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I Introdução

A implementação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento é uma das


atribuições dos Estados Modernos. Essa tarefa é, em Estados Constitucionais, realizada em pelo
menos três dimensões: criação de normas jurídicas para a implementação das políticas públicas de
desenvolvimento; execução e controle na promoção de tais políticas e, fiscalização/penalização
quando da inexecução de políticas previamente planejadas. No campo da judicialização dos
conflitos ambientais em regra nos encontramos na terceira dimensão: o Estado demandando ou
sendo demandado pela inexecução ou execução pacial de ações que envolvam bens da natureza.
O fenômeno da judicialização dos conflitos sociais, no caso desse estudo especificamente
dos conflitos ambientais, é uma características dos Estados Democráticos de Direito. Constatado o
fenômeno da judicialização dos conflitos ambientais no Estado Brasileiro o presente estudo é uma
revisão bibliográfica sobre os fundamentos do conceito de desenvolvimento sustentável que deve
embasar as decisões judiciais. É, também, uma investigação que problematiza a resposta dentro de
uma unidade de Estado Nação em um contexto de globalização das relações econômicas, sociais,
políticas e culturais, indicando alternativas tanto para reafirmar decisões que sejam sustentadas pela
concepção de desenvolvimento sustentável como para indicar que essa fundamentação deve estar
presente em todas as etapas do processo judicial.
A necessidade de tal estudo decorre da perspectiva de que nos tempos atuais a relação
jurídica entre seres humanos e natureza deve considerar tanto os seres humanos quanto a natureza
como 'seres detentores de direito'. A relação jurídica entre seres humanos e natureza é considerada,
então, a relação necessária para garantir a sobrevivência das espécies e, principalmente, assegurar
os bens naturais para as presentes e futuras gerações. É, nesse sentido, que podemos reafirmar e
buscamos comprovar no decorrer do presente artigo que a noção de desenvolvimento, como dever
do Estado, deve ser cunhada na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Investiga-se ainda a
necessidade de uma formação dos sujeitos envolvidos nesse fenômeno comprometida com um olhar
atento para a proteção ambiental e relacionada com a consolidação ou reafirmação de valores
vinculados a uma expectativa de promoção do desenvolvimento sustentável e de absoluto respeito a
um direito dos seres humanos e da natureza.

II Direito ambiental e desenvolvimento sustentável na ordem jurídica brasileira

Uma das tarefas das ciências é a possibilidade de compreensão/análise das relações que
nos cercam. Compreender os fenômenos sociais nos nossos dias é uma tarefa complexa, um desafio
que exige atenção às mudanças constantes, as limitações dos padrões de referências e a diversidade
de perspectivas que exigem abertura para diferentes concepções e possibilidades de análise. No
campo dos fenômenos jurídicos e sociais, as promessas de segurança produzidas por uma ordem
jurídica moderna encontram-se em debate. As noções de justiça que são apresentadas não parecem
alcançar a todos nas mesmas condições. Percebemos ao nosso redor mais incertezas e desconfianças
do que respostas. Vivemos, além disso, o tempo da diversidade de respostas possíveis tanto em
relação às escolhas mais banais, decidir sobre os dissabores cotidianos, nas relações privadas,
quanto às questões de maior complexidade, que envolvem as instituições, que interferem nas
tomadas de decisão políticas, com alcance para a coletividade.
A modernidade, tempo sobre o qual nossas reflexões acontecem, é consolidada a partir de
uma racionalidade instrumental e, por isso também, limitada. É a partir dessa referência que
podemos estudar as relações e as instituições que nos orientam. Um dos instrumentos de controle e
organização da vida em sociedade é o Estado e que define uma determinada forma de produção da
ordem jurídica. Considerando que estamos organizados a partir de uma ordem econômica
capitalista, no auge da geração de novas tecnologias, de mudanças aceleradas e pela conformação
de uma sociedade essencialmente de consumo é um desafio entender como o Estado Moderno tem
produzido mecanismos de normatização e de controle sobre as relações sociais. Nesse contexto é
que encontramos as bases de regulametação do direito ambiental brasileiro. A Constituição Federal
de 1988 dedica um capítulo para regulamentar a necessidade de proteção do meio ambiente
alicerçado em pelo menos dois grandes preceitos: desenvolvimento sustentável e a proteção dos
bens ambientais para as presentes e futuras gerações. (art. 225, CF/88). Essa previsão normativa
impõe reflexos para todas as normas infraconstitucionais na área do direito ambiental: Política
Nacional do Meio Ambiente, criação do IBAMA, criação do Ministério do Meio Ambiente, Política
Nacional de Recursos Hídricos, Código Florestal, entre outras. Nesse artigo analisa-se com mais
detalhe o primeiro dos alicerces citados: desenvolvimento sustentável.
Considerando, portanto, o ordenamento jurídico vigente no Brasil um dos desafios é a
execução, por parte do Estado, de ações que produzam condições para o desenvolvimento
sustentável. A complexidade da temática do desenvolvimento exige que as perspectivas teóricas que
o abordam estejam definidas de antemão, e que sejam compatíveis necessariamente com a previsão
jurídica de desenvolvimento sustentável. Derani (1997) apresenta o conceito de desenvolvimento
sustentável a partir de dois pilares: valores materiais, relacionados a distribuição de riquezas e,
valores morais e éticos, relacionados a realização do lucro, dos interesses privados, mas também
dos interesses coletivos. Mesmo não tratando especificamente de uma teoria do desenvolvimento
sustentável, a autora salienta que “ [o] desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um
desenvolvimento harmônico da economia e ecologia que devem ser ajustados numa correlação de
valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na tentativa de
conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento econômico, são
condicionados à consecução do desenvolvimento sustentável mudanças no estado da técnica e na
organização social” (DERANI, 1997, p. 128).

