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TEXTO MÁXIMO BIANCA TRADUZIDO

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1 – A DEFINIÇÃO DO CONTRATO

O contrato é um acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou


extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. Nestes termos, está
prevista e definida a figura do contrato pelo Código Civil italiano (art. 13210), que
dispõe uma disciplina contratual geral e uma disciplina específica dos tipos
singulares de contrato (compra e venda, permuta, etc.).

O contrato entra na categoria mais ampla de ato de autonomia privada ou


negócio jurídico, ou seja, do ato mediante o qual o sujeito dispõe da própria esfera
jurídica.

No âmbito da categoria do negócio jurídico, o contrato se caracteriza por sua


estrutura bilateral ou plurilateral. O contrato é precisamente um negócio jurídico
bilateral ou plurilateral, quando se aperfeiçoa com o consentimento de duas ou mais
partes. Isso o diferencia do negócio unilateral que se aperfeiçoa somente com a
manifestação de vontade do autor do ato, sem que seja necessária a aceitação do
outro (por exemplo, o testamento).

Ademais, além de sua estrutura bilateral ou plurilateral, o contrato também se


caracteriza por sua patrimonialidade. O contrato é um negócio patrimonial quando
tem por objeto razões suscetíveis de variação econômica. Um acordo dirigido a
constituir, regular, extinguir uma relação jurídica não patrimonial (exemplo o
matrimônio) está fora da noção de contrato, embora entre na categoria de negócio
jurídico.

Elementos constitutivos do contrato são: o acordo, o objeto, a causa e a forma,


quando esta se encontra prevista sob pena de nulidade (art. 1325 CC).

O acordo é um consentimento recíproco das partes a propósito da ocorrência


contratual. O objeto é o conteúdo negocial do contrato, ou seja, aquilo que as
partes estabelecem ou programam a respeito de sua relação. Assim, por exemplo, o
objeto da venda é a transferência da propriedade, um outro direito real contra um
preço (art. 1470 CC). Objeto do contrato é também a realidade material ou jurídica
sobre a qual recaem os efeitos do mesmo contrato. Assim por exemplo, por objeto
da venda pode tomar-se o bem alienado.

A causa é a função prática do contrato, ou seja, o interesse a cuja satisfação está


dirigido o contrato.

A forma do contrato é o meio pelo qual se manifesta a vontade contratual.

O acordo, o objeto, a causa e a forma (de ser necessária) são elementos


constitutivos dos contratos, enquanto são elementos do núcleo mínimo do
suposto feito contratual.

Junto dos elementos constitutivos é necessário indicar os elementos acidentais,


ou seja, as modalidades acessórias previstas em um contrato. Elementos acidentais
típicos são o término, a condição, o modo, a cláusula penal e o arras. (Junto dos
elementos acidentais há também os elementos naturais, como elementos previstos pela norma para regular a
relação, salvo vontade diferente das partes (por exemplo a garantia da evicção). Porém, de todo modo, se trata de
efeitos derivados da disciplina legal do contrato).

As modalidades acessórias podem encontrar-se estabelecidas pela lei ou pelos


usos, e em tal caso, fazem parte da disciplina geral ou particular da relação
integrando seu conteúdo. Pense-se por exemplo, na modalidade relativa ao lugar
da execução da prestação.

Além dos elementos do contrato, tem-se os pressupostos legais que podem ser
estabelecidos sob pena de nulidade ou como condições de eficácia (condições
legais).

A noção normativa de contrato corresponde àquela já presente no Código Civil de


1865 (art. 1098). Feliz definição, vale a pena notar, supera a fórmula do código
francês que considera o contrato como fonte de efeitos obrigatórios (art. 1101). Na
realidade, como veremos (nº 238), o Código de Napoleão reconheceu também a
eficácia traslativa do contrato que assim se colocou como fonte de efeitos
obrigatórios e de efeitos reais.

O Código francês é importante porque derrama no terreno legislativo a figura geral


do contrato e senta além dos princípios reguladores com independência do
conteúdo das relações singulares típicas.

A ideia geral do contrato já havia sido elaborada pela doutrina francesa anterior ao
código, em especial por Domat e Pothier, que poderia trazer uma disciplina usando
amplamente as indicações dos juristas romanos. Domat define a convenção como o acordo de duas ou
mais pessoas para constituir entre elas uma obrigação ou para resolver ou cambiar uma obrigação. Analogicamente Pothier
define o contrato como a convenção mediante a qual duas pessoas prometem ou se obrigam reciprocamente, ou somente uma
frente a outra, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Como se vê, se trata da definição tomada ao pé da letra pelo código
francês.

Enquanto que é fácil reconhecer a influência, todavia atual, de algumas dessas


indicações, é extremamente difícil fazer valorações genéricas e contraposições em
relação com uma experiência profundamente diferente no tempo.

A afirmação, frequentemente repetida, de que o direito romano não conheceu o


contrato em geral, se não apenas contratos singulares é insuficiente. O que se trata
é saber melhor se e quando os romanos chegaram a reconhecer eficácia vinculante
ao pacto e a prescindir de sua filiação a categorias típicas conhecidas. No direito
Justiniano isto parece uma realização já alcançada. Outro é o problema de se os
juristas romanos, mesmo sem haver elaborado uma teoria do contrato, tiveram a
ideia da convenção como fundamento comum das várias figuras contratuais. ( Cf
RICCOBONO, segundo o qual a teoria subjetiva do contrato foi experimentada primeiramente na realidade da vida da
jurisprudência clássica, e posteriormente fixada na noção jurídica: a nova orientação do pensamento clássico, em
oposição a regra do jus civile, teria encontrado o fundamento dos contratos de comércio na convenção, ou seja, na
vontade das partes). Também esse foi um resultado seguramente alcançado no direito
pós-clássico, ao passo que se controverte se, já na época clássica, prevaleceu a
consideração da importância do animus, ou seja da vontade negocial.

Em todo caso, é certo que o contrato, qualquer que fosse o seu significado, chega a
constituir um ponto autônomo de referência quando se o contrapõe o ato ilícito
dentro das fontes das obrigações.

2. O CONTRATO COMO ACORDO E COMO AUTORREGULAMENTO DE


RELAÇÕES JURÍDICAS PATRIMONIAIS

A definição do contrato como acordo dirigido a constituir, extinguir ou modificar uma


relação jurídica patrimonial, capta os momentos essenciais da noção de contrato,
isso é, o momento subjetivo e o momento objetivo.

O momento subjetivo identifica o contrato como ato de decisão das partes, e


precisamente como acordo. E no âmbito social, o acordo é uma manifestação de
vontade e como tal há de ser tomado. Isso não quer dizer que se acolha ao
chamado dogma da vontade, é dizer, da teoria que vê a essência do negócio na
vontade real do indivíduo (sobre o sentido ideológico da vontade de tal teoria,
conforme nº 10). Se trata, melhor, de tomar nota de que o significado social do
acordo é o de um ato de vontade e de que quando dito significado não existe, falta
o fenômeno do contrato.

O significado do contrato como ato de decisão não exclui a possibilidade de que a


parte e as partes tenham um querer distinto da manifestação. A falta de uma
vontade interna correspondente não impede, de fato, que o ato se apresente
sempre como um ato de vontade. Do mesmo modo, uma declaração de ciência tem
socialmente este significado inclusive se o declarado não corresponde à verdade.

O vício ou a falta de uma correspondente vontade interna não impedem pois, o


aperfeiçoamento do contrato se o comportamento do sujeito tem o significado
objetivo de uma manifestação de vontade. O vício ou a ausência de vontade
representam em vez disso um problema de tutela da liberdade negocial do sujeito.
O problema, como veremos, deve ter em conta a principal exigência de tutela e da
confiança dos terceiros em relação com a seriedade da declaração contratual. Em
todo caso, o remédio que pode corresponder ao sujeito lesionado em sua liberdade
negocial não é o da nulidade, mas melhor, o de uma ação de anulação do negócio.

E mais, como combinado, o contrato pode ser definido como autorregulação das
relações jurídicas patrimoniais. A definição de “autorregulamento” é hoje corrente
em nossa doutrina e abarca mais genericamente a categoria de negócio jurídico.
(Conforme BETTI: o negócio jurídico é o ato segundo o qual o particular regula por si mesmo seus próprios interesses com outros
(ato de autonomia privada), ato de autorregulação de interesses privados.)

A definição de contrato como autorregulação, formulada em termos da aberta


oposição a denominada teoria subjetiva (nº 7), integra a noção de contrato referido
no momento objetivo, que é inescusável, ou seja, a “disposição” ou a “regra” que as
partes geraram mediante seu acordo.

A referência única ao momento objetivo é, sem embargo, insuficiente para identificar


o contrato, toda vez que a regra ou a vicissitude jurídica em que se objetiva a
relação que medeia entre os sujeitos poderia ter uma fonte externa (por exemplo,
um ato administrativo), pelo o qual se deve então excluir sua natureza negocial.
Pensa-se assim em uma desapropriação por utilidade pública: por seu conteúdo
bem poderia corresponder a um contrato de cambio, mesmo quando não poderia
remitir, certamente, a um ato contratual.

Para poder falar de contrato é necessário que a disposição seja realizada pelas
partes, ou seja, que tenha sua fonte em um acordo como ato de exercício de
consentimento das partes (autorregulação) e não de poder autoritário externo (regra
heterônoma). Em uma palavra, é regra convencional.

Pode anotar-se como na linguagem corrente o termo contrato se usa sem mais,
tanto para indicar o acordo, como para indicar o conteúdo, ora no sentido de
conteúdo material (as declarações das partes) ora no sentido de conteúdo
substancial (o regramento contratual). O termo é empregado também para indicar o
documento escrito em que as partes manifestam seu consentimento.

