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Felicidade Precisa ser Ganha?
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O Conceito Budista de Méritos –


A Felicidade Precisa ser Ganha?
Alexander Berzin
Munique, Alemanha, abril de 1999
Editado por Lucy Costa

O Conceito Budista de Mérito


O tema desta noite é o mérito. No budismo, frequentemente falamos da importância de aumentar o mérito. Porem, a
palavra “mérito” é um tanto confusa. Tem um significado em inglês; em alemão, a palavra, Verdienst, tem outro significado
muito diferente; e o termo original em tibetano significa algo diferente aos dois primeiros. Assim, de fato, existe alguma
confusão porque ao ouvir “mérito”, associamos isto ao significado da palavra no nosso próprio idioma.
Hoje não quero somente dar uma palestra e informações, o que pode ser realmentecansativo tanto para vocês como para
mim. Em vez disto, gostaria que este fim de semana ocorresse mais no sentido de fazermos perguntas e tentarmos realmente
pensar acerca dos assuntos envolvidos no tema. Vamos começar com algumas definições.
A palavra “mérito” em inglês está completamente equivocada. Esta palavra parece sugerir que acumulamos pontos por que
fazemos coisas boas, e depois de conseguir pontos suficientes, digamos 100 pontos, ganharemos uma medalha. Esta é uma
ideia infantil, algo assim como a “medalha de mérito” dos escoteiros, e certamente não é o que significa (a palavra) mérito
no budismo. A palavra alemã Verdienst é, na verdade, muito mais interessante, e não tão infantil. Acho que deveríamos
concentrar-nos neste significado, em vez do significado da palavra na língua inglesa.
Prefiro traduzir o conceito do sânscrito ou do tibetano como “potenciais positivos” ou “força positiva”, porque éalgo que
surge como resultado de atuarmos construtivamente e que então amadurece resultando em felicidade. Por suposto,
investigaremos o significado disto um pouco mais profundamente, porque existem três termos aqui que são bastante
técnicos e específicos. O que queremos dizer com “atuar construtivamente”? O que queremos dizer com “felicidade”? Em
que consiste este processo de “amadurecimento” e qual é a relação entre agir construtivamente e ser feliz? Por exemplo, eu
poderia tentar fazer algumas coisas boas, mas poderia também não vir a ser muito feliz como consequência disto. Portanto,
o que é que está ocorrendo aqui?
Primeiro, acho que precisamos examinar a ideia de Verdienst. O que quer dizer verdienen? Verdienen significa felicidade? O
que significa ganhar a felicidade, ou merecer felicidade? “Ganhar” significa que, ao termos um emprego, ganhamos um
salário, desta forma ganhamos algo. De maneira semelhante, trabalhamos em ser bons e desta maneira
ganhamosfelicidade. É disto que se trata? O que quer dizer que merecemos felicidade? “Tenho direito a ser feliz. Paguei
meu dinheiro e agora tenho o direito de obter um bom produto. Se não consigo este bom produto, é porque fui enganado.”
Todas estas ideias se misturam na palavra alemã verdienen. Na verdade, como já tinha dito, não é tão infantil como a ideia
de mérito no sentido de obter pontos e ganhar uma competição, porque na verdade estes são assuntos bastante sérios.
Vamos considerar algumas questões básicas nas quais gostaria que pensassem para que possamos trocar opiniões.
Temos Direito à Felicidade?
Será que todo mundo tem direito a um trato justo na vida? No ideal socialista, por exemplo, todos têm direito a um
emprego, uma boa casa, comida etc. Será que merecemos tudo isto só porque temos a natureza búdica, ou teríamos que
ganhar isto? Temos que fazer algo para consegui-lo? O que vocês acham? Merecemos ter uma boa casa e felicidade?
Merecemos ser felizes? Num nível psicológico, algumas pessoas consideram que não merecem ser felizes, e não se permitem
ser felizes. Por quê?

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Poderiam dizer que todos temos o direito a sermos felizes, a ter uma casa etc, mas quando dizemos isto assim, estamos mais
uma vez entrando na conotação do verdienen alemão, já que transmite a ideia que alguém nos deu este direito. Será que
alguém nos deu o direito de sermos felizes, ou já temos este direito naturalmente? Porque temos o direito a desfrutar de uma
boa casa?
