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VIOLÊNCIA DAS/NAS ESCOLAS E A AÇÃO DA POLÍCIA MILITAR:

UMA PERSPECTIVA DE SEGURANÇA PÚBLICA COM CIDADANIA

VIOLENCE OF/IN SCHOOLS AND THE ACTION OF THE MILITARY POLICE


A PERSPECTIVE OF PUBLIC SECURITY WITH CITIZENSHIP

Reginâmio Bonifácio de Lima1*; João Marques do Nascimento2

1. Professor EBTT de História, Membro da Academia Acreana de Letras e Pesquisador no


LEEHAp da da Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre, Brasil;
2. Professor de História e aluno CHOA do CIEPS, Rio Branco, Acre, Brasil

* Autor correspondente: e-mail: reginamiobonifacio@yahoo.com.br


Recebido: 30/12/2017; Aceito: 10/07/2018

RESUMO

A violência escolar é todo ato ou ação de violência, comportamento, agressivo e antissocial,


incluindo conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos, marginalização,
discriminação, dentre outros, praticados tanto na e pela comunidade escolar quanto na e pela a
sociedade em geral. Com este trabalho objetivamos analisar a violência em ambiente escolar, como
ela se apresenta especialmente na perspectiva de distinguir a violência das escolas e nas escolas,
para perceber qual deve ser a atuação da Polícia Militar do Acre em meio a esses contextos. A
Polícia Militar tem sido de fundamental importância para a segurança nas escolas de Rio Branco
por sua atuação de forma ostensiva e preventiva; e, ao atuar em ambiente escolar, tem como alvo os
adolescentes, jovens e adultos, efetuando palestras e atividades lúdicas atrativas para os estudantes,
com foco no bom relacionamento interpessoal, cidadania, respeito ao próximo e, como estar longe
das drogas e da violência. Ao rever a literatura sobre violência das e nas escolas, há o ensejo em
verificar qual a postulação do papel constitucional de prevenção da Polícia Militar no ambiente das
relações de ensino, bem como a ação de repressão de conflitos que ensejem a presença policial.

Palavras-Chave: Violência; Escola, Polícia Militar; Segurança Pública; Cidadania.

ABSTRACT

School violence is any act or action of violence, behavior, aggression and antisocial, including
interpersonal conflicts, property damage, criminal acts, marginalization, discrimination, among
others, practiced both in and by the school community as well as in society and in general. This
work seeks to analyze violence in a school environment, as it presents itself especially in the
perspective of distinguishing violence from schools and in schools, in order to understand what
should be the performance of the Acre Military Police in the midst of these Contexts. The Military
Police has been of fundamental importance for the security in the schools of Rio Branco, for its
acting in an ostensive and preventive way. And, when acting in a school environment, is aimed at
adolescents, youths and adults, giving lectures and playful activities that are attractive to students,
focusing on good interpersonal relationships, citizenship, respect for others, and being away from
drugs and violence. When reviewing the literature on violence in and in schools, there is the
opportunity to verify the postulation of the constitutional role of prevention of the Military Police in
the environment of teaching relationships, as well as the action of repression of conflicts that lead to
police presence.

Keywords: Violence; School, Military Police; Public Security; Citizenship.

