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1 Introdução
Não é difícil constatar a crescente aceitação de uma idéia holística de saúde, rela-
cionada ao exercício físico, mental e espiritual entre grupos e indivíduos ecologicamente
orientados. O anseio por esse ideal de saúde tem se tornado constitutivo de várias práticas
ecológicas, tais como caminhadas, montanhismo, trilhas, turismo ecológico, assim como
de práticas religiosas de peregrinações, vivências, meditação, rituais xamânicos. Na mesma
direção, também se torna freqüente para um conjunto de práticas de espiritualidade a
evocação de uma ascese ecológica, no sentido da internalização de sentimentos e procedi-
mentos ecológicos que passam a ser vistos, nesse contexto, como mediação religiosa na busca
do sagrado. Desta forma, hábitos ecológicos de cuidado responsável para com o ambiente e
a natureza passam a fazer parte de sistemas de crenças religiosas que visam situar o sujeito
no mundo, na sociedade e na natureza, e ao mesmo tempo de uma experiência do sagrado,
no sentido de que a reconexão com a natureza passa a fazer parte de um sistema de crenças
ecológicas. A convergência entre estes dois universos de práticas parece indicar horizontes
Doutora em educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Canos,
1
RS, Brasil.
Antropologia, Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre - RS,
2
Brasil.
Autor para correspondência: Isabel Cristina Moura Carvalho, Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Av. Farroupilha,
8.001, Prédio 14, sala 217, Bairro São José, CEP 92425-900, Canoas - RS, Brasil, E-mail: icmcarvalho@uol.com.br
Recebido: 26/11/2007. Aceito: 17/5/2008.
4 A “carne” do mundo
A abordagem fenomenológica apresenta-se como um caminho que buscaremos
trilhar na direção do aprofundamento das conexões entre self e ambiente. Esse caminho,
por sua vez, encontra na contribuição de Merleau-Ponty o ponto de partida e as balizas que
o orientam. Desde o seu trabalho clássico A Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty
(1971) preocupa-se em se afastar de uma visão cognitivista dos processos perceptivos e
afirmar uma compreensão articuladora do estar no mundo enquanto um habitar, mediado
pela corporeidade. Ao tratar dos processos perceptivos, ele leva em conta as dimensões
física do ambiente e biológica do corpo sem, no entanto, aceitar as explicações reducionistas
da percepção como um processo orgânico ou mental. Essas dimensões não são negadas, mas
situadas dentro de um círculo virtuoso, no qual sujeito e objeto constituem-se mutuamente
numa prática ao mesmo tempo criativa e estruturada. Ou seja, desde essa perspectiva, o
sujeito, ao mesmo tempo em que age em direção ao mundo e aos objetos, também é cons-
tituído pelo mundo e pelos objetos em direção aos quais ele se move. Para Merleau-Ponty,
o mundo sustenta o corpo do sujeito e se move com ele, demarcando o seu campo da
exploração perceptual e experiencial. Como condição corporal do sujeito, o mundo é expe-
rienciado como constitutivo do sujeito-corpo que o habita e não mais apenas como um
referente externo e objetivo aos sujeitos que nele se movem.
Abram (1996), num instigante artigo sobre Merleau-Ponty e a questão ambiental,
argumenta em favor da contribuição da fenomenologia, particularmente no último trabalho
de Merleau-Ponty, O visível e o invisível, como fundamento para uma filosofia da natureza
que aponta para a possibilidade de superação dos impasses da ecologia herdeira da tradição
biológica mecanicista na compreensão da relação sujeito humano e ambiente:
Nossa civilizada desconfiança dos sentidos e do corpo engendra um desco-
lamento metafísico do mundo sensível – isso alimenta a ilusão de que nós
mesmos não fazemos parte do mundo que estudamos, do qual podemos nos
manter à parte, como espectadores, e assim determinar seu funcionamento
desde fora. Uma renovada atenção para a experiência corporal, no entanto,
cipal referência para introduzir a questão da cultura na relação entre o corpo humano e a
carne do mundo. Na perspectiva desse autor, mais do que um conceito, a corporeidade é
uma proposta paradigmática que visa colapsar dicotomias tais como indivíduo/sociedade,
mente/corpo, prática/estrutura, natureza/cultura, sem negar a tensão e a alteridade entre
estes pólos da experiência dos seres no mundo.