Isto então faz com que surja a pergunta: somos responsáveis por nossas ações? Por exemplo, nas antigas sociedades
comunistas da Europa Oriental e na antiga União Soviética, todos tinham o direito de receber um pagamento,
independentemente de estar trabalhando bem ou não; e consequentemente, ninguém trabalhava bem porque a ninguém
interessava fazer isto. Será que é isto mesmo que queremos dizer aqui, que todo mundo tem o direito a um salário e uma
boa casa, quer esteja trabalhando ou não? Se tivermos realmente o direito de sermos felizes, então não precisamos fazer
nada. Disto se pode deduzir que um assassino tem direito a ser feliz; que alguém que engana os outros ou rouba uma loja
tem o direito de fazê-lo porque quer ser feliz. Será que tal pessoa realmente tem o direito de fazer isto?
Vocês poderiam argumentar que o “direito de ser feliz” ou o “direito de ter uma boa vida” parece sugerir que alguém nos
tenha dado este direito, e isto não parece correto. Talvez pudéssemos dizer que todos têm a possibilidade, a oportunidade,
de ser feliz, mas ainda assim teríamos que fazer algo para obter esta felicidade. A expressão inglesa “merecer” ter algo fica
bem aqui. Não significa ter um direito. Busquei esta expressão no dicionário, mas “Recht” em alemão implica que alguém
dá algo para você. Em inglês, “merecer” não implica que alguém está dando isto a você. Isto porque, por exemplo, a questão
também pode ser aplicada ao meio ambiente: o meio ambiente também merece ser respeitado, merece ter um trato justo.
Será que “merecer” é tão forte como ter direito, como Recht?
Temos a característica de estarmos programados por natureza para sermos felizes. Pensem, por exemplo, numa criança em
Kosovo. Será que esta criança em Kosovo merece ter uma casa pacifica e poder crescer num ambiente tranquilo,
simplesmente porque é um bebê?
Porque merecemos isto? Se assumirmos que um poder externo nos dá este direito, digamos que seja Deus ou as leis ditadas
por esta sociedade, então já aqui começam as complicações. Será que este direito pode ser tirado de nós? Se merecermos
isto tão somente por causa da nossa natureza, então, qual é a implicação disto? Será que um criminoso de guerra ainda tem
direito à felicidade? (Neste caso) o que acontece com o meio ambiente?
Vocês argumentam que todas as formas de vida merecem ser felizes e tratadas bem; portanto agora posso perguntar: e
quanto ás coisas inanimadas, como o ar e o oceano? Será que o oceano merece ser conservado limpo? Será que o ar merece
ser conservado limpo? De onde vem este direito?
Do Ponto de Vista Budista, a Felicidade Resulta de Nossos Potenciais Positivos
O budismo diz que, por causa de nossa natureza búdica, contamos com certo potencial positivo. A expressão clássica para
isto é que, como temos nossa natureza búdica, temos uma “coleção de mérito”. Mais uma vez, acho estranha esta
terminologia. Acho que “coleção” é a palavra errada para isto; prefiro a palavra “rede”. Temos uma rede de potenciais
positivos. Todos temos algum tipo de rede própria.
Isto é muito complexo. Se pensarmos sobre isto, veremos que temos o potencial para poder aprender, o potencial para
poder criar uma família e amar aos outros. Temos todo tipo de potencial positivo, os potencias para fazermos coisas
positivas. Um de vocês já disse que todos temos a possibilidade de sermos felizes. É disto que estamos falando; temos a
possibilidade, o potencial para isto. Como existem potenciais mutuamente interconectados, estes formam uma rede. Como
resultado desta rede de potenciais positivos, poderíamos ser felizes. Tenho o potencial de ganhar a vida, de poder amar a
outras pessoas e criar uma família, etc, e consequentemente, tenho o potencial para ser feliz. Todo mundo tem uma rede
básica como esta. Baseados nisto, poderíamos dizer que somos merecedores, que ganhamos nossa felicidade. Porém, o
conceito envolvido com estas palavras que estamos usando não concorda realmente com a ideia budista, não é?
Digamos que saímos de férias. Será que nossas plantas merecem ser regadas, e o nosso gato, alimentado? Existe alguma
diferença entre estes dois? Será que a nossa casa merece ser limpa?
Participante: E os desejos do gato?