1. INTRODUÇÃO Antes de conceitos ou definições,


precisa-se ter em conta quais são os elementos
A discussão sobre a polícia na escola
causadores dessa violência e de que forma
está associada com a questão da autoridade
educadores e comunidade podem contribuir
dos adultos, levando a uma reflexão não
para amenizar o problema. Viana [2] faz uma
somente sobre o papel que se espera que
abordagem investigativa do fenômeno como
professores e demais educadores assumam em
condição necessário à solução. Pedro Silva [3]
relação aos alunos, mas também sobre o tipo
afirma que falta de afeto, valores, e modelos
de preparação que esses adultos estão
positivos sociais, assim como o abandono e
recebendo para fazer face às novas situações
negligência por parte dos pais, podem
que têm de enfrentar. A escola é, por
contribuir para que crianças e adolescentes se
excelência, local de aprendizagem e
tornem violentos.
constituição do indivíduo como cidadão.
Como hipótese ao problema que se
Contudo, a escola tornou-se um lugar onde
apresenta há a percepção de que a Polícia
efetivamente ocorrem agressões e situações
Militar do Acre necessita ter claros os eixos
envolvendo violências [1].
norteadores que preceituam sua atuação ante a
Neste trabalho busca-se desenvolver
crescente violência das/nas escolas do Estado
a temática da violência das/nas escolas e a
do Acre; e, que as atuações policiais de
atuação da Polícia Militar em uma perspectiva
prevenção e educação social em ambiente
de segurança pública.
escolar surtem maior efeito concreto que as
Ante ao exposto surge uma
ações repressivas de ação repressora de
problemática: até que ponto deve ocorrer a
violência das/nas escolas e, por isso, devem
atuação da Polícia Militar ante ao contexto de
ser enfatizadas pela Polícia Militar.
violência das/nas escolas?
Com este trabalho, objetiva-se de todos e dever do Estado e da família, será
analisar os princípios norteadores da atuação promovida e incentivada com a colaboração
policial militar ante a violência ocorrida no da sociedade, visando ao pleno
ambiente das/nas escolas. Especificamente, desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
distinguir a violência das escolas da violência o exercício da cidadania e sua qualificação
nas escolas, com a finalidade de perceber nas para o trabalho”. Essa educação é proferida
práticas escolares as ações e os procedimentos pela escola, que tem o papel de transmissão e
que a polícia pode ensejar em ambiente construção do saber, formação de cidadãos
escolar; incorporar a pesquisa de revisão que sejam capazes de respeitar o direito das
como metodologia de ensino-aprendizagem, demais pessoas e contribuir com a
criando estratégias de atuação em ambiente comunidade.
escolar através da relação entre teoria e As escolas têm sido assoladas pela
prática; e, compreender a ação da Polícia violência. Há uma onda crescente de atos de
Militar em ambiente escolar, com senso indisciplina que culminam, em última
crítico e com autonomia intelectual, instância, em homicídios em ambiente
contribuindo para as transformações da escolar. Mas essa violência não é natural da
realidade local e estadual. escola, não naturalmente construída, há outros
O Policiamento Escolar é fatores envolvidos [5].
fundamental para aproximar a Polícia Militar Percebe-se que os conceitos de
das escolas de Rio Branco. Visando à violência descrevem-se como um fenômeno
segurança da comunidade escolar, o humano, culturalmente pelas civilizações,
policiamento ostensivo utiliza o diálogo e a permeadas em suas modulações, tanto por
valorização da harmonia nas relações fatores psicológicos como sociais e culturais.
humanas, com o objetivo de interagir dentro Sendo percebe-se o termo violência escolar
de perspectivas da filosofia de Polícia como um problema que acomete o dia a dia
comunitária. da escola. Muitos problemas não podem ser
De igual modo, quanto à escola, é resolvidos a curto prazo, mas é necessário que
certo afirmar que sua função fundamental é se busque uma solução coletiva para tal.
promover a formação ética e intelectual das Além da violência física (contra
novas gerações, sendo o lugar precípuo onde pessoas e patrimônios), existe a violência
se dá a educação formal. simbólica (violência dos direitos e abuso de
De acordo com o artigo 205 da autoridade) e a incivilidade (humilhação,
Constituição Federal [4], “A educação, direito agressões verbais e falta de respeito).
O mesmo ocorre quando faltam b) Agressão física: homicídios, estupros,
ferimentos, roubos, porte de armas que ferem, sangram
mecanismos e equipamentos de segurança, o e matam.

que faz a escola recorrer à polícia em c) Violência simbólica: verbal- abuso do poder,
baseado no consentimento que se estabelece e se impõe
situações em que a segurança está em risco, mediante o uso de símbolos de autoridade;
ou seja, embora presente, a polícia tem uma institucional- marginalização, discriminação e práticas
de assujeitamento utilizadas por instituições diversas
eficácia relativa na escola. Nesse âmbito, cabe que instrumentalizam estratégias de poder.

