentes do seu círculo
de amigos e conhecidos. Para além disso, o sentir-se «diferente» pode ser
perturbador e frustrante afetando psicologicamente o doente que vê a
sua rotina diária alterada.

29
O ABC da Esclerose Múltipla

Alterações Psicológicas e Cognitivas


Para além dos sintomas físicos da Esclerose Múltipla, esta condição
tem também efeitos consideráveis no estado psicológico e mental do
indivíduo.

As alterações cognitivas mais comuns são alterações da memória,


dificuldades de concentração ou atenção reduzida, podendo surgir ao
longo do desenvolvimento da doença e variar com o próprio processo
de progressão.

A negação da doença e a ansiedade relativamente ao futuro são emoções


comuns associadas à Esclerose Múltipla. Medo, raiva, sentimentos de
culpa, tristeza, revolta e alterações de humor graves são também reações
frequentes ao diagnóstico. A doença pode ter um efeito adverso sobre o
humor dos indivíduos e os estados de espírito associados podem incluir
desmoralização, falta de autoestima e, na forma mais grave, depressão.

A depressão pode surgir como um efeito secundário clínico da Esclerose


Múltipla, uma vez que pode derivar do processo inflamatório do sistema
nervoso central. Pode também ser um efeito secundário de alguns tipos
de medicação ou resultar simplesmente de uma reação ao diagnóstico e
à alteração do estilo de vida que a progressão da doença exige. Por todas
estas razões, é muito importante que os doentes saibam reconhecer
quaisquer alterações de humor e, se for o caso, informem o médico ou
enfermeiro de referência.

30
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

4. TIPOS DE ESCLEROSE MÚLTIPLA


Existem vários tipos de Esclerose Múltipla, consoante o grau de
incapacidade do indivíduo, sendo os mais frequentes:

Esclerose Múltipla Surto Remissão (EMSR)


A Esclerose Múltipla Surto Remissão é a forma mais comum da doença.

As pessoas com este tipo de Esclerose Múltipla apresentam períodos


de surtos mas geralmente voltam ao seu estado normal (estado de
«remissão»). Os surtos são um dos sinais distintivos da Esclerose Múltipla
e caraterizam-se por episódios agudos de manifestações de um ou mais
sintomas novos, ou o agravamento de um sintoma já existente, com uma
duração sempre superior a 24 horas.

Durante um surto, de uma maneira geral, os sintomas desenvolvem-se


no decorrer de alguns dias, permanecendo constantes durante três ou
quatro semanas e desaparecendo depois em cerca de um mês. Durante
este período de tempo, o indivíduo recupera total ou parcialmente dos
sintomas experimentados. Para se considerarem 2 surtos distintos, num
curto espaço de tempo, é necessário que entre o início de ambos exista
um intervalo de 30 dias.

Em algumas pessoas com Esclerose Múltipla Surto Remissão, o curso


da doença é progressivo sendo que, passados 10 ou 15 anos, poderão
evoluir para Esclerose Múltipla Secundária Progressiva (EMSP).

31
O ABC da Esclerose Múltipla

Esclerose Múltipla Secundária Progressiva (EMSP)


A Esclerose Múltipla Secundária Progressiva, anteriormente chamada
Esclerose Múltipla Progressiva Crónica, desenvolve-se durante um
período de 10 a 15 anos.

Alguns indivíduos com Esclerose Múltipla Secundária Progressiva


ainda apresentam surtos mas, nesta fase, a recuperação dos sintomas
experimentados no decorrer do surto, em muitos doentes, já não é total
e, com o tempo, estes passam por um aumento gradual e contínuo dos
sintomas e do nível de incapacidade.

Esclerose Múltipla Primária Progressiva (EMPP)


As pessoas com Esclerose Múltipla Primária Progressiva apresentam
sintomas que se agravam de forma constante desde o início do diagnóstico.

A sua incapacidade evolui gradualmente e pode estabilizar em


determinada altura ou continuar a agravar-se durante meses ou anos. Esta
forma de Esclerose Múltipla é progressiva e não apresenta períodos claros
de surtos ou remissão. A idade em que surge é geralmente mais avançada
do que para os outros tipos de Esclerose Múltipla afetando normalmente
pessoas com 40 anos ou mais, e só muito raramente ocorrendo em idades
inferiores.

A Esclerose Múltipla Primária Progressiva apresenta a mesma probabilidade


de ocorrência em homens e mulheres sendo o prognóstico geralmente
pior do que para outros tipos de Esclerose Múltipla, visto apresentar uma
deterioração mais rápida.

32
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

5. DIAGNÓSTICO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA


A obtenção de um diagnóstico correto, que exclua a possibilidade
de outras condições serem responsáveis por quaisquer dos sintomas
apresentados pelos doentes, é essencial e sempre prévia ao início do
tratamento para a Esclerose Múltipla.

A importância de uma Consulta Médica Minuciosa


Atualmente não existe um teste único para determinar se um indivíduo
tem Esclerose Múltipla. A dificuldade em diagnosticar esta doença é
acrescida pela grande variedade de sintomas que os doentes podem
apresentar e que podem, muitas vezes, assemelhar-se aos de outras
doenças.

A consulta de um neurologista, de forma a garantir um diagnóstico


correto, assume uma grande importância. Deverá efetuar-se uma análise
minuciosa da história clínica da pessoa, solicitar testes especializados,
efetuar um exame neurológico e avaliar os resultados.

Só poderá ser efetuado um diagnóstico de Esclerose Múltipla depois


de todas as outras causas possíveis dos sintomas terem sido excluídas.

Como é Confirmado o Diagnóstico de Esclerose Múltipla?


Muitas vezes o primeiro sinal da doença não é mais do que uma sensação
«estranha» e temporária nos braços ou nas pernas, que nem o doente nem
o médico podem considerar como sendo particularmente significativa.

33
O ABC da Esclerose Múltipla

Consequentemente, podem passar vários meses, ou mesmo anos, antes


de se poder diagnosticar com confiança um caso de Esclerose Múltipla.

O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos e para-clínicos:

• Os critérios clínicos são fornecidos pela história da doença, ou


anamnese, e os resultados da investigação clínico-neurológica,
nomeadamente os sinais clínicos.

• Os critérios para-clínicos são os resultados de várias investigações


técnicas, como a ressonância magnética, os potenciais evocados e a
análise do líquido cefalorraquidiano.

Para além destes procedimentos-padrão, poderão ser necessárias outras


investigações para diagnosticar ou excluir a Esclerose Múltipla como a
causa dos sintomas.

O Exame Neurológico
No exame neurológico, a condição funcional e a eficácia do sistema
nervoso são examinadas e testadas.

O Exame dos Nervos Cranianos


No exame dos nervos cranianos é essencial que os movimentos faciais,
o movimento dos olhos e a acuidade visual sejam testados. Deve ser
utilizada uma lâmpada especial, chamada oftalmoscópio, para uma
observação indolor do fundo do olho, ou seja, o ponto em que os nervos
visuais (nervos ópticos) entram no olho.

34
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

O Teste aos Reflexos


Um reflexo é uma reação involuntária do sistema nervoso a um estímulo
externo. Reflexos fracos, inexistentes ou excessivos e comportamento
reflexo diferente em cada lado do corpo, são fatores significativos num
diagnóstico de Esclerose Múltipla.

O reflexo de impulso do joelho, por exemplo, é uma reação da


musculatura relaxada a uma ligeira pancada imediatamente abaixo da
rótula e é testado com um pequeno martelo de borracha.

O Teste à Função Motora


A análise da função motora é efetuada através da avaliação da força
muscular e da coordenação motora. A força de diferentes grupos
musculares da pessoa é testada por oposição à força exercida pelo
observador. Para o exame da coordenação motora, é solicitado ao doente
que execute um movimento contínuo tal como levar a ponta de um dedo
à ponta do nariz.

O Teste à Marcha e Equilíbrio


A avaliação da marcha é um elemento importante no exame da pessoa
com Esclerose Múltipla, permitindo ao médico neurologista observar
alterações do equilíbrio e da função motora, especialmente dos membros
inferiores, e formar uma ideia geral sobre o seu grau de incapacidade.

35
O ABC da Esclerose Múltipla

O Teste à Função Sensitiva


A função sensitiva é testada avaliando a perceção ao tato, dor, temperatura,
vibração e postural (localização espacial).

É também prática clínica comum no diagnóstico da Esclerose Múltipla,


efetuar uma avaliação mental da consciência, orientação, concentração,
atenção, humor e disposição geral.

6. TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA


Existem vários procedimentos médicos ou «métodos de investigação»
para diagnosticar a Esclerose Múltipla.

Ressonância Magnética Nuclear (RMN)


A opção mais frequentemente utilizada pelos médicos é a Ressonância
Magnética Nuclear que permite «tirar uma fotografia» ao cérebro. Este
processo indolor ajuda os médicos a detetarem eventuais pontos brancos
(lesões) no cérebro, dado que estes são caraterísticos da doença.

Existem dois tipos básicos de exames com Ressonância Magnética


Nuclear:

• Imagens ponderadas em T1 mostram lesões antigas (designadas


black-holes ou “buracos negros”) e atrofia cerebral. Com
administração de contraste endovenoso estas imagens podem
ainda mostrar lesões ativas novas (locais de inflamação);

36
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

• Imagens ponderadas em T2 indicam lesões ativas, ou inativas, e o


seu volume total, conhecido como «carga lesional». As imagens em
T2 são uma indicação do volume do tecido cerebral afetado pela
Esclerose Múltipla.

Idealmente, utilizam-se imagens ponderadas em T1 e T2 para uma visão


mais completa da atividade da patologia.

A Ressonância Magnética Nuclear permite detetar novos focos


inflamatórios ativos e placas antigas. A injeção de um agente de contraste
como o gadolínio facilita a distinção entre focos novos e antigos.

Durante o curso mais avançado da doença, como resultado da


incapacidade crescente das fibras nervosas, as imagens de Ressonância
Magnética Nuclear também revelam atrofia. Este método permite
frequentemente detetar as lesões responsáveis por sintomas clínicos
específicos. Os exames ao longo do curso da doença também permitem
descobrir focos que até então não tinham resultado em sintomas clínicos.
Para além de ajudar no diagnóstico, é também de grande valor na avaliação
do desenvolvimento da Esclerose Múltipla. O número e a extensão das
lesões detetadas durante este exame estão relacionados com a atividade
da doença. Exames consecutivos servem para documentar o seu curso a
longo prazo e, juntamente com critérios clínicos, ajudam a determinar o
tipo de tratamento mais adequado ao longo do tempo.

A Ressonância Magnética Nuclear é o exame para-clínico mais importante


utilizado para confirmar o diagnóstico de Esclerose Múltipla, permitindo a
deteção precoce e rigorosa da doença.

37
O ABC da Esclerose Múltipla

Ainda assim, não é possível diagnosticar a Esclerose Múltipla apenas


com base nos seus resultados dado que existem outras doenças que
podem provocar alterações visíveis em Ressonância Magnética Nuclear,
semelhantes às da Esclerose Múltipla.

O que Acontece Durante uma Ressonância Magnética Nuclear?

Durante um exame através de Ressonância Magnética Nuclear, solicita-se ao


doente que se deite numa cama especial, que entra num túnel de exame
estreito que contém campos magnéticos extremamente elevados.
O procedimento pode ser bastante ruidoso, mas é completamente
indolor, apenas podendo requerer que o doente permaneça imóvel
durante um período de tempo que pode ir até uma hora e meia. Durante
este tempo o doente mantém contacto com os radiologistas através de
microfone e auscultadores. Os doentes com fobias relativas a espaços
fechados são tratados anteriormente com redutores da ansiedade.

Devido ao campo altamente magnetizado, não são autorizados objetos


de metal na sala de exame, inclusive implantes metálicos, como ancas
artificiais, “pacemakers”, ou agrafos metálicos pós-operatórios.

Punção Lombar
A punção lombar consiste na aspiração de líquido cefalorraquidiano,
líquido esse que preenche o canal central ou espinal.

O procedimento é muitas vezes visto com muita ansiedade, geralmente


injustificada. A punção, que apenas demora alguns minutos, é efetuada
com uma agulha oca, que é introduzida no já mencionado canal central,

38
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

ou espinal, entre os processos espinhais do corpo vertebral à altura das


cristas ilíacas. Isto previne eventuais danos à espinal medula que termina
pelo menos 6 a 10 centímetros mais acima.