3. O NEGÓCIO JURÍDICO

A figura do contrato, como se tem dito, se enquadra na categoria do negócio


jurídico. Essa categoria foi elaborada pela doutrina pandectista que transmitiu sua
definição mesmo em voga de ato de vontade com uma finalidade relevante para o
ordenamento jurídico. A categoria conserva sua importância no plano sistemático,
dado que permite estabelecer uma distinção fundamental no âmbito dos atos
jurídicos entre atos de autonomia privada e atos jurídicos em sentido estrito.

O negócio jurídico pode, então definir-se, sem mais, como ato de autonomia
privada. E essa definição entra também no contrato, que é a figura principal, porém
não a única, de negócio.

Nosso código, seguindo o modelo do código francês contém uma disciplina geral do
contrato, porém não do negócio. O código reconhece igualmente o princípio da
autonomia contratual como poder do sujeito de autodeterminar suas próprias
relações com terceiros mediante contratos típicos e também atípicos, sempre que
estão dirigidos a realizar interesses merecedores de tutela conforme o ordenamento
jurídico (art. 1322 CC). Em troca, falta um reconhecimento explícito da noção mais
ampla de autonomia privada quando se pergunta se é possível celebrar livremente
atos negociais não contratuais distintos daqueles contemplados pela lei (conforme
infra).

Imediatamente é preciso dizer que a disciplina do contrato se presta a ser aplicada


em ampla medida aos atos negociais não contratuais. Uma aplicação direta desta
disciplina está prevista na relação com os atos unilaterais entre vivos com conteúdo
patrimonial enquanto seja compatível com a natureza de tais atos (nº 6).

A categoria do negócio jurídico é uma das mais discutidas e criticadas. As críticas


se referem principalmente a abstração dessa figura. De fato, parece inidônea para
abarcar unitariamente atos de natureza profundamente distinta (contratos, negócios
de direito familiar, testamentos, etc).

Outra crítica aponta o negócio jurídico com o exemplo significativo do


conceptualismo jurídico que tende a retornar substantivas noções teóricas sem ter
em conta os conflitos de interesses que o direito está chamado a resolver.

A figura tem sido também refutada no terreno ideológico como símbolo de um


exasperante individualismo que eleva o sujeito à posição de árbitro de sua esfera
jurídica, com o qual na realidade, favorece aos detentores do poder econômico, e
particularmente do poder empresarial.

O debate ideológico já não tem razão de ser se se reconhece que o negócio jurídico
é uma categoria de direito positivo, ponto de referência para a aplicação de normas
jurídicas comuns. A existência de uma disciplina comum dos atos negociais resume
a norma que estende a disposição da aplicabilidade das disposições reguladoras do
contrato aos atos unilaterais entre vivos com conteúdo patrimonial (art. 1324 CC). A
reserva da incompatibilidade (“logo que compatíveis”) não exclui que tais
disposições são diretamente aplicáveis. Para os atos negociais que não são entre
vivos ou que não são de conteúdo patrimonial se tratará às vezes de interpretação
extensiva (em relação, por exemplo, com as normas sobre contrato ilícito), às vezes
de aplicação analógica. Porém, para os efeitos da elaboração de uma categoria
sistemática como ponto de referência de uma disciplina comum é de todo
indiferente que a disciplina se aplique por via indireta ou por via analógica.

Recentemente também a figura do contrato tem sido censurada por sua abstração e
inidoneidade para compreende e disciplinar as múltiplas realidades novas dos
negócios. Sem embargo, a especialidade destas realidades não as subtrai a
disciplina geral do contrato, que está endereçada a regular contratos atípicos e
contratos inominados (art. 1323 CC) e que nas condições gerais coexistem com as
disciplinas particulares e com a regulamentação dos pactos.

4 – ACORDO E PROMESSA NO MARCO DA AUTONOMIA PRIVADA

A escongência do nosso código por uma disciplina geral do contrato, em vez do


negócio jurídico, encontra explicação na excessiva amplitude da categoria do ato
negocial. De fato, a profunda diversidade no campo dos negócios torna difícil
enunciar uma disciplina geral válida para todos os negócios. Em troca, parece
apropriada a via de um juízo concreto de compatibilidade e de congruência.

A opção de nosso código se explica também em razão da centralidade do contrato


como ato principal de atuação da autonomia privada.

A autonomia privada é fundamentalmente o poder de autodeterminação do sujeito,


ou seja, poder do sujeito decidir sua própria esfera jurídica. Sem embargo, em
geral, a determinação da própria esfera jurídica envolve também a esfera jurídica de
outros sujeitos.

A ideia mesma da autonomia exclui que o sujeito possa dispor da esfera jurídica do
outro. Enquanto partícipe da vida de relação, o sujeito não é uma entidade isolada.
Seus direitos e deveres se materializam em relação frente aos demais membros
sociais. O sujeito não pode constituir, modificar ou extinguir suas relações sem por
ele mesmo modificar a esfera jurídica de outros. Daí a exigência de que o ato de
autonomia privada encontre o consentimento alheio. Assim, o acordo se
apresenta como o instrumento normal do exercício da autonomia privada.

Contudo, segundo uma boa parte da doutrina, nosso código não só havia afirmado
a centralidade da figura do contrato, mas teria incluído reiterada a ideia tradicional
da exclusividade do contrato, esta é a ideia que vê no contrato o único instrumento
geral de exercício da autonomia privada.

As teses da exclusividade do contrato nega que o sujeito tenha o poder geral de


autodeterminar unilateralmente sua própria esfera jurídica. O único instrumento para
o exercício general da autonomia privada seria, então o contrato, no entanto os
negócios unilaterais seriam admitidos unicamente e enquanto estiverem previstos
na lei.

Que a tese da exclusividade do contrato foi acolhida por nosso código, é algo que
se tem sustentado com base na norma que nega efeitos obrigatórios a promessa
unilateral de uma prestação fora dos casos permitidos pela lei (art. 1987). Desse
modo resultaria que o código não reconhece o caráter vinculativo geral da
promessa unilateral, ou seja da figura emblemática e fundamental do negócio
jurídico unilateral que se justapõe ao contrato. Com ele se confirmaria um
distanciamento com o direito anglosaxão que, em troca, admite o caráter vinculativo
da promessa quando queira que esteja sustentada por uma causa apreciável
(consideração).

O argumento exegético extraído da norma indicada sobre as promessas unilaterais


não é na verdade decisivo, dado que outras normas reconhecem a eficácia geral
por fora de um determinado esquema típico (por exemplo, a promessa ao público nº
116).

No âmbito da valoração e dos interesses, a necessidade do consentimento


alienígena se explica em consideração a exigência de respeito da esfera jurídica
dos terceiros. Dita exigência, sem embargo, não chega a justificar a questão da
absoluta intangibilidade da esfera jurídica alienígena e, ademais, da
inadimissibilidade geral dos negócios unilaterais. O exame sistemático dos casos
em que a lei prevê que o ato influa na esfera jurídica dos terceiros de boa fé de que
o limite geral da eficácia do ato negocial está constituído pelo princípio da
salvaguarda da esfera jurídica alienígena. A regra segundo a qual o ato negocial
não pode produzir efeitos em relação a terceiros deve então entender-se no sentido
de que o ato negocial não pode produzir efeitos prejudiciais a cargo de terceiros.
Em troca, pode aceitar-se que o negócio influa diretamente na esfera alheia quando
o efeito não seja suscetível de gerar prejuízo pessoal e patrimonial.

Porém, inclusive nesse caso, deve reconhecer a liberdade do terceiro de não ser
destinatário de um benefício alienígena. Para salvaguardar este interesse, é
necessário, sem embargo, excluir de forma absoluta o efeito do negócio alienígena
sem o consentimento do destinatário. Outra solução, a qual parece chegar nosso
ordenamento, é a da rejeição do destinatário, como ato dirigido a remover o efeito
do negócio alienígeno. (nº 19).

O resultado da indagação leva, pois, a interpretar a regra da ineficácia do contrato


em relação a terceiro no sentido de que o contrato, e em geral o negócio , pode
produzir efeitos em relação a terceiros sempre que se trata de efeitos não
suscetíveis de prejuízo, e deixando a salvo, de todo modo a rejeição do
destinatário.

Contra o reconhecimento da vinculatoriedade dos negócios unilaterais se objeta


mesmo que o sujeito poderia resultar vinculado por promessas não razoáveis.
Porém esta preocupação concerne também aos contratos, e deve encontrar
resposta no emprego adequado a causa (n º 204).

Outra preocupação é evitar que o sujeito fique vinculado por promessas gratuitas
impulsivas. Porém esta preocupação encontra já uma primeira resposta na
exigência de que a vinculação da promessa corresponda a uma causa que
conforme a valoração social pareça suficiente para justificar como promessa
juridicamente vinculante (por exemplo, a promessa de um aumento de
remuneração).

De todos os modos as condições do problema se explicam amplamente na


disciplina da doação, que exige um contrato estipulado por instrumento público. A
mera promessa a título de doação cairia, pois, por falta de forma.

A promessa aceita expressa um acordo, e isso explica que figuras de aplicação


geral em direito romano, como eram as stipulatio y a fideussio, venham a ser
encaradas dentro do esquema do contrato, resultante das declarações
concordantes articuladas em perguntas e respostas.

A doutrina romancista se limita a indicar como promessas unilaterais a polliciatio,


como promessa com efeito obrigatório se está dirigida a uma rés pública, e ao
votum, promessa de uma coisa dirigida a divindade dependente do que esta aceite
a petição.

5 – ACORDO E DECISÃO (ATO COLETIVO E ATO COMPLEXO)


O contrato, como figura do acordo, deve mostrar-se distinto da decisão, o ato
coletivo, que é um ato decisivo do grupo, ou seja, o ato por meio do qual o grupo
manifesta sua vontade a fim de um interesse de sua competência.

