Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
1 – A DEFINIÇÃO DO CONTRATO
Além dos elementos do contrato, tem-se os pressupostos legais que podem ser
estabelecidos sob pena de nulidade ou como condições de eficácia (condições
legais).
A ideia geral do contrato já havia sido elaborada pela doutrina francesa anterior ao
código, em especial por Domat e Pothier, que poderia trazer uma disciplina usando
amplamente as indicações dos juristas romanos. Domat define a convenção como o acordo de duas ou
mais pessoas para constituir entre elas uma obrigação ou para resolver ou cambiar uma obrigação. Analogicamente Pothier
define o contrato como a convenção mediante a qual duas pessoas prometem ou se obrigam reciprocamente, ou somente uma
frente a outra, a dar, fazer ou não fazer alguma coisa. Como se vê, se trata da definição tomada ao pé da letra pelo código
francês.
Em todo caso, é certo que o contrato, qualquer que fosse o seu significado, chega a
constituir um ponto autônomo de referência quando se o contrapõe o ato ilícito
dentro das fontes das obrigações.
E mais, como combinado, o contrato pode ser definido como autorregulação das
relações jurídicas patrimoniais. A definição de “autorregulamento” é hoje corrente
em nossa doutrina e abarca mais genericamente a categoria de negócio jurídico.
(Conforme BETTI: o negócio jurídico é o ato segundo o qual o particular regula por si mesmo seus próprios interesses com outros
(ato de autonomia privada), ato de autorregulação de interesses privados.)
Para poder falar de contrato é necessário que a disposição seja realizada pelas
partes, ou seja, que tenha sua fonte em um acordo como ato de exercício de
consentimento das partes (autorregulação) e não de poder autoritário externo (regra
heterônoma). Em uma palavra, é regra convencional.
Pode anotar-se como na linguagem corrente o termo contrato se usa sem mais,
tanto para indicar o acordo, como para indicar o conteúdo, ora no sentido de
conteúdo material (as declarações das partes) ora no sentido de conteúdo
substancial (o regramento contratual). O termo é empregado também para indicar o
documento escrito em que as partes manifestam seu consentimento.
3. O NEGÓCIO JURÍDICO
O negócio jurídico pode, então definir-se, sem mais, como ato de autonomia
privada. E essa definição entra também no contrato, que é a figura principal, porém
não a única, de negócio.
Nosso código, seguindo o modelo do código francês contém uma disciplina geral do
contrato, porém não do negócio. O código reconhece igualmente o princípio da
autonomia contratual como poder do sujeito de autodeterminar suas próprias
relações com terceiros mediante contratos típicos e também atípicos, sempre que
estão dirigidos a realizar interesses merecedores de tutela conforme o ordenamento
jurídico (art. 1322 CC). Em troca, falta um reconhecimento explícito da noção mais
ampla de autonomia privada quando se pergunta se é possível celebrar livremente
atos negociais não contratuais distintos daqueles contemplados pela lei (conforme
infra).
O debate ideológico já não tem razão de ser se se reconhece que o negócio jurídico
é uma categoria de direito positivo, ponto de referência para a aplicação de normas
jurídicas comuns. A existência de uma disciplina comum dos atos negociais resume
a norma que estende a disposição da aplicabilidade das disposições reguladoras do
contrato aos atos unilaterais entre vivos com conteúdo patrimonial (art. 1324 CC). A
reserva da incompatibilidade (“logo que compatíveis”) não exclui que tais
disposições são diretamente aplicáveis. Para os atos negociais que não são entre
vivos ou que não são de conteúdo patrimonial se tratará às vezes de interpretação
extensiva (em relação, por exemplo, com as normas sobre contrato ilícito), às vezes
de aplicação analógica. Porém, para os efeitos da elaboração de uma categoria
sistemática como ponto de referência de uma disciplina comum é de todo
indiferente que a disciplina se aplique por via indireta ou por via analógica.
Recentemente também a figura do contrato tem sido censurada por sua abstração e
inidoneidade para compreende e disciplinar as múltiplas realidades novas dos
negócios. Sem embargo, a especialidade destas realidades não as subtrai a
disciplina geral do contrato, que está endereçada a regular contratos atípicos e
contratos inominados (art. 1323 CC) e que nas condições gerais coexistem com as
disciplinas particulares e com a regulamentação dos pactos.
