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Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em plantas

Chapter · July 2017

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3 authors:

Antônio Azeredo Coutinho Neto Priscila Primo Andrade Silva


University of São Paulo Colégio Santa Clara
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Ana Zangirolame Gonçalves


University of São Paulo
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Nitrogen metabolism and its interaction with the Crassulacean Acid Metabolism (CAM) in Guzmania monostachia (Bromeliaceae): a physiological and molecular
approach View project

Exploring the physiological and molecular aspects of Guzmania monostachia (Bromeliaceae): studying the functional pathways of photosynthesis and nutrient
responses View project

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2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

BOTÂNICA NO INVERNO 2017

Organizadores

Laboratório de Algas Marinhas Ricardo Silva Batista Vita


Ana Maria Pereira Barreto Amorim Laboratório de Fitoquímica
Fábio Nauer da Silva Pâmela Tavares da Silva
Fabiana Marchi Wilton Ricardo Sala de Carvalho
Mariana Sousa Melo Laboratório de Fisiologia do
Patrícia Guimarães Araújo Desenvolvimento Vegetal
Laboratório de Anatomia Vegetal Priscila Pires Bittencourt
Carlos Eduardo Valério Raymundo Laboratório de Sistemática e
Josiana Cristina Ribeiro Taxonomia Vegetal
Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva Eric Kataoka

Professora responsável
Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan

Autores
Allyson Eduardo Nardelli Juan Pablo Narváes-Gomez
Ana Maria Amorim Juliana Castelo Branco Brasileiro
Ana Zangirolame Gonçalves Juliana Lovo
Andressa Cabral Leyde Nayane Nunes dos Santos
Annelise Frazão Luis Carlos Salto
Antônio Azeredo Coutinho Neto Luiz Henrique Martins Fonseca
Bruno Michael Brabo Marco Octávio de O. Pellegrini.
Camila Lopes Lira Mariana Sousa Melo
Carlos Eduardo Valério Raymundo Mario Celso Machado Yeh
Daniele Rosado Matheus Martins Teixeira Cota
Eric Yasuo Kataoka Nuno Tavares Martins
Erica Moniz Ferreira da Silva Pâmela Tavares da Silva
Erick Alves Pereira Lopes Filho Patrícia Guimarães Araújo
Fabiana Marchi Pércia Paiva Barbosa
Fabio Nauer Priscila Pires Bittencourt
Fernanda Anselmo Moreira Priscila Primo Andrade Silva
Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira Ricardo Ernesto Bianchetti
Fernanda Mendes de Rezende Ricardo Silva Batista Vita
Gabriela Carvalho Lourenço da Silva Sabrina Gonçalves Raimundo
Gisele Alves Sara Sangi Miranda
Janaína Pires Santos Wilton Ricardo Sala de Carvalho
Jéssica Nayara Carvalho Francisco Yasmin Vidal Hirao
Josiana Cristina Ribeiro

São Paulo
2017

3
VII Botânica no Inverno 2017 / Org. Carlos Eduardo Valério Raymundo [et al.]. – São
Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de
Botânica, 2017. 332 p. : il.

ISBN Versão online: 978-85-85658-68-7

Inclui bibliografia

1. Biodiversidade e evolução. 2. Ensino em Botânica. 3 Estrutura e desenvolvimento. 4.


Recursos econômicos vegetais.
VII Botânica no Inverno 2017.

4
PREFÁCIO
Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de
Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é
referência em nível internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por
28 docentes (3 aposentados), os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento.
Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário com a coleção de plantas
vasculares, algas e madeiras estimado em 300.000 espécimes e um fitotério, com uma
coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao
grande número de pós-graduando (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica
dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 6, o mais alto
entre as botânicas do país.
Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa
dos pós-graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de
Botânica, possibilitando o futuro acolhimento de alunos/(potenciais) pesquisadores ao
seu corpo discente.
Na VII edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de
graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas
Anatomia Vegetal, Educação em Botânica, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Fitoquímica,
Sistemática e Taxonomia Vegetal, além de proporcionar a experiência de vivenciarem
as atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos
possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento.
Para a realização do VII Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de
São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica,
à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de
fomento FAPESP, CAPES e CNPQ.

O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores.

Desejamos a todos um bom curso.


Comissão Organizadora do VII Botânica no Inverno

5
ÍNDICE
PREFÁCIO...................................................................................................................................................5
PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO
Capítulo 1: Origem do cloroplasto................................................................................................................8
Capítulo 2: Introdução às Macroalgas Marinhas.........................................................................................15
Capítulo 3: Histórico de vida em macroalgas..............................................................................................27
Capítulo 4: Diversidade intraespecífica: modificações da cor do talo em algas vermelhas
(Rhodophyta)...............................................................................................................................................39
Capítulo 5: Espécies exóticas de algas marinhas com enfoque em macroalgas invasoras.........................49
Capítulo 6: Mudanças climáticas: os efeitos sobre macroalgas marinhas ..................................................69
Capítulo 7: Ecologia de Costões Rochosos e Metodologias de Amostragem ............................................76
Capítulo 8: Cultivo de Macroalgas Marinhas..............................................................................................93
Capítulo 9: Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados
à reconstrução de uma hipótese filogenética.............................................................................................103
Capítulo 10: Sistemática vegetal: histórico, conceitos e o estado atual.....................................................133
PARTE II: ENSINO EM BOTÂNICA
Capítulo 11: Formação de professores de botânica: bases teoricas e dificuldades na formação...............154
Capítulo 12: Educação Ambiental e o Projeto Ecossistemas Costeiros....................................................167
Capítulo 13: Ilustrando um pensamento: vetorização gráfica aplicada à botânica...................................181
PARTE III: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO
Capítulo 14: Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em angiospermas.............................................194
Capítulo 15: Anatomia floral, esporênese e gametogênese.......................................................................205
Capítulo 16: Anatomia e identificação de madeiras..................................................................................219
Capítulo 17: Estruturas Secretoras Nupciais e de Proteção.......................................................................228
Capítulo 18: Respostas das plantas ao estresse hídrico.............................................................................238
Capítulo 19: Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em plantas...........................................247
Capítulo 20: Recursos genéticos vegetais: aplicações do cultivo in vitro.................................................261
Capítulo 21: Da genômica à bioinformática..............................................................................................278
PARTE IV: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS
Capítulo 22: Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas .......................................................288
Capítulo 23: Metabólitos secundários como ferramenta para a sistemática de angiospermas..................307
Capítulo 24: Compostos bioativos em macroalgas ...................................................................................325

6
PARTE I

DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO

7
CAPÍTULO I

Origem e evolução dos organismos fotossintetizantes


Fabio Nauer

Atualmente a classificação dos seres vivos está dividida em três domínios: duas
linhagens distintas de organismos procariontes (Bacteria e Archaea) e uma de
organismos eucariotos (Eukarya). Protistas, fungos, plantas e animais são vistos como
reinos dentro do domínio Eukarya. As células eucarióticas evoluíram cerca de 1,5 bilhão
de anos atrás, depois dos primeiros procariotos e 1 bilhão de anos antes dos primeiros
animais. A origem dessa linhagem de organismos eucariotos está relacionada com um
dos eventos mais fascinantes que ocorreram na evolução da vida na Terra, a
endossimbiose, onde ocorre a transformação de células procarióticas simples em
organelas de células eucarióticas com organização complexa.

A endossimbiose teve uma profunda influência sobre a diversificação dos


eucariotos, teorias afirmam que o processo foi responsável pelo surgimento do sistema
de endomembranas e origem do núcleo das células eucarióticas. Em geral, as células
dos eucariotos são 10 vezes maiores do que as células dos procariotos e com isso
exigem outro nível de compartimentação pra funcionarem efetivamente. Tudo teria
começado com o surgimento de uma célula hospedeira procariótica em um fagócito
primitivo, uma célula capaz de envolver partículas tão grandes quanto bactérias. Essa
célula hospedeira ancestral seria heterótrofa, sem parede, e com uma membrana
plasmática flexível capaz de envolver grandes partículas alimentares mediante a
formação de invaginações.

Teorias propõem que mitocôndrias e cloroplastos sejam descendentes de


bactérias que foram capturadas e adotadas por uma célula hospedeira ancestral, onde o
fagócito passou a não digerir os percursores bacterianos das mitocôndrias (ou
cloroplastos), mas adotá-los estabelecendo uma relação simbiótica. Esse processo de
estabelecimento de uma célula dentro da outra, para seus benefícios mútuos, é então
chamado de endossimbiose.

8
A transformação de um endossimbionte numa organela em geral envolveu a
perda da parede celular do endossimbionte, além de outras estruturas desnecessárias. Ao
longo da evolução, o DNA do endossimbionte e muitas de suas funções foram
gradualmente sendo transferidas para o núcleo do hospedeiro. Por isso, os genomas das
mitocôndrias e dos cloroplastos modernos são pequenos se comparados com o genoma
nuclear. Embora a mitocôndria ou o cloroplasto não possa viver fora de uma célula
eucariótica, ambos são organelas que se autorreplicam e retiveram muitas das
características de seus ancestrais procarióticos. O envoltório mitocondrial é composto
por duas membranas e a mitocôndria contêm DNA e maquinário para síntese de
proteína, incluindo ribossomos.

A aquisição de plastídios através de diversos tipos de endossimbiose possui um


importante papel na diversificação dos organismos fotossintetizantes e na origem das
plantas terrestres. Estudos atuais indicam que a origem dos cloroplastos está associada
com a endossimbiose de uma cianobactéria, por um processo chamado de
endossimbiose primária. Endossimbiose primária (Figura 1) se dá quando uma célula
procariótica (cianobactéria) é fagocitada por uma célula eucariótica, ao longo do tempo,
então essa cianobactéria foi “escravizada” pela célula hospedeira e se tornou uma
organela semiautônoma, com seu próprio material genético, capacidade de síntese
proteica, mas dependente de proteínas providas pela célula hospedeira e incapaz de
viver fora dessa associação. Mitocôndrias e cloroplastos possuem um envelope com
duas membranas, sendo que a membrana interna seria resquício da membrana
plasmática da célula procariótica fagocitada e a membrana exterior resquício do vacúolo
digestivo da célula eucariótica hospedeira. Endossimbiose primária caracteriza a origem
do cloroplasto de três linhagens de algas: algas vermelhas, verdes e glaucófitas (Figura
3).

O número de vezes que a endossimbiose primária ocorreu é controverso, mas


cientistas acreditam que a origem do cloroplasto primário é única e que algas vermelhas,
verdes e glaucófitas compartilham de um ancestral comum, agrupados no subgrupo dos
Archaeplastida.

9
Figura 1. Representação do processo de endossimbiose primária.

Figura 2. Teoria da endossimbiose primária.

10
Endossimbiose secundária (Figura 3) é o processo no qual uma célula
eucariótica fotossintetizante é fagocitada por outra célula eucariótica, mas heterótrofa.
Essa endossimbiose dá origem a um cloroplasto secundário, composto por três a quatro
membranas. Os cloroplastos de Haptófitas, Chlorarachniófitas, euglenoides,
estramenópilas e dinoflagelados possuem cloroplastos secundários (Tabela 1).

As evidências para essas hipóteses surgem de muitas fontes. Uma é que ambas,
mitocôndrias e cloroplastos, estão envoltos por duas membranas, sendo a membrana
externa representando a membrana da vesícula fagocítica original, e a membrana interna
representando a membrana original do procarioto. Além disso, a bioquímica da
membrana externa das mitocôndrias e dos cloroplastos remete aquela da membrana
celular de eucariotos, enquanto a interna è semelhante com a membrana celular
procariota. Como dito anteriormente, essas organelas também apresentam DNA e
ribossomos próprios, que são semelhantes aqueles dos procariotos. Há muitos exemplos
de endossimbiontes procarióticos (bacterianos) e eucarióticos em outros protistas, assim
como nas células de 150 gêneros animais de invertebrados de água doce e salgada.
Endossimbiontes algas, inclusive aqueles que ocorrem nos pólipos de corais que
formam recifes, aumentam a produtividade e a sobrevivência do hospedeiro.

Tabela 1. Origem do cloroplasto dos organismos fotossintetizantes.

Grupo Origem do Cloroplasto


Glaucófitas Primária
Cryptomonadas Secundária (vermelhas)
Algas Vermelhas Primária
Algas Verdes Primária
Euglenóides Secundária (verdes)
Chloroarachniófitas Secundária (verdes)
Haptófitas Secundária (vermelhas)
Dinoflagelados Secundária ou terciária (várias fontes)
Apicomplexos Secundária (vermelhas)
Estramenópilos Secundária (vermelhas)

11
Figura 3. Representação do processo de endossimbiose secundária.

Referências

Charrier, B., Bail, A., Reviers, B. (2012). Plant Proteus: Brown Algal Morphological
Plasticity And Underlying Developmental Mechanisms. Trends In Plant Science,
August 2012, Vol. 17, No. 8
Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. (2009). Algae. 2. ed. Pearson Benjamin
Cummings, 616 p.
Guimarães, S.M.P.B. (1990). Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito
Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 275 p.
Guiry, M.D. (2011). The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso
em 02 de junho de 2012.
Knoll, A.H. (2011). The Multiple Origins Of Complex Multicellularity. Annual Review
of Earth and Planetary Sciences. 39:217–39
Lee, R.E. (2008). Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p.
12
Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C.
(2007). Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p.
Spalding, M.D., Fox, H.E., Allen, G.R., Davidson, N., Ferdaña, Z.Z., Finlayson, M.,
Halpern, B.S., Jorge, M.A., Lombana, A., Lourie, S.A., Martin, K.D., Mcmanus, E.,
Molnar, J., Recchia, C.A., Robertson, J. (2007). Marine Ecoregions of the World: A
Bioregionalization of Coastal and Shelf Areas. BioScience 57(7): 573-583

13
Anotações:

14
CAPÍTULO II

Introdução às Macroalgas Marinhas


Fabio Nauer
Erick Alves Pereira Lopes Filho

O termo alga representa um grupo de organismos classificados em grupos


distintos, sem valor taxonômico. Esses organismos apresentam uma grande variação de
formas e tamanhos, podendo ser uni ou multicelulares, procariotos ou eucariotos e que
utilizam o pigmento clorofila a para realizar a fotossíntese. De modo geral, o corpo
dessas algas recebe o nome de talo, e não apresenta diferenciação em raiz, caule ou
folhas. Com base em sua coloração, as algas são tipicamente divididas em três grandes
grupos: algas vermelhas, verdes e pardas. Com base no tamanho do talo, as algas podem
ser diferenciadas em dois grupos: micro e macroalgas. As macroalgas são
macroscópicas, multicelulares e habitam ambientes aquáticos marinhos e continentais.
As algas vermelhas (filo Rhodophyta) são abundantes em águas tropicais e
quentes, porém algumas espécies também podem ser encontradas em regiões mais frias
do mundo. Existem, aproximadamente, 6.000 espécies descritas, distribuídas em 680
gêneros. Dentre as características apresentadas pelas algas vermelhas, podemos citar:
amido das florídeas como produto de reserva, presença dos polissacarídeos ágar ou
carragenana na composição da parede celular, presença em grande quantidade do
pigmento acessório ficoeritrina, que mascara a coloração da clorofila a e ausência de
centríolos ou flagelos em qualquer fase de seu ciclo de vida (Vide Capítulo 4).
As algas verdes (filo Chlorophyta) incluem cerca de 3.500 espécies, distribuídas
em uma ampla variedade de habitats, aquáticos, terrestres e inclusive em associações
simbióticas com fungos, formando líquens. As algas verdes também apresentam uma
grande variação de formas e tamanhos, podendo ser unicelulares flageladas, coloniais,
filamentosas e cenocíticas. Algas verdes também possuem íntima relação com briófitas
e plantas vasculares, sendo os únicos grupos de organismos fotossintetizantes a
possuírem clorofilas a e b e armazenarem amido no interior dos plastos. Outros
pigmentos acessórios que estão presentes são luteína e beta-caroteno, não possuindo
ficobilinas.
As algas pardas (filo Ochrophyta) incluem cerca de 1.500 espécies distribuídas
em 250 gêneros, sendo predominantemente marinhos e abundantes em regiões mais

15
frias do globo. Com base no tamanho, as algas pardas podem variar de formas
microscópicas à formas macroscópicas de até 60 metros de comprimento, conhecidas
como kelps. Grandes kelps podem formar verdadeiras florestas subaquáticas, abrigando
diversas espécies de organismos marinhos de importância ecológica e econômica. De
modo geral, o talo das kelps pode ser subdivido em uma lâmina fotossintetizante, um
estipe altamente especializado e um apressorio de ancoramento. A parede celular das
algas pardas possuem três componentes: ácido algínico, celulose e polissacarídeos
sulfatados. Além da clorofila a, os cloroplastos dessas algas possuem clorofila c, beta-
caroteno, violoxantina e grandes quantidades de fucoxantina, que mascara a coloração
da clorofila a e confere as algas pardas sua coloração marrom típica.

Tabela 1. Principais características dos três grandes grupos de algas, modificado de Graham & Graham
(2009).

Característica Rhodophyta Chlorophyta Ochrophyta


Clorofilas a a, b a, c1, c2

Ficobilinas b-ficocianina
b-ficoeritrina
c-ficocianina
c-aloficocianina
c-ficoeritrina

Carotenóides β-caroteno β-caroteno β-caroteno


Zeaxantina Luteína Fucoxantina
Antheraxantina Violaxantina Violaxantina
Luteína Zeaxantina Zeaxantina

Amido das
Substância de florídeas Amido Laminarina
reserva Manitol

Parede celular Celulose Celulose Celulose


Agar Ácido Algínico
Carragenana

Presentes em algumas Presente em gametas


Flagelos Ausentes fases; e/ou
esporos;

Número
Cloroplastos variável; Número variável; Número variável
Ovais, Discóides, reticulados, Estrelados, cilíndricos

16
discóides ou ou
estrelados; estrelados, laminares, lenticulados.
em forma de fita etc.

O talo, o corpo vegetativo simples, das algas, variam em complexidade e forma,


tais como:

 Aspecto de rede: talos cujos filamentos se desenvolvem formando


estruturas semelhantes a redes. Ex.: Microdyction;
 Calcário: talos com presença de carbonato de cálcio. Ex.: Corallina e
Halimeda;
 Cenocíticos: talo onde não há divisão de células, ou talo acelular, onde
ocorre um aglomerado de núcleos e cloroplastos. Ex.: Codium e
Caulerpa.
 Cilíndricos: talos de forma cilíndrica, com medula e córtex
diferenciados. Ex.: Gracilaria e Gelidium;
 Crostosos: talos com aspecto de crosta, que recobre o substrato. Ex.:
Hildenbrandia e Ralfsia;
 Filamentosos: talos compostos por uma única fileira de células. Ex.:
Chaetomorpha e Feldmannia;
 Filamentosos corticados: talos filamentosos que apresentam córtex
diferenciado. Ex.: Ceramium e Centroceras.
 Foliáceos laminares: constituídos por algumas camadas de células, não
há divisão em córtex e medula medula nem córtex. Ex.: Ulva e
Porphyra;
 Foliáceos corticados: apresentam medula e córtex diferenciados. Ex.:
Canistrocarpus e Padina;
 Globosos: talos de formato esférico. Ex.: Ventricaria e Valonia;

As macroalgas habitam as zonas costeiras rochosas tanto em ambientes tropicais


quanto temperados, e são os principais componentes das comunidades de meso e
infralitoral de costões rochosos, manguezais, atóis, bancos arenosos, bancos de
rodolitos, bancos de fanerógamas, recifes de coral, recifes de arenito, estuários e

17
substratos artificiais. Na região do mesolitoral, as algas são expostas a diversos fatores
que influenciam sua distribuição e sobrevivência, esses fatores, por sua vez, podem ser
divididos em fatores abióticos e fatores bióticos.
Fatores abióticos são fatores ausentes da presença de seres vivos, mas
influenciados pelas propriedades físicas e químicas da biosfera (fatores ambientais).
Para as algas marinhas, o fator abiótico mais importante é a variação da maré, bem
como a irradiância, a temperatura, o hidrodinamismo e a dessecação.
 Dessecação: perda de líquidos devido à prolongada exposição ao ar
durante a baixa maré;
 Hidrodinamismo: ação das ondas e o movimento da água;
 Irradiância: por serem fotossintetizantes, a ocorrência e distribuição
das algas está diretamente relacionada com a distribuição de luz;
 Temperatura: influencia diretamente no metabolismo das algas,
como a fotossíntese e a respiração.

Fatores bióticos são fatores ocasionados pela presença de seres vivos ou suas
relações. Entre as relações que existem entre os organismos que vivem ou visitam a
região do mesolitoral, podemos citar a competição, a herbivoria e as interações
simbióticas.

 Competição: resultado da escassez de algum recurso, como espaço


para fixação e crescimento;
 Herbivoria: por serem organismos sésseis, as algas desenvolveram
outras formas de evitar a predação, como viver em locais de maior
estresse nas partes superiores de costões rochosos, por exemplo;
 Interações simbióticas: espécies podem apresentar relações
ecológicas como o comensalismo, o mutualismo e o parasitismo.

18
1 2

3 4

5 6

7 8

Figuras 1-8: Exemplos de Algas Verdes. Figura 1. Ulva rigida, aspecto geral do talo foliáceo. Figura 2.
Detalhe do talo formado por duas camadas de células. Figura 3. Chaetomorpha antennina, aspecto geral
do talo filamentoso. Figura 4. Detalhe dos filamentos unisseriados, não ramificados. Figura 5. Caulerpa
sertularioides, aspecto geral do talo cenocítico. Figura 6. Detalhe do talo cenocítico, sem divisão de
células. Figura 7. Halimeda sp., aspecto geral do talo, evidenciando as porções calcificadas da planta.
Figura 8. Detalhe da região de ligação não calcificada das porções articuladas do talo.

19
9 10

11 12

13 14

15 16

Figuras 9-16: Exemplos de Algas Pardas. Figura 9. Padina gymnospora, aspecto geral do talo foliáceo
cortiçado, em forma de ventarola. Figura 10. Corte transversal do talo. Figura 11. Spatoglossum
schroederi, aspecto geral do talo. Figura 12. Corte transversal do talo, mostrando as células do córtex
pigmentadas e as células da medula incolores. Figura 13. Canistrocarpus cervicornis, aspecto geral do
talo. Figura 14. Detalhe da ramificação dicotômica do talo. Figura 15. Feldmannia indica, aspecto geral
do talo filamentoso. Figura 16. Detalhe do filamento unisseriado, evidenciado os cloroplastos estrelados.

20
17 18

19 20
21 22
1

23 24

Figuras 17-24: Exemplos de Algas Vermelhas. Figura 17. Vidalia obtusiloba, aspecto geral do talo
achatado. Figura 18. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex pigmentado e a medula incolor.
Figura 19. Ceramium flaccidum, aspecto geral do talo filamentoso. Figura 20. Detalhe dos
filamentos, com o córtex formando-se nas regiões dos nós do talo. Figura 21. Gracilaria caudata,
aspecto geral do talo cilindrico. Figura 22. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex
pigmentado e a medula incolor. Figura 23. Corallina officinalis, aspecto geral do calcário articulado.
Figura 24. Detalhe das porções do talo com depósito de carbonato de cálcio (intergenículos) e
21
porções de sem depósito (genículos).
Assim como as plantas terrestres, as algas possuem grande importância
ecológica por serem organismos fotossintetizantes. Além disso, são fontes de alimentos
para diversos animais aquáticos, como crustáceos, peixes e tartarugas. Algumas algas
ainda servem de hábitat para espécies de animais que utilizam a estrutura do talo, ou
mesmo o próprio banco de algas, como locais de abrigo e reprodução.
Algas também são largamente utilizadas em diversas atividades humanas. Em
muitos países, principalmente no Oriente, as algas fazem parte da alimentação diária.
São fontes de proteínas, vitaminas e sais minerais. Dentre as mais conhecidas, destaca-
se o nori, utilizado pelos japoneses no preparo do sushi. Além disso, o ágar, os alginatos
e os carragenanos presentes na parede celular das algas são largamente utilizados na
indústria, nas áreas de biologia molecular e biotecnologia, bem como na fabricação de
alimentos, bebidas e cosméticos (Vide Capítulo 24). E por fim, pesquisas vêm sendo
realizadas para analisar a eficácia das algas no tratamento de diversas doenças, tais
como asma, bronquite, verminoses, artrite e hipertensão.

Referências
Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. 2009 Algae. 2. ed. Pearson Benjamin
Cummings, 616 p.
Guimarães, S.M.P.B. 1990 Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito
Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 275 p.
Guiry, M.D. 2011 The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso em
02 de junho de 2012.
Lee, R.E. 2008 Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p.
Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C. 2007
Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da Universidade de
São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p.
Pedrini, 2010 Pedrini, A.G. (Org.) 2010 Macroalgas – Uma Introdução à Taxonomia.
Série Flora Marinha do Brasil, vol 1, 1ª ed. Technical Books Editora, Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.
Santelices, B.; Bolton, J.J. & Meneses, I. 2009 Marine Algal Communities. In :
Witman, J.D. & Roy, K. (Eds). Marine Macroecology. Chicago: The University of
Chicago Press, p. 153-192.

22
Anotações:

23
CAPITULO III

Histórico de vida em macroalgas


Mario Celso Machado Yeh

1- Renovação da vida
Os elementos abióticos presentes na natureza se renovam ciclicamente, tais
como a água, o carbono e o enxofre. Para os seres vivos não é diferente: as
características contidas no genoma de um organismo são transmitidas de geração para
geração. Este processo não consiste apenas na divisão de células e na reprodução dos
organismos, mas também nos processos capazes de transmitir as informações contidas
em um indivíduo para as gerações seguintes.

24
2- Históricos de vida
O conjunto dos eventos de desenvolvimento e reprodução que são contemplados
durante a vida de um indivíduo, população ou espécie é conhecido como histórico de
vida. Ciclo de vida é o termo mais conhecido quando nos referimos ao conjunto destes
processos, entretanto é conveniente salientar que histórico pode ser um termo mais
apropriado, pois nem sempre é possível a observação de um ciclo completo.
Os processos de meiose e fecundação são essenciais para compreensão dos
históricos de vida. As algas se reproduzem por uma variedade de métodos,
assexuadamente e sexuadamente. Enquanto a reprodução sexuada envolve fusão de
gametas, cariogamia e meiose, esses processos não ocorrem na reprodução assexuada.
Alguns organismos podem se reproduzir exclusivamente de maneira assexuada,
entretanto a maioria das algas se reproduz de maneira sexuada e assexuada.
A reprodução assexuada permite crescimento populacional rápido em condições
favoráveis, uma vez que não existe o custo energético associado a produção de gametas
e a necessidade de se encontrar parceiros. Em contraste, a reprodução sexuada pode
conferir como vantagem o aumento da variabilidade genética de uma população,
fomentando a habilidade de resposta a mudanças ambientais por processos evolutivos.
Além disso, muitas algas que realizam reprodução sexuada possuem mecanismos de
resistência no histórico de vida, que podem permitir a sobrevivência em condições
desfavoráveis ao crescimento.
Os históricos de vida são classificados de acordo com o número de gerações
(fases) e a ploidia dessas fases. Os históricos de vida haplobiontes apresentam apenas
uma geração duradoura. Nesse caso, os organismos podem ser haplóides (n) ou
diplóides (2n), dependendo da espécie. O histórico de vida diplobionte apresenta duas
gerações duradouras distintas, uma diplóide e outra haplóide.

3- Reprodução assexuada
Muitas espécies de algas que podem se reproduzir assexuadamente, o fazem por
esporulação. A partir do citoplasma de uma célula, uma ou mais células reprodutivas
são produzidas, e estas são capazes de originar novos indivíduos uni ou pluricelulares.
Estas células reprodutivas (esporos) diferem em mobilidade e capacidade de produzir
flagelos, ainda que sejam capazes de serem dispersadas além da célula parental:

25
 Zoósporos: possuem flagelos que os conferem mobilidade em ambientes
aquáticos.
 Aplanósporos: Não possuem flagelos.
Outras mecanismos de reprodução assexuada ou vegetativa são também
encontrados em algas. Espécies coloniais de forma e número de células definido são
capazes de se reproduzir por autocolonização, onde cada célula da colônia se divide e dá
origem a uma versão miniaturizada do organismo. Algas filamentosas ou
parenquimatosas podem se reproduzir assexuadamente por fragmentação do talo.
Acinetos são estruturas especiais de resistência de cianobactérias, que podem se formar
quando as condições do meio em que se encontram não são favoráveis à reprodução
vegetativa.

4- Reprodução sexuada
A reprodução sexual é encontrada na maioria das linhagens de algas. Ainda que
as cianobactérias (algas azuis) apresente alguns mecanismos de troca de genes, muitos
dos processos típicos da reprodução das linhagens eucarióticas estão ausentes. A
reprodução sexuada em eucariotos envolve a produção de gametas, a fusão de gametas e
a meiose.
Os gametas são haploides e têm como função principal a fecundação. Os
indivíduos que, os produzem são denominados de gametófitos, e as estruturas onde são
diferenciados são chamadas gametângios. Os gametas produzidos podem ser mais ou
menos diferenciados entre si:
 Isogamia: os gametas são estruturalmente semelhantes, entretanto podem ser
distintos bioquimicamente. Os símbolos + ou – podem ser atribuídos para cada
um dos gametas.
 Heterogamia - anisogamia: os gametas são diferentes em tamanho. O feminino
é ligeiramente maior que o masculino e ambos podem apresentar mobilidade.
 Heterogamia - oogamia: um gameta masculino (flagelado ou aflagelado) e um
gameta feminino maior e imóvel.

26
Tabela 1. Ilustrações representando gametas encontrados em alguns dos históricos de vida presentes em
macroalgas.

Três principais históricos de vida são contemplados na reprodução sexual das


algas:
Haplobionte diplonte (meiose gamética): os gametas masculinos e femininos
são haploides, enquanto o estádio vegetativo é diploide. Os gametas se fundem para
formar um zigoto, que por diversas divisões mitóticas forma um corpo multicelular
diploide. A possibilidade de mascarar mutações deletérias é uma das possíveis
vantagens do histórico de vida em que a fase diploide é a dominante. A geração
dominante carrega também duas vezes as mutações benéficas. Entretanto, o genoma da
fase diploide, pode mascarar mutações benéficas, o que pode comprometer a eficácia de
resposta a mudanças ambientais.

27
Figura 1. Histórico de vida incluindo meiose gamética. As fases representadas no fundo rosa são
haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). Células reprodutivas no
estádio vegetativo dão origem a gametas femininos ou masculinos, haploides. Estes se fundem na
fecundação e formam o zigoto (diploide) que por sucessivas divisões mitóticas dá origem ao estádio
vegetativo duradouro. Modificado de Graham et al., 2009

 Haplobionte haplonte (meiose zigótica): apenas as células zigóticas são


diploides, e a fase vegetativa é, portanto, haploide. Durante a meiose do zigoto,
genes relacionados à reprodução dão origem a dois tipos de fases vegetativas,
um positivo e um negativo. Estas por sua vez dão origem a gametas + e –
(também referidos por x e y) que formarão o zigoto. A expressão do tipo (+ ou
−) é controlada pelo ambiente. No histórico de vida em que a fase haploide é a
dominante, mutações deletérias tendem a sumir nas populações, enquanto as
benéficas respondem de maneira mais eficiente às mudanças do ambiente.

28
Figura 2. Histórico de vida incluindo meiose zigótica. As fases representadas no fundo rosa são haploides
(n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). O zigoto (diploide) dá origem a
gametas + ou – , que originam fases vegetativas + ou –, respectivamente. A geração dominante, + ou –,
dará origem a gametas + ou –, respectivamente, que se fundem, originando o zigoto, fechando o histórico.
Modificado de Graham et al., 2009

 Diplobionte (meiose espórica): o histórico de vida que contempla a meiose


espórica é conhecido pela alternância de gerações. Essa característica evoluiu
independemente em várias linhagens de algas e no ancestral comum das plantas
terrestres. Este histórico contempla duas fases multicelulares: os gametófitos
(haploides) e os esporófitos (diploides). Os gametófitos, em condições
favoráveis, produzem gametas que quando fundidos formam um zigoto,
diploide. Este zigoto sofre divisões mitóticas e origina o esporófito, multicelular.
Nessa geração, ocorre a produção de esporângios, nos quais ocorre a meiose,
Após a liberação, esses esporos podem germinar e dar origem aos gametófitos,
restaurando o ciclo. A alternância de gerações pode ser dividida em duas
categorias, baseadas nas diferenças morfológicas entre as fases gametofíticas e
esporofíticas:
o Alternância de gerações isomórfica: os estádios gametofíticos e
esporofíticos são morfologicamente semelhantes.
o Alternância de gerações heteromórfica: os estádios gametofíticos e
esporofíticos são morfologicamente diferentes. No passado, diferentes
estádios do histórico de vida de uma mesma espécie já foram

29
classificados como espécies ou gêneros distintos. Atualmente, o cultivo
em laboratório e testes de biologia molecular, por exemplo, permitem
entender melhor a alternância de gerações heteromórfica.

Figura 3. Histórico de vida incluindo meiose espórica e alternância de gerações. As fases representadas
no fundo rosa são haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). O
zigoto (diploide) dá origem a um esporófito. Células reprodutivas do esporófito, por meiose, dão origem à
gametas + ou –. Estes dão origem a gametófitos + ou –, respectivamente. Os gametófitos + ou – dão
origem a gametas + ou –, respectivamente que se fundem dando origem ao zigoto, fechando o histórico.
Modificado de Graham et al., 2009

5- Exemplos de ciclos em algas multicelulares


Na natureza nem sempre o que está contemplado no histórico de vida acontecerá
com os indivíduos de forma cíclica, seguindo as setas propostas em um esquema
simplificado. Muitas vezes mais um modo de reprodução poderá ocorrer: algas que são
capazes de se reproduzir sexuadamente, também podem se reproduzir por fragmentação,
por exemplo. Para contextualização, abaixo temos alguns exemplos de históricos de
vida dos principais grupos de algas verdes, pardas e vermelhas, todos multicelulares:

5.1 - Algas verdes


Neste grupo ocorrem reprodução vegetativa, espórica e gamética. A reprodução
vegetativa ocorre por divisão celular simples ou fragmentação e também podem se
reproduzir pela formação de esporos. O histórico de vida pode ser do tipo haplobionte

30
diplonte, haplobionte haplonte ou diplobionte com gerações isomórficas ou
heteromóficas:
Spirogyra sp.
Esta é uma alga comum em lagos e poças temporárias, que apresenta o
citoplasma espiralado. Uma das maneiras pelas quais Sporogyra sp. pode se reproduzir
envolve um tubo de conjugação (conjugação lateral).

Figura 4. Histórico de vida simplificado de Spirogyra sp. As gerações ou estádios que caracterizam este
ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul As gerações duradouras
apresentam suas respectivas ploidias entre parênteses. Modificado de Lee (1989)

Ulva sp.
Também conhecida como alface do mar, esta alga apresenta alternância de
gerações onde os estádios adultos são isomórficos

31
Figura 5. Histórico de vida simplificado de Ulva sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida
estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Raven et al. (2007)

5.2 - Algas pardas


Neste grupo é possível observar reprodução do tipo vegetativa, espórica e
gamética. As algas pardas possuem uma nomenclatura específica para as células
reprodutivas:

 Órgão plurilocular: produz células por mitose. As células produzidas por esta
estrutura apresentam mobilidade. É possível observar o aparecimento do órgão
plurilocular tanto no gametófito quanto no esporófito. No gametófito (n), o
órgão funciona como um gametângio, produzindo gametas (que podem se
desenvolver por partenogênese também). No esporófito (2n), o órgão funciona
como um esporângio, produzindo esporos.
 Órgão unilocular: produz células por meiose e ocorre apenas no esporófito. É
uma célula grande e esférica que após a meiose forma esporos em múltiplos de
quatro.

Fucus sp.
É um gênero de algas pardas de distribuição cosmopolita. O histórico de vida
apresenta reprodução sexuada com meiose gamética que se assemelha à encontrada nos
seres humanos.

32
Figura 6. Histórico de vida simplificado de Fucus sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida
estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Graham et al. (2009)

Ectocarpus sp.
É um gênero de alga filamentosa que tem sido utilizada como modelo de estudos
para a genômica. Os esporângios pluricelulares deste órgão permitem restaurar a
geração esporofítica.

Figura 7. Hisórico de vida simplificado de Ectocarpus sp. As gerações que caracterizam este ciclo de
vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Graham et al. (2009)

33
5.3 - Algas vermelhas
Apresentam reprodução vegetativa, espórica e gamética. Enquanto a reprodução
vegetativa ocorre através da fragmentação do talo, a reprodução sexuada envolve a
formação de esporos. Os esporos formados pela meiose são sempre em número de 4, de
onde deriva o nome tetrasporângio. Os esporos produzidos dentro dos tetrasporângios
são chamados de tetrásporos e se desenvolvem em três arranjos distintos: cruciados,
zonados ou tetraédricos O gameta masculino não apresenta flagelos e é denominado de
espermácio, enquanto o feminino é denominado de carpogônio.

Gracilaria sp.
Neste gênero o histórico de vida é trifásico, com duas fases diploides e uma
haploide. As três fases contempladas nesse histórico de vida são a gametofítica (n), a
carposporofítica (2n) e tetrasporofítica (2n). A alternância de gerações encontrada é do
tipo isomórfica: o tetrasporófito e o gametófito são semelhantes. A geração
carposporofítica é parasita do gametófito feminino. Os espermácios produzidos pelo
gametófito masculino são carregados pela água até as estruturas de reprodução dos
gametófitos femininos, os carpogônios. A fusão destes gametas forma a geração
carposporofítica, no talo do gametófito feminino. Esta geração é protegida por uma série
de camada de células do gametófito feminino. O conjunto formado pelas células do
gametófito feminino e o carposporófito é chamado de cistocarpo. Os esporos
produzidos pelo carposporófito são chamados de carpósporos (2n) e dão origem a
geração tetrasporofítica, também diploide. Os tetrasporófitos adultos dão origem a
tetrásporos (n), por meiose, que restauram a geração gametofítica (n).

34
Figura 8. Histórico de vida trifásico de Gracilaria sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida
estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul ou roxo. Note o carposporófito, diploide,
característica das Rhodophytas. Modificado de Graham et al. (2009)

6- Referências
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San Francisco.
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Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica.
Raven, P. H., Evert, R. F. & Eichhorn, S. E. (2007). Biologia Vegetal. 7. Ed. Guanabara
Koogan, Rio de Janeiro.
Santos, D. Y. A. C., Chow, F. & Furlan, C. M. (2012). A botânica no cotidiano. 1. Ed.
Holos Editora, Ribeirão Preto.

35
Anotações:

36
CAPÍTULO IV

Diversidade intraespecífica: modificações da cor do


talo em algas vermelhas (Rhodophyta)
Fabiana Marchi

As algas vermelhas partilham entre si uma série de características, como por


exemplo: células eucarióticas, ausência de flagelos, amido das florídeas armazenado no
citoplasma, tilacóides livres no cloroplasto, ficocolóides (agar ou carragenana) presentes
na perede celular, ficobiliproteínas (ficoeritrina, ficocianina e aloficocianina) dispostas
em agregados chamados ficobilissomos, localizados nas membranas dos tilacoides,
associados ao fotossistema II. As ficobiliproteínas são pigmentos solúveis em água, de
coloração azul ou vermelha que possuem um cromóforo (ficobilina) e uma parte
proteica, tais pigmentos marcaram a presença da clorofila a, proporcionando colorações
azuladas ou avermelhadas as algas. A clorofila a é considerada o principal pigmento
fotossintetizante, e os carotenoides juntamente com as ficobiliproteínas funcionam
como pigmentos acessórios capazes de ampliar o espectro de absorção da energia
luminosa em comprimentos de onda em que a absorção da clorofila a é baixa.
O histórico de vida na maioria das espécies é constituído por três fases,
caracterizado por uma alternância de fases haploide (gametofítica) e diploide
(tetrasporofitica e carposporofítica). O gametófito é dióico e isomórfico ao
tetrasporófito, ambos são de vida livre, enquanto que o carposporófíto é microscópico e
parasita do gametófito feminino (Figura 1). O gametófito masculino libera na coluna d’
água numerosos espermácios (gametas masculinos não flagelados) produzidos nos
espermatângios. Esses são conduzidos pela coluna d’água até o gametófito feminino,
aderindo-se a tricogine, que é uma porção alongada do carpogônio (gameta feminino)
projetada para o meio. Após a fertilização, o zigoto resultante passa por sucessivas
divisões mitóticas, que dão origem a uma nova fase do histórico de vida, o
carposporófito (2n), que se desenvolve superficialmente ao talo do gametófito feminino.
Esse é protegido por células do próprio gametófito, chamada pericarpo, formando uma
estrutura denominada de cistocarpo. Nas porções apicais do carposporófito são
produzidos espóros diploides, denominados de carpósporos, e após a sua liberação e
germinação dão origem aos tetrasporófitos (2n). Nesses desenvolvem-se tetrasporângios
que por meio de meiose dão origem a espóros haploides, em número de quatro,
37
denominados de tetrásporos. Após serem liberados na coluna d’água, esses tetrásporos
germinam e originam os gametófitos (n) (vide Capítulo 3).

Figura 1. Esquema representativo de um historico de vida trifásico de Gracilaria sp.

As algas vermelhas possuem muitos representantes de importância econômica


tendo em vista a presença de ficocoloides como ágar e carragenana na parede celular.
Estes ficocoloides são de muita valia para a indústria alimentícia, têxtil e
biotecnológica, pois possuem propriedades estabilizante, emulsificante e gelificante. No
Brasil, a exploração dos recursos naturais para a exploração de ágar teve início na
década de 60, no entanto, as populações naturais exploradas se mostraram insuficientes
para atender as demandas comerciais. Sendo assim, foi possível a observação de um
declínio populacional, resultante da super-exploração. A decisão de como preservar ou
manejar uma espécie depende, dentre outros aspectos, do conhecimento da diversidade
intraespecífica (vide Capítulo 8).
A diversidade intraespecífica pode ser caracterizada por alterações fenotípicas
dentro de uma mesma espécie (plasticidade fenotípica), que por sua vez pode ter
diferentes expressões dependendo do ambiente onde a população ou o indivíduo ocorra.
Essa plasticidade fenotípica pode ser decorrente de processos de aclimatação e
adaptação. Processos de aclimatação correspondem a diferentes expressões de
ajustamento ao ambiente que um organismo pode sofrer dentro dos limites do seu
38
genótipo, proporcionando plasticidade fenotípica. Já os processos adaptativos
correspondem à expressão de ajustamento ao ambiente decorrente de alteração no
genótipo.
Em algas vermelhas é muito comum à ocorrência de variações cromáticas
intraespecíficas, a coloração pode variar de vermelho escuro até esverdeada, passando
pelos tons vináceos, rosados, alaranjados e amarelados. Esse fenômeno é muitas vezes
decorrente da capacidade de aclimatação do organismo frente a diferentes fatores
ambientais, promovendo um rearranjo e/ou alterações nas concentrações dos pigmentos
em quantidades variáveis, possibilitando dessa forma, numerosas combinações de cores.
Os processos de adaptação decorrentes de alterações no genótipo também podem ser
responsáveis pela variação cromática intraespecífica.
Em campo é possível obter indícios para diferenciação entre os dois processos,
como por exemplo, quando indivíduos de colorações distintas pertencentes a uma
mesma espécie crescem em locais diferentes, sendo por exemplo, um sombreado e outro
iluminado. Nessa situação, a coloração distinta poderia ser apenas uma resposta às
condições ambientais e representam um indicativo de processo aclimatativo. No
entanto, a ocorrência de algas com colorações distintas crescendo lado a lado na
natureza é um indicativo da existência de variantes pigmentares genotípicas,
especialmente se as condições do local forem muito homogêneas. De qualquer forma,
em ambas situações, é necessário levar essas algas para um laboratório e mante-las sob
condições controladas e semelhantes, a fim de verificar a estabilidade do carácter cor.
Caso as algas sofram modificações na coloração do talo após algumas semanas de
cultivo em laboratório, e adquiram colorações semelhantes, o resultado será interpretado
como uma consequência da aclimatação às condições de laboratório, e as diferentes
colorações em campo seriam resultantes de um processo de aclimatação as condições
ambientais. Caso as diferentes colorações sejam mantidas, mesmo após um longo
período de cultivo, se interpretará a cor como uma característica determinada
geneticamente (Figura 2).

39
Figura 2. Ápices em estado vegetativo de gametófitos femininos de coloração vermelha (a esquerda) e de
coloração marrom-esverdeada (a direita) de Gracilaria caudata cultivados in vivo, sob condições
semelhantes.

O modo como o caracter cor é transmitido pode ser conhecido por meio do
acompanhamento de sua herança em condições de laboratório. No entanto, a herança de
cor somente poderá ser estudada quando houver um conhecimento prévio do histórico
de vida da espécie selecionada. Em algas vermelhas a segregação genética ocorre
geralmente na fase gametofítica (haploide), em que mutações recessivas não são
mascaradas por alelos dominantes, assim simplificam a análise genética. Entretanto,
para tetrasporófitos (diploides), é necessário induzir a fertilidade e somente após a
liberação de espóros e formação dos gametófitos, é possível realizar testes de
cruzamentos adicionais para determinar se um indivíduo em particular apresenta genes
dominantes ou carrega mutações recessivas. Os estudos de herança de cor em uma
espécie são iniciados a partir da seleção de indivíduos femininos e masculinos das
diferentes colorações. Essas algas podem ser obtidas do campo com posterior
isolamento unialgáceo ou a partir do cultivo de esporos provenientes de algas de
diferentes colorações coletadas do ambiente. O experimento consiste na manutenção de
ápices femininos: i) cultivados isoladamente, para assegurar a ausência de
partenogênese ou hermafroditismo; ii) cultivados em conjunto com ápices masculinos
de mesma coloração, e iii) cultivados em conjunto com ápices masculinos de coloração
diferente. Esse experimento deverá ser realizado respeitando um número mínimo de
repetições para cada cruzamento (Figura 3).

40
Figura 3. Esquema básico para ensaios de cruzamento entre variantes de cor de uma mesma espécie,
utilizando indivíduos dioicos. vm = vermelho, me = marrom-esverdeado.

O padrão de herança de cor varia de acordo com a espécie ou de acordo com as


linhagens dentro de uma mesma espécie. Na maioria dos casos, as variantes de cor
naturais (obtidas em campo ou espontaneamente em laboratório) apresentam uma
herança nuclear recessiva (mendeliana), sendo o fenótipo selvagem dominante, ou
herança citoplasmática (materna) em que a coloração variante só é passada aos
descendesntes quando o gametófito feminino possui o fenótipo alterado. No Brasil, o
estudo de variantes cor naturais tem sido realizado principalmente nas espécies
pertencentes ao gênero Gracilaria. Dentre essas destacam-se G. birdiae e G.
dominguensis, que são espécies exploradas no nordeste do país como fonte de ágar. A
caracterização genética das variantes indicou que G. birdiae apresenta herança nuclear
recessiva para os fenótipos marrom esverdeado e verde claro, e herança citoplasmática
para o fenótipo verde. Gracilaria dominguensis apresenta herança nuclear codominante
para o fenótipo verde, que quando em heterozigose com o fenótipo selvagem
(vermelho) expressa o fenótipo marrom (Figura 4).

41
Figura 4. Esquema representativo de cruzamentos com herança nuclear (dominante, recessiva e
codominante) e herança citoplasmática.

É importante salientar que variantes de cor também podem ser induzidas em


laboratório com o auxílio de agentes mutagênicos, podendo ser estáveis ou não, quando
estáveis a sua herança também pode ser estudada. A indução de variantes de cor tem
sido realizada tendo em vista o potencial que essas, assim como variantes naturais,
podem ter em estudos genéticos funcionando como marcadores visuais por
apresentarem um fenótipo facilmente detectável. E dessa forma, os padrões de
herdabilidade dos fenótipos alterados podem possibilitar o rastreamento da transmissão
de gens nucleares e/ou organelares. Alguns autores, com auxílio de variantes de cor das
mais diferentes espécies puderam realizar a distinção entre processos de autofecundação
e fecundação cruzadas em espécies monóicas (Gelidium sp.), distinção entre processos

42
sexuados e assexuados (Gracilaria tikvahie), elucidar aspectos desconhecidos no
histórico de vida de algumas algas, como por exemplo: i, inexistência de gametófitos
femininos em Palmaria palmata; ii, identificação da germinação de tetrásporos in situ
ou sobre o tetrasporófito parental e iii, falhas durante a citocinese de tetrasporângios
como observado para Gracilaria sp.
O estudo de variantes de cor evidenciou que essas podem apresentar
desempenho fisiológico distinto das algas com fenótipo selvagem. Na maioria dos
estudos vem sendo observado um desempenho superior quanto ao crescimento por parte
das algas selvagens, em contrapartida, variantes pigmentares têm apresentado um
desempenho fotossintetizante ligeiramente superior. Essas divergências fisiológicas
podem trazer benefícios para a espécie em ambiente natural e contribuir para a seleção
de linhagens mais adequadas à maricultura. Com relação aos pigmentos, variantes de
cor apresentam conteúdo pigementar diferente às algas da mesma espécie com fenótipo
selvagem, como por exemplo, em Gracilaria caudata a variante natural marrom-
esverdeada possui maiores quantidades do pigmento aloficianina. Tal pigmento possui
aplicações biotecnológicas, e pode ser utilizado como marcador fluorescente em estudos
que utilizam citometria de fluxo. Dessa forma, o conhecimento da composição
pigmentar é fundamental em estudos de variantes pigmentares, pois permite caracterizar
quantitativa e qualitativamente esses compostos que denotam as diferentes colorações.
A quantificação desses pigmentos possibilita a determinação das extensões das
colorações alcançadas por cada tipo de variante. Essa diversidade pigmentar, entre
outros aspectos, confere à espécie diferentes estratégias de captação e aproveitamento
da energia luminosa, bem como representa uma vantagem para a espécie na ocupação
de ambientes onde a radiação é qualitativa e quantitativamente heterogênea, como a
região do entre-marés. Portanto, se faz necessário uma melhor compreensão das causas
que levam plasticidade fenotípica em uma espécie. Tais esclarecimentos podem
evidenciar uma diversidade ainda não estimada, chamando atenção para a sua
preservação. Além disso, o estudo da diversidade intraespecífica fornece subsideos para
a compreensão de como ocorre a manutenção de uma determinada espécie na natureza.

Referências
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45
Anotações:

46
CAPÍTULO V

Espécies exóticas de algas marinhas com enfoque


em macroalgas invasoras
Fabio Nauer
Erick Alves Pereira Lopes Filho

1- O que são espécies exóticas?


As espécies exóticas são uma das principais ameaças à biodiversidade marinha,
após a destruição de habitat e a poluição. Estimativas indicam que cerca de 7.000
espécies marinhas são transportadas por hora, mas, infelizmente, as pesquisas estão
ainda bastante aquém. A maioria dos trabalhos sobre espécies exóticas são da América
do Norte, Europa Ocidental e Austrália, permanecendo outras regiões, como a do
Atlântico sudoeste, mal estudadas quanto à sua biota, por razões que variam desde sua
pouca documentação até a inadequação taxonômica de diversos grupos, gerando grande
incerteza quanto às invasões biológicas.
Espécies invasoras marinhas foram registradas para pelo menos 84% das 232 eco-
regiões marinhas do mundo. Mead et al (2011) em sua revisão para a África do Sul,
contabilizaram 86 espécies introduzidas e 39 criptogênicas. Além disso, observaram que
a proporção de espécies exóticas era muito maior na costa sudoeste em comparação com
as outras regiões costeiras do país e, sobretudo, eram provenientes principalmente do
hemisfério norte (65%). Na Argentina, Schwindt et al. (2014) amostraram seis dos dez
principais portos do país e constataram a presença de 32 táxons não-indígenas (exóticos
e criptogênicos), incluindo dez macroalgas. A introdução e a invasão de macroalgas
marinhas têm sido relatadas em todos os oceanos nas últimas décadas, como Codium
fragile ssp. fragile (Suringar) Hariot, Caulerpa taxifolia (M. Vahl) C. Agardh, Fucus
serratus Linnaeus, Sargassum muticum (Yendo) Fensholt, Schizymenia dubyi (Chauvin
ex Duby) J. Agardh e Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar. Williams & Smith (2007)
compilaram 277 espécies de macroalgas marinhas introduzidas em todo o mundo.
No caso das algas (exceto as ocorrências óbvias de algas não características de
uma determinada região), as introduções podem ser de natureza críptica, principalmente
em grupos de dificil identificação apenas por sua morfologia. Como consequência, a
introdução de espécies exóticas pode ser negligenciada por décadas, especialmente
quando (i) um grupo não foi formalmente revisto ou (ii) um extenso litoral como o

47
Brasil possui trabalhos de levantamentos bastante recentes. É importante salientar que,
apesar recente conhecimento da biota da costa brasileiramesmo, é registrado até o
momento cerca de 1247 algas, sendo 809 macroalgas marinhas.
Além do trabalho de Schwindt et al (2014), para o Atlântico sudeste houve
poucos trabalhos especificamente com o objetivo de compilar possíveis espécies não
indígenas de macroalgas, como Oliveira et al (2009), que considerou 5 espécies como
exóticas e 4 como criptogênicas, e Torrano da Silva et al (2010), com 5 como exóticas e
6 como criptogênicas. Ambos os trabalhos classificaram as algas exóticas nas categorias
de detectada, estabelecida e invasora. Mais recentemente, Milstein et al (2015), ao
realizar análises filogenéticas para as cinco espécies confirmadas de Pyropia J. Agardh
na costa brasileira e de outras partes do mundo, observou que as seqüências brasileiras
formavam dois clados diferentes e fortemente suportados: 1) Brasil + Indo-pacífico e 2)
Brasil + costa pacífica do México. Os autores consideraram que apenas uma única
espécie seria nativa. Entretanto, carecem de estudos como este a costa Atlântica da
América do Sul, de modo que poucas espécies estão sob status de não-indígenas
(Tabela 1).

