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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Trabalho para a disciplina: História da filosofia em Portugal

As faces do amor

Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

Catarina Machioni Spagnol

Sob a orientação do prof. Dr. Manuel Cândido Pimentel


As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

Dezembro de 2017

Índice

Objetivo .................................................................................................... pág. 03

Introdução ................................................................................................ pág. 03

A face de Eros em Platão .......................................................................... pág. 04

A dimensão ontológica do amor na perspetiva de Leão Hebreu .............. pág. 12

Análise comparativa e conclusiva entre as duas obras ............................. pág. 18

Bibliografia .............................................................................................. pág. 22


As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

1. Objetivo

O presente trabalho possui como um objetivo apresentar uma análise comparativa entre a
perspetiva de Platão e Leão Hebreu sobre a temática do amor. No entanto, para que esse
objetivo possa ser cumprido com êxito, o trabalho dividirá-se em dois momentos. No
primeiro, os esforços serão distribuídos numa análise isolada de cada um dos nossos
filósofos. Já no segundo momento, o trabalho irá apresentar uma análise comparativa
entre as obras, na tentativa de encontrar as semelhanças e as diferenças entre elas.

Palavras-chave:​ Eros; amor; desejo; Leão Hebreu; Platão.

2. Introdução

O amor é um dos temas mais antigos da investigação filosófica e está inclusive, entre o
repertório dos pré-socráticos, assim como, por exemplo, Empédocles e Heráclito. Desde
sempre os filósofos, pensadores, poetas, artistas, escritores, etc, falam de amor, mas, ​o que é
isto — o amor? Essa foi uma entre as muitas outras perguntas deixadas por Heráclito — o
filósofo obscuro — em um dos seus fragmentos. Desse modo, nada poderia ser mais
pertinente do que a própria palavra ​Filosofia possuir como significado o «amor pelo
conhecimento». Foi por amar o conhecimento com a desmesura dos amantes enlouquecidos,
que muitos filósofos ousaram adentrar no caminho misterioso do amor.
O que é isto — o amor? É o que procuraremos esclarecer através do ponto de vista de dois
dos muitos amantes do conhecimento: o clássico filósofo grego Platão e o renascentista de
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

origem judaica Judá Abravanel, também conhecido como Leão Hebreu. Ambos percorreram
essa imensa encruzilhada chamada amor e dessa jornada legaram importantes contributos.
Durante o desenvolvimento desse trabalho, exploraremos três diferentes obras, a saber, ​O
Banquete e ​O Fedro e da Beleza de Platão e ​Os diálogos de amor,​ de Leão Hebreu. A
expressão do amor - desejo em Platão é denominada como Eros. O nosso filósofo grego
utiliza a linguagem do mito para explicar o amor. Por outro lado, Leão Hebreu utiliza recursos
diferentes, apesar da estrutura da sua obra também ser em formato de diálogo. Os seus dois
personagens — Fílon e Sofía — surgem a partir da divisão da própria palavra filosofia
(derivada da junção dos termos ​philos ​e ​sophia)​ . Fílon é o mestre amante, que incorpora o
amor. Sofía, a amada, simboliza a própria sabedoria. Comecemos o nosso trabalho.

3. A face de Eros em Platão

A temática do amor está presente em duas obras de Platão: ​O banquete e ​Fedro ou da


Beleza.​ Mas antes de adentrar diretamente no nosso tema e iniciar a análise, convém
introduzir um histórico da figura de Eros nas narrativas mitológicas anteriores ao nosso
filósofo grego. Para que essa introdução seja feito da melhor forma possível, convém
utilizarmos a narrativa de Hesíodo, um dos mais importantes poetas gregos e que retratou
Eros como um princípio Cosmogônico. Na Teogonia — de ​théos​, deus, e ​gignesthai, nascer,
1
significa nascimento ou origem dos deuses, Eros é um deus que participa do séquito de
Afrodite, aquela «que preside ao novo modo pelo qual Deuses e homens doravante se
2 3
procriarão» e é companheiro do desejo ​(Hímeros).​ Logo, Eros , que é considerado «uma das
postetades integrantes da quádrupla origem da totalidade cósmica» compartilha de algumas
das características de Afrodite e acompanha o desejo pulsante. Vejamos como Hesíodo
descreve-o num trecho da sua Teogonia.

Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também


Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,

1
Brandão, Junito. Mitologia Grega – Volume I. P. 153. Trata-se, portanto, de um poema de cunho didático, em
que se procura estabelecer a genealogia dos ​Imortais. H​ esíodo, todavia, vai além e, antes da ​teogonia, c​ oloca
os fundamentos da ​cosmogonia, ​quer dizer, as origens do mundo.
2
Torrano, Jaa. A Teogonia de Hesíodo. P. 45
3
Do ​Caos ​grego, dotado de grande energia prolífica, saíram Géia, Tártaro e Eros. Brandão, Junito. Mitologia
Grega – Volume I. P. 185.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado,


e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e ​Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.

Eis a transcrição das palavras de Jaa Torrano, um conceituado tradutor e também


especialista de textos gregos para o Português, sobre os atributos do deus Eros na Teogonia de
4
Hesíodo: «​Eros é a Potestade que preside à união amorosa, o seu domínio estende-se
irresistível sobre Deuses e sobre homens. Ele é um desejo de acasalamento que avassala todos
os seres, sem que se possa opor-lhe resistência: ele é ​solta-membros ​(lysimelés).» ​Ora, sendo
assim, na Teogonia, Eros significa basicamente a representação da força multiplicadora da
vida e por essa razão, estaria também na Origem cosmogônica do mundo, antecedendo até
mesmo os Deuses que surgiriam depois dele. Ainda nas palavras de Jaa Torrano, «e como
potência cosmogônica, como força de fecundação da Terra pelo Céu através da chuva-sêmen,
como força de acasalamento e da multiplicação da vida, Eros está tanto mais perto e
aparentado ao Céu e à Terra (estas sedes sempre seguras dos Deuses e âmbitos da luz e da
vida) quanto o Tártaro, por sua natureza hipoctônica, noturna e letal, está mais perto e
5
aparentado ao ​Kháos ​com sua descendência tenebrosa e mortífera.»
6
Com efeito, na Teogonia de Hesíodo, ​Eros é a potência que se opõe ao ​Kháos —
princípio de cissiparidade — logo, por oposição a ele, «instaura a procriação por união de dois
7
elementos diversos e separados, masculino e feminino», por isso, ele sintetiza o princípio da
união que antecede a procriação. Desses dois princípios cosmogônigos, a saber, ​Eros e ​Khaos​,
surge a perspetiva do filósofo pré-socrático Empédocles acerca do amor e do ódio como os
8
dois princípios cosmogônicos.

Segundo Empédocles, a vida se origina e perece a partir da combinação e dissolução dos


quatro elementos, a saber; terra, fogo, ar e água; e pela força de amor e conflito (atração e

4
«​O nome ​Éros e​ stá para o verbo ​eráo ​ou sua variante ​éramai ​(= "amar, desejar apaixonadamente").» Torrano,
Jaa. A Teogonia de Hesíodo. P. 35.