refletir sobre a possibilidade de aprofundar a d) Violência verbal: incivilidades (pressão


psicológica), humilhações, palavras grosseiras,
análise dos elementos que sugerem essa desrespeito, intimidação ou “bullying” [8].
percepção.
Para Prioto [8] a violência “na” escola
Deve-se salientar que muitos estudos
é aquela que se produz dentro do espaço
associam a violência escolar com um
escolar, sem estar ligada à natureza e às
processo que começaria no âmbito familiar,
atividades da instituição escolar; violência
como a falta de limites e referências da
“contra” a escola é todo ato de vandalismo,
maioria dos adolescentes, a desestruturação
incêndios e destruição, roubo ou furtos do
familiar, as relações socioeconômicas, a
patrimônio como: paredes, carteiras, cadeiras,
exclusão social, ou melhor, a falta de acesso,
portas, cabos e fiação, cabos de telefone,
o tráfico de drogas, a falta de oportunidades, o
materiais e equipamentos das instituições
rápido crescimento biológico, o tempo livre e
escolares. Esses atos de violência implicam
ocioso, falta de perspectivas, falta de um
tanto aos membros da escola como a
sonho.
comunidade e estranhos à escola; e, violência
Percebe-se que tanto Abramovay [6-
“da” escola, que se caracteriza como uma
7] quanto Prioto [8] tentam identificar as
violência gerada pela instituição escolar e
causas da violência escolar, bem como
seus agentes através do trato a partir de regras
classificam e se referem ao assunto “violência
e normas estabelecidas, sendo todo tipo de
escolar”, considerando que esta denominação
práticas utilizadas pela instituição escolar que
é mais abrangente por englobar violência
prejudicam seus membros como: os fracassos
“na”, “da” e “contra” a escola. Sendo que a
escolares, falta de interesse em permanecer na
violência para ambos pode se expressar
escola, os preconceitos (racismo), a
através dos seguintes fatores:
desvalorização, a indisciplina, a expulsão, a
a) Violência física: de um indivíduo ou grupo intimidação, o ameaçar - abuso do poder
contra a integridade de outro(s) ou de grupo(s) e
também contra si mesmo, abrangendo desde os
(baseado no consentimento que se estabelece
suicídios, espancamentos de vários tipos, roubos, e se impõe mediante o uso de símbolos de
assaltos e homicídios. Além das diversas formas de
agressões sexuais:
autoridade; exemplo: avaliação, atribuição de violências das e nas escolas, para analisá-los,
notas, entrega do boletim e outros. interpretá-los e identificar suas causas. No
contexto dos procedimentos, elegemos a
abordagem de Antônio Brunetta [9], por ser
2. MATERIAL E MÉTODOS este tipo de pesquisa social com base empírica
que apresenta estreita associação com uma
A pesquisa foi realizada dentro de ação ou com a resolução de um problema
uma perspectiva de segurança pública com coletivo e no qual os pesquisadores e os
cidadania, tendo como suporte as formulações participantes representativos da situação ou
e a discussão social da propagação da problema estão envolvidos de modo atuante
experiência humana, como elemento fundante ou participativo.
para a construção de um modo de vida Segundo Karine Couto [10], a
comunitário, embasado no pensamento presença da polícia nas escolas modifica a
estrutural de Antônio Brunetta [9] e a estrutura do estabelecimento escolar e que
perspectiva da construção identitária em essa presença, em alguns casos, favoreceu à
ambiente escolar de Abramovay [6]. segregação e aos distanciamentos entre a
Adotamos uma metodologia do tipo escola e da comunidade onde estava inserida
qualitativo, uma vez que os dados dessa [10]. Destaca a autora que a presença da
natureza permitem apreender o caráter polícia militar na unidade de ensino, sem
complexo e multidimensional dos fenômenos dúvida, é um tema polêmico, ainda sem
enfocados nesta pesquisa, além de permitir consenso, marcado por ambiguidades entre
analisar variados significados das professores, alunos, policiais e estudiosos que
experiências vividas no ambiente escolar, se interessam pelo assunto.
auxiliando a compreensão das relações Não obstante seja perfeitamente
sociais. Quanto à natureza da pesquisa, observável a intensificação da relação polícia-