Tabela 1: Listagem provisória das espécies exóticas ou criptogênicas de macroalgas citadas para o Atlântico sudoeste
Localização na
Espécie Status Referências
América do Sul
Bangia fuscopurpurea (Dillwyn) Lyngbye Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014
Blidingia marginata (J. Agardh) P.J.L.
Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014
Dangeard ex Bliding
Torrano da Silva et
Cladophora corallicola Børgesen Brasil Criptogênica
al 2010
Ectocarpus siliculosus (Dillwyn) Lyngbye Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014
Torrano da Silva et
Laurencia venusta Yamada Brasil Criptogênica
al 2010
Pedobesia ryukyuensis (Yamada & Tanaka) Torrano da Silva et
Brasil Criptogênica
Kobara & Chihara al 2010
Criptogênica (não Torrano da Silva et
Porphyra rizzinii J. Coll & E.C. Oliveira Brasil encontrada desde o al 2010; Milstein et
primeiro registro) al 2015
Criptogênica (não Torrano da Silva et
Pyropia leucosticta (Thuret) Neefus &J.
Brasil encontrada desde o al 2010; Milstein et
Brodie
primeiro registro) al 2015
Anotrichium furcellatum (J. Agardh) Baldock Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Torrano da Silva et
Anotrichium yagii (Okamura) Baldock Brasil Exótica
al 2010

48
Cutleria multifida (Turner) Greville Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Torrano da Silva et
Dasya brasiliensis E.C. Oliveira & Braga Brasil Exótica
al 2010
Dictyota dichotoma (Hudson) J.V. Lopes-Filho et al
Argentina Exótica
Lamouroux 2017
Laurencia caduciramulosa Madusa & Torrano da Silva et
Brasil Exótica
Kawaguchi al 2010
Lomentaria clavellosa (Lightfoot ex Turner)
Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Gaillon
Neosiphonia harveyi (Bailey) M.-S. Kim, H.-
Argentina Exótica Schwindt et al 2014
G.Choi, Guiry & G.W.Saunders
Pyropia acanthophora (E.C. Oliveira & Coll)
Brasil Exótica Milstein et al 2015
M.C. Oliveira, D. Milstein & E. C. Oliveira
Pyropia suborbiculata (Kjellman) J.E. Torrano da Silva et
Sutherland, H.G. Choi, M.S. Hwang & W.A. Brasil Exótica al 2010; Milstein et
Nelson al 2015
Pyropia tanegashimensis (Shinmura) N.
Brasil Exótica Milstein et al 2015
Kikuchi & E. Fujiyoshi
Pyropia vietnamensis (Tak. Tanaka & P. H.
Brasil Exótica Milstein et al 2015
Ho) J.E. Sutherland & Monotilla
Rosenvingiella polyrhiza (Rosenvinge) P.C.
Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Silva
Kappaphycus striatum (Schmitz) Doty ex Torrano da Silva et
Brasil Exótica (erradicada)
P.C. Silva al 2010
Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex P.C. Torrano da Silva et
Brasil Exótica (controlada)
Silva al 2010
Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar Argentina Invasora Schwindt et al 2014

Contudo, à despeito dos casos mais conhecidos de macroalgas invasoras, nem


todas as espécies exóticas se tornam invasoras (e, portanto, tornam-se parte da flora e
fauna de fundo) e nem todas as invasoras têm qualquer impacto ecológico, de modo que
há várias categorias de espécies exóticas. Para precisamos entender a terminologia:
i) Espécie nativa, indígena ou autóctone: ocorre naturalmente em um local ou
região, estando presente porque evoluiu ali ou por sua própria capacidade dispersiva e
competência ecológica, sem interferência humana. Para espécies nativas que ampliam
sua distribuição geográfica, deve-se utilizar os termos expansiva, migrante ou
colonizadora.
ii) Espécie exótica, alienígena, alóctone, introduzida, não-nativa e não-
indígena: espécie que não ocorreria naturalmente em uma determinada região

49
geográfica sem o transporte humano, quer seja intencional ou acidental, e sem qualquer
efeito conhecido sobre a biodiversidade.
a) Espécie exótica casual ou transiente: espécie exóticas que, ao chegar a
uma nova região, consegue se tornar reprodutiva e eventualmente produzir
descendentes. Entretanto, nem sempre mantêm uma população viável a
longo prazo nessa região sem a intervenção humana direta, podendo
extinguir-se localmente.
b) Espécie naturalizada: espécie exótica que consegue se reproduzir no
local onde foi introduzida e manter uma população estável sem a
necessidade da intervenção humana direta, mas que não se dispersa para
fora deste local, seja por limitações na dispersão ou pela competência
ecológica. Espécies naturalizadas nunca se tornam invasoras de fato.
c) Espécie invasora: espécie exótics que, ao contrário das espécies
naturalizadas, consegue dispersar-se para áreas distantes do local original da
introdução, estabelecer-se e invadir uma nova região geográfica. Espécies
invasoras são um notório problema ambiental e/ou econômico
(principalmente ao atingir altas densidades e passam a dominar a flora e
fauna nativas), porém nem todas geram danos realmente apreciáveis,
restringindo-se a ocupar áreas degradadas por não serem capazes de
competir com espécies nativas em áreas bem conservadas.

2- Como se espalham?
As introduções marinhas, intencionais e acidentais, são resultado de inúmeras
atividades humanas, como o transporte marítimo (através de água de lastro ou
incrustações de embarcações e estruturas como plataformas de petróleo), a aquicultura,
a aquariofilia, turismo e atividades esportivas. Mead et al (2011) verificaram que as
incrustações de embarcações e a água de lastro foram os vetores de maior importância
nas introduções de espécies exóticas na África do Sul. No caso das macroalgas, no
entanto, Williams & Smith (2007) consideraram que os vetores mais importantes para a
introdução de macroalgas marinhas são a incrustação de casco (e outras estruturas
marítimas que se deslocam) e a aquicultura (tanto quando a espécie-alvo é uma
macroalga como também quando as macroalgas estão associadas às espécies-alvos,
como mariscos). Torrano-Silva et al (2013) se mostraram preocupados sobre o risco de

50
introdução involuntária de espécies não-nativas em águas brasileiras através da
aquariofilia.
A dipersão de organismos de um local para outro é um processo natural (e lento)
que os permite expandir e/ou regredir sua distribuição de acordo com eventos
climáticos, geológicos, dentre outros. Entretanto, o avanço nos transportes humanos
acelerou esse processo de tal forma que centenas de espécies são hoje cosmopolitas.
O processo de bioinvasões aquáticas, principalmente no Brasil, está relacionada
aos avanços tecnológicos. Dessa forma, Souza et al (2009) divide o histórico das
bioinvasões aquáticas no Brasil em três fases:
a) primeira fase (do Descobrimento até o final do século XIX): Nessa época
a incrustação em cascos de navios já era responsável por um grande número
de introduções marinhas no litoral brasileiro.
b) segunda fase (século XX): A partir de 1880 o risco de transporte de
espécies exóticas aumentou com o advento do uso da água como lastro para
os navios, que passou a ser largamente agravando o transporte de espécies
que já era efetuado via incrustação. Essa fase é marcada por grandes
avanços econômicos e tecnológicos a nível global.
c) terceira fase (meados do século XXI): A partir da década de 1990, o lixo
(que inclui uma gama de materiais industrializados flutuantes) também
começou a assumir um papel importante na mediação de bioinvasões
marinhas em escala global, somado à incrustação e à água de lastro, sendo
capaz de cruzar oceanos, rios e províncias biogeográficas. Além isso, o
tráfego marítimo aumentou bastante devido também ao aumento do
comércio mundial. Nessa fase se intensificam as pesquisas científicas
A maioria dos organismos transportados não sobrevivem, principalmente nos
ambientes escuros e sujos do tanque de lastro. Entretanto, os que sobrevivem podem ou
não ter sucesso em se estabelecer em sua nova área ou co-existir harmoniosamente com
a biota local ou se tornar invasores. As áreas portuárias oferecem estruturas artificiais
que favorecem o estabelecimento de espécies exóticas (recrutamento, sobrevivência e
dispersão). Mead et al (2011), por exemplo, verificaram que na África do Sul a maioria
das introduções foram concentradas em áreas portuárias, enquanto apenas 4 invasores
foram detectados em áreas de oceano aberto.
Segundo Valentine et al (2007), uma invasão bem-sucedida de algas marinhas é
um processo complexo de várias fases, incluindo a chegada, o estabelecimento

51
(desenvolvimento de uma população de talos macroscópicos), a propagação
(envolvendo a dispersão natural ou não para um novo local, o estabelecimento e a
expansão subsequente) e a persistência. A persistência refere-se ao turnover de mais de
uma geração de talo macroscópico.
As características de dispersão das algas introduzidas também têm uma
influência importante em sua capacidade de propagação. Embora os mecanismos variem
entre as espécies, todas possuem estratégias eficientes de dispersão a curta e/ou longa
distância, como propágulos microscópicos, flutuabilidade do talo, rafting e
fragmentação. Essas características as tornam particularmente suscetíveis à dispersão
auxiliada pela atividade humana. De modo geral, os estudos de algas marinhas
invasoras revelam que são oportunistas, tolerantes ao estresse, competitivas, e muitas
possuem ciclo de vida heteromórfico. No estudo de Williams & Smith (2007) a maior
parte das 277 espécies exóticas compiladas pertencia aos filos Chlorophyta (46) e
Rhodophyta (165). As famílias com maior número de espécies mais exóticas foram:
Caulerpaceae, Codiaceae, Derbesiaceae, Ulvaceae, Areschougiaceae, Ceramiaceae,
Cystocloniaceae, Gracilariaceae, Solieriaceae, Rhodomelaceae, Alariaceae,
Chordariaceae e Fucaceae.
As características de uma da comunidade podem ser de grande importância para
determinar o sucesso de uma invasão, como, por exemplo, nichos ecológicos vagos,
subutilizados ou não utilizados são particularmente vulneráveis à invasão, além da
disponibilidade e na variabilidade na disponibilidade de recursos. Outros atributos das
comunidades que podem influenciar a vulnerabilidade à invasão incluem os que criam
uma alta probabilidade de escape de restrições bióticas da espécie exótica, isto é,
restrições físico-químicas (ex: temperatura, oxigênio, salinidade, etc), bióticas (ex:
predação, competição, doenças, parasitas, etc) e estrutura do habitat (ex: tipo de
substrato, abrigo, etc). Além disso, também é sugerido que as comunidades com baixa
riqueza de espécies tendem a ser invadidas mais prontamente do que as áreas com alta
riqueza de espécies. Por fim, freqüentemente citados como importantes no sucesso da
invasão, sobretudo em sistemas terrestres, são o estado de depauperamento do ambiente
invadido, como ambientes poluídos (provavelmente porque o ambiente oferece menor
competição) e a perturbação, que age para liberar recursos.
Segundo Valentine et al (2007), poucos estudos analisaram criticamente o papel
da perturbação no processo de invasão de algas, dos quais se observou que a destruição
da cobertura de algas nativa demonstrou ser um fator chave para facilitar o

52
estabelecimento de algas introduzidas e, se a perturbação for necessária para o
estabelecimento, a propagação também dependerá da frequência e intensidade da
perturbação.

3- Quais são os impactos econômicos e ecológicos?


A introdução de espécies exóticas pode afetar tanto a biodiversidade quanto as
atividades econômicas. Uma vez que uma espécie exótica marinha chegue à um novo
ambiente, o mais provável é que lá permanecará para sempre, interagindo com as
comunidades existentes e, no processo, poderá se misturar ao novo ambiente, modificar
os habitats nativos e alterar o equilíbrio ecológico da área receptora. Isto pode ocorrer
aumentando favorecendo a predação em organismos nativos, modificando o habitat por
sufocação ou competição, reduzindo a diversidade de espécies, fornecendo novo habitat
estrutural ou favorecer a invasão do local por outras espécies exóticas. Embora em
alguns casos haja um aumento na diversidade estrutural e funcional causado pelas
espécies não-ativas e pelas atividades humanas, é possível observar que a biota de todo
o mundo está sofrendo um processo de “homogeneização”.
No caso das algas marinhas, a maioria dos estudos tem procurado identificar a
fonte das mesmas, com maior interesse em invasões crípticas, porém pouco trabalho
tem sido dirigido para examinar as consequências das invasões de algas marinhas.
Numa comunidade a mudança da dominância espécies nativas por espécies introduzidas
é motivo de preocupação pois não é garantido que retorne a seu estado original. Essa
mudança também tem consequências graves para os consumidores secundários, pois
herbívoros nativos tendem a não se alimentar das algas exóticas. Além disso, dietas
baseadas no consumo de exóticos podem resultar em produção reprodutiva reduzida de
herbívoros.
Do ponto de vista econômico e do bem-estar humano, as espécies exóticas têm
criado desafios complexos, dos quais podemos citar impacto em cultivos e introdução
de microorganismos perigosos para o equilíbrio ambiental, incluindo bactérias, vírus e
cistos resistentes de dinoflagelados tóxicos que podem levar à florações nocivas e
intoxicação por moluscos. Embora menos frequentes espécies marinhas exóticas
também podem ter impactos positivos, como a criação de novas atividades econômicas
(aquicultura, por exemplo), o aumento do emprego em projetos e programas de manejo
e o conhecimento adquirido sobre os processos ecossistêmicos, a dinâmica de recursos e
interações de uma determinada região.

53
4- Como determinar se uma espécie é invasora?
Um dos objetivos fundamentais a ser abordado por taxonomistas, sistematas,
ecólogos e analistas de dados é a identificação e caracterização de espécies indígenas e
invasores. A categorização de um táxon como introduzido é bastante complicado, como
no caso de espécies raras, diminutas e determinação taxonômica duvidosa. Atualmente,
estudos de genética populacional podem ser usados para estimar parâmetros
demográficos de espécies indígenas e exóticas, além de permitir a organização em
unidades evolutivas significativas através do entendimento de sua biogeografia a fim de
identificar as rotas de dispersão ou transferência, e quais os fatores que possibilitam sua
expansão e/ou possível extinção.
Baseado nos padrões de distribuição geográfica é possível definir que espécies
seriam, à primeira vista, exóticas, pois o transporte antrópico de fragmentos pode
explicar o "salto" de espécies introduzidas para locais geograficamente distantes, sem
uma estação intermediária, isto é, possuindo uma distribuição disjunta; porém, é
necessário ter cuidado devido aos casos de dispersão à longa distância.
Um dos casos mais emblemáticos se trata de espécies cosmopolitas e
criptogênicas (Não confundir com espécies crípticas!), que normalmente são candidatas
para o status de exóticas. Orensanz et al (2002) classificou as espécies cosmopolitas em
três categorias:
a) espécies verdadeiramente cosmopolitas, i. e., sua ampla distribuição é
anterior à dispersão mediada pelas atividades humanas;
b) espécie considerada cosmopolita, porém corresponde a um complexo de
várias espécies morfologicamente semelhantes, mas geneticamente distintas
e de restrita distribuição geográfica;
c) espécies atualmente cosmopolitas devidas à dispersão mediada pelas
atividades humanas.
Para as espécies criptogênicas, Orensanz et al (2002) classificou-as em cinco
categorias, das quais podemos utitilizar quatro:
a) ampla distribuição geográfica, incluindo espécies “cosmopolitas" e as de
distribuição biogeográfica incongruentes;
b) potencial invasivo indicado por status exótico documentado em outras
regiões geográficas;

54
c) abundância na vizinhança de centros de introdução (por exemplo, portos
comerciais), mas rara (ou ausente) no resto da região, sobretudo para
espécies encontradas em comunidades associadas à atividades humanas (ex:
comunidades incrustantes de portos);
d) história de vida com potencial dispersivo de longa distância,
particularmente para rafting em estruturas artificiais (incrustação no casco
de embarcações e outros objetos artificiais flutuantes e/ou à deriva), ou a
capacidade de ser disperso com água de lastro;
No caso de macroalgas, e outras plantas em geral, herbário e amostras de museus
são muito importantes quando se considera a introdução de espécies. Essas coleções
permitem revisitar a flora original de uma região, permitem a exploração de eventos
passados, incluindo invasões crípticas e, quando possível, permitem isolar e amplificar
DNA de espécimes antigos.
Descobrir o caso apropriado para uma espécie exige diversas informações e
ferramentas, como sistemática, genética, ecologia, registros históricos, dentre outros. No
caso da genética, espécies exóticas têm de enfrentar pressões seletivas novas que podem
ser detectadas em estudos, como bottlenecks (por deriva genética, efeito fundador, etc),
efeito de pequeno número de genes, rearranjos genômicos (transposons, poliploidia,
alopoliploidia, etc), hibridização (dos bioinvasores com espécies nativas ou com outras
espécies invasoras) e modificação do genoma induzida pelo estresse.

5- Alguns casos de macroalgas exóticas

5.1 Dasya brasiliensis E.C. Oliveira & Braga


Espécie comum na costa entre o sul do estado do Rio de Janeiro e o norte do
estado de São Paulo. Embora coletada por A. B. Joly em 1962 (à época confundida com
outra espécie), nas décadas de 1960 e 1970 esta espécie foi se tornando mais freqüente e
abundante na região, indicando uma expansão da população. Alguns autores em meados
da década de 2000 lançaram a hipótese de que uma espécie tão conspícua como esta não
poderia ter sido ignorada pelos trabalhos extensos e cuidadosos de Joly e seus co-
autores para aquela região desde a década de 1950. Foi então considerada como
possivelmente introduzida devido ao tráfego marítimo. Contudo, como sua biomassa
não é relevante e não prossegue sua expansão geográfica, não foi considerada invasora
por Torrano da Silva et al (2010). Origem desconhecida, se exótica

55
5.2 Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex P.C. Silva
O sucesso do cultivo de Kappaphycus alvarezii para a produção de carragenana
nas Filipinas na década de 1970 motivou sua introdução em muitas áreas tropicais em
todo o mundo (vide capítulo 8). Duas espécies deste gênero foram autorizadas a serem
introduzidas no Brasil na década de 1990 em São Paulo, incluindo K. Alvarezii, para
avaliar sua viabilidade comercial. Entretanto, foram feitas introduções não autorizadas
em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Ceará, Paraíba, Pernambuco e possivelmente na
Bahia. Apesar dos problemas ecológicos relatados de sua introdução em locais como o
Havaí (EUA) e a Índia, até o momento não há evidências de problemas derivados da
introdução de K. Alvarezii no Brasil, porém, também não há esforços suficientes para
avaliar mesmos, especialmente no Nordeste.

5.3 Caulerpa scalpelliformis (R. Brown ex Turner) C. Agardh


Espécie tropical e distribuída mundialmente, é bastante comum em grande parte
da costa brasileira entre os estado do Piauí e do Espírito Santo. Foi relatada para a Baía
de Ilha Grande (Rio de Janeiro) pela primeira vez em 2005 e observou-se populações
densas e de rápido crescimento, ocasionando mudanças drásticas na fisionomia da
comunidade bentônica da região, com o deslocando de bancos nativos de Sargassum
vulgare C. Agardh. A origem das populações de Caulerpa scalpelliformis é incerta
(migração natural x introdução mediada pelo homem). Foi categorizado como
introdução acidental por Torrano da Silva et al (2010), que a considerou o único caso de
macroalgas invasora na costa brasileira até o momento.

5.4 Caulerpa taxifolia (M. Vahl) C. Agardh


Sua introdução na Europa foi registrada em 1984 em Mônaco e, após 15 anos
desde a sua chegada, cobria 97% das superfícies disponíveis entre Toulon e Genes
(França, Mônaco e Itália). Hoje está espalhada no Mediterrâneo, incluindo muitas
reservas marinhas, sufocando o habitat existente e substituindo as plantas marinhas
nativas, e assim, reduzindo o valor de conservação da reserva. Análises posteriores
revelaram que as amostras das populações invasoras estavam intimamente relacionadas
com outras cultivadas em aquários europeus antes das primeiras observações no
Mediterrâneo. A população invasora na costa californiana (EUA) foi mais tarde
relacionada à linhagem de aquário também. Acredita-se que a origem desta linhagem

56
seja a Austrália. Ao contrário do caso do Mediterrâneo, o caso da Califórnia obteve
êxito em sua erradicação. Essa espécie é bastante agressiva e produz metabolitos
secundários tóxicos que auxiliam na competição pelo espaço. É capaz de invadir bancos
de gramas marinhas nativos mesmo na ausência de perturbação, mas parece que bancos
densos são mais resistentes à invasão. Em recifes rochosos, as comunidades com
cobertura de algas nativas são mais resistentes à invasão de C. taxifolia do que aquelas
sem uma cobertura bem desenvolvida. Por fim, C. taxifolia ocorre em alta densidade em
muitos tipos de habitat, incluindo os ambientes estressados onde recursos estão
disponíveis porque outras espécies são raras, como em locais sujeitos a descargas de
águas pluviais e de esgoto.

5.5 Codium fragile ssp. fragile (Suringar) Hariot


Originária do Japão, esta alga foi introduzida independentemente em várias
regiões, como no Mediterrâneo, Estados Unidos (costas atlântica e pacífica), Chile,
Canadá, Nona Zelândia, dentre outros. Podemos destacar a invasão da espécie na baía
de San Francisco (EUA), no final dos anos 1970, relacionada aos descartes na de caixas
de iscas vivas de pesca embaladas em algas e provenientes da Nova Inglaterra. Além
disso, no Oceano Atlântico Noroeste, há fortes evidências de que outros organismos
invasores (ex: Membranipora membranacea e Paramoeba invadens) facilitaram sua
invasão, assim como a perturbação da cobertura de algas nativas é um precursor crítico
para a fase de estabelecimento desta alga exótica. É capaz de manter populações
estáveis e de persistir mesmo na ausência da perturbação que permitiu seu
estabelecimento inicial. Estudos também indicam que inibe o recrutamento de kelps
nativos.

5.6 Melanothamnus harveyi (Bailey) Díaz-Tapia & Magg


Originalmente descrita para a América do Norte é considerada exótica em águas
europeias, com observações locais ao longo dos últimos 170 anos. Estudos moleculares
verificaram níveis mais elevados de diversidade nas populações nativas japonesas do
que as do Atlântico, além de se verificar dois eventos introduções independentes no
Oceano Atlântico Norte: Uma linhagem seria proveniente de Hokkaido (Japão) e foi
introduzida no norte do Oceano Atlântico (Nova Escócia e noroeste da Europa). A
segunda linhagem, proveniente de Honshu (Japão), foi introduzida no sul do Atlântico
Norte (Carolina do Norte), sendo também encontrado na Nova Zelândia e na Califórnia.

57
A presença de M. harveyi na Nova Zelândia representou uma invasão críptica devido à
sua semelhança morfológica com M. strictissimus (J.D. Hooker & Harvey) Díaz-Tapia
& Maggs, nativa.

5.7 Sargassum muticum (Yendo) Fensholt


Originário do Japão, esta espécie foi encontrada pela primeira vez na Columbia
Britânica em 1944. Desde então se alastrou e hoje ocorre em todo o Pacífico Norte,
Atlântico Norte e Mediterrâneo, mostrando uma extraordinária capacidade de tolerar
uma ampla variedade de condições, sendo considerado altamente invasivo. Estudos
indicam que esta alga se estabelece em áreas que geralmente contém baixa cobertura de
algas nativas, incluindo as de turf e as crostosas, uma vez que seus estágios iniciais
necessitam de bastante espaço e luz. Coberturas estáveis de algas nativas podem inibir a
invasão de um local. É interessante notar que Sargassum muticum ocupa um nicho
ecológico mais amplo e também cresce muito mais nas regiões invadidas do que em sua
área natural. Estudos recentes indicam que os efeitos negativos de S. muticum sobre
outras algas são principalmente como resultado do sombreamento e, uma vez removido
de uma área, não há garantia da recuperação da mesma por algas nativas.

5.8 Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar


Alga nativa do Japão, das Coreias e de partes de China, mas durante as duas
últimas décadas foi introduzida acidental ou intencionalmente em costas temperadas em
todo o mundo. É uma espécie invasora na Europa, Oceania e Argentina. Undaria
pinnatifida é bastante invasiva e cad esporófito pode liberar quase duas centenas de
milhões de zoósporos hora, num período de até três meses. Este é o único caso bem
documentado de introdução de macroalgas exóticas no Atlântico Sudoeste.
Foi registrada pela primeira vez na Argentina em dezembro de 1992 e hoje se
encontra espalhada há mais de 700km do local original. As primeiras plantas foram
encontradas anexadas a estruturas de cais em Puerto Madryn, sugerindo que o vetor
mais provável de introdução foi a água de lastro ou incrustações de navios de carga.
Costuma formar densas florestas sazonais em águas de cerca de 15 metros de
profundidade. Estudos locais sobre U. pinnatifida revelaram que possui efeitos
ecológicos diversos:
a) está associada a uma diminuição dramática na riqueza de espécies e
diversidade de algas nativas no ponto original de introdução.

58
b) no substrato rochoso em que U. pinnatifida ocorre, a riqueza, a diversidade e
abundâncias de espécies são maiores em áreas cobertas pela espécie do que nas em que
foi removida manualmente, o que pode ser devido à novas estruturas de habitat (maiores
e estruturalmente mais complexas) do que as providas por algas nativas
c) em áreas em que compete com Macrocystis pyrifera (Linnaeus) C. Agardh, a
riqueza, a abundância e a diversidade da flora associada aos apressórios de de M.
pyrifera e U. pinnatifida são semelhantes, enquanto que esses parâmetros foram maiores
no caso da fauna associada a M. pyrifera. No entanto, uma vez que a densidade e a
diversidade da fauna associada ao apressório é diferente, espera-se mudanças na
comunidade com a expansão de U. pinnatifida.
d) entre a primavera e o verão, plantas de Undaria se desprendem do substrato e
são transportadas pelas correntes marítimas, porém acabam por se prender a recifes
rochosos, o que pode reduzir a qualidade do habitat para peixes de recife por obstruir
fisicamente seus refúgios. Entretanto, foi observado que a abundância de peixes
diminuiu em recifes de baixo relevo cobertos por essa alga enquanto não houve efeito
sobre a abundância de nenhuma das espécies de peixes em recifes de alto relevo.
e) oferece ameaça às algas nativas comparativamente menores, como Codium
sp, Dictyota sp, Ulva sp, Anotrichium sp e Ceramium sp, e à algas nativas de
importância econômica, como Gracilaria gracilis (Stakhouse) Steioft, Irvine &
Farnham, Gigartina skottsbergi Setchell & Gardner e Macrocystis pyrifera (Linnaeus)
C. Agardh.
Na Oceania, os esporófitos de Undaria pinnatifida podem crescer a densidades
elevadas em variados substratos, incluindo os instáveis em que raramente se
desenvolvem macroalgas nativas folhosas devido às altas taxas de crescimento dos
esporófitos, que atingem rapidamente o tamanho suficiente para estabilizar o material
solto. Há casos na Tasmânia (Austrália) em que essa invasora é protegida quando ocorre
em reservas marinhas pois nestas não se permite qualquer tipo de captura.
Os esporófitos de Undaria pinnatifida também requerem perturbação para se
estabelecer a altas densidades, pois a presença de cobertura nativa estável inibe o
desenvolvimento de esporófito (competição por luz), enquanto isso não afeta seus
gametófitos. A perturbação mais importante, permitindo o desenvolvimento U.
pinnatifida, é a herbivoria de algas nativas por um ouriço-do-mar nativo. No entanto, se
os danos à cobertura nativa são relativamente pequenos e não há ação de ouriços, as
espécies nativas expulsam rapidamente a U. pinnatifida.

59
6- Quais são as maneiras de prevenção e remediação?
O aumento global no fluxo de pessoas e bens através de transporte marítimo,
sobretudo através de novas rotas comerciais, está influenciando diretamente os
organismos ao redor do mundo, embora não seja possível definir o aumento dos
registros de espécies exóticas se deva a um agravamento do problema ou se apenas
reflete o maior esforço de pesquisa e conscientização. Por isso, as respostas da gestão
precisam abranger tanto o conhecimento da ameaça representada por uma espécie
introduzida quanto as diversas atividades humanas relacionadas. É necessário
determinar os riscos de introdução, estabelecimento e propagação de espécies exóticas
marinhas em regiões específicas e os seus potenciais impactos no ecossistema, na saúde
humana e nas atividades económicas. Contudo, a prevenção é mais eficaz (e mais
barata) do que o controle.
Ao nível internacional há acordos como na OMC, a Convenção sobre a
Diversidade Biológica (CBD) e o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança para
prevenir a introdução e incentivar o controle ou a erradicação das espécies exóticas.
Entretanto, iniciativas para prevenir impactos futuros concentraram-se nos transportes
marítimos internacionais e nas águas de lastro. A Organização Marítima Internacional
(OMI) introduziu orientações voluntárias sobre as águas de lastro em 1997 e promove
um programa para minimizar o risco de transferência de espécies marinhas estrangeiras
em águas de lastro - o Programa GloBallast. Durante o “The GloBallast pilot phase
2000-2004” o Porto de Sepetiba, no Estado do Rio de Janeiro, foi escolhido como área-
piloto no Brasil. No caso das macroalgas, das 96 espécies identificadas, 12 não haviam
sido citadas anteriormente para a área de estudo, porém não houve indícios de que as
novas ocorrências seriam resultado de introduçãos por meio das atividades portuárias.
Além disso, métodos que estão sendo desenvolvidos para tratar água de lastro, tais
como tratamentos térmico e/ou químico, ultrafiltração, luz ultravioleta, etc. O método
de tratamento mais utilizado atualmente é a troca de água de lastro no mar, substituindo
a água de lastro original pela oceânica, que teoricamente representa pouca ameaça aos
ecossistemas costeiros, porém de eficácia desconhecida.
Ao nível nacional e regional, ações concentradas unicamente em um vetor,
mesmo que sejam completamente bem-sucedidas, não impedirão novas invasões. A
ação a nível nacional pode reduzir a frequência do aporte de espécies exóticas, mas à
medida que se estabelecem em regiões vizinhas e/ou em portos dos parceiros
comerciais, a taxa de transporte tende a aumentar. É necessário um sistema de gestão

60
abrangente que avalie os riscos colocados por diferentes espécies e vetores e, em
seguida, conduza a ações apropriadas.
O monitoramento do ambiente é imprescindível para o controle e o gerenciamento
do problema. O pré-requisito para qualquer tentativa de controle está no conhecimento
da fauna e da flora locais, identificando as espécies nativas e determinando a presença,
distribuição e abundância de espécies introduzidas. Infelizmente o conhecimento da
biota costuma ser escasso, o que dificulta a detecção e avaliação do status das espécies
em geral. Projetos de monitoramento, sobretudo a longo prazo, são raros no Brasil. O
Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), financiado pelo CNPq
em várias partes do país, contribui aumentar o conhecimento ecológico e sócio-
econômico através de estudos de casos. Um exemplo é o PELD GUANABARA que
avalia variáveis abióticas e biológicas para entender melhor a estrutura e o
funcionamento dos ecossistemas da baía de Guanabara e de suas respostas aos impactos
antrópicos e climáticos. O Projeto é coordenado pelo Prof. Jean Louis Valentin e terá
duração de nove anos. O responsável pelo monitoramento de macroalgas é o Prof. Joel
Campos de Paula.
A erradicação de espécies já estabelecidas é muito difícil ou mesmo impossível
na grande maioria dos casos devido às técnicas ou aos custos, o que se torna mais
complicado no caso das algas marinhas invasoras. A decisão de se optar por um
programa de gestão ou pela erradicação deve ser de acordo com o objetivo geral,
geralmente de longo prazo, bem como a viabilidade para alcançá-lo. Por exemplo, se os
organismos nativos puderem sustentar populações pré-introdução apenas manejando
populações de algas invasoras, então a erradicação não é necessária, mas os custos de se
sustentar um programa de manejo por muitos anos precisam ser avaliados, bem como a
competição entre espécies nativas e a alga invasora e seus potenciais impactos em
espécies não-alvo.
A gestão de uma espécie exótica reduz os impactos para um nível aceitável, com
base em critérios econômicos ou em efeitos toleráveis ao meio ambiente, seja utilizando
controles mecânicos (ex: remoção manual), físicos (ex: barreiras), biológicos (ex:
patógenos ou predadores) ou químicos, sobretudo porque a sua detecção geralmente
ocorreu muito tarde para a remoção completa. A erradicação de uma alga invasora
pressupõe, também, uma detecção muito precoce, associada a respostas rápidas e
eficientes em termos de custos, cujo objetivo é remover completamente os talos ou
eliminar qualquer propágulo viável. Além disso, a importância de respostas rápidas e

61
eficazes reflete a preocupação com as elevadas taxas de dispersão de algas e pela
necessidade de que todos os importantes vetores sejam identificados, tratados e/ou
impedidos de disseminar a espécie para novas áreas.
Espécies marinhas exóticas que se estabelecem em novas áreas se adaptam a
uma variedade de ambientes, podendo apresentar características não evidentes na sua
área nativa. Os esforços de gestão para evitar perturbações na cobertura nativa podem
representar uma opção de controle viável para algumas espécies invasoras como
Codium fragile ssp. fragile, Sargassum muticum e Undaria pinnatifida, todos os quais
requerem perturbação para o estabelecimento e persistência bem-sucedidos. Em locais
onde a perturbação pode ser ligada à atividade humana, devem ser concentrados os
esforços para minimizá-la. Obviamente, nem todas as perturbações podem ser
prevenidas ou controladas, pois diversos distúrbios ecológicos ou fisiológicas podem
levar à redução na cobertura de algas nativas, incluindo tempestades, altas temperaturas
da água, soterramento ou abrasão por sedimentos, herbivoria e presença de espécies
introduzidas. Do ponto de vista da gestão, é claramente preferível manter um
ecossistema resiliente do que tentar reabilitá-lo após a mudança de dominância ter

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65
Anotações:

66
CAPÍTULO VI

Mudanças climáticas: os efeitos sobre macroalgas


marinhas
Nuno Tavares Martins
Sabrina Gonçalves Raimundo

Mudanças climáticas se referem às variações do clima em escala global ao longo


do tempo, podendo ser definida como variações estatisticamente significativas na média
do clima ou sua variabilidade, persistindo por um longo período (tipicamente décadas
ou mais). As alterações climáticas podem ser causadas por processos naturais, eventos
externos ao Planeta Terra (exemplo: meteoros) ou por alterações antropogênicas. Ou
seja, as mudanças climáticas são fenômenos naturais que ocorrem na Terra. Essas
variações abrangem diversas alterações, como mudanças de temperatura, precipitação,
umidade relativa do ar, aumento do nível dos oceanos, derretimento das calotas polares
e outras. Contudo, ao longo das ultimas décadas, têm se percebido aumento na
velocidade dessas mudanças, devido ações antropogênicas desde a Revolução Industrial
(principalmente aumento da atividade industrial, desmatamento e aumento
populacional). As mudanças climáticas antropogênicas referem-se a qualquer mudança
no clima causada pelo efeito cumulativo da atividade humana. A magnitude da mudança
climática global antropogênica é atualmente considerada irreversível em escalas de
tempo humanas. Por exemplo, para o ano de 2100 é especulado um aumento de
temperatura média da Terra em 2 a 4C, uma diminuição do pH oceânico de 0,3 até 0,5
e um aumento dos índices de UV entre 12-17%.

Box 1: Tempo meteorológico x tempo


geológico.

Ambos estão dentro do conceito de


mudanças climáticas

Tempo geológico: escala de tempo


medida em milhões de anos, sendo
classificada em eras geológicas e seus
respectivos períodos.

Tempo meteorológico: escala de


tempo em horas/dias, mensurado nas
ultimas décadas.

.
67
As mudanças climáticas ocorrem tanto no ambiente terrestre quanto marinho. Os
oceanos cobrem 2/3 da Terra, e por isso, absorvem 80% do calor incidente. O que faz
com que as linhas de temperatura nos oceanos (isotermas) migrem mais rápido do que
em ambientes terrestres, culminando em comunidades marinhas inteiras a migrarem
mais rapidamente (alterando sua distribuição). O aumento da temperatura é um dos
principais processos resultantes de mudanças climáticas antropogênicas no ambiente
marinho. Esse aquecimento vem sendo confirmado por dados de temperatura dos
oceanos registrados nos últimos anos. O aumento da temperatura nos oceanos têm
diversas consequências, como aumento de eventos extremos, alterações nos padrões de
ocorrência de tempestades e secas, aumento da umidade relativa do ar entre outras.

Figura 1. Alguns eventos alterados em consequência do aumento da temperatura nos


oceanos.

Dessa forma, o aquecimento global deverá produzir grandes mudanças no


ambiente marinho, como na distribuição e abundancia de espécies além de mudança na
estrutura de comunidades, incluindo extinções locais. Macroalgas marinhas são as bases
ecológicas da maioria dos ecossistemas marinhos costeiros, e sua diversidade tem
implicações fundamentais para a vida e os serviços ecossistêmicos na zona costeira. As
macroalgas ocorrem principalmente nas regiões costeiras, localidade em que está mais
susceptível às mudanças, devido à sua proximidade como o ambiente terrestre. As
mudanças climáticas deverão alterar diversas características dessas regiões, devido
alterações no padrão de ondas, pluviosidade, elevação do nível do mal, diminuição das
faixas de areias, erosão e outros.

68
Box 2: Serviços ecossistêmicos

São benefícios que podemos obter a


partir dos ecossistemas de forma direta
ou indireta. Exemplos: proteção contra
desastres, controle da erosão,
alimentos, manutenção do clima,
purificação da água, controle de
inundações, além do uso recreativo.

Apesar de algumas espécies de macroalgas terem mostrado alta tolerância, ou


até mesmo se beneficiarem de mudanças climáticas, o aumento na temperatura tende a
trazer mudanças drásticas para comunidades bentônicas. Há diversos estudos acerca dos
processos ecológicos em macroalgas, contudo, poucos abordam a distribuição de
espécies. A temperatura influencia drasticamente processos biológicos, atuando em
diversas escalas: desde moléculas a biotas inteiras. Os efeitos da temperatura em
reações químicas, estruturas moleculares e fisiologia das algas são bem documentados,
apesar de não tão bem elucidados. Essas lacunas no conhecimento são atribuídas à
grande dificuldade em isolar o fator temperatura de outros em ambiente natural. Em
teoria, por efeitos que ocorrem nos níveis químicos e moleculares, as algas são
beneficiadas com o aumento da temperatura. Contudo, alteração da temperatura pode
ser fatal para macroalgas que possuem seu rendimento máximo próximo ao seu limite
fisiológico. O aumento de temperatura observado na natureza nos dias de hoje pode não
evidenciar nenhuma diferença fisiológica nesses indivíduos, muitas vezes levando a
uma falsa interpretação de que toleram tal situação. Por esse motivo, experimentos
laboratoriais se fazem necessários.

Figura 2. Consequências do aumento da temperatura nos oceanos em diversas escalas.

69
Os oceanos absorvem cerca de um terço (1/3) de todo CO2 emitido
antropologicamente - desde a revolução industrial. O impacto antropogênico é de
tamanha magnitude de forma que é esperada que a uma diminuição de pH mais
significativa ao longo dos próximos séculos do que nos últimos 300 milhões de anos,
tendo drásticas consequências para organismos marinhos. A absorção de CO2 pelos
oceanos aumenta a concentração de ácido carbônico (HCO−
3 ), o que além de diminuir o

pH, diminui também a disponibilidade dos íons carbonato de cálcio. A maioria das
macroalgas marinhas tem acesso tanto ao CO2 quanto ao ácido carbônico para conduzir
a fotossíntese. Todavia, algumas macroalgas vermelhas só podem absorver CO2. Por
esses motivos, apesar da mudança no pH, a maior disponibilidade de carbono tem se
mostrado benéfica. No entanto, diversas macroalgas vermelhas, por não conseguirem
absorver o ácido carbônico, a mudança de pH têm se mostrado prejudicial. Ainda,
muitas macroalgas vermelhas (assim como os corais) possuem parede celular com
carbonato de cálcio, que também tem sua disponibilidade diminuída devido à alteração
do pH.

Box 3:

𝐶𝑂2 + 𝐻2 𝑂 ↔ 𝐻2 𝐶𝑂3

𝐻2 𝐶𝑂3 ↔ 𝐻 + + 𝐻𝐶𝑂3−

𝐻𝐶𝑂3−um
Até o ano de 2100 é especulado 𝐻 + + 𝐶𝑂32−dos índices de UV entre 12-17%.
↔ aumento

A radiação UV pode afetar as macroalgas marinhas de diversas maneiras,


principalmente causando diminuição da fotossíntese e fixação de CO2. UV-A tem
efeitos ambíguos nas macroalgas, podendo ser usado como fonte de luz para a
fotossíntese, direcionando a utilização fotossintética do bicarbonato, tendo efeito
positivo na morfogênese e crescimento de algumas espécies de macroalgas. No entanto,
níveis altos de UV-A podem causar diminuição da fotossíntese, alterar a diversidade e a
biomassa da comunidade bentônica marinha. Por outro lado, UV-B raramente mostra
efeito positivo. Podem causar alterações nas mitocôndrias, cloroplastos e outras
organelas, além de aumentar a espessura da parede celular, reduzir o espaço intracelular
e até mesmo alterar os contornos das células e morfologias.
Como descrito acima, diversas são as mudanças ambientais que atuam
concomitantemente nos organismos e os fatores são de difícil dissociação em estudos
controlados. Um exemplo da ação de diversos fatores é o impacto dos herbívoros sobre
70
as comunidades de macroalgas. Os herbívoros são agentes estruturantes fundamentais
nas comunidades de macroalgas, influenciando, desde a sobrevivência do indivíduo até
a totalidade da biodiversidade. Os resultados das interações entre plantas e herbívoros
dependem das características da alga e do herbívoro, incluindo a palatabilidade das, as
taxas de consumo per capita de herbívoros e as taxas de crescimento individual e
populacional e a abundância global de ambos. Fatores abióticos associados à mudança
climática são conhecidos por afetar todos esses atributos. A temperatura pode reduzir as
defesas dos herbívoros enquanto que alterações na disponibilidade de nutrientes
alteraram a palatabilidade das algas (além do carbonato de cálcio, que é uma importante
defesa anti-herbívoro). Ainda, apesar do aquecimento beneficiar algumas populações de
herbívoros, a acidificação é geralmente prejudicial para muitos herbívoros
invertebrados, particularmente espécies fortemente calcificadas, tais como ouriços do
mar e moluscos, Dessa forma, as mudanças climáticas também terão efeitos diretos
sobre os herbívoros que por efeito em cascata influenciará nos produtores primários.

Box 4: Adaptação e aclimatação de


forma extremamente resumida:

Adaptação é alteração no genoma e


ocorre ao longo de gerações.
Aclimatação é ajuste fenotípico e
ocorre no indivíduo.

Possíveis respostas fisiológicas de uma espécie e de suas populações podem


decorrer de processos de aclimatação ou adaptação. Estudos fisiológicos em populações
naturais, não permitem a distinção entre esses processos, pois as variáveis ambientais
são distintas e mascaram possíveis conclusões sobre os efeitos de determinados fatores
abióticos. É importante, portanto, realizar estudos de variação em condições controladas
e determinar o padrão de variação fisiológica em condições laboratoriais em associação
com dados de campo. Esses dados devem possibilitar uma melhor previsão dos efeitos
das mudanças climáticas em comunidades marinhas futuras. Todo esse aspecto
promissor mencionado faz com que os estudos acerca da fisiologia e ecologia sejam de
extrema importância para o conhecimento dos ecossistemas marinhos num cenário
especulado para o futuro de aumento de temperatura media dos oceanos.

71
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72
Anotações:

73
CAPÍTULO VII
Ecologia de Costões Rochosos e
Metodologias de Amostragem
Sabrina Gonçalves Raimundo
Gabriela Carvalho Lourenço da Silva
Mariana Sousa Melo

Introdução
Grande parte da superfície terrestre é coberta pelos oceanos, pois
aproximadamente 71% do planeta é coberto pelas águas marinhas. Mesmo assim, é um
ambiente relativamente pouco investigado, pois, de maneira geral, conhecemos mais a
superfície da lua do que o fundo do oceano. Contudo, este ambiente tem grande
importância em nossas vidas, indo muito além de um prazeroso banho de mar. A maior
parte da população mundial vive junto à costa, o que se relaciona diretamente com os
inúmeros serviços que o oceano nos proporciona, como o fornecimento de alimentos,
extração de petróleo, entre outros. Porém, esta proximidade e relações estreitas tornam
este ambiente muito vulnerável, em parte pelo desconhecimento deste e seus
ecossistemas. Com fronteiras sutis, os ecossistemas estão todos ligados, de forma que
eventos ocorridos no continente influenciam o oceano, como o aporte de nutrientes e
água doce, por exemplo. Assim, podemos influenciar o ambiente marinho com nossas
atividades. Por exemplo, a queima de combustíveis fósseis libera gás carbônico (CO 2)
na atmosfera, que ao se dissolver no oceano acidifica a água, dificultando a formação de
conchas e estruturas calcárias por moluscos (como o mexilhão), algas e corais.
Sabemos hoje que a profundidade média dos oceanos é 3.800, mas partes mais
profundas atingem quase 1.1000 metros e possui cerca de 300 vezes mais espaço para a
ocupação dos seres vivos do que os ambientes terrestres e de água doce combinados.
Existem mais filos de animais no oceano do que em água doce ou em terra, embora
cerca de 80% das espécies animais não sejam marinhas devido à grande diferença dos
habitats em terra. No entanto, o ambiente marinho possui dois grandes domínios: a
região pelágica, (a coluna d’água) e a região bentônica (o assoalho marinho). Os
organismos marinhos, nestes domínios, compõem três grandes grupos. O plâncton, o
nécton e o bentos (Figura 1).

74
Figura 3. Os grupos dentro dos Domínios Marinhos: Plâncton, Nécton e Bentos.

O plâncton agrupa os organismos da coluna d’água que vivem à deriva, ou seja,


com poder limitado de locomoção, sendo transportados passivamente por correntes e
massas d’água. Os organismos do plâncton são classificados em dois grandes grupos
principais: zooplâncton (pequenos animais, animais de baixa mobilidade e larvas de
peixes e organismos bentônicos, entre outros) e fitoplâncton (organismos
fotossintetizantes do plâncton, como as microalgas) (Figura 2A). Embora muito
pequenas, as microalgas do fitoplâncton são responsáveis pela produção de
aproximadamente 50% do oxigênio disponível na atmosfera através do processo da
fotossíntese. O oxigênio liberado neste processo vem da quebra da molécula de água e a
matéria orgânica resultante é construída a partir do dióxido de carbono (CO2). Além de
liberar oxigênio, organismos fotossintetizantes também produzem matéria orgânica
(alimento, na forma de glicose) a partir de gás carbônico (CO2), utilizando a energia do
sol. Por isso, são considerados produtores primários, que compõem a base da cadeia
alimentar de quase todos os ecossistemas do planeta. O nécton marinho é composto por
organismos que vivem na coluna d’água e que possuem órgãos eficientes para natação,
possuindo então capacidade de locomoção e podendo nadar longas distâncias,
independente de correntes e movimentos de massas d’água (Figura 2B). Por fim, o
bentos são organismos que vivem junto ao fundo oceânico de diversas naturezas, sejam
eles sésseis (fixos) (Figura 2D e E) ou móveis (Figura 2C e F). Os habitats costeiros
bentônicos estão entre os ambientes marinhos mais produtivos do planeta.

75
A B

Foto: Mariana Melo

C D

E F

Figura 4. Biodiversidade presente nos Domínios Marinhos. (A) Plâncton: fitoplâncton e


zooplancton (B) Nécton, (C) Bentos: ouriço-do-mar; (D) Bentos: Mexilhões, (E) Bentos: Alga
verde, (F) Bentos: estrela-do-mar.

Além disso, existe uma grande diversidade de habitats marinhos e costeiros,


resultando em um grande mosaico de diferentes tipos de ambientes. De forma geral, os
ambientes marinhos são regiões sobre a influência do mar, cada qual com uma condição
de pressão, salinidade, profundidade, temperatura, luminosidade e diversidade
biológica. Entre os diversos ecossistemas marinhos e costeiros podemos destacar os
recifes de corais, as fontes hidrotermais, os manguezais e marismas, as praias arenosas,
os costões rochosos, ambientes de mar profundo, entre outros.
Embora existam vários ecossistemas que estão presentes na região entre-marés e
nas zonas costeiras, os costões rochosos são considerados muito importantes por
apresentar alta riqueza de espécies de importância ecológica e econômica, por exemplo,
mexilhões, ostras, algas, crustáceos e uma variedade de peixes. Além disso, por receber
grande quantidade de nutrientes proveniente dos sistemas terrestres, estes ecossistemas
apresentam uma grande biomassa e produção primária de microfitobentos e de
macroalgas. Como resultado, os costões rochosos são locais de alimentação,

76
crescimento e reprodução de um grande número de espécies. Entre outras
características, existe limitação de substrato ao longo de um gradiente existente entre o
habitat terrestre e o marinho, favorecendo a ocorrência de fortes interações biológicas
entre a grande diversidade de espécies presentes nos costões rochosos. A grande
variedade de organismos e o fácil acesso tornaram os costões rochosos uns dos mais
populares e bem estudados ecossistemas marinhos.

Costões Rochosos
Os costões rochosos são afloramentos de rochas cristalinas que em geral estão
situadas na transição entre os meios terrestres e aquáticos e por isso sofrem influência
da maré e da temperatura da água. Desta forma, muitas são as possibilidades de regiões
rochosas, como por exemplo, as falésias, os matacões e os costões rochosos verdadeiros
(Figura 3). Estas áreas atuam como substrato para comunidades biológicas, e é
considerado como um ambiente muito mais marinho que terrestre já que as espécies que
o habitam estão muito mais relacionadas ao mar. No Brasil, as rochas possuem origem
vulcânica e estão estruturadas de diversas formas, desde paredões verticais bastante
uniformes (ex. a Ilha de Trindade) ou matacões de rocha (ex. a costa de
Ubatuba/SP). Assim, encontramos ambientes de costa rochosa em quase toda costa
brasileira. No entanto, a maior concentração dos verdadeiros costões rochosos na região
Sul e Sudeste entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC).
Os costões rochosos podem apresentar muitas características complexas, mas de
forma geral quanto maior sua complexidade maior a diversidade de organismo ali
encontrada. Por exemplo, existem costões rochosos expostos e outros protegidos que
compreendem uma variação biológica distinta entre eles. Os costões expostos são
aqueles que recebem impactos de ondas com freqüência e por isso são pouco
fragmentados, aparentando-se a um paredão liso. Assim, possuem menor quantidade de
habitats comparados aos costões protegidos, além disso, por ser um ambiente que sofre
com o alto hidrodinamismo (locais onde o embate de ondas é mais forte), não favorece a
existência de organismos mais frágeis. No entanto, possuem alta produção primária
devido ao fluxo de nutrientes que chega pela água, de modo que as algas (em geral de
talos ramificados) se utilizam desta energia para realização da fotossíntese.
Já os costões protegidos estão localizados em áreas em que o hidrodinamismo é
menor, como por exemplo áreas no qual aconteceram rolamentos de matacões formando

77
A B

Foto: Mariana Melo Foto: Mariana Melo


Figura 5. Exemplos de Costões Rochosos: (A) Matacões em Itaguá – Ubatuba, SP e (B) Costões
Rochosos Verdadeiros no Parque Estadual da Ilha Anchieta – Ubatuba, SP.

piscinas naturais. Assim, esses lugares apresentam alto nível de complexidade


biológica, resultando numa grande riqueza de espécies associadas. Nessas áreas
podemos encontrar organismos maiores que os de costão exposto, como algas com talos
bem desenvolvidos e com abundante biota associada à essas algas (algas, briozoários,
esponjas, vermes, entre outros) e que conseguem viver ali.

