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Resumo
O texto apresenta como objetivo geral discutir o processo de inclusão educacional pela ótica
jurídica e pedagógica, percorrendo a história da inclusão sob a perspectiva dos documentos
legais, nacionais e internacionais, que originaram as políticas públicas atuais, e, em especial,
as políticas destinadas ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) à pessoa
diagnosticada com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD). Ao narrar que os
movimentos sociais refletiram em profundas transformações conceituais na tratativa legal dos
direitos das pessoas com necessidades especiais, o artigo destaca que as alterações mais
contundentes ocorreram no âmbito da instituição escolar e, em principal, na prática
pedagógica. A análise jurídica perpassa pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,
Declaração de Salamanca, Sunderberg, Jomtien e Santiago, e também pela Convenção da
Guatemala, observando suas contribuições para o ordenamento jurídico pátrio, trazidos nos
textos da Constituição Federal, da Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, do Decreto 7611/11 - que ratifica a instituição da Política Nacional da Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, e da Lei 12762/12, que institui a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. A análise
pedagógica apresenta o AEE oferecido na esfera nacional comparando com os serviços e
atendimentos ofertados pelo Estado do Paraná, enfatizando o Professor de Apoio Educacional
Especializado (PAEE). Conclui que o movimento de transição que a educação tem sido
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Doutoranda em Educação pela UEM. Mestre em Educação pela UEM. Professora da Educação Básica da
Secretaria de Estado da Educação do Paraná na modalidade Educação Especial e professora de pós-graduação do
Instituto Paranaense de Ensino. Participante do Grupo de Pesquisa Desenvolvimento, Aprendizagem e Educação
do CNPq. E-mail: criscerezuela@gmail.com.
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Advogada. Diretora Acadêmica da Faculdade América do Sul. Coordenadora de Pós-Graduação em Direito
Civil e Processual Civil, Direito Empresarial e Direito Penal e Processual Penal do Instituto Paranaense de
Ensino. Especialista em Direito Civil e Processual Civil (Instituto Paranaense de Ensino/Univale/OAB). E-mail:
kallige.jacobsen@gmail.com.
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Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo e realizou
estágio pós-doutoral pela Universidade Federal de São Carlos. Professora do Departamento de Teoria e Prática
da Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação. Diretora do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes. Pesquisadora CAPES – Observatório da Educação. E-mail: nnrmori@uem.br.
ISSN 2176-1396
2012
Introdução
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No Brasil foi previsto na Constituição de 1891 - § 2º do art. 72, na Constituição de 1934, inciso I do art. 113, na
Constituição de 1937, inciso I do art. 122, na Constituição de 1946, no § 1º do art. 141, na Constituição de 1967,
no § 1º do art. 150, na Constituição de 1969, no § 1º do art. 153, e, conforme informado no texto, no art. 5º da
Constituição de 1988, atualmente em vigor.
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(2001, p. 36) nos ensina que: “[...] aspecto formal vem a ser a positivação do direito à
igualdade, ou seja, prescreve o tratamento normativo igualitário, enquanto que o aspecto
material é aquele observado na realidade prática e destina-se a assegurar a igualdade real e
efetiva [...]”. Isto é, tratar de forma igual quem está em condições iguais e de forma desigual
quem se encontra em desigualdade.
Para discutir esses aspectos do conceito de igualdade, o texto em tela, foi dividido em
dois subitens principais. O primeiro identifica como os movimentos internacionais em defesa
da inclusão foram recepcionados pela legislação brasileira; e, o segundo traz a inclusão
educacional do aluno com TGD no contexto nacional e paranaense.
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§ 3º do Artigo 5º da Constituição Federativa do Brasil: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
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Todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos [...] sem
distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de
opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou
de qualquer outra situação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, p.
1).
No artigo 26º, proclama no item 1º, lemos que “toda pessoa tem direito à educação. A
educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O
ensino elementar é obrigatório” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, p. 12).
Assim, ao assegurar esse direito sem qualquer distinção, entende-se que o mesmo também é
garantido às pessoas com necessidades especiais. No Brasil, tal declaração foi recepcionada
pela Constituição brasileira, que dispõe:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria; [...]
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988, p. 138).