Alex: boa questão. Agora estamos chegando mais perto da ideia budista de que a felicidade é algo que requer a nossa
vontade. Precisamos querer ser felizes para chegar a ser feliz. O importante, ao abordar o budismo, é pensar em todas estas
coisas.
Será que a Felicidade se Ganha?
Se quisermos ser felizes, seria suficiente somente querer ser feliz para lograr a felicidade, ou teríamos que fazer algo para
ganhá-la? Se tivermos que ganhá-la por nossas ações, será que a obteríamos pelos resultados de nossas ações, ou pela nossa
motivação? Digamos que convidei meus amigos para comer; gostaria de fazer uma comida bem gostosa e fazê-los felizes.
Tive uma motivação maravilhosa, mas, queimei a comida e acabou sendo um desastre; ou meu amigo ficou doente ou se

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engasgou numa espinha de peixe. O que seria mais importante, a motivação ou o resultado do que fazemos?
A motivação não é suficiente. Temos que fazer algo. Mas também pode ser que nem sempre exista a motivação...
suponhamos que não temos nenhuma intenção de fazer alguém feliz, ou de conhecer alguém, mas encontramos alguém e
isto os torna felizes. Acho que é uma combinação. O exemplo que sempre uso é o seguinte: um ladrão rouba seu carro e você
fica muito feliz porque agora vai poder ganhar o dinheiro do seguro. Era um carro horrível do qual você não gostava mais.
Vamos explorar outra ideia. Temos esta noção de mérito no budismo como sendo algo que se tem que ganhar: temos que
ganhar a felicidade. Digamos que trabalhamos muito durante o ano todo; agora, será que ganharemos umas férias ou um
aumento de salário? Nem um nem outro. Será que ganharemos as férias? Ou ganharemos um salário melhor? Será que
ganharemos o direito a ter boas condições de trabalho em nosso escritório? Acho que pela palavra “ganhar”, teríamos que
dizer que “sim, ganharíamos isto”. No entanto, poderíamos sair de férias e mesmo assim não sermos felizes. Então,
ganhamos a felicidade? Não, não ganhamos a felicidade. O que estamos ganhando então?
Participante (tradutor): Ela é mãe e se considera uma boa mãe... Antes mesmo de nascermos, já se espera que iremos
cumprir as expectativas de quem nos dá a vida.
Alex: É ainda mais complicado porque poderíamos dizer, “sou boa mãe. Por ser boa mãe, deveria ter ganho o respeito dos
meus filhos. Mas eles não me respeitam.”
Participante (tradutor): este foi exatamente o caso dela. Nasceu exatamente nove meses depois da boda de seus pais,
portanto foi realmente uma criança desejada ou planejada, e sempre insistiram que ela fosse agradável e linda e que fosse
dessa ou daquela forma, e por isso sempre fez tudo que pediam a ela.
Participante (comentando): quando seus pais lhe planejam, já têm expectativas sobre você.Esse exemplo mostra claramente
o quanto esta mente, que quer ser feliz e que pede aos demais que ajam de maneira que ela possa ser feliz, é na realidade
uma mente demoníaca.
Alex: será que os pais ganham o respeito dos filhos ao serem bons pais? Se eles querem este respeito, isto significa que eles
não o ganham mais?
Você merece o respeito, mas não o recebe. Por quê?Podemos esperar que nos paguemo que merecemos? Será que esta é uma
expectativa justa? Éassim que funciona o karma?
Participante: falamos demais sobre as formas externas de felicidade, e sobre a aparência da felicidade, e...
Alex: mas a fonte da felicidade é interna. Agora estamos aproximando-nos da ideia budista.
Participante (tradutor): tenho uma sobrinha inválida. Sua incapacidade é tanto física como mental, e não existe muita
motivação ou ação por parte desta pessoa; entretanto, considero que definitivamente merece ser tratada bem, ter bom
ambiente e ser feliz.
Alex: deve ser mais do que simplesmente a motivação. Suponhamos que alguém fica ferido, ou perde um ente querido, ou
que seja inválido, como no seu exemplo. Tal pessoa merece compaixão?
Participante (tradutor): acho que é uma loucura estar sempre pensando “como posso ser feliz?” e tudo isto. Tudo isto é lixo;
quero me livrar disto.
Alex: desfazer-se do desejo de ser feliz?
Participante: Sim. Portanto, o budismo é a única maneira de me livrar deste desejo de ser feliz.