Se o cérebro ou a espinal medula estiverem inflamados, ocorrem alterações


no líquido cefalorraquidiano, sendo este examinado em laboratório para
detetar certas características, ou parâmetros que, por sua vez, permitem
ao médico detetar perturbações de reações imunológicas no sistema
nervoso central.

Os indivíduos com Esclerose Múltipla apresentam um aumento local


de imunoglobulinas no líquido cefalorraquidiano (a chamada síntese
intratecal de imunoglobulinas) que evidencia uma alteração imunológica
do sistema nervoso.

A análise do líquido cefalorraquidiano poderá também ajudar a excluir


outras doenças com sintomas semelhantes aos da Esclerose Múltipla.

*Nota: A utilização de punção lombar varia de país para país.

Testes dos Potenciais Evocados


Outro método utilizado para confirmar um diagnóstico de Esclerose
Múltipla é um exame eletrofisiológico. O termo médico para esta
investigação é Testes dos Potenciais Evocados, que se desdobra nas
seguintes categorias:

• Visão: respostas evocadas visualmente, geralmente designadas por


Potenciais Evocados Visuais ou PEV;

39
O ABC da Esclerose Múltipla

• Audição: Respostas do tronco cerebral evocadas auditiva ou


acusticamente, conhecidos como Potenciais Evocados Auditivos do
Tronco Cerebral ou PEATC;

• Função sensitiva: Respostas evocadas somatossensitivas, mais


conhecidas por Potenciais Evocados Somatossensitivos ou PESS;

• Função motora: Potenciais evocados motores por estimulação


magnética ou PEM;

• Função cognitiva: Potencial evocado cognitivo P300.

Registar as respostas evocadas (a reação do corpo a um estímulo externo)


permite a confirmação de atrasos ou falhas na transmissão de informação
no sistema nervoso. Nos casos de Esclerose Múltipla, essas falhas são
atribuíveis a danos na bainha de mielina, que constitui o isolamento das
fibras nervosas.

Os potenciais evocados consistem em potenciais elétricos gerados pelo


sistema nervoso central em resposta a uma estimulação de um órgão
sensitivo ou sensorial periférico. Desempenham um papel importante
no diagnóstico da Esclerose Múltipla e na avaliação do desenvolvimento
da doença, permitindo a deteção de lesões que não são evidentes na
clínica. Ou seja, não se traduzem por sintomas, com ou sem expressão
sintomática, incluindo lesões que tenham ocorrido vários anos antes.
São representados por uma série de ondas (elétricas) com componentes
positivos e negativos com uma morfologia, amplitude e latência (tempo
de aparecimento após a estimulação) específicos de cada uma das
modalidades de potenciais evocados. Estas respostas elétricas são
captadas por elétrodos colocados na cabeça do doente de acordo
com o teste a efetuar. Como existe uma atividade elétrica espontânea
do cérebro, detetada, por exemplo, através de um eletroencefalograma

40
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

(EEG), e sendo os potenciais evocados, sinais de menor amplitude do


que a observada num eletroencefalograma, torna-se necessário efetuar
múltiplas medições da atividade elétrica das vias nervosas a estudar e da
atividade cerebral de base, através de estímulos sucessivos recorrendo ao
auxílio de um computador, de modo a “filtrar e/ou identificar” a atividade
cerebral e a destacar as ondas dos potenciais evocados.

As alterações identificadas são devidas fundamentalmente às lesões


da mielina das fibras nervosas, que vão interferir com a velocidade de
condução do estímulo nervoso e podem consistir num aumento da
latência, uma redução da amplitude ou desaparecimento das ondas.
A perda de axónios que também é um fenómeno importante na
Esclerose Múltipla, sobretudo nas fases mais avançadas da doença,
poderá igualmente condicionar alterações nos potenciais evocados,
especialmente diminuição da amplitude ou desaparecimento das ondas.

7. TRATAMENTO DA ESCLEROSE MÚLTIPLA


O primeiro passo no tratamento da Esclerose Múltipla é aprender, o mais
possível, sobre a doença. Assim, o doente pode começar a construir uma
imagem das alterações que podem ocorrer tanto a curto como a longo
prazo, de maneira a estabelecer uma imagem realista do seu estilo de
vida atual e futuro.

A Importância do Tratamento Precoce


De um modo geral, os médicos especialistas concordam que é importante
tratar a Esclerose Múltipla com a terapêutica mais eficaz, assim que a
doença seja confirmada pelo diagnóstico.

41
O ABC da Esclerose Múltipla

O tratamento com medicação é frequentemente recomendado e tem


como objetivo uma rápida recuperação com remissão dos sintomas
agudos da doença e uma extensão do período sem perturbações entre
surtos. Adicionalmente, pretende-se que seja induzida uma alteração
no curso da doença para que a progressão e eventual incapacidade
sejam retardadas e a frequência e gravidade dos surtos sejam reduzidas.
Por fim, também se procura o tratamento de sintomas específicos,
independentemente do desenvolvimento da doença.

Muitos doentes interrogam-se porque é que devem iniciar o tratamento


imediatamente após o diagnóstico, especialmente se os seus sintomas
estão a ser observados e aparentemente se sentem de boa saúde. É
compreensível que nestas circunstâncias muitas pessoas com Esclerose
Múltipla hesitem em tomar qualquer medicamento, já que o tratamento
é um compromisso de longo prazo que necessita de ser mantido e
suportado com apoio médico especializado.

Existe evidência científica que apoia a necessidade e vantagens do


tratamento precoce. Sabe-se que os danos no sistema nervoso ocorrem
muito cedo no processo da doença. Uma vez que estes danos são muitas
vezes «silenciosos», podem passar muitos anos até que os sintomas se
desenvolvam totalmente, pelo que iniciar o tratamento precocemente
pode minimizar os danos atrasando assim a progressão da doença.

Os médicos especialistas estão geralmente de acordo com a importância


de tratar a Esclerose Múltipla com Fármacos Modificadores da Doença
(FMD) assim que exista confirmação do diagnóstico, pelas seguintes
razões:

42
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

• O tratamento ajuda a diminuir o risco de ter sintomas agudos de


doença, ou seja diminui a probabilidade de ter surtos;

• O tratamento pode prolongar os intervalos de tempo sem


perturbações antes de outro surto;

• O tratamento eficaz pode provocar uma alteração no curso da doença,


diminuindo a progressão da Esclerose Múltipla, ao diminuir os danos
e reduzir a frequência e gravidade dos surtos.

O objetivo do tratamento é diminuir os danos irreversíveis no sistema


nervoso central, ou seja, ao nível dos oligodendrócitos e axónios,
diminuindo assim a evolução para Esclerose Múltipla Secundária
Progressiva. O tratamento com Medicamentos Modificadores da Doença
administrados desde o início pode prevenir processos inflamatórios que
levam à desmielinização e danificação irreversível dos axónios.

Opções de Tratamento
Apesar da Esclerose Múltipla ainda não ter cura, já existem tratamentos
com medicamentos eficazes que podem ser divididos em três grandes
grupos:

• Medicamentos que alteram o curso da doença: atuam reduzindo


a atividade das células do sistema imunitário responsáveis pelo
ataque que o corpo faz ao sistema nervoso central atenuando os
efeitos dos processos imunológicos danificados. Os medicamentos
imunomoduladores, imunossupressores e de imuno-reconstituição
entram nesta categoria.;

43
O ABC da Esclerose Múltipla

• Medicamentos que tratam um surto agudo: aliviam sintomas mas não


alteram os mecanismos inerentes à Esclerose Múltipla nem o curso
da doença. Estes medicamentos são normalmente referidos como
Corticosteróides;

• Medicamentos que tratam sintomas específicos: são utilizados na


terapêutica sintomática.

Tratamento com Medicamentos Imunomoduladores


Medicamentos imunomoduladores são Medicamentos Modificadores da
Doença (MMD) que alteram o seu curso.

Os tratamentos para a Esclerose Múltipla progrediram consideravelmente


devido ao desenvolvimento destes medicamentos tendo sido
demonstrados resultados positivos em doentes com formas recidivantes
da doença, incluindo:

• Redução da frequência e gravidade dos surtos;

• Redução do desenvolvimento de lesões cerebrais, tal como identificado


por ressonância magnética nuclear e, para alguns Medicamentos
Modificadores da Doença, redução da progressão da incapacidade.

Conforme o próprio nome o sugere, os medicamentos imunomoduladores


«modulam». Isto é, modificam os processos imunológicos alterados
e têm um efeito corretivo sobre o sistema imunitário. Os interferões,
pequenas proteínas solúveis ou glicoproteínas que, como «substâncias
mensageiras», modulam as respostas imunitárias, pertencem a este grupo
de medicamentos.

44
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

Tratamento com Medicamentos Imunossupressores


Os estudos indicam que a Esclerose Múltipla é uma doença autoimune.
Uma vez que foi provado que os imunossupressores são benéficos noutras
doenças autoimunes, como a artrite reumatóide e psoríase, esta classe de
medicamentos que têm uma função imunossupressora têm mostrado ser
potencialmente benéficos no controlo da progressão da Esclerose Múltipla.

Os medicamentos imunossupressores funcionam suprimindo a capacidade


do corpo em gerar respostas imunológicas, sendo habitualmente utilizados
se a doença está a progredir apesar do tratamento imunomodulador.

Tratamento com Medicamentos de Imuno-reconstituição


Os Medicamentos de imuno-reconstituição, são terapêuticas
imunossupressoras com períodos de tratamento curto que resultam no
controlo da doença por períodos mais prolongados. Atuam, suprimindo o
sistema imunitário por um determinado período de tempo, que se traduz
num controlo da doença por um período seguinte, mesmo quando não
existe supressão do sistema imunitário.

Tratamento com Corticosteróides


O tratamento de um surto de Esclerose Múltipla é efetuado com
medicamentos anti-inflamatórios conhecidos como corticosteróides.
Os corticosteróides são administrados oralmente ou por via intravenosa
(injetados).

45
O ABC da Esclerose Múltipla

O tratamento contínuo durante vários meses usando doses baixas de


uma preparação de cortisona não é geralmente recomendado, uma vez
que esta abordagem não terá qualquer influência a longo prazo sobre a
doença e pode resultar em efeitos secundários graves. Entre esses efeitos
incluem-se a descalcificação prematura dos ossos, desenvolvimento
anómalo da gordura corporal, opacidades da cristalino, tensão arterial
elevada e diabetes.

Como a cortisona aumenta a produção de ácido no estômago, deverão


ser tomados medicamentos antiácidos como medida preventiva.

Um ligeiro aumento de peso é devido principalmente a uma maior retenção


de água, que rapidamente desaparece após terminado o tratamento.

Os corticosteróides podem aumentar o nível de glicose no sangue, mas


esta alteração não terá necessariamente um efeito adverso em pessoas
com Esclerose Múltipla, com exceção dos doentes que tenham diabetes.
Algumas pessoas podem sofrer de acne devido à medicação. A curto
prazo, podem ocorrer alterações psicológicas, desde a exaltação a
sintomas de depressão, sentimentos de agitação e, ocasionalmente,
perturbações no sono. Estes sintomas desaparecem uma vez terminado
o tratamento.

Tratamento Sintomático
O tratamento sintomático deve ser tão eficaz quanto possível e melhorar
ou eliminar os problemas comuns do doente. O tratamento dos sintomas
concomitantes pode não alterar a evolução da Esclerose Múltipla.

46
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

Tratamento da Espasticidade
A espasticidade constitui uma alteração motora que se carateriza por um
aumento do tónus muscular. É quase sempre acompanhada de fraqueza
muscular. As pernas são mais frequentemente afetadas, a interação dos
músculos durante o movimento é perturbada e consequentemente a
marcha é prejudicada.

Em alguns casos, os medicamentos antiespásticos podem melhorar o


movimento. Todos os medicamentos com efeito antiespástico têm que
ser administrados com precaução e especial atenção à dosagem, dado
que a melhoria da espasticidade poderá tornar mais nítida a fraqueza
muscular. Além disso, poderá ser necessário preservar um certo grau de
espasticidade «residual» para assegurar que o doente continue a poder
estar de pé, por exemplo, no caso de fraqueza muscular.