Outro recorte que precisa ser feito, neste artigo, diz respeito ao alcance do conceito de
desenvolvimento sustentável. Neste sentido, consideraremos duas perspectivas: primeiro, a
perspectiva de que o desenvolvimento ocorre quando há o planejamento de atividades e organização
de ações que produzem e geram renda/riqueza para os sujeitos envolvidos com uso adequado dos
recursos naturais; e, a segunda, que o desenvolvimento está relacionado com a amplitude da
participação no planejamento e nas ações por parte dos sujeitos envolvidos, tal participação
relaciona-se com as possibilidades de emancipação e com a qualidade de vida. Reafirmamos, essas
duas perspectivas fazem parte de uma noção bem mais ampla que se encontra positivada na
CF/1988, nos artigos 170 e 225, no contexto de um sistema de gestão de um governo democrático e
um modelo de economia capitalista.

Parte-se, portanto, da compreensão de que o desenvolvimento é um fenômeno


multidimensional, que exige transformações da estrutura produtiva, das relações sociais, das
instituições, da organização política, das bases culturais e da própria relação dos seres humanos com
a natureza. O desenvolvimento acontece no contexto das relações sociais, não é resultado de ações
espontâneas, ou seja, fruto apenas da ação de forças externas, mas é produto das relações
conflituosas que se estabelecem no interior das sociedades e na relação destas com as demais. Como
tal é parte das relações de forças, dos conflitos de classes, do que está em jogo para os diferentes
grupos, das políticas públicas, dos governos e dos organismos nacionais e internacionais.

Partindo dessas premissas, é necessário reconhecer que há um papel relevante do Estado na


implementação de ações que promovam o desenvolvimento sustentável. As ações do Estado estão
relacionados com a produção das normas, execução das políticas e fiscalização na implementação
de políticas, aqui especialmente no que se refere ao desenvolvimento. O estudo da judicialização
das relações sociais é o campo de intervenção do Estado nos aspectos de fiscalização e aplicação
das normas. É o Estado manifestando-se sobre um direito em disputa, e consequentemente os
magistrados, nesse caso, como guardiões da democracia (GARAPON, 2001). É nessa perspectiva
que o fenômeno da judicialização das relações sociais pode apresentar algumas evidências sobre o
modelo de desenvolvimento que tem sido adotado nas respostas do Poder Judiciário as demandas
ambientais tem alcançado. Observa-se que a jurisdicionalização constitui-se numa forma
crescentemente difundida de obrigar o Estado a manifestar-se, de fazê-lo tomar decisões, que
podem ser judiciais ou políticas. O que precisa ser evidenciado é que esse procedimento pode
obrigar os governos a pronunciarem-se, mas pode também, em determinadas situações, retardar a
manifestação do poder administrador (ROJO, 2003). Uma das tarefas é identificar como o Estado
tem se manifestado nas questões que envolvem o desenvolvimento sustentável nos conflitos
ambientais.

A jurisdicionalização dos conflitos revela que, muito corriqueiramente os sujeitos ou


instituições ao sentirem-se lesados nos seus direitos buscam o atendimento destes através de ações
apresentadas à Justiça ou a instâncias que agem de modo adjudicatório, estratégia que permite
muitas vezes ultrapassar certas escolhas que entorpecem à ação coletiva. Mas é preciso
“compreender também que cada vez que se jurisdicionaliza um conflito, se lhe desocializa quer
dizer, se coloca os atores na condição de cidadãos atomizados” (ROJO, 2003, p 25). Esse processo
pode fragilizar o sujeito, pois lhe retira o poder de articular-se coletivamente com seus pares em
prol de uma reivindicação compartilhada. Organizado coletivamente o sujeito poderia alcançar
respostas diferenciadas daquelas que as demandas individuais, de eficácia restrita, trazem. Esse é
um processo que pode acabar retardando a solução, já que a autoridade pode optar por remeter as
demandas a outras instâncias mais técnicas e por isso mais suscetíveis de controle do que a
mobilização social. Na tese de doutoramento "A justiça e os militantes. Uma análise sociológica da
magistratura Federal do Rio grande do Sul a partir das demandas ambientalistas" (BÖLTER, 2013)
comprova-se que nos processos de formação dos magistrados da Justiça Federal, poucos são os
elementos de formação específica na área ambiental. Ou seja, constata-se que cada vez mais
conflitos são apresentados para que o Estado diga sobre a forma de solucioná-lo e que os sujeitos
que representam o Estado para essa decisão nem sempre possuem a formação técnica e doutrinária
específicas sobre as temáticas demandadas.