optamos por uma abordagem teórico-aplicada, escola, é preciso reconhecer que ainda há
aliando a investigação científica sobre a poucos estudos analisando como tem sido a
atuação da Polícia Militar em ambiente qualidade dessa relação; isso, de certa forma,
escolar e a construção de saberes voltados à indica a existência de uma imensa lacuna não
aplicação prática. só teórica, mas também em termos de
Quanto aos objetivos, esta pesquisa propostas de políticas públicas eficientes,
tem caráter revisor/explicativo, com vistas a correlacionadas a essas duas instâncias [11].
registrar fatos referentes às práticas de
Há autores que afirmam que a prisioneiros. Nesse sentido, é verdade que as
violência escolar pode ocorrer em contextos escolas se parecem um pouco com as
nos quais a escola e o bairro de onde os prisões...” [12].
alunos advêm não estão diretamente A comunidade escolar se defende
associados. Entretanto, há a necessidade como pode contra os atos de violência. A
analisar essa relação, que não é restrita ao segurança das escolas, principalmente da rede
ambiente escolar. Em geral, os conflitos pública, tem outras preocupações. Muitas
internos são associados ou oriundos da vezes, as escolas contratam agentes privados
situação de desorganização e violência do de segurança, havendo vigias que exercem
bairro no qual os estabelecimentos de ensino duas funções: a de porteiros e de protetores do
estão localizados. Isso tem reforçado a patrimônio escolar. Isso revela que outro
hipótese de que a violência escolar e o meio problema desses centros de ensino é a
ambiente formam um par indissociável. carência de pessoal encarregado por essa área.
Para Monlevade, não há receita
mágica para garantir a segurança do ambiente
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
escolar. Ela deve ser matéria de contínua
discussão, principalmente nas reuniões de seu
Ao se falar de violência em ambiente
conselho deliberativo, em que o diálogo entre
escolar, precisa-se ter em vista que esse é um
profissionais da educação, educandos e pais
conceito muito amplo, presente em quase
vai construir o caminho da solução dos mais
todas as sociedades e que só pode ser
complicados problemas. Mas, não nos
entendido de acordo com suas
esqueçamos: a segurança nas escolas depende
particularidades culturais, políticas,
de superarmos continuamente as violências na
econômicas e psicossociais [8].
comunidade e na sociedade. Daí a
Em algumas comunidades, as escolas
necessidade de praticarmos também nossa
são protegidas por muros altos, vigilância
cidadania, seja pelo engajamento nos
armada, câmeras de segurança e agentes de
movimentos sociais do bairro e da cidade
portaria, o que nos remete a um pensamento
onde moramos, seja pela participação em
produzido pelo sociólogo francês Michel
instâncias políticas mais amplas, que definem
Foucault [12], que em sua obra “Microfísica
as regras da sociedade [13].
do Poder”, ao tratar dos discursos e dos
De acordo com Prioto [8] a palavra
sujeitos dessa interdiscursividade afirma que
violência abrange um amplo conceito, que
“Não são apenas os prisioneiros que são
pode ser entendida como uma ação
tratados como crianças, mas as crianças como
diretamente associada a uma pessoa ou grupo, escola não é a única responsável pela solução
a qual interfere na integridade física, moral ou do problema, mas toda a sociedade. Observa-
cultural de uma pessoa ou de um grupo. se que as agressividades reproduzidas por
Considera-se que este fenômeno inerente à alunos podem estar relacionadas ao que eles
vida humana só pode ser explicado a partir de presenciam ou vivem dentro do convívio
determinações culturais, políticas, econômicas doméstico, familiar ou social.
e psicossociais, intrínsecas às sociedades Se faz necessário identificar os tipos
humanas. de violência sofridas pelas crianças, para
Existem formas e características para melhor compreender seus reflexos no
identificação da violência, seja ela doméstica, ambiente escolar. A violência pode ser
política, policial, religiosa, criminal, caracterizada como imposição de algo
simbólica, nas ruas, no trânsito, nas escolas, realizado por um indivíduo, grupo social a