Tratamento da Ataxia
A perda de coordenação motora (ataxia) está entre os sintomas mais
frustrantes e resistentes à terapêutica na Esclerose Múltipla.

Nestes casos, a fisioterapia tem um efeito muito limitado e a terapêutica


medicamentosa é geralmente ineficaz.

Em alguns casos de tremor intencional particularmente acentuado, poderá


ser realizada uma intervenção cirúrgica estereotáctica em áreas cerebrais
específicas (talamotomia) existindo alguns centros de neurocirurgia
especializados neste domínio. O benefício é variável e as complicações
não são menosprezáveis. Uma outra intervenção cirúrgica possível é
a estimulação talâmica, que poderá ser tanto ou mais efetiva do que a
anterior e com menos efeitos secundários.

47
O ABC da Esclerose Múltipla

Tratamento da Fadiga devida à Esclerose Múltipla


No caso do cansaço específico associado à Esclerose Múltipla, a
principal ação recomendada é a de fazer a adaptação ao esforço físico
assegurando que o doente descanse e durma o suficiente.

Tratamento da Depressão
O apoio de parceiros, familiares ou amigos ajudará o doente a ultrapassar
uma depressão ligeira. Em algumas circunstâncias, pode ser necessário o
tratamento com medicação adequada à situação.

Nos casos de depressão grave, deve procurar-se ajuda profissional sob a


forma de psicoterapia ou tratamento farmacológico. Estar em contacto
com outras pessoas com Esclerose Múltipla num grupo de autoajuda
pode ser igualmente benéfico.

Tratamento das Alterações Urinárias


Os doentes com Esclerose Múltipla queixam-se muitas vezes de
dificuldades urinárias, especialmente em fases avançadas da doença.

Uma forma frequente de desordem da bexiga é a incontinência compulsiva,


caracterizada por uma vontade irresistível e incontrolável em urinar.

A frequência da vontade de urinar deve-se à pequena dimensão das áreas


realmente afetadas e a uma musculatura hiperativa no mecanismo de
esvaziamento da bexiga. É essencial beber quantidades adequadas de
líquidos, pelo menos 1,5 litros de líquido por dia, apesar de parecer que

48
I CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla

poderá agravar a situação. O melhor é fazê-lo em pequenas quantidades,


uma vez que uma bexiga que encha lentamente pode acomodar mais
líquido. Pode também ser útil o esvaziamento regular da bexiga,
aproximadamente de 3 em 3 horas.

A espasticidade ao nível dos membros inferiores é muitas vezes


acompanhada de problemas no esvaziamento da bexiga. Uma interação
descoordenada dos músculos responsáveis pela abertura e fecho da
bexiga bloqueia o esvaziamento deste órgão como se houvesse uma
resistência. A bexiga não se esvazia por completo e fica retida uma
quantidade residual de urina. Nestes casos o doente deve ser aconselhado
a treinar a bexiga batendo ritmicamente na pele da barriga sobre o osso
púbico quando a bexiga está relutante em iniciar o esvaziamento.

Nos casos de esvaziamento incompleto, dependendo das circunstâncias,


a urina residual que permanece na bexiga pode levar a infeções do trato
urinário.

Em todas as perturbações da bexiga é importante assegurar um consumo


adequado de líquidos para evitar infeções do trato urinário com todas as
complicações inerentes. Outras medidas preventivas incluem o treino da
bexiga e evitar grandes quantidades residuais de urina.

49
O ABC da Esclerose Múltipla

II CAPÍTULO
VIVER COM ESCLEROSE MÚLTIPLA

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

50
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

1. VIDA SAUDÁVEL COM ESCLEROSE MÚLTIPLA


Viver com Esclerose Múltipla implica necessariamente uma reavaliação
de estilos de vida. Isto não significa que o doente não possa ter uma vida
tão normal como a que estava habituado a ter, antes de o diagnóstico
ter sido efetuado, bastando seguir alguns conselhos para viver uma vida
saudável com Esclerose Múltipla.

Dieta
Seguir uma boa dieta é muito importante para os doentes com Esclerose
Múltipla.

Há já muitos anos que os investigadores identificaram uma associação


entre a ocorrência de Esclerose Múltipla e os hábitos alimentares
das populações, reconhecendo-se que a doença ocorre com maior
frequência em populações que consomem mais produtos animais,
apesar do consumo de peixe parecer ter um efeito benéfico. Estudos
bioquímicos levaram os investigadores a sugerir que todas as «substâncias
mensageiras» responsáveis por uma reação imunitária errada, na
Esclerose Múltipla, são formadas a partir do ácido gordo polinsaturado,
denominado ácido araquidónico. Esta substância promove a inflamação
e encontra-se principalmente em produtos alimentares animais como a
carne, gema de ovo, gordura do leite ou manteiga.

Os alimentos vegetais não contêm esta substância. Os óleos vegetais


como o ácido gama linoleico e mesmo os óleos do peixe podem inibir a
formação de agentes inflamatórios.

Assim, um dos objetivos dietéticos dos doentes com Esclerose Múltipla


poderá ser a redução da quantidade de ácido araquidónico no corpo

51
O ABC da Esclerose Múltipla

através do aumento de consumo de vegetais, e a normalização da


formação excessiva de substâncias inflamatórias, através do consumo
de óleos de peixe.

Apresentam-se, de seguida, algumas sugestões de rotinas alimentares


alternativas que poderão e deverão ser adicionalmente adaptadas aos
requisitos de cada indivíduo. Ressalva-se também que na formulação de
qualquer dieta é sempre indispensável a consulta ao médico assistente.

Recomendações Dietéticas

• As calorias consumidas devem ser suficientes mas não excessivas,


sendo aconselhável atingir e manter um «peso normal»;

• O consumo de proteínas deve ser de cerca de 50g a 80g por dia.


É aconselhável obter a maior parte destas proteínas a partir de
proteína vegetal de alto valor, como o tofu, ou em combinações
saborosas de proteína, por exemplo, leite de arroz e muesli;

• Deve haver uma redução considerável no consumo de gorduras


saturadas, sólidas, de fabrico industrial e de gordura animal; Os
doentes devem ter especial cuidado com as gorduras escondidas,
por exemplo, no chocolate, alimentos doces e gelados;

• Devem consumir-se um máximo de quatro a dez colheres de chá


(20g a 50g) de óleo «bom», que contenha um grande número de
ácidos gordos polinsaturados, por exemplo, óleo de germen de
trigo e óleo de linhaça. Estes fornecerão uma quantidade suficiente
de ácidos gordos polinsaturados parcialmente essenciais;

52
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

• Pode existir consumo diário de suplementos de óleo de peixe já que


este pode ter uma influência favorável na Esclerose Múltipla. Não há
confirmação científica de que assim seja, no entanto, não existem
dúvidas sobre o elevado valor de refeições de peixe do ponto de
vista dietético e fisiológico; especialmente porque os peixes do mar
contêm uma elevada proporção de ácidos gordos polinsaturados e
proteína de elevada qualidade;

• Aconselha-se a redução do consumo de açúcar. A proporção de


açúcar nos hidratos de carbono consumidos deve ser baixa. Devem
ser escolhidos produtos não refinados, como a farinha de trigo
integral, pão de milho integral, arroz integral e aveia;

• Deve diminuir-se o consumo de sal, tentando não ultrapassar o


valor máximo recomendado de 5g/dia. Aconselha-se os doentes
a escolher alimentos com baixo teor de sódio e a preparar os
alimentos e refeições com o mínimo possível de sal adicionado, se
possível substituindo o sal por ervas aromáticas.

• Recomenda-se o aumento do conteúdo de fibra consumido, através


da ingestão de mais fruta, vegetais e saladas;

• O consumo de alimentos animais deve ser reduzido para duas ou


três vezes por semana, dando-se preferência à carne magra ou peixe.
É melhor evitar as salsichas, dado que a maioria das variedades
contém uma grande quantidade de gordura escondida;

• O doente deve assegurar-se que a sua alimentação é de elevada


qualidade e natural. Os alimentos processados devem ser
consumidos apenas ocasionalmente;

53
O ABC da Esclerose Múltipla

• No caso de osteoporose ou aumento de risco (inatividade,


terapêutica com cortisona) é aconselhável a toma de vitamina D
e suplemento de cálcio, mediante conselho do médico assistente.
O exercício físico regular também reduz o risco de osteoporose.

Desporto
Ter Esclerose Múltipla não significa ter que deixar de fazer desporto.
Pelo contrário, estudos demonstram que os doentes com Esclerose
Múltipla que praticam desporto com regularidade beneficiam a
nível físico e mental. O desporto aumenta a força muscular e a boa
condição física.

Também melhora a espasticidade, problemas de equilíbrio, a função


intestinal e da bexiga, e pode reduzir a depressão e a fadiga resultantes
da Esclerose Múltipla.

Antes de iniciar qualquer programa de treino, ou de planear praticar


qualquer tipo de desporto, o doente deverá aconselhar-se com um
neurologista e com um fisiatra/fisioterapeuta.

Normalmente é desaconselhável praticar um desporto muito exigente


em termos físicos ou psicológicos. Muitos desportos de nível ligeiro ou
médio são adequados para doentes com Esclerose Múltipla, como por
exemplo a natação, caminhada, ciclismo, Yoga ou Tai-Chi.

Em relação à ginástica aeróbica e musculação em centros de desporto


ou lazer a sua adequabilidade dependerá das capacidades e eficiência
atuais de cada indivíduo. Nestas situações, o programa a seguir deverá
ser adaptado à situação específica de cada doente e ao estadio da
doença. Algumas pessoas consideram benéfica a atividade num grupo

54
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

desportivo organizado através da sua associação de Esclerose Múltipla


ou um programa de fitness em organizações de desporto e lazer.

Recomendações para a Prática de Desporto

• Devem ser evitados grandes esforços, especialmente no início de


uma atividade;

• É aconselhável começar por sessões curtas e efetuar sempre


exercícios de aquecimento antes de dar início à atividade;

• Deve evitar-se a exaustão, através do planeamento prévio dos


tempos de descanso e de pequenos intervalos entre cada exercício;

• Se necessário, o doente pode informar o treinador, professor ou


responsável pela atividade e os seus colegas de que tem Esclerose
Múltipla. Pode ser adicionalmente prestada informação sobre os
efeitos da doença, para que estes compreendam interrupções do
treino ou alteração repentina dos horários como resultado de um
surto da doença;

• Devem evitar-se desportos ao ar livre com o tempo quente, e em


salas com temperatura quente, sendo preferíveis espaços com ar
condicionado;

• Aconselha-se a ingestão de líquidos e bebidas frias em quantidade


suficiente antes e depois da prática do desporto. Pode ser necessário
usar roupas adequadas que ajudem ao arrefecimento corporal.
Tomar um duche ou um banho frio depois da atividade também é
uma boa maneira de baixar a temperatura corporal.

55
O ABC da Esclerose Múltipla

Descanso
É muito importante fazer uma lista de tarefas diárias, por ordem de
prioridade, de forma a evitar sobrecargas de atividade num único dia e
evitar a exaustão. É igualmente aconselhável descansar entre atividades,
por exemplo, entre uma ida às compras e o regresso a casa, ou antes de
ir para o ginásio e sair à noite; dando ao corpo uma oportunidade para
recuperar.

O relaxamento ou meditação são atividades muito salutares, que ajudam


a recuperar o corpo e a mente, ao mesmo tempo que aumentam os
níveis de energia, existindo no mercado diversos livros, CDs e DVDs com
conselhos sobre técnicas de relaxamento e meditação.

Sexualidade
Uma vida sexual gratificante é uma necessidade básica de todos os
indivíduos. Porém, os doentes com Esclerose Múltipla podem sentir
alguns problemas sexuais como resultado da doença. Estes problemas
podem levar a uma diminuição da autoestima e do bem-estar do doente
sendo, por esse motivo, importante que ambos os parceiros numa
relação sexual sejam abertos e francos um com o outro sobre quaisquer
questões que possam surgir. Em determinadas circunstâncias, alguns
sintomas da Esclerose Múltipla como sejam a fadiga, a espasticidade
ou a incontinência urinária, poderão levar a perturbações na vida sexual.