Figura 6. Distribuição dos Ambientes de Costa Rochosa no Brasil.

Zonação
Ao observar um costão rochoso desde sua porção submersa até a porção rochosa
exposta pela primeira vez, um dos fatores mais notáveis é a disposição dos seres vivos

78
em faixas ao longo do perfil vertical deste ecossistema. A esta distribuição vertical
chamamos zonação que resulta da influência de diversos fatores físicos e biológicos,
como por exemplo, a variação das marés e a predação, respectivamente. No costão
rochoso é possível observar três zonas distintas:

Figura 7. Zonação em costões rochosos. Ao lado esquerdo foto representativa de costão rochoso no
Parque Estadual da Ilha Anchieta - Ubatuba/SP. Ao lado direto esquema didático mostrando zonas de
supra, médio e infralitoral.

1. Supralitoral: Área na qual podemos encontrar aqueles organismos que nunca ficam
submersos, mesmo na maré alta. Esta zona está sujeita apenas a borrifos de água e
abriga uma comunidade de líquens, cianobactérias (algas azuis) e de alguns animais
móveis, como pequenos moluscos (como a Littorina) e artrópodes (como a Lygia, a
baratinha-do-mar);
2. Mediolitoral ou zona “entre-marés”: Nesta região estão aqueles organismos que estão
sujeitos à variação da maré, ficando expostos durante a maré baixa e submersos durante
a maré alta. No mediolitoral alto podemos observar cracas e mexilhões, que possuem
adaptações à dessecação, enquanto na parte inferior, já ocorrem macroalgas, que
ressecam durante o período de exposição e são reidratadas durante a maré alta.
3. Infralitoral: Nesta faixa encontramos aqueles organismos que ficam sempre
submersos, mesmo durante a maré baixa. Neste ambiente encontram-se todos os peixes
e organismos que não são adaptados à perda d’água e altas temperaturas, como ouriços-
do-mar, estrelas-do-mar e anêmonas.

79
Influências para formação da zonação em costões rochosos
Muitos dos organismos do costão são fixos ou de baixa mobilidade, o que faz
com que eles dependam muito das condições da água para sua reprodução, dispersão
(através de larvas planctônicas) e para sua alimentação (por serem fixos, portanto
filtradores). Desta forma, a zonação observada na composição predominante de alguns
organismos em cada faixa do costão rochoso é resultante de fatores físicos e biológicos
que atuam como fatores seletivos de organismos aptos à ocuparem cada zona
(infralitoral, mesolitoral e supralitoral). Entre esses fatores estão: as marés, a
temperatura, radiação solar, hidrodinamismo, as interações biológicas, entre outros.
Por muito tempo acreditou-se que a maré era o único fator responsável pela
zonação que observamos no costão, hoje já sabemos que este é mais um dos fatores que
atuam sobre esse ela, embora seja um dos mais relevantes. Durante a maré baixa, muitos
organismos ficam emersos e expostos à condições adversas como dessecação e altas
temperaturas (Figura 5). Os organismos que se fixam nas porções mais altas do costão
são os primeiros a ficarem expostos e os últimos a serem novamente submersos. Por
isso, conseguimos observar uma clara divisão vertical entre as faixas de exposição, já
que os organismos que se distribuem de acordo com suas adaptações para estas
condições extremas.
Outros fatores físicos importantes são a radiação solar e a temperatura. Por
exemplo, os cirripédios (cracas) que são crustáceos que ocupam a região do mediolitoral
possuem envoltório resistente que abrem e fecham mantendo uma quantidade adequada
de água para manter a temperatura do organismo, além de contribuir para que não se
exponham à radiação solar. Outro exemplo são as baratinhas-da-praia que também são
animais que ocupam a zona de supralitoral, neste caso além de possuírem exoesqueleto
quitinoso que diminui o contato com a radiação solar, ela também se locomove muito
bem o que facilitar que possa transitar neste ambiente.
Também o hidrodinamismo pode ser um fator importante para a
predominância de algumas espécies, em particular no mediolitoral. Neste caso, um bom
exemplo são as diferentes algas que podem ocupar essa região. Em áreas de alto
hidrodinamismo observamos a predominância de algas com talos ramificados pela
movimentação das águas que impede a superposição, que causaria sombreamento dos
talos inferiores. Os ambientes com baixo hidrodinamismo podem favorecer a fixação e
estabelecimento de organismos, principalmente esporos e propágulos, proporcionando a
existência de algas com talos não ramificados e outros organismos mais frágeis.

80
A B

Foto: Mariana Melo Foto: Mariana Melo


Figura 8. Exposição de Organismos na maré baixa. Ao lado esquerdo: Aquário Natural, Parque
Estadual da Ilha Anchieta. Ao lado direto: organismos de costão rochoso expostos durante a maré
baixa (em destaque, alga parda Colpomenia sinuosa).

Somado a esses fatores, as interações existentes entre os organismos também


ajudam a determinar o padrão observado na zonação dos costões rochosos. Deste modo,
competição por espaço, predação e a herbivoria podem ser cruciais na zonação. Alguns
estudos mostram que alguns gastrópodes predadores estendem-se desde a zona do
médiolitoral até o infralitoral, dependendo do batimento das ondas ou da
disponibilidade das presas. Essas interações biológicas tem relevância particular para a
determinação da distribuição dos organismos na região do supralitoral, onde fatores
abióticos são mais estáveis.
Além destes fatores descritos, outros muitos podem atuar como limitadores da
distribuição dos organismos. Águas com alta turbidez, por exemplo, podem reduzir a
presença de algas na região do infralitoral. Assim, a zonação dos organismos bentônicos
num costão rochoso reflete a interação de vários fatores físicos e biológicos,
estabelecendo limites precisos de distribuição. Cada costão possui características
próprias que vão definir a importância relativa dos fatores abióticos e bióticos na
estrutura das comunidades bentônicas dos costões rochosos. De todo modo, este padrão
de zonação é comum nos costões rochosos do mundo inteiro. As espécies que ocorrem
em cada zona podem variar em função das diferentes latitudes, níveis de maré e
exposição ao ar, entre outros, porém mostram adaptações especiais para viverem nesta
área, sendo a zonação, a estrutura básica reconhecida na maior parte dos ambientes de
costões rochoso.

81
Ameaças aos Costões Rochosos
Atualmente, os costões rochosos sofrem diversos impactos antropogênicos, por
exemplo, por poluição orgânica, industrial, derramamento de óleo, sedimentação em
áreas portuárias, captura excessiva, introdução de espécies exóticas, turismo
descontrolado, desmatamento das matas de encosta e até mesmo efeitos das mudanças
climáticas. Nesse ultimo caso, temos efeitos diversos, incluindo aumento da
temperatura, resultando em perda de diferentes espécies como, por exemplo, o
branqueamento de corais (fenômeno que acontece com a perda algas que vivem em
simbiose com estes organismos e morrem pelo aumento da temperatura ou
contaminação de patógenos). Um outro efeito importante das mudanças climáticas
sobre todo o oceano é a acidificação dessas águas, podendo ocasionar, entre outros
impactos, a não calcificação de estruturas duras de diferentes espécies.
Este fenômeno acontece quando a água (H2O) e o gás se encontram formando o
ácido carbônico (H2CO3) que se dissocia no mar, formando íons carbonato (CO3²-) e
hidrogênio (H+). O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H+ presentes em
uma solução – nesse caso, a água do mar. Quanto maior as emissões, maior a
quantidade de ions H+ e mais ácido os oceanos ficam. Em quantidades normais de
absorção de CO2 pelo oceano, as reações químicas favorecem a utilização do carbono na
formação de carbonato de cálcio (CaCO3) utilizado por diversos organismos marinhos
na calcificação. O aumento intenso das concentrações de CO2 na atmosfera, e
consequente, diminuição de pH das águas oceânicas acaba por alterar o sentido destas
reações, fazendo com que o carbonato dos ambientes marinhos se ligue com os íons H+,
ficando menos disponível para a formação do carbonato de cálcio, essencial para o
desenvolvimento de organismos calcificadores. A diminuição das taxas de calcificação
afetam, por exemplo, o estágio de vida inicial destes organismos, bem como sua
fisiologia, morfologia, reprodução, distribuição geográfica, crescimento,
desenvolvimento e tempo de vida. Além disso, afeta também a tolerância à mudanças
na temperatura das águas oceânicas, tornando-os mais sensíveis e interferindo na
distribuição de espécies.
Somado a todos esses impactos que foram superficialmente citados, ainda
contamos com a falta de conhecimento que temos destes ecossistemas. De forma geral,
conhecemos pouco os costões rochosos brasileiros, tendo mais informações ecológicas
de curto prazo no Litoral de São Paulo, alguns pontos da Baía de Guanabara, a Costa
Norte do Rio de Janeiro e em Cabo Frio (RJ). De modo que expandir a pesquisa para

82
outras áreas, considerar monitoramentos e estudos de longo prazo ainda é uma
necessidade. Além disso, é igualmente importante que conheçamos melhor as espécies
que aí habitam, tendo em vista que o conhecimento é mais aprofundado quando
consideramos as macroalgas bentônicas.

Pesquisa em Ecologia de Costões Rochosos


Realizar estudos ecológicos em costões rochosos apresenta muitos desafios. O
próprio ambiente, em si, já é um fator limitante para o pesquisador. A maioria dos
estudos em costões rochosos no mundo foi feita na zona entre-marés. Estudos nesta área
devem ser planejados para serem executados durante as poucas horas do dia em que a
maré está baixa, quando a região está acessível. Estudar o infralitoral também tem suas
complicações. Como a amostragem nesta região é feita, geralmente, com mergulho
autônomo, o tempo de amostragem é limitado pelo consumo de ar do mergulhador-
pesquisador.
A grande complexidade física e biológica destes ambientes resulta em uma
grande variabilidade em quase todos os parâmetros medidos, mesmo numa pequena
escala, seja ela vertical ou horizontal. Por isso, as características únicas deste ambiente
devem ser levadas em consideração antes de definir um desenho amostral, para então
selecionar os procedimentos mais adequados.
Diversos parâmetros contribuem para a alta variabilidade na distribuição dos
organismos de costão rochoso. São muitos os gradientes afetando as comunidades,
como grau de exposição a ondas e correntes, proximidade de rios, a própria flutuação da
maré e uma variação topográfica muito alta. A paisagem do costão rochoso é muito
heterogênea, compondo diversos micro-habitats. Por exemplo, fendas, matacões,
paredões ou poças de maré. Fatores como inclinação e rugosidade do substrato e
incidência de luz também contribuem para uma grande variabilidade espacial.
Além de variar em diversas escalas espaciais, os organismos de costão rochoso
também apresentam uma considerável variação temporal, que pode levar de anos a
décadas. Estas fontes de variabilidade devem ser cuidadosamente analisadas e levadas
em conta antes de selecionar os métodos de coleta e desenho amostral. Se a
variabilidade natural do sistema não for corretamente avaliada, esta pode gerar um ruído
na interpretação dos dados, confundindo os resultados. Isto impede o pesquisador de
detectar causas alternativas de variação na estrutura das comunidades como, por
exemplo, as resultantes de impactos antrópicos.

83
Estudos de campo podem ser classificados de diferentes formas. Entre eles
estão: Estudos de base, que tem como objetivo definir o status presente de alguma
condição biológica; Estudos de impacto, que incluem detectar e relacionar alterações
biológicas com perturbações; Monitoramentos, que consistem em acompanhar
determinados parâmetros ao longo do tempo para detectar mudanças; E Estudos
ecológicos, que avaliam padrões e processos, onde padrões biológicos são descritos para
determinar os fatores que os causam.
A pesquisa em ecologia de costão rochoso, hoje em dia, frequentemente envolve
experimentos controlados. Entretanto, amostrar padrões de distribuição e abundância
por si só ou em conjunto com experimentos é ainda muito importante.

Amostragem em Costão Rochoso


Para desenhar um método de amostragem em campo adequado, o pesquisador
deve ter claros os objetivos e perguntas do estudo. Isso permitirá uma melhor definição
das hipóteses a serem testadas e dos parâmetros que devem ser medidos, para assim
definir o local de estudo, posicionamento de unidades amostrais e unidades biológicas
utilizadas. Desta forma, o desenho amostral pode ser definido de maneira eficaz, com
poder estatístico suficiente para responder às perguntas em questão.
Independente dos objetivos do estudo, um desenho amostral deve incluir
controles tanto no tempo quanto no espaço, replicação de todos os níveis de
amostragem, múltiplos locais de amostragem, garantia de réplicas independentes e
preferencialmente aleatórias e os resultados devem ser expressos em medidas de
variabilidade estatística.
A análise, para ser considerada válida, deve possuir poder estatístico. Este
diminui à medida que aumenta a variabilidade intrínseca do sistema. Isto reflete
diretamente no número de réplicas a serem amostradas no estudo.

Seleção dos locais de estudo


Os locais de coleta de dados ecológicos devem ser cuidadosamente selecionados.
Para que possam ser consideradas réplicas, os locais devem possuir características
parecidas quanto ao maior número de parâmetros possíveis. Assim, variações nos
parâmetros medidos podem ser detectadas sem que sejam confundidas com a
variabilidade natural devido a diferenças geofísicas, por exemplo. Se estas
características não forem semelhantes, elas devem ao menos ser registradas.

84
A seleção dos locais de coleta deve, portanto, seguir algumas diretrizes, dentre
elas: locais com características geofísicas semelhantes; seleção de pontos aleatórios
dentre os possíveis locais, para que os dados possam ser extrapolados para toda a área.
Dependendo dos objetivos do estudo e dos recursos disponíveis, cabe ao pesquisador
definir se a amostragem será feita de forma mais abrangente, em muitos locais, se em
poucos locais com um maior esforço de coleta, ou se unirá ambas as estratégias.

Unidades Biológicas
No ambiente de costão rochoso há uma diversidade muito alta de filos e
espécies, o que exige um nível alto de conhecimentos taxonômicos do pesquisador em
estudos que envolvem comunidades. Uma estratégia muito adotada é utilizar níveis
taxonômicos mais altos ou grupos morfofuncionais como alternativa a espécies,
dependendo da pergunta a ser respondida. A estes diferentes tipos de classificação
adotados se dá o nome de unidades biológicas.
A amostragem de populações, utilizando-se uma única espécie-alvo, ainda é a
mais comum em estudos ecológicos. Nestes casos são utilizadas espécies
bioindicadoras, mas a seleção de uma determinada espécie vai depender dos objetivos
do estudo. Não há regras a priori para definir um modelo biológico, estas são
geralmente espécies conspícuas e abundantes. Outro desafio em utilizar uma só espécie
é a grande variabilidade no espaço e tempo que estas geralmente apresentam.
Categorias taxonômicas mais altas, como família ou gênero, também são
utilizadas. Esta estratégia pode ser utilizada quando a resposta da comunidade neste
nível é semelhante ao nível de espécie, simplificando a coleta e análise de dados.
Morfoespécies também são consideradas e já apresentaram, também, resultados
semelhantes aos de espécies. Entretanto, estes tipos de unidades biológicas devem ser
utilizados com cautela. É necessário um estudo prévio para detectar se os níveis
considerados possuem mesmo respostas semelhantes para não gerar resultados
equivocados.
Outro tipo de agrupamento utilizado como substituto de espécies é o de grupos
funcionais. Estes são espécies que compartilham características semelhantes como
forma do corpo, posição trófica, ou ciclo biológico. Estes casos são geralmente
aplicados para se detectar respostas ambientais mais amplas e abrangentes, mas podem
não ser sensíveis o suficiente para detectar alterações mais sutis.

85
Amostragem aleatória
Este tipo de amostragem é uma das mais comuns, tanto para a seleção dos locais
de coleta, quanto para o posicionamento das unidades amostrais. Amostras aleatórias
permitem que o pesquisador extrapole os dados obtidos e faça inferências válidas sobre
o universo amostral selecionado, a partir dos dados coletados desta forma.
São raros os casos em que é possível determinar a abundância de uma
determinada população contando todos os indivíduos. Por isso, uma amostra é utilizada
para que se possa estimar a abundância ou parâmetro de interesse. Estas estimativas
devem seguir os pressupostos exigidos pelos testes estatísticos selecionados, além de
evitar vieses. Para serem consideradas réplicas, amostras individuais devem ser
coletadas aleatoriamente, garantindo a independência entre elas e evitando
pseudoreplicação.

Distribuição de Elementos Amostrais


A localização dos elementos amostrais vai determinar a natureza da informação
coletada, bem como a precisão dos dados e inferências que podem ser extraídas destes.
Há muitas maneiras de se distribuir os elementos amostrais em campo. A figura
6 ilustra algumas delas. A amostragem aleatória é a mais comum e estatisticamente
aceita. Esta é geralmente feita determinando-se dois eixos imaginários na área de estudo
e sorteando coordenadas. Cabe ao pesquisador definir como serão realocadas as
amostras, caso elas caiam em ambientes particulares, como fendas. Nestes casos, o
pesquisador deverá seguir sempre o mesmo padrão para evitar viés na coleta.
A amostragem sistemática consiste em distribuir os elementos amostrais
uniformemente, como em uma grade. Este tipo é relativamente mais simples do que a
amostragem aleatória. É vantajoso, pois amostra toda uma área por igual, enquanto
aleatoriamente uma área pode ser amostrada mais intensivamente do que outra somente
devido ao acaso. Porém, não garante independência entre as amostras, por isso possui
um menor poder estatístico. Este tipo de coleta não é recomendado caso haja algum
padrão de distribuição espacial da biota que siga um espaçamento semelhante ao da
amostragem. Cabe ao pesquisador analisar esta comunidade previamente para definir se
esta amostragem é aplicável.
Na amostragem direcionada, o pesquisador define os locais onde são
posicionados os elementos amostrais. Neste caso, não há como evitar viés por parte do
pesquisador e o pressuposto de independência de erros entre as amostras é violado. Há

86
poucos casos em que este tipo de amostragem pode ser utilizada, como quando há
algum habitat ou espécie alvo que só ocorre em algum determinado local. Então o
pesquisador deverá direcionar os esforços de coleta para onde esteja o objeto de estudo.
Outro método de amostragem é a estratificada. Como os organismos não se
distribuem uniformemente no costão rochoso, a estratificação pode ser utilizada para
diminuir a influência da variabilidade espacial, aumentando a precisão da amostragem.
Uma vez definidos os estratos de acordo com a fisionomia da área, a distribuição pode
ser simples, com o mesmo número de elementos amostrais por estrato; proporcional,
com mais elementos amostrais em áreas maiores; ou ótima, com mais elementos
amostrais de há uma maior concentração da espécie ou comunidade alvo. A figura 6
ilustra este método.

Tipos de amostradores
O tipo de unidade amostral também depende dos objetivos de estudo e das
espécies a serem estudadas. Os tipos mais comuns são quadrados e transectos de linha.
Transectos de linha são plotagens de uma dimensão, utilizados para estimar a cobertura
de organismos sésseis. Uma vantagem de se utilizar transectos é que estes englobam
uma grande área.

87
Figura 9. Tipos de disposição de elementos amostrais. Esquerda: A) Aleatória; B) Sistemática; C)
Direcionada. Direita: A) Estratificação simples; B) Estratificação Proporcional; C) Estratificação
ótima. Adaptado de Murray et al (2002).

Há duas maneiras de estimar dados de cobertura com transectos, uma delas é a


de intersecção, onde a distância a qual cada unidade biológica ocupa na linha é
registrada. Ou seja, a intersecção entre unidades biológicas no transecto, o que reflete a
área que estas ocupam, portanto seu recobrimento. Esta abordagem é precisa, porém
trabalhosa. Isto faz com que a segunda estratégia seja mais comum no campo, a de
pontos de contato.
Pontos de contato são distâncias pré-determinadas pelo pesquisador, podendo
variar de poucos centímetros a um metro, geralmente, dependendo da resolução
necessária e do tamanho do transecto. Neste método, a unidade biológica exatamente
abaixo de cada ponto é registrada. No fim, estes valores são convertidos em
porcentagens, estimando a cobertura de cada unidade biológica. Estes pontos podem ser
distâncias homogêneas pré definidas ou pontos aleatórios sorteados no transecto.
Quadrados, por sua vez, são amostradores de duas dimensões que cobrem uma
área do substrato. São utilizados para estimar cobertura, densidade ou biomassa de
organismos tanto sésseis quanto móveis. O tamanho do quadrado também depende da
resolução e alvo de estudo. No geral, quadrados são utilizados para delimitar uma área
onde os organismos serão contados, raspados, ou terão sua cobertura estimada. Para
estimar cobertura, assim como no transecto, pontos de contato são utilizados, seja
aleatoriamente ou sistematicamente numa grade dentro do quadrado.
Outro método, muito utilizado hoje em dia, é o de foto-quadrados. O mesmo
princípio é seguido, onde a cobertura das unidades biológicas é estimada a partir de
pontos plotados na imagem. Este método é vantajoso, uma vez que reduz muito o tempo
de amostragem em campo, permitindo um melhor aproveitamento da coleta, uma vez
que tempo é um fator limitante tanto no médio quanto no infralitoral, como já
mencionado. Uma desvantagem desta abordagem é que a identificação de espécies é
dificultada. Neste caso é muito comum a utilização de substitutos como grupos
funcionais ou níveis taxonômicos mais altos.

Referências
Berchez, F.; Amancio, C.E.; Ghilardi, N.P. & Oliveira, E.C. (2008). Possíveis impactos
das mudanças climáticas globais nas comunidades de organismos marinhos

88
bentônicos da costa brasileira. In: Buckeridge, M. Biologia e mudanças globais no
Brasil. São Carlos: Rima. p. 167-180.
Coutinho, R.; Zalmon, I.R. (2009). O Bentos De Costões Rochosos. In: Pereira, R.C.;
Soares-Gomes, A. Biologia Marinha. Rio de Janeiro: Interciência. p 281-287.
Ghilardi-Lopes, N.P.; Hadel, V.F.; Berchez, F.A.S. (2012). Guia para educação
ambiental em costões rochosos. Porto Alegre: Artmed. 200p.
Murray, S.N; Ambrose, R.F.; Dethier, M.N. (2006). Monitoring Rocky Shores.
University of California Press, Berkeley, California. 220p.
Sabino, C.M.; Villaça, R.C. (1999). Estudo comparativo de métodos de amostragem de
comunidades de costão. Revista Brasileira de Biologia v.59, p.407-419.
Schmiegelow, J.M.M. (2004). O Planeta Azul: uma introdução às ciências marinhas.
Rio de Janeiro: Interciência 202p.

89
Anotações:

90
CAPÍTULO VIII

Cultivo de Macroalgas Marinhas


Patrícia Guimarães Araújo
Allyson Eduardo Nardelli

1- Introdução
As macroalgas marinhas são utilizadas pelo homem a centenas de anos,
sobretudo por povos orientais, e após a segunda guerra mundial, o consumo e produção
se expandiram para o ocidente. Atualmente as algas são utilizadas na alimentação direta,
em sopas, chás, saladas e sushi, como matéria-prima para produção de hidrocolóides, na
composição de adubos e tintas, na composição da ração animal, na indústria
farmacêutica, cosmética, nutracêutica e biotecnológica (vide capítulo 2).
Até a Idade Média, as algas eram provenientes de coleta em bancos naturais,
mas a partir do século XVII com o surgimento dos primeiros substratos artificiais para
criação de peixes marinhos, também se desenvolviam os primeiros cultivos de algas.
Atualmente, a algicultura tem um papel fundamental no desenvolvimento da
maricultura mundial, representa uma alternativa para suprir a demanda de mercado, no
complemento de renda de diversas comunidades tradicionais e minimiza a
sobreexplotação dos bancos naturais. Além dos aspectos mercadológicos e ambientais
favoráveis, a maioria dos sistemas de produção de macroalgas são técnicas
relativamente simples, facilmente aprendidas por maricultores, absorve mão de obra
local em maior número que outros setores da aquicultura e demanda menor de
investimento.
De acordo com o último levantamento da FAO, a produção de algas em 2014 foi
de 27.300 toneladas, e representa um dos principais setores da produção aquícola
marinha. Cerca de 50 países cultivam algas, mas os principais produtores são a China,
Indonésia, Filipinas, Coréia, Japão, Malásia e Tanzânia. Entre os países ocidentais,
destacam-se o Chile, com 99% da produção de Gracilaria spp. no continente
americano, seguido dos países da África como a Tanzânia, Madagascar, África do Sul e
Namíbia. No Brasil, há registros de cultivos de Gracilaria spp. nos Estados do Ceará,
Rio Grande do Norte e Paraíba, e da espécie Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex. P.
C. Silva no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar do potencial para produção de

91
algas, condições ambientais favoráveis, demanda social e diversos estudos
desenvolvidos neste setor, os cultivos de algas no país ainda são em pequena escala e
representa uma atividade incipiente.
As principais espécies cultivadas são Kappaphycus alvarezii, Eucheuma spp.,
Gracilaria spp., Laminaria japonica Areschoug (Kelps), Undaria pinnatifida (Harvey)
Suringar, Porphyra spp. (Pyropia spp.) e Sargassum fusiforme (Harvey) Stechell. A
produção de algas é basicamente para produção dos hidrocolóides ágar, carragenana e
alginato, e consumo humano direto como o wakame, kombu e nori.
Originária da região do Indo-Pacífico, a rodófita K. alvarezii se destaca entre as
espécies cultivadas, pelo seu elevado potencial de produção e facilidade de cultivo. Por
esta razão, K. alvarezii tem sido introduzida em diversas regiões tropicais e subtropicais
do mundo para fins de maricultura. Após quatro décadas de introduções, poucos casos
de invasão ambiental foram comprovados. O caso mais conhecido foi a invasão de
espécies de Eucheuma/Kappaphycus nos recifes de corais na baía de Kane’ohe, Havaí,
que causou a morte dos corais por sombreamento. Outros casos também são relatados
para Índia e Zanzibar. Por isso, é fundamental o planejamento da introdução de espécies
exóticas com propósitos de maricultura que contemple programas de avaliação de risco,
quarentena e monitoramento ambiental (vide capítulo 5).

2- Técnicas de cultivo de macroalgas


As algas podem ser cultivadas com base na propagação vegetativa, como ocorre
na produção das algas vermelhas Gracilaria spp, e K. alvarezii, ou através do cultivo
que envolve todo ciclo reprodutivo, incluindo alternância de geração, como por
exemplo, nos cultivos de L. japonica e Pyropia spp. (vide capítulo 3). Estes cultivos
podem ser monocultura, policultura e multitrófica.
Nos cultivos baseados em propagação vegetativa, as mudas de algas são presas a
cabos, técnica denominada de sistema de tie-tie, redes tubulares ou estacas de madeira,
os quais são mantidos flutuando na coluna de água ou no fundo (Figura 1). As
estruturas podem ser mantidas no mar, como ocorre na maioria das vezes, ou em
tanques. O período de colheita varia de acordo com a espécie cultivada, geralmente
varia entre dois a três meses para espécies de Gracilaria, Kappaphycus e Eucheuma. As
mudas para manutenção dos cultivos são provenientes de parte do material colhido da
produção anterior, da coleta em bancos naturais ou da liberação de esporos de talos
esporofíticos selecionados. Esta última técnica é comumente utilizada no Chile para

92
produção de Gracilaria chilensis C.J.Bird, McLachlan & E.C.Oliveira e outras regiões
como o Havaí. Ela aumenta da produção de algas com cepas de boa qualidade e garante
a conservação dos estoques naturais.

A Boias Cabos com algas

B Bambus ou canos PVC flutuantes

Cabos ou redes tubulares com algas

C Estacas de madeiras Cabos com mudas de algas

Figura 1. Técnicas de cultivo de algas baseada na propagação vegetativa. A) Sistema de cabo flutuante
ou tie-tie, B) balsas flutuantes onde as algas estão presas a cabos ou redes tubulares, C) Sistema de cabo
presos no fundo. Imagens adaptadas de Trono (1992).

Nos sistemas de cultivo que abrange todo ciclo reprodutivo da alga envolve a
fase esporofítica com a liberação e semeadura dos esporos, os quais são fixados em
substratos artificiais como redes de polipropileno ou substratos rochosos, onde

93
geralmente são mantidos em tanques para crescimento. Na fase seguinte de crescimento,
os talos gametofíticos são transferidos para áreas maiores, que pode ser tanques maiores
ou no mar, onde irão crescer por propagação vegetativa até atingir um tamanho
comercial (Figura 2). Geralmente, este tipo de sistema de cultivo são mais onerosos,
requer infraestrutura terrestre com controle de temperatura, luminosidade e nutrientes e
mão de obra mais qualificada.

Desenvolvimento dos esporos


Liberação dos (talos filamentosos) em tanques
esporos

Seleção de linhagens

Crescimento e
transferência dos talos
para redes

Crescimento e transferência
dos talos para redes

Figura 2. Técnicas de cultivo de algas envolvendo todo ciclo reprodutivo. Imagem adaptada de FAO
(2005).

3- Cultivo de algas multitrófico


As operações aquícolas podem causar impactos negativos como a eutrofização
dos corpos d’água, devido ao aumento da concentração de nutrientes, o que pode
provocar a hipóxia e acidificação das áreas sobre influência dos cultivos, afetando a
diversidade dos organismos bentônicos e planctônicos, proliferando patógenos e
ameaçando a saúde do ecossistema. Nesse contexto, é recomendável a utilização de
métodos de produção que visem não apenas o crescimento econômico, mas também

94
uma maior abordagem ecológica e social. Uma maneira para alcançar este objetivo é a
implementação da Aquicultura Multi-Trófica Integrada Marinha, AMTIM.
A AMTIM é uma abordagem que pode ser adotada para mitigar os possíveis
efeitos negativos da monocultura. Esta estratégia de aquicultura baseia-se na produção
aquática sob o conceito de reciclagem e reutilização. Em lugar de cultivar uma única
espécie (monocultura) e incidir os esforços sobre suas necessidades, a AMTIM tenta
imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções
ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido (e.g.,
resíduos, nutrientes e subprodutos) possam ser reaproveitados e convertidos em
nutrientes, alimentos e energia para outras culturas. A AMTIM combina o cultivo de
organismos alimentados com ração, como peixes e camarões, e de espécies extrativas,
que extrai sua fonte de alimento do meio natural, como algas e invertebrados, de modo
que os processos biológicos e químicos se equilibram e sejam complementares (Fig-3).

Material Orgânico (Ração)


Material Orgânico Particulado
Material inorgânico

Figura 3. Interações entre os organismos cultivados em sistema multitrófico.

Sistemas AMTIM experimentais envolvem espécies como peixes ou camarões,


que são alimentados com ração e/ou rejeitos de pesca (arraçoados), organismos
filtradores de material orgânico particulado (MOP), como ostras, vieiras e mexilhões, e
filtradores de compostos inorgânicos, como algas. Os peixes introduzem material
orgânico na coluna d’água devido a alimentos não consumidos e produção de fezes,
além de liberar compostos inorgânicos como NH4+, PO4-3 e CO2, devido à ação
metabólica. Organismos filtradores de MOP podem ter um reforço na sua dieta devido

95
ao abastecimento de resíduos particulados de alimentos e fezes provenientes dos
organismos arraçoados, assimilando parte deste material em seu tecido. Assim, espécies
filtradoras podem apresentar uma maior taxa de crescimento, acima das observadas em
monocultora de filtradores. Como consequência, a integração dos filtradores
possibilitaria a diminuição da carga de MOP para os arredores do cultivo. Por sua vez,
os filtradores também introduzem compostos inorgânicos na água pelas suas vias
metabólicas. Os compostos inorgânicos provenientes dos arraçoados, dos filtradores e
do processo de biodegradação de material orgânico pela ação microbiana, são
aproveitados pelos produtores primários como as macroalgas que os usam na produção
de compostos vitais para o seu desenvolvimento, como por exemplo, a produção de
açúcares, proteínas e enzimas. As macroalgas retiram da água compostos que em dadas
concentrações são tóxicos para muitos organismos, como NH4+, NO2-, PO4-3, e as
incorporam na sua biomassa. Além disso, as macroalgas contribuem para o aumento da
concentração de O2 e estabilização do pH da água. Por utilizar o resíduo de um
subsistema de cultivo (nível trófico) como nutriente de outro e estarem dentro de um
mesmo domínio do espaço de cultivo, a AMTIM pode inclusive resultar em aumento da
capacidade de produção de um determinado local, antes visto como limitado pela sua
baixa produtividade.
As algas são parte fundamental dos sistemas de AMTIM, pois contribuem na
incorporação de nutrientes dissolvidos (C, N e P) derivados de níveis tróficos mais
altos, como por exemplo, peixes e moluscos, convertendo esses compostos
potencialmente nocivos para o meio ambiente em biomassa algácea. Desta forma, elas
tornam as águas ricas em nutrientes em recursos aproveitáveis, mitigando os efeitos da
eutrofização e estabilizando a qualidade da água. Estudos têm demostrado que algas
crescidas em sistemas AMTIM apresentam elevado teor de proteínas, polissacarídeos,
pigmentos e compostos funcionais, contribuindo dessa forma na produção de biomassa
de alta qualidade nutricional, que encontram aplicações em vários setores, desde a
produção de suplementos alimentares, fertilizantes, cosméticos e alimentos, até a
descoberta de novos fármacos.

96
4- Referências

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99
Anotações:

100
CAPÍTULO IX

Inferindo a história evolutiva de organismos: dos


fundamentos básicos da obtenção dos dados à
reconstrução de uma hipótese filogenética
Annelise Frazão
Juan Pablo Narváez-Gómez
Luiz Henrique Martins Fonseca
Juliana Lovo

Breve histórico da sistemática filogenética

A busca do homem pelo entendimento da natureza e a sistematização desse


conhecimento remonta à Antiguidade. A diversidade de formas vivas e suas
semelhanças e diferenças eram assuntos eram abordados por filósofos como Aristóteles
e Platão e, posteriormente, pelos naturalistas, como eram chamados os estudiosos das
ciências naturais. Atualmente, denominamos Sistemática a área da ciência responsável
por estudar a diversidade de organismos existentes em nosso planeta e organizá-los por
meio da classificação destes em um sistema de referência. Como é inerente à Ciência, a
Sistemática é bastante dinâmica, e ao longo de sua história, diversas escolas de
classificação com inúmeros critérios foram propostas e empregadas por diferentes
estudiosos. Foi, no entanto, nas décadas de 1950-1960 que modificações substanciais
ocorreram representando um marco profundo na forma como o homem compreende e
classifica os seres vivos. Essas mudanças foram propostas e sintetizadas pelo
entomólogo alemão Willi Hennig em uma nova escola chamada de Sistemática
Filogenética, na qual foi incorporada a premissa máxima da biologia evolutiva proposta
por Charles Darwin, de que os organismos compartilham ancestrais comuns entre eles.
Hennig propôs que os sistemas de classificação dos seres vivos refletissem seu
grau de parentesco, ou seja, sua história evolutiva, resultando assim em sistemas mais
estáveis e preditivos. Além de sugerir que o grau de parentesco passasse a ser o único
critério utilizado como base para as classificações, Hennig desenvolveu um método
prático que permitiria fazermos inferências sobre essas relações históricas. A partir
desse momento, a Sistemática incorpora os conceitos de evolução biológica e

101
ancestralidade comum como elemento ordenador da diversidade e passa a contar com
uma base metodológica mais clara, objetiva e definida. A Sistemática Filogenética foi
gradualmente aceita e implementada pelos
sistemas de modo universal e sua conexão
com diversas áreas da Ciência ampliou-se.
O progresso tecnológico, principalmente
nos últimos 30 anos, permitiu que
diversos avanços fossem agregados e os
estudos filogenéticos tornaram-se
corriqueiros, servindo de base para
classificações mais robustas (vide
Capítulo 10).
Atualmente, os estudos de
filogenia, além de serem úteis ao trabalho
tradicional da taxonomia, possibilitam
também uma grande interação entre
disciplinas diversas como zoologia,
botânica, genética, morfologia, fisiologia,
ecologia, dentre outras, resultando no
aumento do conhecimento sobre as
dinâmicas evolutivas e sobre a geração da
biodiversidade do planeta.

Figura 1: Esquema hipotético mostrando os


diferentes níveis em que a evolução ocorre e o que
uma filogenia realmente representa. A partir de um
nível individual, quatro indivíduos de uma espécie
A de angiospermas (a) podem ser relacionados
diretamente com sua geração parental e com a
geração parental dos parentais deles e assim por
diante, por meio de característicasherdadas (b e c).
É possível ainda estabelecer a relação genealógica
entre esses indivíduos em nível populacional (d) e
da relação entre essas diferentes populações dentro
da espécie (e). Por fim, essas populações com todas
suas característicasrepresentam uma espécie, que é
utilizada para o estabelecimento da história
evolutiva em relação a outras espécies (B, C, D, E)
por meio de uma filogenia (f). Figura adaptada de
Baum (2008).

102
Conceitos básicos da sistemática filogenética
Uma das grandes inovações propostas pela Sistemática Filogenética foi
apresentar um método capaz de reconstruir hipóteses sobre a história evolutiva que
ocorreu no passado. Para isso, é necessário, inicialmente, procurar evidências ou
vestígios dessa história para posteriormente estimar a hipótese que melhor explica a
história evolutiva das espécies. Assim, o método consiste essencialmente no
levantamento de evidências de parentesco evolutivo entre os organismos. Da mesma
forma com que parentes de uma mesma família possuem semelhanças (morfológicas,
fisiológicas, etc.) que sugerem sua relação próxima, o método proposto por Hennig
implica na busca de características compartilhadas entre os organismos estudados para
inferirmos suas relações.
A essas características compartilhadas por herança do ancestral, ou partes
correspondentes nos organismos, denominamos de caráter e a suas variações possíveis
de estados de caráter. Analogicamente, a história evolutiva de uma parcela de
diversidade biológica qualquer pode ser vista como um quebra-cabeça e as evidências.
No entanto, como a evolução ocorre por processos históricos, o quebra-cabeças que tem
um número exato de peças (a filogenia de um grupo) só poderá ser “montado” com
algumas dessas peças disponíveis (caráteres e seus estados). Por este motivo, o que é
possível acessar é uma hipótese sobre a evolução da parcela da diversidade biológica
estudada.
Neste contexto, o que os cientistas conseguem fazer é reconstruir o padrão que
melhor explicaria a história evolutiva de organismos, sendo que representam este
padrão por meio de um diagrama dicotômico, a árvore filogenética. Já os processos que
geraram o padrão acessado pelos cientistas são quase inacessíveis, pois são eventos
genealógicos, ou seja, ocorrem em intervalos menores de tempo entre uma geração e
outra. Desta forma, uma genealogia representa os processos de mudanças herdadas ao
longo de diferentes gerações em uma linhagem (Figura 1a-e), enquanto uma filogenia
representa o padrão possível de ser acessado dadas as evidências disponíveis (Figura
1f).
Dessa forma, um filogeneticista busca nos organismos estudados, evidências que
possibilitem criar hipóteses sobre suas relações evolutivas. Por exemplo, na Figura 2,
observa-se na árvore filogenética que dois táxons (A e B) possuem características
compartilhadas ausentes em C. Assim, é possível construir a hipótese de que esses dois
táxons (A e B) sejam mais aparentados entre si do que qualquer um dos dois em relação

103
a C. Com isso, é possível também deduzir que os caráteres compartilhados
exclusivamente por A e B são um indício de que eles estavam presentes no ancestral de
AB (Figura 2). No exemplo apresentado, os caráteres observados nos três táxons são
"círculo" e "retângulo". Os estados de
caráter são, respectivamente, círculo
branco, círculo azul e retângulo branco,
retângulo vermelho. Os componentes e a
leitura apropriada de uma árvore
filogenética serão apresentados na
Figura 2: Árvore filogenética evidenciando relações
entre os táxons A, B e C. Traços representam os próxima seção, “Anatomia da árvore
caráteres observados nos organismos para inferência
das relações. Símbolos em vermelho e azul estados
filogenética” (página 5).
de caráter presentes no ancestral de AB. Símbolos Na prática, são considerados
em branco representam estados de caráter que
ocorriam no no ancestral ABC e que continuam caráteres potencialmente informativos
presentes na linhagem C. Figura de Frazão et al.
(2016). para estudos filogenéticos, quaisquer
características herdáveis e que apresentem variação no grupo estudado. Considerando
que os seres vivos apresentam um fenótipo que é resultado da expressão da informação
contida no DNA, e que esses são transferidos hereditariamente, todos os diversos
aspectos de um organismo podem ser empregados nas análises. Desse modo, podem ser
utilizados caráteres das mais diversas naturezas e escalas como os macromoleculares
(DNA, RNA), citogenéticos, fisiológicos, morfológicos, comportamentais, entre outros.
O aspecto essencial é que esses caráteres compartilhados pelos organismos em estudo
indiquem que alguns deles tiveram uma história em comum e exclusiva. Não são
válidos, portanto, caráteres que sofrem modificação a partir da interação com o
ambiente e que não sejam transmitidos hereditariamente.
Importante ressaltar que essas semelhanças não são a priori evidências
comprovadas de origem comum, mas sim são uma hipótese de que esses caráteres
tiveram origem no mesmo ancestral e que os organismos compartilham uma mesma
história evolutiva. Essa hipótese deverá, então, ser testada com a inferência de uma
filogenia. Ou seja, a árvore filogenética é o teste das hipóteses criadas inicialmente com
os caráteres utilizados. Aqueles caráteres que foram verificados como tendo origem
única do ancestral de um grupo é denominado de homologia (veja detalhes deste
conceito na seção “Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia,
caráteres, e relações hierárquicas”.

104
Os diferentes tipos de dados utilizados na inferência de uma filogenia são em
potencial igualmente úteis. Não há diferenças qualitativas, ou seja, caráteres melhores
ou piores do que outros. Mas, diferentes fontes de dados possuem características
diversas, sofrem pressões seletivas diferentes e, por isso, devem ser analisados sob
diferentes perspectivas e abordados considerando-se suas particularidades. Com isso,
independente da natureza da fonte de dados, é essencial que os caráteres sejam
estudados cuidadosamente antes de serem empregados no levantamento de hipóteses de
parentesco.
Nesse contexto, caráteres moleculares, por exemplo, devido à sua
universalidade, permitem a comparação entre organismos muito diversos, como um
peixe e uma planta, o que seria difícil com base em sua morfologia. Isso favorece seu
emprego em estudos de maior abrangência, isto é, com organismos mais heterogêneos.
No entanto, e evolução dos caráteres moleculares não é tão simples quanto pode parecer
em um primeiro momento e é necessário que a biologia dessas moléculas seja bem
conhecida e considerada nas análises. Ao mesmo tempo, grande parte do conhecimento
que temos, foram obtidos a partir de estudos morfológicos e os espécimes precisam ser
bem identificados para serem corretamente posicionados na árvore filogenética. Desta
forma, estudos utilizando dados moleculares e morfológicos são igualmente essenciais,
assim como o emprego de caráteres fitoquímicos, anatômicos, comportamentais,
fisiológicos, por exemplo, podem fornecer evidências de parentesco.

Anatomia da árvore filogenética

Para uma leitura apropriada de uma árvore filogenética é necessário entender


elementos fundamentais que a compõem. Nela, os representantes utilizados para o
estudo de uma parcela da diversidade biológica são chamados de terminais (Figura
10a). Esses terminais são representados por diferentes táxons. Os terminais se conectam
por nós, formando o que chamamos de clados. Os nós representam o ancestral comum
hipotético mais recente compartilhado por entidades presentes nos clados. As conexões
entre terminais e entre clados são chamadas de ramos (Figura 10a). Tendo em vista que
o acúmulo de variação ocorre continuamente, os terminais também representam ramos,
os quais chamamos de ramos terminais (Figura 10a). O nó mais externo de uma árvore
filogenética que conecta todos os ramos desta é chamado de raiz (Figura 10a). Quando
mostramos apenas o padrão da relação entre os terminais, temos um diagrama que

105
chamamos de cladograma (Figura 10c). Essa relação entre os terminais também é
conhecida como topologia. Contudo, os ramos podem ser informativos e terem
diferentes tamanhos, representando uma proporção entre o tamanho do ramo e o
número de mudanças estados de caráter acumuladas por uma linhagem (ou a chance de
mudança de estado no ramo).
O diagrama que mostra a relação entre os terminais e comprimentos de ramos
proporcionais a chance de alteração dos estados é conhecido como filograma (Figura
10d). Uma árvore filogenética também pode conter informação temporal. Neste caso, o
comprimento dos ramos é proporcional ao tempo transcorrido. Quando a informação
temporal é apresentada temos um cronograma (Figura 10e). Além de conter
informações distintas em determinados casos, uma árvore filogenética pode ser
apresentada de diferentes formas, como pode ser visto na Figura 10b. Para exemplificar
a leitura de uma árvore filogenética, vamos utilizar a Erro! Fonte de referência não
encontrada.. Nela podemos estabelecer que A e B são mais relacionados entre si do
que com C, porque A e B compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo (x).
Dizemos que A é grupo-irmão de B, e C é grupo-irmão de A + B, ou seja,
compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo entre si (y).

Figura 10: Representação esquemática de elementos que constituem uma árvore filogenética. a) Árvore
filogenética dos grandes grupos de Angiospermas com cada elemento de uma árvore filogenética
indicado. b) As diferentes formas possíveis de se representar uma filogenia. c) Esquema de um
cladograma. d) Esquema de um filograma. e) Esquema de um cronograma. Figura de Frazão & Fonseca
(2015).

A sistemática filogenética procura estabelecer uma classificação que seja


natural, ou seja, ela procura reconhecer grupos cujas semelhanças e diferenças sejam
todas explicadas pelo mesmo tipo de causas e que representem grupos que, de fato,
106
existem na natureza, além dos pressupostos dos pesquisadores. Como vimos
anteriormente, a evolução explica, graças a premissa da ancestralidade comum entre
organismos, as semelhança e as diferença entre eles. Assim, um grupo natural é
reconhecido quando o grupo reconstruído é composto de todas as espécies descendentes
de um ancestral.

No contexto de uma árvore filogenética, um clado, ou todos os terminais


conectados pelo mesmo nó, representam um grupo natural ou um grupo monofilético ().
Descobrir esses grupos é um dos objetivos principais da sistemática filogenética. Por
outro lado, dois agrupamentos artificias podem ser definidos: o grupo parafilético, o
qual contém a espécie ancestral comum, mas não a totalidade dos descendentes (b); e o
grupo polifilético, o qual não contém o ancestral comum mais recente entre todos os
indivíduos do grupo, mas sim vários ancestrais (c). Com base no estabelecimento de
relações entre terminais e entre clados, o objetivo da inferência filogenética é de
apresentar hipóteses de relações hierárquicas e dicotômicas entre as entidades
biológicas estudadas e reconhecer como grupos taxonômicos válidos são apenas
aqueles monofiléticos, representados por clados na árvore filogenética.
Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia, caráteres e
relações hierárquicas

Uma característica é tida como homóloga quando suas semelhanças e diferenças


podem ser consideradas como um mesmo tipo de atributo biológico. O estabelecimento
inicial de caráteres homólogos é dada quando suspeitamos que semelhanças ou
similaridades entre eles podem ser causadas pela herança a partir de um ancestral
comum entre as espécies que os apresentam, e a diferença entre eles como produto da
transformação evolutiva do caráter a partir desse ancestral comum. Dizemos que um
caráter é um atributo biológico variável que tem ao menos dois estados de caráter
discretos e mutuamente exclusivos que distinguem os organismos que os apresentam.
Um caráter é, então, uma representação de uma série de transformação evolutiva entre
os seus estados. Em outras palavras, o caráter representa uma hipótese de homologia.

107
Figura 11: Os três diferentes tipos de grupos possíveis em um cladograma: monofilético (a), parafilético
(b) e polifilético (c). Figura de Frazão et al. (2016).

Em termos mais gerais podemos dizer que a homologia se refere à similaridade


entre atributos biológicos causada pela ancestralidade comum entre as espécies. As
homologias representam, então, caráteres que tem uma origem única na história
evolutiva das espécies. Como vimos
anteriormente, descobrir quais caráteres
originam-se e transformam-se
paralelamente aos processos de
diversificação das espécies podem nos
ajudar a identificar relações filogenéticas
e definir grupos (Figura 12). A ideia
básica é que os caráteres, os quais são
utilizados como evidência da inferência
das relações filogenéticas, evoluem

Figura 12: Relação entre a evolução de caráteres e a


paralelamente à diversificação
diversificação das espécies. a) Matriz de caráteres das (=surgimento) das espécies. Por isso, é
espécies A, B e C com os seus respectivos estados. b)
Cladograma mostrando as relações entre as espécies e esperado que cada caráter deverá, em
exibindo as mudanças entre estados do caráter que
suportam as relações entre elas: α(1) é uma consequência, recuperar
sinapomorfia do grupo A, B e C; β (1) e γ(1) são
sinapomorfias o grupo B e C; δ é um caráter que é independentemente padrões hierárquicos
único da espécie B; ε é um caráter que entra em
conflito com o padrão descrito pelos outros caráteres
da relação entre espécies irmãs.
com respeito ao relacionamento entre as espécies. c) Portanto, uma árvore filogenética
Representação do que provavelmente teria acontecido
na evolução dos caráteres nas espécies A, B e C. é um diagrama que melhor representa a
Figura de Frazão et al. (2016).
possível filogenia de um grupo estudado.
Quando consideramos uma série de transformação de um dado caráter, podemos
verificar que alguns caráteres surgem primeiro do que outros, ou seja, são modificações

108
de caráteres mais antigos. Deste modo, a similaridade entre as espécies surge de uma
combinação de caráteres que teriam evoluído cedo na história e outros que têm evoluído
tardiamente. Chamamos de apomorfias aos caráteres modificados ou “derivados” ou
mais recentes na série de transformação; e de plesiomorfias aos caráteres ancestrais ou
mais antigos na série de transformação.
A construção de uma árvore filogenética é realizada a partir da identificação das
apomorfias que distinguem clados. Chamamos de sinapomorfías aos caráteres
“derivados” ou mais recentes (=apomorfia) que são compartilhados por todas as
espécies ou táxons de um clado particular. As sinapomorfias definem os grupos
monofiléticos. Em outras palavras, elas são caráteres com uma origem evolutiva única
que são compartilhados pela espécie ancestral hipotética e todas as espécies
descendentes.
Já aos caráteres ancestrais ou mais antigos (=plesiomorfias) que são
compartilhados por todas as espécies ou táxons, tanto do clado particular analisado
quanto com os táxons fora dele são denominados simplesiomorfías. Em outras palavras,
simplesiomorfias são sinapomorfias em um nível hierárquico maior o qual inclui o
clado de interesse e que, não necessariamente, são apresentadas por todos os táxons
pertencentes a ele. Quando as simplesiomorfias são utilizadas para criar grupos, é
comum que sejam definidos tanto grupos parafiléticos como polifiléticos.
Finalmente, podemos dizer que homologias cuja relação hierárquica estabelece
as relações filogenéticas são aquelas que, como sinapomorfias, permitem descobrir e
identificar os grupos monofiléticos. O resultado que a análise filogenética pretende
obter é a congruência entre caráteres no contexto hierárquico da topologia de uma
árvore filogenética. Um sinal filogenético é atribuído aos caráteres e sua hipótese de
homologia confirmada quando há congruência destes com outros caráteres. Nas análises
filogenéticas, porém, é comum que exista conflito entre os caráteres, pois nem sempre
eles são congruentes uns com os outros e, em alguns casos, seus estados surgem
múltiplas vezes na árvore filogenética. Quando isso acontece o mesmo caráter aparece
na análise como suportando diferentes clados não relacionados impedindo, desta forma,
uma avaliação correta tanto das sinapomorfias como dos grupos monofiléticos. Quando
um caráter não é congruente com os outros na filogenia e aparece, portanto, duplicado
em diversos ramos da topologia este é tido como uma homoplasia.
Tendo em vista essas precisões terminológicas, podemos dizer agora que o
processo de inferência filogenética abrange dois passos metodologicamente diferentes.

