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EI Lê, agora, o poema seguinte, representativo da fase abúlica e intimista de Álvaro de Campos.

O que há em mim é sobretudo cansaço —


Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
5 Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
io Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,


is Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
20 Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado? NOTA
Para eles a vida vivida ou sonhada, A abulia é a deterioração, mais
Para eles o sonho sonhado ou vivido, ou menos evidente, da vontade
25 Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... de actuar, que se traduz na indeci-
Para mim só um grande, um profundo, são, na incapacidade para conce-
ber ou concretizar acções e tomar
E, ah com que felicidade, infecundo' cansaço. decisões.
Um supremíssimo cansaço. Álvaro de Campos sentiu o fenóme-
issimo, íssimo, íssimo, no da abulia neurasténica: aquela
que se revela na incapacidade de
so Cansaço... tomar decisões para actuar.
Álvaro de Campos
1. infecundo: que não frutifica, estéril.

1. Analisa o poema, tendo em conta as seguintes linhas de leitura:


• estado de espírito do sujeito poético, relacionando com a inutilidade e o excesso;
• recursos estilísticos utilizados (repetição, anáfora, adjectivação, gradação, oximoro, perso-
nificação...);
• caracterização do sujeito poético;
• oposição - eu" / "outros";
• expressividade da pontuação.
Ei Recorda o estudo que fizeste de Álvaro de Campos e diz se as afirmações seguintes são ver-
dadeiras (VI ou falsas (Fl. Corrige as afirmações falsas.

1. Os versos "Ó rodas, á engrenagens, r-r-r-r-r-r-r-r eterno/Forte espasmo retido dos maquinis-
mos em fúria!" são representativos da fase intimista de Álvaro de Campos.

2. Em toda a poesia de Álvaro de Campos, encontramos a exaltação e a esperança no progresso


da civilização.

3. Pessoa considera que Campos se encontra -no extremo oposto, inteiramente oposto a Ricardo
Reis", apesar de também ser um discípulo de Caeiro.
4. O titulo do poema - Ode Triunfal" sugere a celebração do triunfo da máquina, da civilização
moderna e da força mecânica.

5. Álvaro de Campos é o heterónimo de tendências classicizantes.

6. Na fase vanguardista. Álvaro de Campos aproxima-se do seu criador, Fernando Pessoa, na


forma como manifesta a dor de pensar e como deseja o retorno a uma infância feliz, ainda
que idealizada.

7. O sensacionismo presente na poesia de Álvaro de Campos é idêntico ao do seu Mestre Caeiro.

8. Os versos - Esta velha angástialEsta angústia que trago há séculos em mim," são representati-
vos da fase intimista de Álvaro de Campos.

9. Watt Whitman foi, sem dúvida, o modelo de Álvaro de Campos em toda a sua poesia.

D Num texto expositivo-argumentativo, que tenha entre 200 a 250 palavras, e evocando a tua
experiência de leitura, compara os três heterónimos pessoanos que estudaste, referindo:

a. as principais linhas temáticas da poesia de cada um deles;


b. as marcas distintivas no que respeita à linguagem e ao estilo;
c. aquele que mais te agradou, justificando a tua opção.

Consulta as páginas 44 a 46 deste Guia.