A corporeidade, na acepção de Csordas, funda-se especialmente na análise da
percepção de Merleau-Ponty e na teoria da prática social formulada por Pierre Bourdieu.
Seu projeto teórico, como ele mesmo afirma, “começa com um exame crítico dessas duas
teorias da corporeidade: Maurice Merleau-Ponty (1962), que elabora a corporeidade na
problemática da percepção, e Pierre Bourdieu (1977), que situa a corporeidade num discurso
antropológico da prática” (CSORDAS, 2002, p. 58). Assim, enquanto a teoria da percepção
de Merleau-Ponty será a principal referência para a superação da dualidade sujeito-objeto,
a teoria da ação de Bourdieu vai permitir-lhe questionar a dualidade estrutura-prática. Na
leitura de Csordas desses autores,
(...) ambos tentam não mediar, mas colapsar as dualidades, e a corporeidade
é o princípio metodológico invocado por ambos. O colapso das dualidades
na corporeidade exige que o corpo enquanto figura metodológica seja ele
mesmo não-dualista, isto é, não distinto de – ou em interação com – um
princípio antagônico da mente. Assim, para Merleau-Ponty o corpo é um
“contexto em relação ao mundo”, e a consciência é o corpo se projetando
no mundo; para Bourdieu, o corpo socialmente informado é o “princípio
gerador e unificador de todas as práticas”, e a consciência é uma forma
de cálculo estratégico fundido com um sistema de potencialidades obje-
tivas. Eu devo elaborar brevemente estas visões como estão sintetizadas
no conceito de pré-objetivo de Merleau-Ponty e no conceito de habitus de
Bourdieu (CSORDAS, 2002, p. 60).
Na esteira, portanto, da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty (1962),
Csordas argumenta a favor da experiência corporal como ponto de partida para a análise
cultural, a qual encontra no nível pré-objetivo a base existencial para as elaborações lingü-
ísticas e interpretativas da experiência dos seres humanos no mundo. Segundo Csordas, no
entanto, o pré-objetivo não significa um momento anterior à cultura, mas à maneira como
os sujeitos engajam-se espontaneamente no mundo e na vida cotidiana6. Assim, como o
próprio Merleau-Ponty argumenta, os objetos culturais, não menos do que objetos natu-
rais como pedras ou árvores, são os produtos finais de um processo de abstração de uma
consciência perceptiva na qual o corpo humano sensiente é uma abertura para um campo
indeterminado, irrestrito e inesgotável: o mundo (CSORDAS, 2002).
Central ao seu propósito é compreender que o corpo da pessoa não é de forma
alguma um objeto, mas sempre o sujeito da percepção. A pessoa não percebe o próprio
corpo; a pessoa é seu corpo e percebe com ele tanto no sentido de ser uma ferramenta
perfeitamente familiar (MAUSS, 1950) como no sentido de ser self e corpo, perfeitamente
coexistentes. Assim, perceber um corpo como um objeto é ter desenvolvido um processo de
abstração a partir da experiência perceptiva. De certa maneira, cabe aos sujeitos sensientes
atravessar os seus sentidos em direção ao mundo, ao invés de perceber o mundo através dos
sentidos; os sentidos estão no caminho entre o sujeito e o mundo. O corpo surge então como
“o solo existencial da cultura” (CSORDAS, 2002, p. 4), onde se articulam sujeito e objeto,
conhecimento e autoconhecimento, subjetividade e alteridade. A corporeidade é a síntese
desta encarnação da cultura que constitui os seres humanos historicamente situados e o
lócus privilegiado de articulação da dualidade sujeito e objeto e seus sucedâneos, tal como
propõe a noção de círculo hermenêutico. Desde essa perspectiva, segundo Csordas:
O corpo não é apenas biológico, mas igualmente religioso, lingüístico,
histórico, cognitivo, emocional e artístico [e eu acrescentaria, ecológico].