Alex: Se você perde o desejo de ser feliz, será que vai ser feliz? Pense sobre isto.
Acumular potencial positivo somente porque você quer ser feliz não vai funcionar. Foi isto que você disse? “Vou fazer uma
doação grande para o centro (budista) porque quero ser feliz. Quero conseguir um renascimento melhor.” O budismo não
diz que ao fazer muitas coisas boas, você vai conseguir um renascimento melhor?
Participante (tradutor): na realidade, o budismo não diz isto. Existem muitas interpretações que parecem dizer isto, mas é
bobagem.
Alex: na realidade, o budismo diz que o desejo por um renascimento melhor é uma motivação inicial, que pelo menos nos
impede de prejudicar os outros, ou de roubar e outras coisas assim. Mas necessitamos iralém disto, porque mesmo se você
obtiver a felicidade num nascimento melhor, vai também perdê-la novamente. Realmente, não vamos ser felizes. Na
verdade, precisamos deixar de querer ser felizes para obter a liberação.
Participante (tradutor): Creio que necessitamos fazer algo para sermos felizes, mesmo se fosse somente deitar no sol e

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relaxar; isto já é algo que podemos fazer. Portanto, temos que fazer alguma coisa, mas não seremos necessariamente felizes
por fazê-lo. O que estamos discutindo aqui é o fato de que a felicidade tem mais a ver com a estabilidade interior.
Alex: Vamos considerar mais dois outros aspectos de “merecer”. Vamos ver as pessoas aqui em Kosovo que foram
prejudicadas. O que merecem? Merecem receber compaixão? Merecem ser recebidas em nosso país e serem alimentados?
Que fizeram para merecer isto? Merecem ser felizes? Merecem vingar-se? E a respeito dos soldados sérvios que mataram
tantos deles? Merecem nossa compaixão e nosso perdão? Que fizeram para merecê-los? Merecem ser castigados ou serem
mortos? Agora podemos ver o problema com a expressão “merecer”.
Participante (tradutor): esta seria mais uma questão ética. Tudo é possível. A pergunta é: como nos relacionamos com isto?
(adicionando): Acho que você perguntou o que é bom e o que é ruim. Quem tem o direito de dizer que isto é bom e aquilo é
ruim? O que significa isto para mim? Para mim, significa algo interessante ou algo para conhecer ou...
Alex: não sei. O que quero deixar claro com isto é que toda a ideia de verdienen, que é ganhar algo ou ser merecedor de
alguma coisa, e por extensão, nosso conceito ocidental disto, é bem diferente do conceito budista de karma, que é o tema
desta discussão: potencial positivo. É algo bem diferente.
O Karma não é Justiça ou um Sistema de Leis
Se analisarmos nosso conceito ocidental de termos direitos, de ganharmos algo e de merecer coisas, o que está por detrás
disto é uma noção definida culturalmente que temos no ocidente. Esta noção é que o universo é justo, que existe algum tipo
de justiça no universo, e que as coisas deveriam ser justas. Este é um conceito forte: “deveria ser justo”. Por que deveria ser
justo? “Porque o universo é justo.” Esta é uma ideia bem ocidental.
Podemos ver isto de maneiras diferentes. De um ponto de vista, é justo que se acolham as pessoas de Kosovo em nosso país.
De outro ponto de vista, poderíamos dizer: “Claro, é justo que consigam vingança, e é justo que possamos bombardear a
Sérvia.” É justo. De outro ponto de vista, é justo que perdoemos os soldados sérvios; mas, por outro lado, também pode ser
justo botá-los na prisão. Portanto, temos essa ideia de justiça, e de que existe uma lei. Isto não está limitado ao ocidente,
porque também existe no pensamento chinês. Mas não existe no pensamento tibetano.
De nossa ponto de vista, esta lei ou justiça, tomada de uma perspectiva bíblica, é devida a Deus. Deus é justo. Deus é
correto. Ainda que pareça injusto que Deus tenha tomado o meu bebê, temos que acreditar que Deus, na sua sabedoria,
tenha sido justo. Portanto, uma pessoa religiosa só precisa confiar no fato de que Deus sabia o que Ele estava fazendo ao
levar o meu bebê. Para os ocidentais que não são religiosos, todo conceito de lei e justiça surge de um aspecto bem político,
que, na realidade, teve sua origem na cultura grega de que ao menos a sociedade deveria ser justa. Assim, conseguimos uma
sociedade justa através de políticas e leis, e assim, é justa não por causa de Deus, mas sim, pelas pessoas que ditam as leis.
