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O que aconteceu com os negros

alemães durante o nazismo


Poucos conhecem o destino da comunidade de origem
africana na Alemanha após a conquista do poder por
Adolf Hitler, em 1933.

Adolf Hitler e Heinrich Himmler revistam tropas das SS — Foto: Associated Press

Em meio à polêmica envolvendo supremacistas brancos nos Estados Unidos,


após o confronto durante a manifestação em Charloteesville, na Virgínia, neste
fim de semana, voltam à tona nas redes sociais discussões e interpretações
históricas relacionadas a movimentos racistas -- entre eles aquele que é
possivelmente o mais notório, o nazismo.
A história das perseguições nazistas contra minorias étnicas, linguísticas,
religiosas e políticas, bem como outras partes da população alemã, é bem
conhecida, documentada e relembrada nos livros de história do mundo inteiro.
Entretanto, há uma categoria específica de vítimas cujo destino trágico foi
pouco contado e muitas vezes não é incluído nos grupos perseguidos por Adolf
Hitler.
É o caso dos alemães negros que viviam na Alemanha antes da tomada de
poder do Führer.
Comunidades históricas
Quando Hitler chegou até a Chancelaria do Reich, em 1933, havia milhares de
negros que viviam na Alemanha, embora o exato número nunca tenha sido
calculado por censos. As estimativas, portanto, variam muito.
A comunidade alemã negra ainda estava se formando em 1933. Na maioria
das vezes eram famílias de alemães de primeira geração, ou seja imigrantes
africanos com crianças nascidas na Alemanha, mas que ainda não tinham
atingido a maioridade.
Nesse sentido, a comunidade negra alemã da época era semelhante à da
França e do Reino Unido – ou seja, formadas, principalmente, por famílias de
homens e mulheres vindos das colônias africanas e asiáticas desses impérios.
O núcleo desta pequena comunidade era formado por um grupo de homens
africanos e de suas mulheres alemãs. Essas pessoas vieram principalmente
das colônias africanas pertencentes à Alemanha entre 1884, o ano de
fundação do império colonial alemão, e 1919, quando Berlim, no tratado de
Versalhes que decretou o fim da Primeira Guerra Mundial, perdeu todos os
seus territórios ultramarinos.
Além disso, havia entre 600 e 800 crianças nascidas de relacionamentos entre
mulheres alemãs e soldados das tropas coloniais francesas - constituídos, em
sua maioria por africanos.
Essas unidades militares faziam parte das tropas de ocupação que Paris
enviou à Renânia, uma área industrial no oeste da Alemanha, para impor o
cumprimento do Tratado de Versalhes.
As tropas francesas se retiraram somente em 1930, e a região foi
desmilitarizada, até que Hitler enviou tropas alemãs em 1936, violando o
Tratado de Versalhes.
Esta comunidade negra alemã estava dispersa em toda a Alemanha e era
ligada, em muitos casos, a associações e organizações comunistas e
antirracistas.

Leis de Nuremberg
As leis raciais de Nuremberg de 1935, as chamadas "leis para a proteção do
sangue e da honra alemãs" – que privaram os judeus alemães de sua
nacionalidade e lhe proibiram de se casar ou de ter relações sexuais com
pessoas do "sangue alemão" – também foram aplicadas à nascente
comunidade negra na Alemanha.
Essas pessoas foram, de fato, consideradas de "sangue estrangeiro" e sujeitas
às leis de Nuremberg.
A partir desse momento, apesar de os negros alemães terem nascido na
Alemanha e serem filhos de cidadãos alemães, a concessão de cidadania a
essas pessoas tornou-se impossível. Os nazistas chegaram a lhe entregar
passaportes, chamando-os de "negros apátridas", negros sem pátria.
Isso deixou impossível para eles achar um emprego formal. Alguns foram
usados como trabalhadores forçados e classificados como "trabalhadores
estrangeiros" durante a Segunda Guerra Mundial.
Outros foram usados como figurantes e atores de filmes de propaganda nazista
sobre as colônias africanas perdidas pela Alemanha. Estes tipos de empregos
tornaram-se uma das poucas fontes de renda disponíveis para essas pessoas.
Em 1941, as crianças negras foram oficialmente excluídas das escolas públicas
de toda a Alemanha, mas a maioria sofreu abusos raciais em suas salas de
aula muito antes disso. Alguns foram forçados a sair da escola e nenhum foi
autorizado a cursar universidades ou escolas profissionais.
Entrevistas e memórias escritas por homens e mulheres negros alemães,
assim como reivindicações de compensações econômicas apresentadas
depois do fim da Segunda Guerra Mundial, testemunham essas experiências
compartilhadas por muitos negros alemães.
Livros como "Black Germany – The Making and Unmaking of a Diaspora
Community, 1884–1960" (Alemanhã negra – A criação e a destruição de uma
comunidade da diáspora, 1884-1960, sem tradução para o português), dos
professores Robbie Aitken, da Universidade Sheffield Hallam, e Eve Rosenhaft,
da Universidade de Liverpool, contam essa história.

Nazistas preocupados
O medo nazista do risco de "poluição racial" levou a um dos principais crimes
cometidos por Hitler contra esta comunidade: a esterilização.
Os casais chamados "mistos" foram obrigados a se separar. Quando uma
mulher alemã branca solicitava uma licença-maternidade ou ficava grávida de
um alemão nascido na África, o parceiro era imediatamente forçado à
esterilização.
Em 1937, uma operação secreta nazista foi além: cerca de 400 crianças negras
da Renânia foram esterilizadas contra a vontade de seus pais. Por causa
dessas perseguições, muitos negros fugiram da Alemanha.
Entretanto, poucos alemães de origem africana foram realmente internados em
campos de concentração. De acordo com as últimas pesquisas históricas, não
mais de 20 membros da comunidade negra alemã foram levados por nazistas e
uma pessoa morreu no programa de extermínio de pessoas com desabilidades,
dentro do programa que os nazistas chamaram de “Aktion T4”.
O único alemão negro que foi enviado para um campo de concentração, não
por razões políticas, foi Gert Schramm, internado em Buchenwald por causa da
cor de sua pele aos 15 anos, em 1944. Ele escreveu um livro "Ein schwarzer
Deutscher erzählt sein Leben" ("Um alemão negro conta de sua vida", sem
tradução em portugês), relatando sua experiência dramática.
A maioria dos alemães negros foi preso por razões políticas ou pelo chamado
“comportamento antissocial”, como a homossexualidade.
De acordo com os nazistas, a própria cor da pele identificava uma pessoa
pertencente a esta comunidade como um sujeito "diferente" dos outros
alemães. Por isso, uma vez presas, essas pessoas não eram mais liberadas.
Um comportamento que mostra como, mais do que vítimas de uma
perseguição nazista, a comunidade negra alemã foi perseguida pelo racismo
espalhado nas sociedades europeias da época.

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