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Uma das tarefas das ciências é a possibilidade de compreensão/análise das relações que
nos cercam. Compreender os fenômenos sociais nos nossos dias é uma tarefa complexa, um desafio
que exige atenção às mudanças constantes, as limitações dos padrões de referências e a diversidade
de perspectivas que exigem abertura para diferentes concepções e possibilidades de análise. No
campo dos fenômenos jurídicos e sociais, as promessas de segurança produzidas por uma ordem
jurídica moderna encontram-se em debate. As noções de justiça que são apresentadas não parecem
alcançar a todos nas mesmas condições. Percebemos ao nosso redor mais incertezas e desconfianças
do que respostas. Vivemos, além disso, o tempo da diversidade de respostas possíveis tanto em
relação às escolhas mais banais, decidir sobre os dissabores cotidianos, nas relações privadas,
quanto às questões de maior complexidade, que envolvem as instituições, que interferem nas
tomadas de decisão políticas, com alcance para a coletividade.
A modernidade, tempo sobre o qual nossas reflexões acontecem, é consolidada a partir de
uma racionalidade instrumental e, por isso também, limitada. É a partir dessa referência que
podemos estudar as relações e as instituições que nos orientam. Um dos instrumentos de controle e
organização da vida em sociedade é o Estado e que define uma determinada forma de produção da
ordem jurídica. Considerando que estamos organizados a partir de uma ordem econômica
capitalista, no auge da geração de novas tecnologias, de mudanças aceleradas e pela conformação
de uma sociedade essencialmente de consumo é um desafio entender como o Estado Moderno tem
produzido mecanismos de normatização e de controle sobre as relações sociais. Nesse contexto é
que encontramos as bases de regulametação do direito ambiental brasileiro. A Constituição Federal
de 1988 dedica um capítulo para regulamentar a necessidade de proteção do meio ambiente
alicerçado em pelo menos dois grandes preceitos: desenvolvimento sustentável e a proteção dos
bens ambientais para as presentes e futuras gerações. (art. 225, CF/88). Essa previsão normativa
impõe reflexos para todas as normas infraconstitucionais na área do direito ambiental: Política
Nacional do Meio Ambiente, criação do IBAMA, criação do Ministério do Meio Ambiente, Política
Nacional de Recursos Hídricos, Código Florestal, entre outras. Nesse artigo analisa-se com mais
detalhe o primeiro dos alicerces citados: desenvolvimento sustentável.
Considerando, portanto, o ordenamento jurídico vigente no Brasil um dos desafios é a
execução, por parte do Estado, de ações que produzam condições para o desenvolvimento
sustentável. A complexidade da temática do desenvolvimento exige que as perspectivas teóricas que
o abordam estejam definidas de antemão, e que sejam compatíveis necessariamente com a previsão
jurídica de desenvolvimento sustentável. Derani (1997) apresenta o conceito de desenvolvimento
sustentável a partir de dois pilares: valores materiais, relacionados a distribuição de riquezas e,
valores morais e éticos, relacionados a realização do lucro, dos interesses privados, mas também
dos interesses coletivos. Mesmo não tratando especificamente de uma teoria do desenvolvimento
sustentável, a autora salienta que “ [o] desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um
desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de
valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de
conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, são
condicionados à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na
organização social” (DERANI, 1997, p. 128).
Outro recorte que precisa ser feito, neste artigo, diz respeito ao alcance do conceito de
desenvolvimento sustentável. Neste sentido, consideraremos duas perspectivas: primeiro, a
perspectiva de que o desenvolvimento ocorre quando há o planejamento de atividades e organização
de ações que produzem e geram renda/riqueza para os sujeitos envolvidos com uso adequado dos
recursos naturais; e, a segunda, que o desenvolvimento está relacionado com a amplitude da
participação no planejamento e nas ações por parte dos sujeitos envolvidos, tal participação
relaciona-se com as possibilidades de emancipação e com a qualidade de vida. Reafirmamos, essas
duas perspectivas fazem parte de uma noção bem mais ampla que se encontra positivada na
CF/1988, nos artigos 170 e 225, no contexto de um sistema de gestão de um governo democrático e
um modelo de economia capitalista.