no campo, contra o jovem, a criança, a outro indivíduo, grupo social contra a sua
mulher, o idoso, o portador de necessidades vontade.
especiais, o afrodescendente, o homossexual. Dentre os mais variados motivos que
Esse fenômeno vem assumindo preocupações podem causar violências rotineiras dentro das
e inseguranças, pois o problema vem tomando escolas, pode-se destacar a degradação ou
proporções inéditas, adentrando escolas e desestruturação familiar. Uma criança que
instituições de ensino em geral, preocupando não é educada para respeitar os outros busca
assim, diretores, alunos, professores, os pais e satisfazer suas vontades e, quando isso não
a sociedade. acontece, ela se torna violenta, por possuir a
Miriam Abramovay [7] parte do que violência como valor principal em sua
ela chama de “vulnerabilidades sociais” para personalidade. Deste modo, faltam modelos
afirmar que “A pobreza (ou as diferenças de humanamente adequados, ou seja, não-
posse da riqueza), as carências de toda ordem, violentos, para que os jovens possam segui-
a falta de perspectiva de trabalho, as los como modelos positivos e dignos.
discriminações, a disseminação das drogas A mídia, por exemplo, é um
lícitas e ilícitas, tudo isso forma um “caldo de instrumento que pode contribuir para que
cultura” que leva às violências nas salas de crianças e adolescentes reproduzam atos
aula, nos recreios, nos esportes, no entorno da violentos. Percebe-se, portanto, que os meios
escola, e que transbordam nas depredações. de comunicações têm colaborado para que a
Não se pode tratar a violência escolar violência seja vista de forma natural.
a partir de uma única causa, uma vez que a
Quando uma criança é vítima de espaço escolar e dos educadores e a violência
violência, além de reproduzi-la, pode reagir represada e revidada dos estudantes. Para que
através de uma mudança brusca de vença a ordem, fixam-se não somente regras
comportamento. Apesar de a violência ocorrer de comportamento, como punições a desvios
dentro das escolas, não é gerada pela escola em relação a:
em si, mas por fatores externos: famílias
desestruturadas, narcotráfico, conflitos a) Tempo: atrasos, ausências, interrupções de
sociais, dentre outros fatores. tarefas.
A violência escolar são
comportamentos destrutivos, agressivos, b) Maneira de ser: grosseria, desobediência.
antissociais, de dados ao patrimônio, bullying
e, até, antissociais, praticados em ambiente c) Discursos: tagarelice, insolência.
escolar ou por membros da comunidade
escolar fora dos portões da escola. Essa d) Corpo: sujeira, gestos disformes.
violência pode ser analisada a partir de
questões geográficas, comportamentais, e) Sexualidade: imodéstia, indecência.
etárias, dentre outras.
Ao perceber a violência escolar De acordo com Charlot a violência
Prioto [8] afirma que ela se dá de quatro na escola é aquela que se produz dentro do
formas distintas: a violência física, que é espaço escolar, sem estar ligada à natureza e
produzida por um indivíduo ou por um grupo às atividades da instituição escolar: quando
de indivíduos contra a integridade de outro(s); um bando entra na escola para acertar contas
a agressão física, que se efetiva por das disputas que são as do bairro, a escola é
ferimentos, sangramentos e morte; violência apenas o lugar de uma violência que teria
simbólica, que se baseia no abuso do poder, podido acontecer em qualquer outro local.
discriminação e práticas de assujeitamento, Violência da escola está ligada à natureza e às
violência verbal, exposta por incivilidades, atividades da instituição escolar: quando os
humilhações, intimidações e desrespeitos. alunos provocam incêndios, batem nos
Segundo Monlevade [13], a escola, professores ou os insultam, eles se entregam a
como o hospital, o quartel, a fábrica, vira violência que visam diretamente à instituição
espaço de controle, vigilância, onde todos são e aqueles que a representam (Grifo nosso)
enquadrados em funções, têm de ter [14].
disciplina. Daí a violência instituída do
Bernard Charlot [15] afirma que é [17], a indisciplina é configurada como
preciso contextualizar o vandalismo no quebra de regras estabelecidas por ambientes