5
Ibidem. P. 34.
6
Junito Brandão escreveu que o poeta Ovídio denominada o Khaos como uma massa informe e confusa.
Brandão, Junito. Mitologia Grega – Volume I. P. 161.
7
Torrano, Jaa. A Teogonia de Hesíodo.. P. 37.
8
Souza, José Cavalcante de. Coleção os pensadores – os pré-socráticos. P. 35.
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repulsão). Nesta perspetiva, Amor (​Philia​) e Ódio (​Neikos)​ atuam como princípios
cosmogônicos. «O primeiro age como força de atração entre os dessemelhantes (as raízes),
enquanto o Ódio exerce ação contrária, afasta as raízes. Empédocles estabelece paridade entre
Amor e Ódio e as quatro raízes: são também corpóreos (são « fluidos-forças ») e têm a mesma
« idade » das raízes (o que exclui qualquer preeminência por anterioridade). O princípio de
igualdade que rege a atuação do Amor e do Ódio, resulta num processo cíclico, que oscila
entre um estado de máxima junção (obra do Amor) e de máxima separação das raízes (obra do
Ódio). O processo cosmogônico repete-se indefinidamente e representa, assim, uma perene
9
tensão entre o Um e o Múltiplo. »

Da Arcaica perspetiva mítica à perspetiva filosófica de Empédocles, o presente trabalho


segue para a conceção Platônica acerca do amor, que é apresentada como tema central em ​O
Banquete,​ mas que também se apresenta como tema de discusssão filosófica no ​Fedro ou da
Beleza.​ A introdução sobre a diferença entre as duas obras platônicas vem do contributo de
Gabriela Rocha Rodrigues, em ​O conceito de Amor no banquete e no Fedro.​

N’​O Banquete,​ Platão apresenta o tema do amor a partir de peças oratórias


que atribui a vários homens ilustres da sociedade ateniense. Os diversos
vieses do sentimento amoroso, bem como suas exigências e demais
peculiaridades, se perfilam em uma narrativa dinâmica, na qual a reflexão
filosófica alia-se a cuidados de natureza literária incontestável.

No Fedro, o amor é explorado através dos discursos de Lísias e Sócrates,


sendo discutido o aspeto paradoxal do ​Eros,​ que tanto pode oferecer bem
aventuranças aos amantes, quanto pode desgraçá-los. O diálogo também
expõe o uso da linguagem aliada à verdade e a sabedoria como uma das
10
formas de amor.

Começaremos pelo ​O banquete,​ e depois analisaremos alguns elementos do ​Fedro ou da


Beleza.​ Infelizmente não poderemos adentrar em todos os detalhes dos dois diálogos e sendo
assim limitaremo-nos a evidenciar as questões centrais sobre o amor na ótica platônica, para
depois contrapô-las a obra de Leão Hebreu.

9
Souza, José Cavalcante de. Coleção os pensadores – os pré-socráticos. P. 35.
10
Rodrigues, Gabriela Rocha. O conceito de amor no Banquete e no Fedro. P. 02.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

Contudo, antes de adentrarmos na análise profunda de Platão, transcreveremos uma


síntese importante de Junito Brandão, sobre o mito de Eros e que pode nos servir como uma
reflexão introdutória à perspetiva platônica acerca do nosso tema.

EROS significa desejo incoercível dos sentidos. Personificado, é o deus do


amor. O mais belo entre os deuses imortais, segundo Hesíodo, Eros dilacera
os membros e transtorna o juízo dos deuses e dos homens. Dotado, como não
poderia deixar de ser, de uma natureza vária e mutável, o mito do deus do
amor evoluiu muito, desde a era arcaica até a época alexandrina e romana,
isto é, do século IX a.C. ao século VI p.C. Nas mais antigas teogonias, como
se viu em Hesíodo, Eros nasceu do Caos, ao mesmo tempo que Géia e
Tártaro. Numa variante da cosmogonia órfica, o Caos e Nix (a Noite) estão
na origem do mundo: Nix põe um ​ovo, d​ e que nasce Eros, enquanto Urano e
Géia se formam das duas metades da casca partida. Eros, no entanto, apesar
de suas múltiplas genealogias, permanecerá sempre, mesmo à época de seus
disfarces e novas indumentárias da época alexandrina, a força fundamental
do mundo. Garante não apenas a continuidade das espécies, mas a coesão
interna do cosmo. Foi exatamente sobre este tema que se desenvolveram
inúmeras especulações de poetas, filósofos e mitólogos. Para Platão, no
Banquete, p​ elos lábios da sacerdotisa Diotima, Eros é um ​demônio ​135, quer
dizer, um intermediário entre os deuses e os homens e, como o deus do
Amor está a meia distância entre uns e outros, ele preenche o vazio,
tornando-se, assim, o elo que une o Todo a si mesmo. Foi contra a tendência
generalizada de considerar Eros como um grande deus que o filósofo da
Academia lhe atribuiu nova genealogia. Consoante Diotima, Eros foi
concebido da união de ​Póros (​ Expediente) e de ​Penía (​ Pobreza) , no Jardim
dos Deuses, após um grande banquete, em que se celebrava o nascimento de
Afrodite. Em face desse parentesco tão díspar, Eros tem caracteres bem
definidos e significativos: sempre em busca de seu ​objeto, ​como Pobreza e
"carência", sabe, todavia, arquitetar um plano, como Expediente, para atingir
o objetivo, "a plenitude". Assim, longe de ser um deus todo-poderoso, Eros é
uma força, uma Mw» (enérgueia), uma "energia", perpetuamente insatisfeito
e inquieto: uma ​carência ​sempre em busca de uma ​plenitude. ​Um ​sujeito ​em
11
busca do ​objeto.

11
Brandão, Junito. Mitologia Grega – volume I. 186/187.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

Nessa linha de pensamento, podemos iniciar a nossa apresentação sobre o tema do


amor em Platão, um dos nossos autores. Começaremos pelo ​O banquete. Zeferino Rocha
afirma que O ​Banquete é​ inegavelmente um dos mais belos diálogos de Platão e uma das
coisas mais lindas que já se escreveu sobre o amor em toda a História da Literatura Universal
12
e de facto a obra é, e para que possamos compreender o contexto literário em que ela foi
escrita, eis a transcrição das palavras de Zeferino Rocha.

Os convivas, que participam do ​Banquete, s​ ão pessoas importantes e


representam as diversas classes da cultura helênica. Fedro é retórico,
Pausânias é discípulo de um sofista, Erixímaco é médico, Aristófanes é poeta
e Agatão é o vencedor do concurso literário, em cuja homenagem se fazia o
simpósio. O texto resgata das brumas da memória e das incertezas da
lembrança, os discursos de épocas remotas. Ele é de grande riqueza
estilística e, nele, se encontra uma impressionante variedade de recursos
13
literários.