Corridas de velocidade na Avenida da Liberdade, em Lisboa, em 1922,


In Portugal Século XX, Crónica em Imagens 1920-1930, Circulo de Leitores, 1999
1. Na primeira estrofe, o sujeito poético afirma o seu cansaço,
unia espécie de cansaço universal, que parece existir por 1. F — Estes versos são representativos da fase vanguardista.
ele próprio. Para dar conta dessa existência autónoma do can- 2. F — Na fase intimista, encontramos angústia e desalento.
saço, o sujeito poético usa a repetição Id. vv. 1,4 e-51 e, no 3. — V. 4. — V. 5. F — Álvaro de Campos é o heterónimo de
verso 4, utilizando o pronome pessoal "ele" associado ao vocá- tendências vanguardistas e sensacionistas. 6. F — Álvaro de
bulo "mesmo" (também este repetido), dá a ideia da personi- Campos aproxima-se do seu criador, Fernando Pessoa, na
ficação do cansaço. forma como manifesta a dor de pensar e como deseja o retorno
Na segunda estrofe, o sujeito poético vai procurando a ori- a uma infância feliz, ainda que idealizada, na fase intimista.
gem do seu cansaço, conseguindo então enumerar algumas 7. F — Só em Campos é que há uma busca reflectida e cons-
ciente para atingir a plenitude. 8. V. 9. F — Whitman foi o
causas: as "sensações", as "paixões" e os "amores", todas elas
caracterizadas pela inutilidade ("inúteis", "por coisa nenhu- modelo seguido por Campos na fase futurista.
ma", "por o suposto"), sendo as duas Ultimas causas claramen-
te definidas como excessivas ("violentas" e "intensos"). Este
tom disfórico, presente ao longo de todo o poema, regista-se Resposta conduzida pelo "Essencial", nas páginas 44 a 46.
através de um conjunto de vocábulos com uma carga semânti-
ca ligada à negatividade. Para além dos vocábulos aponta-
dos, há ainda a referir, por exemplo, "nada" (v. 3), "nenhuma"
(v.7),"impossível" (v. 151, "infecundo" (s. 27).
Percebe-se que, ao longo do poema, há uma gradação: a
sensação de cansaço vai-se intensificando e agudizando, até
atingir o ponto mais alto no final da composição: os três últi-
mos versos reiteram esse estado de espírito do sujeito poético
através da superlativização do "cansaço", conseguida pelo
uso do próprio superlativo absoluto sintético aliado à repeti-
ção do sufixo "-iSsimo". Repare-se, ainda, que a repetição do
nome "cansaço" nos versos 11 a 13 (e também nos versos 1, 4,
5, 27, 28 e 30) é uma forma de intensificação desta sensação
que absorve e consome o sujeito poético. É de salientar, tam-
bém, sob o ponto de vista formal, a redução gradual do núme-
ro de sílabas métricas, nos últimos três versos do poema, até
se isolar completamente o vocábulo "cansaço", na sequência
da repetição do sufixo "-iSsimo". Desta forma, o estado de
espírito do sujeito poético é colocado em destaque absoluto.
Na quarta estrofe, o sujeito poético coloca-se em clara oposi-
ção com os "outros", agrupando-os em "Três tipos de idealistas":
aqueles que amam "o infinito", os que desejam "o impossível"
e os que não querem "nada". Por oposição, o sujeito poético
ama "o finito", deseja "o possível" e quer "tudo". Todavia, o
sujeito poético apresenta um enorme grau de idealismo que
é transmitido pelos advérbios de modo "infinitamente" e
"impossivelmente". Aliás, este idealismo é colocado em evidên-
cia através do oximoro: "Porque quero tudo, ou um pouco
mais, se puder ser, I Ou até se não puder ser..." em que ele
afirma desejar aquilo que ele sabe que é impossível de alcan-
çar. Atente-se na utilização do conector disjuntivo "ou"
v. 21) para expressar esse desejo irreal e do conector condi-
cional "se" fr. 201 para expressar novos estados de idealização.

O sujeito poético apresenta-se isolado e desenquadrado do


mundo ("e eu nenhum deles" (v.17)), enquanto que os outros,
expressos através de um sujeito nulo (o sujeito da forma ver-
bal "Há" não tem realização lexical) e do pronome relativo
"quem" vivem e sonham, inseridos, é certo, numa desprezível
mediania. O sujeito poético consegue apenas um "grande" e
"profundo" "cansaço". Atente-se nas repetições anafóricas
presentes nesta quarta estrofe que dão conta, uma vez mais,
do grau de saturação do sujeito poético e no jogo de pala-
vras (quiasmo) ("vivida ou sonhada I sonhado ou vivido",
23 241). Finalmente, no verso 27 percebemos, quase sur-
-

preendentemente, que o sujeito poético tira do seu cansaço


um certo comprazimento.

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