56
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

Na Esclerose Múltipla, as causas dos problemas sexuais são muitas


vezes orgânicas devido a lesões no cérebro e, especialmente na espinal
medula. Estas podem levar a alterações na atividade sexual, seja por
uma diminuição da sensibilidade, seja por uma disfunção erétil no caso
do homem. Adicionalmente, os problemas psicológicos decorrentes de
um diagnóstico de Esclerose Múltipla interferem muitas vezes com o
desejo sexual.

Recomendações para uma Vida Sexual Gratificante

No caso de ocorrerem problemas sexuais é aconselhável consultar


um médico, seja o médico de clínica geral, um neurologista, um
ginecologista ou um urologista.

É também muito importante discutir quaisquer questões e problemas


recorrentes com o parceiro e resolvê-las sempre que possível. Apesar
da Esclerose Múltipla poder vir a afetar a vida sexual do doente, existem
tratamentos eficazes para a maioria destes problemas.

Efetivamente, o urologista pode prescrever auxiliares mecânicos e


medicamentos específicos para tratar as dificuldades de ereção. Por
outro lado, o ginecologista pode recomendar o uso de gel ou creme
vaginal no caso das mulheres com secura vaginal. Igualmente, a falta de
sensibilidade e a espasticidade podem ser reduzidas com medicação
adequada.

Além deste tipo de tratamentos, por vezes também ajuda planear os


momentos íntimos para horas de maior energia e explorar novas formas
de intimidade.

57
O ABC da Esclerose Múltipla

Contraceção e Fertilidade
Não existem dados científicos de que a fertilidade seja afetada de
algum modo nas mulheres com Esclerose Múltipla, tendo estas
habitualmente ciclos de ovulação normais, a menos que estejam a
utilizar contracetivo.

O uso de contracetivo é seguro tanto no homem como na mulher,


aconselhando-se consulta do médico assistente ou ginecologista
para decidir sobre o método mais adequado para cada situação. São
aceitáveis todo o tipo de contracetivos: a pílula, dispositivo intrauterino
(DIU), cápsulas ou diafragmas, cremes contracetivos, preservativos e
esterilização.

Gravidez, Parto e Amamentação


Não existe qualquer motivo para que a gravidez tenha uma influência
negativa, a longo prazo, no curso da Esclerose Múltipla. Pelo contrário,
os especialistas em Esclerose Múltipla concordam em que a taxa de
surtos durante a gravidez é de cerca de 30% a 50% mais baixa do que
em mulheres com Esclerose Múltipla comparáveis não grávidas.

No entanto, no primeiro ano após o parto, o risco de aparecimento de


um surto é duas a três vezes superior ao das mulheres com Esclerose
Múltipla que não deram à luz. A seguir ao parto, as mulheres podem
passar por situações de stress psicológico e físico mais intensas, o que é
uma reação normal devido às alterações hormonais ocorridas durante a
gravidez e ao esforço adicional necessário para cuidar e/ou amamentar
um recém-nascido.

58
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

Planear uma Gravidez

A gravidez deve ser planeada durante um período estável da doença.


Uma mulher com Esclerose Múltipla que esteja a planear engravidar
deve consultar previamente o seu neurologista e obstetra/ginecologista.
Em alguns casos, é possível que o calendário do tratamento tenha que
ser temporariamente interrompido. Isto dar-lhe-á um período de tempo
antes de engravidar até reiniciar o tratamento após o nascimento de
uma criança. Contudo, se um determinado regime de tratamento está
num ponto crítico, pode ser necessário acabar o tratamento e adiar a
tentativa de engravidar para uma altura mais adequada.

No entanto, existem medicamentos que por terem um ciclo de


tratamento curto com efeitos de controlo da doença prolongados,
permitem que haja uma janela de oportunidade para planear a gravidez.

O Parto

A medicação ou analgésicos necessários durante o parto na mulher com


Esclerose Múltipla, não apresenta efeitos prejudiciais acrescidos pela
patologia.

A Esclerose Múltipla não provoca quaisquer problemas adicionais


durante o parto, com a possível exceção de um aumento da espasticidade
dos músculos e uma maior fadiga, em relação ao que uma mulher sem
Esclerose Múltipla sentiria ao dar à luz.

Amamentação

Não há qualquer razão pela qual a mãe com Esclerose Múltipla não
possa amamentar os seus filhos, a menos que esteja a ser medicada.

59
O ABC da Esclerose Múltipla

Se a fadiga devido à Esclerose Múltipla é um problema, é aconselhável


planear formas práticas de lidar com a alimentação do bebé durante a
noite. É possível gerir as refeições noturnas armazenando leite, tanto
natural como em pó, para que o parceiro ou outro cuidador possam dar
ao bebé durante a noite. Isto permite à mãe com Esclerose Múltipla ter
uma boa noite de sono.

É importante a consulta do médico obstetra e neurologista no sentido


de obter aconselhamento relativamente às questões relacionadas com
a amamentação.

Viajar
As férias podem ser muito relaxantes e terapêuticas, apesar de certos
programas terem que ser cuidadosamente pensados e possivelmente
excluídos, caso afetem negativamente a condição física do doente.

Apreciar simplesmente o tempo passado com amigos e família é


provavelmente uma das melhores formas de tirar todo o partido de um
período de férias e voltar à rotina relaxado e descansado.

Caso o doente prefira viajar e onde quer que decida ir, deve planear bem
a viagem e preparar-se para quaisquer problemas que possam ocorrer.
Devem ser evitadas viagens fisicamente esgotantes, devendo-se incluir
algum tempo para descansar de vez em quando, de forma a recuperar
de eventuais esforços.

De uma maneira geral, não existem restrições sobre os locais para onde
viajar. Contudo, é importante consultar o neurologista antes da partida
e levar todos os medicamentos necessários.

60
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

No momento da escolha do meio de transporte, convém lembrar que


um voo pode ser menos desgastante do que uma viagem de autocarro
ou de automóvel.

Férias nos trópicos podem ser arriscadas por causa do calor e do maior
risco de infeções. As temperaturas quentes e a exposição prolongada ou
frequente ao sol, pode provocar queixas neurológicas temporárias como
o fenómeno de Uhthoff, em que pequenos aumentos da temperatura
corporal causam um agravamento dos sintomas.

Viajar de Avião

Ao viajar de avião, é aconselhável que o doente leve o medicamento


(injetável ou oral) consigo em vez de o deixar na bagagem de porão,
devendo ser solicitada autorização para o fazer no momento da reserva.
Caso o tratamento implique refrigeração, o doente deve também dizê-lo
ao reservar o voo, ainda que os aviões estejam normalmente equipados
com um contentor frigorífico e façam este transporte a título gratuito.
No momento da reserva, deve ser verificado que tipo de informação a
companhia aérea irá necessitar.

O doente deve apresentar-se à tripulação de bordo assim que


embarcar no avião, podendo solicitar a colocação do medicamento, na
embalagem original, num frigorífico de acordo com as recomendações
de armazenamento do produto. É importante assegurar que o
medicamento seja guardado num saco de volume pequeno, equivalente
a um saco de plástico normal da farmácia.

É aconselhável contactar a companhia aérea para assegurar que a


viagem é adaptada às necessidades do doente devendo esta prestar
informações sobre quaisquer requisitos obrigatórios ou recomendações.

61
O ABC da Esclerose Múltipla

Pacientes com cadeira de rodas, devem tomar antecipadamente todas


as precauções necessárias.

Viajar de Comboio

Atualmente, não é frequente existir nos comboios um meio de manter os


medicamentos frios. No entanto, no caso de comboios com carruagem
restaurante ou bar, é possível tentar o contacto com os funcionários do
restaurante, antes da partida, no sentido de solicitar que mantenham
os medicamentos no frigorífico durante toda a viagem. Ainda assim, ao
viajar de comboio é preferível tomar todas as providências para evitar
qualquer risco de dificuldade em manter a medicação à temperatura
indicada, aconselhando-se o transporte dos medicamentos em saco
térmico próprio.

Em alguns países, os caminhos de ferro nacionais fornecem informação


para pessoas com mobilidade reduzida. É aconselhável a recolha de
toda a informação possível que possa vir a ser necessária da rede de
caminhos de ferro do país de residência ou de visita, com a devida
antecedência.

Vacinação

A legislação internacional obriga a que determinadas vacinas sejam


obrigatórias para alguns países, mesmo em áreas menos exóticas.

É importante a atualização do boletim de vacinas antes da partida,


especialmente em relação à vacina contra o tétano. Isto é aconselhável
quando se vai para um país estrangeiro, ou como precaução antes de
iniciar atividades de lazer que envolvam risco de cortes e infeções.

62
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

As opiniões dos especialistas sobre a vacinação de pessoas com


Esclerose Múltipla dividem-se. Alguns profissionais são de opinião
que os doentes com Esclerose Múltipla só devem ser vacinados se
absolutamente necessário, outros recomendam vacinações específicas.

De uma maneira geral, os doentes com Esclerose Múltipla podem


receber vacinas sem problemas, embora com algumas exceções.
Por exemplo, os doentes que estão a sofrer um surto não devem ser
vacinados. Como as vacinas estimulam o sistema imunitário podem
ocorrer complicações, tal como acontece em pessoas sem Esclerose
Múltipla. Assim sendo, a necessidade de vacinação deve ser sempre
discutida com o médico assistente.

Esclerose Múltipla e Emprego


Sofrer de Esclerose Múltipla não implica deixar de trabalhar e não impõe
necessariamente restrições no desempenho da profissão, embora, em
alguns casos, a vida profissional diária possa ser afetada.

Isto é especialmente relevante no caso dos sinais «invisíveis» da doença


já que uma maior fadiga ou dificuldades de concentração poderão
afetar a eficiência do indivíduo. Os doentes com Esclerose Múltipla
necessitam de mais intervalos de descanso e da possibilidade de
dividir, de forma flexível, as suas sessões de trabalho. É de considerar
a possibilidade de trabalhar a tempo parcial, em vez de em horário
completo, devendo ser evitadas viagens longas para o emprego.

Ter Esclerose Múltipla também aumenta o risco de acidentes em certas


profissões, por exemplo, como resultado de perturbações do equilíbrio.

63
O ABC da Esclerose Múltipla

Na procura de um primeiro emprego, ou no início de um curso ou


formação que levará a uma carreira em determinada profissão, o
doente deverá pensar se esta escolha ainda é adequada, especialmente
no contexto do seu prognóstico a longo prazo. Deve ser procurado
o aconselhamento de profissionais de saúde da Esclerose Múltipla
e pessoas que trabalham no setor escolhido a fim de melhor decidir
acerca da profissão mais adequada.

Na escolha de um emprego, o doente deve assegurar-se de que


o mesmo não envolve qualquer atividade física intensa ou tarefas
específicas que prejudicarão a sua saúde. Caso sinta que a sua atual
função é inadequada, faz sentido pensar numa mudança de carreira
profissional.

É do interesse do doente, enquanto empregado, informar a entidade


patronal da sua doença. Porém, comunicar um diagnóstico de Esclerose
Múltipla à entidade patronal pode provocar stress e insegurança quanto
à forma como irá reagir a entidade empregadora e quanto à manutenção
do posto e função profissional.

O doente poderá optar sempre por adiar esta comunicação, caso


a Esclerose Múltipla não esteja a afetar de forma alguma o seu
desempenho profissional. Se, pelo contrário, o doente sentir que o seu
desempenho profissional está a ser afetado e/ou se sentir confiante de
que a sua empresa e os seus colegas serão compreensivos, e lhe darão
apoio, então a melhor opção será comunicar-lhes de imediato.

64
II CAPÍTULO – Viver com Esclerose Múltipla

Faz sentido dar algum tempo aos colegas e à empresa para se adaptarem
à nova condição porém não serão exceção as respostas negativas
resultantes da ignorância ou preconceito. O doente será quem melhor
poderá avaliar se basta ser paciente e aguardar que passe o normal
período de adaptação por parte da empresa e colegas à nova situação
ou se, pelo contrário, deve procurar apoio profissional para a proteção
dos seus direitos.

É essencial ter uma atitude positiva e tentar trabalhar em conjunto com


a entidade empregadora para encontrar novas oportunidades que se
coadunem com a Esclerose Múltipla, em vez de lutarem contra ela.