O Banquete é uma obra dividida em diálogos, onde cada um dos participantes —


convidados do banquete — profere um discurso por vez sobre a temática do amor.

Entretanto, Eros, o amor erótico, tal como Platão o concebe, é apresentado através da
prosa de Sócrates, onde ele narra com detalhes a lembrança dos ensinamentos transmitidos
por Diotima de Mantineia. Importa evidenciar que Platão atribui ao amor à força «que
possibilita a relação entre os homens e os deuses, pela interpretação e transmissão de súplicas
e sacrifícios dos primeiros e ordens e recompensas dos segundos, possibilitando o diálogo
entre os ‘dois mundos’. Além disso, o Amor é o responsável pelas artes divinatórias e
mágicas, porque confere uma espécie de loucura e êxtase ao ser e assim sendo, o Amor
14
apresenta-se como um intermediário, um elo, um ‘anunciador’ do futuro. Eros intermedia o
homem do mundo sensível para o inteligível. Agora vejamos as palavras de ​Diotima ​sobre a
origem desse deus no diálogo platônico.

«Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os


demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois

12
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 10.
13
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 10.
14
Quadros, Moreira Elton. Eros, Filia e Ágape: o amor do mundo grego à conceção cristã.. P. 166.
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que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou


pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda
não havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza
então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de
Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que
ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu
natalício, ao mesmo tempo lque por natureza amante do belo, porque
também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de
Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é
sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria
imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem
forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem
a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai,
porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e
enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de
sabedoria e cheio ele recursos, a filosofar por toda a vida, terrível
mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e
no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e
de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre
lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece,
assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis
com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio -
pois já é -, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem
também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso
mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um
homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não
deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não
15
pensa lhe ser preciso.»

Parece-nos que por ser filho de Recurso e Pobreza, Amor carrega em si os atributos dos
seus Pais, e sendo assim, vive em estado de carência pelo que é Bom e Belo e justamente por

15
Platão. O banquete. P. 36 / 37
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

essa razão, o Amor ama ter consigo o que ele considera belo e ao obte-lo, torna-se feliz. Ao
atribuir a condição de filho da Pobreza e de Recurso, Eros é circunscrito nos limites da sua
16
repleção ou completude e da sua falta e da sua errância. Diotima ainda explica para Sócrates
17
que o amor é o desejo do que é Bom e de ser feliz no homem.

Em determinado momento do diálogo que ocorre em ​O banquete,​ Platão faz uma distinção
entre ​Eros e ​Hímeros (o desejo). Segundo ele, «​Hímeros​» deriva daquilo que impulsiona a
alma, seria algo mais próximo de um desejo obstinado, violento, sem forma, enquanto ​Eros
seria o amor erótico, porque flui de fora para dentro, e sendo assim, apesar de pertencer à
pessoa que o possui, é introduzido no indivíduo através da visão. Logo, os órgãos dos sentidos
que intermediam Eros no mundo são os olhos. Por isso, o belo seria como o afrodisíaco do
amor, que sempre é amor perante algo ou alguém, ao necessitar de um objeto exterior para se
concretizar no interior. Por ser amor por algo ou alguém, o amor erótico provém da carência,
logo, sem a falta, não há possibilidade de desejo. Parece-nos que é a partir dessa relação, seja
com o corpo, com a saúde, com a mulher, com o rapaz e até mesmo com a verdade que os
18
passos da erótica platônica são constituídos.

19
O amor, enquanto atividade, seria como um «parto em beleza» , tanto no corpo como na
alma. Desse modo, a principal ação do amor é a geração, que certamente é algo de perpétuo e
imortal para um mortal. O indivíduo carrega a ideia de que através da procriação ele alcançará
a imortalidade, assim como a perpetuação da sua memória e bem-aventurança. No entender de
Platão, o amor existe como uma espécie de ferramenta para perpetuar a existência da
20
humanidade, através da geração e da participação no belo. Ora, Platão evidencia a natureza
erótica, sendo assim, a alma está vinculada aos prazeres e desejos do corpo e é através deles
que ela pode elevar-se até a mais alta forma de conhecimento que começa a partir da visão da
21
Beleza. Essa informação será importante quando adentrarmos na nossa análise comparativa.
Por hora, basta-nos saber que Eros anseia pela procriação espiritual e a Beleza é fonte desta
procriação, capaz de conduzir o ser ao conhecimento que em Platão, decorre principalmente
22
através da contemplação. Na perspetiva de Dion Davi Macedo em Os laços da linguagem,

16
Macedo, Dion Davi. Os laços dalinguagem – Eros e Logos. P. 83.
17
Platão. O banquete. P. 39.
18
Macedo, Dion Davi. Os laços da linguagem – Eros e Logos. P. 90.
19
Platão. O Banquete. P. 40.
20
Ibidem. P. 41.
21
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 17.
22
Ibidem. P. 17 / 18.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

da relação entre a erótica do amante com o sujeito amado, o que está em jogo é a hierarquia
do conhecimento, como se o amor fosse uma espécie de dialética, a partir da contemplação da
beleza.
Se o amor manifesta o anseio pela imortalidade, ele seria sem dúvidas, o melhor
colaborador da natureza humana. A verdade é confidenciada pela intimidade do ser que ama e
este ao contemplar — dominado pela potência de Eros — a inteligibilidade do mundo porque
anseia por fundir-se nessa inteligibilidade. O gozo representa a fusão, o deleite é tão-somente
o desejo de alcançar a eternidade ao lado da alma do mundo. Nas palavras de ​Diotima​:

«A natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar


imortal. E ela só pode assim, através da geração, porque sempre deixa um
outro ser novo em lugar do velho; pois é nisso que se diz que cada espécie
animal vive e é a mesma - assim como de criança o homem se diz o mesmo
até se tornar velho; este na verdade, apesar de jamais ter em si as mesmas
coisas, diz-se todavia que é o mesmo, embora sempre se renovando e
perdendo alguma coisa, nos cabelos, nas carnes, nos ossos, no sangue e em
todo o corpo. E não é que é só no corpo, mas também na alma os modos, os
costumes, as opiniões, desejos, prazeres, aflições, temores, cada um desses
afetos jamais permanece o mesmo em cada um de nós, mas uns nascem,
23
outros morrem».