A decisão é sempre exercício de autonomia privada, porém o interesse de quem


decide é um interesse do grupo, ou seja, um interesse comum dos partícipes ou
um interesse atingido pelo grupo. A distinção entre acordo e decisão se captura
então a observar que no acordo cada uma das partes decide em relação com um
interesse de sua incumbência, enquanto que na decisão, cada partícipe concorre
com uma decisão comum relativa a um interesse de competência do grupo. ( A
circunstância de que a decisão seja aprovada por unanimidade não permite dar-lhe natureza contratual. A propósito
dos regulamentos de condomínio, conforme, em Scritti per Pugliatti. Melhor é olhar o objeto do regulamento, para
ver se é ou não de competência da assembleia. Em caso afirmativo se concebe o problema de se os indivíduos podem
obrigar-se a observar o regulamento por meio de um compromisso contratual assumido para com os demais
interessados ou para com um terceiro (precisamente frente ao construtor-vendedor dos apartamentos).

Como expressão da vontade do grupo, a decisão se perfeciona normalmente


conforme a regra da maioria, mas de toda maneira é imputada ao grupo ou ao ente
de que o grupo decisório é órgão. A decisão, portanto, se bem aperfeiçoa mediante
o concurso de vários atos unilaterais (votos), [respecto} do grupo é um ato unitário
unilateral, isto é um ato decisório, imputado ao próprio grupo. ( A doutrina distingue logo
entre ato coletivo, expressão da vontade de todos os indivíduos ou da maioria, e ato colegial, como expressão da
vontade do órgão colegial de uma pessoa jurídica: aqui os indivíduos operam como componentes do órgão e suas
declarações se fundem no ato. Conforme Santoro-Passarelli. Na realidade o relevante é a competência para decidir
sobre um determinado interesse. Se a competência é do grupo, o ato se imputa a este, com prescindência de sua
personalidade jurídica).

A natureza do ato dependerá ademais da operação realizada, podendo tratar de


autorizações, renúncias, atos regulamentários de organização, etc. A decisão, só
excepcionalmene pode ter natureza contratual quando está dirigida ao exterior com
a expressão imediata de uma oferta ou de uma aceitação imediata de oferta de
contrato. Geralmente a decisão em que se refere os contratos têm caráter interno
enquanto o contrato haverá de ser estipulado pelo órgão representativo.

A decisão é o modo de formação de uma vontade de uma organização unitária. Os


problemas das formas e dos limites de dita formação pertencem ao tema dos
grupos e projetam também questões de fundo enquanto a tutela do indivíduo frente
ao poder da maioria.

Noção distinta é o ato subjetivamente complexo, como ato que exige o


consentimento de declarações de vontade autônomas ao serviço de um interesse
único (ex: ato de inabilitado que acompanha a autorização do curador).

Ao passo que o ato coletivo da declaração dos particulares são absorvidos pela
declaração única de vontade que elas concorrem a formar, no ato complexo, cada
declaração tem uma posição e uma função distintas e também, uma relevância
direta na validade e eficácia do ato. Os atos complexos nos que as declarações
particulares de vontade têm a mesma relevância e se chamam
iguais (p. ex: atos que exigem as declarações de vontade dos administradores
distintos ). Do contrário se chamam desiguais.

6 - OS ACTOS JURÍDICOS EM SENTIDO ESTRICTO

Em termos sistemáticos, a figura geral do negócio jurídico é importante porque


permite entender uma divisória fundamental no âmbito dos atos jurídicos, entre atos
de autonomia privada e ato não negociais ou atos jurídicos em sentido estrito. Ato
jurídico é, em geral, qualquer comportamento humano juridicamente relevante. No
âmbito dos atos jurídicos, o negócio se distingue como ato mediante o qual o sujeito
dispõe da própria esfera jurídica, isto é como ato de autonomia privada.

Ao contrário, o ato jurídico em sentido estrito pode ser definido como o


comportamento humano - operação material ou declaração – que se oferece como
simples pressuposto de efeitos jurídicos. No ato jurídico em sentido estrito,
precisamente, os efeitos não são dispostos pelo sujeito agente, mas por uma fonte
externa que principalmente é a lei. Tais efeitos podem ser favoráveis ou
desfavoráveis ao sujeito, com relação a seu resultado de direito e aos interesses em
que incidem (declaração de conhecimento, de desejo, comunicações, atos ilícitos,
etc).

Segundo a tese tradicional, os efeitos do ato jurídico em sentido estrito prescindem


da vontade do agente. Inclusive, se o ato é voluntário, a vontade tem por objeto sua
execução, mas não vale para determinar seus efeitos.

Ademais, o critério distintivo baseado na vontade dos efeitos se põem em


discussão, sobretudo pela tese que negou a concepção do negócio como ato de
vontade, com o argumento de que também o negócio pode aperfeiçoar quando o
sujeito não tenha capacidade de querer e pode produzir efeitos não queridos.

Na verdade, o que importa é o significado social do ato negocial como ato


dispositivo. A vontade pode faltar concretamente, mas o negócio é de todo modo
valorado objetivamente como ato de decisão do sujeito. Os efeitos concretamente
produzidos podem ser distintos dos programados, ou, ao extremo, podem faltar
(pensem em um negócio nulo), porém o negócio é sempre ato dispositivo de efeitos
jurídicos.

A falta de uma disciplina geral dos atos jurídicos em sentido estrito, é preciso acudir
em oportunidade na sua disciplina particular e as normas idôneas para uma
composição apropriada dos conflitos de interesse.

7 - O DEBATE SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO. TEORIA DA


VONTADE. TEORIA DA DECLARAÇÃO. TEORIA PRECEPTIVA

Como já se viu, o contrato é um acordo mediante o qual as partes regulam uma


relação jurídica patrimonial. Essa ideia pode expressar-se também na definição do
contrato como autorregulação de relações jurídicas patrimoniais, enquanto dita
definição, embora sublinhando o aspecto objetivo do contrato, não exclui que seja
de toda maneira um ato de decisão das partes.

Sem embargo, é preciso advertir que segundo nossa doutrina, a definição do


contrato como acordo ou como autorregulação não chega a indicar um ou outro
aspecto do contrato, senão melhor duas concepções antitéticas sobre sua natureza
jurídica, ou seja, a concepção subjetiva e a concepção objetiva do contrato.

A concepção subjetiva se remete a teoria da vontade. A concepção objetiva se


remete a teoria da declaração e a preceptiva.

A teoria do dogma da vontade vê a essência do contrato, e mais genericamente, do


negócio jurídico, na vontade criadora do indivíduo. Uma declaração desprovida de
vontade seria, então, inidônea para formar o contrato, por quanto faltando a vontade
faltaria o primeiro elemento constitutivo do contrato. A vontade necessita manifestar-
se externamente, porém uma manifestação a que não corresponda uma vontade
real do sujeito não teria valor de negócio. Os casos em que a lei da relevância da
declaração não sustentada em uma vontade correspondente seriam explicados
como exceções a regra fundamental do contrato.

A esta teoria, elaborada pela Pandectista do século XIX sobre a base da tradição do
direito comum, se contrapõe a teoria da declaração.

Segundo essa teoria, o que constitui o contrato não é a vontade, mas a declaração.
E a declaração, como pode ser entendida de acordo com as circunstâncias, a que
importa para o direito, não há vontade [sinquica] do declarante. A teoria da
declaração, também elaborada na Alemanha no século XIX, respondia sobre tudo
as exigências práticas da nova experiência das relações comerciais.

Em tanto que a doutrina tradicional italiana tem mantido substancialmente a


referencia ao princípio da vontade, enquanto admitindo que o dito princípio pode ser
derrogado pela lei em consideração a exigência de tutela da confiança, a teoria
preceptiva endereçou uma vivaz crítica de fundo.

A doutrina preceptiva começa por ressaltar que a vontade “como feito sociológico
meramente interno, é algo de insustentável e incontrolável” e que pode ter
relevância jurídica somente enquanto se traduzir em um feito social . A noção do
contrato não consiste em um elemento sociológico da vontade, como tampouco em
um dado material da declaração, senão em um fenômeno social. Este fenômeno é
identificado na disposição com a qual o sujeito regula por si mesmo seus próprios
interesses em relação com outros, ou seja, cabalmente na autorregulação.

A crítica do dogma da vontade, segundo a teoria preceptiva, incluíra também a


noção de contrato como acordo, dado que esta noção seria sempre o resultado da
concepção subjetiva que privilegia a vontade como aspecto constitutivo do contrato.
8- A SUPERAÇÃO DO DOGMA DA VONTADE E O DIREITO POSITIVO. O
VALOR NEGOCIAL DO ATO

A superação do chamado dogma da vontade é hoje um feito cumprido no terreno do


direito positivo. A disciplina legislativa do contrato não depende da relevância
jurídica do ato da realidade da vontade interna das partes. O contrato não se valora
como um fenômeno psíquico, senão como um fenômeno social, isto é, o que
importa é o valor objetivo que esse fenômeno adquire como ato de decisão
mediante o qual as partes constituem, extinguem ou modificam uma relação
patrimonial.

A disciplina do contrato, resultante das orientações jurisprudenciais, confirma os


seguintes pontos:

1- O ato não tem objetivamente o significado de uma decisão de vontade do


sujeito com respeito a sua esfera jurídica, é dizer, que não tem o significado
objetivo de um ato de vontade, não vale como ato negocial.
2- O ato que objetivamente tem um significado de um ato negocial compromete
o seu autor mesmo se seu querer interno foi distinto do manifestado. A falta de
correspondência entre a vontade declarada e a interna não priva o ato de seu
valor negocial (sem prejuízo de que se projete a possibilidade de remédios de
impugnação em favor do declarante).
3- O ato negocial deve ser imputável ao sujeito. O ato que não é imputável ao
sujeito não vale como ato negocial seu. Em geral, é imputável ao sujeito o
que provem de quem está legitimado para representá-lo. O ato é também
imputável ao sujeito que deu lugar a uma manifestação objetiva de que o ato
provenha. Assim, por exemplo, quem se vale de terceiros para comunicar sua
própria declaração assume os riscos de uma transmissão infiel.