65
O ABC da Esclerose Múltipla

III CAPÍTULO
A ESCLEROSE MÚLTIPLA E A SOCIEDADE

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

66
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

1. ABORDAGEM SOCIAL
Direitos das Pessoas com Esclerose Múltipla
Atualmente, as pessoas com deficiências e incapacidades ainda se
encontram socialmente em desvantagem a vários níveis: profissional,
educacional, cultural, habitacional, familiar, social, entre outros.

Apesar da deficiência física nem sempre se traduzir em incapacidade


para o desempenho de certas atividades, certo é que a mesma, é por
si só, geradora de estereótipos, estigmas e exclusão, impedindo por
vezes que os cidadãos tenham acesso a uma vida normal em sociedade.
A Esclerose Múltipla, não é exceção neste quadro.

De facto, as potencialidades, ambições, e expetativas do doente com


Esclerose Múltipla nem sempre são reconhecidas.

Nos últimos tempos tem-se assistido a uma mudança profunda e gradual


no modo como são encaradas as pessoas com mobilidade reduzida
essencialmente, o direito à plena cidadania e à inclusão social.

É essencial a promoção de atitudes positivas quer por parte da sociedade


em geral quer pelas instâncias políticas, existindo já legislação específica
que proíbe a discriminação direta ou indireta, e que sanciona práticas
que se traduzam na violação dos direitos económicos, sociais, culturais
ou outros, relativos a pessoas com mobilidade reduzida.

Efetivamente, nos últimos tempos tem-se assistido a uma mudança


gradual, ainda que profunda, no modo como são encaradas as pessoas
com mobilidade reduzida, pugnando-se pelo seu direito à plena
cidadania e à inclusão social.

Ainda assim continuam a verificar-se grandes injustiças sociais derivadas


à escassez de respostas para os utentes com Esclerose Múltipla, existindo

67
O ABC da esclerose múltipla

ainda muitas dúvidas e falta de conhecimento acerca dos direitos e


benefícios de que podem usufruir, os apoios sociais existentes e quais
as entidades responsáveis a que podem recorrer.

A consulta deste capítulo não dispensa o contacto com os serviços e


instituições aqui referidas de forma a obter orientação e informação
adequada a situações específicas. Ressalva-se que as Leis, os Decretos-
lei e outros Diplomas referidos neste capítulo poderão vir a ser alterados.

Proteção Social na Esclerose Múltipla


Em Portugal existem essencialmente quatro regimes ou sistemas de
proteção social:

Regime Geral Contributivo do Sistema de Segurança Social: poderão


integrar este regime os trabalhadores por conta de outro e por conta
própria;

Regime Não Contributivo do Sistema de Segurança Social: poderão


integrar este regime as pessoas que nunca efetuaram contribuições
para a Segurança Social e que se encontram em situação de carência
económica.

Regime do seguro voluntário do sistema previdencial: regime


contributivo de caráter facultativo que tem por objetivo garantir o
direito à Segurança Social das pessoas maiores de 18 anos e aptas para
o trabalho que não se enquadrem de forma obrigatória nos regimes de
proteção social.

Sistema de Proteção Social da Função Pública: integram este sistema,


os funcionários públicos (mediante contribuições para a caixa geral de
aposentações).

68
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

O doente com Esclerose Múltipla, quer seja beneficiário dos regimes da


Segurança Social, ou do Sistema de Proteção Social da Função Pública
poderá ter direito a Pensão de Invalidez, Pensão Social de Invalidez,
Complemento por Dependência e Proteção Social para a Inclusão.

Para esta patologia e outras, aplica-se o Regime Especial de Proteção na


Invalidez, aprovada pela Lei nº 90/2009, de 31 de Agosto, recentemente
alterada pela Lei n.º 6/2016, de 17 de Março.

Estão abrangidos por este regime especial de proteção, os beneficiários


do regime geral de segurança social do sistema previdencial e do
regime não contributivo do subsistema de solidariedade que se
encontrem em situação de incapacidade permanente para o trabalho
e com prognóstico de evolução rápida para uma situação de perdas
de autonomia com impacto negativo na profissão por eles exercida
originada por paramiloidose familiar, doença de Machado-Joseph
(DMJ), VIH/sida, Esclerose Múltipla, doença do foro oncológico,
esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Parkinson (DP), doença de
Alzheimer (DA) e doenças raras. São ainda abrangidos os beneficiários
que se encontrem em situação de incapacidade permanente para o
trabalho decorrente de outras doenças de causa não profissional ou
de responsabilidade de terceiro, de aparecimento súbito ou precoce
que evoluam rapidamente para uma situação de perda de autonomia
com impacto negativo na profissão por eles exercida. A incapacidade
deve ser confirmada pelo Sistema de Verificação de Incapacidades da
Segurança Social.

A pensão de invalidez deverá ser requerida nos serviços de Segurança


Social ou no Centro Nacional de Pensões, em modelo próprio
acompanhado dos documentos de prova nele indicados. Se viver
no estrangeiro, o pedido de pensão é apresentado nos Serviços de

69
O ABC da esclerose múltipla

Segurança Social ou no Centro Nacional de Pensões do país de residência,


se houver acordo internacional de Segurança Social com Portugal, caso
contrário, terá que ser requerida por correio (deverá enviar um envelope
endereçado e selado, para a Segurança Social poder devolver o recibo
comprovativo da entrega do pedido).

O requerente será convocado por carta para se apresentar a junta


médica, na qual deverá apresentar relatórios médicos das especialidades
que é seguido (neurologia, psiquiatria, urologia, entre outros) e todos os
exames que sejam importantes para o pedido.

Após junta médica terá que aguardar resposta do Centro Nacional de


Pensões sobre o deferimento ou indeferimento do pedido.

Para requerer a Pensão de Invalidez no Regime Geral Contributivo, o


prazo de garantia é de 36 meses (3 anos) com registo de remunerações.
O montante da Pensão do Regime não Contributivo é igual ao da Pensão
Mínima do Regime Geral o valor é atualizado todos os anos.

Para os subscritores da Caixa Geral de Aposentações com inscrição a


partir de 1 de Setembro de 1993, o tempo de serviço é acrescido de
50%, com o limite do número máximo de anos de serviço relevantes
em vigor na data do reconhecimento da incapacidade permanente,
com dispensa do pagamento de contribuições relativamente a esse
acréscimo.

Complemento por Dependência

O complemento por dependência, é uma prestação em dinheiro dada


aos pensionistas que se encontram numa situação de dependência, ou
seja, que não possam praticar com autonomia os atos indispensáveis à
satisfação das necessidades básicas da vida quotidiana, nomeadamente

70
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

os relativos à realização dos serviços domésticos, à locomoção e


cuidados de higiene, precisando da assistência de outrem.

Nota: O complemento por dependência é atribuído também aos


beneficiários não pensionistas, no caso da Prestação Social para a Inclusão,
e nas situações de incapacidade permanente para o trabalho e com
prognóstico de evolução rápida para situação de perda de autonomia
com impacto negativo na profissão por eles exercida, originada por
paramiloidose familiar, Doença de Machado-Joseph (DMJ), Sida (Vírus
de Imunodeficiência Humana HIV), Esclerose Múltipla, Doença de Foro
Oncológico, Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Doença de Parkinson
(DP) ou Doença de Alzheimer (DA) e Doenças Raras.

Têm também direito as pessoas que se encontrem numa situação de


dependência reconhecida pelo Sistema de Verificação de Incapacidades
da Segurança Social.

Consideram-se os seguintes graus de dependência:

Dependências de 1.º Grau – pessoas que não possam praticar, com


autonomia, os atos indispensáveis à satisfação de necessidades básicas
da vida quotidiana: atos relativos à alimentação ou locomoção ou
cuidados de higiene pessoal.

Dependência de 2.º Grau – pessoas que acumulem as situações de


dependência que caracterizam o 1.º grau e se encontrem acamados ou
apresentem quadros de demência grave.

O complemento por dependência do 1º grau só é atribuído se o


pensionista não receber uma pensão mensal de valor superior a 600,00€
nem tiver rendimentos de salário.

71
O ABC da esclerose múltipla

Se o pensionista estiver em lar não subsidiado pelo Estado, terá


direito à atribuição do complemento por dependência de 2.º grau. Se
o lar for financiado pelo Estado o pensionista terá direito apenas ao
complemento por dependência de 1.º grau. No entanto, se o valor da
pensão mensal for superior a 600,00€ não terá direito à atribuição do
complemento do 1.º grau.

É importante referir que o Complemento por Dependência não é


cumulável com o exercício de qualquer atividade profissional (ou
formação profissional), independentemente de ser ou não remunerada
e do nível de remuneração (valor do rendimento).

O Complemento por Dependência deverá ser requerido nos serviços


da Segurança Social da área de residência, em modelo próprio e
acompanhado dos documentos de prova nele indicados.

O mesmo não é aplicável aos funcionários públicos, cabendo à Caixa


Geral de Aposentações ou às respetivas entidades empregadoras, a
atribuição do complemento por dependência, bem como suportar
os respetivos encargos. O complemento por dependência, não é
acumulável com benefícios da ADSE destinados a idêntico fim.

Quando o utente for convocado para a junta médica, deverá levar


relatórios médicos que comprovem a situação de dependência em que
se encontra.

Após junta médica, terá que aguardar resposta dos serviços competentes
(Centro Nacional de Pensões e/ou Caixa Geral de Aposentações) sobre
o deferimento ou indeferimento do pedido.

Se a dependência se agravar, o beneficiário pode pedir um exame de


revisão, ou seja, solicitar nova junta médica, para passar a receber o
Complemento de Dependência de 2º grau.

72
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Para mais informações consultar o site www.seg-social.pt ou contactar o


Centro de Segurança Social da área de residência.

Legislação para consulta:

Regime Especial de Proteção na Invalidez: Lei nº 90/2009, de 31 de


Agosto, alterada pela Lei n.º 6/2016, de 17 de Março;

Complemento Por Dependência: Decreto-Lei n.º 265/99, de 14 de Julho,


alterado pelo Decreto-Lei nº 309-A/2000, de 30 de Novembro e pelo
Decreto-Lei n.º 13/2013, de 25 de Janeiro.

Ajudas Técnicas/Produtos de Apoio para Pessoas com Deficiência

As ajudas técnicas/ produtos de apoio destinam-se às pessoas com


deficiência ou incapacidade, aos idosos ou, aos que de forma temporária
ou definitiva, necessitam de as utilizar. São meios indispensáveis para
a funcionalidade e integração das pessoas com incapacidade ou
deficiência.

As ajudas técnicas são prescritas pelos Centros Saúde ou Centros


Especializados, Hospitais e Centros de Reabilitação.

Os produtos de apoio são prescritos e financiados no âmbito da


reabilitação médico funcional, através do Serviço Nacional de Saúde
(SNS) ou de outros subsistemas de Saúde.

O financiamento é feito através de:

• Centros Distritais do Instituto da Segurança Social,

• Hospitais, designados pela Direção-Geral de Saúde,

73
O ABC da esclerose múltipla

• Centros de Emprego e Centro de Reabilitação Profissional de


Alcoitão e entidades privadas / Centros de reabilitação profissional
credenciados enquanto entidades financiadoras.

O financiamento é de 100%, quando a ajuda técnica / produto de apoio


não consta nas tabelas de reembolsos do Serviço Nacional de Saúde, do
subsistema de saúde de que o cidadão é beneficiário, ou quando não
é comparticipada por companhia seguradora. Quando a ajuda técnica /
produto de apoio consta das tabelas de reembolsos do Serviço Nacional
de Saúde, de subsistema de saúde, ou ainda quando está coberta por
seguro, o financiamento é do montante correspondente à diferença
entre o custo da ajuda técnica e o valor da respetiva comparticipação.

As instituições hospitalares financiam as ajudas técnicas que os médicos


prescrevem mediante cada situação, mediante avaliação médico-
funcional e socio-familiar.

No caso de a prescrição ser efetuada num Centro de Saúde ou em Centro


Especializado é necessário apresentar no Centro Distrital de Segurança
Social (CDSS) da área da residência os seguintes documentos:

1. Prescrição médica preenchida pelos serviços prescritores de acordo


com o requisitos legais de prescrição em vigor, contendo: Código
I.S.O, identificação do serviço prescritor (carimbo ou vinheta),
identificação do médico (carimbo ou vinheta), data da prescrição,
número de cartão de utente e identificação do sistema;

2. Três orçamentos atualizados e datados ou justificação da


impossibilidade da sua apresentação feita pelo serviço remetente;
identificação (de acordo com o Bilhete de Identidade ou Cartão de
Cidadão) e endereço completo da pessoa a quem deve ser paga a
ajuda técnica e, ainda, a explicitação da sua relação com o beneficiário.

