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análise correlacional
Resumo
O presente ensaio tem por objetivo iniciar uma discussão acerca das possibilidades de
correlação entre os conceitos de mimesis social - apresentado no conjunto da obra de
Norbert Elias -, jogo, esporte e sociedade. Para tanto, buscamos num primeiro momento
entender a perspectiva clássica na definição de jogo trabalhada por Johan Huizinga,
passando pelas manifestações e interpretações do esporte moderno em H. Eicheberg,
finalizando com uma interpretação da sociedade de Norbert Elias vislumbrando
possíveis associações e perspectivas de análise.
Introdução
1
Docente da Universidade Federal do Paraná (graduação e programas de pós-graduação dos departamentos
de Educação Física e Sociologia), coordenador de Centro de pesquisas em esporte, lazer e sociedade
(CEPELS/UFPR) e diretor do Centro de educação física e desportos da Pró-reitoria de extensão e cultura
(PROEC/UFPR).
diferenciação proclamada por H. Eichberg (1995) quando disserta sobre as manifestações
corporais e o esporte. Em adição, buscamos na obra de Norbert Elias (2001; 1994; 1992;
1980) uma articulação do conceito de mimesis com o jogo, o esporte moderno e as
características estruturais da sociedade contemporânea.
Um exercício de correlação
Ao iniciar sua obra Homo Ludens, Johan Huizinga (1993) procura deixar claro e
evidente sua preocupação, ou melhor, seu objetivo central com o desenvolvimento do
estudo, qual seja, integrar o conceito de jogo ao conceito de cultura e não demonstrá-lo
como uma manifestação constituinte desse espaço, dito de outra forma, podemos pensar
que Huizinga busca ver na função social do jogo elementos que comprovem sua hipótese
de que o “jogo precede a natureza e a cultura”, e como tal, estrutura-se concomitantemente
com ambas.
Em sua exposição, temos que o jogo, como um elemento cultural, possui uma
realidade autônoma, cria suas características e atende a determinadas funções previamente
estabelecidas num universo não material. Nessa esteira de análise, o autor passeia pela
historicidade das práticas corporais mais remotas, sustentando-se por ferramentas
antropológicas e filosóficas.
Sumariamente, o autor defende que o jogo tem sua essência no divertimento, na
alegria e na tensão, ou seja, toda referência constitutiva dos jogos, em seu contexto
cultural, deveria ser fundamentada numa sistematização que, a priori, atenderia a esses
princípios. Em contrapartida, ocorrem equivocadas interpretações nas quais o jogo é tido
como uma manifestação destituída de seriedade, justamente ausência do caráter que lhe
concederia posição de destaque no universo dos estudos culturais. A essa argumentação,
Huizinga rebate com o exemplo do jogo de xadrez, ou mesmo de uma partida de futebol
entre crianças, questionando se não há seriedade em ambas as ações, se não existe nos dois
exemplos respeito às regras, mesmo sendo elas construídas e/ou alteradas pelos próprios
participantes? Com isso, o autor pretende nos mostrar que não devemos trabalhar, ou
melhor, pensar o jogo e a cultura num contexto de polaridades ou submissões, pelo
contrário, é pertinente tecermos análises que partam do pressuposto da interdependência,
da correlação, da intimidade entre a seriedade e o divertimento, do riso e do prazer, do
sagrado e do profano. Para Huizinga,
2
HUIZINGA, J. Homo Ludens. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 1995, p. 13.
Objetivamente, não é esta a fatia da obra de Huizinga que pretendemos degustar,
muito embora ela seja muita atrativa e permissiva de novas abstrações. Para nosso ensaio
buscamos do autor o que ele chamou de “características formais do jogo” e as principais
“funções do jogo” para que nessa leitura possamos identificar suas diferenciações e/ou
aproximações com o esporte moderno. Pensando nas características formais, encontramos
a síntese de que o jogo deve ser considerado como:
3
Id. Ibid., p. 16.
4
Cf. HUIZINGA, op. cit., p.16.
5
EICHBERG, H. Problems and future research in sports sociology: a revolution of body culture?
International Review for Sociology of Sport, 30: 1-19, 1995.
a) o Corpo-isso: trata-se do consubstanciamento das práticas corporais por
conta das referências do produtivismo da sociedade industrial. É o
processo de reificação ou de materialização dos corpos associando-se, em
termos de paradigmas, na constituição do esporte como uma manifestação
social que coisifica o humano, faz dele um produto a ser vendido,
consumido, produzido, ou seja, mercantilizado.
6
Cf. EICHBERG, op.cit.