Considerando que no fenômeno de judicialização dos conflitos ambientais o Estado deve


apresentar, através dos magistrados, a solução para o conflito ambiental, defende-se que as normas
devem servir de referência. Pela complexidade das questões que envolvem o direito ambiental,
sistematicamente os juristas devem recorrer às normas positivadas e aos princípios orientadores do
direito como recurso para garantir uma maior proximidade com a justiça. No caso do direito
ambiental brasileiro está expressamente normatizado que é dever do estado a solução dos conflitos a
partir da perspectiva do desenvolvimento sustentável.

III Judicialização dos conflitos ambientais e desenvolvimento sustentável: reafirmando conceitos

O direito ao desenvolvimento e o dever de promover o desenvolvimento são elementos que


caracterizam o Estado de Direito. Inicialmente, portanto, precisamos localizar em relação ao Estado
de Direito o momento histórico que estamos tratando. Pretende-se com isso compreender alguns
aspectos sociais e jurídicos de um período de implementação de um modelo de democracia para os
Estados Modernos que se encontra em uma fase de profundas alterações. A primeira grande questão
sobre democracia acontece a partir do debate sobre a escolha da democracia como forma de
governo, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Superado este debate,
constrói-se um modelo hegemônico de democracia que se pauta pela restrição da participação e com
o enfoque nos procedimentos eleitorais de formação dos governos. Tal modelo leva a um novo
debate sobre quais as condições estruturais que permitiriam que esse modelo de democracia pudesse
gerar elementos de compatibilidade entre democracia e capitalismo, como se constroem as bases de
desenvolvimento. Ou seja, o modelo de democracia que se constrói hegemonicamente ao longo do
século passado é o da democracia liberal, que concilia o modelo de estado democrático com o
modelo econômico capitalista (SANTOS, 2016). Reconhece-se as limitações desse modelo. As
categorias que explicam a Modernidade, por exemplo, a racionalidade instrumental não garantiram
justiça, liberdade, e equidade, tal como propunha. Alguns autores tratam de uma pós-modernidade
(BITTAR, 2004) ou um tempo de transição, conforme Santos (2002; 2010), caracterizando novas
racionalidades em substituição as impossibilidades da racionalidade instrumental. A Modernidade
configuraria um tempo em que o velho não responde mais aos desafios que se apresentam, mas no
qual o novo ainda não existe (SANTOS, 2002).

Essas considerações são importantes para tratar da judicialização dos conflitos ambientais
e o debate sobre desenvolvimento sustentável. Fica claro nesse contexto temporal que há
necessidade de promoção do desenvolvimento e são as instituições do Estado que devem promovê-
lo. Ao mesmo tempo, na modernidade, se revelam as limitações e as consequências de um modelo
de desenvolvimento que foi efetuado nas bases de crescimento econômico sem limitações em
relação ao uso dos bens naturais. Um modelo de desenvolvimento excludente, pois não atingiu a
todos, e foi ambientalmente destrutivo. Para exemplificar podemos usar os dados sobre a pobreza
em países em desenvolvimento1 ou, dados sobre aquecimento global2 que sistematicamente são
divulgados, ou ainda, ilustrando com a teoria de Dupuy (2011) sobre a certeza da catástrofe nos
nossos tempos. Evidências de um modelo de desenvolvimento que deve ser superado. As decisões
judiciais do Estado brasileiro, na área ambiental, sistematicamente foram tomadas nos moldes do
desenvolvimento econômico, entendido exclusivamente como crescimento econômico 3. A tese,

1 O relatório das Nações Unidades aponta que mudanças são resultado de políticas públicas e que no Brasil, muito
embora se tenha conseguido reduzir radicalmente a miséria, há de forma geral um aumento das desigualdades sociais.
(Brasil, 2015).
2 Dados sobre aquecimento global. https://nacoesunidas.org/acao/mudanca-climatica/, acessado em 01/08/2017.
3 Um exemplo é a seguite decisão: "Agravo de instrumento. Processual civil. Administrativo. Ambiental. Indígena.
Desistência de recurso. Termo de acordo extrajudicial. Insuficiência. Devolução de prazo para contrarrazões.
Descabimento. Usina hidrelétrica. Vícios no processo de licenciamento ambiental. Omissão do componente indígena.
Colaboração das autoridades para o problema. Irreversibilidade da situação fática. Obra concluída. Reservatório
anteriormente citada (BÖLTER, 2013) evidencia que muitas decisões não conseguem em tempo
garantir a proteção do meio ambiente ou, em muitos casos, são decisões que prescrevem no sentido
de garantir o desenvolvimento econômico e, o dano ambiental, em muitas situações é solucionado
pelos principios do poluidor pagador, prevenção, precaução, ou seja, no modelo de indenizações
que visam a mitigação dos danos ambientais: termos de ajustamento de conduta, processos de
licenças ambientais, que apesar de viciados já produziram seus efeitos 4. Tal situação é reafirmada
por decisões judiciais como a que recentemente foi proferida pela Justiça Federal de Santa Catarina
na Ação Civil Pública nº 5026468-07.2014.404.7200 que determina a 'demolição' de
empreendimentos realizados em areas de preservação permanente em Jurerê Internacional,
Florianópolis, SC. Questiona-se sobre a concepção de desenvovlimento que sustenta tais decisões.
Qual a relação com o desenvolvimento? Ou, quais os impactos que produzem para a concepção de
desenvolvimento sustentável que norteia o ordenamento jurídico ambiental brasileiro?