Agora analisaremos os elementos que reportam ao amor em ​O fedro ou da Beleza e​ que


podem complementar o desenvolvimento do presente trabalho. Fedro ou da Beleza também é
apresentada em forma de diálogo, mas nessa obra a conversa fica circunscrita a Sócrates e
Fedro sobre o discurso escrito por Lísias. Na primeira parte do discurso do diálogo da obra
24
mencionada, Sócrates afirma que o «o amor é um desejo» e que, mesmo as pessoas que não
amam desejam sempre o belo, enquanto contemplação da beleza divina. Ademais, o filósofo
afirma que em todo o homem há dois princípios de forma e de conduta, sendo um deles inato
25
(desejo de prazer) e o outro adquirido (aspiração pelo Bem). No primeiro princípio de forma
e conduta o homem deixa-se dominar. Nesta linha de pensamento platônico, o desejo —
quando desprovido da razão — atrofia a alma e esmaga o prazer do Bem ao procurar somente

23
Ibidem. P. 41 /42.
24
Platão. Fedro ou da beleza. P. 38.
25
Platão. Fedro ou da beleza. P. 38.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

pela beleza do corpo. Falar de ​Eros é falar dessa necessidade desmedida pelo prazer. Ainda
dentro desta perspetiva, considera-se que o homem cego pelo desejo anseia extrair daquele
que é objeto do seu desejo o máximo de prazer. Sendo assim, aquele que ama corre
26
seriamente o risco de prejudicar o amado, se não desempenhar-se para fazer dessa
contemplação uma busca honesta pela verdade. Nota-se que mencionamos em outro momento
sobre o fato de Sócrates dizer que o amor equivale a uma espécie de loucura e isso ocorre
porque aquele que ama é possuído pelo desejo de um modo irracional.
Na análise de ​O Banquete,​ Platão fala sobre o fato de «​Hímeros​» enquanto impulsionador
obstinado e violento da alma. Pois bem, no ​Fedro ou da Beleza ele retoma esta palavra e a
define como uma onde de desejo do Ser que ao deparar-se com o Belo atua como um
27
refrigério para a alma e faz nascer a alegria. «​Hímeros»​ atua como a força do desejo, a
pulsão desejante. «Assim atormentada, a alma abandona-se abulicamente à dor, ao mesmo
28
tempo em que a recordação do objeto belo a leva a deixar-se a invadir pelo frenesim.» No
entender de Platão, ​Hímeros pode tornar o homem obstinado por aquele que é seu objeto de
desejo. Contudo, no segundo discurso do diálogo de ​Fedro ou da Beleza​, Sócrates propõe que
essa condição de sujeito obstinado pelo desejo não é de todo mal, desde que ocorra ao homem
que evidencie a função do ​logos (​ razão). Para compreendermos de que forma é possível
extrair o Bem dessa condição de amante desejoso, eis novamente outro contributo de Gabriela
Rocha Rodrigues em ​O conceito de amor no Banquete e no Fedro.​

[...] Sócrates parte do seguinte princípio: toda a alma é imortal; esta pode ser
representada por uma carruagem alada onde um cocheiro procura conciliar o
ímpeto de dois cavalos. A carruagem dos deuses é facilmente conduzida,
pois seus cavalos são bons e virtuosos, já a carruagem dos demais seres, que
é regida por cavalos contrários – um bom, outro ruim – é de difícil manejo.
Em seu passeio pelo céu, anterior à existência terrena, as almas contemplam
as Ideias Eternas – a Justiça, o Bem, a Verdade, o Belo –; a alma dos deuses,
saciada sua sede de conhecimento, volta para o interior do céu, já a alma do
homem, além de não conseguir contemplar com clareza as Ideias, devido ao
enfrentamento constante entre os cavalos, perdem as suas asas aladas e
passam a habitar um corpo humano. A retomada das asas será efetivada

26
Platão. Fedro ou da beleza. P. 40.
27
Ibidem. P. 69.
28
Ibidem. P. 69.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

através da reminiscência, quando o homem, ao contemplar a beleza,


29
reconhece-a como uma das Ideias divinas, que outrora contemplara.

No ​Fedro ou da Beleza Platão apresenta-nos dois modos de manifestação de Eros no


homem. O primeiro, como tão bem descreveu Zeferino Rocha, é quando as pessoas tornam-se
escravas dos desejos e a segunda, é quando há a busca pelo equilíbrio entre o corpo e a alma
30
com a orientação para o Bem.
Do exposto até aqui tratamos de esclarecer os pontos centrais sobre a temática do amor
em Platão e que serão pertinentemente retomados no estudo comparativo que faremos. Assim
como fizemos com Platão, apresentaremos a seguir a análise sobre a perspetiva de Leão
Hebreu sobre o amor.

4. A dimensão ontológica do amor na perspetiva de Leão Hebreu

Prosseguindo com o presente trabalho, adentraremos agora na análise da obra


Diálogos de amor​, de Leão Hebreu ​e a sua perspetiva sobre o tema. ​Diálogos de Amor nasceu
em Nápoles, alcançou popularidade e está figurada entre as obras importantes do período
31
Renascentista. A obra está estruturada em formato de diálogo, assim como as obras de
Platão. Os personagens do diálogo são dois: Filón e Sofía.

Antes de iniciarmos, importa fazermos uma breve apresentação do nosso outro autor,
extraída do artigo ​A Cosmologia de Leão Hebreu​, de Daniel Rodrigues de Assis Martins.

O filósofo da Itália renascentista Judá Abravanel, mais conhecido como Leão


Hebreu, nasceu em Portugal, em meados da década de 1460. Seu pai foi
Isaac Abravanel, um importante estudioso da filosofia e da religião judaica.
Trabalhou como tesoureiro do reino de Portugal e tornou-se conselheiro do
Rei Afonso V. Filho de um exegeta reconhecido como Isaac Abravanel,
comentador de Maimônides na sinagoga, Leão Hebreu provavelmente teve
um rigoroso programa de estudos durante sua infância e juventude. Entre os
judeus há o costume de se prezar por rigorosa formação intelectual dos filhos

29
Rodrigues, Gabriela Rocha. O conceito de Amor no Banquete e no Fedro. P. 16/17.
30
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 168.
31
Ibidem. P. 03.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

homens. Acredita-se que Isaac tenha sido o principal iniciador de Leão nos
conhecimentos de Cabala, de filosofia e de teologia judaica, mas certamente
o jovem Abravanel teve contato com outros mestres da sinagoga de Lisboa.
No final do século XV, a comunidade judaica de Lisboa era uma das que
mais se destacavam culturalmente em toda a Península Ibérica.
Com a morte do rei Afonso V, em 1481, e a subida ao trono de João II, o pai
de Leão foi acusado de conviver com parte da nobreza que havia conspirado
contra o novo Rei, tendo que fugir para Castela em 1483, deixando para trás
sua reputação e sua fortuna. No entanto, em poucos anos Isaac Abravanel já
havia alcançado o posto de tesoureiro de Castela e Leão Hebreu, já em idade
adulta e médico prestigiado, encontrava-se a serviço dos Reis Católicos da
Espanha. Foi nesse período que Leão se casou e teve seu primeiro filho,
desfrutando uma vida confortável na Espanha até 1492, ano da promulgação
do Decreto de Alhambra. Esse decreto determinava que os judeus que não se
convertessem ao cristianismo seriam expulsos da Espanha. Houve grande
esforço por parte da nobreza espanhola em convencer a família Abravanel a
se converter ao cristianismo, visto que os serviços de Isaac e Leão eram
muito estimados. Porém, eles não se converteram e seguiram para a Itália,
destino de grande número de famílias judias que foram expulsas da
32
Península Ibérica.