Em fim, segundo nosso direito positivo, tem valor negocial o ato imputável ao sujeito
e objetivamente valorado como ato de autonomia privada, isto é, como ato de
decisão a respeito de sua esfera jurídica.

Esta noção comporta que o sujeito pode estar comprometido por um ato que não
tenha querido realmente. Ao efeito se chama de autorresponsabilidade. Dito
princípio expressa a solução normativa no sentido de que quem emite ou da lugar a
emissão de declarações negociais no tráfego jurídico fica sujeito as consequências
delas, segundo seu significado objetivo.

Dessa noção de autorresponsabilidade se exclui toda ideia de sanção a cargo do declarante


por seu comportamento negligente (porém no sentido de que, geralmente, a autorresponsabilidade teria
fundamento na culpa. O declarante fica comprometido por sua declaração ou pela declaração a
que haja dado lugar, independente de uma valoração de sua conduta em termos de culpa.

O princípio da autorresponsabilidade traz para o declarante o risco de uma


declaração não conforme com a vontade real e, ademais, o de uma declaração não
querida. É preciso explicar a razão deste risco. Se, por exemplo, por erro do
operador de telex público o destinatário recebe uma declaração distinta da querida
pelo emissor, é preciso perguntar-se por que tem que ser o emissor que sofre o
risco de tal erro. A explicação tem que ser buscada na exigência de tutela da
confiança do destinatário. Quem emite uma declaração negocial ou adota um
comportamento que tenha significado negocial ou se vale de outros para comunicar
sua declaração, desperta no destinatário a confiança de que o ato é serio e
conforme o seu significado objetivo, conforme o desenvolvimento normal da
atividade negocial. A exigência da tutela dessa confiança supera a exigência da
tutela do declarante porque a relevância das deficiências ocultas da declaração
negocial, respecto de terceiros prejudicaria o comércio jurídico.

Se poderia pensar, então, que o princípio da confiança se eleva a fundamento geral


do valor do negócio, no sentido de que o ato tem o valor negocial em que o
destinatário há confiado razoavelmente. Sem embargo, o princípio não encontra
aplicação nestes termos amplos. Com efeito, não basta que o destinatário confie
em uma realidade negocial inexistente, se esta não é referível a outra parte. O
dano que tal acontecimento ocasiona não pode ser anexado ao sujeito que
permanece estranho ao feito. E neste caso, o dano deve melhor permanecer na
esfera de quem o sofreu. Assim, na hipótese de falsa representação, o terceiro
contratante não pode invocar ultimamente sua confiança frente ao aparente
representado que não deu lugar ao sucesso.

De outra parte, também quando o ato é imputável ao seu autor, o princípio de


autorresponsabilidade é inoperante se o seu destinatário conhece seu significado
real ou deverá conhecê-lo segundo um critério de diligência normal (por exemplo, o
destinatário sabe que a declaração foi transmitida erradamente) .

Em conclusão, é possível dizer que o princípio de autonomia está integrado pelo


princípio da autorresponsabilidade, que encontrará sua justificação e seu
limite na exigência de tutela da confiança.

Na hipótese extrema de que o sujeito tenha dado lugar, sem querer, a uma
declaração merecedora de confiança, poderá dizer-se que no final das contas, o ato
de autonomia é insubsistente. Pareceria então justificado negar que a autonomia
privada seja o princípio único que dê fundamento a relevância negocial e concluir
com uma solução eclética que tome nota do concurso de vários princípios mediante
o qual o ordenamento resolve o problema prático da disciplina do negócio.

Porém enquanto seja certo que a disciplina do direito positivo está dirigida a
resolver problemas práticos e não seguir esquemas conceituais, e enquanto seja
certo que a consideração do negócio não pode prescindir dos princípios que
concorrem em desenvolver sua disciplina, é necessário distinguir de uma vez para
sempre o alcance diferente de tais princípios, e buscar qual o elo justifica em geral a
relevância do negócio. O princípio que justifica a relevância jurídico-social do
negócio é a autonomia privada, em tanto o ordenamento reconhece eficácia
jurídica vinculante ao negócio enquanto na vida de relação o negócio é um
instrumento mediante o qual os membros sociais decidem seus assuntos.
Quando o ato é remissível a decisão de seu ator (ex a declaração transmitida
erradamente), é só aparentemente um ato de autonomia privada. Pode inclusive
valer como ato negocial do sujeito, pois esta relevância excepcional pressupõe que
o ato seja imputável a seu autor e se apresente objetivamente como um ato de sua
autonomia privada. É dizer que o ordenamento verifica que o sujeito tenha efetuado
um ato de decisão com relação a sua esfera jurídica. Esta comprovação pode não
corresponder a sua substância do ato, mas sim a sua valoração objetiva. A opção
de sua segunda alternativa, que encontra explicação na exigência prevalente de
tutela da confiança alheia, é, sem mais escogida em termos de autonomia privada,
enquanto o ato se apresenta socialmente como um ato de autonomia do sujeito e
qualificado e disciplinado como tal.

Em últimas, se confirma que, em geral, a relevância do ato negocial deve remitir-se


a seu fundamento de ato de autonomia privada: o ato não tem relevância negocial
se não tem o significado de ato de autonomia privada.

9- INTEGRIDADE DO CONSENTIMENTO E TUTELA DA CONFIANÇA

A imputação do ato ao sujeito como ato negocial seu abre um problema distinto, o
da tutela da integridade do consentimento, ou seja, o da possibilidade de
conceder um remédio da impugnação do ato quando a vontade de seu autor resulte
viciada ou afetada por incapacidade natural. ( Aqui não se pode falar em atos aparentes, porque se
trata de atos reais de decisão do sujeito, embora viciados no momento volitivo.)

Em últimas, a solução no nosso ordenamento é no sentido da prevalência da regra


da autorresponsabilidade, em função da tutela da confiança. Esta solução, que
privilegia a confiança frente a tutela da integridade do consentimento, corresponde
a da exigência de certeza do tráfego jurídico, advertida sobretudo nas relações
comerciais. Abrir o espaço aos vícios da vontade significaria comprometer a
segurança da contratação, e fazer depender do negócio já celebrado de incógnitas
a pequena dificilmente controláveis.

O princípio da autorresponsabilidade tutela o destinatário da declaração que


razoavelmente crê na seriedade e o significado objetivo dela. Com base no dito
princípio, os vícios do consentimento não invalidam o ato se seu destinatário não os
conhecia nem podia reconhecê-los de acordo com um critério de diligência normal.

Na hipótese de incapacidade natural, o remédio da anulação pressupõe a má fé da


contraparte, ou seja, a consciência de contratar com pessoa incapaz de entender
e de querer (RT. 428, CC). Sem embargo, a má fé pode resultar do prejuízo
derivado para o incapaz ou de outras considerações. Parece, pois, reiterar-se
substancialmente o mesmo princípio de tutela prevalente na confiança, entendida
como confiança razoável de conformidade com critérios normais de juízo.

Sobre a exigência da confiança prevalece a tutela contra a violência. Com efeito, a


declaração negocial obtida com a violência é impungável, ainda que a violência
tenha sido exercida por um terceiro sem que o supusesse o contratante.
Sobre a exigência da confiança prevalece, igualmente, o princípio de tutela do
incapaz legal (i, n. 142 e 155).

10 – ANÁLISES IDEOLÓGICAS. ORIGEM HISTÓRICA E SIGNIFICADO


IDEOLÓGICO DO DOGMA DA VONTADE

O chamado dogma da vontade (nº 7) não se limitava a ver o contrato um ato de


vontade. Antes de tudo expressava a ideia do senhor da vontade individual, que o
ordenamento deve reconhecer e tutelar em sua plenitude.

O princípio teórico da livre vontade criadora foi formulado pela escola jusnaturalista,
que via seu fundamento em um direito natural do homem a dispor livremente de
suas próprias ações, igual que de seus bens.

A ideia do contrato como manifestação livre de vontade corresponde a profunda


transformação cultural e econômica impulsionada pelo advento da indústria e do
capitalismo moderno entre fins de 1700 e 1800, que devia trazer consigo a
afirmação de uma nova sociedade liberal e burguesa. Liberdade do contrato
significa essencialmente liberdade do mercado de trabalho e liberdade das trocas, e
estas liberdades foram o pressuposto necessário da Revolução Industrial.

A noção geral do contrato fundada na vontade criadora do indivíduo, elaborada pela


doutrina francesa, encontrou reconhecimento expresso no Código de Napoleão e
em outras codificações europeias.

A doutrina alemã, no esforço de abstração e de racionalização que caracterizou a


Pandecticia do século XX, com base nas mesmas premissas, chegou a elaborar o
conceito geral de negócio jurídico como declaração de vontade dirigida a um fim
juridicamente relevante. Neste conceito entram somente o contrato, senão todos os
demais atos jurídicos e nos que é relevante a vontade do declarante (testamentos,
renúncias, etc). Esta elaboração ingressou no Código Civil alemão em 1900 ainda
vigente, que contem precisamente uma disciplina geral do negócio jurídico. (nº 3).

11 – O DEBATE IDEOLÓGICO DO DOGMA DA VONTADE

O chamado dogma da vontade teve certamente um significado ideológico ( Cfr. Stolfi. A


figura do negócio jurídico se afirmava como a consequência do princípio político da autonomia da vontade) . A
noção de contrato como experiência de vontade do indivíduo encontrou
correspondência, como se viu, na explicação liberal com que se desenvolveu o
capitalismo industrial e comercial.

O ordemanto jurídico devia limitar-se a garantir o indivíduo as condições de


exercício de suas liberdades e, entre elas, sua liberdade de iniciativa econômica. O
negócio vem a ser reconhecido como afirmação da vontade livre do indivíduo e
como tal era o meio jurídico do qual se desenvolvia uma economia liberalista
confiada exclusivamente na iniciativa do particular.