109
O primeiro passo consiste na procura das evidências a partir de características
biológicas, estabelecendo uma lógica sobre a possível transformação evolutiva entre
elas e codificar essa informação numa linguagem apropriada para a análise filogenética
a fim se obter os dados a serem comparados. Esse passo é conhecido como Análise de
Caráteres, e tem como objetivo a construção de uma matriz de caráteres onde a
variação é codificada numericamente.
O segundo passo consiste em unir essas lógicas inicias de homologia e testar se
elas recuperam o padrão hierárquico de relações filogenéticas entre as espécies. Esse
passo é conhecido como Inferência Filogenética e estima a topologia que representa as
relações filogenéticas a partir da aplicação de diversos métodos à matriz de caráteres, os
quais buscam distinguir o sinal filogenético das homoplasias.

Homologia em dados morfológicos de plantas

A análise de caráteres morfológicos consiste em responder a pergunta: no corpo


das plantas o que observar, o que identificar, o que nomear, o que medir para propor
hipóteses de homologia entre atributos e descobrir as relações filogenéticas entre as
espécies? O problema indicado por essas perguntas é como podemos representar
adequadamente a variação das características morfológicas em caráteres para resgatar o
sinal filogenético que se encontra neles.
Para responder essa pergunta é necessário enxergar como é o processo de
produção e coleção dos dados morfológicos e como é feita a comparação entre esses
atributos. Vamos supor que um botânico está trabalhando com um grupo de três
espécies de plantas X, Y e Z (Erro! Fonte de referência não encontrada.). Num
primeiro momento, o botânico enxerga o corpo dos espécimes das diferentes espécies
separadamente e descreve a suas proporções, orientação, conexões topológicas
(localização no ramo da planta), geometria, composição material, textura e consistência.
Todas essas propriedades são estudadas aplicando uma série de tratamentos específicos
aos espécimes que permitem obter essas informações.

110
Figura 13: Processo de análise de caráteres morfológicos desde a coleção os espécimes até a codificação
destes caráteres. Lembre-se que os caráteres morfológicos são dados de natureza verbal: a sua qualidade
depende da rigorosidade e objetividade com que são feitas as descrições. O uso de vocabulários técnicos
botânicos e o seu exame crítico são fundamentais para potencializar a produção de caráteres morfológicos
com sinal filogenético. Figura de Frazão et al. (2016).

Por exemplo, se quisermos estudar a anatomia desses espécimes seria necessário


seccionar a parte do corpo do espécime de interesse, aplicar corantes específicos e
preparar lâminas para enxergar através do microscópio. As diferentes combinações
dessas propriedades estruturais definem uma parte da planta à qual é atribuída um nome,
permitindo que partes equivalente possam ser reconhecidas em plantas diferentes. Esse
nome faz parte dos vocabulários técnicos botânicos. Deste modo, a descrição verbal
dessas partes, conjuntamente com as suas propriedades usando termos técnicos
botânicos é conhecida como dado morfológico.
Esse dado resume os limites estruturais, correlações e conexões com outras
partes e formas repetidas no gradiente continuo de variação morfológica da planta que é
percebido visualmente pelo botânico.
Suponha-se que nos espécimes das três espécies de plantas encontrarmos uma
estrutura com as seguintes propriedades: (i) A posição dela é lateral ao eixo principal da
planta; (ii) ela tem uma simetria dorsiventral; (iii) ela tem crescimento determinado; (iv)
ela apresenta um meristema no ponto de conexão com o caule; (v) ela tem uma função
fotossintética. Encontramos que essas propriedades definem o que é uma folha e cada
uma delas constitui um dado morfológico.

111
Por outro lado, o conceito de caráter em sistemática filogenética implica que ele
é independente de outros caráteres e que os seus estados de caráter são mutuamente
exclusivos. Entramos aqui no problema de avaliar quais características morfológicas são
homólogas. Esse processo implica no uso do método comparativo com o qual avaliamos
as semelhanças e as diferenças entre as diferentes partes do corpo da planta entre
espécimes de espécies diferentes. Existe um conjunto de regras chamadas de critérios
de homologia que permitem identificar quais estruturas são comparáveis e poderiam,
portanto, ser homólogas: (1) o critério de topologia, o qual diz que caráteres homólogos
geralmente conservam a mesma posição e conexão com outras partes no corpo das
plantas; (2) o critério de qualidade especial, o qual diz que os caráteres homólogos
exibem propriedades estruturais similares; e (3) o critério das formas transicionais, o
qual assume que duas características que não são necessariamente similares em sua
estrutura podem ser homólogas se, durante a ontogenia, os passos intermediários entre
os primórdios no desenvolvimento e as estruturas adultas são similares.
Suponha-se que efetivamente as folhas das espécies de plantas X, Y e Z todas
sejam laterais ao caule da planta (critério topológico), dorsiventrais e fotossintéticas
(critério de qualidade especial), o que permite um botânico assumir que são estruturas
homólogas. Contudo, vemos que a complexidade é variável: a espécie X tem folhas com
uma única lâmina, ou simples; a espécie Y tem folhas compostas, ou com várias
divisões formando folíolos (pinada); e que a espécie Z tem folhas compostas, mas com a
lâmina dos folíolos também divididas (duas vezes pinada). Ao examinar a
complexidade estrutural das folhas, encontramos um grupo de propriedades que se
mantêm constantes e outras propriedades variáveis.
A aplicação dos critérios de homologia é conhecida como um teste de
similaridade. Outro teste importante é a conjunção, o qual indica que para serem
estruturas homólogas, os caráteres analisados não podem ocorrer juntos no mesmo
organismo. No exemplo das folhas entre as plantas X, Y e Z, vemos que nenhuma delas
apresenta ao mesmo tempo folhas simples e compostas. Se acontecer que tanto as folhas
simples como compostas estivessem num mesmo espécime dessas plantas, então,
teríamos que rejeitar a hipótese inicial de homologia. No entanto, embora as folhas
passem no teste de similaridade e de conjunção, ainda fica o último teste, o teste de
congruência entre as homologias iniciais no contexto da árvore filogenética, o qual será
tratado com mais detalhes posteriormente na seção “Os métodos de inferência
filogenética”.

112
Os caráteres (=hipóteses de homologia) são séries de transformação
independentes e únicas evolutivamente cujos estados são modificações a partir de
condições ancestrais da estrutura. Um caráter é, então, uma descrição que codifica a
informação evolutiva das características morfológicas examinadas. Por exemplo, o
caráter que representa a transformação das folhas das espécies X, Y e Z poderia ser
codificado segundo sua complexidade da seguinte forma:
1. Folhas, complexidade: (0) Simples; (1) Compostas pinada; (2) Compostas
duas vezes pinada.
Essa apresentação do caráter tem uma estrutura lógica básica, onde a primeira
parte indica estrutura analisada e a o atributo específico de interesse, enquanto a
segunda parte indica os estados do caráter definindo quais propriedades dessa estrutura
variam e em quais condições. Na prática, o raciocínio é similar para todos os atributos
morfológicos: descrevem-se as propriedades estruturais das partes do organismo;
identificam-se partes comparáveis a partir da aplicação dos critérios de homologia para
propor hipóteses de homologia; e codificam-se as informações num enunciado de
caráter que logo será incluído na matriz de caráteres. A matriz de caráteres é composta
por linhas que representam os táxons, colunas que representam os caráteres, e em cada
célula se preenche o número que codifica o estado de caráter particular que apresenta o
táxon específico (Erro! Fonte de referência não encontrada.).
Entre os múltiplos tipos básicos de codificação, dois tipos básicos são os mais
comuns. O primeiro chamado de transformacional ou convencional exibe múltiplos
estados de caráter que se assumem como transformações evolutivas desde um atributo
ancestral. Um exemplo dele é o caráter descrito acima sobre a variação das folhas. O
outro tipo de caráter é chamado de variável nominal ou neomórfico o qual indica o
surgimento ou perda de uma estrutura. Por isso é um caráter binário com os seus únicos
estados sendo ‘ausente’ ou ‘presente’. Um exemplo desse tipo de caráter pode ser:
2. Eixo caulinar reprodutivo, carpelo: (0) Ausente; (1) Presente.
Apesar da maioria os caráteres morfológicos utilizados serem codificados de
forma qualitativa, os caráteres também podem ser codificados de forma quantitativa.
Neste caso, a variação contínua deve ser segmentada e codificada como variáveis
discretas. Assim, um caráter do tipo quantitativo como o comprimento do pecíolo das
folhas, por exemplo, poderia ser assim codificado:
3. Folhas, comprimento do pecíolo: (0) curto, entre 0-1cm; (1) mediano,
entre 1,1-2cm; (2) comprido, entre 2,1-3cm.

113
As séries de transformação representadas por esses diferentes tipos de caráteres
devem ser ordenadas para que as apomorfias e as plesiomorfias possam ser
identificadas. Para saber quais estados entre as folhas examinadas já estavam presentes
no ancestral hipotético e quais mais recentes, é necessário realizar a polarização dos
caráteres. Esse processo permite determinar qual é a direção das transformações ou
mudanças entre os estados de caráter. As informações necessárias para descobrir essa
ordem podem ser obtidas antes ou depois da análise filogenética.
Para definir esta ordem antes da análise filogenética, podem ser utilizadas
informações acerca do conhecimento sobre a biologia do desenvolvimento dos caráteres
analisados, já que permite verificar quais estados surgem primeiro na ontogenia.
Quando não há informação de desenvolvimento, a seleção de um grupo externo é
necessária. O grupo externo pode ser fóssil, sendo que as informações nele contidas
podem ser examinadas para investigar se, entre os táxons extintos, sabidamente ou
supostamente aparentados com as espécies das plantas estudadas, um dos estados de
caráter estava presente. Se sim, este é escolhido como o estado de caráter
plesiomórfico. O grupo externo também pode ser composto por espécies que a princípio
não façam parte do grupo estudado, mas que podem ser aparentadas com as espécies
analisadas, sendo que o estado do caráter presente nesse grupo externo será interpretado
como plesiomórfico. Assim, assume-se como pressuposto que o estado de caráter
presente nos primeiros estágios do desenvolvimento ou no fóssil é o estado
plesiomórfico, ou ainda que o grupo externo é composto por organismos aparentados,
porém, ausentes do grupo estudado.

Homologia em dados moleculares

O uso de dados de sequências de DNA


em análises filogenéticas está amplamente
disseminado nos dias atuais. A popularização do
uso de sequências nucleotídicas em inferência
filogenética ocorreu na década de 1990,
principalmente, pela facilidade da obtenção de
sequências devido à técnica de PCR (Polimerase
Chain Reaction) e pela quantidade de dados
Figura 14: Tipos de mutação em sequencias
de DNA: substituições de bases nucleotídicas.
Figura de Frazão et al. (2016).
114
disponíveis para análise. Essa quantidade de dados é atualmente ainda maior com a
crescente facilidade de acesso a dados de sequenciamento de segunda geração (também
conhecidos como sequenciamentos de próxima geração ou Next Generation
Sequencing). O número de caráteres a serem analisados é, em geral, muito maior para
dados genéticos se comparado aos dados fenotípicos comumente utilizados
(morfológicos, comportamentais, químicos, entre outros). Mesmo o eucarioto com o
menor genoma conhecido, o microsporídio Encephalitozoon intestinalis, possui 150
Gpb de material genético, o que significa um número de potencias caráteres muitas
vezes maior se comparado aos caráteres fenotípicos comumente utilizados.

A análise filogenética utilizando


dados de DNA possui como fonte de
evidência os genomas mitocondrial,
cloroplastidial ou nuclear. As espécies (ou
outros tipos de terminais, como por
exemplo genes) são comparadas segundo
diferenças no tipo de base nucleotídica,
inserção ou deleção das mesmas em
posições específicas nos três genomas. O
Figura 15: Tipos de mutação em sequencias de acúmulo dessas diferenças é resultado da
DNA: inserção, deleção e inversão. Figura de
Frazão et al. (2016). evolução molecular que cada linhagem de
organismos está sujeita. Entre os mecanismos de evolução molecular mais importantes
na geração de diferenças moleculares entre espécies (ou outros tipos de terminais) estão
as mutações pontuais, ou substituições de bases (Figura 14).
Essas substituições podem ocasionar danos na molécula de DNA ou erros de
replicação desta molécula. Inserções ou deleções de bases na sequência também podem
ocorrer e são coletivamente conhecidas como indels (Figura 15). Nesse caso, a mutação
ocorre tanto por erros na inserção de bases nucleotídicas pela enzima DNA polimerase
durante a replicação quanto são causadas por danos ao DNA por agentes externos.
Outras importantes fontes de variação molecular são a recombinação cromossômica, a
troca de éxons entre genes ou de genes completos e a migração dos elementos de
transposição. Nestes casos, as mutações como substituições (Figura 14), inserções,
deleções ou inversões (Figura 15) podem ser observadas.

115
Essa variação gerada por mutações,
entre outros processos moleculares, é o dado
utilizado para a inferência filogenética. Para
que isso seja possível, é preciso inicialmente

estabelecer a homologia dos resíduos


Figura 16: Alinhamento de sequências de seis
espécies diferentes. As linhas representam as nucleotídicos nas sequências de DNA. Duas
espécies, as colunas os caráteres e cada uma dos
nucleotídeos possíveis são os estados dos sequências serão homólogas se elas
caráteres. As barras (–) representam a
manutenção de espaços devido à ocorrência de descenderem de uma sequência ancestral e,
indels. Figura de Frazão et al. (2016).
igualmente, seus resíduos serão homólogos
se tais descenderem de um resíduo precursor dentro dessa mesma sequência homóloga.
Durante o estudo comparativo de sequências de DNA, as homologias são representadas
por alinhamentos múltiplos de sequências. Assim como nas matrizes morfológicas, as
linhas em um alinhamento são os terminais e as colunas os caráteres, neste caso, os
potenciais nucleotídeos homólogos (Erro! Fonte de referência não encontrada.). No
caso de moléculas de DNA, os estados possíveis dos caráteres (=colunas) são os quatro
nucleotídeos, Adenina, Guanina, Timina ou Citosina (Erro! Fonte de referência não
encontrada.).
A árvore filogenética será, então, uma representação gráfica da informação
contida nesse alinhamento. Sendo assim, a topologia e comprimento de ramos da
árvore filogenética são totalmente dependentes do alinhamento utilizado na busca da
árvore. A árvore filogenética obtida só terá significado e poderá ser utilizada em outras
análises se o alinhamento representar com acurácia as homologias entre as bases. A
composição das sequências é a única evidência de homologia utilizada em alinhamentos
automatizados sendo, justamente, sua principal limitação. A evolução gera diversidade,
assim como mantém a coesão e uniformidade. Dessa forma, como reconhecer a
semelhança e definir os caráteres se a informação a ser recuperada está justamente na
mudança das bases ao longo do tempo?
O principal critério para obtenção de alinhamentos de sequências de DNA é o de
similaridade. A grande maioria dos algoritmos utiliza o critério de similaridade aliado a
uma função de otimização para acessar a homologia das bases e propor os caráteres e
seus estados. Algoritmos são importantes nas ciências em geral e, particularmente, para
alinhamentos de sequências de DNA, já que transformam observações empíricas em
dados objetivos e reproduzíveis. Em alinhamentos múltiplos, a maioria das

116
implementações possuem algoritmos de dois passos: (1) no primeiro deles é feito a
maximização da similaridade entre pares de sequências utilizando, em geral,
programação dinâmica; e (2) no segundo é realizado um alinhamento progressivo
guiado por uma árvore guia, sendo dessa forma um algoritmo heurístico, ou seja,
apenas uma parte das soluções é observada na busca da resposta.
O primeiro e principal algoritmo para maximizar a similaridade entre pares de
sequências foi proposto por Needleman e Wunsch e leva seus nomes. O algoritmo
calcula a distância mínima, ou seja, o número mínimo de transformações para que uma
sequência se torne idêntica à outra. Durante a rotina de programação dois processos
básicos são levados em consideração. A proposição de alterações de bases,
representando mutações pontuais, e a inserção de gaps, representando os eventos de
indel. O alinhamento de pares de sequências é feito com (1) a atribuição de pesos para
abertura de gaps, (2) substituição e (3) a atualização de uma matriz a partir desses
pesos, além (4) da proposição do alinhamento do par de sequências otimizando esses
valores em uma matriz. O algoritmo de Needleman e Wunsch funciona bem para pares
de sequências ou um pequeno número delas. Contudo, o problema de alinhamento de
sequências se torna computacionalmente intratável quando envolve dezenas ou centenas
de sequências.
Uma solução exata e elegante para o problema é obtida com o conhecimento de
uma hipótese filogenética para os táxons em análise, utilizando da estrutura desta como
guia para inclusão dos pares de sequência. Não obstante, na maioria dos casos é
justamente a obtenção da árvore filogenética o objetivo da análise. Nesses casos, é
necessário o uso de algoritmos heurísticos, onde somente uma parcela das respostas é
acessada. Para solucionar esse problema são empregadas árvores obtidas por métodos
de distância, onde um alinhamento não é necessário para se obter a topologia. Nesses
casos, a árvore de distância é utilizada como uma aproximação à filogenia e o uso de
apenas uma ou um conjunto delas para se obter o alinhamento é o que caracteriza a
busca heurística.

Os métodos de inferência filogenética

Os métodos de inferência filogenética são divididos em métodos baseados em


distância e baseados em caráter. Métodos baseados em distância utilizam uma matriz
construída a partir do número de diferenças entre pares de táxons e, geralmente, são

117
análises realizadas com dados genéticos. Os baseados em caráter utilizam características
diretas dos táxons e podem ser utilizados com qualquer tipo de dado sobre o grupo
estudado. Há muitos algoritmos disponíveis para inferir filogenias e, por isso, não temos
a pretensão de abordar aqui pormenores de cada método. Assim, apresentaremos os
fundamentos básicos do funcionamento de cada método e das diferentes escolas
atribuídas a estes.

Métodos baseados em distância

Análises de distância foram muito aplicadas na segunda metade do século XX


com dados genéticos. Esses métodos foram utilizados pelos cientistas da chamada
escola fenética e ainda são empregados em estudos de genômica. A ideia dessa escola
era estabelecer o relacionamento de organismos com base apenas em similaridade.
Quanto menor a distância genética entre os táxons, mais próximos eles seriam. Esta
forma de pensar o relacionamento evolutivo entre os organismos é muito criticada, já
que nem sempre organismos que apresentam pouca diferença entre si compartilham
uma história evolutiva em comum. Desta forma, é possível que o estabelecimento de
alguns grupos não represente uma hipótese provável da história evolutiva do grupo
estudado. Por este motivo os métodos baseados em caráter são os mais aceitos para
estudos evolutivos. Neighbor-Joining (agrupamento de vizinhos) e UPGMA
(Unweighted Pair Group Method using Arithmetic average) são os métodos baseados
em distância mais utilizados.
A distância genética é a divergência entre duas sequências derivadas de um
ancestral em comum. Na lógica de um método baseado em distância, se as sequências
evoluíram como um diagrama dicotômico e se conhecemos as distâncias entre as
sequências, seria possível reconstruir a árvore filogenética. Para calcular distâncias
genéticas é preciso ter um modelo de substituição de nucleotídeos que forneça uma
descrição estatística das substituições de um nucleotídeo para outro. A partir desta
probabilidade, calcula-se a distância genética esperada entre os táxons estudados.

Métodos baseados em caráter

Os métodos baseados em caráter possuem duas escolas, a parcimônia e a


probabilística ou paramétrica. Na escola da parcimônia, a melhor hipótese filogenética

118
será aquela que assumir um menor número de pressupostos, ou seja, um menor número
de mudanças dos caráteres e seus estados melhor explicaria a história evolutiva de um
grupo. Na parcimônia, as mudanças dos caráteres são chamadas de passos evolutivos.
Quanto mais mudanças detectadas em uma hipótese filogenética, menos parcimoniosa é
a hipótese filogenética e vice-versa. Já a probabilística leva em consideração a
probabilidade de uma hipótese filogenética ser mais próxima da verdadeira uma vez que
temos os dados e um modelo de substituição nucleotídica (=descrição estatística das
mudanças de um nucleotídeo para outro) que explique esses dados. A probabilidade de
uma hipótese filogenética pode ser inferida com base em máxima verossimilhança ou
por inferência Bayesiana.

Parcimônia (Figura 10)

A busca da árvore mais parcimoniosa (com o menor número de passos) é feita


entre árvores não enraizadas (sem direção de transformação dos caráteres). O número de
árvores possíveis aumenta exponencialmente com o aumento do número de terminais.
Por exemplo, para três terminais existem três árvores possíveis, para quatro terminais
existem 15 e para 20 terminais existem 2.1020 árvores possíveis. Dessa forma, existem
dois grupos de métodos utilizados para a busca da melhor árvore (ou melhores árvores).
Os métodos exatos buscam em todo o universo amostral de possibilidades de árvores a
árvore que minimiza o critério de otimização (Figura 10a).
Já os métodos heurísticos exploram apenas uma parcela do universo de árvores
possíveis, não incluindo todas as possibilidades existentes para um conjunto de dados.
Métodos heurísticos foram adotados como critério para busca de árvores filogenéticas
porque o número de árvores possíveis, à medida que aumentamos a amostragem de
táxons, aumenta muito o tempo computacional da análise de busca de árvores, o que
torna o trabalho do sistemata quase impossível de ser realizado. Há diversas estratégias
de busca de árvores disponíveis, os quais foram desenvolvidas para otimizar o processo
e tornar a inferência filogenética mais confiável, como é o caso do algoritmo de
Wagner, rearranjo dos ramos, Ratchet, dentre outros.
Como mencionado anteriormente, a ordem para as transformações dos estados
dos caráteres deve ser estabelecida para permitir que possamos distinguir estados
apomórficos de estados plesiomórficos. Para isso, é necessária a seleção de um grupo
externo. Como dito anteriormente, o grupo externo corresponde a um ou vários táxons

119
relacionados ao grupo de interesse, contudo existem evidências indicando que não
pertencem a tal grupo. A escolha é facilitada caso uma hipótese filogenética prévia já
esteja disponível. Não é recomendável restringir as comparações de caráteres a um
único táxon externo. Isso porque o grupo escolhido como externo pode apresentar
estados apomórficos para os caráteres em análise, dessa forma enviesando as conclusões
possíveis sobre a evolução do grupo estudado. Diferente da abordagem apresentada na
seção de homologia morfológica, o ordenamento das transformações se dá no momento
do enraizamento da árvore, o qual é efetuado no ramo do grupo selecionado como
grupo externo (Figura 10b).
O próximo passo na inferência por parcimônia é a etapa de otimização. É nesta
etapa que os caráteres utilizados na análise são associados à árvore filogenética. Neste
passo, as hipóteses de homologia apresentadas na matriz de caráteres são testadas, ou
seja, se o caráter utilizado para a análise é ou não de fato uma homologia. Se a hipótese
for aceita, o caráter utilizado é uma homologia, a qual poderá ser uma novidade
evolutiva (apomorfia) ou não (plesiomorfia). Caso seja um caráter que apareceu mais de
uma vez de forma independente nos diferentes táxons estudados, este não é considerado
homólogo e sim uma homoplasia e, portanto, a hipótese de homologia inicial é
rejeitada. Na Figura 10, os caráteres 1, 2 e 3 são homólogos e o caráteres 4 é uma
homoplasia.
Diferente dos outros métodos baseados em caráter, a parcimônia não utiliza
modelos de substituição de nucleotídeos. Como já mencionado na seção de métodos de
distância, os nucleotídeos podem mudar em diferentes taxas dependendo da região do
genoma dos organismos. Então como a parcimônia lida com essa variação se os dados
utilizados na matriz de caráteres forem informações genéticas? Neste caso, existe a
possibilidade de atribuir custos para as mudanças dos nucleotídeos. Quanto mais custo
for dado a uma mudança, um maior número de passos será necessário para que tal
mudança ocorra e, portanto, menos parcimoniosa será esta possibilidade de mudança.
Essa atribuição de custos deve ser muito criteriosa, já que pode trazer ruído para a
análise e influenciar o algoritmo a encontrar uma árvore subótima.
Existem índices que mensuram o quanto os caráteres utilizados para a inferência
da filogenia representaram ou não homologias para o grupo estudado (Figura 10d). O
índice de consistência (CI) mede o quanto das hipóteses de homologia criadas para a
construção da matriz de caráteres representaram realmente uma homologia ou não. Já o
índice de retenção (RI) mede a proporção de autapomorfias (estado presente em apenas

120
um táxon) e homoplasias em relação ao número total de passos. Quanto maior for o
valor do RI mais apomorfias compartilhadas (=sinapomorfias) não estão sujeitas a
homoplasia, ou seja, de não ter aparecido mais de uma vez de forma independente no
grupo de estudo. Já quando o RI tende a zero, existem muitas apomorfias não
compartilhadas (autapomorfias) e homoplasias.
Mas o que fazer quando mais de uma árvore mais parcimoniosa é obtida? Para
sumariar essa informação, são empregados os métodos de consenso. A árvore de
consenso estrito elimina qualquer clado que não tenha sido reconstruído em todas as
hipóteses filogenéticas igualmente parcimoniosas. Porém, parte da informação presente
nas árvores é perdida, como no caso dos clados não conflitantes entre si, mas não
presentes em todas às árvores. A árvore de consenso de maioria inclui os grupos
monofiléticos presentes na maioria das árvores obtidas na análise, haja ou não conflitos
entre eles.
As estimativas de suporte trazem uma mensuração da robustez de um clado e
indicam o quanto os dados disponíveis sustentam a existência do clado, ou seja, esse
tipo de análise demonstra o quanto os caráteres de uma matriz contam uma mesma
história proporcionalmente. As estimativas de suporte mais usadas são baseadas na
reamostragem dos caráteres, sendo o bootstrap (Figura 10e) o mais utilizado. O método
de bootstrap é de reamostragem não paramétrica, ou seja, não dependem de parâmetros
previamente definidos e atribuição de valores de probabilidades. O bootstrap reamostra
os caráteres da matriz com reposição e constrói novas matrizes com o mesmo tamanho
original. Na descrição original do método a existência de um clado seria
estatisticamente significativa se o valor de suporte obtido seja superior ou igual a 95%,
significando que de todas as reamostragens de caráteres, um determinado clado foi
recuperado em 95% das réplicas. A interpretação dos valores de bootstrap é difícil
devido a grande variação nos resultados e valores inferiores a 95% foram
posteriormente propostos como aceita (p.e. 70%). Uma outra forma de se interpretar os
resultados de bootstrap seria a de que o resultado obtido indicaria que os dados
existentes não seriam capazes de contar uma história bem resolvida para o grupo
estudado e que caráteres com mais variações informativas seriam necessárias para
auxiliar na melhor compreensão da história evolutiva do grupo.

121
Figura 10: Esquema geral mostrando as etapas de um inferência filogenética hipotética por parcimônia.
Figura modificada de Frazão & Fonseca (2015).

Verossimilhança (Figura 11)

A ideia da máxima verossimilhança (Maximum likelihood - ML) está associada a


um valor que maximiza a verossimilhança de algo acontecer ou ter acontecido. Assim, a
aplicação da máxima verossimilhança na inferência filogenética implica na busca pela
árvore que tem a maior probabilidade de ter originado os dados observados. O objetivo
é avaliar, assumindo um modelo de substituição de nucleotídeos, a probabilidade
condicionada (P) de ter uma árvore específica (T), sabendo que observamos os dados da
matriz (D). A notação matemática da probabilidade é P(D|T), a qual lê-se “qual a
probabilidade de uma árvore específica ter gerado os dados utilizados?”.
Na análise filogenética pelo método de ML é realizado o cálculo do valor de
verossimilhança de cada caráter da matriz em uma dada árvore (Figura 11). Os
logaritmos das verossimilhanças de cada caráter da matriz são, então, multiplicados para
se obter o valor de verossimilhança global da árvore analisada. Na estimativa de
verossimilhança, os valores de base ancestrais são feitas levando em consideração os
comprimentos dos ramos da árvore analisada. Dessa forma, não é apenas a topologia
que é confrontada com os dados, mas também o comprimento dos ramos. A forma

122
como o universo de árvores possíveis é explorado é similar ao realizado para a
parcimônia, com alguns dos algoritmos de busca heurísticas.
Como o comprimento dos ramos também é incluído no cálculo e as árvores
precisam estar enraizadas para o cálculo da verossimilhança, o universo de árvores
possíveis é maior e o cálculo de verossimilhança mais complexo, fazendo as buscas de
árvores mais demoradas. Os algoritmos de ML calculam o valor que maximiza a
probabilidade de uma árvore filogenética existir a medida que amostram as
possibilidades de árvores. O algoritmo para de calcular as verossimilhanças quando ele
não encontra mais nenhuma árvore que tenha a verossimilhança maior do que a uma
árvore competente. Na Figura 11, box 2, há um exemplo de como funciona basicamente
a seleção de árvores por verossimilhança.
Uma árvore A é inferida e tem o valor de verossimilhança igual a 0,888. Uma
segunda árvore possível é inferida com o valor de verossimilhança igual a 0,889. O
algoritmo pergunta “Qual é a melhor árvore, A ou B?”, sendo B a melhor. O algoritmo
calcula uma nova árvore C com o valor de verossimilhança igual a 0,750, faz a mesma
pergunta ao final do cálculo e verifica que B permanece a melhor árvore e continua
comparando outra árvore com B. Com o cálculo da nova árvore D, o algoritmo verifica
que B ainda permanece com a maior verossimilhança. Portanto, assume que B é a
árvore com o valor de verossimilhança que maximiza a probabilidade dos dados da
matriz utilizada ter sido gerada.

123
Figura 11: Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência por Máxima Verossimilhança. Com
adaptações de Herron & Freeman (2014, p. 128).

Inferência Bayesiana (Figura 12)

124
Figura 12: Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência Bayesiana.

A ideia da estatística bayesiana é a de ser possível calcular a probabilidade de


algo acontecer ou ter acontecido, sabendo alguma informação a priori. Por exemplo,
imagine que um dia você acordou e viu que o gramado de sua casa estava molhado.
Você pode criar inúmeras hipóteses acerca do que deve ter acontecido para que a grama
esteja molhada, como ter chovido durante a noite ou que seu vizinho molhou a grama.
No entanto, você tem uma informação a priori, notou que na noite anterior o céu estava
nublado. Dada esta informação, qual seria a hipótese mais provável dentre as que você
125
criou? A de que choveu, correto? Mesmo que essa não seja a hipótese correta, ela terá,
em sua inferência mental, uma maior probabilidade de explicar o evento. É basicamente
assim que a estatística Bayesiana funciona.
Num contexto de inferência filogenética, enquanto a verossimilhança avalia uma
árvore com base em quão provável é que a evolução teria produzido os dados
observados, a inferência bayesiana avalia uma árvore com base em sua probabilidade
posterior, P(T|D). A probabilidade posterior (P) representa a probabilidade de uma
árvore específica (T) ser verdadeira, ou seja, de representar a história evolutiva de um
grupo, dada uma matriz de caráteres (D). Além disso, são embutidas no cálculo
informações tidas a priori sobre a evolução dos caráteres utilizados e a verossimilhança
dos dados dependendo da árvore hipotética. O prior de uma árvore nos algoritmos
tradicionalmente usados, como o MrBayes, por exemplo, é a probabilidade de uma
árvore dependente do número de táxons na análise.
Na Figura 12, por exemplo a probabilidade de uma árvore com quatro terminais
com grupo externo fixado existir é 1/3 (=0,333). Este é o valor de probabilidade
automático que o algoritmo embutirá na análise. Agora, se não há um grupo externo a
probabilidade inicial ou prior para a árvore será 1/12 (=0,083). A probabilidade
posterior em quase todos os casos é maior do que o prior. Isso acontece porque os dados
utilizados para um determinado grupo de estudo sempre terá alguma informação com
sinal filogenético, o que conferirá mais evidências que sustentem uma hipótese testada.
O resultado da análise bayesiana é um conjunto de árvores (em geral centenas ou
mesmo milhares) que foram amostradas durante a análise. Portanto, esse tipo de
inferência é frequentista e não chega a apenas uma árvore final, como é o caso da ML.
Uma árvore de consenso de maioria, entre outras opções, é construída para sintetizar os
resultados da amostragem. A probabilidade posterior de cada clado é estimada e é
utilizada para a sustentação, onde quanto maior é o valor, maior a probabilidade daquele
clado existir, dados os dados e informações a priori. A interpretação estatística da
probabilidade posterior na árvore final é muito complexa matematicamente. Apesar
disso, esta é mais uma característica interessante da análise bayesiana, já que sua árvore
filogenética é uma árvore de consenso de maioria representando um conjunto de árvores
possíveis, e não apenas uma única árvore como acontece com a inferência por ML.
Desta forma, a análise bayesiana é um método de aproximação da resposta e incorpora
incerteza à inferência, o que se assemelha mais com a forma com que a história
evolutiva dos organismos é acessada por nós humanos. Uma vez que história evolutiva

126
não pode ser conhecida, uma distribuição de probabilidade com possíveis cenários
parece ser o método de inferência mais razoável.

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129
Anotações:

130
CAPÍTULO X
Sistemática vegetal: histórico,
conceitos e o estado atual
Eric Yasuo Kataoka
Jéssica Nayara Carvalho Francisco
Juliana Lovo
Matheus Martins Teixeira Cota
Gisele Alves
Bruno Michael Brabo
Marco Octávio de O. Pellegrini

Introdução
Considerada a ciência da diversidade dos organismos, a Sistemática abrange a
descoberta e a interpretação da diversidade biológica, assim como a síntese destas
informações sob a forma de sistemas de classificação. O propósito fundamental desta
ciência é desvendear os ramos da árvore da vida, documentando e relatando as
modificações que ocorreram durante a evolução dos organismos, além de buscar
identificar os processos responsáveis por esta diversidade (vide Capítulo 9).

A Sistemática consiste em quatro elementos básicos: Descrição, Identificação,


Nomenclatura e Classificação. Atualmente, a Sistemática é baseada no princípio de
que as classificações devem refletir a história evolutiva dos organismos. Assim, a
sistemática incorpora a reconstrução filogenética como um de seus elementos.

A descrição é produzida em forma escrita por meio da listagem detalhada de


todos os atributos estruturais do organismo, sendo, no caso das plantas, descrita
seguindo uma ordem topológica e iniciada pelos órgãos vegetativos: raiz, caule e folhas;
seguidos pelos reprodutivos: flores, frutos e sementes.

A identificação é o processo de atribuição de um nome a um espécime, um


indivíduo inteiro ou suas partes. O método mais usual para a identificação de um
organismo é a utilização de chaves de identificação, sendo as chaves dicotômicas as
mais utilizadas, possibilitando a identificação do material por meio de características
morfológicas objetivas e excludentes entre si. Abaixo, segue um exemplo simples de
uma chave de identificação hipotética:

Chave de identificação para alguns super-heróis:

1. Super-herói homem

131
2. Usa capa vermelha, tem super-poderes, é vulnerável à kryptonita,
seu símbolo é um “S” de coloração
vermelha.................................................................................. Super Homem

2*. Usa capa preta, não possui super-poderes, não é vulnerável


à kryptonita, seu símbolo é representado por um morcego de coloração
preta................................................................................................... Batman

1*. Super-herói mulher

3. Usa uma tiara com estrela, cabelo de coloração preta, luta com um
laço da verdade, não pode voar, por isso usa um jato
invisível.............................................................................. Mulher Maravilha

3*. Não usa tiara, possui cabelo branco, luta controlando o clima
e pode voar.................................................................................... Tempestade

A identificação pode também ser realizada por comparação, por meio de


descrições das espécies candidatas ou por comparação com espécimes já identificados,
vivos ou fixados, depositados nos herbários. Apesar de ser um método eficiente,
devemos levar em consideração a confiabilidade da identificação dos espécimes para
que não ocorra a propagação de uma identificação errônea. Por isso é importante à
utilização de materiais identificados por pessoas (consideradas especialistas) que
tenham um profundo conhecimento do grupo em questão.
A nomenclatura é fundamental para que o nome aplicado ao organismo descrito
seja único e universal. Para isso, a nomenclatura vegetal é regida pelo Código
Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas, cujas regras visam à
estabilidade da nomenclatura.
A classificação consiste na organização dos organismos em níveis hierárquicos
progressivamente inclusivos de acordo com critérios de similaridade morfológica ou de
relações filogenéticas (parentesco) (Figura 1).

132
Figura 1. Níveis hierárquicos das categorias taxonômicas.

Sistemática e Taxonomia - Um breve histórico


A Sistemática usualmente segue atrelada à Taxonomia, e, algumas vezes, divide
opiniões quanto às suas diferenças conceituais. Para alguns autores, a Taxonomia é
caracterizada por ser uma área mais empírica e descritiva, que nomeia e classifica os
organismos de forma subjetiva. Outros ressaltam certas diferenças entre elas, mas
frisam sua complementariedade, como o paleontólogo George Gaylord Simpson, que
define Sistemática como o estudo científico dos tipos de diversidade e organismos, bem
como todas as relações entre eles, e a Taxonomia como o estudo teórico da
classificação, incluindo suas bases, princípios, procedimentos e regras. De modo geral,
podemos considerar a Taxonomia como parte importante da Sistemática, cujas análises
subsidiam estudos mais aprofundados na classificação e compreensão da biodiversidade
(vide Capítulo 9).
A história da Sistemática Vegetal tem início na Antiguidade (Figura 2), quando
Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C) tentou fazer o primeiro sistema de classificação dos
vegetais, separando as plantas pela presença ou ausência da estrutura floral. Esse
sistema foi utilizado durante a maior parte da Idade Média, e pode ser considerado o
início da classificação dos “vegetais”. Desde Aristóteles até o presente momento
podemos dividir a História da Sistemática vegetal em seis fases.
1º Fase. Classificações Antigas: Ainda, concomitante no século III a.C., temos as
contribuições expressivas do filósofo grego Theophrastus (c. 371-286 a.C.), sucessor de

133
Aristóteles, utilizava um método de classificação em divisões sem muita complexidade.
Theophrastus estabeleceu a primeira classificação artificial dos vegetais, em árvores,
arbustos, subarbustos e ervas. Durante essa fase da sistemática, outro personagem que
se destaca na história é o médico do exército romano Pedanius Dioscorides, considerado
fundador da farmacognosia, por meio da sua obra De materia medica, apresentou
interesse nas propriedades medicinais das plantas e descreveu cerca de 600 plantas.
2° Fase. Herbalista: Durante a idade média foram os médicos que deram uma
ampla contribuição aos estudos dos vegetais, como Andrea Cesalpino (1519-1603).
Nesse momento da história, surgem ilustrações e descrições que facilitam as
identificações das plantas, essas informações eram feitas apontando as propriedades
medicinais que elas possuíam.
3º Fase. Sistemas artificiais. Momento em que surgem os primeiros
taxonomistas, nesse período a classificação busca agrupar as plantas por “afinidades
naturais”, sem a preocupação de reuni-las por relação de parentesco. As plantas eram
classificadas com base em poucos caracteres, avaliando a ausência ou presença de
determinadas características morfológicas e considerando sua similaridade.
Durante essa fase da história surgem grandes taxonomistas, um dos mais citados
desse período foi de Carl Linnaeus (1707-1778), que escreveu Species Plantarum,
baseando sua análise em um sistema de classificação denominado “sexual”, uma vez
que buscava similaridades estruturais reprodutivas. Assim como o trabalho de todos os
naturalistas da época, os sistemas de classificação buscavam refletir a Ordem Divina da
Criação.
4º Fase. Sistemas Naturais: Tempo de oposição às doutrinas religiosas, ocorre no
final do século XVIII. As plantas ainda eram classificadas de forma comparativa,
porém os naturalistas levavam em conta um maior número de informações,
essencialmente do conhecimento acumulado sobre morfologia vegetal.
5º Fase. Sistemas Evolutivos (Sistemática Evolutiva): Com o surgimento da
teoria da evolução no século XIX, a publicação de Origem das Espécies de Darwin
direciona a sistemática para a compreensão das relações entre os grupos, modificando o
cenário das classificações hierárquicas e passando a buscar as relações evolutivas dos
organismos. Nessa fase surge a escola Gradista, que apesar de ser baseada em conceitos
evolutivos, não apresenta uma base metodológica com inferência empírica.

134
A teoria da sistemática passou novamente por modificações a partir de 1950,
quando o entomólogo alemão Willi Hennig (1913-1976) propõe que a classificação dos
organismos deveria refletir seu parentesco filogenético e que somente novidades
evolutivas compartilhadas por estes organismos (sinapomorfias) permitiriam inferir
essas relações; é fundada a escola Cladística que buscava traçar a história evolutiva de
ancestralidade dos organismos mediante um diagrama hipotético: o cladograma,
construído a partir do critério da Parcimônia (vide Capítulo 9). Para essa reconstrução,
somente grupos de organismos que compartiham uma série de características únicas
(apomorfias) com o mesmo ancestral (grupos monofiléticos) podem ser reconhecidos
na classificação.

6º Fase. Sistemas Filogenéticos na atualidade: Atualmente, com o avanço dos


métodos de reconstrução filogenética baseados em modelos evolutivos, predominam
estudos focados na reconstrução de hipóteses filogenéticas (vide Capítulo 9). Esses
estudos buscam reconstruir uma hipótese de parentesco entre os organismos, com base
em dados como sequências de DNA. O sistema de classificação utilizado hoje para as
Angiospermas é o APG IV (Angiosperm Phylogeny Group, 2016). Esse sistema da
classificação, proposto por Walter S. Judd e colaboradores na década de 90, reformulou
os sistemas de classificação das angiospermas, reconhecendo apenas grupos
monofiléticos.

Figura 2. Linha do tempo ilustrando diferentes fases da sistemática vegetal ao longo da História.
135
O papel da Sistemática Filogenética
Proposta por Willi Hennig em 1955 a nova escola de sistemática filogenética
tornou-se o paradigma da biologia comparada. Sua importância deve-se principalmente
por ter proporcionado o entendimento da diversidade à luz da evolução, e permitir a
reconstrução de hipóteses de relacionamento evolutivo entre os organismos.
Desse modo, a sistemática filogenética não se limita às classificações, mas
também oferece um arcabouço para outros aprofundamentos a respeito dos padrões de
parentesco reconstruídos, e os possíveis processos que geraram esses padrões. Dado
isso, ela permite examinar ou testar hipóteses sobre o modo como os organismos ou
caracteres específicos surgiram ou evoluíram ao longo do tempo. Por exemplo, a análise
filogenética pode ser empregada para realizar inferências sobre mudanças na
distribuição geográfica de organismos e para elucidar relações entre eventos geológicos
e a história evolutiva desses organismos.
Com os avanços teóricos e metodológicos da Sistemática Filogenética, as
reconstruções tradicionalmente baseadas em dados morfológicos e anatômicos são
agora integrados com múltiplas fontes de evidências, tais como citologia, ontogenia,
embriologia, fisiologia, ecologia, química e, principalmente, genética. Por isso, a
"taxonomia integrativa" tenta fazer uso de diferentes fontes de dados para delimitar as
espécies de maneira mais robusta. O advento de novas técnicas da biologia molecular
permitiu obter grande quantidade de dados, por exemplo, o DNA genômico, de maneira
cada vez mais rápida e barata. Deste modo, o aperfeiçoamento e desenvolvimento de
técnicas de extração, sequenciamento de genes, alinhamentos de sequências e
programas computacionais rápidos e eficientes são recursos relevantes para a
Sistemática.
Em virtude da disponibilidade de métodos moleculares houve um aumento
significativo de filogenias baseadas em sequências nucleotídicas. Tal fato tem gerado
grande dinamismo e instabilidade na classificação botânica, comparado aos sistemas de
classificação prévios de famílas, ordens e hierarquias superiores (ver APG I, 1998; APG
II, 2003; APG III, 2009; APG IV, 2016). Porém, ao mesmo tempo, diversos estudos
corroboram as relações entre alguns táxons anteriormente sugeridos por estudos de
morfologia comparativa. Portanto, estamos progressivamente mais próximos de um
sistema de classificação filogenético mais robusto e que deve refletir a história evolutiva
das Angiospermas.

136
Embora as unidades operacionais (OTUs) das filogenias sejam representadas por
táxons de um determinado nível taxonômico (ordem, famílias, gêneros, etc.), em última
instância é preciso nomear as entidades biológicas que pertencem a uma categoria.
Assim, ao longo do trabalho de um(a) sistemata, é imprescindível que em algum
momento sejam nomeadas as unidades básicas da biodiversidade, ou seja, as espécies.
Por exemplo, uma filogenia onde reconhecemos relações entre táxons A, B, C, e D -
tem pouco (ou nenhum) significado se não soubermos nada sobre A, B, C e D. É
essencial que possamos nomeá-los e caracterizá-los. Disso resulta que nomearmos e
reconhecermos as espécies é essencial para qualquer tipo de trabalho, incluindo
reconstrução de filogenias, estudos ecológicos, farmacológicos etc (vide Capítulo 23).
Daí surge a importância fundamental das atividades taxonômicas básicas como
trabalhos de campo, estudos florísticos, descrições de espécies e revisões taxonômicas.
É importante salientar que o aprimoramento da Sistemática Filogenética depende de
identificações corretas e a base científica estabelecida pelos passos iniciais da
Sistemática e Taxonomia se mantém extremamente importantes para que a classificação
dos seres vivos mantenha esta eficiência. Com a disponibilização de diferentes
ferramentas na biologia molecular, os trabalhos de base como floras, flórulas, estudos
morfológicos e estruturais, descrições e monografias têm recebido menos atenção por
grande parte dos sistematas, e filogenias inteiras baseadas em dados moleculares têm
ganhado grande destaque e atraído mais pesquisadores. Análises robustas e que possam
refletir a história evolutiva dos organismos devem contar com um número grande de
dados, que vão desde a identificação e descrições corretas dos organismos à
disponibilidade de dados morfológicos, anatômicos, palinológicos, entre tantos outros.
Autores como Quentin D. Wheeler têm chamado a atenção à importância da renovação
da Sistemática Vegetal, apontando que a atualização desta ciência é extremamente
necessária, bem como a utilização de dados de base combinadas aos dados e análises
modernas.
Assim, a nova geração de taxonomistas deve ser composta de cientistas de
campo e laboratório capazes de integrar taxonomia clássica como eixo central da
Sistemática e as diferentes ferramentas disponíveis atualmente. Além disso, dada a
enorme bagagem necessária para desenvolver estudos dessa natureza, torna-se cada vez
mais relevante o estabelecimento de parcerias entre pesquisadores de diferentes áreas.

A importância fundamental de trabalhos taxonômicos

137
Como exposto anteriormente, a busca por classificações mais robustas requer
que estudos taxonômicos clássicos e obtenção de filogenias sejam esforços cada vez
mais interdependentes. Neste contexto, os trabalhos taxonômicos clássicos ganham
importância cada vez maior também em outros âmbitos do conhecimento sobre a
biodiversidade. A identificação de espécies e sua descrição geram informações
essenciais sobre os organismos, que em interação com outros conhecimentos
(evolutivos, biogeográficos, classificativos), geram informações sobre o status de
conservação das espécies. Todas essas informações permitem, por exemplo, elaborar e
implementar planos de manejo mais adequados a cada ambiente. Assim, apesar da
crescente e inegável importância dos métodos filogenéticos, computacionais e a
multidisciplinaridade da sistemática atual, em última instância, é apenas depois de
descrita que uma espécie nova fica disponível ao conhecimento do ser humano. Sendo
assim, essa primeira etapa é crucial para que todo o restante possa ser desenvolvido.
Novas espécies são ainda descritas regularmente e estudos indicam que o
número de publicações contendo espécies novas aumentou desde meados da década de
1980. Além disso, sabe-se que muitas espécies ainda encontram-se em herbários e/ou na
natureza desconhecidas. Ainda não se sabe ao certo quantas espécies de plantas existem
no planeta (há diversas estimativas, com números bastante variáveis), mas estima-se que
sejam ainda desconhecidos cerca de 10% a 20% da flora. Esse cenário, associado ao
contexto atual de mudanças climáticas globais, ressalta ainda mais a importância de
trabalhos taxonômicos como descrições e inventários florísticos.

Tipos de trabalhos taxonômicos


Existem diferentes tipos de trabalhos taxonômicos. Em muitos casos,
publicações como descrições de espécies podem ser realizadas sozinhas ou podem estar
atreladas a trabalhos taxonômicos maiores, como inventários florísticos e outros. Dentre
esses trabalhos taxonômicos mais abrangentes, ressaltamos: monografias, floras, guias
de campo (field-guides) e listas de espécies (checklists).
As floras são trabalhos que descrevem as espécies de um grupo taxonômico de
uma região específica, com chaves de identificação, ilustrações científicas das espécies
e/ou características diagnósticas (p.ex. Leguminosae – Flora do Brasil). Nesse tipo de
trabalho, as descrições e discussões costumam ser mais restritas, relativas às populações
do local estudado. Já as listas de espécies são trabalhos mais simples, pois apenas
apresentam uma listagem das espécies identificadas sem sua descrição. Em geral são

138
listas de plantas vasculares, comuns em artigos e em relatórios ambientais. Atualmente,
as floras e outros trabalhos taxonômicos são mais relevantes do que foram no passado.
Isso ocorre principalmente porque a legislação referente à conservação ocorre em escala
nacional e as floras são a base para a compreensão da diversidade de uma dada área.
Monografias são parecidas com as floras, pois também descrevem espécies,
mas são feitos de forma mais completa, incluindo o máximo de informação disponível,
como por exemplo, a biologia, ecologia e distribuição geral do grupo em questão. Além
disso, as monografias diferem também por apresentarem resultados mais abrangentes
relacionados à pesquisa do autor, como novidades taxonômicas (novidades
nomenclaturais, espécies novas, etc.). São, em geral, trabalhos bastante volumosos e que
demandam bastante tempo e esforço para serem concluídos.
Uma sinopse é um trabalho taxonômico mais conciso, onde são apresentados de
forma resumida conhecimentos sobre os grupos em questão (morfologia, ecologia,
classificação). São trabalhos focados na identificação de espécies e geralmente incluem
uma chave de identificação e ilustrações.
Apesar de cada trabalho taxonômico ter um foco diferente, todos utilizam uma
mesma ferramenta fundamental: o conceito de espécie. Discussões acerca de o que é
espécie sempre geraram grande interesse e muitas discussões, sendo incontáveis as
publicações a esse respeito. As diferentes visões sobre o que é uma espécie sempre
lidaram, em algum nível, com as diferenças e semelhanças entre os organismos
dependendo do que é convencional, seja por meio social ou definido por estudiosos ou
especialistas de um grupo.
Dentre os inúmeros conceitos de espécie já publicados (Rieseberg & Brouillet
1994, De Queiroz 2007), os três mais comumente empregados em trabalhos
taxonômicos são os conceitos biológico, filogenético e taxonômico. Os dois primeiros
conceitos são mais utilizados quando os grupos taxonômicos estudados possuem vários
outros trabalhos que auxiliam na sua melhor classificação. Já o conceito taxonômico de
espécie, que é baseado no menor conjunto de características persistentes que as tornam
distinguíveis dentre as outras, é geralmente utilizado em grupos com poucos estudos,
onde as descrições são bem sucintas e/ou carecem de alguma informação. Entretanto,
apesar dessa importância inegável, ainda são poucos os trabalhos taxonômicos que
explicitam o conceito de espécie adotado e essa falta pode gerar mais divergências e
dificuldade de compreensão do que são os táxons, dado o caráter subjetivo que esse
tema possui.

139
Outro problema frequente em trabalhos de taxonomia é a falta de detalhamento
e/ou padronização nas descrições. Nesse aspecto, os trabalhos atuais têm seguido
padrões para descrições de espécies, seguindo dicionários botânicos e artigos de
caracterização estrutural. Alguns dicionários botânicos exibem terninologia para todas
as estruturas, tanto vegetativas quanto florais, que são utilizados amplamente nos
diferentes grupos vegetais. Entretanto, existem trabalhos similares, porém mais
específicos, que apresentam certas estruturas e/ou complexibilidades não observadas em
obras mais abrangentes. Atreladas às descrições, as ilustrações das espécies (vide
Capítulo 13) são de grande importância, pois representam visualmente todos os termos
utilizados, diminuindo dúvidas quanto às estruturas da planta.
Portanto, trabalhos taxonômicos são tarefas complexas e dependem
essencialmente de um grande esforço de levantamento de dados e envolvem diversas
etapas que devem ser executadas sempre com rigor na padronização, precisão e
detalhamento (p. ex.: descrições, ilustrações) além da escolha e explicitação de um
conceito de espécie que reflita todo o conhecimento obtido, proporcionando uma melhor
compreensão do trabalho.