conjunto da “violência escolar”. Ele o separa escolares, causando incômodos e perturbações
em três formas de violência, as distinguindo em seu funcionamento – podendo essa
como: indisciplina ser uma forma de manifestação
contrária às exigências ou quebras de regras e
a) Agressões físicas: golpes, ferimentos, valores que se contrapõem a adequação
violência sexual, roubos, crimes. social.
A segurança na escola nem sempre é
b) Incivilidades: humilhações, palavras feita por policiais. Em várias escolas há
grosseiras, falta de respeito. servidores que atuam como auxiliares de
ensino, porteiros, ou até mesmo seguranças.
c) Violência simbólica ou institucional: Em outras, há a função do segurança privado
percurso escolar com reprovações, conteúdos que atua na prevenção ao dano, depredação
sem sentido prático, desarticulação do e/ou violência ao patrimônio público.
currículo com o mundo do trabalho, relações Contudo, o mais comum é a utilização de
de poder dos professores sobre os alunos, equipamentos de vigilância remota, chamados
insatisfação dos educadores com salários [15]. de câmeras de segurança.
Ao estudar o funcionamento e a
Há ainda outro tipo de violência funcionalidade do monitoramento eletrônico
existente em ambiente escolar, a violência em ambiente escolar no Estado de São Paulo,
contra a escola, contudo, esse tema complexo Rodrigues [18] descreve uma realidade que é
tem um cunho mais repressivo e de ações de visível em várias escolas públicas brasileiras.
contingência, fugindo a premissa de ações de Primeiramente, a percepção de que os
policiamento preventivo. Por esse motivo aparelhos instalados tendem a servir como
principal, esse tipo de violência não será vigilância que remonte primeiramente como
objeto de nosso estudo. ato punitivo do poder maior, no caso do
Ressalta-se que existe diferença entre Gestor da escola ou da Secretaria da
violência escolar e atos de indisciplina – este Educação contra alunos, docentes,
último não sendo objeto de atuação da Polícia comunidade escolar e, finalmente, praticantes
Militar. Tanto a violência quanto a de crimes ou atos infracionais. Quanto a essa
indisciplina são desafios para a escola na formulação de vislumbre do poder, Foucault
atualidade. Para Debarbieux [16] e Caldeira [12] afirma que “Temos que deixar de
descrever sempre os efeitos de poder em de identificar e punir tipos de preconceitos
termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, existentes na escola. Na verdade, gostariam
‘recalca’, ‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, que as câmeras assumissem um papel para o
‘esconde’. Na verdade, o poder produz; ele qual não foram pensadas [18].
produz realidade; produz campos de objetos e Para Severino [19] – (...), a violência
rituais da verdade”. nas escolas é apenas consequencial. Atitudes
Para Rodrigues, as câmeras foram como investimento em segurança, ou seja,
úteis por pouco tempo, em seguida, pela baixa medidas com vigias e câmeras são
qualidade das imagens obtidas, falta de consideradas por alguns intelectuais como
manutenção e pela dificuldade de identificar agravantes.
os infratores foi, pouco a pouco, caindo em Segundo Silva [3], a UNESCO é a
desuso enquanto prática de prevenção à favor de que a comunidade faça parte da
violência. Ela elenca uma série de entraves escola, como no caso do Rio de Janeiro e
verificados em sua pesquisa que evidenciam a Pernambuco. Essa participação da
precarização do uso das câmeras e a comunicação deve ser orientada, sobretudo,
necessidade da readequação dos serviços de para as famílias, incentivando-as a participar
uso. Ela relata que para a funcionária, um dos no processo de formação dos seus filhos.
motivos para ter ocorrido o furto, foi o fato de Dado o exposto, fica o
não haver alarmes na sala já que a eficácia das questionamento: até que ponto a Polícia
câmeras é questionável. Ela ainda disse ser Militar deve estar inserida em ambiente
difícil cuidar da escola, uma vez que faltam escolar? Qual deve ser seu papel? É certo que
funcionários, e todos estavam a Constituição Brasileira discrimina o papel e
sobrecarregados em suas funções, a Função da Polícia Militar quando reza em
dificultando na segurança do prédio escolar. seu artigo 144, “A segurança pública, dever