74
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Benefícios do doente de Esclerose Múltipla


Atestado Médico de Incapacidade Multiuso

O atestado médico de incapacidade multiuso é um documento que


comprova que a pessoa tem uma incapacidade (física ou outra) e que
determina o seu grau.

Se a pessoa tiver uma incapacidade igual ou superior a 60% poderá


usufruir de alguns benefícios mediante a apresentação do referido
documento. Considera-se pessoa com deficiência aquela que apresente
um grau de incapacidade permanente, devidamente comprovado
mediante atestado médico de incapacidade multiuso, nos termos da
legislação aplicável, igual ou superior a 60%.

O interessado deve dirigir-se ao centro de saúde da sua área de


residência e solicitar a marcação de uma junta médica ao Delegado de
Saúde. Se o utente pertencer às Forças Armadas, Polícia de Segurança
Pública - PSP ou Guarda Nacional Republicana – GNR deverá dirigir-se
aos serviços médicos destas entidades.

Sempre que possível, e com carácter excecional, nas situações de


pessoas com deficiência e incapacidades cuja limitação condicione
gravemente a sua deslocação, um dos elementos das juntas médicas
poderá deslocar-se à residência habitual do interessado.

O interessado deverá juntar ao requerimento, relatórios médicos e


meios auxiliares de diagnóstico de que disponha. O Delegado Regional
de Saúde convocará a Junta Médica e deverá notificar o requerente, no
prazo de 60 dias, após a data de entrada do requerimento.

O atestado médico de incapacidade multiuso tem validade vitalícia


na situação das pessoas com deficiência motora definitiva com grau

75
O ABC da esclerose múltipla

de incapacidade permanente igual ou superior a 90%. O atestado de


incapacidade multiuso tem um custo de 25€.

No caso de não concordar com a avaliação efetuada pode recorrer ao


Diretor Geral de Saúde no prazo de 30 dias. O processo de recurso tem
um custo de 50€.

O pedido de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade em junta


médica tem o custo de 5€, no entanto, se houver uma incapacidade
considerada permanente, não reversível mediante intervenção médica
ou cirúrgica, entenda-se definitiva, estão isentos do pagamento de taxa.

O atestado adquire uma função multiusos porque permite o acesso a


um conjunto de benefícios e direitos sociais (no caso de ter 60% ou mais
de incapacidade) apresentando apenas um documento.

A avaliação de incapacidade é calculada de acordo com a Tabela


Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças
Profissionais (TNI), por uma junta médica. O presidente da junta médica
emite, por via manual ou informática, o respetivo Atestado Médico de
Incapacidade multiuso.

É importante referir que se verificam, por vezes, algumas assimetrias


na avaliação de incapacidades para esta patologia e para doenças
crónicas, uma vez que não existe uma Tabela Nacional de Incapacidades
e Funcionalidades da Saúde. Como já foi mencionado, a avaliação
de incapacidade é calculada de acordo com a Tabela Nacional de
Incapacidades referente às doenças profissionais e aos acidentes
de trabalho. Esta situação gera muitas iniquidades, dado que não
salvaguarda os doentes crónicos, pois para doenças incapacitantes,
como o caso da Esclerose Múltipla e outras, podemos ver aplicados
critérios diferentes que acabam por não se enquadrar nestas patologias.

76
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Legislação para consulta:

Atestado Médico de Incapacidade Multiuso: Decreto-Lei nº 202/96, de


23 de Outubro, alterado pelo Decreto-lei nº 291/2009, de 12 de Outubro;
Decreto-lei nº 8/2011, de 11 de Janeiro; Decreto-lei nº 106/2012, de 17
de Maio.

Tabela Nacional Incapacidades (TNI): Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de


Outubro

Com o atestado de incapacidade, o utente pode usufruir de alguns


benefícios tais como:

• Benefícios Fiscais: Isenção de IRS (Imposto sobre o Rendimento das


Pessoas Singulares); Isenção do Imposto único de Circulação (IUC);

• Habitação: Arrendamento, Habitação Própria e Habitação Social;

• Aquisição de Veiculo Automóvel e Cartão de Estacionamento (para


estas situações o atestado de incapacidade deverá cumprir critérios
muito particulares).

• Isenção das taxas moderadoras Versus Dispensa de Cobrança de Taxas


Moderadoras

• Proteção Social para a Inclusão

Benefícios Fiscais
Isenção do IRS

Os doentes de Esclerose Múltipla beneficiam de algumas vantagens no


que respeita à tributação dos rendimentos e à obtenção de benefícios
fiscais.

77
O ABC da esclerose múltipla

Para efeitos de impostos, a pessoa deverá apresentar um grau de


incapacidade permanente igual ou superior a 60%, sendo essa
incapacidade comprovada através do Atestado de Incapacidade a
entregar juntamente com impressos próprios diponibilizados pela
Autoridade Tributária. O atestado de incapacidade deverá estar sempre
na posse do cidadão que possui a deficiência e ser apresentando quando
solicitado pelas Autoridade Tributária, não havendo necessidade de
entrega na altura de preenchimento e entrega do IRS.

Legislação para consulta:

IRS: artigo 87.º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-
A/88, de 30 de novembro e Decreto-lei nº 198/2001, de 3 de Julho.

Arrendamento
Se a pessoa com Esclerose Múltipla tiver um grau de incapacidade
igual ou superior a 60%, se tiver um contrato antigo e se estiver a passar
por uma situação de carência económica só fica submetido ao NRAU
(Nova Lei do Arrendamento Urbano) se houver acordo entre o senhorio
e o inquilino. Se a pessoa não aceitar o valor da renda proposto pelo
senhorio, tem até 30 dias para comunicar a sua decisão, se não o fizer,
considera-se que aceitou a proposta. Caso o senhorio não aceite a
proposta, o valor da renda terá o limite máximo anual equivalente a 1/15
do valor patrimonial tributário do locado (calculado de acordo com o
artigo 38.º do CIMI), durante o período de cinco anos. Depois desse
prazo, o valor da renda pode ser atualizado de acordo com as regras
habituais.

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III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Legislação para consulta:

Arrendamento – Decreto-Lei nº 68/86, de 27 de Março, alterado pelo


Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro; Lei nº 31/2012. de 14
de Agosto, alterado pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012, de 12
de outubro; Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro

Crédito Bonificado para Aquisição de Habitação


As pessoas portadoras de deficiência com um grau de incapacidade igual
ou superior a 60% comprovada por atestado médico de incapacidade
multiuso quando necessitavam de fazer um crédito habitação podiam
aceder às mesmas condições dos trabalhadores das instituições
de crédito o que lhes possibilitava comprarem ou construírem uma
habitação com condições de financiamento mais vantajosas.

No entanto, para beneficiarem de tais condições mais vantajosas, as


pessoas com deficiência tinham que reunir os mesmos requisitos
aplicados aos trabalhadores do sector financeiro, sem que, contudo, se
atendesse às suas especificidades. Além disso, sempre que a pessoa
tivesse já contraído um empréstimo, numa situação de surgimento da
doença posteriormente ao empréstimo, a alterações das condições
contratuais para o regime bonificado revelava-se muito difícil.

O regime de crédito habitação bonificado para pessoas com deficiência


está em vigor desde 1 de Janeiro de 2015 e tem como objetivo garantir
e facilitar o acesso das pessoas portadoras de deficiência a este tipo de
crédito.

79
O ABC da esclerose múltipla

Os empréstimos concedidos ao abrigo deste regime podem destinar-se a:

• Aquisição, ampliação, construção e/ou realização de obras de


conservação ordinária, extraordinária ou de beneficiação de habitação
própria permanente (incluindo a aquisição de garagem individual ou
de lugar de parqueamento em garagem coletiva);

• Aquisição de terreno e construção de imóvel destinado a habitação


própria permanente (incluindo a construção de garagem individual);

• Realização de obras de conservação ordinária, extraordinária ou


de beneficiação em partes comuns dos edifícios destinadas ao
cumprimento das normas técnicas, exigidas por lei, para melhoria da
acessibilidade aos edifícios habitacionais, por parte de proprietários
de frações autónomas, que constituam a sua habitação própria
permanente, e cuja responsabilidade seja dos condóminos.

O acesso ao regime bonificado de crédito à habitação depende do


cumprimento de algumas condições, nomeadamente:

• Os interessados serem maiores de 18 anos e com grau de incapacidade


igual ou superior a 60%, comprovada por atestado médico de
incapacidade multiuso;

• O valor máximo do empréstimo a conceder não pode exceder os 190


mil euros, atualizado anualmente, mas não podendo ultrapassar 90%
do valor total da habitação ou do custo das obras de conservação;

• O prazo máximo do empréstimo é de 50 anos. No entanto, este prazo


está dependente da idade máxima do cliente no final do contrato.
Recorde-se que esta é uma variável que é definida pelo próprio banco;

• O empréstimo não visar aquisição de imóvel da propriedade de


ascendentes ou descendentes do interessado;

80
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

• O mutuário não pode vender o imóvel adquirido ou construído


durante o prazo de cinco anos após a data de celebração do contrato
de empréstimo.

Caso o imóvel seja vendido antes de decorrer o prazo estipulado, o


mutuário fica obrigado a reembolsar a instituição de crédito o valor total
das bonificações de que beneficiou, acrescido de 10%.

No entanto, esta situação não se aplica quando a venda do imóvel for


comprovadamente determinada por:

• Perda de emprego do titular, do seu cônjuge ou da pessoa que viva


com ele;

• Morte do titular;

• Alteração da dimensão do agregado familiar ou mobilidade


profissional do titular ou do cônjuge.

Quando a incapacidade surge depois do crédito, a pessoa tem direito


a mudar o regime do seu empréstimo. Para tal, deverá cumprir os
requisitos de acesso ao crédito bonificado e apresentar requerimento à
instituição bancária onde contraiu o crédito.

Como em qualquer outra situação de pedido de crédito habitação,


o interessado deverá procurar tomar conhecimento das condições
oferecidas em mais do que uma instituição bancária.

Para aceder ao regime de crédito bonificado deve necessariamente


apresentar, para além dos documentos exigidos pelas instituições
financeiras, um atestado médico de incapacidade multiuso, comprovativo
do grau de incapacidade de pessoa com deficiência e uma declaração,
sob o compromisso de honra, em como não são titulares de outro
empréstimo em qualquer regime de crédito bonificado.

81
O ABC da esclerose múltipla

Seguro de Vida Não é Obrigatório


O regime de acesso a crédito à habitação bonificado aprovado pela Lei
n.º 64/2014, de 26 de Agosto, deixa, também, de prever a contratação
obrigatória de um seguro de vida por parte da pessoa que contrai
o empréstimo, o que redundava, muitas vezes, num preço mais
elevado a pagar pelo empréstimo, considerando só custos adicionais
obrigatórios. Sem o seguro, em caso de morte, a responsabilidade
pelo pagamento do crédito transmite-se aos herdeiros (se os houver),
os quais poderão optar entre pagar o valor remanescente do crédito.

Legislação para consulta:

Crédito Bonificado para Aquisição de Habitação/Seguro de Vida - Lei n.º


64/2014, de 26 de Agosto.

Habitação Social
Na atribuição de imóveis de habitação social, há lugar à avaliação dos
rendimentos dos concorrentes e da dimensão do agregado familiar. Em
caso de igualdade nas condições de acesso, é dada preferência aos
cidadãos com incapacidade igual ou superior a 60%.

Quando é aberto concurso, habitualmente anunciado em jornais de


grande tiragem, o doente deve dirigir-se à Câmara Municipal da sua área
de residência, levando cópia dos rendimentos do agregado familiar e o
seu Atestado de Incapacidade onde conste o grau e tipo de deficiência.

Legislação para consulta:

Habitação Social - Decreto-Regulamentar n.º 50/77, de 11 de Agosto.

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III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Aquisição de Veículo Automóvel e Estacionamento


A pessoa com deficiência comprovada pode beneficiar de isenção no
Imposto Sobre Veículos (ISV) quando da aquisição de veículo automóvel.