Essas considerações são importantes para tratar da judicialização dos conflitos ambientais
e o debate sobre desenvolvimento sustentável. Fica claro nesse contexto temporal que há
necessidade de promoção do desenvolvimento e são as instituições do Estado que devem promovê-
lo. Ao mesmo tempo, na modernidade, se revelam as limitações e as consequências de um modelo
de desenvolvimento que foi efetuado nas bases de crescimento econômico sem limitações em
relação ao uso dos bens naturais. Um modelo de desenvolvimento excludente, pois não atingiu a
todos, e foi ambientalmente destrutivo. Para exemplificar podemos usar os dados sobre a pobreza
em países em desenvolvimento1 ou, dados sobre aquecimento global2 que sistematicamente são
divulgados, ou ainda, ilustrando com a teoria de Dupuy (2011) sobre a certeza da catástrofe nos
nossos tempos. Evidências de um modelo de desenvolvimento que deve ser superado. As decisões
judiciais do Estado brasileiro, na área ambiental, sistematicamente foram tomadas nos moldes do
desenvolvimento econômico, entendido exclusivamente como crescimento econômico 3. A tese,
1 O relatório das Nações Unidades aponta que mudanças são resultado de políticas públicas e que no Brasil, muito
embora se tenha conseguido reduzir radicalmente a miséria, há de forma geral um aumento das desigualdades sociais.
(Brasil, 2015).
2 Dados sobre aquecimento global. https://nacoesunidas.org/acao/mudanca-climatica/, acessado em 01/08/2017.
3 Um exemplo é a seguite decisão: "Agravo de instrumento. Processual civil. Administrativo. Ambiental. Indígena.
Desistência de recurso. Termo de acordo extrajudicial. Insuficiência. Devolução de prazo para contrarrazões.
Descabimento. Usina hidrelétrica. Vícios no processo de licenciamento ambiental. Omissão do componente indígena.
Colaboração das autoridades para o problema. Irreversibilidade da situação fática. Obra concluída. Reservatório
anteriormente citada (BÖLTER, 2013) evidencia que muitas decisões não conseguem em tempo
garantir a proteção do meio ambiente ou, em muitos casos, são decisões que prescrevem no sentido
de garantir o desenvolvimento econômico e, o dano ambiental, em muitas situações é solucionado
pelos principios do poluidor pagador, prevenção, precaução, ou seja, no modelo de indenizações
que visam a mitigação dos danos ambientais: termos de ajustamento de conduta, processos de
licenças ambientais, que apesar de viciados já produziram seus efeitos 4. Tal situação é reafirmada
por decisões judiciais como a que recentemente foi proferida pela Justiça Federal de Santa Catarina
na Ação Civil Pública nº 5026468-07.2014.404.7200 que determina a 'demolição' de
empreendimentos realizados em areas de preservação permanente em Jurerê Internacional,
Florianópolis, SC. Questiona-se sobre a concepção de desenvovlimento que sustenta tais decisões.
Qual a relação com o desenvolvimento? Ou, quais os impactos que produzem para a concepção de
desenvolvimento sustentável que norteia o ordenamento jurídico ambiental brasileiro?
cheio. Ausência de prejuízo aos envolvidos. Área estranha às terras indígenas. Medidas mitigatórias e compensatórias
pelos reflexos indiretos do empreendimento para os índios. Programa consistente. Execução imediata. Medidas
controvertidas. Necessidade de análise pela funai e pelo juiz de primeira instância. Cassação de liminar recursal.
Requerimentos ministeriais prejudicados. Perda de efeito de astreintes. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº
2009.04.00.016142-4/RS" Conforme a decisão acima um dos desafios da judicialização dos conflitos ambientais são os
procedimentos que muito corriqueiramente não podem ser diferentes face a situação fática irreversível ou seja o fato
consumado quando do julgamento.