A ideia mesma da autonomia exclui que o sujeito possa dispor da esfera jurídica do
outro. Enquanto partícipe da vida de relação, o sujeito não é uma entidade isolada.
Seus direitos e deveres se materializam em relação frente aos demais membros
sociais. O sujeito não pode constituir, modificar ou extinguir suas relações sem por
ele mesmo modificar a esfera jurídica de outros. Daí a exigência de que o ato de
autonomia privada encontre o consentimento alheio. Assim, o acordo se
apresenta como o instrumento normal do exercício da autonomia privada.
Contudo, segundo uma boa parte da doutrina, nosso código não só havia afirmado
a centralidade da figura do contrato, mas teria incluído reiterada a ideia tradicional
da exclusividade do contrato, esta é a ideia que vê no contrato o único instrumento
geral de exercício da autonomia privada.
Que a tese da exclusividade do contrato foi acolhida por nosso código, é algo que
se tem sustentado com base na norma que nega efeitos obrigatórios a promessa
unilateral de uma prestação fora dos casos permitidos pela lei (art. 1987). Desse
modo resultaria que o código não reconhece o caráter vinculativo geral da
promessa unilateral, ou seja da figura emblemática e fundamental do negócio
jurídico unilateral que se justapõe ao contrato. Com ele se confirmaria um
distanciamento com o direito anglosaxão que, em troca, admite o caráter vinculativo
da promessa quando queira que esteja sustentada por uma causa apreciável
(consideração).
Porém, inclusive nesse caso, deve reconhecer a liberdade do terceiro de não ser
destinatário de um benefício alienígena. Para salvaguardar este interesse, é
necessário, sem embargo, excluir de forma absoluta o efeito do negócio alienígena
sem o consentimento do destinatário. Outra solução, a qual parece chegar nosso
ordenamento, é a da rejeição do destinatário, como ato dirigido a remover o efeito
do negócio alienígeno. (nº 19).
Outra preocupação é evitar que o sujeito fique vinculado por promessas gratuitas
impulsivas. Porém esta preocupação encontra já uma primeira resposta na
exigência de que a vinculação da promessa corresponda a uma causa que
conforme a valoração social pareça suficiente para justificar como promessa
juridicamente vinculante (por exemplo, a promessa de um aumento de
remuneração).
Ao passo que o ato coletivo da declaração dos particulares são absorvidos pela
declaração única de vontade que elas concorrem a formar, no ato complexo, cada
declaração tem uma posição e uma função distintas e também, uma relevância
direta na validade e eficácia do ato. Os atos complexos nos que as declarações
particulares de vontade têm a mesma relevância e se chamam
iguais (p. ex: atos que exigem as declarações de vontade dos administradores
distintos ). Do contrário se chamam desiguais.
A falta de uma disciplina geral dos atos jurídicos em sentido estrito, é preciso acudir
em oportunidade na sua disciplina particular e as normas idôneas para uma
composição apropriada dos conflitos de interesse.
A esta teoria, elaborada pela Pandectista do século XIX sobre a base da tradição do
direito comum, se contrapõe a teoria da declaração.
Segundo essa teoria, o que constitui o contrato não é a vontade, mas a declaração.
E a declaração, como pode ser entendida de acordo com as circunstâncias, a que
importa para o direito, não há vontade [sinquica] do declarante. A teoria da
declaração, também elaborada na Alemanha no século XIX, respondia sobre tudo
as exigências práticas da nova experiência das relações comerciais.
A doutrina preceptiva começa por ressaltar que a vontade “como feito sociológico
meramente interno, é algo de insustentável e incontrolável” e que pode ter
relevância jurídica somente enquanto se traduzir em um feito social . A noção do
contrato não consiste em um elemento sociológico da vontade, como tampouco em
um dado material da declaração, senão em um fenômeno social. Este fenômeno é
identificado na disposição com a qual o sujeito regula por si mesmo seus próprios
interesses em relação com outros, ou seja, cabalmente na autorregulação.
Em fim, segundo nosso direito positivo, tem valor negocial o ato imputável ao sujeito
e objetivamente valorado como ato de autonomia privada, isto é, como ato de
decisão a respeito de sua esfera jurídica.