Estão isentos do imposto sobre veículos as pessoas com deficiência


motora, maiores de 18 anos, com um grau de incapacidade igual ou
superior a 60%; as pessoas com multideficiência profunda um grau
de incapacidade igual ou superior a 90%, pessoas com deficiência
que se movam exclusivamente apoiada em cadeira de rodas, com
um grau de incapacidade igual ou superior a 60% e pessoas com
deficiência visual com um grau de incapacidade igual ou superior a
95%, independentemente da sua idade; as pessoas com deficiência das
Forças Amadas, independentemente da sua natureza.

As pessoas em condições de usufruir de isenção devem apresentar


declaração de incapacidade. Esta declaração obedece a critérios
específicos. Na mesma deverá constar a natureza da deficiência, o
correspondente grau de incapacidade, a definir nos termos da Tabela
Nacional de Incapacidades em vigor, exceto no que se refere aos
deficientes das Forças Armadas, uma vez que o grau de incapacidade
para esta categoria de pessoas é fixado por junta médica militar ou
de acordo com o procedimento descrito em legislação específica, a
comprovação da dificuldade de locomoção na via pública ou no acesso
ou utilização dos transportes públicos coletivos convencionais e a
inaptidão para a condução, caso exista.

O pedido de isenção do Imposto sobre Veículos deverá ser dirigido à


Autoridade Tributária e Aduaneira.

O veículo deverá ser conduzido pela própria pessoa com deficiência ou pelo
cônjuge. A Autoridade Tributária e Aduaneira pode autorizar a condução

83
O ABC da esclerose múltipla

do veículo objeto da isenção fiscal por ascendentes (pais), e descendentes


em 1º grau (filhos), desde que com ele vivam em economia comum, e por
terceiros, até ao máximo de dois, na condição da pessoa com deficiência
ser um dos ocupantes, exceção se forem pessoas com multideficiência
profunda, pessoas com deficiência motora cujo grau de incapacidade
permanente seja igual ou superior a 80% ou, não a tendo, se desloquem
em cadeiras de rodas, e às pessoas com deficiência visual, quando as
deslocações não excedam o raio de 60 km da residência do beneficiário.

Em casos devidamente fundamentados, pode ser autorizada a


deslocação sem a presença da pessoa com deficiência por distância
superior a 60 Km, sendo emitida uma guia de circulação para o trajeto
e tempo necessário pela Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos
Especiais de Consumo. No caso dos ascendentes e descendentes do
beneficiário do regime serem pessoas com deficiência motora, ou a
elas equiparados, habilitados com a declaração devida podem também
eles conduzir o veículo sem quaisquer restrições de quilómetros, desde
que devidamente autorizados pela Direção-Geral das Alfândegas e dos
Impostos Especiais sobre o Consumo, devendo fazer-se acompanhar de
documento comprovativo dessa autorização.

A isenção é válida apenas para veículos novos que possuam nível de


emissão de CO2 até 160g/km, não podendo a isenção do imposto sobre
veículos (ISV) ultrapassar o montante de 7.800 €. Quando ultrapasse
este limite, o beneficiário suporta a parte remanescente de imposto não
abrangida pela isenção. No entanto, não existe limite de cilindrada.

Os veículos adaptados ao transporte de pessoas com deficiência que


se movam apoiadas em cadeira de rodas, o limite legal de emissões de
CO2 aumenta para 180 g/km, quando, por imposição da declaração de
incapacidade, o veículo a adquirir deva possuir mudanças automáticas.

84
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

A isenção do imposto sobre veículos apenas pode ser utilizada por cada
beneficiário relativamente a um veículo em cada cinco anos, salvo em
situações excecionais, como sejam:

• Acidente de que resultem danos irreparáveis, que determinem o


cancelamento da matrícula do automóvel;

• Furto ou roubo devidamente participado às autoridades policiais,


sem que o automóvel tenha sido encontrado e restituído ao seu
proprietário no prazo de seis meses, e desde que se comprove
o cancelamento da matrícula (refira-se que nestes casos se houver
recuperação do veículo pelas autoridades policiais há lugar a
tributação em montante proporcional ao tempo em falta para o
termo de cinco anos, segundo as taxas em vigor à data da concessão
do benefício, ainda que a transmissão se tenha devido à cessação
da respetiva atividade);

• Inadequação do automóvel às necessidades da pessoa com


deficiência, com fundamento em agravamento comprovado da sua
incapacidade, desde que não seja possível proceder à necessária
adaptação do veículo.

Se o beneficiário pretender vender o veículo antes do decurso do prazo


de cinco anos e não tenha ocorrido nenhuma das causas justificativas
anteriormente mencionadas, tal determina o pagamento prévio ao
Estado da parte do Imposto Sobre Veículos proporcional ao tempo
remanescente para o termo do período de cinco anos. No entanto, se
pretender beneficiar de nova isenção, esta só lhe poderá ser concedida
no termo desse período dos cinco anos.

85
O ABC da esclerose múltipla

Para adaptar um veículo automóvel, o interessado deve dirigir-se


às empresas da especialidade que executarão as adaptações em
conformidade com as necessidades. Posteriormente, essas adaptações
terão de ser homologadas pelas entidades competentes, passando
estas a constar do livrete da viatura. Os Deficientes das Forças Armadas
poderão recorrer às oficinas das Forças Armadas para a execução das
respectivas adaptações. O Instituto de Emprego e Formação Profissional
(IEFP) poderá conceder apoio financeiro para efeitos de adaptação do
veículo automóvel, desde que tais adaptações sejam consideradas
pelos Centros de Emprego como imprescindíveis para a manutenção ou
acesso ao emprego ou ainda para formação profissional.

Para além da isenção do imposto sobre veículos, a importação de


automóveis ligeiros de passageiros ou mistos para uso próprio
das pessoas com deficiência, está isenta do imposto sobre o valor
acrescentado (IVA), de acordo com os condicionalismos previstos no
Código do Imposto sobre Veículos, devendo o benefício ser requerido
nos termos estabelecidos naquele Código.

Legislação para consulta:

Aquisição de Veículo Automóvel – Decreto-lei n.º 22 A/2007, de 29 de


Junho (Subsecção II - artigos 54.º, a 57.º) e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

Cartão de Estacionamento de Modelo Comunitário para Pessoas


com Deficiência
A União Europeia recomendou aos Estados Membros que instituíssem
um cartão de estacionamento para pessoas com deficiência segundo o
modelo comunitário uniforme.

86
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Apenas poderão solicitar o referido cartão de estacionamento as


pessoas portadoras de deficiência motora, física ou orgânica que, por
motivo de alterações na estrutura e funções do corpo, congénitas ou
adquiridas, tenha uma limitação funcional de caráter permanente,
de grau igual ou superior a 60%, avaliada pela Tabela Nacional de
Incapacidades, desde que tal deficiência lhe dificulte a locomoção
sem auxílio de outrem ou sem recurso a meios de compensação,
nomeadamente próteses, cadeiras de rodas, muletas e bengalas ou no
acesso ou utilização dos transportes públicos coletivos convencionais.
O cartão poderá também ser solicitado por uma pessoa com deficiência
intelectual e a pessoa com Perturbação do Espetro do Autismo (PEA)
com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%, bem como
por pessoa com deficiência visual, com uma alteração permanente
no domínio da visão igual ou superior a 95%, avaliada pela Tabela
Nacional de Incapacidades.

Para obter o cartão de estacionamento, deve dirigir-se aos Serviços do


IMTT, I.P. (Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P.) da
sua área de residência Poderá também submeter o pedido de cartão de
estacionamento através dos Serviços On-line do IMTT.

No ato da entrega do requerimento tem que fazer prova da identificação


e residência, designadamente através do cartão de cidadão, bem como
da sua condição de pessoa com deficiência, mediante apresentação do
Atestado Médico de Incapacidade Multiuso.

Tratando-se de pessoas com deficiência das Forças Armadas ou a


elas equiparadas, com incapacidade motora igual ou superior a 60%,
a certificação do grau de incapacidade faz-se através do Cartão de
Pessoa Deficiente das Forças Armadas, emitido pelo Ministério da
Defesa Nacional.

87
O ABC da esclerose múltipla

O cartão só pode ser utilizado em veículo que transporte efetivamente


a pessoa com deficiência. A utilização indevida ou fraudulenta do cartão
implica a sua imediata apreensão e suspensão por um período de um
ano, podendo o mesmo ser apreendido definitivamente no caso de
reincidência pelas autoridades de investigação criminal ou de fiscalização
do trânsito ou seus agentes. O cartão de estacionamento é válido por
um período de dez anos, salvo se o atestado médico determinar uma
data para reavaliação da incapacidade.

O titular do cartão só pode estacionar nos locais reservados para o


efeito mediante a respetiva sinalização, excetuando-se as condições de
absoluta necessidade, em que o veículo pode permanecer estacionado
noutro local, por curtos períodos de tempo, desde que não prejudique
a livre circulação de peões e veículos.

Para além do direito de estacionamento nos locais assinalados nos


parques de estacionamento e via pública em geral, a pessoa pode
requerer um lugar de estacionamento junto da sua habitação ou do seu
local de trabalho, se tiver uma deficiência motora que lhe confira um
grau de incapacidade igual ou superior a 60% ou tiver multideficiência
profunda com grau de incapacidade igual ou superior a 90%.

Para obter lugar de estacionamento junto da sua habitação ou do seu


local de trabalho, o interessado deverá dirigir-se à Câmara Municipal da
sua localidade e submeter um pedido. Para estas situações, a placa de
sinalização que é colocada pode mencionar a matrícula da viatura, não
permitindo o estacionamento de outros veículos.

88
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

Legislação para consulta:

Decreto-Lei nº 307/2003, de 10 de Dezembro, alterado, sucessivamente,


pelo Decreto-Lei n.º 17/2011, de 27 de Janeiro, pela Lei nº 48/2017, de 7
de Julho e pelo Decreto-Lei nº 128/2017, de 9 de Outubro.

Isenção do Imposto Único de Circulação (IUC)


Estão isentos do pagamento do Imposto Único de Circulação, as pessoas
com deficiência cujo grau de incapacidade seja igual ou superior a 60%
e em relação a veículos das categorias A, B e E que possuam um nível
de emissão CO2 até 180g/km.

A isenção só pode ser usufruída por cada beneficiário em relação a um


veículo em cada ano, e não pode ultrapassar o montante de 200€.

Para usufruir da referida isenção, o interessado deverá apresentar o


título de propriedade do veículo e o Atestado médico de Incapacidade
Multiuso em qualquer repartição das finanças.

Legislação para consulta:

– artigo 5.º da Lei nº 22-A/2007, de 29 de junho, na sua redação atual

Isenção do Pagamento de Taxas moderadoras Versus Dispensa


de Cobrança de Taxas Moderadoras
Os doentes de Esclerose Múltipla com incapacidade declarada igual
ou superior a 60% beneficiam de isenção de taxas moderadoras . No
entanto, existem outras situações em que se aplica a isenção de taxas

89
O ABC da esclerose múltipla

moderadoras, nomeadamente: as grávidas e parturientes, as crianças até


aos 12 anos de idade, inclusive, os utentes em situação de insuficiência
económica e dependentes do respetivo agregado familiar, os dadores
de sangue, os dadores de células, tecidos e órgãos, os bombeiros,
os doentes transplantados, os militares e ex-militares das Forças
Armadas que, em virtude da prestação do serviço militar, se encontrem
incapacitados de forma permanente, desempregados com inscrição
válida no Centro de Emprego auferindo subsídio de desemprego igual
ou inferior a 1,5 IAS que, em virtude de situação transitória ou de duração
inferior a um ano, não podem comprovar a sua condição de insuficiência
económica nos termos legalmente previstos.

Compete aos Centros de Saúde, aos Centros Distritais de Segurança


Social e aos Centros de Emprego e Formação Profissional emitir os
documentos que fazem prova da condição dos utentes para efeito da
isenção.

No caso do requerimento de isenção por insuficiência económica, deve


o mesmo ser apresentado através de formulário próprio cedido pelo
Centro de Saúde da sua área de residência, ou online, através do Portal
da Saúde.

