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O que é um Ideal?

É fundamental que tratemos de definir, no possível, o que é um Ideal. Um Ideal é um Ser que mora em uma
dimensão superior à que está colocada nossa consciência corrente. Somente se colocarmos a Alma na ponta dos
pés, se a projetarmos em um salto para o alto, conseguiremos vislumbrar, mais ou menos fugazmente, o Ideal.
Refiro-me ao Ideal propriamente dito. Eu relaciono o meu conceito de Ideal com o que Platão expressou sobre os
arquétipos. O Ideal é o modelo celeste que chama e reclama da sua sombra terrestre uma cada vez maior perfeição
para parecer-se com ele o mais possível. É, portanto, uma finalidade e demarca um caminho, uma linha de tensão da
consciência entre seu lugar natural e seu lugar superior escolhido, pois a consciência espiritual tende a identificar-se
com o Ideal.
O Ideal é aparentemente “subjetivo”, pois subjetividades e objetividades são relativas, e estas características
existem uma em presença da outra, como o grande e o pequeno, o novo e o velho, acima e abaixo etc. Não
depreciemos, porém, estas relatividades, pois nosso Eu carrega uma inércia de acumulação de dados e orientação
os mesmos. Peguemos o mapa do mundo e coloquemos o Sul para cima e o Norte para baixo. Veremos, com
surpresa, que, a duras penas, reconhecemos algo tão comum para nós. É que identificamos o Norte como “acima” e
o Sul como “abaixo”. Porém, como no espaço, na verdade, não existe nem acima nem abaixo, tanto faz pôr a zona
ártica acima ou abaixo; Norte acima. Obviamente, este exemplo não é totalmente aplicável ao Ideal e à sua sombra
múltipla nos distintos graus de consciência, porém pode nos dar uma ideia aproximada de nossas limitações mentais
e dos falsos obstáculos que a mente coloca no caminho do conhecimento.
Um Ideal é algo que, embora esporadicamente o vejamos com certa claridade, deve iluminar toda a nossa
vida, como o Sol, o qual muito poucas vezes olhamos diretamente, mas sempre sabemos onde está e vemos sua
ação sobre nós mesmos a à nossa volta. Assim, se o puro Ideal se percebe unicamente em momentos de “Teofania”,
e nem todo mundo pode tê-los, suas “reverberações”, em volta de cada pessoa ou de um grupo de pessoas que
sigam esse Ideal devem estar sempre presentes. Deve-se ver o Ideal em cada pássaro, em cada flor, em cada onda
do mar. Ao acordar, devemos dedicar-lhe espontaneamente o primeiro pensamento e será o último, à noite,
relacionado ao Ideal. Quando se persegue um Ideal, pensa-se nele e, portanto, vive-se em sua atmosfera: façamos o
que façamos, está no fundo da taça; relacionamo-lo com cada incidente que se passa conosco; vemo-lo por cima da
pessoa amada quando a amamos e na mira do fuzil quando disparamos; na fricção das correntes de ferro dos navios
e no levíssimo farfalhar que produz uma folha ao cair sobre a areia. O Ideal justifica o berço e o ataúde; pelo Ideal se
vive e pelo Ideal se morre. Não há glória maior que servir ao Ideal ao qual nos entregamos de Alma, nem maior
infâmia do que lhe dar as costas. Trair o Ideal é trair a si mesmo, produzir no peito um vazio frio muito mais gélido
que todas as mortes. Um Ideal é pararracional; nós o racionalizamos, porém, isso não basta. Há que vivê-lo
plenamente em todos os planos de consciência; em todas das possibilidades e em todos os momentos.
Um Ideal não é a soma de perfeições que concebemos, mas a raiz metafísica que provocou em nós essa
consciência de perfeição.
Não existe o Ideal da rosa, mas sim, como o pensamento platônico indica, é ele que está na rosa; e a beleza que
percebemos na flor é, precisamente, o Ideal nessa flor.

Pergunta: são colocados diante de nós alguns problemas, por exemplo: o materialista tem um ideal de conforto e por
ele luta e até chega a matar e ser morto. Isso é seu verdadeiro Ideal?

Não se pode confundir o Ideal – que, conforme lhes disse, é um Arquétipo, não construído por nós, mas que
vislumbramos ou captamos -, com as aspirações individuais ou coletivas que se convertem em um totem, construído
pelos próprios homens, e mesmo que ponha nele o melhor de si mesmos, jamais será mais elevado que os próprios
anseios que o edificaram e sofrerá as limitações de seus construtores. Um dique, um arranha-céu, um avião, antes
de serem construídos, conformam um tipo de falso ideal. Porém, é válido quanto a realização desses projetos. Prefiro
chamá-los de “projetos” ou “anseios” a ideias, pois o Ideal é sempre espiritual, mesmo que englobe todos os planos,
enquanto tudo é espírito. O “projeto” se constrói de baixo para cima, com base em necessidades mais ou menos
corporais, enquanto o Ideal se percebe além de toda corporeidade, é sempre inegoísta e sua funcionalidade é
sempre secundária.
Poderíamos dizer que há ideias de diferentes tamanhos, porém isto seria falso. Não se trata de tamanhos, mas de
essências. Uma coisa é o desejo de ganhar muito dinheiro ou o projeto de fazer uma mesa e outro muito diferente é
o Ideal de projetar no mundo uma Ordem fundamentada no Bom, no Justo e no Belo. O Ideal é sempre universal,
conjugado à Natureza e a Deus. O que não veem na Natureza a obra maravilhosa do Pensador, nem percebem
Deus além disso, jamais podem conceber o Ideal em sua verdadeira dimensão. Todo o resto são estatuetas
psíquicas fabricadas de apetites e insatisfações. O Ideal permanece uma vez alcançado e gera outro Ideal mais
elevado; o projeto, quando alcançado, corporifica-se, cristaliza-se e perece, pois é, no fundo, de natureza material e,
uma vez satisfeita a necessidade que o gerou, cessa de ser. Pode dar satisfação, mas jamais Glória, nem nenhum
estado de Graça