Nós mesmos a tornamos justa porque nós mesmos elegemos estas pessoas. Interessantemente, os chineses traduzem a
palavra “dharma” como “lei”. Porém, a maneira tradicional de pensar dos chineses é que as leis são simplesmente parte da
ordem natural do universo. Não são feitas por Deus, nem pelas pessoas.
Quer estejamos vendo isto de forma pessoal como faríamos no ocidente, ou então de forma impessoal, como se faz dentro da
sociedade chinesa, ainda assim se trata de obediência. Obedeça as leis e as coisas irão bem, você será feliz. Se você não
obedecer às leis, não será feliz. Quando consideramos as tradições indianas e tibetanas de budismo – mas não o budismo
chinês – temos que fazê-lo com nossos conceitos ocidentais, e isto cria confusão porque temos esta palavra “verdienen” para
(indicar) mérito. Mérito é igualmente ridículo. Verdienené algo que ganhamos. O universo deveria ser justo. Se atuo de
forma construtiva, o universo deveria ser justo e eu deveria ser feliz. Deveria haver justiça. Ainda que digamos, “Sim,mas sei
que isto não me foi dado por Deus nem ninguém mais”, vamos considerar a forma na qual falamos sobre o karma no
ocidente! Falamos nas“leis do karma”. Não se menciona a palavra “leis” na expressão original – somos nós que a
adicionamos aqui. Vemos o karma como se fosse um sistema de leis baseado na justiça, e esta não é a ideia original, em
absoluto. Portanto:na verdade, a que se refere o karma?
O Karma se Ocupa dos Resultados de Atuar Construtiva ou Destrutivamente
Antes de mais nada, o karma fala sobre o resultado de atuarmos construtivamente, e o resultado de atuarmos
destrutivamente. Fala de causa e efeito do comportamento. Usamos expressões como “as leis da física”. Essas são coisas
físicas: não existe justiça envolvida nos objetos seguindo as leis da física. Até mesmo entre os chineses, para os quais as leis
são apenas parte do universo, a ideia de justiça ainda é presente. Porém, aqui no budismo indiano e tibetano, falamos de
um sistema que tem lógica, mas que não se baseia na justiça. Simplesmente, é o que é.
“Construtivo” aqui significa atuar de uma forma que, do ponto de vista da motivação, esteja livre do apego. “Quero ser feliz,
estou fazendo isto para ser feliz”, livre de raiva, livre de ingenuidade, etc. Em nossa mente, a motivação é: “Não quero
causar mal a ninguém” e assim por diante. “Quero ajudar aos outros” também poderia estar presente, mas não é a
característica decisiva mais importante. Querer ajudar alguém, é um bônus, uma coisa extra. A motivação fundamental é

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que (nossa vontade) está livre do desejo, da raiva ou da ingenuidade. Como aquela mãe que você estava descrevendo:“Vou
tratar muito bem aos meus filhos, porque quero que eles me respeitem, me amem, que cuidem de mim quando estiver
idosa, que me sirvam, etc.” Em tal caso, ela pode estar tentando ser muito boa com seus filhos, mas sua motivação é o
apego. Não obteremos muita felicidade com tal atitude.
Quando falamos do “um resultado de atuar de maneira construtiva”, isso é na verdade bem complicado. A motivação em si
não é suficiente; necessitamos uma combinação de motivação, ação, e seu resultado imediato. A motivação pode ser
positiva, mas, como (no exemplo de) quando fazemos uma boa comida e nosso convidado se engasga numa espinha ou
quebra um dente enquanto mastiga, isto é um assunto complicado. Porém, a motivação é o mais importante.
Como resultado de atuar construtivamente, “acumulamos mérito”. Porém, o que significa “acumular”? O que significa
“mérito”? Já vimos o que significa mérito. Agora temos que ver o que significa “acumulação” ou “coleção”.
O potencial positivo é Verdienst, ou mérito, o potencial para que surja a felicidade. Acumular não é o mesmo que colecionar
pontos. Tampouco é como se o tivéssemos ganho, como quando acumulamos provaspara um caso na justiça,e ganhamos a
liberdade. Acho que uma forma melhor de conceitualizarmos isso éfortalecer a rede de nossos potenciais positivos. Porque
já temos uma rede básica que faz parte de nossa natureza búdica, podemos fortalecê-la para que funcione melhor.