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a
garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, organizada da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
a) pré-escola; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
b) ensino fundamental; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
c) ensino médio; (Incluído pela Lei nº 12.796, de 2013)
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; (Redação
dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede
regular de ensino; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que
não os concluíram na idade própria; (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013).
(BRASIL, 1996, p. 2).
Declaração de Salamanca
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Lei 11.274/06 (BRASIL, 2006).
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Lei 12.061/09 (BRASIL, 2009).
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Emenda Constitucional 59/09, Lei 12.796/13 (BRASIL, 201) e nova redação do artigo 208, I da CF/88
(BRASIL, 1988).
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Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em junho
de 1994.
A Declaração de Salamanca é um dos documentos de maior importância no processo
histórico da inclusão. Sua principal defesa é de que as escolas regulares que realizam a
inclusão são as mais eficazes para dirimir a discriminação. Assim, todos os alunos que
apresentam deficiências ou necessidades educacionais especiais devem ter acesso e condições
de permanência e desenvolvimento em toda rede regular de ensino.
Cumpre ressaltar que todos os textos legais mencionados anteriormente, assim como
as normas que regulamentam os mesmos, advindos das esferas federal, estaduais e
municipais, possuem uma ligação umbilical com as disposições dessa declaração. É notória a
influência das ideias discutidas em Salamanca no capítulo exclusivo dedicado à Educação
Especial da LDB.
O avanço para a educação especial é muito significativo, pois o conteúdo possibilita
um novo olhar sobre as diferenças individuais de cada aluno e suas formas de AEE mais
específicos para seu desenvolvimento e autonomia. As disposições legais trazem à tona a
possibilidade de formação de cidadão para aqueles que, até então, eram segregados na escola
e, por decorrência, na sociedade. A formação da autonomia e independência, inclusive
financeira, é certamente ampliada se o indivíduo estiver inserido no sistema educacional
regular desde a educação infantil.
A menção da LDB de que a Educação Especial é uma modalidade de ensino corrobora
com a ideia de que o processo de inclusão permeia e se articula com todos os níveis
educacionais, e não se desassocia dos mesmos. A Figura 1 demonstra como a Educação
Especial deve ser entendida no contexto educacional brasileiro:
Figura 1 - A Educação Especial e o Sistema Educacional Brasileiro
Convenção da Guatemala
Esta Convenção teve por objetivo propor medidas para prevenir e eliminar todas as
formas de discriminação contra as pessoas com deficiência e propiciar a sua plena integração
à sociedade. Assim, os Estados signatários devem comprometer-se a tomar as medidas
necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas com deficiências. Essas medidas
são de caráter irrestrito, isto é, deve abranger o legislativo, social, educacional, trabalhista, ou
de qualquer outra natureza.
A eliminação da discriminação é, por certo, o derradeiro objetivo da inclusão. E,
porque não dizer, o mais difícil de alcançar. A função primordial da legislação neste processo
é nortear a criação e a manutenção das políticas públicas e as ações da sociedade civil. De
forma secundária, é o fundamento legal necessário às tomadas de decisão do Poder Judiciário,
no intuito de garantir, de imediato, o direito a todos aqueles que o demandarem.
O documento foi elaborado por um grupo de trabalho nomeado por portaria específica,
nº 555, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação, em 07 de
janeiro de 2008. O grupo de trabalho foi composto por profissionais da educação e do
Ministério Público e teve como objetivo apresentar uma política nacional que acompanhasse
os avanços dos documentos internacionais e que promovesse educação de qualidade para
todos.
O grande destaque que fazemos ao documento é que ele caracteriza os alunos que são
o público alvo de atendimento da educação especial em três grupos: alunos com deficiência;
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alunos com TGD; alunos com altas habilidades/superdotação (AH/SD). A partir dessa
conceituação, considera-se:
[...] alunos com deficiência aqueles que têm impedimentos de longo prazo, de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas
barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na
sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles
que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na
comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e
repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do
autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação
demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou
combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também
apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização
de tarefas em áreas de seu interesse. (BRASIL, 2008, p. 15, grifo nosso).