Esta noção comporta que o sujeito pode estar comprometido por um ato que não
tenha querido realmente. Ao efeito se chama de autorresponsabilidade. Dito
princípio expressa a solução normativa no sentido de que quem emite ou da lugar a
emissão de declarações negociais no tráfego jurídico fica sujeito as consequências
delas, segundo seu significado objetivo.
Na hipótese extrema de que o sujeito tenha dado lugar, sem querer, a uma
declaração merecedora de confiança, poderá dizer-se que no final das contas, o ato
de autonomia é insubsistente. Pareceria então justificado negar que a autonomia
privada seja o princípio único que dê fundamento a relevância negocial e concluir
com uma solução eclética que tome nota do concurso de vários princípios mediante
o qual o ordenamento resolve o problema prático da disciplina do negócio.
Porém enquanto seja certo que a disciplina do direito positivo está dirigida a
resolver problemas práticos e não seguir esquemas conceituais, e enquanto seja
certo que a consideração do negócio não pode prescindir dos princípios que
concorrem em desenvolver sua disciplina, é necessário distinguir de uma vez para
sempre o alcance diferente de tais princípios, e buscar qual o elo justifica em geral a
relevância do negócio. O princípio que justifica a relevância jurídico-social do
negócio é a autonomia privada, em tanto o ordenamento reconhece eficácia
jurídica vinculante ao negócio enquanto na vida de relação o negócio é um
instrumento mediante o qual os membros sociais decidem seus assuntos.
Quando o ato é remissível a decisão de seu ator (ex a declaração transmitida
erradamente), é só aparentemente um ato de autonomia privada. Pode inclusive
valer como ato negocial do sujeito, pois esta relevância excepcional pressupõe que
o ato seja imputável a seu autor e se apresente objetivamente como um ato de sua
autonomia privada. É dizer que o ordenamento verifica que o sujeito tenha efetuado
um ato de decisão com relação a sua esfera jurídica. Esta comprovação pode não
corresponder a sua substância do ato, mas sim a sua valoração objetiva. A opção
de sua segunda alternativa, que encontra explicação na exigência prevalente de
tutela da confiança alheia, é, sem mais escogida em termos de autonomia privada,
enquanto o ato se apresenta socialmente como um ato de autonomia do sujeito e
qualificado e disciplinado como tal.
A imputação do ato ao sujeito como ato negocial seu abre um problema distinto, o
da tutela da integridade do consentimento, ou seja, o da possibilidade de
conceder um remédio da impugnação do ato quando a vontade de seu autor resulte
viciada ou afetada por incapacidade natural. ( Aqui não se pode falar em atos aparentes, porque se
trata de atos reais de decisão do sujeito, embora viciados no momento volitivo.)
O princípio teórico da livre vontade criadora foi formulado pela escola jusnaturalista,
que via seu fundamento em um direito natural do homem a dispor livremente de
suas próprias ações, igual que de seus bens.
Deve, pois, excluir-se, como se disse, a ideia de que o contrato seja um mero
resultado de leis econômicas ou a simples transposição em termos jurídicos de um
fenômeno econômico.
13 – ANÁLISE JURÍDICA
O contrato não existe fora do direito porque as partes são bem conscientes de que
uma coisa é um simples acordo vinculante apenas no plano da amizade e da moral,
outra coisa é o acordo que os compromete juridicamente, e que lhes confere
direitos e obrigações.
A ausência de uma previsão constitucional explícita tem induzido a duvidar que dita
liberdade está dentro dos direitos constitucionais garantidos. Pelo contrário, pode
observar que a Constituição italiana sanciona a liberdade efetiva de
desenvolvimento da personalidade humana (art. 3º). Agora bem, nas relações
sociais o sujeito desenvolve a própria personalidade principalmente por meio de
relações socialmente generalizadas, é dizer, jurídicas. O contrato moderno, fundado
no livre consentimento das partes, tem constituído o símbolo de liberação do
indivíduo e de antigos condicionamentos sociais (os status) e o símbolo da livre
circulação de bens.