Considero isso parecido com um sistema eletrônico com monitores de tubos e outras coisas, e que fortalecemos para que a
eletricidade possa fluir através dele com mais intensidade.
O que Significa Amadurecer como Felicidade?
O assunto aqui é: o que significa que nossas ações construtivas e o potencial positivo que surgem delas amadureçam como
felicidade? É importante compreender o que significa “amadurecer”.
Antes de mais nada, não estamos falando do que os outros vivenciariam com as nossas ações, mas sim, do que nós mesmos
vivenciaríamos a partir delas. Poderíamos preparar uma refeição muito gostosa para nossos amigos, porque gostamos deles
e queremos que sejam felizes, mas eles poderiam detestar a comida, portanto não lhes proporcionamos felicidade alguma.
Da mesma forma, nossas ações construtivas nãotrarão, necessariamente,felicidade para outra pessoa. Isto não é o queremos
dizer com ”amadurecerresultando em felicidade”.
A felicidade da qual falamos aqui tampouco é aquela que vivenciamos durante a ação construtiva. Suponhamos que
queremos ter um caso com uma pessoa casada, mas não o fazemos porque não queremos cometer adultério, já que sabemos
que isto não seria correto. Porem, abstermo-nos de fazer isso definitivamente não nos faz sentir felizes. Não é disso que
estamos falando. Tal felicidade não é a que vivenciamos ao realizar a ação construtiva.
Tampouco estamos falando do que sentimos imediatamente depois de uma ação construtiva. Eu fiz uma coisa realmente
agradável para um amigo que estava de mudança; organizei uma festa de despedida, e fiz tudo isso para que se sentisse
feliz. Depois meu amigo se mudou para outra cidade, e eu chorei e fiquei chateado por muitos dias. Aqui não estamos
falando do que sentimos imediatamente depois de fazer algo construtivo; esse também não é o significado de “amadurecer”.
Temos um continuo mental. Existe continuidade em nossas experiências. Não é que haja algo sólido correndo ao lado disto,
mas sim que existe uma continuidade de nossa experiência a cada momento; uma corrente de experiências que seguem uma
atrás da outra ao longo de nossa vida, e que continua também de uma vida a outra. A cada momento, a rede inteira de todos
nossos potenciais está presente, e pode afetar o que vai ocorrer no momento seguinte. Também precisamos lembrar que,
assim como contamos com uma rede de potenciais positivos, também temos uma rede de potenciais negativos. Devido à
nossa confusão acerca da realidade, temos muitas formas destrutivas também. Também temos potenciais negativos: o
potencial de sermos sarcásticos, de sermos cruéis, de mentir às vezes. Todos esses também são como uma rede de potenciais
que se apoiam mutuamente em muitas combinações diferentes.
O Amadurecimento é um Processo Não Linear e Caótico
Uma forma na qual estes potenciais podem amadurecer écomo nossas preferências: “gosto de estar com este tipo de pessoa;
não gosto de estar com aquele tipo de pessoa” ou “gosto de expressar meus sentimentos com força”. Falamos dessas coisas
das quais gostamos e das quais não gostamos, a cuja combinação nos referimos como sendo nossa “personalidade”. O que
acontece é que, baseados nelas,a nossa personalidade e nossos gostos e preferências amadurecem, e, dependendo das
circunstancias (nas quais nos encontramos), surgirão nossos diversos impulsos. Gosto de caminhar em ruelas escuras; chega
o impulso, vou caminhar em uma rua escura, e como resultado disto, sou roubado. Este é um dos significados de dizer, “o
karma amadurece”.
Outro aspecto disto é que vai amadurecer em “estou feliz”, ou “me sinto bem”, ou “não estou me sentindo bem”, o que pode
na verdade acontecer em qualquer circunstancia. Algumas pessoas, embora sejam muito ricas e tenham muitas coisas,
ainda assim não são felizes. Outros têm quase nada, mas se sentem felizes. Isto surge de tendências básicas de
personalidade. Acho que podemos compreender isso mais facilmente de um ponto de vista ocidental. “Gosto da vida

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simples; isto me faz feliz”. “Gosto de uma vida estimulante e ocupada; isto me faz feliz”. Isto tem muito a ver com nossas
preferências, não é verdade? “Gosto de estar com este tipo de pessoas; não gosto de estar com este outro tipo de pessoas”.