A concepção de desenvolvimento sustentável, adotado na Constituição brasileira de 1988,


é o termo trazido pelo Relatório Brundtland de 1987, conhecido como "Nosso futuro comum", e
que definiu o desenvolvimento sustentável como: "aquele que atende às necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades"
(PÁDUA, 2009). Existem várias dimensões a que este conceito remete, todas relevantes para a
manutenção/preservação dos recursos naturais. Tais dimensões são condição para uma perspectiva
juridica de relação harmoniosa dos seres humanos com a natureza, pois incidem nos aspectos
ecológicos, ambiental, social, político, econômico, demográfico, cultural, institucional e espacial.
Parte-se da necessidade de construir bases jurídicas que sejam sustentadas por uma relação de
proteção e preservação da natureza. O conceito de desenvolvimento sustentável é importante porque
revela que a relação com a natureza pode ser predatória ou sustentável. Não há mais variáveis. E a
sustentabilidade deve ser aplicada em todos as dimensões de debate do desenvolvimento.

cheio. Ausência de prejuízo aos envolvidos. Área estranha às terras indígenas. Medidas mitigatórias e compensatórias
pelos reflexos indiretos do empreendimento para os índios. Programa consistente. Execução imediata. Medidas
controvertidas. Necessidade de análise pela funai e pelo juiz de primeira instância. Cassação de liminar recursal.
Requerimentos ministeriais prejudicados. Perda de efeito de astreintes. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº
2009.04.00.016142-4/RS" Conforme a decisão acima um dos desafios da judicialização dos conflitos ambientais são os
procedimentos que muito corriqueiramente não podem ser diferentes face a situação fática irreversível ou seja o fato
consumado quando do julgamento.
4 O ingresso de 2.224.640 novos processos por ano no Estado do Rio Grande do Sul, revela, a presença do Poder
Judiciário no processo de resolução das questões conflitivas. Estes dados são referentes exclusivamente a Justiça
Comum[1]. Neste caso “o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul é aquele em que a população mais
demanda à Justiça comum (18 casos novos a cada cem habitantes) e cujo indicador é superior ao dobro da média da
Justiça Estadual (8,6 casos novos a cada cem habitantes)” (Relatório CNJ, 2010, p 38). Outro dado, para confirmar a
presença do Estado na solução dos conflitos são as demandas da Justiça Federal[1]. Neste caso interessam os dados da
4ª. Região, na qual encontramos o Rio Grande do Sul. A justiça Federal tem competência para julgar conflitos
ambientais que se referem à união: Deste total, a 4ª Região (sede - RS), a 1ª (sede - DF) e a 3ª (sede - SP) são
responsáveis, por 76,6% dos processos ingressados em 2010, percentual superior ao informado no periódico Justiça em
Números de 2009 (72,7%)” (Relatório CNJ, 2010, p 151).
No contexto político e econômico já apontados existem vários desafios quando o
desenvolvimento sustentável é tomado como referência para produzir decisões sobre os conflitos
ambientais. Trataremos de alguns deles. O primeiro é a dimensão que parte da "existência de uma
'interdisciplinaridade disciplinar' entre economia e ecologia, o que facilita suas conexões e
operacionalidades, mas dificulta a inserção de elementos socioculturais no debate" (SILVA JÚNIOR
e FERREIRA, 2013, p. 17). A questão que se apresenta aqui é: como tratar dos elementos que
envolvem o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento econômico, conciliando saberes da
economia, das ciências humanas e biológicas, enfrentando parâmtros de referência que
históricamente controem-se numa relação do ser humano apropriando-se e usando a natureza? Ou,
ainda, como afirmam Silva Junior e Ferreira (2013, p. 3): "parte-se do princípio que existe, nas
diferentes narrativas sobre sustentabilidade, três elementos conceituais básicos: uma concepção
acerca dos padrões de (ir)regularidade entre humanidades e naturezas; a caracterização de
riscos e situações de vulnerabilidade à dinâmica de interação previamente estabelecida; e, por fim, a
busca de soluções para os dilemas socioambientais." É imprescindível, portanto, a construção, ou
mesmo reconstrução dos valores da relação ser humano e natureza. Isso significa no campo jurídico
incluir novas referências, novos valores, o que exige uma nova formação dos sujeitos do direito.