O debate do dogma da vontade, como é fácil de entender, devia estar ligada ao


debate da própria concepção da economia e da sociedade. Nas doutrinas alemãs e
italiana da teoria objetiva do contrato se inspirou inicialmente na ideologia fascista.
Esta foi, com efeito, indicada explicitamente como antítese da concepção
“individualista” da qual se contrapunha a visão do Estado que reconhece relevância
à autonomia privada na medida em que esta realiza uma função socialmente útil
segundo os fins superiores da nação.

A doutrina objetiva do negócio abandonou esta inspiração política. Ela se enquadra


melhor na concepção positiva-normativa do ordenamento e aplica o critério técnico
jurídico que impõe examinar o fato, ou melhor, o suposto fato que a lei vincula
efeitos jurídicos. Segundo a doutrina preceptiva, como se viu, a vontade não seria
elemento constitutivo do suposto fato negocial, porque a lei não daria relevância a
vontade dos particulares senão a sua disposição.

Em termos ideológicos claros, o debate do dogma da vontade foi elaborado pela


doutrina marxista. O negócio jurídico, ou seja a figura em que se expressa o dogma da vontade, foi
politicamente tomado como símbolo de um determinado sistema social.

Inicialmente a crítica incluiu o contrato como símbolo da superestrutura falsificadora


contida no direito. O que determina as operações econômicas seriam as relações
de força do mercado. No sistema liberal e burguês o dogma da vontade serve
simplesmente para mascarar estas relações e [cohonestar o domínio dos
detentores do poder econômico. Por meio da igualdade jurídico-formal das partes
se reforça sua desigualdade de direito e a liberdade negocial se revela como o
instrumento da afirmação dos interesses capitalistas.

Nos ordenamentos socialistas da União Soviética e Europa Oriental, a figura do


contrato não desapareceu. As relações entre os estabelecimentos estatais foram
substituídas pelo livre câmbio econômico e o princípio da autonomia privada. Sem
embargo, ditas relações se desenvolveram igualmente nas formas de contrato como
meio que permitia precisar os compromissos recíprocos e que oferecia um critério
para a individualização da responsabilidade pela execução deficiente dos
programas de plano e no âmbito do aparato público estabelecido para a produção e
a troca. O contrato permanecia como o meio pelo qual se executava a atividade
externa das organizações empresariais não estatais e em geral a vida dos
particulares. Porém, enquanto se refere a estes, pelo contrário, se chegava a
exaltar o contrato como “coração do direito civil socialista”.

Na doutrina dos países socialistas a noção de contrato era de todo modo


contraposta vivamente ao contrato burguês, ancorado para sempre no dogma da
vontade, em tanto que o contrato socialista seria instrumento de colaboração entre
as partes e o desenvolvimento da sociedade.
12 – ANÁLISE ECONÔMICA

O contrato não é reduzível a uma operação econômica. Esta deve entender-se: a)


no sentido de que o contrato é um fenômeno jurídico diferente da operação
econômica subjacente; b) no sentido de que a relação contratual não é uma mera
resultante das leis econômicas.

O contrato se diferencia da operação econômica no título jurídico em que a


operação se funda. O contrato, precisamente, não é o intercâmbio de bens e
serviços senão um acordo, tácito ou explícito, por meio do qual os interessados
decidem o trato e com base no qual deve determinar-se quais são as prestações
correspondentes as partes. E é com fundamento no contrato que a parte tem direito
de reter a prestação recebida ou de pretender que a prestação seja executada, ou
de pretender que a prestação seja modificada ou integrada.

Deve, pois, excluir-se, como se disse, a ideia de que o contrato seja um mero
resultado de leis econômicas ou a simples transposição em termos jurídicos de um
fenômeno econômico.

O contrato, indubitavelmente, é influído pelas leis econômicas. A fixação do preço,


por exemplo, não é um mero ato de arbítrio, senão uma disposição que se adéqua
às leis econômicas da demanda e da oferta. Não obstante, é preciso ter sempre
uma determinação do contrato, e dita determinação das partes (ou da parte
economicamente forte) fixam a medida concreta que poderá resultar maior ou
menor respeito do preço de mercado, com o qual fazem o trato mais ou menos
conveniente.

Ademais, as partes fixam a disciplina de sua relação.

Há de agregar-se que fatores não econômicos podem influir no contrato (exemplo,


motivações particulares de caráter pessoal podem impulsionar a parte a prescindir
de critério da conveniência econômica).

Enfim, há de ter-se em conta que o contrato se insere em um contexto social que


tende a privilegiar o princípio da solidariedade, e que o ordenamento jurídico pode
intervir para assegurar a parte uma posição contratual mínima, em vez daquela que
resultaria no livre jogo de forças econômicas.

Há que admitir que o contrato não é um fenômeno reduzido a uma operação


econômica, por sua vez, há que convir que necessidade de uma análise
econômica do contrato. Esta análise é necessária porque o contrato, como todas as
figuras jurídicas é irremissível instrumento para satisfação da tutela de interesses
humanos.

A análise econômica do contrato pode entender-se com dois significados. Em um


primeiro sentido, é o estudo do contrato como fenômeno jurídico geral, em um
segundo, é valoração do contrato singular, como suposto do feito concreto.

No primeiro significado a análise econômica do contrato entra no campo das


investigações sociológicas em sentido amplo, e tem a captar a influência recíproca
das regras jurídicas e econômicas. A importância de uma investigação desta índole
seria a de oferecer uma racionalização econômica da disciplina normativa,
indicando e explicando soluções jurídicas ótimas no âmbito econômico.

Os estudos de análises econômicas do direito em matéria de contrato, é importante


notar, tem contemplado principalmente o aspecto dos remédios pelo
descumprimento, a tempo que tem deixado na sombra o problema de fundo que
pode situar-se na competência destas análises, ou seja, o contrato como trato
remetido a determinação das partes e a solução economicamente melhor para o
intercambio de bens e serviços. Dessa pesquisa demandaria a referência ao
contrato e à realidade dos componentes que influenciam no fenômeno da
experiência atual, e não em uma “livre troca abstrata”.

Outros aspecto interessante, mas não aprofundado, é o da valoração econômica da


concepção objetiva do contrato.

A análise econômica do contrato singular contribui para verificar “a economia do


trato”, analisar o contrato como instrumento de mediação e de realização de
interesses práticos concretos. Dessa verificação pode cumprir duas funções
distintas. A primeira relativa a interpretação do contrato. O Canon fundamental de
interpretação, ou seja a boa fé (art. 1366 CC), impõe entender o contrato conforme
aquilo que as partes podiam razoavelmente esperar do contrato, ou seja, a
expectativa razoável se mede antes de tudo, pelo significado econômico normal da
operação.

A identificação da economia do trato tem importância também na hora da integração


da relação. Com efeito, a economia do trato concorre a determinar a causa concreta
do contrato, ou seja os interesses que o contrato está chamando concretamente a
realizar. A relação deve então ser integrada mediante uma disciplina legal que seja
apropriada a causa e, por onde, à economia do trato.

13 – ANÁLISE JURÍDICA

A análise jurídica do contrato é a análise do contrato em sua relevância jurídica, isto


é, como fenômeno juridicamente relevante. Este fenômeno deve ser identificado em
sua realidade social. A ideia, própria de uma concepção rigorosamente normativa,
segundo a qual o jurista não dever reparar os fenômenos da vida social porque
estes interessam só como pressuposto para a aplicação das normas jurídicas,
olvida que o direito existe exclusivamente em função dos interesses humanos
regulados.
De outra parte, a ideia de que o contrato em sua essência originária é um fenômeno
extrajurídico, ou seja, um simples compromisso social ou uma simples operação
econômica, é desmentida por uma experiência concreta que, precisamente no
plano da realidade social, mostra o contrato essencialmente uma operação jurídica,
isto é, o principal instrumento que a vida de relação serve aos sujeitos para dispor
de sua esfera jurídica.

O contrato não existe fora do direito porque as partes são bem conscientes de que
uma coisa é um simples acordo vinculante apenas no plano da amizade e da moral,
outra coisa é o acordo que os compromete juridicamente, e que lhes confere
direitos e obrigações.

Sempre no âmbito da experiência se adverte que uns são os direitos econômicos e


outros os acordos com base nos quais venham a ser dados bens ou prestado
serviços.

Na realidade social o contrato se confirma melhor como o acordo mediante o qual


as partes regulam suas relações jurídicas patrimoniais. A análise jurídica do contrato
deve ter por objeto o fenômeno em sua integralidade.

A análise jurídica do contrato se desenvolve precisamente nas direções principais: a


interpretação e a determinação dos efeitos jurídicos. De nenhum modo as
operações podem prescindir da verificação dos interesses que o contrato está
dirigido a realizar, ou seja, de sua causa (capítulo 8)

14 – AUTONOMIA PRIVADA E LIBERDADE NEGOCIAL

Mais do que poder de decidir a respeito da própria esfera jurídica pessoal e


patrimonial, a autonomia privada pode ser vista como um direito de liberdade e,
portanto, como um direito fundamental da pessoa.

A ausência de uma previsão constitucional explícita tem induzido a duvidar que dita
liberdade está dentro dos direitos constitucionais garantidos. Pelo contrário, pode
observar que a Constituição italiana sanciona a liberdade efetiva de
desenvolvimento da personalidade humana (art. 3º). Agora bem, nas relações
sociais o sujeito desenvolve a própria personalidade principalmente por meio de
relações socialmente generalizadas, é dizer, jurídicas. O contrato moderno, fundado
no livre consentimento das partes, tem constituído o símbolo de liberação do
indivíduo e de antigos condicionamentos sociais (os status) e o símbolo da livre
circulação de bens.