Tudo isto é realmente como surge a felicidade. Porém, não estamos sempre felizes com alguém de quem gostamos. É muito
importante entender que todo este sistema de amadurecimento em felicidade e infelicidade, o sistema inteiro de potenciais
positivos e negativos, não é um sistema linear.
Não é que se atuarmos de certo modo, imediatamente seremos felizes, e que sempre seremos felizes, e que tudo segue em
linha reta. Não funciona assim; não é uma progressão linear. É bem mais parecido ao que chamamos de um padrão caótico.
É um caos. Às vezes não estamos felizes com esta pessoa; outras vezes estamos felizes com a mesma pessoa. Não é algo
linear. É caótico em certo sentido, mas isso é compreensível por causa da complexidade do que formaa redede nossos
potenciais positivos e do que constitui a rede de nossos potenciais negativos. É uma coisa muito complexa.
Alguém está ferido; digamos um destes refugiados de Kosovo. Podemos dizer que a infelicidade que está vivenciando é o
resultado de um potencial negativo. Claro, isto é uma questão difícil. Para começar, porque nasceu ai? É um assunto muito
complicado. A ideia toda de potenciais positivos e potenciais negativos têm lógica somente se falarmos em termos de uma
mente sem princípio, como também do renascimento. Sem estes conceitos, não tem sentido nenhum. De outra maneira,
porque esse bebê em Kosovo foi assassinado? Se não vemos os potenciais do próprio continuo mental como causa, então
teria que ser uma vontade de Deus. Ou simplesmente, foi má sorte, mas isto não é uma resposta muito útil. “Foi má sorte
que você nasceu em Kosovo.Que pena!”. Isto não é muito agradável. Ou poderíamos dizer, “É culpa dos sérvios”. Mas
mesmo assim, porque eu? Precisamos de alguma resposta. Não é uma situação fácil. “porque assassinaram o meu bebê?”
No budismo, dizemos que existem potenciais negativos e positivos sem principio. Esta é outra forma de resolver a questão
do porque ocorrem certas coisas. O que é realmente interessante é que estamos tentando ver se esta pessoa merece
compaixão e receber o status de refugiado na Alemanha ou se tem o direito de unir-se ao exército clandestino e procurar
vingança. O karma dá uma resposta muito interessante à ideia de potenciais positivos e negativos.
Obviamente, foi o resultado de potenciais negativos que fez estas pessoas perderem suas casa e que suas famílias fossem
assassinadas. Mas também, se elas têm muitos potenciais positivos, então automaticamente receberão compaixão, ou
obterão o asilo na Alemanha. Nem sequer teriam que pedir, porque poderiam exigir, mas não conseguir se não tivessem o
potencial positivo. Porém, ao teremcerta quantidade de potencial para receberemo status de refugiados aqui, poderia existir
também outro potencial negativo que os faria infelizes na Alemanha.
Também poderiam ter muitos potenciais negativos. O potencial negativo que resulta matado pode ter como resultado uma
situação na qual os entes queridos são assassinados. E se tal potencial negativo ainda estiver lá,continuará no sentido em
que se terá a preferência de querer vingança, e então o impulso surgirá para buscar vingança, de maneira que o potencial
negativo que já se tem será perpetuado. Já que isso tudo não é linear, um dia vai amadurecer uma coisa, e outro dia, outra
coisa. Temos uma combinação de todos esses tipos de coisas porque, (por exemplo) enquanto alguém tenta se vingar, pode
estarmuito feliz ao fazê-lo, ou então poderia sentir muita raiva, ou estar deprimido.
Esta é a ideia geral do potencial positivo no budismo.
Fortalecer e Aumentar Nossos Potenciais Positivos
O que tentamos fazer, tanto quanto possível, é fortalecer nossa rede de potenciais positivos sem sermos ingênuos a respeito
disto, pensando que tudo o que teríamos que fazer seria cem mil prostrações, ou isto ou aquilo, e assim seríamos felizes
sempre e nada sairia mal nunca. É algo complicado que amadurece de forma caótica. Às vezes somos felizes, outras vezes há
coisas que nos fazem infelizes. Em geral, posso ser feliz, mas na realidade gosto das pizzas muito gordurosas, assim sendo,
depois de fazer cem mil prostrações, vou sair e comer uma pizza bem gordurosa porque gosto disso e me surge o impulso de
fazê-lo. Porém, depois de comer apizza, o potencial positivo das minhas prostrações não vai impedir que eu fique doente. É
bem importante que não sejamos ingênuos a respeito disto.