Uma nova formação quando aplicado à judicialização dos conflitos ambientais envolve os
sujeitos que estão diretamente relacionados com os conflitos ambientais. Envolve portanto, a noção
de direitos ambientais e desenvolvimento sustentável que possui o Ministério Público, quando
demandatário, seja por pressão da sociedade civil organizada (pois muitas das ações civis públicas
apresentadas são provocadas pelas ONGs locais), ou por mobilização e denúncias dos danos
ambientais que determinados emprendimentos, projetos ou licenciamentos podem gerar. Envolve,
também, a concepção que possuem os demandados, pois apresentam seus fundamentos e
argumentos na formalização e nos ritos do processo, construindo as bases para a decisão e, envolve
especialmente, a concepção que os magistrados, que devem julgar, possuem sobre a temática
abordada. Tais sujeitos produzem a partir da situação fática precedentes jurisprudenciais. As
decisões devem estar alicerçadas na norma jurídicas mas a amplitude de interpretação está nos
processos de construção do caso concreto. Não são fontes formais diretas no nosso sistema jurídico,
porém produzem consequências significativas para o sistema jurídico brasileiro.

Ainda nessa perspectiva, é necessário identificar que em uma sociedade de risco (BECK,
2010) pensar desenvolvimento sustentável ambiental exige identificar a forma como os 'riscos'
serão assumidos e divididos.
Se riscos e vulnerabilidades têm tamanha centralidade na dinâmica da
contemporaneidade e são sociais em origens e resultados, é, portanto, no papel das
ciências em que se deve buscar a articulação do conjunto de elementos que
compõem a produção dos riscos. Isso demonstra uma tripla responsabilidade da
produção científica: ela é, ao mesmo tempo, produtora, instrumento de definição e
possível fonte de solução dos riscos (BECK, 2010). Essa perspectiva permite
entrever uma trama de relações entre politização, cientifização e debate público.
(SILVA JUNIOR e FERREIRA, 2013, 4)
Entendemos que essa dimensão do conceito exige, além dos novos valores, novo
posicionamento em relação a atuação politica, nas ações de planejamento e de gestão do
desenvolvimento. Esse novo posicionamento responsabiliza os agentes do desenvolvimento, remete
a desafios em relação ao planejamento local, exige uma maior participação da sociedade gerando
necessariamente a ampliação dos espaços de gestão democrática das politicas públicas. Essas
questões que são complexificadas nas relações que estão imbricadas nos dilemas do processo de
globalização das relações políticas, nas dimensões econômicas, sociais e culturais. Como garantir,
porém, que as questões locais organizem-se quando há evidentes pressões das forças regionais e
internacionais?

Ainda sobre o conceito de desenvolvimento sustentável precisamos reafirmar que o


fenômeno da judicialização dos conflitos ambientais deve ter como uma tarefa equacionar as
relações de desenvolvimento sustentável e economia. Na análise doutrinária realizada por Silva
Junior e Ferreira (2013, p.10) eles sugerem dez caracterísitcas que são necessárias para a relação
desse binômio: economia/desenvolvimento sustentável:

(1) busca da equidade intergeracional através de um processo de valoração


ecológico-econômico e também “social” (HOWARTH e NORGAARD,
1992); (2) políticas de “ajustamentos à sustentabilidade” através da
combinação entre econometria e da análise histórica qualitativa (STERN
et al., 1996); (3) adequação entre imperativos socioeconômicos e
ecológicos, através da construção de um “padrão mínimo de segurança”
(ROTMANS et al., 2000); (4) deslocamento da manutenção do estoque
(capital natural) para a manutenção dos fluxos (entrada de material por
unidade de serviço) (HINTERBERGER et al., 1997); (5) articulação de
princípios “operacionais” como responsabilidade, definição de escala,
precaução, manejo adaptativo, incorporação dos custos ambientais e
participação (Costanza et al., 1998); (6) governança sistêmica e
planejamento transescalar/ transdiciplinar (KAY et al., 1999); (7) controle
político-financeiro da relação entre os processos de inovação tecnológica e
consumo (BINSWANGER, 2001, FARBER et al., 2002); (8) manutenção do
“capital natural crítico” (EKINS et al., 2003); (9) processo de aprendizagem
adaptativa transescalar (EKINS et al., 2003); (10) sustentabilidade como
planejamento territorial que abarca aspectos ecológicos econômicos e
sociais (Reed et al., 2006; CIEGIS et al., 2009; BURINSKIENE e
RUDZKIENE, 2009).
Não há dúvidas da complexidade de procedimentos para dar conta de um desenvolvimento
sustentável. Ainda que longa, a lista acima revela em quais as dimensões o desenvolvimento
sustentável se encontrra e, especialmente, revela a necessidade de manter o debate sobre
desenvolvimento e sustentabilidade, como condição para se avançar na implementação dessa
concepção. Quando tratamos da judicialização dos conflitos ambientais, há que se considerar que
nas demandas já há um debate sobre as relações do ambiente com a economia por conta do conflito
preexistente. Ou seja, há de antemão um conflito instaurado no processo judicial, na demanda que
foi apresentada ao Estado. As respostas para que ocorra o atendimento de uma perspectiva de
desenvolvimento sustentável pode ser apreciada em cada caso sob judice. É a demanda do caso
concreto que permitirá a aplicação dos preceitos teóricos que vislumbre a sustentabilidade. A saída
sempre será a partir de uma análise interdisciplinar, tendência que permite a "incorporação de
aspectos sociológicos e antropológicos à forte tendência de se encarar sustentabilidade através de
procedimentos técnicos, combinada com análises econômicas." (SILVA JUNIOR e FERREIRA,
2013, p. 8).

