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AMOR FEINHO

Eu quero amor feinho.


Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é
magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor
da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica
velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos
olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.

( Adélia Prado )
Agora, ó José conta
O que tu sentes,
José?
É teu destino, ó José, O que te salva da
a esta hora da tarde, vida
se encostar na é a vida mesma, ó
parede, José,
as mãos para trás. e o que sobre ela
Teu paletó abotoado está escrito
de outro frio te a rogo de tua fé:
guarda, “No meio do caminho
enfeita com três tinha uma pedra”
botões “Tu és pedra e sobre
tua paciência dura. esta pedra”.
A mulher que tens, A pedra, ó José, a
tão histérica, pedra.
tão histórica, Resiste, ó José.
desanima. Deita, José,
Mas, ó José, o que Dorme com tua
fazes? mulher,
Passeias no gira a aldraba de
quarteirão ferro pesadíssima.
o teu passeio O reino do céu é
maneiro semelhante a um
e olhas assim e homem
pensas, como você, José.
o modo de olhar tão
pálido. ( Adélia Prado )
Por improvável não
Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,


desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem
dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a
sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra
homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

( Adélia Prado )
Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa
toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos
numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente
amanhecendo.

( Adélia Prado )

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