7
GARRIGOU, Alain e LACROIX, Bernard. Norbert Elias: a política e a história. São Paulo: Perspectiva,
2001.
uma ambivalência entre ser um instrumento de análise e uma noção mais realista da
sociedade. Sobre esta observação, Garrigou acrescenta:
Quando Norbert Elias (2001; 1994) estudou a sociedade de corte, ele a definiu
como um “grande jogo”, não no sentido metafórico, mas sim como uma descrição realista
e analítica das relações sociais existentes naquela configuração. Para Elias o jogo reporta o
desenvolvimento de um código de condutas e sentimentos detectado nas e pelas relações
sociais. Para Garrigou, “o jogo não é uma entrada como outra qualquer na sociologia de
Norbert Elias. É sua marca específica, uma espécie de esquema paradigmático pelo qual a
sociologia se ilumina”.9
Em Elias (1980), encontramos a hipótese de que a sociedade é uma estrutura de
competição passível de ser estudada a partir do jogo situado e definido no conceito de
configuração, de sistemas de interdependência social e no processo de civilização.
Objetivamente, temos que ter a dimensão que no modelo de análise eliasiano a sociedade e
o esporte receberam a leitura de um jogo de ação estrutural, qual seja, uma estrutura de
competição.
Se a redução e a simplificação permitem analisar relações sociais amplas e
complexas a partir de modelos de jogo, existe apenas uma diferença de escala e
não de natureza das relações sociais. [...] O jogo serve, portanto, para pensar
relacionalmente os grupos sociais, os quais não são adições de agentes, mas são
compreendidos como conjuntos de relações de interdependência.10
Ao estudarmos as dimensões propostas por Elias (2001; 1994; 1992; 1980) para
entender os mecanismos de funcionamento da sociedade percebemos que a mesma, diante
do seu processo civilizacional, apresenta particularidades históricas as quais permitem uma
definição metodológica de análise a partir do sentido da concorrência, do estabelecimento
de interdependências e das relações sociais de poder. Esta consideração é o princípio
explicativo da postura teórica que pretendemos defender.
Quando pensamos em correlacionar Huizinga, Eichberg e Elias, pensávamos em
identificar elementos discursivos comuns em suas obras os quais permitiriam a construção
de uma linha analítica que percebesse articulações entre o jogo, o esporte e a sociedade. E
esse processo, em nossa análise, se efetivou por conta da mimesis social. Ao assimilarmos
o efeito mimético, mesmo que sumariamente definido como o conjunto de representações
sociais estabelecidas no micro em relação ao macrossocial, teremos que a competitividade
presente no jogo e no esporte pode perfeitamente nos ajudar a estudar e a compreender os
mecanismos geradores de comportamentos, habitus e poder existentes na sociedade, e
vice-versa. Contudo, é fundamental destacarmos que em nossa análise tomamos como
8
GARRIGOU, op. cit., p. 75-76
9
GARRIGOU, op. cit., p. 67.
10
GARRIGOU, op. cit., p. 76-77.
referência o jogo, o esporte e a sociedade em seu estado ou manifestação hegemônica
atual, ou seja, mercantilizado, espetacularizado e/ou performático.
Considerações finais
Abstract: the present text has for objective to begin a discussion concerning the possibles
correlations among the concepts of social mimesis - presented in the group of Norbert
Elias's work -, play, sport and society. For this, in a first moment, we tried to understand
the classic perspective of the game worked by Johan Huizinga, the manifestations and
interpretations of the modern sport in H. Eicheberg, concluding with an interpretation of
the society by Norbert Elias to identifying possible associations and analysis perspectives.
11
“O desporto, tal como outras actividades de lazer, no seu quadro específico pode evocar através dos seus
desígnios, um tipo especial de tensão, um excitamento agradável e, assim, autorizar os sentimentos a fluírem
mais livremente. Pode contribuir para perder, talvez para libertar, tensões provenientes do stress. O quadro
do desporto, como o de muitas outras actividades de lazer, destina-se a movimentar, a estimular as emoções,
a evocar tensões sobre a forma de uma excitação controlada e bem equilibrada, sem riscos e tensões
habitualmente relacionadas com o excitamento de outras situações da vida, uma excitação mimética que pode
ser apreciada e que pode ter um efeito libertador, catártico, mesmo se a ressonância emocional ligada ao
desígnio imaginário contiver, como habitualmente acontece, elementos de ansiedade, medo – ou desespero.”
ELIAS, Norbert. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992, p. 79.
Key words: play, sport, society, mimesis.
Referências