Taxonomia na atualidade
A taxonomia é uma ciência que remonta à Antiguidade humana, mas foi
operacionalizada e formalizada no século XVIII, com a publicação do Systema Naturae
pelo botânico sueco Carolus Linnaeus. Considerado o pai da taxonomia, o sistema
proposto por Linnaeus é empregado até os dias de hoje.

O principal aspecto que caracteriza o trabalho dos taxonomistas é o de lidar com


o total ou parcialmente desconhecido. Além disso, a motivação primária é, novamente,
de que os organismos só existem, sob uma visão antropocêntrica, se forem devidamente
descritos. Assim, a taxonomia é primordial na maioria, senão todas, as áreas das
Ciências Biológicas, pois delimita as unidades básicas de estudo (p. ex. espécies) de
qualquer trabalho que envolva seres vivos. Os dados gerados em trabalhos taxonômicos
têm diversas aplicações e alguns exemplos incluem: (i) embasar estratégias
conservacionistas, que têm como foco principal as espécies (p.ex. a lista vermelha de
espécies ameaçadas, da IUCN e o Livro Vermelho da Flora do Brasil); (ii) monitorar
espécies invasoras; (iii) gerar informações que permitam o uso humano direto da
biodiversidade, entre outras.

140
No entanto, ao longo do tempo, principalmente a partir da década de 80, a
taxonomia foi sendo pouco a pouco desvalorizada sob a justificativa de que essa se
dedica “somente” à descrição de espécies. Este cenário é decorrente de diversos fatores,
sendo os principais: a valorização de pesquisas experimentais, e consequentemente
menos incentivo à ciência descritiva, o argumento de que não há testes de hipóteses em
taxonomia e também ao status associado ás novas metodologias, consideradas mais
modernas. A taxonomia é, em sua essência, um trabalho descritivo que busca
caracterizar a diversidade biológica, e nem por isso pode ser menosprezada diante de
outras áreas do conhecimento humano. Além disso, cada espécie constitui uma hipótese
evolutiva inequívoca, estabelecida pelos taxonomistas a partir da análise criteriosa dos
atributos do grupo de estudo. Desta forma, os argumentos que embasam algumas
justificativas de menor valorização da taxonomia não se sustentam e basicamente
demonstram o desconhecimento das bases desta Ciência.

Atualmente, o conhecimento taxonômico constitui umas das metas mais


urgentes, pois vivemos em meio a uma ‘crise de biodiversidade’ na qual a velocidade de
extinção supera a taxa de descrição de novas espécies. As consequências deste cenário
de pouca valorização dos estudos taxonômicos são diversas, como a diminuição do
número de taxonomistas treinados, seja pelo menor financiamento de pesquisas, bem
como pela supressão de posições, em institutos de pesquisa, para estes profissionais.
Além disso, cada vez mais é reforçada a necessidade de uma taxonomia integrativa,
baseada em evidências de múltiplas fontes que aumentará a robustez das delimitações
de espécies. E é por meio destas abordagens que se busca pelo chamado renascimento
da taxonomia.

O Renascimento da Taxonomia no século XXI


Como dito anteriormente, a taxonomia vem sendo considerada uma ciência
datada, ultrapassada, “retrô” e limitada. Entretanto, a mesma vem sofrendo grandes
mudanças e acompanhando os avanços tecnológicos mais recentes. Como resultado do
aumento na taxa da extinção de espécies devido à ação antrópica, foi criada a
Convenção da Diversidade Biológica (CDB), uma estratégia global visando a
conservação e o conhecimento da biodiversidade mundial. Como parte da criação da
CDB, foram estabelecidas estratégias específicas para grandes grupos biológicos e
metas gerais e específicas a serem cumpridas pelos países membros. A Meta Um (1) da

141
Estratégia Global para a Conservação de Plantas (GSPC-CDB) consiste na elaboração
de listas de espécies (checklists) confiáveis, preferencialmente on-line, de todas as
espécies conhecidas de plantas. O objetivo final desta meta é a elaboração de uma Flora
do Mundo, on-line e multilíngue. No final de 2010, a primeira meta foi cumprida em
nível mundial com o lançamento do “The Plant List”, graças à colaboração entre o
Missouri Botanical Garden, EUA e o Royal Botanic Gardens, Kew, Reino Unido. Em
setembro de 2013, com a colaboração de outras instituições ao redor do mundo, foi
lançada uma versão atualizada do site, visando sintetizar todo o conhecimento
taxonômico sobre plantas vasculares e briófitas (não abordando algas e fungos). O The
Plant List apresenta uma lista com grande parte dos nomes científicos conhecidos,
juntamente com links para os nomes sinônimos com os quais cada espécie já foi
nomeada. Uma outra iniciativa bastante importante foi o eMonocot, lançado também em
2010. O projeto foi coordenado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, e teve como objetivo
inventariar as monocotiledôneas. O eMonocot foi um dos primeiros sites a apresentar
chaves interativas para a identificação de táxons, imagens de campo, dados sobre forma
de vida, descrições, status de conversação, etc. Assim como foi a Lista do Brasil, e
continua sendo a Flora do Brasil On-line 2020, o eMonocot é constantemente
atualizado. E ele hoje é uma ferramenta essencial para o trabalho de especialistas em
monocotiledôneas ao redor do mundo.
Em âmbito nacional, o Brasil tem cumprido com louvor as metas propostas pela
GSPC-CDB. Também em 2010, nós lançamos a primeira versão da Lista de Espécies da
Flora do Brasil, um projeto coordenado pelo Intituto de Pesquisas Jardim Botânico do
Rio de Janeiro (JBRJ), com a coloboração de mais de 300 taxonomistas brasileiros e
estrangeiros. Assim como o The Plant List, a Lista do Brasil se propunha a proporcionar
uma lista de espécies vegetais aceitas e seus referentes sinônimos. Mas diferente do
primeiro, a Lista do Brasil abrangia, além das plantas vasculares e briófitas, algas e
fungos e apresentava a distribuição geográfica desses táxons. A cada ano, uma nova
versão da Lista do Brasil era lançada, somando novidades como: detalhes sobre forma
de vida, substrato, fotos de exsicatas e fotos de campo. Na última versão da Lista do
Brasil, lançada em 2015, o sistema contava com a colaboração de cerca de 500
taxonomistas e apresentava um total de 46078 espécies aceitas para o território
brasileiro. De forma bastante orgânica foi possível acompanhar a evolução de um
checklist em uma flórula. No começo de 2016 foi lançado o novo sistema da segunda
etapa do projeto, a Flora do Brasil On-line 2020 (FBO 2020). No novo sistema, os

142
taxonomistas são capazes de apresentar descrições, chaves de identificação, comentários
e todos os outros requisitos para uma verdadeira flora. Tudo apresentado de forma
trilíngue (Português, Inglês e Espanhol) e bastante dinâmica. O sistema já se encontra
on-line e à medida que as monografias são concluídas, elas se tornam disponíveis ao
público.
Outra ferramenta clássica da taxonomia que se adaptou às últimas tecnologias
foi à chave de identificação. Como já comentado, algumas páginas da internet têm
disponibilizado essas ferramentas para auxiliar na identificação de vários níveis
taxonômicos. Existem algumas iniciativas importantes na botânica mundial, em relação
a chaves virtuais. Uma das primeiras chaves virtuais foi disponibilizada na página
Neotropikey. O site coordenado e compilado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, contou
com a colaboração de especialistas do mundo todo, especialmente de brasileiros. O
Neotropkey apresenta uma chave interativa para as famílias de Angiospermas da Região
Neotropical e uma página individual para cada uma das famílias. Cada página faz uma
breve sinopse sobre o grupo, listando os gêneros registrados para a Região Neotropical
e como diferenciá-los. Outro excelente exemplo desse tipo é o CATE-Araceae, que
primeiramente apresentou uma chave de identificação para todos os gêneros de Araceae
(Monocotiledôneas, Alismatales), além de listagem de espécies, seus sinônimos e dados
de distribuição. O site, gerenciado pelo Dr. Thomas Croat, é constantemente atualizado
com fotos e todo tipo de dados sobre espécies da família. E agora com o grande acervo
digital, especialmente de fotos, começou a produzir chaves de identificação ilustradas
para todos os gêneros de Araceae. Páginas voltadas para grupos específicos têm se
tornado cada vez mais comuns, com sites para Araceae, Caricaceae, Lecythidaceae,
Malpighiaceae, etc.
Além das páginas voltadas para grupos específicos, checklists, floras e chaves
virtuais, praticamente tudo relacionado à taxonomia pode ser encontrado on-line hoje
em dia. Índices e bibliotecas inteiros estão hoje disponíveis na internet e são
constantemente atualizados. Exemplos marcantes de sites que se tornaram ferramentas
diárias do taxonomista moderno são: o Tropicos, que apresenta informações sobre
nomes aceitos, sinônimos, imagens, dados de distribuição, tipificação, obras originais,
entre muitas outras; o Index Herbariorum, gerenciado pela Barbara Thiers, que reúne
todos os herbários registrados ao redor do mundo, seus curadores, contatos e inúmeras
informações sobre as coleções; o Biodiversity Heritage Library (BHL) e o
Botanicus.org, que são duas bibliotecas on-line que reúnem inúmeras obras e

143
publicações, antigas e modernas. É cada vez mais comum os herbários terem suas
coleções inteiras digitalizadas e fotografadas, auxiliando enormemente o trabalho dos
taxonomistas. Páginas como o JABOT e o speciesLink se tornaram essenciais para a
realização de qualquer trabalho de fundo taxonômico hoje em dia. Além disso, duas
publicações essenciais em trabalhos nomenclaturais e revisões taxonômicas também se
encontram digitalizados. Atualmente, é possível acessar toda a coleção da obra de
Stafleu & Cowan, Taxonomic Literature, e inúmeras versões do Código Internacional
de Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas. No caso do Código, o site é de fácil
navegação, com links para partes importantes e a possibilidade de procurar por termos
específicos ao longo de toda a obra.
Parte desse enorme processo de informatização, além de bibliografias e
publicações, a digitalização de coleções é talvez uma das mais marcantes novidades
taxonômicas da modernidade. Inúmeros herbários mundo a fora tem hoje pelo menos
parte de suas coleções fotografadas em alta qualidade e com dados de etiqueta
transcritos. O JSTOR Plants funciona como uma enorme base de dados de todo o tipo
de material científico e artístico. Dentro desta vasta coleção encontramos periódicos
científicos e materiais-tipo de espécies, depositados em vários herbários ao redor do
mundo. A ideia do projeto do JSTOR Plants é tornar acessível para taxonomistas do
mundo todo, os materiais-tipo dos grupos que eles trabalham. Deste modo, o projeto
facilita o trabalho dos taxonomistas e evita o manuseio excessivo desses materiais.
Entretanto, a empreitada mais icônica de digitalização de coleções é nacional. O Projeto
REFLORA, coordenado pelo JBRJ, tem como principal objetivo informatizar e
digitalizar coleções de herbários brasileiros. Uma vez fotografados e informatizados,
esses materiais são incluídos na base de dados do Herbário Virtual REFLORA (HV),
podendo ser acessados por qualquer taxonomista. A segunda e mais ousada etapa do
REFLORA é o processo de repatriamento de espécimes da flora brasileira. Essa etapa é
feita com base em parcerias entre o Brasil e coleções situadas em diversos países, como
os Estados Unidos, França, Inglaterra etc. Nestas coleções todos os espécimes coletados
em território brasileiro são fotografados e posteriormente tem os seus dados de etiqueta
capturados por uma segunda equipe, situada no JBRJ. Assim, como os espécimes dos
herbários brasileiros, os espécimes de herbários internacionais passam a integrar o
Herbário Virtual, assim como o herbário digital de sua instituição original. Além de ser
essencial para taxonomistas brasileiros em geral, essa etapa do REFLORA possibilita
alunos de doutorado e pós-doutorado a viajarem para o exterior e desenvolverem seus

144
projetos de tese. Os bolsistas selecionados trabalham meio expediente como membros
do projeto e a outra metade do expediente é livre para o desenvolvimento de seus
projetos.
Com todas essas ferramentas e facilidades da taxonomia moderna, é possível
fazer grande parte de um trabalho taxonômico remotamente, a partir de um computador.
Essas ferramentas complementam e facilitam grandemente o trabalho dos taxonomistas,
permitindo uma maior agilidade científica e um considerável aumento na acessibilidade
a essas publicações e todo tipo de conhecimento científico. Além disso, elas facilitam a
realização de trabalhos de base, essenciais para o desenvolvimento de todos os trabalhos
de ponta. Como já tratado neste capítulo e em inúmeros trabalhos sobre a valorização da
taxonomia, floras e coleções científicas, sem esses trabalhos e sem os taxonomistas, não
é possível conhecer, preservar, nem explorar o infinito potencial da nossa
biodiversidade. A taxonomia é essencial para a construção do conhecimento científico,
emergindo hoje em novos formatos e abordagens. A taxonomia hoje não é e não deve
ser considerada uma ciência estática, mas sim uma área extremamente dinâmica, que
sempre acompanha as inovações de nossa era.

Lista de endereços da Internet mencionados no texto.


Projeto Endereço
Atlas Digital de Sistemática http://www.criptogamas.ib.ufu.br/node/5
de Criptógamas
BHL http://www.biodiversitylibrary.org/Default.aspx
Botanicus http://botanicus.org/
CATE Araceae http://araceae.e-monocot.org/
CRIA http://blog.cria.org.br/2013/11/biogeo.html
e-Monograph of the http://herbaria.plants.ox.ac.uk/bol/caricaceae
Caricaceae
eMonocot http://e-monocot.org/
Flora do Brasil 2020 http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/listaBrasil/Principal
UC/PrincipalUC.do
Handwritings from the http://linnaeus.nrm.se/botany/fbo/hand/schreber.html.en
Linnean Herbarium
Herbário Virtual REFLORA http://floradobrasil.jbrj.gov.br/reflora/herbarioVirtual/Con

145
sultaPublicoHVUC/ConsultaPublicoHVUC.do
Index Herbariorum http://sweetgum.nybg.org/science/ih/
Index Nominum http://botany.si.edu/ing/
Genericorum
Index of All The World’s http://www.iplants.org
Plant Species Together
IUCN Red List http://www.iucnredlist.org/
JABOT http://www.jbrj.gov.br/jabot
JSTOR Plants https://plants.jstor.org/
Lecythidaceae Pages http://sweetgum.nybg.org/lp/
Livro Vermelho http://cncflora.jbrj.gov.br/arquivos/arquivos/pdfs/LivroVe
rmelho.pdf
Malpighiaceae http://www.lsa.umich.edu/herb/malpigh/
Neotropikey http://www.kew.org/science/tropamerica/neotropikey.htm
Phyto Images http://phytoimages.siu.edu/index.html
Plant Systematics http://www.plantsystematics.org
SBB. Catálogo da rede http://www.botanica.org.br/rede_herbarios.
brasileira de herbários.
Sociedade Botânica do
Brasil.
Smithsonian plant image http://botany.si.edu/plantimages/
collection
The Plant List http://www.theplantlist.org/
Tropical Plant Guides http://fm2.fieldmuseum.org/plantguides/
http://ibot.sav.sk/icbn/main.htm
Tropicos http://www.tropicos.org
Useful Plants of the Tropics http://www.plantasutilesdeltropico.com/?lang=en
Virtual Classroom Biology http://www.vcbio.science.ru.nl/en/virtuallessons/landscap
e/raunkiaer/
World Checklist of Selected http://apps.kew.org/wcsp/prepareChecklist.do;jsessionid=
Plant Families 22362E5DFBDE5CF19F16819509F1B678?checklist=sel
ected_families%40%40064040320081717825

146
Literatura Sugerida

Dicionários amplos
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glossary. 2o ed. Spring Lake Publishing, Spring Lake, 206 pp.
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systematics. Harper & Row, New York. 891 pp.
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Dicionários/trabalhos mais específicos


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systematic anatomy of the leaf, stem. vol I. 2 ed. Claredon Press.
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149
Anotações:

150
PARTE II

ENSINO DE BOTÂNICA

151
CAPÍTULO XI

Formação de professores de Botânica: bases teóricas e


os desafios contemporâneos da área
Luis Carlos Saito
Percia Paiva Barbosa

1. Introdução
Atualmente, a importância de discutir a formação de um professor é consenso
entre os pesquisadores da área da Educação, não apenas em relação à quantidade e a
qualidade de informações sobre o assunto a ser ensinado, mas também sobre o
conhecimento metodológico e o processo de autorreflexão da prática docente. Isso
porque sabemos que quando tal formação é negligenciada, os professores conservam as
formas de ensino tradicionais, ou seja, tendem a reproduzir o que experimentaram
durante a própria escolarização. Essas formas de ensino são focadas na memorização de
conceitos e criam uma distância entre o que se espera, atualmente, do processo de
ensino-aprendizagem: o desenvolvimento de competências e habilidades capazes de
proporcionarem o desenvolvimento do pensamento crítico do cidadão frente às
demandas que surgem em sua vida cotidiana, além da construção de conhecimentos
conceituais, procedimentais e atitudinais.
A profissão de professor se diferencia das demais pela experiência prévia que
este possui no ambiente escolar: ainda enquanto aluno do ensino básico, o futuro
docente participa da vivência educativa na escola. Dessa maneira, esse contato prévio
com o ofício faz com que esse futuro educador crie um pré-julgamento sobre a profissão
antes mesmo de se especializar nessa área. Esse julgamento, no entanto, não se restringe
aos futuros docentes: os cidadãos, de uma forma geral, também o realizam já que,
devido ao fato de experenciarem a vivência escolar enquanto alunos sentem-se aptos a
opinar, criticar e exercer a função de professor sem nenhum estudo mais sistematizado e
aprofundado sobre o ensino. Outra concepção equivocada sobre a profissão docente é
que, diferentemente das demais, ela, muitas vezes, está associada a um “dom” que
proporciona a falsa impressão de que apenas algumas pessoas têm a capacidade de
exercê-la. As consequências disso são a associação da figura do professor a uma espécie
de sacerdócio, sendo a recompensa de seu trabalho o próprio ato de ensinar,
contribuindo, dessa forma para a desvalorização do ofício.

152
Partindo-se dessas considerações, no presente capítulo abordaremos as ideias de
alguns autores que tentaram elucidar e discutir aspectos da formação docente: Maurice
Tardiff, Lee Shulman e Donald Shön, os quais apresentaram em seus trabalhos a ideia
de que existem conhecimentos exclusivos dos profissionais do ensino. Cabe destacar, no
entanto, que perguntas como “quais seriam esses conhecimentos” e “como se
desenvolvem” não respondidas de maneira consensual entre os três. Além disso,
partindo-se da perspectiva de Shulman (cuja obra representa, atualmente, o principal
referencial teórico do Grupo de Pesquisa Botânica na Educação do Departamento de
Botânica do IBUSP), abordaremos algumas dificuldades encontradas para o atual ensino
de Botânica nas escolas.

2. Formação Docente
Há muito tempo, tenta-se entender o que é ser um “bom professor” para que, a
partir disso, se possa pensar em maneiras adequadas para se formá-los. Sabe-se que,
como qualquer profissional, os docentes apresentam características que são exclusivas
de sua prática, sendo que os autores citados anteriormente (Tardif, Shulman e Shön) são
importantes referências utilizadas nas pesquisas relacionadas ao ensino de Ciências
contemporâneo. Neste contexto, nos parágrafos seguintes abordaremos, com maior
profundidade, algumas das ideias defendidas por esses pesquisadores.

2.1 Donald Shön


Donald Shön foi um pesquisador americano que deu início ao desenvolvimento
de suas ideias sobre formação docente a partir da década de 1970. Seu trabalho, além de
abordar o papel dos formadores de professores, se baseou também na comparação da
formação de educadores com a de arquitetos e artistas (como músicos, pintores, dentre
outros). Ele retomou, de forma mais explícita, a concepção do profissional reflexivo,
sugerindo que o desenvolvimento profissional do professor acontecia por meio da
reflexão sobre sua própria atuação. Em sua obra, Schon apresenta os seguintes termos:
Reflexão-na-ação, Reflexão-sobre-a-ação e Reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação.
Sobre a primeira, o pesquisador comenta que o professor deve refletir sobre suas
ações durante a própria prática como, por exemplo, as reflexões realizadas ao se propor
uma aula ou ao se elaborar as respostas para os alunos durante o ensino de alguma
temática. Já sobre a segunda, o autor a explica como um processo de reflexão sobre a
prática, o qual acontece posteriormente a esta (como uma autoanálise sobre os

153
resultados da aula, por exemplo). Por fim, sobre a terceira, Schön comenta que a
reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação abarca os motivos que levaram o docente a escolher
uma ou outra prática educativa. Neste contexto, pode-se dizer que para o pesquisador, a
formação de um professor reflexivo se dá em três momentos: 1) por meio das tentativas
do docente em solucionar os conflitos oriundos de sua prática educativa; 2) por meio da
reflexão deste sobre sua prática (ou “ação”) no momento em que esta acontece; e, por
fim 3) após a prática, por meio de sua reflexão sobre sua reflexão de ação.
Outras ideias defendidas por Shön dizem respeito ao fato de a formação do
educador estar intimamente ligada a sua prática e a uma característica desses
profissionais denominada por ele de “Artistry”. Sobre esta, o pesquisador a define como
a capacidade de delimitar um problema e aplicar uma solução improvisando as relações
entre a prática e a teoria ou entre a ciência e a técnica. Logo, um professor reflexivo
estaria em um patamar de Artistry que o permitiria articular suas aulas com o domínio
do conhecimento, o domínio dos propósitos do conhecimento. Cabe dizer que mais
importante para Shön foi estabelecer como se formam os profissionais reflexivos e,
principalmente, como desenvolver o Artistry destes. Dessa forma, o autor afirma que o
papel do formador de professores é similar ao de um “coach”, sendo que tal termo para
os estudiosos dessa linha de pesquisa não pode ser traduzido meramente como
“treinador” ou “técnico”, pois o primeiro assume, parcialmente, os dois papéis. Neste
cenário, o formador deve atuar sobre os problemas aparentes que os professores trazem
de suas práticas (reais ou simuladas) e ajudá-los a desconstruí-los até encontrarem um
problema real. Por fim, cabe ao “coach” auxiliar o docente na escolha de estratégias que
possam solucionar esse problema real como, por exemplo, o que é ilustrado pelo trecho
a seguir:

Durante um curso de formação de professores, um destes relata


para seu formador que o problema encontrado está relacionado ao fato de
seus alunos não obterem resultados satisfatórios nas avaliações de
Botânica (o quer pode ser considerado um problema aparente, segundo as
ideias defendidas por Shön). O formador, então, lhe pergunta sobre o
conteúdo dessa prova, sobre o peso das perguntas, sobre as aulas
referentes a esse conteúdo, dentre outras. Isso faz com que o docente
perceba que existe um problema em um dos temas, por exemplo, vamos
supor que o docente tenha se dado conta que o problema era que os

154
alunos não haviam entendido os conceitos relacionados ao tema
Fotossíntese (isso pode ser considerado ainda como um problema
aparente segundo Shön). Neste contexto, o formador realiza novas
perguntas como, por exemplo, quais são as concepções dos alunos sobre a
fotossíntese ou sobre a nutrição das plantas. Diante disso, o professor, em
um segundo momento, retoma o assunto com sua classe percebendo que,
na verdade, seus alunos acreditavam que as plantas se alimentavam pela
raiz (o que ainda pode ser considerado como um problema aparente
segundo Shön). Dessa forma, de volta ao curso de formação, o docente
reporta esse problema para o formador, que novamente lhe pergunta o
que os alunos entendiam por “alimentar-se”. Neste exercício, o professor
percebe que os discentes faziam uma correlação direta entre a nutrição da
planta e a nutrição de animais (problema real, segundo Shön). Logo, o
formador pede para os demais professores participantes do curso
elaborarem um exercício que compare a nutrição de uma planta a de um
ser humano, sendo que o docente vai comentando sobre a realidade de
seus alunos. Ao final desse processo, todos apresentam uma estratégia
aplicável e capaz de auxiliar esse professor.

Shön ancorou suas teorias de Artistry e de profissional reflexivo na prática


docente, ou seja, o desenvolvimento de um bom professor está associado aos problemas
que ele próprio vivencia durante sua rotina em sala de aula. Ao aproximar a formação
de professores com a formação de artesãos, ele explicita a necessidade de uma relação
formador/ professor semelhante à de um mestre com seu aprendiz.
Feitas essas considerações, o próximo autor que abordaremos no presente texto é
Maurice Tardif. Veremos que, assim como Shön, ele valoriza a prática e a considera um
instrumento para a formação de professores. Maiores detalhes sobre esse pesquisador
serão apresentados na seção a seguir.

2.2 Maurice Tardiff


Maurice Tardiff é um pesquisador canadense conhecido por apresentar ideias
sobre os “saberes docentes”. Para esse autor, o repertório de conhecimentos, práticas,
competências e habilidades que são mobilizados para a resolução de tarefas de um
profissional são denominados saberes. Estes podem ser desenvolvidos por meio do

155
ensino formal, durante a formação do educador, ou por meio de experiências práticas,
durante a vida profissional do docente ao longo dos anos. Para Tardiff, cada profissão
demanda um saber específico que auxilia o profissional a desenvolver melhor sua
prática. Tal saber, no entanto, não é compartilhado com outras pessoas que não praticam
a mesma profissão. Logo, para o pesquisador os saberes são plurais e heterogêneos em
três sentidos, pois eles:

- Advêm de várias fontes: durante a prática docente, o professor pode


usar saberes oriundos de sua cultura pessoal, de sua escolarização anterior, de
seu aprendizado na universidade, e assim sucessivamente.
- Não se restringem a uma disciplina, ao contrário, são ecléticos e
sincréticos (ou seja: combinam princípios de diferentes linhas de pensamento).
- Procuram atingir, simultaneamente, vários objetivos.

Neste raciocínio, os saberes apresentam um sentido amplo que engloba


conhecimentos, competências e habilidades construídas ao longo de uma trajetória, além
de serem provenientes de diversas fontes. Logo, para Tardiff, adquirimos esses saberes
antes mesmo de assumirmos uma posição profissional (no caso dos professores, antes
da Licenciatura ou da Pedagogia), sendo que os desenvolvemos ao longo de nosso
aprimoramento profissional.
Diante do apresentado, pode-se indagar: quais são, afinal, os saberes da
profissão professor, segundo Tardiff? Para responder essa pergunta, pode-se dizer que o
autor separa tais saberes em quatro tipos principais:

-Saberes da Formação Profissional: são aqueles desenvolvidos nas


instituições de formação focados, principalmente, na Ciência da Educação e na
Pedagogia. São saberes que procuram articular resultados de pesquisas sobre
ensino e pedagogia às práticas educativas como, por exemplo, teorias de
aprendizagem, neurociência, psicopedagogia, dentre outros.
-Saberes Disciplinares: são aqueles referentes ao conteúdo disciplinar a
ser ensinado nas escolas, os quais são adquiridos na academia, como
Matemática, Química, Biologia e Literatura, por exemplo.
-Saberes curriculares: referentes ao conhecimento dos programas, dos
conteúdos e dos métodos a serem utilizados pelo professor. Esses conhecimentos

156
são selecionados pela instituição onde o professor leciona, ou seja, está
relacionado à aplicação dos programas de ensino estipulados pela escola.
-Saberes experienciais: obtidos por meio da prática do próprio
professor, como um “saber-fazer”. Estes saberes são desenvolvidos e validados
na própria prática educativa sendo incorporados à experiência do docente,
modificando seus hábitos e suas habilidades.
Por fim, para concluir, pode-se dizer que Tardiff aborda, de forma abrangente,
os saberes docentes: para o autor, um professor com saberes bem desenvolvidos seria
capaz de ensinar em qualquer situação. Isso, em partes, o difere do próximo pesquisador
que abordaremos no presente texto: Lee Schulman, o qual foca suas ideias em situações
de ensino mais particulares. Maiores detalhes sobre esse autor serão apresentados no
seguinte tópico.

2.3 Lee S. Shulman


Lee Shulman é um pesquisador norte americano que apresentou uma importante
contribuição para a área de formação docente. Além de tentar traçar panoramas mais
gerais sobre os conhecimentos necessários a esse ofício, assim como os dois autores
abordados anteriormente, também tentou aprofundar a compreensão sobre situações
particulares de ensino (como, por exemplo, o ensino de determinado conteúdo pelo
educador dentro de um contexto também específico). Dessa forma, percebe-se que
Shulman dá atenção especial ao papel do conteúdo específico na atuação docente sendo
que, inicialmente, o autor afirma existir três tipos de Conhecimentos Base relacionados
à profissão do educador, que seriam:
- Conhecimento do Conteúdo Específico.
- Conhecimento Pedagógico do Conteúdo.
- Conhecimento Curricular.
Percebe-se que, nesse primeiro momento, o pesquisador enfatiza o conhecimento
do conteúdo, já que este é apresentado tanto pela base “Conhecimento de Conteúdo
Específico”, quanto pelo “Conhecimento Pedagógico do Conteúdo”. Entretanto, essa
última (do inglês Pedagogical Content Knowledge ou PCK) chamou bastante atenção e
tem sido objeto de estudo de muitas pesquisas contemporâneas. Ainda sobre ela, pode-
se dizer que o PCK:
“... vai além do conhecimento da matéria por si só, mas o conhecimento da
matéria para o ensino, eu ainda falo sobre o conhecimento do conteúdo aqui, mas uma

157
forma particular do conhecimento do conteúdo que incorpora os aspectos mais
pertinentes do conteúdo no seu potencial para ser ensinado”.

Neste cenário, o PCK é um conhecimento acessado pelo professor durante o


preparo de suas aulas, assim como durante a realização destas. Dentro desse
conhecimento pode-se incluir a seleção de conteúdo feita pelo docente, a forma
utilizada para ensiná-lo, a profundidade da abordagem, a avaliação realizada, dentre
outras ações. Continuando as discussões sobre o tema, no ano seguinte à primeira
publicação divulgação das ideias sobre as bases de conhecimento docentes, Shulman
apresenta outras, destacadas a seguir:

- Conhecimento do Conteúdo
- Conhecimento Pedagógico Geral
- Conhecimento Curricular
- Conhecimento Pedagógico do Conteúdo
- Conhecimento dos Aprendizes e suas Características
- Conhecimento do Contexto Educativo
- Conhecimento dos Fins, Propósitos e Valores Educacionais e suas
Bases Filosóficas e Históricas

A partir disso, nota-se que o Conhecimento Pedagógico ganha evidência, no


entanto, vale destacar que Shulman não atribuiu hierarquização dos Conhecimentos
Base, ou seja, para ele nenhum conhecimento é mais importante que o outro.
Apesar de o autor não ter prosseguido seus estudos sobre essa linha de pesquisa,
muitos de seus orientandos continuaram a investigar os Conhecimentos Base do
professor, em especial, o PCK. Inúmeros modelos foram propostos a partir de então,
entretanto, dois aspectos são constantes em todos eles: o primeiro é a conclusão de que
o PCK é um conhecimento exclusivo de professores; já o segundo aspecto refere-se à
discussão sobre como tais conhecimentos se interrelacionam.
Neste contexto, um dos modelos comumente utilizados pelas pesquisas
contemporâneas nessa área é o de Grossman e colaboradores (Figura 1), já que
apresenta seis bases de conhecimento com um maior aprofundamento sobre cada um
delas:

158
Figura 1. Modelo de Conhecimentos Base segundo Grossman e colaboradores (GOES, 2014).

Pode-se perceber neste modelo que, apesar de serem conhecimentos separados,


os seus respectivos desenvolvimentos são influenciados uns pelos outros, ou seja,
quando se estuda o PCK de um professor por meio de entrevistas, questionários e
observações de aula, é necessário considerar os outros conhecimentos como
moduladores do próprio PCK. Este, como o próprio nome diz, está ancorado em um
conteúdo sendo que não é possível dizer, por exemplo, que um professor apresenta um
“bom PCK de Biologia”, pois ensinar “Genética” ou “Botânica” requer diferentes
habilidades e conhecimentos do professor. Da mesma forma, não podemos afirmar que
existe um “bom PCK de Botânica”, pois ensinar o conteúdo de classificação vegetal
requer metodologias e estratégias didáticas diferentes daquelas necessárias ao ensino do
tema Fotossíntese, por exemplo. Essas especificidades também podem abranger os
outros Conhecimentos Base que influenciam o PCK (como, por exemplo, o de contexto,
o pedagógico, o curricular, dentre outros). Dessa maneira, só podemos afirmar que
aferimos o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de um indivíduo em uma situação
específica de ensino.
Os estudos do PCK, assim como o dos saberes docentes de Tardiff, se fazem
importantes na atualidade, pois contribuem para a definição e para a avaliação da
profissão docente. Aferindo o PCK de um professor, podemos apontar quais são os
Conhecimentos Base que precisam ser melhores abordados em sua prática, sendo que
este, ao ter a compreensão sobre o seu próprio PCK, pode promover uma autorreflexão
a esse respeito, buscando formas de aprimorá-lo. Da mesma forma, acreditamos que a
busca pela identificação dos aspectos do PCK de vários licenciandos em cursos de

159
formação inicial, por exemplo, pode auxiliar na estruturação desses últimos, tornando-
os mais adequados às atuais demandas educacionais. Por fim, vale dizer que as
pesquisas sobre as características e especificidades da profissão docente (Artistry,
Saberes docentes e Conhecimentos Base), muitas vezes, utilizam abordagens
qualitativas. Nesses casos, as conclusões, apesar de serem específicas da situação
estudada, podem promover aproximações mais gerais quando vários estudos
semelhantes são realizados em diferentes contextos.
Para concluir, vale dizer que dentro da área de formação de professores, o grupo
Botânica na Educação (BOTED) desenvolve uma linha de investigação relacionada à
formação de educadores de Biologia. Os estudos são focados em abordagens de temas
relacionados à Botânica e ao seu ensino, sendo que, atualmente, o grupo tem realizado
pesquisas sobre o PCK de professores para ensinarem conteúdos da Botânica. Dessa
maneira, no tópico a seguir, faremos algumas aproximações entre essa área de ensino e
o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK), abordado anteriormente neste texto.

3. Formação de professores, PCK e a Botânica


A formação de professores é considerada uma área nevrálgica quando se pensa
no aumento da qualidade da Educação no Brasil. Partindo-se disso, vários projetos de
governo foram adotados com o intuito de melhorar a capacitação desses profissionais.
Em 2002, por exemplo, o Conselho Nacional de Educação brasileiro instituiu as
Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica. Tal
documento reforçou a importância de se formar o educador de uma maneira ampla,
fazendo com que este apresentasse vários tipos de conhecimentos, dentre os quais se
destacavam: o conhecimento sobre a cultura geral e profissional; sobre as crianças,
adolescentes, jovens e adultos; sobre a dimensão cultural, política e econômica da
Educação; sobre os conteúdos da área; além do conhecimento pedagógico e aquele
advindo da experiência do ofício. Neste contexto, acredita-se que referenciais que
abordam os conhecimentos do professor e sua construção (como aqueles abordados,
anteriormente, neste texto: Tardif, Schon e Shulman) podem ser bons aliados nas
pesquisas que visam compreender e aprimorar a formação docente, inclusive daqueles
profissionais da área de Botânica.
Sobre a Botânica, sabe-se que alguns desafios são encontrados durante o ensino,
muitos destes, relacionados, justamente, com a má formação do educador. Dentre os
principais desafios enfrentados pela área, pode-se citar a descontextualização dos

160
temas, ou seja, a desassociação dos conteúdos disciplinares com o contexto sócio-
histórico-cultural do estudante. Uma das consequências desse processo é o fato de a
Botânica nas escolas ser, geralmente, associada à memorização, conteúdos complicados,
fazendo com que estudantes (e, até mesmo, professores) não encontrem sentido para a
aprendizagem dos assuntos relacionados a essa temática. Esse tipo de abordagem, que
não considera o aluno e seu contexto está associada ao segundo desafio enfrentado pela
área: a reprodução de um ensino tradicional e memorístico. Esse tipo de ensino, em
nossa visão, acentua a desmotivação dos estudantes (e dos docentes) para a
aprendizagem da temática, ocasionando o aprofundamento do terceiro desafio aqui
abordado: a Cegueira Botânica. Esta se refere ao fato de, muitas vezes, as pessoas
enxergarem as plantas apenas como parte da paisagem, esquecendo-se, inclusive, de que
elas são seres vivos. Possivelmente, existem duas causas para esse fenômeno: a primeira
está relacionada à tendência de se usar exemplos com animais (ao invés de plantas) nos
livros didáticos e nas aulas de Biologia (zoocentrismo). A segunda causa, por sua vez,
tem relação com o fato de os seres humanos terem sido evolutivamente selecionados
para perceber mais animais do que plantas, o que estaria associado a maiores chances de
sobrevivência aos predadores em épocas mais remotas, segundo alguns estudos. Logo, a
somatória de todos os problemas citados anteriormente resulta no analfabetismo
botânico, o qual diz respeito ao pouco conhecimento das pessoas sobre os vegetais de
uma forma geral.
Partindo-se dessas considerações, como formas de superar os desafios elencados
no parágrafo anterior têm-se: no caso da descontextualização, pode-se dizer que uma
das formas de se contornar tal problema poderia ser auxiliando o professor a aprimorar
seu conhecimento de contexto (conforme definido por Shulman). Além disso, auxiliá-lo
na busca de sentido para se ensinar temas relacionados aos vegetais (que é parte
integrante do PCK de qualquer assunto de Botânica) também pode ser uma maneira
interessante. Como a descontextualização também está relacionada ao pouco contato
com as plantas, assim como ao baixo uso da vegetação local como recursos para a
situação de ensino, o conhecimento do conteúdo (assim como o conhecimento
pedagógico) também deve ser aprimorado durante a formação do educador como uma
possível estratégia para a superação desse desafio.
Sobre a escolha de estratégias didáticas mais tradicionais (como aulas teóricas e
extensamente expositivas), possivelmente tal desafio pode estar associado ao baixo
conhecimento pedagógico, assim como à falta de relação entre este e o conteúdo a ser

161
ensinado. Logo, é interessante que, durante a sua formação, o licenciando tenha
oportunidades de aprimorar esses conhecimentos. Caso contrário, corre-se o risco desse
futuro educador reproduzir apenas estratégias didáticas com as quais se encontra mais
habituado, ou seja, aulas teóricas e demonstrativas, por exemplo. Novamente, acredita-
se que o desenvolvimento do PCK pode ser uma estratégia para criar essas conexões: o
desenvolvimento deste, por sua vez, pode ser realizado tanto por meio de simulações de
aulas (em que os licenciandos são incentivados a preparar materiais e aulas para o
ensino de determinado tema) ou pela própria observação de um professor mais
experiente durante sua prática educativa na escola.
Sobre a Cegueira Botânica, é necessário que o professor encontre formas de se
combatê-la. Dessa maneira, em nossa visão, um ensino contextualizado e
problematizador pode contribuir nesse sentido. Logo, um caminho possível seria a
maior inserção de vegetais nas aulas, seja como exemplos ilustrativos de alguns
conteúdos, seja em aulas práticas, dentre outras.
Por fim, buscando-se soluções capazes de amenizar os problemas elencados
anteriormente, possivelmente estaríamos reduzindo os índices de analfabetismo
botânico, tão comuns na sociedade contemporânea. Em nossa visão, isso poderia
aumentar a sensibilização das pessoas para as causas ambientais, contribuindo para o
aprimoramento de atitudes relacionadas à preservação e conservação ambiental.

4. Conclusão
Os desafios do ensino de Botânica, apontados anteriormente no presente texto,
podem estar relacionados a algumas lacunas encontradas durante a formação do
docente. Logo, acreditamos que aprimorar a qualidade dessa formação, seja inicial ou
continuada, é essencial para que o processo de ensino-aprendizagem se torne mais
significativo para os alunos nas escolas. Dessa maneira, pesquisas sobre o ensino de
Botânica, assim como aquelas relacionadas à formação dos profissionais que atuarão
nessa área, podem auxiliar no desenvolvimento de abordagens sobre a temática o que,
possivelmente, amenizaria os desafios enfrentados pela área na atualidade.

5. Referências
Balas, B.; Momsen, J.L. (2014). Attention “blinks” Differently for Plants and Animals.
Life Sciences Education, 13, 437–443.

162
Goes, L.F.de. (2014). Conhecimento Pedagógico do Conteúdo: Estado da Arte no
campo da Educação e no Ensino de Química. Universidade de São Paulo.
Nóvoa, A. (2002). Formação de professores e trabalho pedagógico. Educa.
Perrenoud, P. (2002). Prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e
razão pedagógica. Artmed.
Schön, D. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. Os professores e a
sua formação, 3, 77-91.
Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard
educational review, 57(1), 1-23.
Tardiff, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional. Editora Vozes Limitada.
UNO, G.E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants?
American Journal of Botany, v. 96, n.10, p.1753–1759, 2009.
Wandersee, J.H.; Schussler, E.E. (1999). Preventing plant blindness. American Biology
Teacher, 61(2):84-86.
Wandersee, J.H.; Schussler, E.E. (2001). Towards a theory of plant blindness. Plant
Science Bulletin, 47(1): 2-9
Anefalos, L.C.; Guilhoto, J.J.M. (2003). Estrutura do mercado brasileiro de flores e
plantas ornamentais. Agricultura em São Paulo 50: 41-63.

163
Anotações:

164
CAPÍTULO XII
Educação Ambiental e o Projeto Ecossistemas
Costeiros
Sabrina Gonçalves Raimundo
Mariana Sousa Melo
Camila Lopes Lira

1- Introdução
Nós ocupamos hoje todas as regiões do planeta, somos então cosmopolitas. Há
cerca de 200 mil anos surgiram os humanos modernos no continente Africano,
atingindo o atual comportamento e anatomia há cerca de 50 mil anos. Quando surgimos,
o Planeta Terra já conhecia diversos outros organismos como plantas, répteis, aves,
mamíferos, fungos e bactérias que aqui já habitavam há milhares de anos antes de nós.
Uma característica de nossa espécie é o desejo de entender e influenciar o ambiente à
nossa volta, procurando explicar e manipular os fenômenos naturais através da filosofia,
artes, ciências, mitologia e da religião. E, embora sejamos parte da natureza como um
todo, temos atuado sobre ela de forma demasiadamente predatória, causando
expressivos impactos em diversas escalas ambientais.
Enfrentamos hoje uma crise ambiental que se originou com atividades humanas
como: Exploração descomunal dos recursos naturais, no alto consumo, na contaminação
e poluição causados pela expansão urbana desordenada, entre outros. A atual situação é
preocupante, se intensificando ainda mais se considerarmos o desconhecimento que
temos dos limites e da complexidade existente da inter-relação entre os sistemas e suas
capacidades, seus elementos e sua resiliência, bem como escala de interação com outros
sistemas. Assim, enfrentamos um cenário alarmante, vendo as florestas, os solos, o ar,
os rios e a biodiversidade em pleno declínio. Em contrapartida, nunca antes se falou
tanto em preservação, conservação e sustentabilidade. Estamos vivendo o que a ex
ministra do meio ambiente Marina Silva chamou de década da educação ambiental e da
sustentabilidade.
A partir desta realidade, as últimas décadas foram marcadas por discussões
internacionais que motivaram e ajudaram a consolidar o conceito de Educação
Ambiental e o da Sustentabilidade em diversas partes do mundo. A partir de
conferências como a de Estocolmo nos anos 70 e Rio92, houve favorecimento do

165
desenvolvimento de um cenário de aprovação consensual entre praticamente todos os
países do mundo a respeito de seus papéis político, social, econômico bem como o
papel individual dos cidadãos em prol do meio ambiente. Entretanto, diversos
problemas de interpretação dos conceitos ambientais surgiram ao longo das últimas
décadas.

De tal modo, a fim de favorecer a prática coesa à teoria, especialmente em torno


da temática da Sustentabilidade, surgiram quadros conceituais com diversas finalidades
buscando resolver problemas práticos deste conceito. No entanto, outras áreas de
interesse ambiental ainda não contam com alternativas teóricas e práticas eficientes,
como é o caso das temáticas em Sustentabilidade, em particular a Educação Ambiental.
E, embora existam alguns países que já estejam mais avançados nesta questão, a
educação ainda está aquém de seu potencial.

Tendo em vista a relevância dos processos educacionais para formação das


pessoas, tem sido intensificada a articulação da temática ambiental nas políticas globais,
regionais e locais buscando a ampliação dessa área visando formar sociedades mais
sustentáveis. No Brasil, existem muitas iniciativas que contemplam uma política
nacional que pretende estimular o desenvolvimento da Educação Ambiental. Uma delas
é o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, que é usado hoje
como instrumento fundamental para descrição dos objetivos e dos princípios que devem
calçar os processos de Educação Ambiental em ambientes formais e não formais, em
faixas etárias distintas.

De tal modo, desenvolvemos um projeto que pode ser aplicado tanto em


ambientes formais quanto não formais (em Unidades de Conservação, por exemplo),
sendo alvo de nossas ações os estudantes de ensino público do Ensino Fundamental II e
Ensino Médio. As questões pertinentes a esse projeto serão detalhadas no decorrer do
texto.

2- Histórico da educação ambiental

Já há cerca de três décadas que a Educação Ambiental é considerada como um


processo de formação dinâmico, permanente e participativo, no qual as pessoas
envolvidas devem se tornar agentes transformadores, participando ativamente da busca

166
de alternativas para a redução de impactos ambientais e para o controle social do uso
dos recursos naturais. No entanto, ainda se trata de um campo de estudos e de práticas
recente.
A Educação Ambiental (EA) quanto nicho vem como resposta aos diversos
problemas ambientais, e mais atualmente também sociais. Por esse motivo,
compreender os acontecimentos históricos das diversas épocas, antes, durante a sua
formação e depois desta, se faz necessário para o entendimento da constante evolução
da EA e de sua relevância para a sociedade como um todo tanto no Brasil quanto no
restante do mundo (Figura 1).

Figura 17. Histórico da Educação Ambiental no Brasil e no Mundo: Durante os anos 60 as discussões
sobre o impacto humano e a crise ambiental na qual estamos ainda inseridos se intensificaram, resultando
em uma série de ações internacionais que culminaram conferências importantes para definição de teorias
e práticas na área de educação em diversas escalas das décadas seguintes.

É importante compreender que a degradação ambiental tem se deflagrado desde


a entrada dos portugueses no Brasil por meio da exploração da madeira, do ouro,
diamantes, entre outros elementos naturais. No entanto, a implementação do tema
ambiental na educação como meio para alcançar novos paradigmas e comportamentos
frente aos problemas ambientais têm sido tema de discussão há poucas décadas,
principalmente como produto de conferências internacionais refletidas em ações em
escalas menores.
O desenvolvimento da Educação Ambiental começou a ser discutido
especialmente durante os anos 60 com a publicação do livro “Primavera Silenciosa” da
jornalista Rachel Carson que denunciava as consequências devastadoras das atividades
humanas sobre, por exemplo, a perda da qualidade de vida dado o uso indiscriminado e
excessivo de produtos químicos, como os pesticidas, e seus posteriores efeitos sobre o
meio ambiente. Seguido desse alerta de impacto internacional, outros eventos se

167
deflagraram e foram importantes para a EA. O próprio termo Educação Ambiental foi
cunhado pela primeira vez em 1965 durante a Conferência em Educação da
Universidade de Keele, na Grã - Bretanha. Três anos depois, trinta especialistas de
várias áreas se reunirem em Roma discutindo a crise na qual a humanidade estaria
inserida, formando o Clube de Roma e em 1972 produziriam o relatório "Os Limites do
Crescimento Econômico" (The Limits of Growth) que apontava o crescente consumo
mundial, o limite de crescimento, possível colapso e ações alternativas ao problema.
Tendo esses e outros acontecimentos como pano de fundo, em 1972 aconteceu a
primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida
pela Organização das Nações Unidas (ONU). A conferência aconteceu em Estocolmo,
na Suécia, e dela partiu a recomendação de que “O secretário-geral, os organismos do
sistema das Nações Unidas, em particular da organização Educacional, Científica e
Cultural das Nações Unidas (Unesco) e as demais instituições interessadas, após
consultarem-se e de comum acordo, adotem as disposições necessárias afim de
estabelecer um programa internacional de educação sobre o meio ambiente, de enfoque
interdisciplinar e com caráter escolar e extraescolar, que abarque todos os níveis de
ensino e se dirija ao público em geral, especialmente ao cidadão que vive nas zonas
rurais e urbanas, ao jovem e ao adulto indistintamente, como objetivo de ensinar-lhes
medidas simples que, dentro de suas possibilidades, possam tomar para ordenar e
controlar o meio ambiente”.
Essa conferência foi importante para o meio ambiente e para o fomento da EA, e
é considerada por muitos, como a responsável por inserir a educação ambiental na
agenda global. Assis (1991) documenta que em cumprimento à recomendação feita na
Conferência de Estocolmo, em 1975 a Unesco por meio do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lança o Programa Internacional de Educação
Ambiental (PIEA). Entre as atividades do PIEA, que contribuíram para uma
conscientização internacional sobre a educação ambiental, cabe destacar especialmente
uma série de reuniões internacionais e regionais, entre elas a Conferência
Intergovernamental de Tbilisi, na Geórgia, em 1977. Foi nesta conferência que se
considerou que embora as bases biológicas constituam um elemento fundamental e
natural do meio ambiente, as questões sociais, econômicas, culturais e os valores éticos
são dimensões importantes, devendo ser usados como instrumentos que nos façam
compreender e utilizar melhor os recursos da natureza, com o objetivo de satisfazer suas
necessidades.

168
Foi dessa conferência também (Tbilisi em 1977) que a EA foi definida como
uma “dimensão dada ao conteúdo e à prática de educação, orientada para a resolução
dos problemas concretos do meio ambiente, através de um enfoque interdisciplinar e de
uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade”. Ela
recomenda que a EA deva “dirigir-se a pessoas de todas as idades, a todos os níveis, na
educação formal e não formal. A EA devidamente entendida deveria constituir uma
educação permanente, geral, que reaja às mudanças que se reproduzam em um mundo
em rápida evolução”.
Durante os anos 80 houve muitas ações dispersas ao redor do mundo. No Brasil,
o então Presidente João Figueiredo sancionou a Lei n 6938/81, sobre a política nacional
do meio ambiente, nela constam os objetivos, instrumentos e diretrizes da política,
criando ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criando também o
Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em 1987, foi aprovado pelo
Ministério da Educação o parecer 226/87 que enfatiza a necessidade da inclusão da
Educação Ambiental nas propostas do currículo escolar. Em paralelo, o mundo também
discutia o conceito e a viabilidade do desenvolvimento sustentável, exemplo disso foi a
I Conferência sobre o Meio Ambiente da Câmara de Comércio Internacional, com o
objetivo de estabelecer formas de colocar em prática o conceito de “desenvolvimento
sustentado”, realizada em 1984 na Cidade de Versalhes.
Dez anos passados da Conferência de Tiblisi, aconteceu em Moscou o
“Congresso Internacional Unesco - PNUMA sobre a educação e a formação relativas ao
meio ambiente”. Dele resultou um documento denominado “Estratégia Internacional de
Ação em Matéria de Educação e Formação ambiental para o Decênio de 1990”.
Todos esses eventos culminaram em um marco para o desenvolvimento da
Educação Ambiental que se deu especialmente durante Conferência do Rio em 1992,
(popularizada como Rio-92). Ela teve como principal resultado um documento
conhecido como Agenda 21, no qual foi proposto um novo paradigma em relação ao
desenvolvimento econômico. Além disso, o documento promove o ensino como forma
de conscientização e treinamento profissional, formalizando a Carta Brasileira para
Educação Ambiental. Em paralelo, surgia o Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global como resultado do Fórum das
ONGs que acompanhavam a Rio-92 e, sintonizado ao tratado, surge o ProNEA –
Programa Nacional de Educação Ambiental, que o utiliza como diretriz e sendo de
grande importância para a realização da EA em todas as esferas do país.