Com o grifo, chamamos a atenção para dois itens da política, o primeiro sobre a
novidade do AEE, e o segundo, sobre a corresponsabilidade do ensino comum para a
operacionalização da inclusão. O AEE é um serviço da educação especial, ofertado em Salas
de Recursos Multifuncionais (SRM) no contexto escolar ou em centros de Atendimento
Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou
filantrópicas sem fins lucrativos. E tem como função:
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O AEE caberá aos professores específicos, mas todos os demais profissionais devem
ser capacitados para atuarem na educação inclusiva. Para Mantoan (2010, p. 14) essa política
“[...] traçou seus objetivos tendo em vista reafirmar o novo lugar da Educação Especial nos
sistemas de ensino”. De forma contundente e esclarecedora, o documento busca contribuir
para a transformação das relações que permeiam a educação.
É mister, neste contexto, discutir a Lei 12762/12 que institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esse documento
é conhecido como Lei Berenice Piana, em homenagem a mulher e mãe que influenciou e
lutou pela promulgação da mesma.
Esta legislação clarifica que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada
pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais e propõe, em seu art. 2o as diretrizes da
Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:
Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder
público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas
de direito privado (BRASIL, 2012, p. 1).
Essa legislação abre um novo capítulo ao processo de inclusão da pessoa com TGD,
solidificando as questões em torno do diagnóstico de TEA corroborando com as
fundamentações da Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008), ratificado no Decreto 7.611/2011. Contribuiu, certamente, para a
alteração ocorrida em 2013 na LDB, que passa a promover, a partir de então, um novo
modelo de AEE para pessoas com TGD, diferenciado e individualizado para cada aluno
diagnosticado.
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É necessário ressaltar que em 2013 foi publicado nos Estados Unidos o DSM-V e nessa revisão o conceito de
Transtorno Global do Desenvolvimento foi substituído por Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e deixou
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Conclusão
que por si só, não possibilitariam seu acesso e apropriação dos espaços físicos e saberes
simbólicos.
O objetivo deste estudo foi discutir o processo de inclusão educacional do aluno com
TGD pela perspectiva jurídica e pedagógica. A análise foi subdividida em dois grandes itens:
os movimentos internacionais e a inclusão na legislação brasileira e a inclusão do aluno com
TGD no Paraná.
No primeiro momento, discorremos sobre a importância dos movimentos sociais
internacionais na criação e reforma de legislações constitucional e infraconstitucionais para
garantir a igualdade de direitos. Iniciando pela discussão do aspecto formal e do aspecto
material do conceito de igualdade, a análise, levada a efeito neste texto, demonstra que para a
efetivação de uma sociedade democrática é necessário transformar a igualdade formal
estabelecida pela legislação em igualdade material. E, isto se dará, por ações civis e políticas
públicas efetivas. No tocante a essa influência, articulamos como os ideais e pressupostos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração de Salamanca, Sunderberg, Jomtien
e Santiago, e também pela Convenção da Guatemala foram recepcionados pelos documentos
legais nacionais.
Destacamos que a Declaração de Salamanca é um dos documentos de maior
importância no processo inclusivo, pois sua principal defesa é de que para diminuir a
discriminação e as desigualdades, os alunos com deficiências devem ser atendidos no
contexto de ensino regular, levando em consideração as suas especificidades. A discussão
indica o predomínio da declaração na redação de um capítulo exclusivo para a educação
especial na LDB de 1996.
Considerado como um marco no processo inclusivo, a Política Nacional da educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva identifica o público-alvo para o AEE e
apresenta as formas de atender e incluir esse alunado no contexto educacional. Em específico,
aos direitos do indivíduo com TGD, apresentamos também, a Lei Berenice Piana que garante
à pessoa com TEA os mesmo direitos legais das pessoas com deficiência.
Ao descrevermos o AEE ao aluno com TGD, discutimos o atendimento diferenciado
que o Estado do Paraná apresenta. Autodenominada de “inclusão responsável” as políticas
paranaenses oferecem além da SRM o PAEE no contexto de ensino regular, e ainda mantém
para os alunos com altas especificidades, a Escola de Educação Básica na Modalidade
Especial.
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REFERÊNCIAS
______. DSM IV - TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4 ed. rev.
Porto Alegre: Artmed, 2003.
______. Lei nº 12.061, de 27 de outubro de 2009. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 29 out. 2009. Seção 1, p. 1.
BRASIL. Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 04 abr. 2013. Seção 1, p. 1.
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______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27839.
______. A ciência e a cultura, Declaração mundial sobre educação para todos. 1990.
Jontiem: UNESCO, 1990.