(Álvares de Azevedo)
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Capítulo I
[...]
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma
sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha
bela chácara de catumbi. Tinha uns sessenta e
quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro,
possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério
por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem
anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda,
triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles
fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa idéia no discurso que
proferiu à beira de minha cova: — “vós, que o conhecestes, meus
senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar
chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que
tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu,
aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo,
tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas
entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.”
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe
deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim
que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as
ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego,
como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido.
Capítulo LXXI
"Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir,
também não deixa olhos para chorar..."
O CORTIÇO
(Aluísio de Azavedo)
Capítulo XXI
— Ah! agora não me enxergo! agora eu não presto para nada! Porém, quando
você precisou de mim não lhe ficava mal servir-se de meu corpo e agüentar a
sua casa com o meu trabalho! Então a negra servia pra um tudo; agora não
presta pra mais nada, e atira-se com ela no monturo do cisco! Não! assim
também Deus não manda! Pois se aos cães velhos não se enxotam, por que me
hão de pôr fora desta casa, em que meti muito suor do meu rosto?... Quer casar,
espere então que eu feche primeiro os olhos; não seja ingrato!
Capítulo XXIII
E desceram logo.
— Está aqui com efeito... disse afinal o negociante. Pensei que fosse livre...
— Mas imediatamente.
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos
espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada
para eles, sem pestanejar.
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os
sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um
salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e
fundo rasgara o ventre de lado a lado.
E depois embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda
numa lameira de sangue.
João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o
rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma
comissão de abolicionistas que vinha, de casaca! trazer-lhe respeitosamente o
diploma de sócio benemérito.
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.
ISMÁLIA
(Alphonsus de Guimaraens)
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…