A tese segundo a qual a liberdade negocial não seria como tal objeto da tutela
constitucional parte da consideração de que corresponde à lei assinalar os limites
da autonomia privada e que a lei assinala estes limites tendo em conta as
exigências mais variadas. A Constituição seria suscetível de violação não enquanto
se limita a autonomia privada, senão enquanto por meio de tais limitações se
violam outros princípios constitucionais ( Giorgianni, que menciona a sentença da Corte Constitucional nº
37, donde afirma que “a autonomia privada não recebe da Constituição uma tutela direta, senão que a recebe indiretamente
daquelas normas da Carta Fundamental que, como os artigos 41 e 42, relativos, em sua ordem, a iniciativa econômica e ao
direito de propriedade, se referem a possíveis objetos daquela autonomia [...] que deve ceder frente a motivos de ordem
superior, econômico e social, considerados relevantes pela Constituição.” Permanecendo no campo das relações econômicas é
preciso, sem embargo, ver se a autonomia resulta de todo modo constitucionalmente tutelada – assim seja indiretamente – em
razão de sua instrumentalidade necessária com respeito ao exercício das atividades econômicas.)

Na realidade, o reconhecimento da liberdade do sujeito de dispor de seus próprios


bens e de comprometer-se para com outros segundo suas próprias escogencias,
deve considerar-se – com prescindência de uma fórmula normativa específica – um
valor fundamental do ordenamento 1. No campo das relações econômicas este valor
encontra reconhecimento no princípio da liberdade de iniciativa ( art. 41 cosnt), de
que a autonomia privada é um instrumento necessário A noção de autonomia privada e de iniciativa
econômica não são coincidentes. Sobre a distinção cf. Miengoni para quem, alude a sentença da Corte Constitucional de 23 de
abril de 1965. , onde se reconhece a instrumentalidade da primeira em relação a segunda. Daí se segue que nas relações
econômicas, a tutela da autonomia privada está indissoluvelmente atada a tutela da iniciativa econômica. Com efeito, a sentença
sustenta que “posto que a autonomia contratual em matéria econômica é instrumental com respeito a iniciativa econômica, todo
limite posto à primeira se resolvem no limite da segunda e que, por ele, só é legítimo enquanto está endereçado ao logro dos fins
previstos na Constituição. Conforme também Roppo, o contrato é um instrumento indispensável para o desenvolvimento útil e
eficaz de toda a atividade econômica organizada. De mecanismo funcional e instrumental da propriedade se converteu a
mecanismo funcional e instrumental da empresa. Conforme, sem embargo Di Majo – o contrato, em seu modelo típico, cumpre
geralmente as funções de distribuição e circulação da riqueza. Enquanto faz a produção de bens, o contrato opera só de reflexo.
Ele garante ao empresário a posse das “condições” da produção.

Ademais, com todas as liberdades, também a negocial se insere em um contexto de


valores constitucionais hierarquicamente ordenados. Em especial, a evolução no
sentido social dos direitos fundamentais tende a privilegiar a solidariedade social
por sobre a liberdade individual. A autonomia privada, então, pode e deve ser
controlada para garantir relações justas (nº 15).

A liberdade negocial permanece como um valor constitucional e suas


limitações devem ser precisamente justificadas socialmente para não
desembocar na lesão de um direito fundamental da pessoa. (Como bem ressalta
Schmidt-Salzer – ainda quando a determinação do conteúdo concreto da autonomia privada se mantém firma a
opção de fundo constitucional e a exigência de seu respeito. Raiser destaca que o significado político desta opção ...)

A tutela da liberdade negocial se manifesta também nas relações de direito privado


ao considerar ilícitas as interferências de terceiros endereçadas a alterar a livre
autodeterminação do sujeito e põe um limite de validade aos negócios mediante os
quais o sujeito renuncia a própria liberdade de disposição.( A tutela do sujeito contra o abuso
do poder econômico também poderia ser entendida em termos de tutela da liberdade negocial. Porém aqui surge
uma exigência específica de justiça do Estado social. Também esta exigência adquire de todos os modos um valor
constitucional).

15- AUTONOMIA PRIVADA E SOLIDARIEDADE SOCIAL

A autonomia privada representa ainda um aspecto ineliminável da liberdade da


pessoa, é dizer, da liberdade negocial (nº 14). Porém a idéia conforme a qual só e
1
A liberdade contratual não pode entender-se como arbítrio do particular para a constituição e determinação de suas relações,
porquanto tal arbítrio não se encontra nem ao menos na cabeça dos detentores do poder econômico. Liberdade contratual quer
dizer liberdade do sujeito de tomar livremente suas opções no mercado. A atividade negocial penetra a realidade sócio-
econômica e está necessariamente condicionada a ela
exclusivamente o indivíduo pode ser juiz de seus interesses não encontra respaldo
na sociedade de nosso tempo. O reconhecimento da liberdade do indivíduo se
insere hoje em uma concepção do ordenamento que inspira no valor prevalente da
solidariedade social, como valor de fundo de nossa Constituição.

A primeira expressão desse valor se encontra no princípio da igualdade de fato


que integra o princípio tradicional de igualdade jurídica. O princípio da igualdade
jurídica conserva plena validez, porém agora a Constituição impõe ao Estado o
dever de remover os obstáculos de ordem econômico e social que limitam de fato a
liberdade e da igualdade dos cidadãos.

O Estado não pode pois, limitar-se a reconhecer o direito de cada qual e regular
seus próprios interesses se este direito se torna um instrumento de abuso em dano
de outros. A intangibilidade da vontade individual cede frente à exigência de
justiça social. Aquela está especialmente garantida constitucionalmente no que faz
a iniciativa privada econômica, porém esta iniciativa não pode desenvolver-se em
contraposição com a utilidade social (art. 41).

É difícil decidir em que medida o princípio de solidariedade influi diretamente na


autonomia privada. É um dado de fato que nossa jurisprudência se mostra pouco
propensa a exercer controle sobre os contratos aplicando o princípio da
solidariedade ou normas do código que o podem conduzir, como a norma da boa fé.
Não obstante, é também certo que o princípio da solidariedade justifica, e
inclusive impõe, a intervenção da lei ali onde o princípio da autonomia privada
não é suficiente para assegurar relações justas. Já tradicionalmente se há
reconhecido que ao monopolista legal se deve limitar-se a liberdade de estipulação
(liberdade sobre o si do contrato) para evitar uma discriminação arbitrária do
consumidor (nº 94). Porém o problema tem haver sobretudo com o a liberdade de
determinação do conteúdo do contrato (assinalado na Alemanha como
Gestalltunsfreiheit), e especialmente se explica em relação com os contratos de
massa, que se caracterizam por uma disparidade institucional sócio-econômica
entre predisponente e aderente (ou seja, entre empresário e consumidor).

A este propósito em toda área ocidental está em voga um amplo movimento


legislativo que traduz concretamente várias formas de controle da autonomia
contratual em tutela da parte frágil, identificada principalmente no “consumidor” (cap
6).

Estas formas de controle, se adverte, explicam uma perspectiva desconhecida pela


teoria do contrato. O contrato, como os outros, o direito de propriedade, sempre tem
encontrado os limites de licitude na lei (normas imperativas, ordem pública, bons
costumes) e é conhecido, sobretudo, em ocasião de graves crises econômicas,
cláusulas e preços legalmente impostos (conforme art. 1339 CC). Porém essas
intervenções foram entendidas no passado como limitações excepcionais da
autonomia, ao passo que agora tem-se afirmado a ideia da autonomia privada
está fundamentalmente subordinada a da solidariedade social.
Esta ideia se concretiza no papel do princípio da boa fé como preceito de governo
e exercício dos poderes contratuais (nº 194).

16 – A DECLINAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA

Um aserto corrente desde há tempo denuncia a declinação do contrato. Esta


afirmação se especifica ato seguido no sentido da declinação da vontade contratual,
e se presta para indicar principalmente três fenômenos distintos. O primeiro é da
restrição do papel do contrato frente à regulamentação imperativa do contrato
(publicação do contrato). O segundo concerne na restrição do papel do acordo
frente ao significado objetivo da relação (objetivação do contrato). O terceiro indica
a restrição do papel do acordo frente a disciplina unilateral do predisponente nos
contratos massivos (padronização dos contratos).

O primeiro fenômeno não é uma história particular do contrato, senão que é um


reflexo do passo, ainda em curso, do ordenamento liberal a um ordenamento social.
Como visto, não se trata simplesmente de verificar a presença de um número
crescente de limitações publicistas de liberdade contratual, senão de dar-se conta
da crescente exigência de subordinar dita liberdade a utilidade social.

A objetivação do contrato expressa a concepção do contrato como direito social


cujo significado deve ser determinado de acordo com critérios objetivos (nº 8). Esta
concepção tem permitido o ingresso amplo de regras interpretativas e integradoras
que, ainda operando no âmbito do acordo, se separam cada vez mais da definição
de uma projeção da vontade livre das partes.

A declinação do papel do acordo se evidencia, em outro âmbito, na padronização


dos contratos de massa por meio dos quais o empresário distribui bens e serviços.
Tais contratos se reduzem com frequência a uma simples aquisição de prestações
nas condições predispostas unilateralmente pelos empresários (condições gerais do
contrato). Adicionalmente, nas mais das vezes, o aderente tampouco é consciente
do significado das cláusulas aceitas. O que dá margem para se perguntar a
propósito se nessas relações tem ainda razão de subsistir a figura do contrato.

Se, como veremos (nº 170), a relação há de se considerar-se contratual enquanto


proveniente de um fato socialmente valorado como acordo, nos damos conta de
que o contrato vai desenvolvendo-se por uma realidade que não corresponde à
concepção tradicional, e que explica problemas de disciplina ignorados pela velha
experiência.

Um dado palpitante é a necessidade de remédios, distintos dos individuais, que


permitam a tutela das partes por meio do controle substancial da “justiça” da
relação.

17 – CONTRATO E NORMA JURÍDICA

A noção de contrato como autorregulação de relações jurídicas patrimoniais vê


no contrato uma norma negocial, mais precisamente uma regra jurídica criada pelos
interessados e destinatários da mesma regra. Esta ideia de norma privada parece
também haver sido retomada pelo código na previsão conforme a qual o contrato
“tem força de lei entre as partes” (art. 1372 CC, e antes art. 1134 CC Frances).