Dispensa de Cobrança de Taxas Moderadoras


Todas as pessoas, após o diagnóstico efetivo de Esclerose Múltipla,
estão abrangidas pela dispensa de cobrança de taxas moderadoras
no âmbito das consultas, sessões de hospital de dia, bem como atos
complementares prescritos no decurso destas (por exemplo fisioterapia),
ou outras consultas de especialidade, a que tenham de ir, no decurso da
sua doença.

90
III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

É importante referir que a dispensa de cobrança de taxas moderadoras


diz respeito unicamente a atos complementares associados à patologia
(EM).

Na eventualidade de o hospital não lhe reconhecer este direito,


recomendamos que reclame por forma escrita no Livro de Reclamações,
sendo importante que se faça acompanhar de cópia do diploma
específico aplicável nesta matéria e de um relatório médico que
comprove que tem Esclerose Múltipla.

Legislação para consulta:

Isenção das Taxas Moderadoras – artigo 4.º do DecretoLei n.º 113/2011,


de 29 de Novembro e Decreto-Lei n.º 117/2014, de 5 de Agosto que
altera e republica o Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de Novembro.

Dispensa de cobrança de taxas moderadoras – alínea b), artigo 8.º do


Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de Novembro.

Proteção Social para a Inclusão


A Prestação Social para a Inclusão (PSI) é uma prestação que visa
compensar encargos acrescidos em casos de deficiência e incapacidade
de grau igual ou superior a 60%. Esta prestação entrou em vigor em
1 de janeiro de 2017 e vigora até 2019, ano em que se prevê concluir
a sua plena implementação. Será assim possível, através de uma única
prestação social da área da deficiência, proporcionar um apoio social
que se moldará em função do grau de incapacidade, da idade e das
circunstâncias e necessidades da pessoa com deficiência.

Esta prestação é constituída por três componentes: Componente Base,


Complemento e Majoração.

91
O ABC da esclerose múltipla

A aplicação prática destes novos apoios que integram a PSI vai ser feita
de forma faseada.

A Componente Base entrou em vigor dia 1 de Outubro de 2017, o


Complemento avançará em 2018 e a Majoração em 2019. Esta prestação
vem substituir alguns apoios existentes, como o Subsidio Mensal
Vitalício, Pensão Social de Invalidez e a Pensão de Invalidez dos regimes
transitórios dos trabalhadores agrícolas, simplificando e uniformizando o
apoio social para estes cidadãos. Em algumas situações a mudança será
feita de forma automática (sem qualquer necessidade de intervenção
da pessoa deficiente ou dos seus familiares), noutras, será necessário
fazer o requerimento. Esta mudança é feita com a garantia de que
ninguém ficará a receber menos do que atualmente recebe. O novo
regime permite que algumas pessoas com deficiência possam acumular
rendimentos de trabalho com estes apoios sociais.

a. Componente Base

• A Componente base destina-se a compensar os encargos gerais


resultantes da situação de deficiência e incapacidade. Esta
pode ser requerida pelas pessoas com deficiência com grau de
incapacidade igual ou superior a 60% ou 80% desde que sejam
beneficiários de pensão de invalidez com idade compreendida
entre os 18 anos e os 66 anos e 3 meses em 2017 e tiver residência
legal em Portugal. No entanto, a certificação da deficiência e a
determinação do grau de incapacidade tem que ter sido requerida
antes dos 55 anos de idade.

• O valor mensal da Componente Base da Prestação Social para a


Inclusão pode ir de 0 até aos 264,32€ (em 2017), conforme o grau
de incapacidade e os rendimentos do beneficiário.

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III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

• Os requerentes que tenham um grau de incapacidade igual ou


superior a 80% irão receber o valor de 264,32€ independentemente
dos seus rendimentos. Os beneficiários com grau de incapacidade
entre os 60% e os 79% irão receber um valor proporcional ao valor
dos seus rendimentos.

• Para os beneficiários do Subsidio Mensal Vitalício e do


Complemento Extraordinário de Solidariedade a prestação será
automaticamente convertida para a Prestação Social para a
Inclusão recebendo o valor mensal de 264,32€.

• Os titulares de Pensão Social de Invalidez ou Pensão de Invalidez


dos regimes transitórios dos trabalhadores agrícolas têm acesso à
Prestação Social para a Inclusão em Janeiro de 2018.

b. O Complemento

• O Complemento da prestação é aplicável em situações de carência


económica e entra em vigor em 2018.

c. A Majoração

• A Majoração da prestação destina-se a compensar encargos


específicos resultantes da condição de deficiência e entrará em
vigor em 2019, sendo alvo de regulamentação própria.

• A Prestação Social para a Inclusão pode ser requerida através da


Segurança Social Direta, pessoalmente ou enviando pelo correio
para qualquer serviço de atendimento da Segurança Social o
formulário acompanhado dos documentos solicitados.

93
O ABC da esclerose múltipla

2. GRUPOS DE APOIO AOS DOENTES


COM ESCLEROSE MÚLTIPLA
Os grupos de apoio à Esclerose Múltipla, normalmente, não são
organizados ou conduzidos por profissionais de saúde mas sim por outras
pessoas com Esclerose Múltipla, sendo uma boa forma de o doente se
envolver numa comunidade mais vasta de pessoas com a mesma doença.

As reuniões dinamizadas por estes grupos constituem uma oportunidade


para discutir questões médicas, psicológicas e sociais inerentes a esta
patologia. De facto, será certamente muito útil saber como é que outras
pessoas lidam com problemas semelhantes, conferindo ao doente o
conforto e a certeza de que «não está sozinho» na gestão da sua vida
com Esclerose Múltipla.

Em Portugal existem os seguintes grupos de apoio:

Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM)


A Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla foi constituída no dia 4
de Dezembro de 1984, com a missão de melhorar a qualidade de vida
das pessoas com Esclerose Múltipla e seus cuidadores. Essa data viria
a ser institucionalizada como Dia Nacional da Pessoa com Esclerose
Múltipla por decisão do Conselho de Ministros em 2006.

É uma Instituição Particular de Solidariedade Social e de Utilidade


Pública, que se encontra representada em todo o país, através das
suas delegações em Lisboa, Chaves, Porto, Viseu, Coimbra, Covilhã,
Leiria, Santarém, Portalegre, Sesimbra/Setúbal, Montijo/Barreiro, Seixal/
Almada, Évora, Beja, Portimão e Faro. Representa ainda Portugal nas
estruturas agregadoras das associações de doentes: a Plataforma
Europeia da EM (EMSP) e a Federação Internacional da EM (MSIF).

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III CAPÍTULO – A Esclerose Múltipla e a Sociedade

No âmbito da sua atividade, inclui serviços multidisciplinares numa


abordagem holística à EM através dos seus Centros de Atividades
Ocupacionais, Unidades de Neuroreabilitação, Serviço Social, Apoio
Domiciliário, Psicológico e Aconselhamento Jurídico.
Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM)
Sede Nacional: Rua Zófimo Pedroso, n.º 66 - 1950-291 Lisboa
Telefone: +351 218 650 480
spem@spem.pt
www.spem.org
www.facebook.com/SPEM.Portugal

Associação Nacional de Esclerose Múltipla (ANEM)


A Associação Nacional de Esclerose Múltipla é uma Instituição Particular
de Solidariedade Social, constituída a 24 de Maio de 1999. O seu âmbito
de intervenção é a nível nacional, não tem fins lucrativos e possui como
meios financeiros as quotas dos seus associados e alguns subsídios
públicos e privados.

Todos os objetivos que a Associação Nacional de Esclerose Múltipla se


propõe alcançar envolvem a prestação de apoio aos doentes com Esclerose
Múltipla e seus familiares e cuidadores para enfrentar positivamente
todas as dificuldades sociais e de saúde que se lhes colocam na vida
quotidiana, garantindo-se assim os direitos sociais que lhes assistem e
consequentemente uma melhoria significativa da sua qualidade de vida.

Associação Nacional de Esclerose Múltipla (ANEM)


Rua Júlio Dinis, n.º 247 - Gondomar - 4420-481 Valbom
Telefone: +351 22 463 19 85
www.anem.org.pt
Facebook: Associação Nacional de Esclerose Múltipla (ANEM)
Blog: esclerosemultipla.anem.org.pt
YouTube: Anem org

95
O ABC da esclerose múltipla

CONCLUSÃO

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

96
Conclusão

CONCLUSÃO
A Esclerose Múltipla continua a ser um mistério da medicina, sendo uma
doença que não se pode prevenir. No entanto, apesar de ainda não existir
cura, muitas são as investigações a decorrer em torno desta patologia,
tendo entre outros objetivos, o de proporcionar a estes doentes um
novo conceito de qualidade de vida. Existem atualmente medicamentos
que modificam de forma benéfica a evolução desta doença, permitindo
aos doentes ter uma vida praticamente normal.

Este livro é essencialmente dirigido aos doentes e seus cuidadores,


pretendendo esclarecer as suas dúvidas mais frequentes e responder
às necessidades de aprendizagem que surgem após um diagnóstico
recente. As várias partes deste livro, com as suas especificidades e
aspetos complementares, têm como principal objetivo tentar expor uma
visão global da doença, quer do ponto de vista clínico, quer do ponto
de vista social. Na última parte encontra-se informação para os doentes,
os seus direitos e benefícios sociais de que podem usufruir, tentando,
deste modo, minimizar as injustiças sociais, de que poderão ser alvo.

Acreditamos que a sensibilização para a Esclerose Múltipla só é possível


através da combinação de esforços, onde os cuidadores, profissionais de
saúde e associações de doentes desempenham um papel fundamental
para diariamente melhorarem as condições de vida dos doentes numa
tentativa constante de minorar o impacto da doença no seu dia a dia.

97
O ABC da esclerose múltipla

Neste sentido, ao doente pede-se que contribua de forma responsável


no cumprimento do plano terapêutico que os profissionais de
saúde estabelecem; aos cuidadores que ajudem a tornar este plano
possível; às associações de doentes pede-se motivação e persistência
no desempenho das suas funções e à equipa de saúde pede-se
conhecimento, profissionalismo, dedicação e consciência.

Se todos colaborarmos neste sentido, certamente que estamos a aliviar


o “peso” de quem padece de esclerose múltipla.

98
Conclusão

99
O ABC da esclerose múltipla

BIBLIOGRAFIA

Obra criada por uma pessoa com Esclerose Múltipla

100
Bibliografia

BIBLIOGRAFIA
Wiendl, Heinz. Nature Reviews Neurology 13.10 (2017): 573-574.
Montalban, Xavier, et al. “ECTRIMS/EAN Guideline on the
pharmacological treatment of people with multiple sclerosis.”
European journal of neurology 25.2 (2018): 215-237.
Sá et al., 2009; Neurologia Clínica, compreender as doenças
neurológicas. Edições Universidade Fernando Pessoa. Sá, MJ. 2009.
Neurologia Clínica. Compreender as Doenças Neurológicas. ed. 1, 1 vol.,
ISBN: 978-989-643-034-4. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa.
Multiple Sclerosis – a Self-Care Guide to Wellness 2nd edition 2005.
Edited by Nancy J. Holland and June Halper Review by Elsa Teilimo,
Finnish MS Society
http://www.msif.org/en/resources/msif_resources/msif_publications/
ms_in_focus/index.html.
de Sá J, Alcalde-Cabero E, Almazan-Isla J, et al. Capture-recapture
as a potentially useful procedure for assessing prevalence of
multiple sclerosis: methodologic exercise using Portuguese data.
Neuroepidemiology. 2012;38(4):209-16.
Atlas of MS 2013: Mapping Multiple Sclerosis Around the World.
London: Multiple Sclerosis International Federation; 2013. www.msif.
org/about-ms/publications-and-resources
Guia Práctico - Prestação Social para a Inclusão - Componente Base
(8003-v1.04), Instituto da Segurança Social, I.P., Departamento de
Prestações e Contribuições, 26.2.2018.
Multiple sclerosis in Europe: www.emsp.org
Movimento 2020: www.movimento2020.org/os-desafios/descubra-os-
desafios-2020/reduzir-o-consumo-de-sal
Segurança Social: www.seg-social.pt;
Instituto Nacional para a Reabilitação: www.inr.pt;
Portal das Finanças: www.e-financas.gov.pt
Portal do Cidadão: www.portaldocidadao.pt
101
O ABC
da ESCLEROSE MÚLTIPLA
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