A ideia principal é que queremos incrementar este potencial positivo a fim de obter circunstancias favoráveis para que
possamos ganhar insights profundos do dharma. Teremos a inclinação para tentar conseguir estas circunstancias. Como
resultado do potencial positivo, GOSTO de meditar. GOSTO de pensar sobre temas profundos do dharma como resultado
de fazer este tipo de práticas. Porque gostamos de fazer isso, esse impulso que nos leva a meditar ou a pensar sobre a
vacuidade surgirá cada vez com mais frequência. Porque nos lembramos da vacuidade? É porque chega um impulso e assim
lembramo-nos dela. Como resultado destes impulsos, destas circunstancias positivas das quais gostamos, vamos alcançar
compreensões cada vez mais profundas, que eliminarão a ignorância e a falta de atenção, e uma vez que estas sejam
removidas, removeremos a causa de nosso sofrimento. Então, seremos REALMENTE felizes. Mas esta é uma maneira
caótica, não linear. Não é que já temos esta compreensão profunda e então, “uau!” a bem-aventurança chega e você fica
feliz para sempre. O processo é na verdade, bem longo.
Este é o motivo principal por que queremos aumentar o potencial positivo, o que significa isso e como fazê-lo. Penso que

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realmente é importante deixar de lado as conotações que têm nossas palavras ocidentais, como ganhar a felicidade etc, que
provém da palavra alemãverdienen. “Merecemos algo porque pagamos por isto”.
Mesmo que fosse bomfazermos mais perguntas sobre nosso potencial positivo, agora já está muito tarde, portantovamos
terminar com uma dedicatória.
Dedicatória
A dedicatória se integra bem no nosso tema aqui. O que estamos fazendo com nossa dedicatória? O que fazemos é pensar:
“Dedico o potencial positivo para que todos os seres alcancem a iluminação rapidamente”. Isto parece uma oração para
crianças recitada na escola. Para muitos de nós, são simplesmente palavras. O que realmente significam?
O que dizemos é: que qualquer compreensão que pudemos ter adquirido esta tarde, fique mais e mais profunda. Que possa
integrar-se àminha rede de potenciais positivos, a fim de que intensifique os diversos aspectos dos meus potenciais para agir
de maneira compreensiva, com compaixão, ter paciência ao vivenciar dificuldades, ser paciente quando vir outros sofrendo,
etc. Que possa fortalecer os aspectos diversos desta rede a fim de que amadureçam e dêem lugar a mais e mais impulsos
para que eu possa atuar com mais compreensão, com mais compaixão, etc. Que amadureçam de forma que, quando algo
acontecer, eu compreenda e seja feliz.Que eu não me cause depressão porque amadurecerá como felicidade. Ademais,
meque me permita atuar com mais compreensão e mais compaixão para com os demais. Em vez de dizer, “Bem, você
merecia isto” quando uma pessoa se queixa, que possa o potencial positivo amadurecer em forma de melhor compreensão
de como ocorrem estas coisas, como resultados de ações destrutivas e ações e potencias positivos.
Isto é o que queremos dizer com “Adicionamos o mérito que obtivemos durante esta tarde para a nossa coleção de méritos, a
fim de que todos os seres sejam felizes”. E possa a compreensão crescer mais profundamente a fim de que fortaleça estas
redes positivas que temos. Que possa trazer felicidade e tudo mais. Isto não vai ocorrer de forma linear. Ocorrerá de forma
não linear. Se pudermos compreender isto, não sairemos decepcionados ou amargurados porque não agimos de forma
compassiva ontem quando ocorreu algumacoisa. Não vai ser consistente; porém, com o passar do tempo, surgira um padrão
mais positivo. É assim que funciona.
Com a dedicatória, o que tentamos fazer é sentir a experiência, a compreensão que obtivemos, aprofundando-se e
integrando-se a todo nosso sistema, e desenvolvemos o forte desejo de realmente entender tudo isto ou mesmo integrar isso
em nossas vidas. Por favor, concentrem-se nisso por alguns minutos. Muito obrigado.

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