4 O ingresso de 2.224.640 novos processos por ano no Estado do Rio Grande do Sul, revela, a presença do Poder
Judiciário no processo de resolução das questões conflitivas. Estes dados são referentes exclusivamente a Justiça
Comum[1]. Neste caso “o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é aquele em que a população mais
demanda à Justiça comum (18 casos novos a cada cem habitantes) e cujo indicador é superior ao dobro da média da
Justiça Estadual (8,6 casos novos a cada cem habitantes)” (Relatório CNJ, 2010, p 38). Outro dado, para confirmar a
presença do Estado na solução dos conflitos são as demandas da Justiça Federal[1]. Neste caso interessam os dados da
4ª. Região, na qual encontramos o Rio Grande do Sul. A justiça Federal tem competência para julgar conflitos
ambientais que se referem à união: Deste total, a 4ª Região (sede - RS), a 1ª (sede - DF) e a 3ª (sede - SP) são
responsáveis, por 76,6% dos processos ingressados em 2010, percentual superior ao informado no periódico Justiça em
Números de 2009 (72,7%)” (Relatório CNJ, 2010, p 151).
No contexto político e econômico já apontados existem vários desafios quando o
desenvolvimento sustentável é tomado como referência para produzir decisões sobre os conflitos
ambientais. Trataremos de alguns deles. O primeiro é a dimensão que parte da "existência de uma
'interdisciplinaridade disciplinar' entre economia e ecologia, o que facilita suas conexões e
operacionalidades, mas dificulta a inserção de elementos socioculturais no debate" (SILVA JÚNIOR
e FERREIRA, 2013, p. 17). A questão que se apresenta aqui é: como tratar dos elementos que
envolvem o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento econômico, conciliando saberes da
economia, das ciências humanas e biológicas, enfrentando parâmtros de referência que
históricamente controem-se numa relação do ser humano apropriando-se e usando a natureza? Ou,
ainda, como afirmam Silva Junior e Ferreira (2013, p. 3): "parte-se do princípio que existe, nas
diferentes narrativas sobre sustentabilidade, três elementos conceituais básicos: uma concepção
acerca dos padrões de (ir)regularidade entre humanidades e naturezas; a caracterização de
riscos e situações de vulnerabilidade à dinâmica de interação previamente estabelecida; e, por fim, a
busca de soluções para os dilemas socioambientais." É imprescindível, portanto, a construção, ou
mesmo reconstrução dos valores da relação ser humano e natureza. Isso significa no campo jurídico
incluir novas referências, novos valores, o que exige uma nova formação dos sujeitos do direito.
Uma nova formação quando aplicado à judicialização dos conflitos ambientais envolve os
sujeitos que estão diretamente relacionados com os conflitos ambientais. Envolve portanto, a noção
de direitos ambientais e desenvolvimento sustentável que possui o Ministério Público, quando
demandatário, seja por pressão da sociedade civil organizada (pois muitas das ações civis públicas
apresentadas são provocadas pelas ONGs locais), ou por mobilização e denúncias dos danos
ambientais que determinados emprendimentos, projetos ou licenciamentos podem gerar. Envolve,
também, a concepção que possuem os demandados, pois apresentam seus fundamentos e
argumentos na formalização e nos ritos do processo, construindo as bases para a decisão e, envolve
especialmente, a concepção que os magistrados, que devem julgar, possuem sobre a temática
abordada. Tais sujeitos produzem a partir da situação fática precedentes jurisprudenciais. As
decisões devem estar alicerçadas na norma jurídicas mas a amplitude de interpretação está nos
processos de construção do caso concreto. Não são fontes formais diretas no nosso sistema jurídico,
porém produzem consequências significativas para o sistema jurídico brasileiro.
Ainda nessa perspectiva, é necessário identificar que em uma sociedade de risco (BECK,
2010) pensar desenvolvimento sustentável ambiental exige identificar a forma como os 'riscos'
serão assumidos e divididos.