Por outro lado, se a linguagem pode ser apresentada daqui para diante
como uma expressão da corporeidade (embodiment) e não como função
representativa do Cogito Cartesiano, torna-se claro que já não se trata de
definir cultura apenas em termos de símbolos, esquemas, regras, costumes,
textos ou comunicação, mas igualmente em termos de sentido, movimento,
inter-subjetividade, especialidade, hábito, desejo, evocação e intuição. A
convergência destas duas realizações levam-me à conceitualização do self
baseado na corporeidade (embodiment). O argumento é que, pelo colapso
da distinção entre corpo e mente, sujeito e objeto, a linguagem se torna
compreensível tal como um processo do self quando ela é vista não como
uma representação, mas como instituição de um modo de ser no mundo
(CSORDAS, 2002, p .4).
7 Comportamento ambiental
O conceito de comportamento ambiental elaborado por Hallowell nos anos 1950
é de certa forma fundacional para a abordagem que estamos sugerindo10. Por meio desse
conceito, Hallowell chama a atenção para o entrelaçamento do sujeito com seu meio,
produzindo um ambiente que é desde sempre relacional. Nesse sentido, o ambiente não é
externo ao organismo, mas o continente que o envolve e que dá sentido às ações humanas
e não humanas.
O conceito de comportamento ambiental leva em conta as propriedades
e necessidades de adaptação do organismo na interação com o mundo
externo enquanto constituinte do campo comportamental real no qual
as atividades de um ser [humano ou não humano] se tornariam mais
inteligíveis (HALLOWELL, 1974, p. 87).
Ao demarcar a ação como unidade generativa da relação entre o sujeito e seu
meio, Hallowell aponta para a superação da dicotomia interno-externo e argumenta no
sentido de que “considerar a pele humana como a fronteira entre individuo e o mundo
é irrelevante para a psicologia” (HALLOWELL, 1974, p. 87). A partir dessa premissa,
propõe que “o organismo e seu meio sejam considerados juntos, como uma única criatura,
fazendo com que a interação ambiental torne-se a unidade mínima que convém à psico-
logia” (HALLOWELL, 1974, p. 88). Ao usar a expressão “meio ambiente comportamental
culturalmente constituído”, ao invés de falar que habitamos um ambiente social ou cultural,
Hallowell contrapõe-se ao que ele chama de objetivismo cultural, onde a dimensão expe-
riencial dos sujeitos fica subsumida nas estruturas e instituições. Sua noção de cultura, ao
enfatizar a dimensão ativa do ambiente e a ação dos sujeitos, no seu engajamento no mundo,
antecipa de alguma forma, a noção de taskscape11 elaborada por Ingold como uma modali-
dade relacional que constitui sujeito e ambiente12.
A ênfase na ação e na experiência vivida dos indivíduos em seu meio ambiente
como aspectos centrais da cultura, destaca a aproximação entre o trabalho da natureza e o
da cultura, entre o processo evolutivo e o histórico. Nesse mesmo sentido, Csordas (2002)
chama a atenção para a aproximação do conceito de Hallowell com a fenomenologia merle-
aupontiana, para o qual a noção de tarefa (task) apresenta-se como central para a percepção
como engajamento dos seres humanos e não humanos com o mundo. Como afirma Merleau-
Ponty, “eu estou na tarefa (task) mais do que confrontado com ela” (1962, p. 416). Portanto,
temos na articulação entre percepção e prática e entre self e comportamento ambiental
elaborada por Hallowell uma contribuição fundamental para a antropologia fenomenoló-
gica.
O conceito [comportamento ambiental] não apenas localiza o indivíduo
na cultura, relacionando comportamento e mundo objetivo, mas também
vincula processos perceptivos com restrições sociais e significados culturais.
Assim, o foco da formulação de Hallowell era “orientação” em relação a
self, objetos, tempo e espaço, motivação e normas. Neste sentido é que
o termo “prática” é relevante para a descrição da questão de Hallowell
(CSORDAS, 2002, p. 59).
A cultura, na perspectiva de Hallowell, é tomada como um recurso que provê as
orientações básicas para que um indivíduo possa agir no seu ambiente13. Sua compreensão,
no entanto, nada tem em comum com a tradição comportamental também chamada de
ambientalista no campo da psicologia. Bem diferente da psicologia comportamental ou
ambientalista, que toma a noção de ambiente como meio externo e confere aos estímulos
ambientais a determinação dos comportamentos, para Hallowell, a unidade mínima da
compreensão da experiência é a interação.