169
O tratado valoriza o papel da educação como ferramenta de formação de
valores, transformação humana e social, capaz de promover conservação ambiental.
Deste modo, o documento retrata a EA como um processo dinâmico em permanente
construção e devendo, assim, propiciar reflexão, debate e sua própria modificação.
Assim, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (1992) tem como tópicos: os princípios da Educação para
Sociedade Sustentáveis e Responsabilidade Global, um Plano de Ação, um Sistema de
Coordenação, Monitoramento e Avaliação, além de apontar Grupos a serem envolvidos
nesta busca pela Educação Ambiental transformadora e os recursos a serem utilizados.
Para o Brasil, os frutos da Rio-92, juntamente ao Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis refletiram em resultados educacionais
posteriores importantes. Por exemplo, a portaria 773/93 do MEC que instituiu
permanentemente um Grupo de Trabalho para EA com objetivos de coordenar, apoiar,
acompanhar, avaliar e orientar as ações, metas e estratégias para a implementação da
EA nos sistemas de ensino em todos os níveis e modalidades. É importante ressaltar que
não somente a educação ambiental quanto nicho educacional que se promoveu na
década de 90, mas foi nesta mesma década, em 1996, que se estabeleceu a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/96). No entanto, na LDB
existem poucas menções à Educação Ambiental.
Contudo, foi promulgada em 1999 a Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999 que
institui a Política Nacional de Educação Ambiental e também houve a inserção do tema
de Meio Ambiente dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Este
documento coloca como objetivo central dessa temática a formação de cidadãos
conscientes aptos a decidir e atuar na realidade socioambiental. Para tanto, o PCN
entende para ser necessário que os educadores, mais do que informações e conceitos,
trabalhem com seus alunos atitudes e formação de valores. Portanto, têm por objetivo
auxiliar os educadores na reflexão sobre a prática diária em sala de aula e servir de
apoio ao planejamento de aulas e ao desenvolvimento do currículo da escola.
Assim, ao longo de todos esses anos, desde que se cunhou o termo “Educação
Ambiental”, houve muitas classificações e denominações explicitaram as concepções
que preencheram de sentido as práticas e reflexões pedagógicas relacionadas à questão
ambiental. A princípio todas elas partem da ideia de que o próprio conceito de educação
ambiental é em si uma adjetivação do substantivo "educação", colocando a ela um
atributo especial dado seu caráter ambiental, não enfatizado pela educação comum.

170
Deste modo, Educação Ambiental é o nome que historicamente se convencionou dar às
práticas educativas relacionadas à questão ambiental.
É igualmente importante definir que, para este trabalho reconhecemos como
essenciais as características e os princípios propostos pela Conferência de Tbilisi e
refinados pelo Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis, que resumido por Celso
Marcatto (2002), a EA é um processo:
 Dinâmico integrativo e permanente no qual os indivíduos e a comunidade
tomam consciência do seu meio ambiente e adquiram o conhecimento, os
valores, as habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a
agir, individual e coletivamente e resolver os problemas ambientais.
 Transformador: possibilita a aquisição de conhecimentos e habilidades capazes
de induzir mudanças de atitudes. Objetiva a construção de uma nova visão das
relações do ser humano com o seu meio e a adoção de novas posturas
individuais e coletivas em relação ao meio ambiente. A consolidação de novos
valores, conhecimentos, competências, habilidades e atitudes refletirão na
implantação de uma nova ordem ambientalmente sustentável.
 Participativo: atua na sensibilização e na conscientização do cidadão,
estimulando-o a participar dos processos coletivos.
 Abrangente: extrapola as atividades internas da escola tradicional, deve ser
oferecida continuamente em todas as fases do ensino formal, envolvendo a
família e toda a coletividade. A eficácia virá na medida em que sua abrangência
atingir a totalidade dos grupos sociais.
 Globalizador: considera o ambiente em seus múltiplos aspectos: natural,
tecnológico, social, econômico, político, histórico, cultural, moral, ético e
estético. Deve atuar com visão ampla de alcance local, regional e global.
 Permanente: tem um caráter permanente, pois a evolução do senso crítico e a
compreensão da complexidade dos aspectos que envolvem as questões ambientais
se dão de um modo crescente e contínuo, não se justificando sua interrupção.
Despertada a consciência, se ganha um aliado para a melhoria das condições de
vida do planeta.
 Contextualizador: atua diretamente na realidade de cada comunidade, sem
perder de vista a sua dimensão planetária (baseado no documento Educação

171
Ambiental da Coordenação Ambiental do Ministério da Educação e Cultura, citado
por Czapski, 1998).
 Transversal: propõe-se que as questões ambientais não sejam tratadas como uma
disciplina específica, mas sim que permeie os conteúdos, objetivos e orientações
didáticas em todas as disciplinas. A educação ambiental é um dos temas
transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação e
Cultura.
Como observado, o desenvolvimento da Educação Ambiental como teoria e
também sua prática tem como premissa discussões internacionais, tendo relevância no
processo de difusão e motivação de ações na área ambiental. No entanto, o assunto
ainda está longe de se esgotar e tem tido cada vez mais relevância.

3- Breve histórico do Projeto Ecossistemas Costeiros

O Projeto Ecossistemas Costeiros busca trabalhar a EA em ambientes marinhos


desde 2002 através de projetos de extensão e desempenha papel importante e pioneiro
na modalidade de EA marinha. A princípio, o projeto direcionava suas atividades aos
turistas (ocorrendo esporadicamente com alunos de escolas públicas) que visitavam o
PEIA – Parque Estadual da Ilha Anchieta – desenvolvendo diversas atividades atreladas
a trilhas terrestres em ambientes costeiros e também, trilhas aquáticas através de
“mergulho livre” (Figura 2d) e “autônomo” (Figura 2c), buscando promover a EA de
forma contextualizada e holística.
O projeto (realizado em parceria com o Instituto de Biociências da USP, nasceu
tendo como primeira atividade a “Trilha subaquática”, e acabou ganhando esse
codinome nos anos subseqüentes) foi ganhando novos parceiros e diversas outras
atividades foram criadas, visando atingir um público cada vez mais variado, como por
exemplo, o “Mergulho Virtual” (Figura 2a), que através de painéis informativos e
participativos possibilita que a EA seja tratada tanto em ambientes abertos quanto
fechados, pois esses painéis podem ser expostos em diversos ambientes, como UCs e
até mesmo em escolas.
Com o passar do tempo, as trilhas aquáticas ganharam duas novas modalidades,
sendo a primeira delas o “Aquário Natural” (Figura 2f), onde o ambiente de Costão
Rochoso é amplamente explorado (através de um cone adaptado com um vidro na parte
de baixo), conectando questões ambientais e abrangendo um público muito variado, de
crianças até idosos. Outra modalidade, que é um pouco mais recente é a de Trilha que

172
usa “Caiaques” como instrumento de EA (Figura 2b) utilizando também o material
desenvolvido com cone e fundo de vidro para explorar os organismos do costão
rochoso. E para rechear ainda mais as opções de atividades terrestres, foi desenvolvido
o modelo “Trilha Vertical” (Figura 2e) promovendo a EA sob uma perspectiva um
pouco mais elevada através de uma agradável escalada.

a b

Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros

c d

Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros

e f

Fonte: Mariana Melo Fonte: Mariana Melo


Figura 18. Algumas atividades do Projeto “Trilha Sub-aquática”: Atividades de EA realizadas pelo
Projeto Ecossistemas Costeiros: (a) Mergulho fora d’água; (b) Trilha com Caiaques; (c) Trilha com
Mergulho Autônomo; (d) Trilha com Mergulho Livre; (e) Trilha Vertical com Escalada e (f) Aquário
Natural

No decorrer dos anos e crescente alcance do projeto, viu-se que, além do


direcionamento já fornecido aos monitores que realizavam as atividades, era necessário
também o desenvolvimento de protocolos, visando à padronização das informações
passadas em cada atividade, facilitando assim a formação de monitores e a efetiva
continuidade dos objetivos do projeto. Em 2014, o primeiro protocolo foi iniciado com

173
a atividade em trilha terrestre, com uma abordagem diferenciada, onde não só a
composição do ecossistema era abordada, mas sim conteúdos em torno de um tema
central, que nesse caso é um fenômeno: as Mudanças Climáticas Globais. Atualmente,
esse protocolo está direcionado principalmente a escolas (ensino fundamental II e
ensino médio) tendo como principal instrumento uma gincana inserida numa trilha
terrestre, com ações prévias e posteriores à visita em uma Unidade de Conservação.
Com esse protocolo, busca-se trabalhar conteúdos do currículo comum fora da
sala de aula e com quatro principais bases: outdoor learning (ensino fora da sala de
aula), fenomenologia (aprendizado através de fenômenos), Filosofia Ambiental
(respeito a natureza) e as principais bases da Educação Ambiental, entre elas a
Transdisciplinaridade (conforme descrito anteriormente). Dessa forma a atividade
principal é a “Trilha das Mudanças Climáticas Globais”, onde durante a caminhada, os
alunos participam de uma gincana (placas na trilha com pequenos desafios) que tem
como principal objetivo tratar de assuntos essenciais para o entendimento das Mudanças
Climáticas, como por exemplo, a Fotossíntese e o Ciclo do Carbono.
Nessa atividade procura-se trabalhar também aspectos como a autonomia, a
interatividade, a participação e a cooperação, sempre de forma holística e buscando
um processo continuado, que possa proporcionar ganhos afetivos e cognitivos aos
alunos, professores e monitores. Visando atingir o processo continuado (muito mais
efetivo), temos uma nova modalidade de protocolo onde se insere a “Trilha das
Mudanças Climáticas Globais”, que é dividido em 3 principais momentos:

1- Formação dos Professores: Momento em que nos reunimos com os professores da


escola interessados no projeto para realizar uma formação, discutindo os principais
assuntos do projeto, tendo como finalidade principal que os professores trabalhem esses
conteúdos, de forma dinâmica com os alunos antes da visita à UC.

2- Visita à Unidade de Conservação: Os alunos irão fazer uma visita à UC para que
através da realização da atividade, ocorra a consolidação desses conhecimentos obtidos
previamente em sala de aula.

3- Conclusão - Produção de Vídeo sobre Mudanças Climáticas: Temos como proposta


de finalização, a produção de vídeos por parte dos alunos sobre a temática das
Mudanças Climáticas Globais. Esses vídeos serão classificados por uma equipe, e os

174
melhores vídeos serão premiados com suas respectivas escolas e professores
responsáveis.

Figura 3. “Trilha das Mudanças Climáticas Globais”. Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros

Atualmente, somente o protocolo da trilha terrestre denominada “Trilha das


Mudanças Climáticas Globais” está concluído, porém, a atividade completa com as
escolas (na qual a Trilha das MCG está inserida) já é realizada, e vem alcançando
grande sucesso entre as UCs e escolas do estado de São Paulo. O protocolo do “Aquário
Natural” vem sendo trabalhado e apesar de não poder ser realizado em qualquer
ambiente, já vem sendo feito e contribui fortemente como ferramenta educacional para
algumas escolas públicas. Dessa forma, partindo-se dos novos preceitos estabelecidos
pelo Projeto Ecossistemas Costeiros, se espera que os próximos protocolos de atividade
possam trazer grandes contribuições para a EA. Mais informações pelo site:
http://www.ib.usp.br/ecosteiros2/ e através da página no facebook:
facebook@ecosteiros2.

175
4- Referências
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http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001540/154093e.pdf

177
Anotações:

178
CAPÍTULO XIII

ILUSTRANDO UM PENSAMENTO:
VETORIZAÇÃO GRÁFICA APLICADA À
BOTÂNICA
Ricardo Silva Batista Vita
Carlos Eduardo Valério Raymundo

Introdução

É difícil afirmar quando surgiram as ilustrações científicas, uma vez que é


igualmente difícil qualificar uma ilustração (desenho, pintura ou foto) como científica.
Ilustração científica pode ser definida como uma interpretação visual (impressa ou
vídeo) de um texto, conceito ou processo, elaborada com medidas precisas e sem
ambiguidade, é o aspecto visual da ciência.

Um animal pintado em uma parede pode ser uma travessura de criança (Figura
1A), uma pichação (Figura 1B) ou uma pintura pré-histórica em uma caverna (Figura
1C) e cada uma dessas imagens pode ilustrar um trabalho científico. A travessura de
criança poderia ilustrar uma pesquisa sobre a influência da arte no desenvolvimento
psicomotor em função dos estágios de desenvolvimento cognitivo. A pichação poderia
ilustrar um trabalho analisando a relação das mensagens subliminares das pichações
com fatores psicossomáticos dos pichadores. E certamente a pintura rupestre pode
ilustrar um trabalho arqueológico ou paleontológico relacionando pinturas e fósseis na
busca de pistas e respostas sobre animais extintos. É possível perceber que não podemos
menosprezar uma ilustração ou afirmar que ela não tem valor científico, pois tudo
depende da informação que pode ser obtida a partir desta.

Figura 1. Pintura de um eqüino gerada no Corel Photopaint. A) Simulação de uma pintura feita por uma
criança na parede de uma sala. B) Simulação de uma pichação em um muro de rua. C) Simulação de uma
pintura rupestre na parede de uma caverna.

179
Apesar de alguns autores considerarem que oficialmente a ilustração científica
teve início no século XVI, a partir do renascimento, um breve passeio pela história das
ilustrações no cotidiano da nossa espécie sugere que sempre houve a necessidade de
transmitir conhecimento através de imagens. Independente da utilização de uma
metodologia ou rigor científico na elaboração das ilustrações, ao longo da história das
civilizações, muitas destas imagens foram enriquecidas com informações científicas e
ilustram ou influenciam diversos estudos até os dias atuais.
Ilustrações rupestres, sumérias, babilônicas, persas, celtas, egípcias, medievais,
iluministas, enfim, muitas civilizações possuíam artistas e intelectuais que registravam
elementos e eventos naturais através de ilustrações e por muitos séculos foi a forma
mais representativa de materializar o processo de pensamento. Em uma caverna
europeia cuja pintura rupestre mostrava o contorno de um mamute com um coração
delineado no peito, já indicava a necessidade e utilidade de conhecer a anatomia do
animal e transmitir esse conhecimento para as próximas gerações. Nas pinturas egípcias
da antiguidade (1600 A.C.) já estavam representados procedimentos médicos e a
anatomia humana, ainda que bidimensionais. Hipócrates (460-370 A.C.) já representava
a anatomia de animais dissecados, mas foi na Alexandria Helênica que Herophilus
(335–280 A.C.) utilizou metodologia experimental em medicina para ilustrar a anatomia
do corpo humano.
A partir do renascimento a razão substitui a subjetividade e as ilustrações
científicas mais conhecidas são de Leonardo da Vince (1452 – 1519) que retratou
detalhes da Medicina, Mecânica, Zoologia e Botânica. Entretanto foi Andreas Vesalius
(1514 – 1564) que publicou um dos mais influentes trabalhos sobre a anatomia humana
intitulado De humani corporis fabrica, o qual foi produzido por praticantes de medicina
e artistas trabalhando juntos.
As ilustrações botânicas começaram a ser representadas em cavernas há pelo
menos 10.000 anos, entretanto os primeiros registros podem ser mais antigos (30.000
anos), uma vez que as pinturas rupestres são datadas à partir do carbono e os pigmentos
utilizados em algumas cavernas africanas não possuíam carbono em sua composição,
como mencionado no livro Termites of the Gods. As plantas também estavam presentes
na Antiguidade e Idade Média, sendo Theophrastus considerado o pai da botânica o qual
publicou dois livros: De historia plantarum e De causis plantarum. Pedanius
Dioscorides compilou o livro De Materia Medica em 1478, com cerca de 600 plantas
medicinais com ilustrações. Porém, foi no início da Idade Moderna que Carolus

180
Linnaeus (Carl von Linné / Caroli Linnæi) tornou notório o uso das ilustrações
botânicas com finalidade científica a partir do seu livro Systema Naturae em 1735.

Após o surgimento da imprensa e o aumento de exploradores e naturalistas


viajando pelo mundo, o uso das ilustrações tornou-se essencial em publicações
relacionadas ao ensino e pesquisa. Alguns destes pesquisadores sonhavam em conhecer
as florestas tropicais como o naturalista inglês Henry Bates que enviou para a Inglaterra
cerca de 14.712 espécies, sendo a maioria de insetos. No Brasil o início da imprensa e
da exploração científica começou após a chegada família real, dando início à
documentação dos trabalhos científicos.

Importância da ilustração científica

Você seria capaz de ilustrar um simples copo de vidro contendo água? Essa
ilustração seria capaz de mostrar ao leitor que o copo é de vidro e o conteúdo é
realmente água, sem ler o texto? Parece simples, mas conhecer as propriedades físico-
químicas do vidro e da água não o torna capaz de produzir uma boa ilustração (Fig. 2),
isto requer conhecimento e habilidades artísticas. Portanto, se você não possui
habilidades artísticas é prudente procurar ajuda especializada.

Figura 2. Ilustração mostrando três técnicas de desenho para representar um copo de vidro contendo
água. O copo da esquerda é uma vetorização simples com número mínimo de linhas e preenchimento
sólido. O copo do centro é uma vetorização por rastreio de bitmap, uma ferramenta nativa do Corel Draw.
O copo da direita é um filtro fotográfico que simula a técnica do carvão, uma ferramenta nativa do Corel
Photopaint.

A ciência é baseada em experimentos e observação e seus resultados podem ser


representados visualmente facilitando sua verificação. A importância da ilustração
científica é notória na divulgação e conhecimento de eventos e fenômenos naturais ou

181
artificiais, seja da Biologia, Física, Medicina, Arqueologia, Geologia, etc., portanto não
é exagero afirmar que a relação entre ciência e arte impulsionou o progresso de ambas.
Essa união foi enaltecida por muitas décadas, onde a visibilidade de um dependia do
outro. Atualmente esta dependência diminuiu devido à facilidade de produzir uma
ilustração através da computação gráfica. Entretanto ainda hoje existem profissionais
em ilustração científica e cursos superiores para formação de ilustradores científicos. A
ilustração científica é uma forma de transpor a rigorosidade da informação científica
para além dos muros acadêmicos através da linguagem visual, com o propósito de
transmitir um conhecimento novo ou facilitar a compreensão de um conhecimento já
existente. São as imagens que direcionam o ambiente criado em nossa mente em torno
do assunto que estamos lendo, ajudando a entender conceitos e processos mais
complexos.

Além disso, um dos pré-requisitos do trabalho científico é gerar conhecimento e


consequentemente transmiti-lo de forma clara e objetiva, neste contexto, as imagens são
um link facilitador entre o conhecimento prévio e a aprendizagem significativa. O
conhecimento gerado nas pesquisas científicas não deve permanecer restrito aos níveis
acadêmicos de uma área específica; deve ser amplamente inteligível. As ilustrações
científicas apesar de serem produzidas como forma específica de comunicação visual,
podem transmitir informações entre pesquisadores, entre uma instituição de pesquisa e
um leigo, entre um pesquisador e um professor e principalmente entre o professor e o
aluno. Essa transposição didática deveria ser uma das principais diretrizes da pesquisa
científica, sendo assim as ilustrações são fundamentais para facilitar a difusão do
conhecimento científico.
Uma ilustração botânica ou zoológica de uma espécie, por exemplo, apresenta e
destaca mais informações que uma fotografia. Ao elaborar uma ilustração podemos
acrescentar em um mesmo plano características e detalhes que estavam escondidos em
uma sombra, camuflado em semitons ou simplesmente em outro plano de visão, sendo
imprescindível para a classificação dos seres vivos. Assim, é possível eliminar
elementos não essenciais e evidenciar características mais relevantes para o estudo em
questão.

Uma boa ilustração é necessária quando não podemos registrar através de nenhum
dispositivo científico um objeto, um evento ou fenômeno, a exemplo de uma partícula
subatômica, uma via Biossintética ou alguma forma de vida já extinta. Atualmente

182
alguns jornais e revistas já exigem resumos gráficos que representem o núcleo do
trabalho, enquanto as agências financiadoras estrangeiras sugerem que os trabalhos
apresentem um componente de divulgação pública, ou seja, uma boa ilustração. O valor
artístico agregado à informação científica é inerente à exponencial difusão e adesão dos
bilhões de pessoas (aproximadamente 3,5 bilhões) conectadas à internet. Na World
Wide Web tudo acontece muito rápido e uma boa ilustração científica pode atrair
milhões de visualizações de um público cada vez mais diversificado.

Imagens x Textos
Uma imagem vale mais que mil palavras? Atribuída ao filósofo chinês Confúcio, a
frase é notória e diretamente relacionada ao fato de que a velocidade da percepção
visual é maior que a leitura de um texto. Por este motivo, do ponto de vista publicitário,
as imagens são mais eficazes por serem capazes de transmitir uma mensagem para o
maior número de pessoas em um menor intervalo de tempo. Por outro lado, os textos
podem potencializar a transmissão das ideais possibilitando a construção de significados
a partir da leitura simultânea de imagem e texto. Ainda com base nos princípios da
publicidade e marketing, associar textos às imagens tem o poder de influenciar e
direcionar o pensamento, principalmente quando o leitor ou expectador possui pouco
conhecimento prévio sobre o assunto, ou seja, o valor de uma imagem é proporcional e
indissociável da informação que já adquirimos anteriormente. Considerando
publicações científicas, processos complexos como mecanismos moleculares, podem
facilmente ser explicados por uma ilustração bem elaborada, economizando alguns
parágrafos ou páginas, ou ainda causar mais impacto que todo o texto.
Mil palavras valem mais que uma imagem? Assim como a frase de Confúcio
mencionada acima, mil palavras podem não valer mais que uma imagem. Imagine um
cientista chinês tentando explicar o que é Tilose, em chinês, para um morador de rua,
que mal sabe falar seu próprio idioma. Nesta situação, mesmo que estivéssemos usando
as palavras mais simples, ainda não seria suficiente para fazê-lo compreender o que é
Tilose. Da mesma forma se apresentássemos uma imagem de Tilose para este morador
de rua, certamente não obteríamos mil palavras de seu conhecimento sobre este assunto.
Por outro lado, se esta mesma imagem for apresentada para um anatomista vegetal de
qualquer nacionalidade, poderia valer mais que mil palavras. O fato é que imagens e
textos só fazem sentido quando há conhecimento prévio sobre determinado assunto. A
foto de um cachorro, de uma pedra ou da lua, possui significado para a maioria da

183
população mundial, independente do idioma falado ou escrito, pois já viram e ouviram
algo sobre cada uma destas imagens, e apenas o conhecimento sobre uma imagem pode
ser traduzida em mil, dez mil, um milhão de palavras.

Tipos de ilustração
Considerando os artigos científicos podemos classificar as ilustrações em dois
grupos principais: de informação e de especulação. A ilustração informacional é
aquela que pretende mostrar um objeto ou processo com o maior nível de clareza e
precisão possível, representando a realidade sem nenhuma alteração. A ilustração de
especulação é inferencial e tem o objetivo de sugerir e induzir o leitor a imaginar como
algo poderia ser. Não obstante, uma ilustração especulativa não pode ultrapassar os
limites do tangível ao apodera-se de forma exagerada dos recursos computacionais ou
de profissionais das artes, isto porque o perfeccionismo destes recursos pode gerar um
produto que se aproxime do surreal ou da fantasia.

Regras básicas
A primeira regra ao elaborar uma ilustração é não mostrar o que já foi mostrado. Se
for necessário utilizar uma ilustração que já foi utilizada em outros trabalhos, devem ser
apresentados novos elementos que mostrem ou expliquem uma novidade. Assim como
os textos, uma ilustração deve ser clara e objetiva, capaz de informar o leitor sem
confundi-lo, seja por possuir elementos insuficientes ou em excesso. Quando a imagem
possui muitos elementos torna-se “poluída”, desviando a atenção do leitor e a
informação principal que deveria ser transmitida torna-se obscura. Uma boa imagem,
além de clara, objetiva e fácil de lembrar, precisa ser atraente e se possível
surpreendente.

O artista reserva-se o direito de representar sua própria realidade, alterando cores e


formas para representar melhor sua mensagem, mas espera-se que o cientista seja fiel à
realidade. Nem sempre isto é possível e em algumas situações é preciso retirar ou
acrescentar detalhes que estão dificultando a visualização e o entendimento, pois a
função da ilustração nem sempre é retratar com precisão absoluta a realidade, neste caso
uma fotografia seria mais adequada. A ilustração não deve ser construída apenas para
ver, mas sim para entender.

184
O posicionamento dos elementos gráficos de uma ilustração devem obedecer uma
ordem lógica, a da leitura. Diferente das culturas orientais, nós aprendemos a orientar a
visão e a leitura da esquerda para a direita e de cima para baixo e no sentido horário,
portanto é natural manter esse padrão nas ilustrações, gráficos, tabelas e diagramas.

Existem dois tipos básicos de ilustrações: vetor (Figura 3A) e pixel (Figura 3B).
Imagens produzidas por vetorização são aquelas constituídas de textos, linhas, traços e
preenchimentos. Imagens constituídas de pixels são fotos, vídeos ou imagens
digitalizadas por um processo específico (câmeras digitais, scanners e softwares).
Outros tipos de imagens obtidos por emissão de ondas/partículas (termocâmeras,
eletromicroscópios, tomógrafos, etc.) são convertidos em pixels para ilustrar trabalhos
científicos.

Figura 3. A) Imagem vetorizada, mostrando que as ampliações não causam perda de qualidade. B) A
mesma imagem convertida em pixels (digitalizada) com 600dpi, mostrando que as ampliações provocam
perda de qualidade à medida que os pixels tornam-se distinguíveis na imagem.

Jornais e revistas geralmente permitem quatro formas de ilustrações: Vetor (linha


artística) no formato EPS (Encapsulated PostScript), Vetor convertido em pixel no
formato TIFF (Tagged Image File Format), Pixel em escala de cinza nos formatos TIFF
ou JPEG (Joint Photographic Experts Group) e Pixel em escala de RGB (Red, Green,
Blue) nos formatos TIFF ou JPEG.

Toda ilustração científica deve apresentar uma legenda explicando de forma muito
resumida as características mais relevantes. É importante não descrever o óbvio e
aproveitar para falar o que não foi dito nos resultados. Identificar os destaques da
legenda sempre com o texto horizontal e o tamanho da fonte indicado pelo meio de
publicação. A escala deve ser indicada em todas as imagens e quando for necessário
incluir uma referência de tamanho padrão conhecido.

185
A resolução das imagens em pixels é geralmente de 300 dpi tanto para escala de
cinza quanto para RGB e 1000 dpi para vetores. As imagens devem estar bem
recortadas e preferencialmente configuradas para 16 milhões de cores. Caso a imagem
final seja constituída de vetor e pixel, preferencialmente deve ser salva no formato EPS.
O tamanho final da ilustração varia bastante de acordo com o meio de publicação.

Se os dados que deverão estar presentes na ilustração forem definidos com clareza
e precisão, é possível ousar e deixar fluir um pouco de criatividade para impactar o
leitor. Uma ilustração não precisa ser, e dificilmente será a descrição final de uma teoria
científica.

Técnicas e softwares
Atualmente existem diversas técnicas e softwares para gerar uma ilustração e a
escolha depende dos dados a serem representados ou simplesmente da disponibilidade
de recursos, mas independente das escolhas, a decisão será do autor, do artista ou de
ambos. Em alguns casos será necessária uma combinação de técnicas. As técnicas
utilizadas durante a vetorização gráfica são o desenho mão livre, decalque,
escaneamento ou fotografia digital, e software de edição gráfica.
A vetorização gráfica (Figura 4) é a conversão de pixel em vetor, ou seja,
transformar uma foto em desenho. Trabalhar com vetorização é como um desenho à
mão livre feito em um computador utilizandoo um software, porém com a praticidade
de possuir diversas ferramentas virtuais que facilita e agiliza o trabalho de arte final.
Esta técnica permite produzir diversos tipos de ilustrações, do simples contorno de uma
estrutura até a simulação de uma tomografia computadorizada (Figura 4).

186
Figura 4. Ilustração comparando Micro Tomografia Computadorizada (A, B e C) com a vetorização
gráfica (D, E e F) utilizando ápice caulinar de Tradescantia zebrina Heynh. A) Seção transversal obtida
no Micro tomógrafo. B) Seção longitudinal padrão do Micro tomógrafo. C) Sequência de seções
transversais (slides) escaneadas pelo micro tomógrafo. D) Sequência de seções transversais vetorizadas à
partir de lâminas histológicas obtidas em micrótomo rotativo. Seção transversal (E) e longitudinal (F)
obtidas à partir de amostras incluídas em Paraplast e corada com Azul de Astra e Safranina. A figura (E)
indica três etapas do processo de vetorização utilizando o software Corel Draw.

A vetorização gráfica permite criar, ajustar, destacar ou modificar estruturas, de


forma que em apenas uma arte final esteja representada um conjunto de informações
obtidas a partir de diversas observações. Por outro lado também é possível, a partir de
uma única estrutura, desmembrá-la em diversas imagens.

Através da vetorização gráfica é possível converter dados ou ideias em imagens,


mostrar uma possível transição entre estruturas como desenvolvimento, estabelecer
relações ou evidenciar características difíceis de observar em um único plano de
visualização. Um bom exemplo é a análise conjunta de seções transversais e
longitudinais de lâminas histológicas. Ao analisar estas imagens conseguimos após
diversas observações imaginar a estrutura em três dimensões, portanto é possível aplicar
a mesma premissa no rastreamento por vetorização gráfica para simular uma modelo
tridimensional. O rastreamento é um processo que utiliza a vetorização gráfica para
analisar o percurso ou trajetória de uma estrutura interna.

O rastreamento é um dos processos mais complexo da vetorização uma vez que


este reproduz manualmente a função da tomografia ou ressonância. Nas três situações
uma amostra é escaneada e fatiada em diversas seções transversais (slides), obtidos a
intervalos regulares e em seguida são reconstruídos em uma estrutura tridimensional
virtual. Tomografia e ressonância produzem slides virtuais (não invasivos), enquanto na
vetorização gráfica os slides são mecanicamente obtidos em micrótomo rotativo. Seções
transversais ou longitudinais seriadas de material incluído em parafina, paraplast ou
historesina são escaneados e digitalizados para um computador e em seguida
vetorizados através de um software gráfico. Após vetorizados os slides podem gerar
uma animação, um modelo 3D ou ser manipulados de diversas formas.

Os programas mais indicados para ilustração, tanto para trabalhar com vetor
quanto pixel, são Corel Suite (indicado para Windows) e Adobe Creative Suite (indicado
para MAC). Estes são os mais indicados para vetorização gráfica, pois são os programas

187
mais completos e eficientes existentes no mercado, desenvolvidos para profissionais,
porém amplamente utilizado por amadores e iniciantes.

Conclusão
Enfim, uma boa ilustração é aquela desenhada com palavras no lugar de linhas e
preenchimentos e o leitor deve ser capaz de enxergar essas palavras. A tecnologia
produz imagens fantásticas atualmente, mostrando detalhes além da visão humana,
entretanto ainda não temos nenhum dispositivo para ler mentes, portanto a única forma
de colocar no papel aquela imagem reveladora que está na sua mente é através da
ilustração científica.

Referências
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metaphor. Studies In History and Philosophy of Science Part B: Studies In History
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zoological, and medical rendering techniques, design, printing, and display. John
Wiley & Sons.

189
Anotações:

190
PARTE III

ESTRUTURA E
DESENVOLVIMENTO

191
CAPÍTULO XIV
Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em
angiospermas
Carlos Eduardo Valério Raymundo
Ricardo Silva Batista Vita

A folha é o órgão vegetal mais variável morfológica e anatomicamente e a sua


organização final é produto da atividade de diferentes regiões de crescimento. Ela está
envolvida em diferentes processos fisiológicos vitais como na fotossíntese, respiração,
transpiração e produção de metabólitos secundários. É também a fonte de hormônios e
outras moléculas de crescimento envolvidos no controle da fotorrecepção,
fotomorfogênese, atividade cambial e floração (vide Capítulo 19).
Registros fósseis indicam que as folhas evoluíram ao menos duas vezes na
evolução das plantas vasculares, representado por folhas microfilas em licófitas (por
exemplo, Selaginella e Isoetes) e folhas megafilas em Eufilófitas (samambaias,
gimnospermas e angiospermas).
De acordo com diferentes teorias, os microfilos podem ter evoluído como
protuberâncias laterais originadas no córtex caulinar, com base na Teoria da Enação
(Figura 1A). As primeiras plantas tinham um eixo dicotomicamente ramificado sem
folhas e sem distinção entre eixos e megafilos. Diferentemente dos microfilos, os
megafilos possivelmente se originaram a partir de um sistema inteiro de ramos com
achatamento das porções terminais, segundo a Teoria do Teloma (Figura 1B).

Figura 19. Ilustrações indicando prováveis passos evolutivos de microfilos e megafilos. A. Teoria da
Enação - Os microfilos se originaram a partir de projeções do eixo principal da planta, chamadas enações.
B. Teoria do Teloma - Os megafilos se originaram a partir da fusão de sistemas de ramos e achatamento
das porções terminais, chamadas teloma.

192
1) Desenvolvimento
O desenvolvimento da folha inicia-se no meristema apical caulinar (MAC), a
partir de divisões periclinais na zona periférica do meristema apical onde células da
túnica participam da formação de uma protuberância (Figura 2A, setas pretas). Os locais
de iniciação do primórdio foliar são determinados pelo acúmulo, e posterior influxo, de
auxinas que resultam do transporte polar mediado por proteínas da família PIN-
FORMED, transportadoras deste hormônio. Sucessivas divisões periclinais e anticlinais
nessa região resultarão no primórdio foliar, o qual na fase inicial terá seu crescimento
preferencialmente no sentido próximo-distal e depois se expande no sentido médio-
lateral e abaxial-adaxial.

Figura 20. Ilustrações mostrando ápice caulinar. A) Meristema apical caulinar 1) sem protuberância e 2)
divisões periclinais na túnica provocando o surgimento das protuberâncias (setas pretas). B) Meristema
apical caulinar (MAC) de Passilfora herbertiana indicando primórdios foliares (foto: arquivo pessoal
Carlos Eduardo).
O primórdio foliar passa por uma fase de crescimento apical, onde é estabelecida
a região correspondente ao pecíolo e à nervura central (Figura 3B). O espessamento
(abaxial-adaxial), nesta fase, é dado pela intensa atividade mitótica presente na região
adaxial do primórdio, denominada meristema adaxial. Normalmente ocorre a instalação
do meristema marginal no limite dos domínios adaxial-abaxial, e através da atividade
deste meristema a lâmina foliar é produzida com seu formato dorsiventral característico.

193
Abaixo descreveremos em detalhe os principais mecanismos e formação do primórdio
foliar até a sua diferenciação em uma folha madura.
O processo de morfogênese foliar pode ser dividido em três fases:
 Iniciação
 Morfogênese 1ª
 Morfogênese e expansão 2ª

1.1) Iniciação
A fase de iniciação começa por divisões periclinais em um pequeno grupo de
células lateralmente situadas em relação ao meristema apical caulinar. É nesta zona
periférica do meristema apical que sucessivas divisões periclinais e anticlinais originam
o primórdio foliar, o qual consiste em uma protoderme, uma região de tecido
meristemático fundamental e procâmbio. O rápido desenvolvimento do primórdio
resulta em uma estrutura cônica com a face adaxial plana ou achatada e uma face
abaxial geralmente convexa (Figura 3A).
Desde o primórdio foliar, as folhas achatadas (flat) apresentam uma identidade
adaxial e abaxial, porém quando ocorre a perda desta polarização outros tipos de folha
são formados, a exemplo das folhas cilíndricas. A polaridade adaxial-abaxial é
determinada com base na posição relativa ao MAC. As células próximas ao MAC
diferenciam-se no domínio adaxial, e aquelas distantes do MAC tornam-se o domínio
abaxial, gerando uma folha bifacial (Figura 3A).
Em geral, uma folha adulta e perpendicular ao eixo axial do caule apresenta o
domínio adaxial (superior) da folha consiste em uma epiderme com uma ou mais
camadas de parênquima paliçádico no mesofilo que otimizam a absorção de luz. Na face
adaxial também é possível encontrar estômatos, tricomas e outros anexos epidérmicos.
O domínio abaxial (inferior) da folha consiste em uma epiderme com estômatos e
células do parênquima esponjoso, que além de absorver energia luminosa, participam
das trocas gasosas e da regulação da transpiração, assim como também ocorre no
parênquima paliçádico. A vascularização foliar está alinhada ao longo do eixo adaxial-
abaxial, com tecido do xilema diferenciando adaxialmente e o floema abaxialmente.

194
1.2) Morfogênese 1ª

A morforgenêse 1ª é o termo utilizado para descrever os processos que


estabelecem a forma básica das folhas durante o estágio inicial de desenvolvimento,
determinando sua simetria e sub-regiões. Nas eudicotiledôneas a morfogênese 1ª é
responsável pela iniciação da lâmina foliar, especificação dos diferentes domínios da
lâmina foliar (nervura central, pecíolo e base foliar) e formação de estruturas marginais
(serração, lobos e folíolos). A iniciação da lâmina na periferia do primórdio coincide
com o crescimento e espessamento do eixo pecíolo-nervura central, delimitando os
domínios da lâmina e nervura central dentro da porção distal das folhas. Nessa fase
ocorre o aumento da espessura foliar e a lâmina começa a ser formada, resultante da
atividade dos meristemas (blastozonas) apical e marginal (Figura 3B). A continuidade
desses meristemas leva a expansão lateral da lâmina, onde cada metade se estende para
cima e em ambos os lados. E a variação da atividade desses meristemas e do
alongamento do primórdio foliar pode resultar em uma grande diversidade de forma
foliar.

1.3) Expansão e morfogênese 2ª


A terceira fase da morfogênese foliar, a morfogênese 2ª abrange um período de
tempo muito mais longo e representa um aumento da área superficial e volume através
da expansão e diferenciação celular. Nesta fase será definida a forma final da folha. O
padrão de expansão pode ser isométrico ou alométrico (Figura 3C). O isométrico retém
a forma estabelecida pela morfogênese 1ª, já o alométrico altera essa forma. O restante
do crescimento se dá pela atividade do meristema intercalar e difuso, com um aumento
na área e volume (95% das células). É nessa fase que o tecido do mesofilo e do tecido
vascular é diferenciado, e as margens foliares se desenvolvem.
No processo da morfogênese foliar, diferentes meristemas estão envolvidos no
desenvolvimento e no crescimento das folhas. Eles agem simultaneamente ou
sequencialmente, e são denominados meristema apical, meristema adaxial, meristema
em placa, meristema intercalar e meristema marginal. A variação na forma foliar está
diretamente relacionado com a atividade e duração destes meristemas. Hageman (1996)
adotou a terminologia “Blastozone” como alternativa ao termo “Meristem”, com base
no argumento de que as regiões de crescimento formadoras das folhas são capacitadas à

195
morfogênese, diferente dos meristemas apicais os quais são capazes de exercer
organogênese.

Figura 3. Ilustração das três fases da morfogênese foliar. A, iniciação da folha. O primórdio da folha
expressa a simetria longitudinal e a simetria dorsiventral (diferenças entre lados adaxial e abaxial). B,
morfogênese primária. Blastozona marginal (sombreado) expressa potencial morfogenético para formar
lâmina, lóbulos e folíolos. Linha superior, vista adaxial da folha; Inferior, vista em corte transversal da
lâmina. C, Expansão e morfogênese secundária. Expansão isométrica e alométrica de lóbulos produzidos
durante a morfogênese primária.

1.3.1) Meristema apical - O desenvolvimento do primórdio foliar é iniciado a partir do


meristema apical, o qual geralmente apresenta uma atividade de certa duração nas
eudicotiledôneas (Figura 4A).

196
1.3.2) Meristema intercalar – No geral o crescimento apical das folhas cessa
relativamente cedo durante o desenvolvimento e o crescimento próximo-distal é dado
pela atividade do meristema intercalar. A primeira região a cessar as divisões celulares é
a ponta da folha e por último na sua base (Figura 4B).

1.3.3) Meristema adaxial - Em folhas de algumas eudicotiledôneas uma faixa de


células interna a epiderme na face adaxial (Figura 4C) sofre divisões periclinais e
contribui para o aumento em espessura das folhas e divisões anticlinais aumentando a
área foliar. Esse meristema também contribui com o crescimento do pecíolo e nervura
central.

1.3.4) Meristema marginal – Região de crescimento localizada entre os limites dos


domínios adaxial-abaxial do eixo foliar (Figura 4C), e podem estar divididos em iniciais
marginais e iniciais submarginais. Este meristema origina parte das camadas de células
do mesofilo. Quando o primórdio de uma folha dorsiventral jovem atinge determinado
comprimento, pequenas protuberâncias aparecem lateralmente em ambos os lados
decorrentes da atividade do meristema marginal. Importante ressaltar que o tamanho e
formato da folha não são necessariamente definidos pela atividade do meristema
marginal, mas estão ligados a processos dependentes e independentes de divisão celular.
Desta maneira, mesmo após o encerramento da atividade do meristema marginal, uma
folha pode alterar sua forma ao longo do desenvolvimento através de crescimento
alométrico, ou seja, expansão celular desigual em diferentes regiões dos órgãos.

1.3.5) Meristema em Placa - Como resultado da atividade do meristema marginal certo


número de camadas das células do mesofilo se estabelecem na lâmina. Essas células
tendem a se dividirem anticlinalmente (perpendicular à superfície), caracterizando o
meristema em placa (Figura 4D), expandindo a lâmina lateralmente.
Desta maneira, folhas com diferentes morfologias surgem como resultados de
diferentes padrões de desenvolvimento, especialmente perceptíveis na atividade do
meristema marginal, que pode ser prolongada resultando em lâminas foliares de
diversos padrões, ou mesmo estar ausente, como ocorre em folhas com morfologias
cilíndricas.

197
Figura 4. Representação esquemática da localização dos diferentes meristemas atuando no
desenvolvimento do primórdio foliar. A e B) Seção longitudinal.C e D) Seção transversal.

2) Desenvolvimento: Aspectos moleculares


Com o advento das técnicas moleculares e com o uso de plantas modelos,
principalmente Arabidops thaliana (L.) Heynh., permitiu o avanço dos estudos da
morfogênese em nível genético molecular. Atualmente sabe-se que o desenvolvimento
dos primórdios foliares na zona periférica do meristema apical, está relacionada com a
expressão dos genes da classe I KNOTTED1-LIKE HOMEOBOX (KNOXI) para seu
estabelecimento e manutenção.
Vários genes estão envolvidos na dorsiventralidade das folhas que é determinada
de duas formas opostas: adaxialização e abaxialização. Os genes HD-ZIP de classe III
REVOLUTA (REV), PHABULOSA (PHB) e PHAVOLUTA (PHV) são responsáveis

198
pela adaxialização, enquanto que as famílias de genes KANADI e YABBY são
responsáveis para abaxialização.
A expressão gênica também define a formação de folhas simples e compostas. A
diferença entre folhas simples e compostas está relacionada ao padrão de expressão de
uma família de genes homeobox específicos de plantas, os genes de KNOX de classe I.
Os genes da Classe I KNOX são transcritos no MAC, mas são especificamente down-
regulado no primórdio das folhas simples. Por outro lado, os primórdios da maioria das
folhas compostas mantêm a expressão de mRNA dos genes KNOX de classe I. Estudos
observaram que a sobre-expressão do KNOX de classe I no tomate aumenta a
organogênese repetida dos folíolos, resultando em "folhas super-compostas".

3) Folhas maduras: Morfologia e anatomia


Como visto anteriormente a morfologia de uma folha madura é resultado da
atividade de diversos padrões de desenvolvimento. A forma final da folha é definida
pelos padrões de crescimento dorsiventral (DV), médio-lateral (ML) e próximo-distal
(PD).
Apesar da grande variação das folhas maduras, a maioria partilha certo número
de atributos, sendo eles:
1- Posição lateral no caule.
2- Padrão de desenvolvimento determinado (às vezes, há caso no qual as folhas têm
um desenvolvimento indeterminado e cresce por toda a vida da planta, a
exemplo das espécies dos gêneros do Monophyllaea e Streptocarpus
3- Associação com uma gema axilar na face adaxial da base da folha.
4- Posição de sub-regiões ao longo do eixo longitudinal da folha, geralmente
representado por lâmina e base da folha (pecíolo e estípulas se houver).
5- Simetria dorsiventral com achatamento no plano transversal.

As folhas variam em tamanho e forma, e na sua estrutura interna, sendo


tradicionalmente divididas em duas grandes classes morfogenéticas: folha simples ou
compostas. Folhas simples têm uma única lâmina plana, cujas margens são contínuas e
podem ser lisas (inteiras), lobadas ou serrilhadas. Em folhas compostas típicas de
eudicotiledôneas, as lâminas são compostas de vários apêndices sésseis ou peciolados
regularmente espaçados, chamados de folíolos que são ligados a uma raque central. Os
folíolos surgem em duas organizações básicas chamadas pinada e palmada.

199
Anatomicamente as folhas são compostas por três sistemas de tecidos: o sistema
de revestimento, fundamental e vascular. O sistema de revestimento que se diferencia da
protoderme constitui a epiderme, revestindo toda a superfície foliar. O sistema
fundamental se origina do meristema fundamental, constitui o mesofilo da lamina foliar
e o córtex da nervura mediana. O sistema vascular se origina do procâmbio e constitui
os tecidos vasculares.

3.1) Base foliar - A maioria das folhas apresenta uma forma achatada com duas
superfícies, a adaxial (superior) e abaxial (inferior), onde a epiderme é contínua e única
em toda a sua extensão. O número de camada da epiderme pode variar de uni à
multisseriada. A epiderme é caracterizada pela presença de estômatos, tricomas e
células especializadas (células buliformes, litocistos, etc.). Nos primeiros estágios da
formação da folha, projeções laterais da base podem surgir, as estípulas. As estípulas
desempenham a função primordial na proteção dos tecidos meristemáticos e jovens e
possuem uma morfologia variável, podendo ser cilíndricas, simétricas e assimétricas.
Em outros casos há o surgimento de uma estrutura entre a bainha e a lâmina foliar
conhecida como lígula, ocorre principalmente nas gramíneas.

3.2) Lamina foliar- O mesofilo compreende todos os tecidos delimitados pela epiderme
e o sistema vascular da folha. Nesta região está presente o parênquima, um tecido
envolvido principalmente na fotossíntese, além de estar relacionado com a produção de
metabólitos secundários e acúmulo de substâncias. Este tecido geralmente está
diferenciado em parênquima paliçádico e esponjoso. As células do parênquima
paliçádico são geralmente colunares e perpendiculares à epiderme, enquanto as células
do parênquima esponjoso têm formas irregulares. O parênquima paliçádico geralmente
está localizado no lado superior da folha, e o parênquima esponjoso, no lado inferior.

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201
Anotações:

202
CAPÍTULO XV
Anatomia floral, esporogênese e gametogênese
Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira
Yasmin Vidal Hirao
Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva

O que é a flor?

A flor é um ramo altamente modificado que apresenta apêndices especializados


(folhas metamorfoseadas). Esse ramo é constituído de uma haste (pedicelo) que possui
uma porção terminal dilatada (receptáculo) de onde emergem os apêndices modificados:
sépalas, pétalas, estames e carpelos. As flores são compostas por três principais
conjuntos de apêndices ou órgãos, chamados de verticilos: o perianto (verticilo das
pétalas e sépalas), o androceu e o gineceu.
O androceu é o conjunto de estames da flor. O estame é frequentemente
diferenciado em antera e filete. Cada antera é geralmente, constituída de duas tecas, e
cada teca de dois esporângios (lojas ou sacos polínicos). No entanto, pode haver
variação nesses números. As tecas da antera são ligadas entre si e com o filete através
do conectivo. Nos estames são produzidos os esporos (andrósporos), mas em algumas
espécies há a presença de estames estéreis, denominados estaminódios, responsáveis
pela atração de insetos.
O gineceu compreende os carpelos da flor, que podem ser diferenciados em três
partes: uma porção basal dilatada (ovário), que possui uma superfície interna formando
uma cavidade central (lóculo) e da qual emergem excrescências formadas por tecido
dérmico e subepidérmico (placenta), de onde se originam os óvulos; uma porção
mediana, denominada estilete; e uma apical, receptiva ao grão-de-pólen, chamada
estigma.

Estrutura anatômica: perianto

Quando os verticilos estéreis da flor podem ser morfologicamente diferenciados


em sépalas (cálice) e pétalas (corola), denomina-se perianto. Quando,
morfologicamente, esses verticilos são iguais, sendo então compostos apenas de tépalas,
ele é denominado perigônio. Anatomicamente estas estruturas são as que mais se
assemelham às folhas, sendo constituídas, geralmente, de epiderme abaxial, mesofilo,

203
feixes vasculares e epiderme adaxial (Figuras 1 e 2A-D). A epiderme, assim como nas
folhas, pode apresentar estômatos e tricomas. Na epiderme das porções apicais das
pétalas, é comum a presença de células cônicas, cuja função ainda é muito discutida,
possivelmente estando associada com a atração de polinizadores. Nas pétalas que
possuem coloração, observa-se a presença de cromoplastos e também a presença de
antocianinas. As pétalas podem ainda apresentar as chamadas glândulas de cheiro, ou
osmóforos, envolvidas com a atração de polinizadores.

Figura 1: Secção transversal de uma flor de Bromeliaceae. Note que as sépalas (Se) e pétalas (Pe)
possuem anatomia muito semelhante à da folha, possuindo epidermes (abaxial e adaxial), mesofilo e
feixes vasculares. An=Antera, Es= Estilete, Fi=Filete, Pe= Pétala e Se=Sépala. Foto de Fernanda M. C. de
Oliveira.

Estrutura anatômica: androceu

O androceu é o conjunto de estames da flor. O estame é frequentemente


diferenciado em antera e filete (Figura 3). Cada antera é, geralmente, constituída de
duas tecas, e cada teca, de dois esporângios (lojas ou sacos polínicos) (Figura 2E). No

204
entanto, pode haver variação nesses números. As tecas da antera são ligadas entre si e
com o filete através do conectivo. Os estames produzem os esporos masculinos
(andrósporos ou micrósporos), mas em algumas espécies há a presença de estames
estéreis, denominados estaminódios, responsáveis pela atração de insetos.

Figura 2: Secções transversais do botão floral de uma Bromeliaceae. A: Notar que a sépala (Se) e a pétala
(Pe) têm anatomia semelhante à da folha, sendo constituída de epidermes (abaxial e adaxial) mesofilo e
feixes vasculares. B: Detalhe da anatomia da sépala. C: Detalhe da anatomia da pétala. D: detalhe da
porção apical das pétalas de Bromeliaceae. Notar que as células da epiderme possuem grande deposição
de cutícula. E: Detalhe de um filete e uma antera. Note que a antera é composta de duas tecas, e cada teca
de dois sacos polínicos. F: Detalhe do estilete. Note que as células epidérmicas do interior possuem

205
coloração diferenciada, devido à sua função secretora (células do tecido transmissor). An= Antera, Es=
Estilete, Fi= Filete, Pe= Pétala, Se= Sépala. Fotos de Fernanda M. C. de Oliveira.

Morfologicamente, os filetes podem ser arredondados, triangulares ou achatados.


Podem ainda estar livres ou conados, isto é, fundidos entre si formando um tubo.
Anatomicamente sua estrutura é muito simples, sendo constituído por uma epiderme
(que pode ser cutinizada, conter estômatos e tricomas) e um mesofilo usualmente
composto por parênquima fundamental (idioblastos contendo ráfides e até mesmo
drusas podem estar presentes). A vascularização é dada por um feixe vascular, que pode
ser anficrival, e percorre todo o filete até a região do conectivo (localizado entre as tecas
da antera).
As anteras apresentam algumas características peculiares, relacionadas com o
desenvolvimento dos microsporângios (ou androsporângios). A parede externa das
anteras é constituída pela epiderme, que pode ou não possuir deposição de cutícula. A
camada de células subepidérmicas constitui o endotécio, e geralmente possuem
espessamento anelar ou helicoidal em suas paredes. A camada mais interna constitui o
tapete, cujas células são multinucleadas. Este tecido é de fundamental importância e está
relacionado com a nutrição dos micrósporos. Quando sofre desintegração, concomitante
com a maturação dos grãos-de-pólen, a parede do saco polínico é constituída apenas de
epiderme e endotécio.

206
Figura 3: Esquema da morfologia de um estame. Notar as diferentes regiões do estame, em particular, a
antera (microsporófilo) onde são produzidos os micrósporos e microgametófitos (grãos-de-pólen).
Ilustração de Yasmin V. Hirao.

A parede das anteras sofre uma abertura, chamada de deiscência, para a


liberação dos grãos-de-pólen. Em algumas espécies a deiscência é precedida pela
destruição das paredes localizadas entre os lóculos da mesma teca (deiscência rimosa).
Em seguida, o tecido externo dessa região, que pode estar reduzido à epiderme da
antera, sofre rompimento e o grão-de-pólen é liberado. Se na parede dos lóculos existir
endotécio, este participa ativamente da liberação do grão-de-pólen através da contração
das suas células, ocasionada pelo dessecamento da antera e pela presença do
espessamento secundário. A abertura resultante, formada pelo estômio, é semelhante a
uma fenda, por onde os grãos-de-pólen são liberados.