A possibilidade de entender o contrato como “norma” não significa, em todo caso,


que as normas negociais e as públicas pertençam a um gênero único, e que o
contrato seja uma fonte de direito objetivo (i, nº 63). A profunda diferença conceitual
entre as duas normas consiste em que uma expressa o princípio da autonomia
privada e a outra o princípio da autoridade pública.

A disposição negocial e a norma pública se diferenciam também por seus


caracteres típicos, enquanto a primeira é um princípio individual e concreto (ou seja
que concerne a pessoas e relações singularmente determinadas), enquanto isso, a
segunda é geral e abstrata. Sem embargo, generalidade e abstração não são
caracteres essenciais da norma jurídica (I, nº 10). De outra parte, há contratos que
tendem a tomar os caracteres típicos da norma jurídica pública enquanto ditam
regras válidas para uma generalidade de pessoas e de relações. Pensa-se, por
exemplo, nos contratos coletivos. Pensa-se, inclusive, nos atos unilaterais como os
estatutos sociais e nos regulamentos de condomínio. Caso de ser estes atos de
competência de um grupo, não enquadram dentro dos contratos, senão entre os
atos regulamentares de autoorganização. Porém de todo modo, se trata de atos de
autonomia privada.

O critério fundamental de distinção deve buscar-se, precisamente, na noção de


autonomia privada. A norma negocial tem sua fonte em um ato de autonomia
privada, como poder de direito comum, com base na qual o indivíduo ou um grupo
de sujeitos decidem suas relações. A norma jurídica tem, em troca, sua fonte em um
poder autoritário público, este é, uma posição especial de supremacia que repassa
o campo do direito privado como direito de relações jurídicas comuns (I, nº 33). Na
experiência nossa atual as normas jurídicas públicas são constitutivas do
ordenamento jurídico geral.

A esta distinção corresponde um regime distinto de norma negocial e da pública.


Em especial, a primeira deve aplicar-se a disciplina da interpretação do contrato,
enquanto a segunda deve aplicar-se a disciplina da interpretação da lei e dos
demais atos com força de lei (I, nº 68).

É importante anotar este propósito que a interpretação errônea das normas de


direito por parte do juiz pode ser denunciada em acusação (art. 360, nº 3 CPC),
enquanto que a interpretação errônea do contrato pode constituir motivo de recurso
somente quando implique inobservância das normas sobre a interpretação dos
contratos.

Distinta é também a disciplina da validade do negócio respeito daquela dos atos


normativos públicos. Para o contrato, por exemplo, são relevantes as questões
relativas à capacidade das partes, a legitimação, a seriedade e integridade do
consentimento, etc. Pelo contrário, a validade dos atos normativos públicos há de
ser valorada segundo o princípio de hierarquia das fontes e princípios da
efetividade. Para a lei são relevantes, ademais, os vícios de inconstitucionalidade.
(I, nº 47).

O critério distintivo baseado na fonte da norma permite, especialmente, verificar a


natureza negocial dos contratos coletivos, ou seja, dos contratos normativos
estipulados entre sindicatos contrapostos de dadores e prestadores de trabalho. A
norma constitucional que prevê a estipulação de contratos que têm eficácia geral
(art. 39) todavia não tem tido aplicação (I< nº 54). Os sindicatos estipulam, pois,
contratos de direito comum que em rigor haveriam de ter eficácia só dos inscritos no
sindicato, por força do princípio da representação negocial. Porém, como se pode
observar (I, nº 55), o direito dos contratos coletivos desdobram uma eficácia
normativa que vai mais além do âmbito dos inscritos, pois influem na generalidade
das relações da categoria. Com efeito, é difícil que uma empresa não está afiliada a
um sindicato estipulante ou que possa evitar a aplicar um contrato coletivo. A
jurisprudência, se agrega, tem chamado a considerar irrelevante a circunstância de
que o prestador de trabalho que demanda em juízo a aplicação de um contrato
coletivo está ou não inscrito no sindicato estipulante.

Se explica então o problema de se a autonomia coletiva exercida por sindicatos não


há de liberar a um poder normativo especial prevalência sobre a autonomia privada.
Verdade é que a classificação das normas e dos contratos coletivos como normas
negociais deixa de todo modo aberto o problema da autoridade de fato, isto é, nos
poderes autoritários que não se fundam em prerrogativas jurídicas especiais, senão
em posições de força econômico-social.

O respeito é significativo ao fenômeno das condições gerais do contrato, enquanto


tais condições devam fazer parte dos contratos singulares e vinculam o aderente
como normas contratuais. Substancialmente, pelo contrário, são a expressão do
poder autoritário do predisponente que se vale delas para ditar preventivamente a
disciplina geral das relações entre empresa e consumidores. Daí a necessidade de
uma proteção do aderente por força dos remédios tradicionais da disciplina
contratual (nº 185).

18 – AS RELAÇÕES CONTRATUAIS DE FATO

Por relações contratuais de fato se entendem as relações moldadas segundo o


conteúdo de um determinado contrato típico, que não provem de atos de
autonomia privada, senão de fatos socialmente relevantes.

A doutrina das relações contratuais de fato, nascida na Alemanha na era do


nazismo, teve em sua origem o significado de uma denúncia da crise de concepção
individualista do ordenamento, expressa no contrato, e da afirmação da força dos
fatos sociais como fonte geral das relações interindividuais.

Nestes termos, a doutrina estava destinada a ter vida breve, seja porque a doutrina
não estava disposta a aceitar o envelhecimento do papel da autonomia privada,
seja porque foi fácil rebater a idoneidade geral dos “fatos” para criar relações de
conteúdo contratual.

Sem embargo, a doutrina das relações contratuais de fato segue tendo um certo
séquito como explicação teórica da formação das relações contratuais massivas
que se constituem mediante a utilização do serviço ou a apreensão do bem
(exemplo – quem sobe em um bonde está por isso só obrigado a pagar o bilhete). E
estas relações – se tem afirmado por uma parte da doutrina – não há um suposto
fato contratual porque o que gera a relação não é o intercambio de consentimento,
senão o “fato” objetivo da utilização da prestação remunerada.

Outra doutrina tem acreditado que o comportamento do usuário não é uma


declaração de vontade, porém se tem o significado socialmente típico de uma
vontade de aceitação que prescinde da vontade efetiva do sujeito. Esta opinião,
sem embargo, termina remetendo as relações em questão à área contratual porque
o que em geral importa para a formação do contrato não é a vontade interna da
parte, senão o significado social de seu comportamento como oferta e aceitação.
Assim, também nos contratos massivos é preciso ver se o usuário adota ou não um
comportamento socialmente valorado como intenção de utilizar a prestação
remunerada. Quem se esconde em um meio de transporte, por exemplo, não
observa um comportamento tal e não poderá dizer que constitui uma relação
contratual (o transportador poderá de todo modo pretender uma soma de dinheiro
como indenização por uma utilização abusiva de seu meio).

Em termos gerais o problema das chamadas relações contratuais de fato deve ser
resolvido precisamente com base no significado social do comportamento dos
sujeitos. Se este significado da fé da aceitação de uma prestação ou de um serviço
disponível a troca de uma contraprestação, entrará no esquema do contrato. Do
contrário, a relação não é contratual e as eventuais obrigações nasceram de fatos
extranegociais (enriquecimento, gestão de negócios alheios, etc.).

Em um conhecido caso jurisprudencial alemão,um motorista estacionou seu veículo


em uma área de estacionamento pago declarando ao custódio que não tinha
intenção de pagar porque considerava que essa área devia ser usada livremente. A
cassação alemã condenou o motorista ao pagamento do preço do estacionamento
partindo da base de que sua declaração contrária não permitia suprimir com seu
comportamento o significado de uma aceitação do serviço de estacionamento
mediante pagamento. A decisão é discutível. A declaração verbal contrária de quem
obra não vale por si para negar o significado social de um comportamento
(protestario contra factum non valet). Sem embargo, não pode dizer-se que a
ocupação de uma área de estacionamento pago tenha sempre o significado social
de uma aceitação do serviço, e nas circunstâncias do caso da declaração do
usuário precisamente parecia excluir objetivamente tal significado. O problema,
como se vê, não se esgota com o pagamento de uma contraprestação ou
indenização, senão que abarca a existência de um contrato e as obrigações
mútuas. No caso indicado, por exemplo, deveria se perguntar se o motorista poderia
trabalhar contra a custódia por vigilância negligente em caso de que o veículo
tivesse sido roubado.

Deixando de lado os contratos massivos, de relações contratuais de fato só pode


falar-se com respeito das hipóteses de relações constituídas por lei não obstante a
nulidade do contrato: relação de trabalho subordinado e relações de sociedade.

A propósito de relações de trabalho subordinado o código prevê que a nulidade ou


anulação do contrato não produz efeito sobre o período em que a relação foi
efetuada (art. 2126, I CC). Isto quer dizer que o empregador, além de pagar a
retribuição, é devedor de todas as obrigações inerentes à relação de trabalho e que
esta se constitui apesar da ausência de um contrato válido. Aqui o fato objetivo da
prestação ou da “prestação de fato” (conforme o título da norma citada) parece dar
lugar à relação. Na realidade, tampouco a relação de trabalho pode prescindir de
um suposto fato contratual mínimo consistente na aceitação da prestação laboral
alheia.

Em outras palavras, a nulidade do contrato impede que a relação de trabalho tenha


nele sua fonte. Sua fonte não é, não obstante, o mero fato da prestação de
trabalho, senão o fato da prestação aceitada pelo dador do trabalho. Se trata, pois,
de um fato que adquire o significado social de acordo e que, sem embargo, na
presença de um contrato nulo é suficiente para remitir a constituição da relação ao
âmbito da autonomia privada.

Outra hipótese de relação contratual de fato se pode encontrar a propósito da


sociedade.

Aqui é preciso advertir antes de tudo que uma questão tradicional é a concernente à
possibilidade de que a sociedade se constitua só pelo fato do desenvolvimento da
atividade social (ex re, como dizia Gayo).