Se riscos e vulnerabilidades têm tamanha centralidade na dinâmica da
contemporaneidade e são sociais em origens e resultados, é, portanto, no papel das
ciências em que se deve buscar a articulação do conjunto de elementos que
compõem a produção dos riscos. Isso demonstra uma tripla responsabilidade da
produção científica: ela é, ao mesmo tempo, produtora, instrumento de definição e
possível fonte de solução dos riscos (BECK, 2010). Essa perspectiva permite
entrever uma trama de relações entre politização, cientifização e debate público.
(SILVA JUNIOR e FERREIRA, 2013, 4)
Entendemos que essa dimensão do conceito exige, além dos novos valores, novo
posicionamento em relação a atuação politica, nas ações de planejamento e de gestão do
desenvolvimento. Esse novo posicionamento responsabiliza os agentes do desenvolvimento, remete
a desafios em relação ao planejamento local, exige uma maior participação da sociedade gerando
necessariamente a ampliação dos espaços de gestão democrática das politicas públicas. Essas
questões que são complexificadas nas relações que estão imbricadas nos dilemas do processo de
globalização das relações políticas, nas dimensões econômicas, sociais e culturais. Como garantir,
porém, que as questões locais organizem-se quando há evidentes pressões das forças regionais e
internacionais?
Um exemplo que reafirma a necessidade das bases de um ordenamento juridico estatal que
sirva de referência para a solução dos conflitos ambientais é o estudo realizado por Louis J. Kotzé
(2013) no artigo: O desenvolvimento sustentável e o estado de direito para a natureza – uma leitura
constitucional. O autor faz uma análise do ordenamento jurídico da África do Sul e destaca três
aspectos que reafirmam as bases de um modelo de desenvolvimento que seja includente. Em
primeiro lugar informa que na Constituição da África do Sul há previsão sobre desenvolvimento
sustentável quando afirma expressamente a dignidade humana, a igualdade e a liberdade. Em
segundo lugar encontra-se nas palavras da própria Constituição o desenvolvimento sustentável
como um objetivo constitucional explícito na medida em que é inerente ao direito ambiental. Isso
significa que o governo deve alcançar, avançar, respeitar, proteger e promover os objetivos de
desenvolvimento sustentável do direito (KOTZÉ, 2013). E, em terceiro lugar, “apesar da linguagem
forte em favor do desenvolvimento sustentável, nada no direito, ou em qualquer outro lugar da
Constituição, sugere que as pessoas tenham um "direito ao desenvolvimento sustentável". As
pessoas só têm o direito de exigir proteção ambiental, o que, por sua vez, deve ser realizado por
meio de medidas legislativas e "outras" que devem garantir o desenvolvimento
sustentável.”(KOTZÉ, 2013, 138).
VI Considerações finais
VI Bibliografia
BECK, U. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
BÖLTER, Serli Genz. A Justiça e os Militantes. Uma análise sociológica da magistratura
federal do Rio Grande do Sul. Orientador: Raúl Enrique Rojo. Tese (Doutorado). Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas de Pós-Graduação em
Sociologia, Porto Alegre, RS, BR, 2013.
BITTAR, Eduardo. Homem globalizado, com que direito? Eduardo Bittar from cpfl cultura on
Vimeo. https://www.youtube.com/watch?v=L74yuOdtWUI - Gravado no dia 12/8/2004.
CABRAL, Jeanine Gama Sá. As respostas da sociedade internacional aos problemas ambientais
globais: o direito e a governança internacional do meio ambiente. V 3 – ANO II – Julho –
Setembro. 2007. acessado no site: www.cebri.org.br.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório do Conselho Nacional de Justiça, 2010.
http://www.cnj.jus.br/publicacoes/relatorios-publicacoes, acessado em 01/08/2017.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.
SANTOS, Boaventura de Sousa, MENESES, Maria Paula (orgs). Epistemologias do Sul. São
Paulo: Cortez, 2010.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução: Laura teixeira Motta; revisão
técnica: Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SILVA JÚNIOR, Roberto Donato, FERREIRA, Leila da Costa. Sustentabilidade na era das
conferências sobre meio ambiente e desenvolvimento – um olhar para a ecologia e economia.
Ambiente e Sociedade. São Paulo, v. XVI, número 1. p. 1-18. jan/mar, 2013.