José Barata Moura em ​Sentido universal do amor em Leão Hebreu​, afirma que, ao que
confere o estudo da presença do amor no plano da ordenação dos entes, a obra ​Diálogos de
amor apresenta fortes indícios de uma influência dos pré-socráticos, principalmente de
Empédocles, filósofo que já foi mencionado no início deste presente estudo. Segundo
Empédocles, Amor (​Philia)​ e Conflito (​Neikos​) estão na estrutura básica da combinação dos
elementos, sendo o amor a causa do equilíbrio da natureza e do bem que a ela pode advir,
assim como fundamento da possibilidade da geração. ​«​É neste contexto que, mediante a sua
amizade geradora, os elementos vão recebendo formas, não ao acaso, mas segundo uma
ordem, que muito bem poderia ser considerada como o fundamento ôntico da hierarquia que
ritma os diferentes graus da realidade conferindo-lhes um estatuto próprio que, todavia, não os
33
impede nem os dispensa da participação no vínculo ​ontológico unificante do todo.» Desde

32
Martins, Daniel Rodrigues de Assis. A Cosmologia de Leão Hebreu. P. 03
33
Moura, José Barata. Sentido Universal do amor em Leão Hebreu. P. 05/06.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

logo, fica evidenciado a influência de Empédocles na obra de Leão Hebreu, assim como
Platão também foi influenciado por esse filósofo.

A obra ​Diálogos de Amor está dividida em três diálogos, a saber, o primeiro faz uma
análise sobre a distinção entre amor e desejo, o segundo sobre a universalidade do amor e o
terceiro sobre a origem do amor. Comecemos pela distinção entre amor e desejo.

Segundo Leão Hebreu, todo desejo nasce da ausência de algo. Contudo, apesar da
ausência também se pressupõe que o objeto do amor exista, logo, o conhecimento da coisa em
si é um elemento inerente ao desejo. O amor pressupõe o ato de existir, porque não seria
possível amar sem antes supor o Bem que o objeto do amor pudesse exprimir e pela mesma
razão, o desejo só poderia dirigir-se até as coisas existentes, pois os homens só poderiam
desejar aquilo que considerariam como bom para si. Nesse caso, tanto o amor como o desejo
34
são precedidos pelo conhecimento, logo, é «suscetível de possuir uma ​verdade»​. Há uma
verdade embutida e expressa pelo desejo. Por conseguinte, seria o conhecimento acerca das
coisas o responsável pela qualidade dos desejos. «Sempre desejamos o que não possuímos,
mas não desejamos o inexistente. «Ao contrário, o desejo só refere-se às coisas que existem e
35
que podemos alcançar.» Sendo assim, todo desejo pretende que chegue a existir o que não
existe ou que se consiga aquilo que nos falta. Desse modo, para que algo seja desejável, é
preciso que seja precedido por três qualidades: Existência, Verdade e Bondade.
Com efeito, ele explicita que há diferença entre amor e desejo. Ambos, amor e desejo
pressupõem a existência real de algo que seja considerado como Bem, entretanto, a diferença
está na abrangência, sendo que o amor parece ser comum a muitas coisas boas, tanto
possuídas como não possuídas, enquanto que o desejo é próprio daquele conjunto de coisas
que não são possuídas. No entender de Leão Hebreu, deseja-se o que não se possui e ama-se
tanto o que se possui como o que não se possui. Contudo, não se pode restringir o amor a um
36
simples estado de propriedade.

«Em outras palavras: amamos e desejamos ao mesmo tempo as coisas que


consideramos boas, que são próprias e das quais carecemos; amamos, mas
não desejamos, estas mesmas coisas quando a possuímos; desejamos, mas

34
Moura, José Barata. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 02.
35
Hebreo, Leão, Diálogos de Amor. P. 22.
36
Barata, José Moura. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 04.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

não amamos, aquelas que nos faltam, senão, além de, todavia não tem
37
existência própria. Diante da qual pudesse dirigir-se ao amor.»

Por conseguinte, as coisas que são amáveis (enquanto objetos do amor) pertencem a três
classes de coisas: úteis, prazerosas e honestas. Amamos aquilo que nos é útil, prazeroso e
honesto, enquanto virtude intelectiva. Nas coisas úteis, o amor real coexiste com o desejo.
Desse modo, o amor estaria para o Ser, enquanto categoria, ou seja, o amor existe como uma
potência superior da alma, com o único fim de elevar o homem até Deus. Como faz parte da
sabedoria humana conhecer Deus, o desejo de conhecê-lo é algo natural, como se o homem
desejasse o conhecimento divino daquilo que falta nele próprio. Nota-se a ideia de que o amor
é sempre desejo e o desejo sempre amor, integração esta necessária para a apresentação
38
metafísica do amor como vínculo universal de unidade.

Portanto, há em Leão Hebreu uma ontologia própria do amor que faz com que ele atue de
modo universal em todos os seres, como um elemento essencial do processo da verdadeira
felicidade. Se Deus é o fim último de todos os seres, ele seria o único objeto da nossa
felicidade e somente o conhecimento e o amor seriam os meios de alcançá-lo. Nota-se que o
amor seria um meio e não um fim e o amor exige que o objeto do seu querer seja previamente
39
conhecido como Bem, logo, como Deus.

O nosso autor considera que os sentidos exercem um papel fundamental, principalmente


porque é a partir deles que se pode alcançar o conhecimento. Nas palavras do filósofo, através
do personagem Fílon, é «o conhecimento do pão que faz com que quem tenha fome o ame e
40
deseje, pois, se antes não o conhecesse com os olhos, não poderia amá-lo nem desejá-lo.» O
ato em si, que equivale à obtenção do que antes foi desejado, marca o fim do desejo, mas não
o fim do amor. Neste caso, a manutenção do desejo depende da capacidade de desfrutar da
união cognosciva com o que foi o objeto do desejo. Nas palavras de Leão Hebreu, «dessa
maneira que definimos o amor como desejo de desfrutar com união o desejo de converter-se
41
com união a coisa amada.» Nosso autor considera que entre os cinco sentidos — que são a
via para o conhecimento do que se deseja — o tato é o responsável pela geração e

37
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 23.
38
Barata, José Moura. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 04.
39
Barata, José Moura. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 21.
40
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 75.
41
Ibidem. P. 75.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

consequentemente, pela manutenção da espécie humana, mas mantém a postura de Platão ao


que concerne ao facto da visão ser um elemento importante no nascimento do desejo.