A tese segundo a qual a liberdade negocial não seria como tal objeto da tutela
constitucional parte da consideração de que corresponde à lei assinalar os limites
da autonomia privada e que a lei assinala estes limites tendo em conta as
exigências mais variadas. A Constituição seria suscetível de violação não enquanto
se limita a autonomia privada, senão enquanto por meio de tais limitações se
violam outros princípios constitucionais ( Giorgianni, que menciona a sentença da Corte Constitucional nº
37, donde afirma que “a autonomia privada não recebe da Constituição uma tutela direta, senão que a recebe indiretamente
daquelas normas da Carta Fundamental que, como os artigos 41 e 42, relativos, em sua ordem, a iniciativa econômica e ao
direito de propriedade, se referem a possíveis objetos daquela autonomia [...] que deve ceder frente a motivos de ordem
superior, econômico e social, considerados relevantes pela Constituição.” Permanecendo no campo das relações econômicas é
preciso, sem embargo, ver se a autonomia resulta de todo modo constitucionalmente tutelada – assim seja indiretamente – em
razão de sua instrumentalidade necessária com respeito ao exercício das atividades econômicas.)
O Estado não pode pois, limitar-se a reconhecer o direito de cada qual e regular
seus próprios interesses se este direito se torna um instrumento de abuso em dano
de outros. A intangibilidade da vontade individual cede frente à exigência de
justiça social. Aquela está especialmente garantida constitucionalmente no que faz
a iniciativa privada econômica, porém esta iniciativa não pode desenvolver-se em
contraposição com a utilidade social (art. 41).
Nestes termos, a doutrina estava destinada a ter vida breve, seja porque a doutrina
não estava disposta a aceitar o envelhecimento do papel da autonomia privada,
seja porque foi fácil rebater a idoneidade geral dos “fatos” para criar relações de
conteúdo contratual.
Sem embargo, a doutrina das relações contratuais de fato segue tendo um certo
séquito como explicação teórica da formação das relações contratuais massivas
que se constituem mediante a utilização do serviço ou a apreensão do bem
(exemplo – quem sobe em um bonde está por isso só obrigado a pagar o bilhete). E
estas relações – se tem afirmado por uma parte da doutrina – não há um suposto
fato contratual porque o que gera a relação não é o intercambio de consentimento,
senão o “fato” objetivo da utilização da prestação remunerada.
Em termos gerais o problema das chamadas relações contratuais de fato deve ser
resolvido precisamente com base no significado social do comportamento dos
sujeitos. Se este significado da fé da aceitação de uma prestação ou de um serviço
disponível a troca de uma contraprestação, entrará no esquema do contrato. Do
contrário, a relação não é contratual e as eventuais obrigações nasceram de fatos
extranegociais (enriquecimento, gestão de negócios alheios, etc.).
Aqui é preciso advertir antes de tudo que uma questão tradicional é a concernente à
possibilidade de que a sociedade se constitua só pelo fato do desenvolvimento da
atividade social (ex re, como dizia Gayo).
A ideia que se encontra na base da teoria das relações contratuais de fato foi
replantada recentemente por Natalino Irti que sustenta que “os intercâmbios
massivos se desenvolvem sem acordo”. O contrato social de dita teoria é
substituído pelo contrato com as coisas: “as partes dirigem suas decisões sobre a
mercancia, e na mercancia se encontram e reencontram.”
Os contratos que a entidade pública celebra como titular de uma função pública, em
cambio, se caracterizam pela relevância direta dos interesses públicos de que a
entidade é portadora. A relevância direta do interesse público se manifesta
principalmente na formação do contrato enquanto a entidade pública deve
desdobrar sua atividade negocial nas formas e nos modos previstos na lei, e em
geral seu compromisso fica condicionado a aprovação dos órgãos de controle. Do
que se segue, entre outras coisas, que a aprovação dos órgãos de controle
constituem condição legal de eficácia dos contratos e que, sem embargo, as partes
a espera dela permanecem vinculadas. Daí segue também que a anulação dos atos
por meio dos quais se forma, se manifesta e se controla a vontade da entidade se
traduz na anulabilidade do contrato, que somente pode fazer-se valer pela própria
entidade.
A relevância do interesse público não impede, por outra parte, que a eficácia
vinculante do ato derive do acordo, conforme a regra contratual, e que o
compromisso da Administração seja disciplinado fundamentalmente pelos princípios
contratuais.
Ao lado dos remédios de direito privado enquanto atine a lesões dos direitos
contratuais e precontratuais do particular, é preciso ter presente em sua diferença
os remédios do direito administrativo contra os atos ilegítimos da Administração. A
possibilidade de exercitar ditos remédios está subordinada à verificação da
existência de um interesse legítimo do particular que se considera lesionado por ato
da Administração.