Um último aspecto sobre o conceito de desenvolvimento sustentável está no desafio


relacionado com a visão jurídica de direito da natureza, ou seja, afirmar que juridicamente há um
direito da natureza. Precisamos entender que há um desafio sobre a forma de olhar para os bens
naturais. A natureza é detentora de direitos e este reconhecimento é condição de garantia de um
desenvolvimento sustentável. Na obra Primavera Silenciosa, Rachel Carson (1962) afirmava:
“Agora eu realmente acredito que nós, nesta geração, devemos chegar a um acordo com a natureza,
e eu acho que somos desafiados, como a humanidade nunca foi desafiada antes, para provar nossa
maturidade e nosso domínio, não da natureza, mas de nós mesmos.” Esse fundamento ainda é um
desafio para o ordenamento jurídico.

O desafio da humanidade não é tanto encontrar soluções que tenham como


pressuposto uma imaginária igualdade entre os seres humanos e entre estes e
o resto das espécies, mas aceitar a realidade como ela é, entendendo como
tal a complexidade da reciprocidade hierárquica existente. São poucos os
que enxergam corretamente que o reducionismo antropocêntrico foi
reforçado na modernidade porque os indivíduos tornaram-se sujeitos de
direito ao serem considerados todos relativamente iguais, sendo impossível
então atribuir o mesmo direito àqueles que, evidentemente, não são “tão”
iguais a nós. O aumento da separação com o mundo natural dá-se, por
consequência, porque a modernidade tende a obscurecer (ou assumir como
transgressão) qualquer relação não racional entre os seres humanos. (LEIS,
1999, p.214)
O debate sobre um direito da natureza é central para a construção dos fundamentos do
desenvolvimento sustentável, pois parte da premissa de uma natureza detentora do direito de
proteção. Como as normas jurídicas brasileiras estão alicerçadas nesse ideário é preciso avançar na
compreensão das implicações desses preceitos em relação às respostas diante das demandas dos
conflitos ambientais tendo como referência a perspectiva de uma justiça que busca a harmonia entre
seres humanos e natureza.

IV Ordenamento juridico brasileiro e desenvolvimento sustentável: os desafios da judicialização


dos conflitos ambientais em uma sociedade globalizada

Analisar as implicações da judicialização dos conflitos ambientais a partir do


desenvolvimento sustentável é um desafio pela complexidade do conceito e pela necessidade de
uma concepção interdisciplinar que a temática ambiental apresenta, como desenvolvemos acima.
Além desse desafio entendemos que a análise desse tema deve passar pela contextualização de uma
sociedade que se organiza globalmente. Ainda que seja uma globalização essencialmente
econômica, ela tem produzido reflexos nas áreas ambientais, sociais e culturais que precisam de um
olhar mais detalhado.

A primeira questão é sobre o modelo de desenvolvimento produzido por Estados Nações


que estão, na Modernidade, com seus espaços de autodeterminação e de controle de suas políticas
limitados por espaços de negociação e de submissão a tratados internacionais, ou de relações entre
grupos de Estados5. Qual o modelo de desenvolvimento sustentável que deve ser construído no
contexto dessas relações? De acordo com Amartya Sen (2010) o modelo de desenvolvimento que
deve ser alcançado é o modelo que deve considerar o debate sobre as capacidades. O autor traz para
o debate do desenvolvimento a liberdade e entende que somente há desenvolvimento quando todos
forem incluídos. Essa inclusão acontece quando cinco liberdades instrumentais são asseguradas: 1)
Liberdades políticas: que envolvem os direitos civis, são as liberdades de escolha em relação oas
governantes e aos instrumentos de fiscalização e crítica aos que se encontram no comando –
assegurado por uma imprensa livre e atuante; 2) facilidades econômicas: acesso ao consumo,
produção ou troca; 3) oportunidades sociais: acesso aos serviços básicos – saúde, educação, lazer.
Envolve uma vida privada de qualidade e participação na vida pública; 4) Garantias de
transparência: informações das instituições em todos os níveis; 5) Segurança protetora: políticas de
Estado que visem a seguridade social. Percebe-se, portanto, um concepção de desenvolvimento que
vai além do desenvolvimento econômico, afirmando-se o dever ser promovido pelo Estado. O que a
globalização tem revelado é preocupante nessa perspectiva porque assinala que vivemos em uma
sociedade na qual alguns Estados tem melhores condiçôes de assegurar essas capacidades, outros
não tem os mesmos mecanismos de controle, ou não promovem as condições para que o
desenvolvimento possa ser assegurado, seja pelas tomadas de decisões políticas, seja pelas pressoes

5 Alca, Mercosul, G8, entre outros.


economicas que sofrem de Estados economica e politicamente com mais "liberdade". Em um
primeiro momento pode parecer que pensar o desenvolvimento no território nacional já poderia ser
sufuiciente. O que se constata é que a ausência de desenvolvimento em determinadas regiões do
planeta, ou em determinados Estados Nações pode gerar consequências nos demais Estados,
situações que podem se ilustradas pelos processos de migração, de deslocamento das populações.