Importa referir que Leão Hebreu estabele duas naturezas para o amor: imperfeita e
perfeita. Na primeira, o amor é o filho do desejo, o corporal que quando é saciado elimina
qualquer vestígio de amor. Na segunda, a do amor perfeito, o amor é progenitor do desejo e
42
filho da razão. Efetivamente, o amor está no plano da racionalidade, uma vez que a virtude
43
é sempre meio-termo determinado pela razão. Neste caso, como a causa principal do amor é
a união espiritual, mesmo que o desejo corporal cesse, prevalece a força do desejo de união
espiritual que advém da afinidade. O amor está além do corpo e falar de amor é evidenciar a
44
sua peculiaridade de desfrutar inclusive dos prazeres do corpo, mas com união. No diálogo,
Filón diz para Sofía que «o conhecer-te produz em mim amor e desejo». Nota-se que é a razão
que produz o amor e que este produz o desejo, antecedendo-o, mas ao parir o amor, a razão
45
corta o cordão umbilical com ele, privando-o de si mesma.

Esta segunda natureza do amor, mencionada acima, representa o desejo perfeito de união
do amante que se perfaz na figura da pessoa amada, pois, é a mente que prevalece sobre todos
os outros aspetos da união. Contudo, ao procurar uma completa identificação - fusão com a
pessoa amada, a mente permanece em um ciclo de eterna carência de união com o amado,
46
«porque o amor é irracional no ato e não na origem.» Nesta ordem de ideias, é importante
considerar que, ao retratar o amor como produto da razão, Leão Hebreu determina, de igual
forma, duas classes diferentes de razão: a ordinária e a extraordinária. A primeira, a razão
ordinária ordena a conservação das riquezas para a própria necessidade em prol de uma via
boa e confortável, enquanto a razão extraordinária ordena o compartilhar para um fim mais
47
nobre. A segunda classe de razão transforma o desejo numa espécie de amor mais sublime.

Mencionamos que Leão Hebreu considera o aspeto metafísico do amor, enquanto um


vínculo universal da unidade. Sobre essa universalidade do amor, o nosso autor afirma que a
única causa dele não é a geração (reprodução), mas que há entre os animais e os homens,
cinco outras causas do amor e mais duas causas que são aplicáveis somente aos homens.

42
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 78.
43
Moura, José Barata. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 06.
44
Moura, José Barata. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 04.
45
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 79.
46
Moura, José Barata. Amizade humana e amor divino em Leão Hebreu. P. 07.
47
Ibidem. P. 82.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

Vejamos quais são as causas comuns: 1) o desejo e o prazer da reprodução; 2) geração e amor
aos filhos; 3) benefício dos laços; 4) convivência com a mesma espécie ou no caso dos
homens, com os homens da mesma comunidade; 5) companhia e interação social. As outras
duas causas que se aplicam aos homens são: primeira, a amizade e semelhança harmoniosa
entre os temperamentos e a segunda, as virtudes morais e intelectuais. Ademais, entre os seres
inanimados, ele afirma que tudo o que existe no mundo possui um conhecimento natural da
sua finalidade e uma inclinação teleológica de apetite e amor. Ainda que em maior ou menor
grau, o amor está presente em toda a natureza, governado pela alma do mundo que coordena
48
todas as coisas ditas inferiores. Falar dessa reciprocidade que une o universo e sustenta o
49
mundo é evidenciar a universalidade do amor.
Em síntese, Filón afirma para Sofía que «Deus produz e governa o mundo com amor e
integra-o numa unidade, pois, um procede ao outro e da unidade pura procede à união
perfeita. Assim, o mundo espiritual se une ao corporal graças ao amor», ao que ela
complementa com os seguintes dizeres: «o amor é um espírito vivificante que penetra o
50
mundo inteiro e é um vínculo que une todo o universo.» Essa frase de Sofía sintetiza o
pensamento de Hebreu e nela, é possível observar a dimensão ontológica do amor. O ser, a
vida, o intelecto enquanto pertencentes ao mundo corruptível dependem dos atributos do
51
espírito para chegar a perfeição, por isso, o amor une o imperfeito ao que é perfeito (Deus).
Sobre a origem do amor, em determinado momento do diálogo, Sofía pergunta para
Filón: «o amor foi gerado e precedido por outro ou ele é inato e nunca dependeu de
52
antecessor?» Com estas questões, Leão Hebreu sustenta que é «necessário que o amor tenha
sido precedido por outros e que de nenhum modo pode ser o primeiro na eternidade, ao
53
contrário, é preciso admitir que haja outros anteriores na ordem de causa.» Sendo assim, o
amado é o agente que engendra o amor na alma do amante, embora seja este o que recebe o
54
amor do amado. Nesta perspetiva, o primeiro amor nasceu do primeiro amante face ao ser
amado. Contudo, o primeiro amante e o primeiro amado são eternos e nunca nasceram, logo,
o amor entre eles (o primeiro amor) nunca nasceu, é de igual modo, ​ab eterno​. Deus, como

48
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 90/91
49
Ibidem. P. 102.
50
Ibidem. P. 166.
51
Martins, Daniel Rodrigues de Assis. A cosmologia de Leão de Hebreu. P. 07.
52
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 195.
53
Ibidem. P. 213.
54
Ibidem. P. 213.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

força suprema cognosciva é o primeiro amante e Deus como a suma Beleza é o primeiro
amado. Por conseguinte, Deus ama a si mesmo numa relação intrínseca que constitui a mais
55
perfeita e simples unidade.
Deus, em amor por sua própria Beleza desejou produzir um filho à sua semelhança, e
este desejo foi o primeiro amor extrínseco de Deus que produziu os primeiros pais do mundo,
56 57
o primeiro entendimento e o caos, Nesta ordem de ideias, o filosófo infere que a causa
58
própria e imediata se dá ao mesmo tempo em que o efeito, e o efeito que a causa. . Como
bem explicou José Barata Moura em ​Sentido universal do amor em Leão Hebreu, ​o amor está
ligado à produção do ser, ao menos ao que concerne a esta dimensão metafísica. Nas palavras
dele, «essa vinculação realiza-se, no entanto, não só ao nível do «mundo inferior corruptível»
e dos seus processos próprios, como também, e anteriormente, ao nível do «mundo celeste»
59
apontado e interpretado como «progenitor».» O amor é criado enquanto atributo inerente ao
mundo e ao Ser e assim sendo, «o amor surge-nos, por conseguinte, situado na totalidade do
real e participante, nessa medida, das duas regiões em que esse real essencialmente se articula.
60
Desse modo, o amor participa do mundo material e celestial.»

Com estes apontamentos damos por encerrada essa etapa do presente trabalho, que
consistia em apresentar uma análise da obra de Leão Hebreu.

5. Análise comparativa e conclusiva entre as duas obras

Desejamos alguma coisa porque ela nos parece boa e não o contrário: ela
nos parece boa porque a desejamos, pois o princípio é o pensamento.