8 A mente ecológica
O conceito de mente ecológica de Bateson apresenta-se como uma outra referência
fundamental para o desenvolvimento de nossa argumentação. Ao afirmar que a mente
não está presa à caixa craniana, mas se projeta no meio ambiente, conectando as coisas
no mundo, inclusive os sujeitos humanos, Bateson não está propondo uma metáfora. Ao
postular uma mente que transcende o indivíduo, da qual a mente individual é apenas um
subsistema, Bateson desencadeia uma virada ecológica com conseqüências significativas
para a área da antropologia e da psicologia humana.
Da vasta e criativa contribuição de Bateson, para nosso argumento neste artigo inte-
ressa destacar os rebatimentos da ampliação da mente para a espiritualidade associada à
natureza ou à paisagem. Ainda que até o final de sua vida tivesse mantido-se agnóstico,
Bateson esteve próximo das tradições religiosas, especialmente do budismo e da Nova Era14.
Sua reflexão sobre a experiência religiosa, embora apresente traços existenciais que remetem
à linguagem mística, foi elaborada dentro dos marcos conceituais da ciência. Assim, ao
aproximar a sua concepção de mente (ecológica) da noção de Deus, ele afirma que: “[a
mente] é talvez o que algumas pessoas imaginam como Deus, mas isto é ainda imanente na
totalidade do sistema social interconectado no sistema planetário ecológico” (BATESON,
1972, p. 467). Ao refletir sobre a morte, a idéia da mente ecológica projeta-se para além da
existência individual dos sujeitos humanos:
E por último existe a morte. É incompreensível que numa sociedade
que separa a mente do corpo, nós também deveríamos tentar esquecer a
engajamento dos sujeitos no mundo, ao mesmo tempo em que remete à alteridade radical
da subjetividade humana.
Assim, na trilha de Bateson, que identifica na tensão entre a dimensão individual e
ecológica o lócus da constituição dos sujeitos humanos, e da antropologia fenomenológica,
que destaca o papel do corpo como ponte no engajamento dos sujeitos no mundo, queremos
chamar a atenção para a paisagem, enquanto corpo do mundo, como o continente da mente
e a ponte que mantém a alteridade radical da experiência dos seres que habitam o mundo
que os envolve como uma totalidade englobante. Ou seja, colapsam-se as dicotomias mente-
corpo, mente-meio ambiente, dentro-fora, sujeito-objeto sem se negar a alteridade.
Referências bibliográficas
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ABRAM, D. Merleau-Ponty and the voice of the Earth. In: Macauley, D. (Ed.). Minding nature. The
philosophers of ecology. New York, London: The Guildford Press, 1996.
BATESON, G. Steps to an ecology of mind: collected essays in anthropology, psychiatry, evolution and
epistemology. New York: Ballatine Books, 1972.
______. Mind and nature. A necessary unity. 2 ed. Toronto, New York, London: Bantam Books, 1980.
Original edition, 1979.
BOURDIEU, P. Outline of a theory of practrice. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.
CAMPBELL, C. A orientalização do Ocidente: reflexões sobre uma nova teodicéia para um novo milênio.
Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 5-22, 1997.
Notas
1
A expressão cultivo de si encontra certa analogia com os conceitos de cuidado de si, ou de tecnologias
de si, de Foucault (1985), na medida em que implica em um modo de regulação do self que expressa
certa ética e estética da existência. Contudo, mesmo tendo aí uma aproximação semântica, a noção de
cultivo de si não incorpora a estrutura das categorias foucaltianas que são constituídas como disposi-
tivos de poder modelados por uma moral sexual que inscrevem o sujeito numa ordem disciplinar.
2
Segundo Gable e Handler, o mundo pós-autêntico caracteriza-se por “uma imagem permanente da
ansiedade moderna de que o mundo que habitamos não é mais autêntico – que ele se tornou uma
imitação falsa (fake), plástica e kitsh (kitschy)” (GABLE, 2006).
3
Uma retomada da discussão sobre a relação natureza e cultura pode ser encontrada de uma forma
inovadora e crítica no livro de Tim Ingold, The perception of the environment, que guiará em grande
parte a nossa reflexão (INGOLD, 2000).
4
Acreditamos que essas contribuições antecipam e preparam o caminho para os desdobramentos mais
contemporâneos voltados às proposições de epistemologias ecológicas em trabalhos como de Gibson
(1977; 1979) onde se destaca a idéia de sustentação (affordance) do ambiente e Rappaport (1979) que,
na continuidade dos estudos de Bateson, elabora o conceito de cognized environment.