A resposta positiva não contradiz o carater contratual da relação societária. O


desenvolvimento em comum de uma atividade empresarial é um fato que
socialmente manifesta de modo equivocado a decisão dos sujeitos de participar de
uma relação societária.

A constituição da sociedade remete, pois, ao acordo, segundo o significado social


do comportamento das partes, com a consequente aplicação da normatividade
relativa á capacidade, a representação, aos vícios de vontade, etc.

A distinção entre os eventos se aparenta claramente na sucessão hereditária do


conjunto de bens em favor dos herdeiros. O fato de ser coproprietário deles e de
exercer os direitos inerentes a conta do condomínio, não comporta a existência de
uma relação de sociedade. A sociedade se constitui, em troca, quando os herdeiros
decidem, assim seja só tacitamente, empregar o conjunto de bens para desenvolver
em comum a atividade empresarial (VI, n
A sociedade de fato está fora, portanto, do esquema da relação contratual de fato.

O esquema da relação contratual de fato se configura, melhor, na relação com a


sociedade de capitais declarada nula após a inscrição do registro da empresa. Com
efeito, a declaração de nulidade não torna ineficazes os atos executados em seu
nome de imediato à inscrição e não exonera os sócios da obrigação de pagar seus
aportes enquanto não sejam satisfeitos os credores sociais: a sentença que declara
a nulidade designa os liquidadores.

A liquidação pressuporia a existência da sociedade para liquidar, e confirmaria a


ideia de que a teoria da sociedade deve desvincular da ótica contratualista.

De outra parte, é duvidoso que na presença de um contrato possa falar-se de uma


organização regulada conforme o modelo societário, com a consequente
titularidade dos correspondentes direitos e obrigações em cabeça dos sócios. Os
efeitos legais se referem melhor a salvaguarda de terceiros, conforme a razão em
que se funda o reconhecimento jurisprudencial.

No fim das contas, parece justificado que a estipulação de um contrato nulo de


sociedade e sua inscrição no registro de empresas dão lugar a uma quase
sociedade, como uma situação patrimonial peculiar legalmente regulada em alguns
aspectos como uma sociedade.

A ideia que se encontra na base da teoria das relações contratuais de fato foi
replantada recentemente por Natalino Irti que sustenta que “os intercâmbios
massivos se desenvolvem sem acordo”. O contrato social de dita teoria é
substituído pelo contrato com as coisas: “as partes dirigem suas decisões sobre a
mercancia, e na mercancia se encontram e reencontram.”

A primeira consiste em que precisamente com a oferta e a aceitação da mercancia


se realiza o acordo. A esta objeção – rigorosamente evidenciada por Giorgio Oppo –
replica Irti dizendo que o jurista está chamado a “descobrir os fenômenos quando
acontecem e como acontecem. E o fenômeno dos contratos massivos se veria “a
ausência de diálogo (em que se produz o acordo), que é substituído por atos
solitários, os gestos de oferecimento e a escogencia.

Sem embargo, há de observar-se que precisamente no âmbito da fenomenologia


social se capta a realidade de acordo contratual: o comerciante que expõe a
mercadoria a oferece em venda, o cliente que a toma, a aceita. E não vale opor que
as vontades íntimas são inescusáveis. O que aqui importa é o significado negocial
objetivo do comportamento das partes (significado bem distinto é o que oferece o
comportamento de quem toma a mercadoria e a esconde debaixo do casaco).
Tampouco vale opor o isolamento dos comportamentos, dado que a atitude para
constituir a relação contratual vem dada pela congruência de seus significados,
endereçados ao intercambio.

A segunda objeção fundamental é a de que a hipótese de uma relação contratual


sem acordo é estéril enquanto não oferece nenhum resultado positivo no que
respeita a regulamentação da operação. Com efeito, se não se acude ao
expediente de ver ali um quase-contrato, seria necessário aplicar, sem mais, a
disciplina do contrato e de sua formação, deixando, sem tutela o contratante
exposto a ofertas ambíguas, obscuras ou capciosas, a condições gerais ocultas,
etc.

19 – OS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os contratos da Administração Pública são, em geral, os acordos que celebram o


Estado e as entidades públicas com os particulares para constituir, modificar ou
extinguir relações jurídicas patrimoniais.

De dita noção ficam excluídos os atos administrativos a pedido ou com adesão do


particular. Aqui a relação tem sua fonte unilateral em um ato administrativo, e
respeito da vontade do particular tem simplesmente valor complementar. Falta
então o suposto de fato do acordo e não há lugar a disciplina privatista do contrato.
Fora dos atos contratuais, se põe o exemplo da admissão e das escolas públicas.

A falta de acordo se explica na doutrina enquanto o ato de exercício de uma


faculdade de caráter público é de natureza diferente respecto do ato de autonomia
privada e não poderia por ele fundar-se em um ato de vontade comum das partes. A
estipulação do contrato mostra, pelo contrário, que a Administração se vale da
autonomia negocial de direito comum e que o ato se aperfeiçoa mediante o acordo
de conformidade com o princípio contratual fundamental.

Os contratos da Administração são contratos de direito comum, se bem estão


caracterizados diversamente pela influência direta dos interesses públicos no ato.
Nos contratos estipulados e no exercício da atividade empresarial da entidade
pública se encontram uma influência somente mediata do interesse público, porém
ditos contratos não apresentam particularidade alguma frente aos contratos
comuns, pelo qual são regulados integralmente pelo direito privado.

Os contratos que a entidade pública celebra como titular de uma função pública, em
cambio, se caracterizam pela relevância direta dos interesses públicos de que a
entidade é portadora. A relevância direta do interesse público se manifesta
principalmente na formação do contrato enquanto a entidade pública deve
desdobrar sua atividade negocial nas formas e nos modos previstos na lei, e em
geral seu compromisso fica condicionado a aprovação dos órgãos de controle. Do
que se segue, entre outras coisas, que a aprovação dos órgãos de controle
constituem condição legal de eficácia dos contratos e que, sem embargo, as partes
a espera dela permanecem vinculadas. Daí segue também que a anulação dos atos
por meio dos quais se forma, se manifesta e se controla a vontade da entidade se
traduz na anulabilidade do contrato, que somente pode fazer-se valer pela própria
entidade.

A relevância do interesse público pode manifestar-se mais tarde em alguns tipos de


contrato de aplicabilidade de uma disciplina particular que preveja poderes
específicos de autotutela da Administração. Assim, para os contratos de obra
[appalto] celebrados pela administração do Estado rege uma normatividade que
estabelece, entre outras coisas, na cabeça de quem contrata a obra, o direito de
resolver o contrato por fraude ou descumprimento grave do prestador dela. Se trata
de um poder que derroga a disciplina contratual, porém que não é incompatível com
esta.

Com efeito, a normatividades do direito comum reconhece poderes de resolução


extrajudicial do contrato por descumprimento (pense-se na resolução mediante
requerimento: art. 1454 CC), e é admissível que poderes análogos de autotutela
sejam concedidos à Administração Assim mesmo, o arbitramento especial previsto
para as controvérsias entre a Administração e o particular é compatível com a
disciplina contratual.

A maior ou menor relevância do interesse público induz a doutrina a trazer outras


classificações no âmbito dos contratos da Administração (por exemplo, contratos de
direito privado e contratos administrativos). Porém o dado comum e característico é
de todos o modo a relevância direta do interesse público no ato, o qual justifica
assinalar globalmente os contratos da Administração com contratos de relevância
pública.

A relevância do interesse público não impede, por outra parte, que a eficácia
vinculante do ato derive do acordo, conforme a regra contratual, e que o
compromisso da Administração seja disciplinado fundamentalmente pelos princípios
contratuais.

Um reconhecimento importante nesse sentido veio com a Lei 241 de 7 de agosto de


1990, que previu a estipulação de acordos entre a Administração e os interessados
a fim de determinar o conteúdo ou de substituir a decisão final do procedimento
administrativo: a ditos acordos se aplicam os princípios do Código Civil em matéria
de obrigações e contratos enquanto são compatíveis (art. 112).

Os princípios gerais privatistas podem considerar-se aplicáveis também às


convenções administrativas, como contratos por meio dos quais as entidades
públicas assumem compromissos recíprocos ou por particulares em ordem ao
exercício de seus poderes.

A aplicação de tais princípios não atribuem ao juiz ordinário poderes sobre o


exercício daqueles atos que entram nas prerrogativas da Administração e respeito
dos que podem invocar-se tão somente a justiça administrativa.

O sentimento da Administração a disciplina do direito comum e a consequente


tutela contratual do particular não prejudica o interesse público de que a entidade é
portadora, como queira que o recurso ao contrato significa que dito direito se realiza
adequadamente, conforme as valorações da própria Administração, por meio de
relações de direito comum, ou seja, da cooperação negocial dos particualres. A
atribuição da Administração de privilégios injustificados frente a parte privada
terminará fazendo mais onerosa a participação negocial do particular, e em última
análise a aumentar os preços dos bens e serviços prestados à Administração.

Em matéria de contratos de relevância pública, a jurisprudência reconhece em


princípio a particular tutela privatista normal e chega, em especial, a reconhecer o
dever da Administração de comportar-se segundo a boa fé e a admitir sua
responsabilidade precontratual (nº 84).

Ademais, se suprimido o privilégio injustificado, antes reconhecido à Administração


pública, de valer-se de cláusulas vejatorias contidas em condições gerais do
contrato, na ausência de uma aprovação específica do aderente por escrito (nº
167).

Ao lado dos remédios de direito privado enquanto atine a lesões dos direitos
contratuais e precontratuais do particular, é preciso ter presente em sua diferença
os remédios do direito administrativo contra os atos ilegítimos da Administração. A
possibilidade de exercitar ditos remédios está subordinada à verificação da
existência de um interesse legítimo do particular que se considera lesionado por ato
da Administração.

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