Ainda para a maioria dos funcionários do Estado, direito e responsabilidade de
entrevistados, se as câmeras funcionassem todos, é exercida para a preservação da ordem
seriam um apoio ao serviço que se deveria pública e da incolumidade das pessoas e do
realizar na escola, pois apenas um funcionário patrimônio (...)” e, no § 5°, “Às polícias
poderia cuidar da inspeção observando as militares cabem a polícia ostensiva e a
filmagens, enquanto outros se ocupariam de preservação da ordem pública” [4]. Como isso
serviços como a limpeza, etc. Os alunos pode ser verificado na prática educacional em
acreditavam que as câmeras teriam uma ambiente escolar?
função positiva na escola se fossem capazes
Antes de observar o que foi dito, é mais bem treinados para administrar
necessário ressaltar obstáculos apresentados diferenças e conflitos. Dentro da corporação
por parte dos policiais da corporação em sua militar, a autoridade ainda deve ser respeitada
aceitação ao ambiente escolar. No início do de forma incondicional. E esse
século XX, a imagem negativa estava ligada à comportamento não é o apropriado para o
origem da constituição da polícia e à baixa ambiente educacional [22].
reputação de seus praças (os desclassificados Diante desse quadro, vale refletir
do ouro) e mais recentemente, associa a sobre algumas questões que indicam como se
imagem negativa da polícia ao período da deu a passagem do mundo da rua para o
Ditadura Militar de 1964 [20]. mundo da escola. Observa-se que a ideia de
Vários teóricos discorreram sobre o “ethos masculino“ inerente ao serviço policial
assunto com pensamentos difusos e militar torna explícita a crença em outros
contundentes. De acordo com Borges [21], policiais e em parte da sociedade de que o
Turra afirma que a aceitação de policiais nas trabalho de orientar e lecionar nas escolas
escolas se dá porque “[...] a força policial causa uma perda do traço da cultura militar.
representa o Estado e tem o respeito dos Há ainda certa discriminação por
estudantes. O constrangimento gerado pela parte de quem trabalha nas ruas perante o
presença do policial é menos nocivo do que o policial escolar. Uma tendência de avaliar a
sentimento de impotência em relação à eficácia do policiamento pelo número de
violência [...]”[21]. ocorrências atendidas, prisões e de apreensões
Há autores, como Guimarães [22], [23]. É claro que as orientações que fazem nas
que afirmam que dentre as estratégias escolas com alunos e professores não entram
utilizadas para o enfrentamento à violência no processamento.
em ambiente escolar, a mais polêmica é a Windson Oliveira [24] afirma que
inserção de policiais dentro das escolas. para os profissionais do policiamento escolar
Embora reconheça os pontos positivos fixar-se exclusivamente no interior da escola
trazidos, ele afirma que há necessidade de é quase impossível. Como sua missão é
maior treinamento dos policiais para esse fim. conseguir “detectar” os desvios antes que
Vários programas de segurança ocorram, não tem como não penetrar no
escolar elaborados pelas instituições policiais universo do aluno e, consequentemente, no da
têm tido pontos positivos, ocupando o espaço família e no da comunidade [25]. O resultado
deixado pela ausência de políticas na necessidade de reformular as estratégias de
educacionais. Mas os policiais deveriam ser
ações quanto ao policiamento escolar e significados para o presente democrático no
regiões adjacentes. interior da vida escolar capaz de sinalizar
É sabido que as escolas, nos últimos alguns valores positivos às crianças, aos
anos, enfrentam vários acontecimentos adolescentes e aos jovens.
violentos, além de serem lugares de atos de Diante de tantas possibilidades, é
vandalismo como pichações e depredações de importante não abrir mão, sobretudo da
seu patrimônio [9]. Em muitas escolas tem se discussão do fenômeno violência dentro das
tomado medidas de instalar câmeras de escolas, com naturalidade, propiciando a
segurança como forma de coibir a violência interação de todos. É importante que a
em ambiente escolar, uma vez que a violência não seja vista como um mito, como