Como dissemos no início, o principal objetivo deste trabalho é fazer uma análise
comparativa sobre o tema do amor nas perspetivas de Platão e Leão Hebreu. Para isso, em
primeiro lugar, analisamos separadamente ​O Banquete e o ​Fedro e da Beleza (de Platão) e ​Os
diálogos de Amor (de Leão Hebreu). Como pudemos observar na quarta parte, quando
tratamos da dimensão ontológica do amor, em Hebreu fica evidente que a estrutura da obra de

55
Ibidem. P. 233.
56
Ibidem. P. 237.
57
Ibidem. P. 238.
58
Ibidem. P. 236.
59
Moura, José Barata. Sentido universal do amor em Leão Hebreu. P. 07.
60
Moura, José Barata. Sentido universal do amor em Leão Hebreu. P. 18.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

nosso autor Judeu é claramente influenciada pela obra de nosso autor Grego, e essa
semelhança decorre principalmente em virtude da dinâmica dialogal, mas não só, pois, ao
longo do diálogo ele menciona algumas ideias platônicas, assim como também Aristotélicas.
Como afirma José Barata Moura, o nosso filosófo renascentista retoma a famosa discussão
platônica – aristotélica porque para explicar a origem do amor, ele precisa retomar os
conceitos de Deus, forma e matéria, discutidos por esses dois filósofos clássicos. Sendo assim,
é importante mencionarmos que a obra ​Diálogos de amor também possui a cosmologia como
tema, mesmo que secundário (mas não menos importante), em virtude da universalidade que
Hebreu atribui ao amor.

Apontaremos ao longo dessa análise conclusiva e comparativa três pontos de divergência


e complementaridade das perspetivas dos nossos dois filósofos e que consideramos essenciais
para que o nosso objetivo seja finalmente atingido: a origem, a natureza e o modo de
apreensão do amor. Obviamente que há outros inúmeros aspetos entre as obras que poderiam
ser discutidos, mas nesse caso, o trabalho distanciaria-se das questões centrais, o que não é o
desejado, além do que, ficaria demasiadamente extenso.

Comecemos pela origem do amor e sendo assim, resta-nos iniciar a análise pela parte que
é o fim da obra de Hebreu. Para explicar a descendência — origem — de Eros, Platão utiliza
da linguagem do mito e infere que o ​daimon Eros é filho de Recurso e Pobreza e ao fazer isso
estabelece uma ambiguidade intrinseca ao amor, caracterizando-o ao mesmo tempo, pela
compleção e pela falta. Ora, é sabido que todo mito narra um acontecimento que deu origem a
algo e que decorre por sua vez, num ​tempo mítico​. Por esta razão, ao afirmar que Eros nasceu
de Pobreza e Recurso, Platão determina um momento para o nascimento do amor e como
pudemos observar, a sua narrativa, ele não o define como um ente participante da própria
origem do mundo. Eros nasceu da pobreza, aquela que nada tem e é a partir dessa falta
intrínseca que Eros manifesta-se no mundo. Por ser um ​daimon,​ Eros é um intermediário entre
o mundo sensível e o mundo inteligível, assim como também é um intermediário entre os
homens e os deuses que « enquanto participantes do inteligível, não sentiam amor, pois sendo
o amor o desejo diante do que é belo e faltante, os deuses, que são belíssimos de nada
61
carecem, não podem sentir o amor.»

61
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 202/203
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

Nesse sentido de atribuição parental, o caminho sugerido por Leão Hebreu é paralelo ao
62
de Picco dela Mirandola, principal conciliador do conhecimento cabalístico e platônico. O
nosso autor judeu explica a descendência do amor como um produto de um amado como pai
(agente, forma e final) e uma amante como mãe (causa material). Ademais, na segunda fase a
mãe do amor seria o caos. Centraremo-nos por um momento aqui. Como explicamos
anteriormente na quarta parte, a origem do amor se dá em duas fontes (ou etapas) e envolve
duas esferas: celestial e material.

Na primeira, o amor é um produto da relação de Deus consigo mesmo. Vejamos: Deus;


aquele que é o primeiro amante, dotado do atributo da inteligibilidade e vontade, ama a si
mesmo, logo, é de igual modo e, ao mesmo tempo, o primeiro amado, dotado do atributo da
pura beleza. Nessa perspetiva, numa linguagem metafórica, Deus é de igual modo e, ao
mesmo tempo, amante e amado e o amor é essa expressão que parece resultar de uma espécie
de coito divino autoinfligido, ​ab aeterno, o​ u seja, d​ esde sempre. Neste contexto, o amor
participa do ser de Deus e essa primeira fase envolve o âmbito celestial. Diante dessa
explosão de êxtase provinda da junção das duas faces de Deus (vontade inteligível e pura
beleza) nasce a segunda descendência do amor, formada pelo entendimento universal de todas
as ideias (pai – forma – marido – segundo amado) e pelo caos (mãe – esposa – matéria
informe – segunda amante). Como escreveu José Barata Moura, o amor surge-nos, por
conseguinte, situado na totalidade do real e participante, nessa medida, das duas regiões em
63
que esse real essencialmente se articula. Diferentemente de Platão, a perspetiva de Leão
Hebreu sobre o amor envolve o ser de Deus, como expressão dele e implica numa necessidade
de adentrar necessariamente na origem do mundo, que é expressão pura desse amor.

Na mitologia Grega, Eros é considerado desejo incoercível dos sentidos, nascido do ​Caos.​
De certa forma, ainda que a seu modo, Leão Hebreu absorve uma pequena fração da
perspetiva das narrativas míticas ao que concerne ao «nascimento» de Eros a partir do ​Caos​,
matéria informe. A diferença está na origem dessa matéria informe. No ​Timeu​, Platão afirma
que a matéria gerou o mundo e sendo assim, ele considera a matéria como sendo anterior ao
tempo. Em contraposição a Platão, Aristóteles sustentava, que ambas (matéria e forma)
deveriam ser eternas, pois, é impossível que a matéria exista sem a forma. Além do mais, o

62
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 26.
63
Moura, José Barata. O sentido universal do amor em Leão Hebreu. P. 18.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

estagirita situa a matéria e a forma no mundo sublunar, onde a primeira (matéria) só pode ser
eterna através da multiplicidade das formas, num eterno ciclo de geração e corrupção, salvo o
64
céu, que é dotado do atributo da incorruptibilidade.

Neste ponto, a ótica de Leão Hebreu sobre a matéria aproxima-se mais de Aristóteles do
que de Platão. Contudo, a ideia de Leão Hebreu converge com Aristóteles até certo ponto,
mas depois elas separam-se. Vejamos como a partir do contributo de José Barata Moura. O
ponto de divergência é «ôntico», uma vez que, enquanto Aristóteles considera a matéria como
um princípio vinculado à forma e existente como substância primeira, «na medida em que é
componente dos únicos seres reais»; para Leão Hebreu a matéria, mesmo informe, possui um
65
grau de existência. A matéria Aristotélica é fundamentada no princípio da qualidade e existe
a partir de uma forma que delimita o seu desenvolvimento. A matéria platônica é informe,
assemelha-se a um caldeirão de possibilidades inerentes, logo, é mais livre e dinâmica, pois,
tende a desenvolver-se de acordo com novas tramitações do ​Logos,​ mais no sentido que
66
«ideia é um horizonte para que se caminha ».