5
Segundo Abram, Merleau-Ponty nunca ultrapassou o limite que demarca a diferença entre o humano
e o não-humano. Embora a sua noção de self possa sugerir isso, ele nunca explicitou esta oposição
(ABRAM, 1996, p. 89).
6
Como o próprio Csordas esclarece, “ao começar assim com o pré-objetivo, não estamos postulando um
pré-cultural, mas um pré-abstrato. O conceito oferece à análise cultural o processo humano em aberto
de assumir e habitar o mundo cultural no qual nossa existência transcende mas permanece enraizada
nas situações de fato” (CSORDAS, 2002, p.61).
7
O conceito de habitus foi introduzido, segundo Csordas, por Mauss em seu ensaio seminal sobre as
técnicas do corpo, para se referir à soma total de usos culturalmente padronizados do corpo numa
sociedade (MAUSS, 1950). Para Mauss, foi um modo de organizar o que de outra maneira seria uma
miscelânea de comportamentos culturais padronizados, merecendo apenas um parágrafo de elabo-
ração. Ainda assim, Mauss antecipou como um paradigma da corporeidade pode mediar dualidades
fundamentais (mente-corpo, signo-significação, existência-ser) em sua declaração de que o corpo é
simultaneamente o objeto original sobre o qual o trabalho da cultura desenvolve-se, e a ferramenta
original com a qual aquele trabalho realiza-se (MAUSS, 1950, p. 372). É, de uma vez, um objeto da
técnica, um meio técnico e a origem subjetiva da técnica (CSORDAS, 2002, p. 62).
8
Propomos aqui um desdobramento do paradigma da corporeidade, proposto por Csordas no horizonte
da antropologia psicológica, para o horizonte da ecologia. E, para dar conta das implicações que acarreta
essa passagem, nossa hipótese é a de que o conceito de paisagem é mais adequado do que o do corpo, na
medida em que ele remete à totalidade do corpo do mundo, ou à carne, como nomeia Merleau-Ponty,
em O visível e o invisível.
9
Aqui Abram refere-se à tradição fenomenológica, principalmente desde Husserl, à noção de “Terra
como o arco original”, e à Heideggger e à sua visão da “Terra como elemento nunca revelado em
contraposição ao céu” (ABRAM, 1996, p. 87).
10
Csordas identifica uma aproximação entre a abordagem fenomenológica que embasa o paradigma da
corporeidade (embodiment) e a relevância da prática orientada para o mundo, presente no conceito de
comportamento ambiental de Hallowell.
A substituição de land (terra) por task (ação, trabalho) no vocábulo (landscape-taskscape) é um recurso
11
que permite ao autor enfatizar a ação em contraposição a um olhar sobre a paisagem que a compreende
como um elemento externo aos indivíduos ou um palco onde se processaria o drama da cultura.
E se task é compreendida aqui como “uma ação prática, realizada por um agente habilitado (skilled) em
12
um meio ambiente como parte do que constitui suas ocupações cotidianas”, a taskscape é definida por
Ingold como “o conjunto de atividades entrelaçadas” (INGOLD, 2000, p. 195). Assim, o que somos
convidados a ver na paisagem é mais a ação de humanos e não-humanos entrelaçando-se e confor-
mando seus contornos e horizontes e menos a natureza passiva e intocada sobre a qual os humanos
inscreveriam a ação da cultura.
Para Hallowell, são cinco as orientações básicas: auto-orientação (self orientation), orientação objetal
13
incorporação de religiões orientais. Como conta sua filha, quando Bateson adoeceu recolheu-se em
Esalen até o agravamento de sua enfermidade, quando teve que decidir se passaria os seus últimos dias
num centro budista ou num hospital. A escolha, adiada até o último momento, foi feita pela filha que
o levou a um hospital.
Númeno, como define Abbagnano (1998), é um termo introduzido por Kant para designar o objeto do
15
conhecimento intelectual (a coisa em si). Remete a uma realidade que não pode ser objeto da sensibi-
lidade (intuição sensível), mas apenas do conhecimento inteligível. O númeno opõe-se ao fenômeno
que está ao alcance da experiência sensível.