Os desafios estão colocados na perspectiva de pensar politicas de desenvolvimento local,


regional, nacional e internacional, pois “compreender uma região passa por entender como funciona
a economia em nível mundial e rebatê-la no território de um país, com a intermediação do Estado,
das demais instituições e do conjunto de agentes da economia, a começar pelos atores
hegemônicos.” (SANTOS, 2014, 51-52) Santos evidencia esse desafio. Ainda que a citação
mencione expressamente a questão econômica entendemos que estas questões se estendem para os
elentos ambientais, sociais e culturais. Cada vez mais o local é compreendido através do global e, as
ações globais são influenciadas pelas questões locais, o que não impede que esse movimento
também sirva para fortalecer as identidades locais. “Se o espaço se torna uno para atender às
necessidades de uma produção globalizada, as regiões aparecem como as diferentes versões da
mundialização. Esta não garante a homogeneidade, mas ao contrário, instiga diferenças, reforça-as e
até mesmo depende delas. Quanto mais os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e
específicos, isto é, únicos” (SANTOS, 2014, 53). O que precisa ser evidenciado é como essas
questões aparecem no fenômeno da judicialização dos conflitos ambientais e como repercutem nos
modelos de um desenvolvimento sustentável.

Um exemplo que reafirma a necessidade das bases de um ordenamento juridico estatal que
sirva de referência para a solução dos conflitos ambientais é o estudo realizado por Louis J. Kotzé
(2013) no artigo: O desenvolvimento sustentável e o estado de direito para a natureza – uma leitura
constitucional. O autor faz uma análise do ordenamento jurídico da África do Sul e destaca três
aspectos que reafirmam as bases de um modelo de desenvolvimento que seja includente. Em
primeiro lugar informa que na Constituição da África do Sul há previsão sobre desenvolvimento
sustentável quando afirma expressamente a dignidade humana, a igualdade e a liberdade. Em
segundo lugar encontra-se nas palavras da própria Constituição o desenvolvimento sustentável
como um objetivo constitucional explícito na medida em que é inerente ao direito ambiental. Isso
significa que o governo deve alcançar, avançar, respeitar, proteger e promover os objetivos de
desenvolvimento sustentável do direito (KOTZÉ, 2013). E, em terceiro lugar, “apesar da linguagem
forte em favor do desenvolvimento sustentável, nada no direito, ou em qualquer outro lugar da
Constituição, sugere que as pessoas tenham um "direito ao desenvolvimento sustentável". As
pessoas só têm o direito de exigir proteção ambiental, o que, por sua vez, deve ser realizado por
meio de medidas legislativas e "outras" que devem garantir o desenvolvimento
sustentável.”(KOTZÉ, 2013, 138).

Considerando esses fundamentos o autor analisa a aplicação do direito pelo Poder


Judiciário da África do Sul e identifica a tendência de julgamentos na aplicação dos fundamentos do
desenvolvimento sustentável: “Este caso levanta uma questão importante sobre a obrigação dos
órgãos do Estado quando tomam decisões que podem ter um impacto substancial sobre o ambiente.
(...) A necessidade de proteger o meio ambiente não pode ser negada. Assim, também, é a
necessidade de desenvolvimento social e econômico. (KOTZÉ, 2013, p. 140). Salienta ainda o autor
que essas decisões revelam uma tendência de supervisão e de sinais de uma autorização
constitucional voltada para a governança ambiental que deve salientar o papel promotor de políticas
públicas que fortaleçam a relação do Estado com uma responsabilidade de garantir um direito para a
natureza.

Por fim e no sentido de pensar a necessidade de uma política voltada para o


desenvolvimento sustentável na sociedade globalizada podemos verificar a importância de que o
direito sustentável esteja previsto como fundamento do direito internacional. Conforme afirmado
por Cabral (2007, 11):

Outro destacado princípio do direito internacional do meio ambiente é o do


desenvolvimento sustentável. Sua utilização em instrumentos internacionais
sugere quatro objetivos diferentes – embora relacionados entre si: o
compromisso de preservar os recursos naturais em benefício das gerações
atuais e futuras; o estabelecimento de práticas de exploração prudentes e
racionais; o uso equitativo dos recursos naturais, considerando as
necessidades de outros Estados e populações; e a integração entre as
preocupações ambientais e os planos, programas e projetos de
desenvolvimento. De todo modo, é certo que esse princípio traz em seu bojo
a necessidade de conciliação entre dois conceitos aparentemente
contraditórios: desenvolvimento e preservação ambiental.

Evidencia-se, nesse sentido, dispositivos que permitem a consolidação de uma concepção