utilização desses aparelhos pretende algo longínquo, e sim como algo presente na
adicionalmente combater a violência sociedade e ao que todos estão sujeitos.
interpessoal e os crimes de vandalismo. Muitos dos jovens violentos
advêm de famílias desestruturadas, se
4. CONCLUSÃO
consideramos que a família é a base da
sociedade. Dessa forma, as abordagens em
A escola foi pensada como espaço
torno do tema foram orientadas no sentido de
de socialização de novas gerações, operando
contribuir para uma tomada de consciência,
no sentindo da formação de humanidades
de reflexão, sobre o que pode ser feito, sobre
capazes de viverem ativamente a vida social.
a complexidade que o fenômeno constitui.
No Brasil, o significado simbólico atribuído à
Admitindo-se que para a
escolarização esteve ligado às possibilidades
manutenção da paz podem existir ações não
de ascensão social. A satisfação de
somente de prevenção, mas também de
necessidades que permitam a formação de
repressão, que levem ao uso da lei, e, em
sujeitos autônomos para a vida pública e
última instância, à apreensão de menores e à
privada exige, em parte, a apropriação dos
prisão de maiores, em ambiente escolar.
benefícios advindos da educação escolar.
Essas ações são muito mais corriqueiras do
O esgotamento do modelo de
que se imagina.
escolaridade voltada à mobilidade social
A forma como os policiais têm
convive com o enfraquecimento da
tratado a violência escolar passa por essa
capacidade socializadora da escola enquanto
ambiguidade: manutenção da paz e
instituição de formação de novas gerações.
policiamento ostensivo. Esses não são polos
Por essa razão, faz-se necessário propiciar
opostos. Ambos existem no ambiente escolar
outras formas de convivência e de novos
com o objetivo de garantir a manutenção da experiência dos processos e de atos que visam
ordem pública. à constituição de indivíduos que se
De acordo com os autores correlacionam em ambientes de práticas
supracitados, a chegada da organização sociais.
policial na escola não se deu com o Por fim, o estudo dos papéis
consentimento de toda a comunidade escolar, constitucionais da Polícia Militar e da
o que provocou intensas discussões no educação escolarizada, analisados por
interior da instituição escolar. As estudiosos, na busca por perceber e distinguir
ambiguidades e divergências demonstram a os papéis de ambas frente à crescente
necessidade de ampliar as discussões a violência em âmbito escolar, deixa claro que
respeito. É necessária a promoção de troca de o estudo e aperfeiçoamento das práticas de
experiências e formulações de propostas para ações ostensivas e repressivas do
inserção policial no ambiente da escola de policiamento escolar pode ajudar a construir
modo que seja proveitoso e satisfatório para uma dimensão mais humana da polícia.
todos membros da comunidade escolar.
Se os casos associados à violência
5. REFERÊNCIAS
são relativos à criminalidade, entende-se que
[1] ACRE. Primeiro Levantamento sobre
não caberia à escola tomar medidas para
psicotrópicos e violência infanto-juvenil de
solucioná-los, mas sim à polícia, de quem se Rio Branco. Rio Branco (AC): PMAC, 2008.
espera que cuide da segurança pública.
[2] VIANA, Nildo. Escola e violência. In:
Existem ações específicas para esse fim, o VIANA, N.; VIEIRA, R. (Org.). Educação,
cultura e sociedade: abordagens críticas da
que pode dar a entender que o poder público
escola. Goiânia: Edições Germinal, 2002.
considera a violência nos estabelecimentos
[3] SILVA, Pedro. N. Ética, indisciplina e
escolares como um problema premente, que
violência nas escolas. Petrópolis, RJ: Vozes,
exige intervenção. Ainda dentro dessa 2004.
discussão, é preciso estabelecer com clareza
[4] BRASIL. Constituição (1988).
qual é a função da polícia com base na Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
legislação.
A atuação da polícia em um [5] CRUZ, Bianca Sales; SILVA, Luana
Carla Torres da. A contribuição do Proerd
ambiente educacional instiga os policias
no combate a violência no cotidiano da
(homens e mulheres) a se conhecerem escola de Ensino Fundamental Clínio
Brandão. Rio Branco: UFAC, 2004.
enquanto seres humanos, enquanto os
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