Estrutura anatômica: gineceu

O gineceu possuiu como unidade morfológica o carpelo. O carpelo, assim como


as demais partes florais, é interpretado como uma estrutura foliar que, ao longo da
evolução, sofreu um dobramento, internalizando os óvulos em sua porção denominada
ovário. Uma flor pode apresentar um único carpelo, denominado gineceu unicarpelar;
ou ainda possuir mais de um carpelo, denominado pluricarpelar. Os carpelos podem ser
unidos, sendo assim chamados de gineceu sincárpico, ou isolados, chamados
apocárpicos.
Usualmente o carpelo é subdividido em três regiões: ovário (porção basal
dilatada formando uma cavidade central – lóculo – que acomoda os óvulos), estilete
(porção mediana), e estigma (porção apical responsável pela recepção e germinação do
grão-de-pólen) (Figura 4).
No ovário, distingue-se a parede do ovário, o (s) lóculo (s) e, quando há mais de
um lóculo, os septos. O mesofilo da parede do ovário geralmente é homogêneo, sendo
composto de epiderme externa, mesofilo ovariano, feixes vasculares (dorsais carpelares
e ventrais carpelares) e epiderme interna. A epiderme interna delimita o lóculo. Na
região marginal da folha carpelar, usualmente, encontra-se a placenta (tecido composto
por excrescências formadas por tecido dérmico e subepidérmico projetadas para o
interior do lóculo). Os óvulos encontram-se inseridos na placenta, a qual possui
vascularização dada, usualmente, pelos feixes ventrais carpelares, responsável por nutrir
os óvulos.

207
De acordo com a localização dos óvulos em relação à parede do ovário, tem-se a
placentação, cujos principais tipos são: axilar (que se encontra na margem da folha
carpelar, quando o ovário é pluricarpelar e plurilocular), parietal (que se encontra na
parede da folha carpelar, quando o ovário é pluricarpelar e unilocular), central livre
(onde a placenta forma uma coluna livre na região central do lóculo) ou basal (na
porção basal do ovário, quando este é unicarpelar) (Figura 4).

Figura 4: Esquema da morfologia de um carpelo e diferentes tipos de placentação. Na placentação


parietal, os óvulos se encontram na parede do ovário. Já na placentação axilar, os óvulos se encontram nas
margens do carpelo, que se unem na porção central do ovário (note a presença de septos, delimitando os
lóculos). A placentação basal ocorre quando o ovário é unicarpelar e o óvulo se encontra na porção
inferior do ovário. Na placentação central livre, os óvulos se encontram na porção central do ovário, não
estando ligados às margens das folhas carpelares (o ovário é unilocular e não há a presença de septos).
Ilustração de Yasmin V. Hirao.

208
Os óvulos são os precursores das sementes. Possuem origem nas camadas
subdérmicas da placenta e, morfologicamente, são constituídos pelo nucelo, tegumento
(s), calaza, rafe e funículo. A estrutura do nucelo será tratada junto com a
megagametogênese. Existem diferentes tipos de óvulos, classificados de acordo com o
número de tegumentos que os envolvem e também com o grau de inclinação do saco
embrionário. Assim, em relação ao número de tegumentos, os óvulos podem ser
classificados como ategumentados (quando os tegumentos estão ausentes),
unitegumentados (quando há apenas um tegumento) e bitegumentados (quando hpa a
presença de dois tegumentos: o tegumento interno e o externo).
Já em relação a curvatura do saco embrionário, os óvulos podem ser anátropos
(quando a micrópila fica próxima ao funículo e a calaza encontra-se ao lado oposto),
ortótropo (quando a micrópila, o funículo e a calaza encontram-se em linha reta,
também denominado óvulo átropo ou ereto), campilótropo (óvulo curvado, onde a
calaza encontra-se próxima ao funículo) e hemítropo (onde micrópila e calaza
encontram-se em pólos opostos) (Figura 5).
O estilete é a porção mediana dos carpelos (Figuras 2E e 4). Quando único e
proveniente de um gineceu sincárpico, o estilete deriva de todos os carpelos que
compõem o gineceu. Os carpelos podem ainda estar unidos apenas na região basal do
estilete e livres em sua porção apical. Anatomicamente, os estiletes têm a anatomia
muito semelhante às folhas, sendo igualmente constituídos por epiderme externa,
mesofilo, feixes vasculares (usualmente a vascularização é dada apenas pelos feixes
dorsais de cada carpelo, mas ocasionalmente podem ocorrer os feixes ventrais
carpelares) e epiderme interna.
Os estiletes podem ser ocos (como ocorre em muitas Monocotiledôneas) ou
sólidos (comum nas Eudicotiledôneas). Quando o estilete é sólido, o tubo polínico
atravessa o tecido parenquimático longitudinalmente para então chegar aos lóculos do
ovário. Quando o estilete é oco, em seu interior (na epiderme interna) pode ocorrer um
tecido secretor denominado tecido transmissor (Figura 2E), responsável pela nutrição do
tubo polínico enquanto este atravessa longitudinalmente o gineceu até a chegada nos
lóculos do (s) ovário (s).
O estigma é a porção apical do gineceu, responsável pela recepção do grão-de-
polén. Pode ser do tipo úmido, quando há uma secreção recobrindo os estigmas onde os
grãos-de-pólen serão recepcionados, ou pode ser do tipo seco. As células epidérmicas
do estigma geralmente possuem papilas, onde os grãos-de-pólen ficam aderidos e

209
germinam. Anatomicamente, também são constituídos pela epiderme abaxial
(dependendo do seu formato), mesofilo, feixes vasculares e epiderme adaxial.

Figura 5: Esquema da megaesporogênese e megagametogênese e tipos de óvulos. Na megaesporogênese,


o megasporócito sofre uma divisão meiótica, produzindo quatro megásporos. Destes, três degeneram,
sendo apenas um o megásporo funcional. Este megásporo sofre divisões mitóticas sequenciais, sem a sua
celularização, até que oito núcleos sejam formados, constituindo o saco embrionário, contido no interior
do óvulo. Ainda, pode-se observar neste esquema os principais tipos de óvulos: anátropo, ortótropo,
hemítropo e campilótropo. Ilustração de Yasmin V. Hirao.

Vascularização floral

Anatomicamente, um dos tópicos mais estudados concerne a respeito da


vascularização floral. A vascularização floral é estudada sempre a partir do cilindro

210
vascular formado nos pedicelos, sendo que o número de traços vasculares varia nas
diferentes peças florais. Cada sépala apresenta o número de traços vasculares existentes
nas folhas da mesma planta. Usualmente, encontram-se três traços de cada sépala no
pedicelo e um único traço de cada pétala. No mesofilo das sépalas e pétalas, os feixes
vasculares formam uma rede complexa, que lembra a vascularização da folha
propriamente dita. Os estames geralmente possuem um traço vascular no cilindro, que
continua como feixe isolado nos filetes e conectivo. Raros casos de vascularização dos
estames por mais de um feixe vascular foram reportados. Os carpelos possuem três
traços vasculares no receptáculo: o traço dorsal e os traços ventrais, que podem se
ramificar em seu interior. A vascularização dos óvulos, usualmente, é dada pelos feixes
ventrais, ou por ramificações deste. Os estiletes e estigmas geralmente são
vascularizados apenas pelos feixes dorsais carpelares, embora em alguns casos os feixes
ventrais também estejam presentes.

Esporogênese e gametogênese

Os gametófitos das Angiospermas são muito reduzidos em tamanho: o


microgametófito maduro é constituído de apenas três células no interior do grão-de-
pólen, e o megagametófito (saco embrionário) é constituído de apenas sete células,
ficando retido durante toda a sua existência no tecido do esporófito. A polinização nas
Angiospermas é indireta: o grão-de-pólen é depositado sobre a superfície estigmática,
germinando através de processos induzidos quimicamente, e então o tubo polínico
cresce através ou sobre os tecidos do carpelo até atingir os lóculos do ovário, onde
recebe estímulos químicos e/ou físicos para a sua entrada no óvulo. O óvulo, então,
depois de fecundado, formará a semente, enquanto que o ovário se desenvolverá em
fruto.

Microsporogênese e microgametogênese

Dois processos distintos levam a formação dos microgametófitos: a


microsporogênese e a microgametogênese. A miscrosporogênese, ou androsporogênese,
leva à formação dos micrósporos, ainda no interior dos microsporângios (sacos
polínicos) presentes na antera. Já a microgametogênese é o processo pelo qual se
formam os microgametófitos, no interior do grão-de-pólen, até atingirem o estágio
tricelular em seu desenvolvimento.

211
Primeiramente vamos acompanhar o desenvolvimento dos micrósporos. A
antera, no início do seu desenvolvimento, consiste de um conjunto de células uniformes,
excetuando-se a epiderme já parcialmente diferenciada. Quatro grupos de células férteis,
ou ditas esporogênicas, tornam-se evidentes no interior da antera. Cada um desses
grupos de células esporogênicas é circundado por várias camadas de células estéreis.
Estas células estéreis se desenvolvem como parte da parede do saco polínico, incluindo
as células que provém à nutrição dos micrósporos em desenvolvimento, chamadas
células do tapete (camada mais interna da parede do saco polínico). As células do tapete
também são responsáveis por acrescentar uma camada lipídica à superfície do grão-de-
pólen já formado. Então, neste estágio de desenvolvimento, as células esporogênicas se
tornam os microsporócitos, ou células mãe de micrósporos, e se dividem
meioticamente. Assim, cada célula mãe de micrósporo diploide dará origem a uma
tétrade de micrósporos haploides (Figura 6).

Figura 6: Esquema da microesporogênese e microgametogênese. Na microgametogênese, a célula mãe


de micrósporo, nutrida pelo tapete, sofre meiose, produzindo quatro micrósporos. Estes micrósporos já
possuem parede celular, e, imediatemente passam para a gametogênese. Na gametogênese, os
micrósporos sofrem uma mitose desigual, formando o microgametófito imaturo, que terá deposição de
exina ornamentada em sua parede celular. Este microgametófito imaturo é constituído de duas células: a
célula gerativa e a célula vegetativa. Ilustração de Yasmin V. Hirao.

212
Durante a meiose, cada divisão nuclear pode ser seguida imediatamente pela
formação de parede celular, ou os protoplastos dos microsporócitos podem formar
paredes simultaneamente após a segunda divisão da meiose. A primeira condição é
comum às Monocotiledôneas enquanto que a segunda é comum às Eudicotiledôneas. A
partir de então, as características dos grãos-de-pólen são adquiridas. O grão-de-pólen
desenvolve uma parede externa (exina) e uma parede interna (intina). A exina é
composta pela esporopolenina, substância muito resistente que é derivada,
principalmente, das células do tapete. Já a intina é produzida pelo protoplasto do
micrósporo (Figura 5).
A microgametogênese, ou androgametogênese, nas Angiospermas é uniforme.
Inicia-se quando os micrósporos se dividem mitóticamente, formando duas células no
interior da parede original do micrósporo. A divisão forma uma grande célula do tubo,
ou célula vegetativa e uma célula pequena, denominada célula geradora, que se move
para o interior do grão-de-pólen. Este grão-de-pólen bicelular ainda é imaturo e, na
grande maioria das Angiospermas, o microgametófito se encontra no estádio bicelular
no momento da liberação do grão-de-pólen na antera. Na minoria das espécies, o núcleo
da célula geradora se divide antes da liberação do grão-de-pólen pelas anteras, dando
origem a dois gametas masculinos, ou células espermáticas, resultando num
microgametófito tricelular

Megasporogênese e megagametogênese

Dois processos distintos levam a formação do megagametófito (ou saco


embrionário): a megasporogênese e a megagametogênese. A mesgasporogênese é a
formação dos esporos no interior do nucelo (megasporângio), dentro do óvulo. A
megagametogênese é o desenvolvimento do megásporo em saco embrionário
(megagametófito).
O óvulo é uma estrutura relativamente complexa, como mencionado
anteriormente. È formado pelo pedúnculo (denominado funículo), que suporta o nucelo,
envolvido por um ou dois tegumentos. Inicialmente, o óvulo em desenvolvimento
consiste apenas de nucelo, porém precocemente se desenvolvem os tegumentos,
envolvendo este nucelo, deixando apenas uma pequena abertura, denominada micrópila
(Figura 5).
No início do desenvolvimento do óvulo, apenas um megasporócito surge no
nucelo. O megasporócito diplóide se divide por meiose, formando quatro megásporos
213
haploides, dispostos em uma tétrade linear. Assim, a megasporogênese está concluída.
Na grande parte das Angiospermas, três destes quatro megasporócitos haploides se
degeneram. Geralmente o megásporo sobrevivente está localizado na região mais
distante da micrópila (Figura 5).
O megásporo funcional logo cresce às custas do nucelo, e seu núcleo sofre
divisão mitótica. Cada núcleo resultante sofre novamente divisão mitótica, resultando
quatro núcleos. Estes, por sua vez, sofrerão mais uma divisão mitótica, chegando ao
final do terceiro ciclo com oito núcleos. É importante lembrar que durante estas divisões
mitóticas, não há a celularização, isto é, não são formadas paredes celulares, ficando os
núcleos livres no nucelo. Os oito núcleos se organizam então em dois grupos: um grupo
próximo à extremidade micropilar e outro próximo a extremidade calazal. Um núcleo de
cada um desses grupos migra para a região central da célula octanucleada, compondo os
núcleos polares. Os três núcleos da porção micropilar se individualizam e se organizam
no chamado aparelho oosférico, composto de uma oosfera e duas sinérgides (as
sinérgides têm vida curta). Os três núcleos da porção calazal passam pelo processo de
celularização e constituem as antípodas. A célula central abriga os dois núcleos polares.
Assim, ao final da megagametogênese, tem-se uma estrutura com sete células e oito
núcleos compondo o megagametófito maduro, também conhecido como saco
embrionário.
O padrão descrito acima é o mais comum, no entanto em cerca de 1/3 das
Angiospermas esse processo é diferente, resultando em um número diferente de células
e núcleos no megagametófito final.

Polinização e dupla fecundação

Com a liberação dos grãos-de-pólen das anteras, sua transferência para os


estigmas pode ocorrer de diversas formas. Esse processo denomina-se polinização.
Em contato com o estigma, os grãos-de-pólen absorvem água e germinam, isto é,
formam o tubo polínico. Se a célula geradora ainda não havia sofrido divisão, esta
ocorre, gerando os dois gametas. O grão-de-pólen germinado contém o núcleo da célula
tubo e os dois gametas, constituindo o microgametófito maduro.
O estilete e o estigma são modificados estruturalmente, como abordado no
tópico de anatomia do gineceu. Isto facilita a germinação e o crescimento do tubo
polínico até o (s) lóculo (s) do (s) ovário (s), transportando os dois gametas e o núcleo
do tubo para o interior do ovário
214
O tubo polínico entra no óvulo pela micrópila e penetra uma das duas sinérgides
próxima a oosfera. A sinérgide começa a se degenerar após a polinização ter ocorrido e
antes do tubo ter alcançado a célula central e os núcleos polares. Os dois gametas e o
núcleo do tubo são descarregados na sinérgide através de um poro na extremidade do
tubo polínico. Por fim, um dos gametas entranha a oosfera e o outro junta-se aos
núcleos polares, ocorrendo a chamada dupla fecundação.

Referências

Appezzato-da-Glória B.; Carmello-Guerreiro S.M. (2006). Anatomia Vegetal. 2ª


edição. Viçosa: Editora UFV.

Beck, C.B. (2010). An introduction to plant structure and development. Cambridge:


Cambridge University Press.

Bhojwani, S.S.; Soh, W.Y. (2001). Current trends in the embryology of


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Eames, A.J. (1961). Morphology of Angiosperms. New York: McGraw-Hill.

Endress, P.K. (1994). Diversity ans evolutionary biology of tropical flowers.


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Esau, K. (1959). Anatomia Vegetal. Tradução de José Pons Rosell. 1ª Edição.


Barcelona: Edições Omega.

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Morretes. 1ª Edição. São Paulo: Editoea Edgard Blucher LTDA.

Fahn, A. (1974). Plant Anatomy. 2ª Edição. Oxford: Pergamon Press.

Glover, B.J. (2007). Understanding flowers and flowering: An Integrated


Approach. Oxford: Oxfors University Press.

Leins, P.; Erbar, C. (2010). Flower and fruit. Morphology, Ontogeny, Phylogeny,
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Rudall, P.J. (2007). Anatomy of flowering plants: an introduction to structure and


development.Cambridge: Cambridge University Press.

Weberling, F. (1989). Morphology of flowers and inflorescences. Cambridge:


Cambridge University Press.

215
Anotações:

216
CAPÍTULO XVI
Anatomia e identificação de madeiras
Erica Moniz Ferreira da Silva

Introdução
A madeira é um produto vegetal utilizado comercialmente em inúmeras
aplicações, contribuindo para o avanço tecnológico da humanidade e representando um
material de importância cultural e econômica. Destaca-se de outros materiais pelo baixo
consumo de energia no seu processamento e por sua alta resistência mecânica.
Anatomicamente corresponde ao xilema secundário das plantas e apresenta uma
enorme variabilidade quanto às características ali presentes, refletindo em diferentes
propriedades físicas e mecânicas que determinam o uso adequado de cada material do
ponto de vista comercial.
As vantagens mencionadas quanto ao uso adequado de madeiras podem ser
perdidas se o conhecimento prévio de suas propriedades não for levado em consideração
e tais propriedades são específicas para cada uma das espécies. Sob esse aspecto, a
identificação de madeiras torna-se imprescindível, não somente para fins acadêmicos,
mas também como auxílio para se detectar erros e fraudes em relação à venda e
utilização desta matéria-prima.
A identificação de uma árvore depende de diferentes características
morfológicas, como cascas, folhas, flores, frutos, e após o processo de extração da
madeira essas características acabam sendo perdidas e, portanto, a identificação deve ser
realizada de maneira a considerar somente o tecido vegetal ali presente. Para isso, foram
desenvolvidas técnicas específicas e com bom grau de confiabilidade quanto aos
resultados.
No Brasil, os primeiros estudos de anatomia da madeira remetem à década de 20
no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
Estado de São Paulo e atualmente o país dispõe de diversos laboratórios especializados
e espalhados por diferentes estados que utilizam técnicas macroscópicas e
microscópicas para a identificação deste material.

217
Características Macroscópicas

Para identificar uma madeira, inicialmente são observadas características


morfológicas macroscópicas, visíveis a olho nu ou com o auxílio de uma lupa de 10
vezes de aumento. Essas características são ainda divididas em dois grupos:
organolépticas e anatômicas.
As características organolépticas são também conhecidas como características
sensoriais e correspondem àquelas notáveis sem a necessidade de qualquer instrumento
óptico, utilizando-se somente dos sentidos (tato, olfato, paladar e visão), sendo elas: cor,
odor, gosto, grã, textura, densidade, dureza e brilho.
A cor é geralmente a primeira característica a ser notada, e alguns cuidados
devem ser levados em consideração a respeito desta observação. A coloração da
madeira pode ser alterada por diferentes fatores, como exposição ao ar e/ou à luz,
presença de alguns tipos de fungos manchadores ou escurecimento natural, e sendo
assim, para uma melhor observação desta característica, a madeira deve ser raspada com
faca ou lixa.
O odor também é uma característica marcante para algumas espécies, podendo
ser agradável como no caso das cerejeiras, por exemplo, (Amburana cearenses) ou
ainda desagradável como as cupiúbas (Goupia glabra). Não é uma característica
presente em todas as espécies, podendo ser classificado como distinto ou indistinto. As
amostras também devem ser raspadas para evidenciar possíveis odores.
O gosto também pode ser peculiar para algumas espécies e esta característica só
deve ser observada caso a madeira não tenha recebido nenhum tipo de tratamento
químico. Algumas lascas de madeira são retiradas e posicionadas sobre a língua e os
gostos variam de amargos a adocicados.
A grã refere-se à orientação dos elementos celulares em relação ao eixo principal
da árvore e pode ser visualizada em seção longitudinal através de desenhos
característicos, podendo apresentar os elementos celulares das seguintes formas:
 Direita – paralelos ao eixo principal;
 Revessa – não paralelos ao eixo principal, podendo ser perpendiculares a
este;
 Inclinada – oblíquos em relação ao eixo principal;
 Helicoidal – disposição espiralada;

218
 Ondulada – disposição em forma de ondas.

A textura está relacionada com a grã e pode ser sentida principalmente em seção
longitudinal ao se passar os dedos pela superfície, tal como a dureza é notada ao toque.
A densidade é uma das características de maior importância do ponto de vista
comercial, pois está diretamente relacionada às propriedades físicas do material.
Macroscopicamente as madeiras são classificadas popularmente como leves e pesadas.
O brilho também deve ser observado em seção longitudinal livre de qualquer
produto químico. Esta característica está relacionada tanto com a orientação dos
elementos celulares quanto com a presença de extrativos, como resinas e óleos.
Ressalta-se o fato de que, este contato inicial é subjetivo, já que depende das
diferenças de sensibilidades de cada observador, e, portanto, somente desta maneira não
é possível realizar uma identificação confiável adequada, pois para que isso ocorra é
necessário um conjunto de todas as etapas que serão aqui mencionadas.
As características macroscópicas anatômicas são observadas com o auxílio de
uma lupa com 10 vezes de aumento em superfícies polidas de madeira e dessa forma
algumas estruturas como vasos, raios parenquimáticos e parênquima axial podem ser
vistos e classificados quanto à forma, tamanho ou distribuição.
Os vasos, que são responsáveis pela condução de seiva nas árvores, podem ser
vistos em seção transversal em forma de poros. Em uma avaliação macroscópica são
classificados quanto à visibilidade, podendo ser distintos a olho nu, distintos apenas sob
lente de 10 vezes de aumento ou indistintos mesmo sob lente. Essa mesma classificação
é feita para os raios parenquimáticos, que são também responsáveis na condução da
seiva, e apresentam em seção transversal, uma aparência semelhante a linhas entre os
vasos.
O parênquima axial é uma característica marcante e essencial na identificação de
madeiras, pois, quando presente, pode assumir diversas configurações distintas, o que
permite a sua classificação quanto ao desenho formado. Em observação macroscópica,
quando distinto sob lente, apresenta-se geralmente mais claro que o tecido das fibras e
os tipos que podem ser visualizados sob lente são: escasso, vasicêntrico, confluente,
unilateral, aliforme, e em faixas (figura. 1).
A partir do conjunto dessas características macroscópicas já é possível
identificar alguns gêneros de plantas, no entanto, para maior confiabilidade e
visualização de estruturas não visíveis somente com 10 vezes de aumento, é necessária a

219
observação de características microscópicas, e para isso, são realizados procedimentos
laboratoriais para a obtenção de cortes histológicos micrométricos da madeira,
possibilitando assim, a visualização em microscópio.

Figura 1: Esquema representativo dos tipos de parênquima axial, visualizados em seção transversal com
auxílio de uma lupa de 10x de aumento. Adaptado de Zenid e Ceccantini, 2007.

Planos anatômicos de Corte

O preparo de uma lâmina histológica requer habilidades em se reconhecer os três


planos anatômicos de corte: Transversal – perpendicular ao eixo principal da árvore;
Longitudinal tangencial – perpendicular aos raios; Longitudinal radial – paralelo aos
raios (figura. 2).
Em cada plano, é possível ver as mesmas estruturas dispostas e detalhadas de
maneiras diferentes e, portanto, algumas características são melhor ou unicamente
observadas em um determinado plano. Uma lâmina histológica para identificação de
madeiras deve contar todos os planos para análise.

220
Como a árvore é uma estrutura tridimensional e esta dinâmica é perdida quando
se fazem cortes tão pequenos, a correta identificação dos planos é necessária para a
montagem visual da estrutura completa.

Figura 2: Representação dos três planos anatômicos de corte da madeira: transversal, tangencial e radial,
demonstrando como algumas características são observadas em cada um deles.

A partir da localização desses planos, são elaborados pequenos cubos da madeira


para processamento e corte e as técnicas utilizadas variam conforme o material e o foco
da análise. Comumente esses pequenos blocos, chamados de corpos de prova, são
fervidos para que a madeira seja amolecida e posteriormente cortada em micrótomo de
deslize obtendo-se cortes com espessuras médias de 20 µm.

Características Microscópicas

A partir da obtenção de lâminas histológicas, algumas estruturas podem ser


vistas mais detalhadamente em microscópio e as classificações destas características,
juntamente com o que já foi observado macroscopicamente, compõem uma
identificação completa de uma madeira.
Diferentemente da observação macroscópica, com o auxílio de um microscópio
é possível visualizar, descrever e ainda medir estruturas, classificando-as de acordo com
suas dimensões e frequência. A análise descritiva é chamada de qualitativa, enquanto a
elaboração de medidas se dá em uma análise quantitativa.

221
A International Association of Wood Anatomists (IAWA Committee) elaborou
recomendações que objetivam orientar e padronizar os procedimentos e os caracteres
gerais a serem adotados em análises anatômicas de madeiras. A partir desta base é
possível elaborar uma lista de caracteres pertinentes e associá-los àqueles descritos para
determinada espécie.
Algumas das características observadas são: tamanho, frequência e distribuição
dos vasos, assim como a presença de resinas, tilos, gomas e outros componentes que
podem obstruí-lo; o formato das placas de perfuração e os tipos e tamanhos de
pontoações; altura, frequência, largura e o formato das células que compõem o raio;
espessura de fibras; tipos de parênquima axial e quantidade de células que o compõem;
presença de elementos secretores, canais axiais, canais radias, laticíferos; presença e
tipos de cristais e sílicas.
Cada uma dessas características isoladas não representa nenhum dado
significante para a identificação, sendo necessário, portanto, um agrupamento de todas
ou de grande parte delas para que seja elaborada uma lista de características. Ao término
da listagem, pode-se seguir uma chave de identificação para chegar ao resultado
correspondente em um banco de dados. Também é realizada uma comparação com
amostras já identificadas em xilotecas.

Importância da identificação e suas dificuldades

Todos esses procedimentos têm como finalidade fornecer dados para a pesquisa
botânica e auxiliar na fiscalização quanto ao uso correto das espécies, tanto sob aspectos
sustentáveis e jurídicos, protegendo espécies ameaçadas, quanto sob aspectos
comerciais, garantindo ao consumidor um material adequado para seus devidos fins,
pois a correta identificação das madeiras, além de contribuir para um melhor
planejamento das atividades madeireiras, aumenta consideravelmente a credibilidade do
consumidor.
A identificação de materiais vegetais em geral, também contribui para
investigações criminais e registros históricos de patrimônios como obras de arte,
espaços arquitetônicos antigos e construções abandonadas.
A crescente preocupação quanto à exploração irracional dos recursos florestais,
aliada à necessidade de melhoria da qualidade de produtos e serviços exigem uma
utilização adequada desta importante matéria-prima e a multiplicidade de espécies

222
existentes faz da identificação anatômica de madeiras uma tarefa relativamente
complicada.
Na tentativa de diminuir as dificuldades, os anatomistas de madeira procuraram
desenvolver métodos auxiliares como a publicação de manuais ilustrados, bancos de
dados eletrônicos, intercâmbios de materiais entre xilotecas e a padronização de
caracteres e utilização de nomes científicos. O uso de nomes populares, por ser
específico em cada região, acaba contribuindo de maneira negativa, favorecendo
fraudes, já que um mesmo nome popular pode ser utilizado para diferentes espécies.
Além desta problemática, a obtenção de material em condições adequadas nem
sempre é possível e assim, sem maiores informações ou conteúdos vegetais, a
identificação é inviabilizada.
Esta área de pesquisa vem crescendo a cada vez mais devido à vasta importância
ecológica, econômica e acadêmica, demonstrando ser uma ferramenta necessária e
pontual para amenizar e até mesmo evitar que o manejo de espécies seja realizado de
maneira equivocada.

Referências Bibliográficas

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223
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224
Anotações:

225
CAPÍTULO XVII

Estruturas secretoras nupciais e de proteção


Josiana Cristina Ribeiro
Juliana Castelo Branco Brasileiro

Introdução

O processo de secreção das plantas é definido como a transferência de um


produto do metabolismo, seja este intermediário ou final, de uma região para outra
dentro da própria célula ou para fora do protoplasto da célula secretora. Sendo assim,
existem vários processos classificados como secreção nas plantas.

Para uma melhor compreensão dos processos de secreção que iremos discutir
aqui, é necessário um breve entendimento sobre o metabolismo primário e secundário
nas plantas, pois ambos estão envolvidos com a função de secreção. Chama-se de
metabolismo primário o processo no qual o produto decorrente pode ser armazenado ou
não para uma posterior remobilização. Este é o que chamamos de produto intermediário,
já citado no primeiro parágrafo, e como exemplos destes temos o RNA, os
fotoassimilados, os hormônios, as substâncias percussoras de celulose, entre outros.
Distintamente, no metabolismo secundário o produto é, geralmente, um
composto de substâncias que não são mais funcionais no metabolismo da planta, mas
possuem um importante valor adaptativo/ecológico para ela. Podemos citar os terpenos,
alcaloides (nicotina, cafeína, cocaína), glicosídeos, taninos, resinas, cristais de oxalato
de cálcio e flavonoides (pigmento); estes desempenham importantes funções
relacionadas à proteção e polinização das plantas.
Os produtos do metabolismo secundário podem ser liberados dentro de
compartimentos no corpo da célula e ali permanecerem, ou armazenados para uma
posterior eliminação. Este é o processo de secreção que trataremos neste capítulo.
Existem diversas estruturas especializadas nesses processos de secreção nos vegetais
que são denominadas, de um modo geral, de estruturas secretoras. Estas, por sua vez,
tratam-se de células ou tecidos organizados e especializados que secretam substâncias
específicas, e, geralmente, apresentam função determinada. O mesmo tipo de estrutura

226
secretora pode estar presente em diferentes órgãos, ou pode estar confinado em algum
órgão.

Tanto órgãos vegetais reprodutivos quanto vegetativos podem conter estruturas


secretoras, por isso, além de seu importante papel ecológico, são fundamentais para a
taxonomia e filogenia dos grupos. A topologia e o conteúdo do exsudato (composto de
substâncias secretado) estão intimamente associados a função da estrutura secretora. A
partir disso, podemos classifica-las em: estruturas/glândulas nupciais, associadas à
polinização ou estruturas/glândulas protetoras, que desempenham uma função de
defesa contra herbivoria.

Estruturas secretoras Nupciais

Existe uma grande variedade de tipos de glândulas nupciais e quanto maior a


complexidade do mecanismo de polinização, maior a diversidade de glândulas em uma
flor.

Cabeça do estilete

Uma grande variedade de espécies apresentam seus grãos de pólen agregados em


polínias, que corresponde a todos os grãos de pólen de um saco polínico unidos, como
ocorre em espécies da família Orchidaceae e da subfamília Asclepiadoideae
(Apocynaceae). A cabeça do estilete é a porção superior dos estiletes fundidos,
ocorrendo uma dilatação do ápice e recoberto lateralmente por epiderme secretora. A
cabeça do estilete apresenta uma camada epidérmica de células secretoras dispostas em
paliçadas que pode conter tricomas, esta epiderme pode cobrir grande parte desta
estrutura, em algumas espécies de Apocynaceae esta epiderme pode estar diferenciada
em cinco partes secretoras alternas às anteras. A sua secreção pode ser heterogênea,
viscosa, amorfa, rígida sendo denominada translador.

O polinário é composto pelo translador, que é secretado pela cabeça do estilete, e


pelas polínias, formadas pelas anteras. O translador tem a forma de uma colher ou clips,
onde o pólen será depositado, ele pode ser composto por um corpúsculo e duas
caudículas, a polínia é presa pela caudícula ao corpúsculo. Primeiramente, é formado o
corpúsculo e em sequência as caudículas, assim dando origem ao translador. As
caudículas se ligam às polínias de anteras adjacentes completando a formação do

227
polinário. O Translador pode ser formado por lipídios, proteínas e fenólicos. O
corpúsculo e as caudículas podem conter ácidos graxos, compostos fenólicos,
mucilagem e proteínas. A secreção produzida está relacionada à dispersão do pólen, e a
sua composição, aspecto e viscosidade parece estar relacionada ao grau de agregação
dos grãos de pólen e mecanismo de polinização. A sua secreção auxilia na adesão do
pólen ao polinizador e em seguida, promovendo a captura do pólen pelo estigma ou pela
fenda estaminal da outra flor.

Nectários florais (NF)

São glândulas que secretam o néctar e estão localizadas nos órgãos reprodutivos.
Os NF podem apresentar morfologias diversas, em muitas flores apresentam-se na
forma de um anel contínuo ao redor do gineceu.
Anatomicamente, estas glândulas consistem em epiderme, parênquima e feixe
vascular (predominância de floema). O parênquima é responsável pelo armazenamento
e, conjuntamente com o floema, pela produção do exsudato (néctar), que será liberado
através de estômatos, ou tricomas localizados na epiderme secretora.
O néctar contém altas concentrações de açúcares, aminoácidos e outros
compostos orgânicos, que podem sofrer alterações influenciadas pelas condições do
meio. O açúcar do néctar provém da fotossíntese realizada pelo próprio nectário ou em
outros órgãos da planta, e o amido pode ser um produto intermediário de
armazenamento. A quebra do amido armazenado torna possível a alta produção de
néctar em qualquer momento do dia. Insetos, pássaros, morcegos, entre outros, visitam
as flores em busca do néctar, em troca carregam consigo os grãos de pólen que serão
liberados próximo ao estigma da própria ou de outra flor.

Osmóforos

São também conhecidas como glândulas de odor. Elas produzem e liberam


compostos voláteis, de composição variável, que funcionam como atrativo para
polinizadores com um longo alcance. A miofilia provocada por essas estruturas nas
flores da tribo Ceropegieae (Apocynaceae) é um exemplo de adaptação que ocorreu
neste grupo.
As substâncias produzidas são compostas prioritariamente por óleos voláteis –
terpenos e compostos fenólicos de baixo peso molecular. O odor liberado pode ser

228
agradável ou desagradável, o tipo pode estar relacionado a coloração das pétalas. Em
espécies de Ceropegieae, por exemplo, com pétalas marrom escuro, avermelhadas ou
amareladas, o odor liberado é desagradável, enquanto que em flores de corola branca
(Ditassa gracilis) o aroma é perfumado.
Morfologicamente, os osmóforos possuem estruturas multicelulares,
polimórficas, como já descrito para Orchidaceae. Em sua anatomia apresentam células
epidérmicas simples e/ou subepidérmicas, tricomas ou papilas, presentes em muitas
flores. Nas orquídeas estão localizadas no labelo, mas essas glândulas podem ser
encontradas apenas no ápice das pétalas como em espécies do gênero Ceropegia
(Apocinaceae).

Estruturas Secretoras de Proteção

As plantas utilizam um amplo conjunto de características de defesa contra


diversos fatores como a herbivoria, patogenia, estresse hidríco.

Coléteres

Os coléteres além de estarem nas flores também estão nas folhas. Dentre as
diversas estruturas secretoras presentes nas Angiospermas, os coléteres destacam-se
como glândulas que produzem uma secreção viscosa. Eles podem ser encontrados nos
órgãos vegetativos e/ou reprodutivos de diversas famílias de Eudicotiledôneas, como na
lâmina foliar, nervura central, na base dos pecíolos, brácteas, bractéolas, sépalas, em
ápice caulinares e regiões nodais.

Em coléteres, observa-se uma epiderme unisseriada secretora composta por


células colunares dispostas em paliçada e um eixo parenquimático não secretor, cujas
células são alongadas longitudinalmente em relação ao coléter. Na grande maioria, os
coléteres são avascularizados, como por exemplo, nas espécies da família Apocynaceae.
Os coléteres secretam diversas substâncias podendo apresentar uma hipoderme
secretora de fenólicos que confere uma cor enegrecida aos coléteres foliares, algumas
espécies podem secretar mucilagem, glicose, ramnose, amido, proteína e compostos
lipofílicos.

A ocorrência de coléteres tem uma grande relevância taxonômica e ecológica.


Os coléteres mudam de cor durante as fases de secreção, durante a fase pré-secretora

229
eles são verdes, na fase secretora tornam-se amarelados e castanhos do ápice para a base
durante a senescência - fase pós-secretora, já em coléteres que apresentam hipoderme
secretora eles são enegrecidos durante a fase secretora. A sua secreção permeia e
protege os meristemas e órgãos em desenvolvimento, contra o dessecamento devido à
capacidade de retenção de água da mucilagem, proliferação de fungos e fitófagos,
imobilizando-os.

Tricomas

Os tricomas podem ser tectores ou glandulares, são encontrados no caule, nas


folhas, nas sépalas, no pedúnculo e nas raízes. Os tricomas tectores podem ser
unicelulares ou multicelulares. Os tricomas simples (unicelulares) são muito comuns
podendo variar em seu tamanho, na sua forma e espessura da parede. Os multicelulares
podem ser ramificados ou não. Os ramificados unisseriados compõem-se de uma única
fileira de células, já os multisseriados compõem-se de mais de uma fileira de células.
Dos tricomas tectores podemos citar os estrelados, que possuem o ápice com
ramificações e possuem uma ou mais células formando a haste. Os escamiformes, estes
tricomas geralmente são achatados e multicelulares. Os sésseis apresentam-se sem
hastes são denominados escamas e com hastes são denominados tricomas peltados,
estes tricomas tem a função de absorver água e sais da atmosfera. E os radiculares, que
são células epidérmicas alongadas das raízes, têm um papel importante no aumento da
absorção das raízes.

Tricomas glandulares são multicelulares ou unicelulares podendo conter várias


substâncias na sua secreção como óleos, néctar, resinas, mucilagem, sucos digestivos e
água. Estes tricomas podem apresentar uma grande variedade de formas e tamanhos. As
células que constituem a cabeça são secretoras e sua secreção pode ser eliminada
através dos poros cuticulares ou por rompimento da cutícula. No entanto os tricomas
urticantes apresentam uma célula secretora apical que possui uma base dilatada,
volumosa envolvida com a epiderme e uma porção superior tubular bastante alongada.
Esta célula secretora produz cristais que ficam localizados numa região subapical onde
ocorre a ruptura por ação mecânica formando uma cunha que penetra facilmente na pele
liberando a secreção urticante. Já as plantas carnívoras desenvolvem tricomas bem
especializados, com secreção mucilaginosa, capazes de capturar a preza como insetos e
pequenos animais e enzimas para digerí-los.

230
Laticíferos

São células especializadas ou uma fileira de células que produzem látex.


Laticíferos estão presentes em diversas espécies vegetais. Além de estarem presentes em
órgãos florais e frutos, também podem ser encontrados nos tecidos fundamentais e
vasculares dos órgãos vegetativos como no caule, nas folhas e no córtex das raízes.
Geralmente o látex é constituído por polissacarídeos, proteínas, ácidos graxos e
aromáticos, enzimas, grãos de amido, taninos, terpenos, como hidrocarbonetos
poliisoprênicos (borracha), compostos fenólicos e alcaloides. Os laticíferos são
classificados como articulados ou não articulados.

Os laticíferos articulados não-anastomosados consistem de séries simples ou


ramificadas de células. Os laticíferos articulados anastomosados, cujas paredes celulares
dissolvem-se rapidamente, podendo também ramificar-se por fusão lateral de outras
células e consequentemente se alongam fazendo com que cresçam em comprimento. Os
não articulados se desenvolvem a partir de uma única célula que se alonga com o
crescimento da planta podendo-se ramificar. Os laticíferos são encontrados desde o
início da formação da planta, originando-se em células do meristema fundamental e/ou
do procâmbio. A forma de crescimento dos laticíferos no corpo da planta deve-se à
adição de novas células meristemáticas seguido do alongamento celular.

A cor do látex pode variar entre branco, avermelhado, amarelado ou


esverdeado. Isto se deve ao látex conter uma diversidade de compostos biologicamente
ativos, os quais podem ser vários metabólitos especializados e proteínas em
concentrações que geralmente são muito mais altos que nas demais células da folha.

Os laticíferos tem a função de proteção da planta contra a herbivoria, devido à


presença de compostos tóxicos, dissuasivos alimentares e compostos que inibem o
crescimento de microorganismos, como fungos e bactérias, e de selar ferimentos, pois o
látex coagula rapidamente funcionando como uma barreira física à entrada de
patógenos. Portanto, conferindo maior sucesso evolutivo às plantas latescentes em
relação às não latescentes nos diversos ambientes.

231
Nectários extraflorais (NEF)

São glândulas secretoras de néctar não envolvidas diretamente com a


polinização, presentes em caules jovens, pecíolos, estípulas, lâminas foliares e peças
florais estéreis. Sua principal função está relacionada com a proteção da planta contra
herbivoria, servindo como uma fonte de substâncias atrativas para insetos (como
formigas), que, em troca, fornecem proteção a planta contra o ataque de outros insetos,
como a fase larval de borboletas. Espécies de Passiflora (Passifloraceae) possuem
relações mutualistas entre os NEF e insetos, por isso, constantemente são realizados
estudos de relações ecológicas e evolutivas com espécies dessa família.
Os NEF possuem estruturas diversas e anatomia semelhante aos NF, com
epiderme, parênquima e feixe vascular, porém com a possibilidade de vascularização
ausente. O néctar dessas glândulas também é como no NF, contém uma alta proporção
de açúcares, quantidades significantes de aminoácidos e pequenas proporções de outros
compostos orgânicos.

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Anotações:

234
235
CAPÍTULO XVIII

Respostas das plantas ao estresse hídrico


Priscila Pires Bittencourt
Sara Sangi Miranda

Introdução

Qualquer alteração negativa na fisiologia de uma planta, devido à influência de


um fator externo que alteram o seu equilíbrio pode ser estabelecido como estresse. O
termo foi definido como "qualquer condição desfavorável ou substância que afeta ou
bloqueia o metabolismo, o crescimento ou o desenvolvimento de uma planta", por
Lichtenthaler (1996). Podendo ser medido em relação a fatores que possam estar
relacionadas com desenvolvimento, crescimento, produtividade e sobrevivência da
planta.
Estresses abióticos como salinidade, seca, inundações, calor, frio, excesso de
luz, radiação UV, toxidade de metais pesados afetam direta e indiretamente no
crescimento e produtividade das plantas. Dessa forma, as plantas apresentam
mecanismos de adaptação e aclimatação à estresses ambientais como forma de os
tolerarem.

Algumas adaptações ao nível de folha são conhecidas como:


 Transformação de folhas em espinhos;
 Redução do tamanho da folha;
 Eficiente controle estomático;
 Queda das folhas (abscisão foliar);
 Redução no número de folhas;
 Maior espessura da parede celular e maior presença de cera.

Algumas adaptações ao nível de caule são:


 Diminuição da altura;
 Engrossamento e retorcimento;
 Caule chamado de cladódio (cactáceas);
 Alto teor de hidrofóbicos;

236
 Metabolismo ácido das crassuláceas e armazenamento no caule ou raiz.
Adaptações ao nível de raiz são:
 Aprofundamento e engrossamento (inteiramente e parcialmente) das raízes
(Figura 1).

Figura 21. Algumas adaptações ao estresse hídrico em relação a raiz, caule e folha

O processo de adaptação de um determinado organismo a um novo ambiente ou


as mudanças que ocorreram no mesmo é definida como aclimatação, que envolve um
conjunto de regulações estruturais, fisiológicas e bioquímicas em relação a essa
mudança ambiental sofrida. Quanto maior o potencial de aclimatação da planta, mais
rápido é a sua capacidade de resposta às variações ambientais. A capacidade de
alteração das respostas às variações ambientais está relacionada à plasticidade das
espécies, o qual está relacionado ao potencial de aclimatação da espécie.
Plasticidade fenotípica é a capacidade de um único genótipo apresentar diversos
fenótipos de acordo com as diferentes condições ambientais, sendo este um fenômeno
comum. Como a maioria das plantas são organismos sésseis, este é um meio pelo qual
estas enfrentam a heterogeneidade do ambiente. Não é um estudo recente, no entanto
tem ganhado um maior destaque devido sua importância em estudos evolutivos,
principalmente no cenário atual de grandes mudanças climáticas.
Segundo a OMM (Organização Meteorológica Mundial), o ano de 2016 obteve
uma temperatura mundial recorde sendo considerado o ano mais quente da história,

237
desde 1880 quando se começou a registrar as temperaturas. As previsões realizadas pela
OMM apontam que as condições climáticas extremas continuarão em 2017. E alertam
que as correntes de ar serão cada vez mais instáveis devido ao aquecimento global,
levando assim, a mais situações de clima extremo.
E ainda, dados científicos apontam para uma variação significativa dos índices
pluviométricos, podendo destacar eventos consideráveis de seca. A seca é um evento
climático extremo, caracterizada por precipitação abaixo do normal durante um período
de meses a anos.

Estresse hídrico

Quando a disponibilidade hídrica do solo é inferior à demanda exigida pela


planta, caracteriza-se um evento de estresse hídrico. Os primeiros efeitos do déficit
hídrico são em nível celular com perda de turgor na célula e diminuição no potencial
hídrico e osmótico, o que afeta, consequentemente, o crescimento das plantas.
Respostas ao déficit hídrico estão relacionadas com a capacidade de controlar a
perda de água nas células. Dessas respostas, destaca-se o fechamento estomático e em
consequência a diminuição na condutância estomática, o que leva a uma diminuição na
taxa de transpiração provocando um decréscimo na taxa de fotossíntese e por
consequência a diminuição da difusão do CO2 para os espaços intercelulares. Em
condições de estresse hídrico severo e prolongado, processos bioquímicos e moleculares
afetam a inibição fotossintética.
A todo o momento, as plantas estão condicionadas ao estresse, por um ou mais
fatores ambientais, desta forma, espécies que são capazes de perceber estímulos e
responder de maneira rápida e eficaz apresentam maior capacidade para se
estabelecerem em diferentes ambientes. Assim, a plasticidade fenotípica mantém a
homeostase das plantas sob condições de estresse.
Organismos vivos apresentam evidências de que o desenvolvimento de
mudanças de características funcionais e estruturais estão associados aos fatores
ambientais que estão expostos. Na maioria das vezes a plasticidade esperada na natureza
é menor do que a observada então por isso, sugere-se a existência de um custo de
plasticidade. Estes custos podem variar de acordo com a condição pela qual a planta
está submetida, sendo mais importantes em ambientes estressantes.

238
As mudanças produzidas nas espécies que apresentam elevado potencial de
plasticidade fenotípica favorecem a adaptação em ambientes instáveis, heterogêneos ou
de transição, pois facilita a exploração de novos nichos. Espécies pioneiras, espécies
que normalmente iniciam a colonização do biótipo e são resistentes aos fatores abióticos
do mesmo, normalmente apresentam maior flexibilidade. Sendo assim, em populações
de ambiente heterogêneo, espera-se observar maior potencial plástico.
Uma considerável plasticidade fotossintética também pode ser observada em
grande parte das plantas, principalmente plantas que apresentam Metabolismo Ácido
das Crassuláceas (CAM).
As plantas CAM facultativas são um exemplo dessa plasticidade, onde o
comportamento CAM é uma opção, e não uma obrigatoriedade em termos de
mecanismo de fixação do carbono. Plantas que apresentam essa plasticidade podem
ciclar livremente entre os comportamentos fotossintéticos CAM e C3 (ou C4)
dependendo das condições ambientais circundantes. Em contraste, nas plantas
conhecidas como CAM constitutivas, o ciclo CAM é expresso mesmo quando as
condições ambientais encontram-se propícias à captura diurna do CO2.
O CAM é um modo especializado de fotossíntese que apresenta um mecanismo
de conservação de água, quando comparado com a fotossíntese C3. A absorção de CO2
ocorre principalmente à noite, quando a força motriz para a perda d’água através da
transpiração é menor, então a eficiência do uso da água (EUA) (ou WUE, em inglês) é
melhorado. Dessa forma, é possível observar uma abundância de espécies CAM em
locais com limitações de água. O metabolismo CAM, apresenta um fluxo massivo
diário do carbono entre os carboidratos de reserva produzidos durante o período
iluminado e os ácidos orgânicos acumulados durante o período noturno.
Este comportamento fotossintético pode apresentar variações, dependendo das
condições ambientais. Além do CAM clássico (ou “Classic-CAM’’), outro mecanismo
conhecido é o CAM reciclador (ou “CAM-cycling”, em inglês), o qual apresenta um
padrão diurno de trocas gasosas similares ao observado em plantas C3 (abertura
estomática apenas durante o período iluminado), mas que apresenta acúmulo noturno de
ácidos orgânicos tal qual observado nas plantas CAM clássicas. Acredita-se, portanto,
que a fonte principal de CO2 para a formação noturna dos ácidos orgânicos nas plantas
CAM cycling seria a respiração noturna dos tecidos.
Quando em condições de escassez hídrica severa, plantas CAM clássicas e
CAM-cycling podem apresentar uma terceira variação do comportamento CAM,

239
conhecido como CAM ocioso (ou “CAM-idling”, em inglês). O CAM-idling é
caracterizado por apresentarem os estômatos fechados 24 horas por dia, mas apresentam
flutuação diurna nos teores de ácidos. Devido a falta de captura líquida de CO2
atmosférico, o CAM-idling, não proporciona ganhos adicionais de carbono. No entanto,
não permite o crescimento do vegetal, o CAM-idling propicia um mecanismo eficiente
para reciclar grande parte do CO2 respiratório, ao mesmo tempo em que os estômatos
completamente fechados durante dia e noite minimizam a perda de água pela planta.
Acredita-se que o CAM-idling ajude na manutenção de um balanço positivo de
carbono e auxilie na redução dos efeitos deletérios dos processos de fotoinibição e
fotorrespiração durante períodos intermitentes de intenso estresse hídrico. Em condições
estressantes, plantas capazes de apresentar esse comportamento fotossintético, se
beneficiariam com uma retomada mais rápida na captura de CO2 atmosférico quando as
condições ambientais se tornam mais amenas e propícias ao crescimento vegetal.

Figura 2: A) Fatores abióticos, como disponibilidade de água, podem induzir comportamentos


fotossintéticos CAM e C3/C4. Essas alterações podem ser reversíveis, plantas que apresentam essa
plasticidade podem ciclar livremente entre os comportamentos fotossintéticos. B) Variações dos
comportamentos fotossintéticos CAM, dependendo das condições ambientais.

Ácido abscísico

240
O ácido abscísico (ABA) é responsável por regular vários processos do ciclo de
vida das plantas, estando envolvido na maioria das respostas aos estresses ambientais,
incluindo o déficit hídrico, salinidade e as baixas temperaturas.
Plantas submetidas a condições de estresse hídrico ou salino apresentam
incrementos consideráveis no conteúdo endógeno de ABA, os quais parecem ser
decorrentes principalmente de um aumento na síntese desse hormônio.
Uma função do ABA durante o crescimento vegetal é mediar a resposta a
estresses ambientais tais como a seca, a salinidade e o frio. Níveis ligeiramente elevados
de ABA (característica das condições de estresse hídrico moderado) promovem o
crescimento das raízes, mas inibem o crescimento dos brotos. No entanto, em condições
de estresse hídrico severo, o crescimento de raízes e brotos são inibidos, em
compensação a formação de raízes laterais é promovida.
Genes associados com as respostas de defesa a estresses abióticos são expressos
apenas quando os teores de ABA são elevados, por exemplo, com frio e estresse hídrico.
Acredita-se que existam pelo menos, dois caminhos de expressão gênica em resposta ao
estresse: um dependente e outro independente do ABA, pois sabe-se que vários outros
genes induzidos por estresses ambientais são indiferentes ao tratamento com ABA
exógeno.
Alguns estudos analisaram transcriptomas inteiros de diferentes genótipos
expostos a diferentes estresses. As análises revelaram que muitos fatores de transcrição
são regulados pelo estresse, incluindo transcritos e pseudogenes. Estes estudos
mostraram que 25-50% dos genes regulados pela ABA também são regulados pela seca
ou salinidade.
Efeitos desse hormônio na proteção ao déficit hídrico são exercidos
principalmente através da indução da expressão de genes que codificam a síntese de
proteínas que apresentam função de evitar perda de água e restaurar danos celulares.
Outras respostas fisiológicas de grande valor adaptativo para a sobrevivência das
plantas em condições de baixa disponibilidade hídrica também são controladas pelo
ácido abscísico.