de defesa do desenvolvimento sustentável em todos os níveis de organização da vida em sociedade.
Um dos posicionamentos na direção dessa concepção é o evidenciado na decisão da Corte
Internacional de Justiça sobre o caso do projeto Gabcikovo-Nagymaros, no qual o Vice-Presidente
da Corte, Juiz Weeramantry, em voto separado, manifestou-se sobre o status jurídico do princípio do
desenvolvimento sustentável, defendendo que o referido princípio teria por bases jurídicas o direito
ao desenvolvimento e o direito ao meio ambiente saudável, e integraria o direito das gentes
(CABRAL, 2007, p 9). Reafirma-se aqui a necessidade de um direito no qual seres humanos e
natureza tenham mecanismos de proteção jurídica. Só uma nova concepção nessa relação permitirá
que os bens da natureza sejam protegidos em todas as dimensões, assegurando-os para as presentes
e futuras gerações.
Nos fundamentos jurídicos do direito ambiental brasileiro está expresso que a concepção
de desenvolvimento deve estar voltada ao desenvolvimento sustentável e, com base nos
fundamentos acima, tal perspectiva também se consolida como necessária nas relações que
envolvem Estados Nações nas relações internacionais, devendo, portanto, figurar como
fundamentos nos tratados internacionais e nas bases de relações entre diferentes Estados.
As bases do direito da natureza devem estar bem definidos para que os fundamentos do
desenvolvimento sustentável sejam os parâmetros para as decisões nos casos de judicialização dos
conflitos ambientais. Considerando-se os processos de globalização, princípios e normas
orientadoras podem e devem minimizar e apresentar alternativas para solucionar as disputas ou
conflitos entre Estados e as questões que envolvem conflitos que possuem bens da natureza em
disputa.

VI Considerações finais

O fenômeno da judicialização dos conflitos ambientais é uma comprovação das limitações


da organização jurídica dos Estados Modernos. O ideal seria que no processo de elaboração das leis
e na execução das políticas públicas de desenvolvimento sustentável todas as controvérsias fossem
resolvidas. A constação de que esses direitos não são assegurados permite que se instaure a disputa
jurídca pelo direito não assegurado. A possiblidade de demandar por respostas em caso de conflito é
uma das promessas das democracias modernas, pois é a alternativa para que o Estado seja forçado a
responder pelos conflitos não solucionados.
No caso dos conflitos ambientais torna-se relevante que os fundamentos do
desenvolvimento sustentável sejam os referênciais para que os magistrados definam as respostas.
Para que isso possa acontecer é indispensável que as normas de direito ambiental sejam invocadas e
que os dispositivos dos artigos 225 e 171 da Constituição federal sejam interpretados na condição
de garantia do desnvolvimento sustentável e da garantia de proteção dos bens da natureza para as
presentes e futuras gerações.
O fenômeno da judicialização dos conflitos ambientais revela um desafio relacionado com
o campo de formação dos sujeitos envolvidos com o direito ambiental, qual seja, a necessidade de
uma formação que permita ter clareza da interdisciplinaridade desse tema. É indispensável para a
defesa de uma matriz voltada para o desenvolvimento sustentável e de defesa dos bens da natureza,
uma formação que seja sensível com a proteção do meio ambiente e que identifique que a harmonia
da relação entre seres humanos e natureza é condição para a sobrevivência de todas as espécies,
inclusive a dos seres humanos.
A identificação de que a natureza é detentora de direitos é o caminho para a consolidação
de uma nova relação dos seres humanos entre si e com os bens naturais. Essa perspectiva tem sido
construída como uma alternativa para que as relações possam ser alicerçadas com bases em
matrizes de respeito e de uma percepção de novos valores entre seres humanos e a natureza. Os
indicadores mencionados no texto, especialmente sobre dados climáticos e os indicadores de que a
catástrofe é uma certeza diante do cenário atual nos responsabiliza com essa nova postura frente ao
direito ambiental. Reconhece-se que o cenário de princípios como o de poluidor pagador,
minimização e indenização dos danos ambientais, entre outros, com certeza não são mais
suficientes para a preservação do meio ambiente. Para alguns autores, ou construímos novas bases
ou não sobreviveremos. Conforme Dupuy (2011, p 118-119)
Na verdade, não há ação que expresse em mais alto grau a liberdade do
homem do que a que estabelece limites à sua capacidade individual de agir,
sob a forma de imperativos, de normas e de regras com validade universal,
e que os respeita. É por essa auto limitação que os indivíduos se tornam
pessoas autônomas, que entram em comunicação umas com as outras.
Pensar isso seria inevitavelmente descambar para o totalitarismo em
política? É obviamente o contrário que é verdadeiro. Ou o debate
democrático sobre as novas ameaças vai focar cada vez mais os limites que
as sociedades industriais vão ter de impor a si próprias, com uma
coordenação entre elas, ou então é um ecofacismo apavorante que pode
chegar a impor a sua lei ao planeta.
O desafio é semelhante ao apresentado pela judicialização dos conflitos ambientais. São
respostas individuais (cada processo) que se coletivizam (os precedentes jurisprudenciais que vão
sendo gerados), ou seja somos responsáveis individualmente pelos processos coletivos e pela
construção de valores que podem alterar o rumo das relações entre seres humanos e a natureza. Os
sujeitos envolvidos nos processos de judicialização dos conflitos ambientais devem produzir e
consolidar mecanismos de reafirmação dos direitos da natureza e, especialmente, reafirmar os
princípios do desenvolvimento sustentável como modelo de desenvolvimento. O desafio é de cada
um e as respostas devem ser consolidadas e construidas nos processos de organização e gestão
democráticas em uma sociedade que cada vez mais fortalece os mecanismos de respostas
individualizadas.

VI Bibliografia

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BÖLTER, Serli Genz. A Justiça e os Militantes. Uma análise sociológica da magistratura
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