Ora, todo esse desenvolvimento sobre matéria e forma foi fundamental porque em Leão
Hebreu falar da matéria é falar de amor, tema central do presente trabalho. Nesta perspetiva,
de um ser criado, o amor participa do mundo e é vínculo de tudo o que existe nele. Trata-se de
uma ontologia estrutural. O amor é uma presença inerente ao mundo que só existe em virtude
do ser do amor. Em Leão Hebreu ele é o início, o fim, o meio. Sendo assim, o amor é algo que
preenche, que completa, que integra. Enquanto isso, Platão define o amor (Eros) como um
daimon,​ um intermediário entre o mundo físico e o mundo inteligível e sendo assim, além
dele não atuar como participante, ele está inserido numa categoria inferior aos deuses, o que
equivale dizer que o amor não possui o atributo de divindade, mas representa as virtudes e
paixões da alma.

Como afirmou Diotima no Banquete, Eros representa o desejo de imortalidade. A alma


quer voltar para o mundo inteligível, por isso, «o objetivo de Eros é a procriação na beleza,
67
tanto corporal como espiritual». Em Platão, o amor é um meio para a ascensão da alma ao
Bem absoluto através da Beleza, do prazer. «A ascensão é dirigida pelo logos que vai

64
Hebreu, Leão. Diálogos de amor. P. 26.
65
Moura, José Barata. Sentido universal do amor em Leão Hebreu. P. 9/10.
66
Moura, José Barata. Sentido universal do amor em Leão Hebreu. P. 10.
67
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 14/15.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

68
revelando os diversos sentidos dos objetos percebidos.» Nota-se, portanto, que Hebreu
universaliza o amor e ao universalizá-lo, amplia o âmbito da sua abrangência, indo além de
Platão que considera o amor como um meio de elevação, enquanto que o nosso filósofo Judeu
faz do amor o ser de Deus e de tudo o que há nesse mundo.

Nessa parte da nossa análise comparativa podemos passar para o nosso segundo ponto de
divergência, que é sobre a natureza do amor. Platão infere que «o amor por carência do que é
69
bom e do que é belo, deseja isso mesmo de que é carente.» A carência implica na
necessidade de ascender à beleza divina a partir de algo (ou alguém) que seja objeto de
desejo. Eros é o que torna o ser desejante e é esse desejo que move o ser pelo mundo, ao
outro. Por outro lado, Leão Hebreu não nega que a carência é causa produtora do amor, mas
ele acrescenta o conhecimento igualmente como causa precedente. Primeiro é preciso transitar
pelo terreno do conhecimento e depois re-conhecer a ausência. Para que haja amor, «é preciso
que o amante a quem ela falte a conheça previamente e considere boa, ótima, desejável, bela,
pois, neste caso, deseja-a para deleitar-se dela e quanto mais claro é esse conhecimento no
amante, mais intenso é o desejo e mais perfeito é o amor.» Com efeito, o conhecimento
precede a carência e dado que a beleza do criador excede a qualquer outra beleza criada e só
ela é perfeita, devemos admiti-lá como medida para tudo o que há no mundo. Desse modo, a
natureza do amor em Leão Hebreu é universal, enquanto que em Platão essa natureza
assemelha-se mais a uma pulsão da alma. Em Hebreu o conhecimento precede o desejo
enquanto que em Platão o desejo precede o conhecimento a partir de um movimento dialético
que faz o homem buscar a Verdade do mundo das ideias.

Para encerrar essa análise comparativa, outro ponto de diferença importante de destacar é
acerca da apreensão do amor pelos sentidos. Enquanto em Platão o amor é apreendido pela
visão, em Hebreu ele é também apreendido pelo tato. No primeiro, o desejo é desejo pelo
belo. No segundo, pelo bom. Platão considera a visão da Beleza em si como fonte de
procriação espiritual, pois, o que intelecto capta a partir da visão, o amor anseia
desesperadamente vivenciar. Ao admirar a beleza do amado, o amante capta uma fração da
beleza de deus. A visão — que representa os olhos do intelecto humano — é iluminada pelo
intelecto divino, e «a natureza erótica da alma procura a ascensão dialética no final da qual a

68
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 14/15.
69
Platão. O banquete. P. 35.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

70
inteligência é superada, é mais do que desejo para se tornar beleza em si.» Por outro lado,
Leão Hebreu considera ser o tato o sentido que sustenta a espécie humana mediante a
procriação. Os atos corporais são reflexos do amor recíproco, pois, os corpos desejam gozar a
união corporal a fim de que não haja diferença da união espiritual. Ademais, a importância do
tato é evidenciada por ele ao que concerne ao momento do sono, pelo fato dele ser o único
sentido que sobrevive durante o efeito de anestesiamento dos sentidos no ato de dormir.

Com estes últimos apontamentos, esta análise chega ao seu fim. O objetivo principal era
fazer uma comparação entre as ideias centrais dos nossos dois autores e demonstrar que não
há uma divergência total entre eles, mas sim o que podemos denominar de
complementaridade, mesmo porque o Renascimento é um período de retomada da perspetiva
paltônica de conceção de mundo e Leão Hebreu está inserido nesse contexto cultural.

6. Bibliografia

Bibliografia principal

● Hebreo, León. ​Diálogos de amor​. Traducción de David Romano. Madrid, Alianza editorial,
2002, 2ª edição, 345 pp.

● Platão. ​O banquete​. Minas Gerais; Brasil, Virtual books online M&M Editores Ltda,
2002/2003, 60pp.

● Platão. ​Fedro ou da Beleza​. Lisboa, Guimarães Editores, 2000, 6ª edição, 134 pp.

Bibliografia secundária

● Brandão, Junito. ​Mitologia Grega – Volume I​. Petrópolis / Rio de Janeiro, Editora Vozes,
1986, 419 pp.

● Hesíodo. ​Teogonia. A origem dos deuses.​ Estudo e tradução de Jaa Torrano. São Paulo; Brasil,
Roswitha Kempf Editores, 160 pp.

70
Rocha, Zeferino. O desejo na Grécia Clássica. P. 17.
As faces do amor — Análise comparativa entre a perspetiva de Platão e Leão Hebreu

● Quadros, Moreira Elton. ​Eros, Filia e Ágape: o amor do mundo grego à concepção cristã.
Acta Scientiarum, Human and Social Sciences [em linea] 2011, 33 pp. Disponível em:
http://www.redalyc.org/html/3073/307325341005/​. Último acesso em 18/11/2017.

● Macedo, Dion Davi. ​Os laços da linguagem – Eros e Logos.​ Revista Hypnos. Versão digital.
Disponível em: ​http://www.hypnos.org.br/revista/index.php/hypnos/article/view/15/15 .
Último acesso em 21/11/2017.

● Martins, Daniel Ropdrigues de Assis. ​A Cosmologia de Leão Hebreu.​ Disponível em:


http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/a-cosmologia-de-leo-hebreu-9937
Último acesso em 11/12/2017.

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