Pergunta: Então, o projeto ou ideal, como vulgarmente se chama, de uma conquista materialista é inválido?

Nada é totalmente inválido. Mesmo o menor projeto ou ideal popular, que se persegue e se plasma
corretamente, pode dar resultados positivos em alguma dimensão, ainda que não seja na que chamamos
correntemente “espiritual”. O projeto de um automóvel, se este funciona bem, vende-se barato e dura vários anos,
não deixa de dar vantagens e de aliviar o percurso das pessoas. Mas os que participam desse projeto e o fabricam
não serão modificados, pelo menos de maneira suficiente para que chamemos esse projeto de Ideal.
Uma das características do Ideal Arquetípico é que transforma aqueles que o seguem, os aperfeiçoa à
medida que se impregnam dele, os faz ascender na evolução da consciência, desenvolve suas Ocultas Potências
espirituais e abre novos horizontes além do estritamente físico. Um processo alquímico de verdadeira “mutação”
ocorre naqueles que se entregam a um Ideal; purificam-se, são lavados e se simplificam, tornando-se cada vez mais
incorruptíveis. Sei que isto de ser mais ou menos corruptível não passa de uma figura metafórica, pois o incorruptível
em nós não varia; porém quero dar a entender que o Eu capta cada vez mais, no trabalho por um Ideal, sua própria
natureza, se conhece e se realizada cada vez mais. Acabar um projeto nos dá alegria, e alcançar um Ideal nos dá
Glória, como ainda nos dá Glória o simples fato de tentá-lo.

Pergunta: O que é para o Senhor a Glória? E em que se difrencia da alegria que nos proporciona, por exemplo,
terminar bem uma obra difícil e de longo esforço?

A alegria, a felicidade, como indica o pensamento socrático, é relativa e passageira. É uma simples relação
comparativa. Sócrates dizia que se se põe uma corrente na perna de um homem durante um tempo e depois se
retira essa corrente, o homem sentirá por isto prazer e alegria. Esta percepção nascerá por ser retirado algo que lhe
fazia dano e, ao término do dano, chama o acorrentado de prazer e, ao sentir-se sem a corrente, nascerá nele a
alegria de uma liberdade que provém das circunstâncias externas e que, inclusive, podem depender de outras
pessoas que tenham sobre nós poder ou força.
A alegria que às vezes sentimos ao nos levantarmos da cama não é mais que o resultado de termos dormido
comodamente e de termos sido despertos pelo canto de um pássaro. É um sentimento digno de ser ansiado, porém
não é a Glória. Alegria e dor se excluem. A Glória não exclui coisa alguma. Um místico está na Glória crucificado; um
guerreiro, com uma espada no peito; um caminhante, com os pés com feridas expostas. A Glória não exclui a dor.
Para aquele que se encontra em estado de Glória, não importa muito o chamado prazer ou dor, pois o sentimento
ascencional luminoso que o arrasta é como uma força da natureza, tão poderosa, que é insensível às relações de
mais além ou de mais próximas da pele. Um projeto pode dar prazer; somente um Ideal dá Glória, que é plenitude
espiritual acima de toda circunstância. Na Glória se ri, se chora e se está sereno, tudo ao mesmo tempo, pois a
Glória não é deste mundo nem reconhece suas alternâncias nem suas contradições.
Infelizmente, no século em que escrevo, esses conceitos têm-se confundido lamentavelmente, sobretudo na
juventude, e se crê ter alcançado a Glória quando tão somente se alcançou prazer e, assim, chama-se Ideal a
qualquer projeto mais ou menos nobre ou benéfico. Deste modo, o conceito fica diminuído, restrito e desvirtuado. De
tudo isso nasce a angústia e a desorientação. Quem está na Glória por trabalhar por um Ideal e participar dele jamais
se desorienta nem se angustia, pois nada espera nem pede para si, nem para os demais, em forma de permuta. O
cume de seu processo, ao transformá-lo profundamente, leva-o a uma epopéia espiritual que de nada necessita; e
esse sentido de plenitude, para chamá-lo de alguma forma, é Glória. É o Ideal-Vivo em nós. Sei que as palavras são
pobres instrumentos quando nos referimos a estas coisas. Quem quiser conhecer a Glória deve entregar-se a um
Ideal e viver o processo misterioso da Ressurreição Interior, que está fora de toda definição limitante. Assim, a Glória
é indefinível, porém Real e possível de ser Vivida.

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