Referências

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produtividade do cafeeiro ‘Catuaí’. Ciência e Agrotecnologia, v. 33, n. 01, p. 67-
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243
Anotações:

244
CAPÍTULO XIX
Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em
plantas
Antônio Azeredo Coutinho Neto
Me. Priscila Primo Andrade Silva
Dra. Ana Zangirolame Gonçalves

1) Introdução

Os elementos minerais presentes no solo estão disponíveis para absorção das


plantas na forma de íons (ânions e cátions) e são requeridos em maior ou menor
quantidade dependendo da função exercida na planta. Estes íons são necessários na
formação de diferentes compostos essenciais às diversas reações bioquímicas e
moleculares nas plantas, como o crescimento, a reprodução e a manutenção do seu
metabolismo. De acordo com estudos recentes, pode-se encontrar mais de 60 elementos
químicos nas plantas, dos 89 elementos disponíveis naturalmente no ambiente.
Entretanto, apenas um pouco mais de uma dezena de elementos são considerados
indispensáveis para seu desenvolvimento, crescimento e reprodução (vide Capítulo 20).
Para ser considerado essencial, o elemento deve seguir alguns critérios de
essencialidade: (1) a deficiência desse elemento impossibilita a planta de completar o
seu ciclo de vida; (2) o elemento que está em escassez para a planta não pode ser
substituído por outro elemento com características químicas similares; e (3) o elemento
em deficiência para a planta participa diretamente do seu metabolismo.
Os elementos químicos podem ser classificados em (1) elementos não minerais,
que são aqueles obtidos prioritariamente por meio da água e do dióxido de carbono,
como o carbono (C), o oxigênio (O) e o hidrogênio (H), ou (2) elementos minerais, que
são aqueles obtidos através do substrato. Ainda, estes elementos químicos são divididos
em macronutrientes, que são aqueles que as plantas necessitam em maior quantidade, e
em micronutrientes, que as plantas necessitam em menor quantidade (Tabela 1). O
estudo das necessidades dos diferentes elementos minerais (macro e micronutrientes),
de como são absorvidos, transportados e assimilados pelas plantas é conhecido como
nutrição mineral. Estes elementos são absorvidos por meio das raízes das plantas, mas

245
em alguns casos também podem ser absorvidos por meio de tricomas foliares (em
bromélias epífitas, por exemplo).
Tabela 1. Concentrações médias de alguns elementos classificados como essenciais
para as plantas. Modificado de Buchanan et al. (2015).

Elemento essencial Símbolo químico Concentração em tecido fresco


Macronutrientes mM
Nitrogênio N 71,4
Potássio K 17
Cálcio Ca 8,3
Fósforo P 4,3
Magnésio Mg 5,5
Enxofre S 2,1
Micronutrientes µM
Cloro Cl 188
Ferro Fe 120
Boro B 123
Manganês Mn 61
Zinco Zn 20,4
Cobre Cu 6,2
Níquel Ni 0,006
Molibdênio Mo 0,07

2) Disponibilidade dos elementos minerais no ambiente


No solo, os elementos minerais estão difundidos na água intersticial nas formas
aniônicas e catiônicas. Alguns destes elementos são resultantes de um processo
conhecido como intemperismo, o qual decompõe os diferentes tipos de rochas em íons
ou minerais primários, que posteriormente darão origem a minerais secundários por
meio de reações químicas, e poderão ser absorvidos e translocados pelas plantas. Na
fração argilosa do solo, comumente encontramos os minerais em três estágios (Tabela
2). Os nutrientes minerais presentes no solo sofrem sucessivas reações químicas
(geralmente hidrólises) formando compostos com maior disponibilidade para a absorção
e o transporte nas plantas e/ou microorganismos. Porém, se estes compostos não são
absorvidos, a tendência é que sejam lixiviados pela água da chuva. Entretanto, alguns
íons ficam aderidos à superfície das partículas de argila, especialmente em solos em
estágio inicial de intemperismo.

246
Tabela 2. Minerais mais comuns encontrados na fração argilosa do solo. Modificado de
Kerbauy (2008).

Mineral Fórmula química


Minerais primários
Calcita CaCO3
Gesso CaSO4 2H2O
Olivina (Mg, Fe)2 SiO4
Mica K2Al2O5 [Si2O5]3 Al4(OH)4
K2Al2O5 [Si2O5]3 (Mg, Fe)6(OH)4
Feldspato (Na, K)AlO2[SiO2]3
CaAl2O4 [SiO2]2
Zircão ZrSiO4
Rutilo TiO2
Epidoto Ca2(Al, Fe)3(OH)Si3O12
Turmalina NaMg3Al6B3SiO27 (OH, F)4
Birnessita (Na, Ca)Mn7O14 2,8H2O
Minerais secundários (argilas silicatadas)
Esmectita Mx (Si, Al)8(Al, Fe, Mg)4O20(OH)4
Vermiculita
X= Cátion na intercamada
Clorita
Caolinita Si4Al4O10(OH)8
Alofana Si4Al4O12nH2O
Minerais secundários (óxidos)
Imogolita Si4Al4O10 5H2O
Gibbsita Al(OH)3
Goethita FeO(OH)
Hematita Fe2O3
Ferridrita Fe10O15 9H2O

Os componentes do solo possuem maior quantidade de carga negativa do que


positiva e, com isso, atraem e adsorvem mais os íons positivos. Nos solos mais ácidos,
os grupos funcionais das moléculas inorgânicas assumem carga positiva e, em meio
menos ácido ou alcalino, a superfície assume carga líquida negativa. A capacidade de
troca catiônica (CTC) de uma superfície pode ser determinada como a quantidade de
mols de carga positiva presa por unidade de massa de argila. Cada tipo de solo possuí
uma determinada CTC, determinando a absorção de cada nutriente.

3) A absorção e o transporte dos nutrientes


A maioria das plantas absorvem os nutrientes por meio de um sistema radicular
especializado. Todavia, em locais úmidos e quentes, as plantas podem absorver o
nitrogênio excretado por bactérias e cianobactérias (fixadoras de nitrogênio) aderidas na

247
superfície foliar. Materiais secos ou úmidos que são depositados sobre as folhas,
oriundos da poluição e do uso de substâncias borrifadas (por exemplo, pesticidas e
adubos) também entram pela epiderme. Além disso, algumas espécies de plantas
possuem estruturas especializas nas folhas que ajudam na absorção de água e nutrientes,
denominadas tricomas foliares (vide Capítulo 14).
Quando contidos na solução do solo, os nutrientes minerais podem penetrar nas
raízes por três vias, denominadas apoplástica, simplástica e transmembrana. A primeira
ocorre por meio da translocação dos nutrientes entre os espaços intercelulares
(apoplasto) do parênquima cortical até a endoderme, onde estão localizadas as estrias de
Caspary (estruturas lignificadas que não permitem a passagem de nenhuma substância).
Entretanto, devido à quantidade de pectinas que constituem as paredes celulares e as
lamelas médias, esta via permite apenas a entrada de cátions, uma vez que as pectinas
possuem um grupo carboxílico (RCOO-) que repele os ânions. Assim, os ânions
necessariamente são translocados via simplasto, ou seja, dentro da célula (intracelular),
através dos plasmodesmos e/ou via transmembrana, por meio de canais nas membranas
celulares e tonoplasto (intracelular). Vale ressaltar que os cátions também são
translocados via simplasto.
A captação dos íons da solução do solo para dentro das células ocorre por meio
de carregadores (ou sistema de carregadores) que se movem dentro do sistema de
membranas e/ou através de canais iônicos (ou túneis de proteína) cuja posição é fixa na
membrana celular, sendo ambas as estruturas formadas por grandes moléculas proteicas
ou complexos dessas proteínas. Existem carregadores de alta e baixa afinidade
específicos para cada tipo de íon. Os mecanismos de transporte de alta afinidade são
ativados quando há baixas concentrações desses nutrientes, enquanto os mecanismos de
baixa afinidade são ativados quando há altas concentrações dos mesmos.
Além dos íons, as plantas também podem absorver algumas moléculas de baixo
peso molecular, como a ureia e os aminoácidos. Contudo, os íons são as fontes mais
disponíveis para absorção na solução do solo. As plantas também possuem mecanismos
bioquímicos e fisiológicos que ajudam na absorção, como a excreção de H+ e HCO3-
originados a partir da atividade respiratória, promovendo trocas iônicas nas superfícies
das argilas e partículas húmicas, disponibilizando os demais íons para a absorção. Esta
liberação de H+, combinada ao aumento da capacidade de redução das raízes e a
liberação de substâncias de baixo peso molecular (aminoácidos), são responsáveis pela

248
formação de quelatos metálicos [Ferro (Fe), Alumínio (Al) e Manganês (Mn)] que são
absorvidos facilmente pelas raízes das plantas.
As três principais formas de transportes dos elementos minerais são: (1) co-
transporte ou simporte, quando dois íons de cargas opostas são transportados
simultaneamente através da membrana por meio de carregadores; (2) contra-transporte
ou antiporte, quando um íon dentro da célula é trocado pelo íon absorvido, sendo ambos
de mesma carga e realizado por carregadores; e (3) unipórtico, quando dois íons são
transportados em sentidos opostos por meio de um canal iônico, devido a uma diferença
de potencial elétrico entre o citosol e o apoplasto.

Os transportes de íons podem acontecer tanto a favor, como contra um gradiente


de concentração, pois frequentemente as plantas necessitam acumular íons. Quando um
íon é transportado contra a um gradiente de concentração, é necessário gasto energético
pela planta e este processo ativo de transporte depende do fornecimento de energia
proveniente da fotossíntese e da respiração. Por outro lado, não há gasto energético
quando um íon é transportado a favor de um gradiente de concentração.

4) Fatores que influenciam a disponibilidade, a absorção e o transporte dos


nutrientes
A absorção das diferentes formas de nutrientes pelas raízes das plantas é
dependente de interações físico-químicas do ambiente, como aeração, temperatura,
disponibilidade hídrica, pH, interações bióticas e o tipo de substrato. Além disso, a
capacidade de absorver e transportar os nutrientes também é depende do estágio de
desenvolvimento que o vegetal se encontra.

4.1) Interações físico-químicas


4.1.1) Aeração
É essencial que a região próxima das raízes (rizosfera) apresente aeração, visto
que as raízes, assim como outros tecidos, realizam a respiração celular aeróbica. Em
solos alagados, as plantas enfrentam a falta de quantidade ótima de oxigênio no solo,
causando uma redução na absorção de alguns nutrientes, como potássio e fosfato.
Alguns nutrientes precisam ser oxidados por bactérias aeróbicas para que possam ser
absorvidos pelas plantas, como os íons NH4+ e NO3-. Entretanto, muita aeração pode
causar uma redução da disponibilidade de Fe e Mn, devido a sua insolubilidade das
formas oxidadas.

249
4.1.2) Temperatura
A temperatura do substrato influencia a capacidade de difusão das moléculas,
influenciando em uma maior ou menor absorção pelos vegetais. A velocidade das
reações químicas também é alterada pela temperatura, pois as reações químicas tendem
a aumentar sua velocidade em temperaturas mais altas, enquanto reduzem sua
velocidade em temperaturas mais baixas. Em temperaturas extremamente frias, a
difusibilidade e as reações químicas das moléculas podem diminuir bastante, além da
possibilidade de formar cristais e danificar tecidos ou células dos vegetais quando a
água congela. Por outro lado, a viscosidade da água decresce em temperaturas muito
altas, levando a uma maior percolação dos íons e degradação das enzimas.

4.1.3) Disponibilidade hídrica


A água é o meio de transporte dos nutrientes. Uma vez que os nutrientes estão
solubilizados na água, estes podem ser absorvidos e transportados dentro da planta pelos
vasos condutores. Alguns elementos possuem menor mobilidade nas plantas, como o
cálcio, que necessita de muita água para ser absorvido e transportado.

4.1.4) Concentração hidrogeniônica do meio (pH)


A concentração dos íons de hidrogênio pode afetar direta ou indiretamente a
disponibilidade dos nutrientes para as raízes das plantas ou ainda causar toxicidade
química. A acidez do substrato pode aumentar quando elementos como o cálcio e o
magnésio são perdidos, por percolarem o substrato junto com a água. A maior acidez no
substrato pode disponibilizar maiores quantidades de micronutrientes, que em altas
concentrações podem causar toxicidade para as raízes das plantas. Apesar dos diferentes
níveis de pH no substrato, os elementos geralmente estão disponíveis para obtenção das
plantas na faixa de pH 5,0 a 6,5 (Figura 1).

250
Figura 1. Influência do pH do substrato na disponibilidade de nutrientes para as plantas em solos
orgânicos. Modificado de Taiz & Zeiger (2013).

4.1.5) Interações bióticas


Muitas plantas estabelecem associações simbióticas entre suas raízes e fungos
micorrízicos. Esse tipo de interação possibilita o aumento da área de absorção de
nutrientes das raízes, pois as hifas dos fungos crescem e alcançam maiores áreas do solo
e absorvem água e nutrientes. Por exemplo, plantas com micorrizas obtêm mais fosfato
e nitrogênio que plantas sem estas interações (Figura 2). Os fungos, por sua vez, obtêm
um local com condições ótimas de desenvolvimento e presença de foto-assimilados
produzidos pelas plantas hospedeiras. Ainda, as plantas micorrizadas são menos
afetadas negativamente em solos com altas concentrações de metais e outros sais.

251
Figura 2. (A) Erythrina speciosa sem micorrizas; (B) Erythrina speciosa com micorrizas e maior
crescimento em relação à planta sem micorrizas; (C) Detalhe das micorrizas nas raízes de Erythrina
speciosa.

5) A função de cada elemento mineral e os sintomas de sua escassez


Os elementos minerais desempenham diversas funções no decorrer do
desenvolvimento e crescimento das plantas. A quantidade necessária de cada um dos
elementos varia de acordo com a espécie vegetal, seu estágio de desenvolvimento, as
condições abióticas e as interações bióticas. A deficiência desses elementos minerais
essenciais afeta mais de um processo metabólico das plantas e mais de uma estrutura
vegetal. Quando se compara plantas bem nutridas com plantas com ausência/deficiência
de algum nutriente, observam-se alguns sintomas (Figuras 3 e 4). Por serem necessários
em maior quantidade, os macronutrientes geralmente são aqueles que normalmente
limitam o desenvolvimento adequado das plantas.

252
Figura 3. Eruca sativa (rúcula) cultivadas in vitro por 15 dias com todos os nutrientes (controle) e com a
ausência de algum macronutriente. (A) Visão geral do crescimento das plantas (folhas, hipocótilos e
raízes) e (B) a comparação da face adaxial e abaxial dos cotilédones.

De maneira geral, as deficiências se apresentam visíveis nas folhas (novas ou


maduras) com o aparecimento de clorose (amarelamento) e/ou necrose (regiões marrons
ou morte). As plantas também podem apresentar sintomas de deficiência quando os
micronutrientes estão ausentes (Figura 4).

253
Figura 4. Eruca sativa (rúcula) cultivadas in vitro por 15 dias com todos os nutrientes (controle) e com a
ausência de algum micronutriente. (A) Visão geral do crescimento das plantas (folhas, hipocótilos e
raízes) e (B) comparação da face adaxial e abaxial dos cotilédones.

Para cada um dos elementos essenciais, podem-se observar diferenças


específicas em determinadas regiões das plantas, como alterações nas folhas, nos caules
e nas raízes (Figuras 3 e 4). As manifestações externas de deficiências nutricionais
refletem alterações no crescimento e desenvolvimento das plantas, podendo levar à
redução do seu fitness e à morte.

254
5.1) Macronutrientes

5.1.1) Nitrogênio: Uma vez que o nitrogênio está presente nos aminoácidos, proteínas,
nucleotídeos, ácidos nucleicos, clorofilas e coenzimas, ele é um dos elementos minerais
essenciais mais limitantes para o desenvolvimento das plantas. Quando ocorre a
deficiência desse elemento, a planta geralmente apresenta diminuição acentuada do seu
crescimento, clorose generalizada, raízes primárias mais alongadas e acúmulo do
pigmento antocianina (cor arroxeada em algumas regiões) (ver Figura 3).

5.1.2) Potássio: O potássio como é o cofator de diversas enzimas, está envolvido no


processo de osmose, manutenção da eletronegatividade celular e está envolvido na
abertura e no fechamento dos estômatos. Na deficiência de potássio, as plantas
apresentam áreas cloróticas nos ápices e margens foliares, os caules ficam fracos, as
plantas podem murchar com facilidade e pode ocorrer inibição da formação e
crescimento de gemas (ver Figura 3).

5.1.3) Cálcio: O cálcio é um importante componente da parede celular, é cofator de


ativação de enzimas e pode atuar como mensageiro celular. Quando ocorre sua
deficiência, os ápices foliares e radiculares podem morrer, pode ocorrer curvamento das
folhas, diminuição do crescimento, as raízes podem ficar reduzidas em tamanho,
apresentando mais ramificações e pode ocorrer a clorose generalizada, levando à morte
do vegetal (ver Figura 3).

5.1.4) Fósforo: O fósforo faz parte dos açúcares, ácidos nucléicos, coenzimas,
fosfolipídeos, do ATP e ADP. As plantas com deficiência de fósforo geralmente
apresentam acúmulo de antocianinas, ocorre redução da expansão das folhas, os caules
ficam atrofiados e as folhas mais maduras tendem a morrer com o aumento da
severidade da deficiência desse elemento (ver Figura 3).

5.1.5) Magnésio: O magnésio é o principal componente da molécula de clorofila e


também é um ativador de diversas enzimas, como àquelas envolvidas na transferência
de fosfatos. A falta desse elemento causa clorose internerval, afetando primeiramente as
folhas mais maduras, enquanto os ápices e margens foliares podem se curvar para cima
(ver Figura 3).

255
5.1.6) Enxofre: O enxofre é um elemento que compõe alguns aminoácidos e proteínas,
é um constituinte funcional de enzimas e participa de processos de desintoxicação por
metais pesados. A deficiência de enxofre pode causar a clorose generalizada, acúmulo
de antocianinas e redução do crescimento (ver Figura 3).

5.2) Micronutrientes

5.2.1) Ferro: O ferro está envolvido na síntese das moléculas de clorofila e é um dos
componentes do citocromo e de enzimas ligadas a absorção de nitrogênio, como a
nitrogenase. Na deficiência de ferro, as folhas apresentam clorose internerval, ficando
totalmente cloróticas, com necrose (ver Figura 4).

5.2.2) Boro: O boro está envolvido no metabolismo de ácidos nucléicos, alongamento


celular, é necessário na integridade de membranas e influencia a utilização do cálcio. Na
sua deficiência, a base das folhas novas apresenta deterioração, ocorre a redução do
crescimento radicular, morte das gemas apicais e laterais, seguida da morte de todo o
sistema caulinar (ver Figura 4).

5.2.3) Manganês: O manganês é um ativador de algumas enzimas (desidrogenases,


descarboxilases, quinases, oxidases e peroxidases), está envolvido na manutenção da
membrana do cloroplasto e participa das reações da fotossíntese (liberação do oxigênio).
Na deficiência de manganês ocorre a clorose internerval, manchas pequenas de necrose
e desorganização das membranas dos tilacoides (ver Figura 4).

5.2.4) Zinco: O zinco participa da ativação de algumas enzimas, como a desidrogenase


glutâmica (oxida proteínas de reserva, liberando energia para as células e atuando na
síntese de aminoácidos) e a anidrase carbônica (auxilia a enzima Ribulose1,5-Bifosfato
Carboxilase Oxienase [RUBISCO] na captura do CO2). Na sua deficiência, há redução
no alongamento do caule, clorose internerval, folhas reduzidas e distorcidas (ver Figura
4).

5.2.5) Cobre: O cobre é um elemento ativador que compõe algumas enzimas


envolvidas em oxidação e redução, como o ácido ascórbico oxidase (atua na degradação
do ácido L-ascórbico ao longo do processo de amadurecimento de frutos), fenolase
(responsáveis pela oxidação quando há formação de fenois), e outras enzimas. A

256
deficiência de cobre pode causar deformação nas folhas novas, a coloração destas folhas
fica verde escura, causa fechamento estomático e manchas de necrose (ver Figura 4).

5.2.6) Molibdênio: o molibdênio é um cofator da enzima nitrato redutase, ou seja, é


essencial na redução do nitrato durante o metabolismo do nitrogênio nas plantas. Na sua
deficiência, ocorre o acúmulo de nitrato, clorose e necrose internerval.

6) Referências

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Taiz, L. & Zeiger, E. (2013). Fisiologia Vegetal. 5. ed. Artmed.

257
Anotações:

258
CAPÍTULO XX
Recursos genéticos vegetais: aplicações do cultivo in
vitro
Antônio Azeredo Coutinho Neto
Me. Priscila Primo Andrade Silva

1) Introdução

1.1) História dos recursos genéticos vegetais ao longo do tempo


As grandes coleções de recursos genéticos vegetais tiveram início há mais de
500 anos com a coleta de espécies de plantas do novo mundo pelos colonos ibéricos.
Também há relatos de antigas coleções de plantas medicinais cultivadas pelos
muçulmanos e em monastérios na Europa. Três séculos mais tarde, os Reais Jardins
Botânicos de Kew foram criados no Reino Unido, um dos mais antigos, extensos e
prestigiados Jardim Botânico do mundo. Este apresenta uma vasta coleção com mais de
95% das angiospermas conhecidas. Nos séculos XVI e XVII, outros grandes jardins
botânicos foram originados em diversas regiões do mundo com o objetivo de aumentar
a variedade das coleções e preservar a variabilidade de espécies vegetais.
A variabilidade vegetal integrante da biodiversidade tem sido utilizada para
atender às necessidades e objetivos humanos (por exemplo, programas de
melhoramento, biotecnologias e outras ciências a fins) e é conhecida como recursos
genéticos vegetais ou fitogenéticos. Com o intuito de regulamentar a preservação e
utilização dos recursos vegetais, criou-se o Conselho Internacional de Recursos
Fitogenéticos (International Board for Plant Genetic Resources - IBPGR) em 1974 por
meio do apoio do Conselho de Pesquisa Agrícola Internacional (Consultative Group on
International Agricultural Research - CGIAR). Posteriormente, as atribuições do IBPGR
foram concedidas ao Instituto Internacional de Recursos Fitogenéticos (IPGRI) em
1991.
Mesmo com a regulamentação criada pelo IBPGR, houve uma significativa
redução da variabilidade genética das espécies vegetais nos últimos 100 anos, devido à
perda do seu habitat natural (desmatamento, expansão urbana, modernização da
agricultura), distúrbios no seu habitat (construções de rodovias, cidades, etc.) e desastres
naturais (secas, enchentes, aumento da temperatura). Estes eventos são os principais
259
responsáveis pela erosão genética ou gênica, que é a perda de material genético ao
longo do tempo (devido a fatores naturais ou artificiais). Para evitar ou diminuir o
processo de erosão genética, foram desenvolvidas estratégias de conservação
denominadas: (1) ex situ, a conservação que é feita fora do habitat da espécie, realizado
principalmente por meio de bancos de germoplasma; (2) in situ, quando a conservação
ocorre dentro do habitat da espécie, como bosques, parques e reservas naturais; e (3) on
farm, quando a conservação visa também à possibilidade de exploração junto aos
moradores e produtores locais.
A estratégia de conservação ex situ (bancos de germoplasma) possui algumas
vantagens em relação à conservação in situ, dentre elas podemos citar a manutenção do
material genético, pois diminui o seu contato com patógenos, pragas e fatores abióticos
ou bióticos que apresentem risco para a conservação da espécie. O banco de
germoplasma visa preservar a biodiversidade na forma de sementes, pólen, tecidos,
órgãos vegetativos e plantios em casa de vegetação e no campo. Uma das técnicas
utilizadas como bancos de germoplasma é conhecida desde 1902, o chamado cultivo in
vitro, no qual se cultivam células somáticas em frascos com solução nutritiva e livre de
contaminações. Entretanto, a conservação dos recursos genéticos por meio de bancos de
germoplasma in vitro é uma atividade contínua que demanda tempo, profissionais
capacitados, instalações adequadas, etapas de desenvolvimento da técnica, além de
recursos financeiros para manter o bom funcionamento e a manutenção do banco.

2) Laboratório de cultura de tecidos vegetais


2.1) Instalações

Para o estabelecimento das atividades de cultura de tecidos é necessário um


ambiente asséptico, com condições de temperatura e iluminação controladas, além de
instalações apropriadas para as atividades que serão realizadas. Assim, o laboratório de
cultura deve ser separado em sala de limpeza, sala de preparo, sala de transferência, sala
de cultura e outras dependências.
Sala de limpeza: é o local para a lavagem de vidrarias; autoclavagem de meios
de cultura, água e materiais diversos; descarte de meios de cultura utilizados e outros
resíduos. Esta sala deve apresentar pias fundas com torneiras, autoclave, destilador,
estufa de secagem de vidraria, armários e prateleiras para estocagem temporária de
vidraria, escorredores para vidraria e bancada para trabalho.

260
Sala de preparo: é o local para o preparo de meios de cultura e outras soluções.
Esta sala deve possuir armários e estantes para a estocagem de vidraria e do material (de
consumo e permanente) utilizado nas atividades do laboratório, também deve ser dotado
de geladeira, freezer, micro-ondas, balanças, medidor de potencial hidrogeniônico
(pHmetro), agitador magnético e bancadas para trabalho.
Sala de transferência: é o local para manipulação asséptica do material vegetal.
Esta sala deve estar equipada com câmara de fluxo laminar, aparelho de ar
condicionado, armários e estantes para armazenamento temporário dos meios de cultura
e materiais já autoclavados. Deve ser instalada ao lado da sala de cultura e ter vedação
contra a entrada de ar e poeira externa ao laboratório.
Sala de cultura: é o local onde as culturas serão mantidas até serem retiradas
dos frascos. Esta sala deve ser equipada de estantes com prateleiras iluminadas por
lâmpadas fluorescente ou lâmpadas L.E.D. A intensidade luminosa pode variar de 30 a
150 mmol m-2 s-1. O fotoperíodo deve ser mantido por meio de comutadores eletrônicos,
com 12 horas de luz e 12 horas de escuro, ou ainda 16 horas de luz e 8 horas de escuro.
A temperatura da sala pode ser mantida em torno 25°C (dependo da espécie), por meio
do uso de aparelho de ar condicionado.
Outras dependências: (1) câmaras de nebulização são ambientes dentro da casa
de vegetação equipados com atomizadores utilizados para manter o teor de umidade
elevado em todo o ar na instalação, onde as plantas são transferidas após a saída da sala
de cultura; (2) telado é uma instalação feita de uma armação de madeira, plástico ou
metal envolvidos lateral e superiormente por tela de nylon de cor preta ou cinza, onde as
plantas obtidas da câmara de nebulização são mantidas em vasos para terminar a fase de
aclimatização; (3) casa de vegetação são ambientes com cobertura plástica, telhas
transparentes ou de vidro e laterais de tela de nylon, onde são mantidas as plantas após a
aclimatização.

3) Etapas do cultivo in vitro


O cultivo de tecidos vegetais também pode ser chamado de micropropagação ou
propagação vegetativa in vitro, devido ao tamanho dos explantes. A técnica de cultivo
in vitro, além de ser utilizada para conservação vegetal por meio de bancos de
germoplasma, também permite a produção de material vegetal homogêneo e em larga
escala para a comercialização. O cultivo in vitro é diferente para cada espécie, seja para

261
propagação vegetal com interesse comercial quanto com interesse de conservação, mas
basicamente apresenta quatro estágios de desenvolvimento:

3.1) Estágio I – estabelecimento in vitro


Seleção e coleta de explantes: os explantes são considerados células, tecidos ou
órgãos vegetais escolhidos para o estabelecimento in vitro. O nível de diferenciação do
material utilizado e a finalidade do cultivo in vitro ou micropropagação são fatores
relevantes para a seleção dos explantes. Os explantes mais indicados são aqueles que
contêm maior proporção de tecido meristemático ou que tenham maior capacidade de
expressar a totipotência, como gemas apicais (caulinares ou radiculares), gemas axilares
(segmentos nodais), meristemas florais, embriões ou tecidos da semente. Todavia, visto
que outras células vegetais de algumas espécies apresentam totipotência, outros tipos de
tecido podem ser utilizados como explante.
Desinfestação: obter os tecidos descontaminados sem levá-los à morte é o
grande desafio nesta etapa. Assim, os pré-tratamentos aplicados na planta matriz são
muito importantes para o êxito dessa etapa, principalmente em relação aos
microrganismos endógenos. Para a desinfestação dos explantes, são utilizadas
substâncias com ação germicida, como o etanol, hipoclorito de sódio, hipoclorito de
cálcio, cloreto de mercúrio, ácido clorídrico, peróxido de hidrogênio, fungicidas,
antibióticos, entre outros. As combinações dos princípios ativos desinfestantes, assim
como suas concentrações e tempo de exposição, variam em relação ao tipo de explante,
levando em consideração a sensibilidade, a superfície (reentrâncias) do tecido a ser
desinfestado e outros fatores que possam influenciar na desinfestação. É indispensável
que o processo de desinfestação seja realizado em capela de fluxo laminar em condições
assépticas, com o uso de material previamente esterilizado, a fim de evitar
contaminações por fungos ou bactérias (Figura 1).

262
Figura 1. Clonagem a partir de explantes de segmentos caulinares de Catasetum fimbriatum
(Orchidaceae) em meio de cultivo Vacin e Went (1949). A. Contaminação por fungos; B. Contaminação
por bactérias.

Meios de cultura: diversas formulações de meios básicos têm sido utilizadas


para o cultivo in vitro. Todavia, a formulação descrita por Murashige e Skoog (1962)
(MS) é a mais utilizada para o cultivo in vitro de diversas espécies. As formulações
básicas em geral contêm os nutrientes (macro e micronutrientes) (vide Capítulo 20) e
outras substâncias necessárias para o desenvolvimento dos tecidos (ou órgãos da planta)
que podem ser modificadas de acordo com as necessidades da espécie a ser propagada.
Outras substâncias podem ser adicionadas aos meios de cultura, como (1) antioxidantes
(ácido cítrico, ácido ascórbico e carvão ativado) para diminuir a oxidação de compostos
fenólicos que são liberados por células danificadas; (2) fitorreguladores (citocininas,
auxinas e giberelinas) utilizados para suprir as possíveis deficiências dos teores
endógenos de hormônios nos explantes, e (3) agentes solidificantes (ágar) usados para
solidificar ou semi-solidificar os meios para inocular o explante. Os frascos contendo o
meio de cultura devem ser previamente autoclavados antes da transferência dos
explantes.

3.2) Estágio II – multiplicação in vitro


Multiplicação dos propágulos: embora o principal objetivo desta fase seja o
maior número de plantas no menor espaço de tempo, é importante alcançar uma média
satisfatória de plantas com o mínimo de variação de explante para explante, além da
qualidade e homogeneidade das plantas produzidas. Visto isto, variáveis como a
composição dos meios de cultura utilizados, as condições ambientais de crescimento e o
cuidado na manipulação do material durante as subculturas podem ser alteradas para
otimizar esta fase, de acordo com a necessidade da espécie vegetal que está sendo

263
utilizada. Os explantes cultivados a partir de células ou tecidos vegetais podem se
desenvolver por meio de (1) embriogênese somática, onde células haploides ou
somáticas se desenvolvem por meio de formação de embriões zigóticos ou somáticos,
através dos estágios embriogênicos; (2) organogênese, processo de desenvolvimento
sem a passagem por estágio embrionário, induzido a partir de células ou tecido vegetal
(Figura 2). Ambos os processos podem ocorrer de forma direta, quando a planta se
desenvolve diretamente em um explante; e indireta, quando ocorre a formação de um
calo (estrutura que apresenta células em diferentes estágios de diferenciação) que
posteriormente dará origem à planta.

Figura 2. Processos de embriogênese somática (B) e organogênese direta (D). A. Planta adulta de Feijoa
selowiana doadora de explante; B. Embrião somático de Feijoa selowiana em processo de regeneração;
C. Planta adulta de Garcinia humilis doadora de explante; D. Regeneração de planta a partir de segmento
caulinar.

Meios de cultura para multiplicação: modificações nas formulações básicas dos


meios de cultura, como alterações na concentração de nitrato de amônio, de potássio e
cloreto de cálcio podem aumentar a taxa da multiplicação de algumas espécies.
Também existem relatos que a concentração de sacarose ou outras fontes de açúcar
podem favorecer a multiplicação e o crescimento de algumas espécies de plantas. Os
fitorreguladores são outras substâncias muito utilizadas para a multiplicação em
diferentes concentrações, como as citocininas [benzilaminopurina (BAP), cinetina
(CIN) e isopenteniladenina (2iP)], auxinas [ácido naftaleno acético (ANA), ácido
indólbutírico (AIB) e ácido indolacético (AIA)] e giberelinas (ácido giberélico - GA3)
(vide Capítulo 22).

264
Condições de incubação: o escuro total ou intensidades de luz reduzidas podem
reduzir a oxidação fenólica nos explantes após o isolamento e também podem diminuir
o estresse em explantes que não estavam expostos à luz, como meristemas de rizomas,
bulbos e raízes. Para evitar a indução de dormência é indicado ajustar o fotoperíodo
para dias longos (16 horas de luz e 8 horas de escuro). A temperatura pode variar de 20
a 27 °C dependendo da espécie. O tipo de tampa do frasco utilizado também pode
influenciar o desenvolvimento das culturas, determinando o nível de trocas gasosas com
o ambiente externo. A vedação total do frasco leva ao acúmulo de gases liberados pela
cultura (etileno e CO2) e à saturação de vapor de água que diminui o fluxo transpiratório
nas culturas, podendo ocasionar a deficiência de elementos minerais e a vitrificação dos
propágulos.
3.3) Estágio III - Enraizamento

Enraizamento da parte aérea: as plantas obtidas a partir do cultivo in vitro


geralmente não apresentam raízes, sendo necessário induzir a sua formação para
posterior transferência às condições ex vitro. A rizogênese pode ser dividida em
indução, iniciação e alongamento das raízes. Para algumas espécies é possível induzir o
enraizamento a partir de diluições em formulações básicas do meio de cultura (MS,
White, entre outros), sendo indicado utilizar meios mais diluídos na fase de indução e
mais concentrados na fase de alongamento das raízes. A sacarose, vitaminas e inositol
também proporcionam o enraizamento de algumas espécies. Além destes, auxinas (AIB,
ANA e AIA) em baixas concentrações também são utilizadas para o desenvolvimento
de raízes. O carvão ativado também pode ajudar no alongamento, pois ele simula a
condição de escuro que as raízes normalmente se desenvolvem.
3.4) Estágio IV - aclimatização

Aclimatização das plantas: estágio no qual as plantas obtidas por meio do


cultivo in vitro são transferidas para condições ex vitro antes da transferência para o
campo, ou seja, as plantas são transplantadas em vasos contendo substrato (casca de
pinus, vermiculita, fibra de coco, areia, entre outros) e são mantidas em ambientes
úmidos e com baixa intensidade luminosa antes de serem levadas ao campo. Essa etapa
envolve a substituição de uma condição heterotrófica (fornecimento de carbono na
forma de açúcar) para outra autotrófica (sem o fornecimento de açúcar); transferência
das plantas de uma situação de reduzido fluxo respiratório para um ambiente que
demanda o aumento da taxa de transpiração, podendo levar ao estresse hídrico;
265
mudança de uma condição de alta disponibilidade de nutrientes para outra onde é
necessário incrementar a absorção de sais e passagem de um ambiente asséptico para
outro onde a planta estará sujeita ao ataque de microorganismos. Em algumas espécies,
essa mudança súbita pode representar um fator limitante para o processo de propagação.

4) Melhoramento vegetal

4.1) Produção de material vegetal homogêneo


A produção de espécies em larga escala e com uma homogeneidade tem sido
requerida ao longo do tempo, com o aumento na comercialização de plantas. A técnica
de cultivo in vitro que possibilita essa produção em larga escala e com homogeneidade
tem um grande foco em espécies ornamentais herbáceas e arbustivas. Por exemplo,
algumas empresas focam apenas na produção de orquídeas e bromélias (Figura 3),
enquanto outras produzem plantas do setor alimentício, como banana, coqueiro e cana-
de-açúcar, assim como também produzem algumas espécies arbóreas.

Figura 3. Clonagem de Phalaenopsis (Orchidaceae). A. Cultivo in vitro a partir de hastes florais em meio
de cultura Vacin e Went (1949); B. Plantas aclimatadas em estágio juvenil em casa de vegetação; C.
Plantas adultas com flores em estufa.

4.2) Acelerar o processo de maturação vegetal – Estudos de floração


A técnica de cultivo in vitro permite o estudo e a aplicação de fatores externos
que influenciam a floração de espécies vegetais como a variação da quantidade de
nutrientes, concentrações de hormônios externos, luminosidade e temperatura (Figura
4).

266
Figura 4. Floração in vitro de Psygmorchis pusilla (Orchidaceae) em meio de cultura Vacin e Went
(1949).

Nesta etapa, podem-se realizar estudos sobre a polinização das espécies,


fertilização e desenvolvimento de embriões em condições controladas, utilizando
diferentes materiais reprodutivos, desde os óvulos até as anteras. A realização da
polinização in vitro possibilita acompanhar os processos de antese, deiscência das
anteras, emascular e proteger botões florais, e obter pólen asséptico. Assim, pode-se
compreender melhor a floração e a frutificação das espécies, permitindo a melhoria das
condições de reprodução e de desenvolvimento de algumas plantas.

4.3) Variabilidade somaclonal


As espécies vegetais, após passarem por diversos cultivos assexuados, podem
apresentar naturalmente variabilidade genotípica e, em alguns casos, fenotípica, seja
através de cultivo in vitro ou in vivo. Essa variação é conhecida como variação
somaclonal e pode ser positiva ou negativa para o produtor. As plantas de bananeira,
após serem repicadas mais de sete vezes, podem apresentar diferentes variações
fenotípicas ao serem aclimatadas em campo. São diversos tipos de variações que podem
ser até deletérias para o estágio reprodutivo ou vegetativo das bananeiras.
Quando existe uma busca de plantas com homogeneidade na produção, a
variação genética é reduzida e/ou perdida, havendo formação de plantas anãs, plantas
sem flores ou frutos. Porém, o cultivo in vitro pode levar a uma variação somaclonal
positiva, como frutos de pimentão com menor número de sementes em relação às
plantas matrizes, ou plantas com folhas variegadas que são de interesse comercial
(Figura 5).

267
Figura 5. Cultura in vitro em meio Murashigue e Skoog (1962) de Spathiphyllum wallisii (lírio da paz).
A. Planta com folhas normais; B. Planta com variação somaclonal (folha variegata).

4.4) Intercâmbio de material vegetal


As plantas in vitro são uma possibilidade para importação ou exportação de
material vegetal vivo para estudos em outros Estados ou países, pois a técnica
possibilita que plantas sejam enviadas para outras localidades sem o envio de outros
seres vivos, como fungos, bactérias e invertebrados. Ainda, as condições assépticas e
protegidas do material in vitro permitem que estes materiais vegetais permaneçam
protegidos mesmo quando em averiguação por órgãos de vigilância sanitária e serviços
de quarentena de material biológico vivo.

4.5) Plantas livres de fitopatogênicos


As plantas podem ser acometidas por pragas e doenças que causam injúrias ou
até a sua morte. Essas doenças podem ser causadas por fungos, bactérias, nematoides,
micoplasmas e vírus. Quando os agentes químicos que erradicam determinada doença
de um vegetal não são efetivos ou ainda não existem no mercado, pode-se usar a técnica
de cultivo in vitro como maneira de obtenção de material desinfestado da doença.
Plantas, como a batata (Solanum tuberosum), o alho (Allium sativum) e a mandioca
(Manihot esculenta), geralmente são propagadas por ramos, bulbos, rizomas e outros
(vegetativamente). Todavia, quando são acometidas por doenças causadas por vírus,

268
essas plantas são micropropagadas via ápices caulinares, os quais possuem menores
quantidades virais, permitindo o desenvolvimento e crescimento de plantas livres ou
com carga viral muito baixa a ponto de não apresentarem sintomas da doença. Um dos
fatores que permite a obtenção de culturas livres de contaminação é o tamanho pequeno
dos explantes utilizados no estabelecimento inicial da cultura, pois a literatura cita que
explantes de 0,12 à 0,4 mm permite obtenção de plantas livres de vírus. Outra maneira
de obtenção de plantas com menor carga viral é utilizando-se a técnica de
microenxertia, especialmente na citricultura.

4.6) Microenxertia
Essa técnica consiste em germinar in vitro uma semente que originará uma
planta de tamanho suficiente para ser decapitada, o porta-enxerto, induzindo-se em
paralelo a produção de uma gema em uma planta matriz ex vitro. A gema da planta
matriz é coletada e passa por desinfestação, sendo inserida in vitro sobre o porta-
enxerto. A microenxertia geralmente é utilizada para a obtenção de plantas livres de
doenças ou ainda para a produção de plantas idênticas aquelas plantas matrizes do
campo.

4.7) Produção de compostos químicos


O uso da técnica de cultura de tecidos vegetais permite a produção de compostos
primários e secundários (vide Capítulo 22) pelas plantas, sem a necessidade da retirada
in situ. Dentre as vantagens anteriormente descritas para o cultivo in vitro (grande
número de indivíduos, menor tempo de cultivo, ausência de microrganismos), também
se pode controlar totalmente o ambiente, e com isso, aumentar a produtividade do calo
ou planta para a produção do composto químico. No estabelecimento in vitro, com esse
objetivo, procura-se selecionar plantas que produzam maior quantidade do composto
químico de interesse. Posteriormente, realiza-se a escolha do tipo de explante e a
desinfestação do tecido. Na sequência do estabelecimento da cultura in vitro, procuram-
se determinar o meio de cultivo sólido, com a presença ou não de reguladores de
crescimento e desenvolvimento. Esse meio de cultivo específico induz a formação de
calos, como o realizado para Senecio douglasii, cujo extrato já se mostrou eficiente no
controle de nematoides (Figura 6).

269
Figura 6. Cultura in vitro de calos produtores de compostos químicos de interesse, mantida em meio
Murashigue e Skoog (1962) e obtidas de folhas de Senecio douglasii (Cinerária-marítima).

Uma outra maneira de cultivo in vitro que também pode e é empregado para
produção de metabólitos vegetais de interesse é a cultura de células sem parede celular
(protoplastos). Uma das culturas pesquisadas através desta é com a espécie Coptis
japônica, que produz o alcaloide berberina do grupo dos alcaloides isoquinolínicos.
Estes alcaloides vêm sendo testados com bons resultados para doenças
neurodegenerativas como o Parkinson. Porém, a cultura de protoplastos, assim como a
cultura de calos em meio sólido ou líquido, possibilita que os pesquisadores realizem
melhoramento genético vegetal através de produção de plantas transgênicas, obtenção
de híbridos naturais e seleção de mutantes.

4.8) Estudo molecular e celular (mutantes e transgênicos)


Os protoplastos e os calos vegetais podem ser submetidos a condições indutoras
de mutações como as radiações eletromagnéticas (radiação x, radiação gama e
ultravioleta) ou radiações corpusculares (alfa, beta), ou ainda através de agentes
mutagênicos químicos, como compostos semelhantes às bases moleculares do ácido
desoxirribonucleico (DNA) que causam o pareamento incorreto de bases, antibióticos
que podem gerar fragmentação nos cromossomos, e agentes alquilantes que reagem com
o DNA. Após a exposição ao mutagênico físico ou químico, os protoplastos e/ou calos
são transferidos para um meio seletivo de mutante e sequencialmente para um meio de
regeneração do vegetal. A geração desses mutantes na população de células ou plantas
homogêneas pode conferir características de interesse ainda inexistentes em espécies
cultivadas no campo.

270
A obtenção de células vegetais transgênicas a partir da cultura de protoplastos é
efetiva tanto quanto aquela empregada com calos. Entretanto a regeneração de plantas a
partir de protoplastos tanto para plantas mutantes citadas anteriormente quanto para as
transgênicas demandam protocolos específicos. O protocolo de transgenia com
protoplastos realiza-se com culturas já estabelecidas, onde geralmente transfere-se
diretamente DNA livre. Também utiliza-se a transferência de plasmídeos com o
promotor e respectivo gene de interesse obtido de um outro vegetal, animal ou
microrganismo através do cultivo da bactéria Agrobacterium tumefaciens ou
Agrobacterium rhizogenes durante algumas horas. Em seguida a infecção as bactérias
são eliminadas com antibióticos e seleciona-se as plantas com inserção positiva do gene
para a regeneração e obtenção das plantas transgênicas.
A transferência do gene de interesse para a célula vegetal pode seguir através de
duas vias, a via de inserção direta em que a membrana celular é desestabilizada com
polietilenoglicol (PEG) ou ainda através da aplicação de pulsos elétricos curtos de alta
voltagem (eletroporação) e através de disparos de projéteis de ouro ou tungstênio com
DNA, essa técnica chama-se biobalística. A outra via é indireta por meio da inserção do
gene em um plasmídeo bacteriano que é inserido na região deletada de Transferred
DNA (T-DNA). Essa via pode ser utilizada tanto para protoplastos, calos e outros
tecidos vegetais in vitro.
Após a transferência do plasmídeo pela bactéria para a célula vegetal, que pode
levar dependendo da cultura é variável para mais ou menos, seleciona-se as plantas
através de meios de cultivo com antibióticos como a canamicina ou geneticina. As
transgênicas possuem gene de resistência (genes marcadores transferidos junto no
plasmídeo) aos dois agentes, porém aquelas não transformadas não possuem essa
resistência e não se desenvolvem no meio de seleção. Também utilizam-se genes
repórteres como aquele que codifica a expressão da enzima β-glucuronidase (GUS) que
pode ser avaliado histoquimicamente para a confirmação da transgenese. Outras
técnicas como reação em cadeia da polimerase (PCR) acoplada com o uso de fitas de
DNA com 20 pares de base complementares (primers) ao gene de interesse possibilitam
a detecção da inserção positiva no material genético do vegetal. A célula, calo ou tecido
vegetal é transferido para meios de regeneração (Figura 7), podendo passar novamente
por uma seleção para eliminar falsos positivos da transgenia.

271
Figura 7. Plantas de Solanum lycopersicum regeneradas de folhas com calos e mantidas em meio
Murashigue e Skoog (1962) suplementado com o fitohôrmonio cinetina (citocinina).

5) Conservação vegetal

5.1) Banco de germoplasma in vitro

Em muitos locais do mundo existem bancos de germoplasma que tem como


função a preservação do material genético de plantas que em seu habitat natural estão
extintas ou em risco de extinção, pensando em usos atuais ou futuros desses bancos
como fonte de espécies e variedades que possam ser reestabelecidas no ambiente ou
usadas para estudos e melhoramento do biotipo selvagem.
Existem diversos tipos de bancos de germoplasma, o mais comum deles é feito a
partir da conservação das sementes. Entretanto, nem todas as plantas possuem sementes
ou ainda sementes possíveis de se manterem viáveis por longos períodos de tempo.
Algumas dessas sementes, se armazenadas, perdem ao longo do tempo a sua
viabilidade, como as sementes de Brassavola tuberculata (Orchidaceae) que após 360
dias de armazenagem reduz quase 30% na germinabilidade das sementes.
Uma alternativa para este problema de diminuição de viabilidade (das sementes)
é o cultivo in vitro destas espécies, feito em meios modificados para proporcionar um
crescimento lento sem prejudicar o desenvolvimento do vegetal, luminosidade mais
baixa que a utilizada com frequência nos cultivos in vitro e baixas temperaturas (Figura
8). O cultivo in vitro de espécies ameaçadas de extinção em bancos de germoplasma
abre possibilidade para sua recuperação in situ em áreas de conservação.

272
Figura 8. Banco de germoplasma para manutenção de algumas espécies vegetais.

5.2) Recuperação de espécies em risco de extinção


A recuperação de espécies extintas ou ameaçadas de extinção é uma modalidade
ainda em estudos e insipiente, devido às questões éticas e ambientais envolvidas nas
discussões de reintrodução de uma espécie no ambiente natural. Algumas espécies
perderam o seu ambiente natural e existem somente em bancos de germoplasma, como a
espécie de cactos de apenas 100 indivíduos de Melocactus sergipensis. Essa espécie
apresenta-se em risco de desaparecimento do ambiente natural.
Esta espécie de cacto possui sementes com um período de armazenagem
relativamente curto e tem sido levantada a possibilidade de cultivo in vitro e sua
reintrodução em parques de conservação da região do estado de Sergipe onde a espécie
ocorre. Mantendo uma conservação in vitro e também criando uma conservação in situ,
pode-se manter o banco genético dessa espécie. Para algumas espécies, o cultivo in vitro
é uma forma eficiente de conservar e preservar a espécie vegetal.

6) Referências

Berilli, S.S.; Carvalho, A.J.C.; Freitas, S.J.; Faria, D.C.; Marinho, C.S. (2011).
Avaliação do desenvolvimento de diferentes tamanhos de mudas micropropagadas
de abacaxizeiro, após aclimatação. Revista Brasileira de Fruticultura 33(1): 208-
214.
Bregonc, S.I.; Reis, E.S.; Almeida, G.D.; Brum, V.J.; Zucoloto, M. (2008). Avaliação
do crescimento foliar e radicular de mudas micropropagadas do abacaxizeiro cv.
Gold em aclimatação. Idesia 26(3): 87-96.
Cid, L.P.B. (2010). Cultivo in vitro de plantas.1.ed. Embrapa.
Rosa, Y.B.C.J.; Júnior, G.A.M.; Soares, J.S.; Rosa, D.B.C.J.; De Macedo, M.C.;
CEZAR, A.M.A. (2013). Estudo da viabilidade de sementes de Brassavola

273
tuberculata hook. em função do período de armazenamento, tempo de cultivo e
tratamento pré-germinativo. v. 19, n° 02, Ornamental Horticulture.
Torres, A.C.; Caldas, L.S.; Buso, J.A. (1998). Cultura de tecidos e transformação
genética de plantas. 1. ed. Embrapa.
Torres, A.C.; Caldas, L.S.; Buso, J.A. (1999). Cultura de tecidos e transformação
genética de plantas. 2. ed. Embrapa.

274
Anotações:

275
CAPÍTULO XXI
Da genômica à bioinformática
Sara Sangi
Ricardo Ernesto Bianchetti

Bem-vindo à era Genômica


Genoma é todo o DNA presente no núcleo das células germinativas. No caso dos
humanos, as células somáticas possuem dois genomas: um provindo do gameta
masculino e o outro provindo do gameta feminino. A genômica baseia-se em estudar
todo o genoma de determinado organismo. Não é possível estudar aquilo que não se
conhece e em termos de genômica para conhecermos tem-se a necessidade de
sequenciar.
O sequenciamento de um genoma baseia-se na determinação da ordem de
nucleotídeos na cadeia de DNA de um indivíduo. A história do sequenciamento teve
início década de 1970 quando Sanger e colaboradores (1977) e Maxam e Gilbert (1977)
desenvolveram metodologias de sequenciamento de DNA por terminação de cadeia e
fragmentação. Pelo menor custo e facilidade de automatização a metodologia de
sequenciamento proposta por Sanger prevaleceu durante os próximos 30 anos, sendo
ainda utilizado nos dias de hoje em casos pontuais. O genoma do fago phi X174,
primeiro organismo a ter o genoma totalmente sequenciado, foi sequenciado utilizando
o método proposto por Sanger. Apesar da longetividade do sequenciamento de Sanger,
apenas em 2000 o primeiro organismo vegetal, a espécie modelo para estudos genéticos
e fisiológicos Arabidopsis thaliana, foi inteiramente sequenciada. Exponencialmente,
hoje uma série de espécies vegetais já foi inteiramente sequenciada, incluindo várias de
interesse agronômico, como o tomateiro, batata, arroz, soja, trigo, aveia, sorgo e milho.
Em 1990 com o início do projeto “Genoma Humano” e subsequente investimento
das instituições públicas e privadas surgiram o desenvolvimento de novas metodologias
capazes de gerar informações maiores, mais baratas e em menor tempo do que o
sequenciamento de Sanger. Portanto, em 2006, deu-se a emergência do Sequenciamento
de Nova Geração (Next Generation Sequencing, NGS) incorporando elementos
revolucionários à época, diminuindo drasticamente o custo do sequenciamento e
aumentando exponencialmente o número de sequências geradas. A NGS é representada
por cinco plataformas comercialmente disponíveis: 454 FLX (Roche); Solexa (Illumina

276
Inc.); SOliD (Applied Biosystems, ABI); Polonator G007 e Helicos HeliScop., sendo as
três primeiras plataformas amplamente utilizadas. A Roche, Illumina e ABI atualmente
dominam o mercado e possuem alta taxa de sequenciamento. Conforme demonstrado na
Figura 1, o custo do sequenciamento decresceu drasticamente com o desenvolvimento
das NGS. Com o declínio no custo e o desenvolvimento de metodologias mais eficazes,
a quantidade de projetos visando o sequenciamento de genomas teve um grande
incremento.

Figura 1. Custo por sequenciamento de genoma ao passar dos anos. O gráfico apresenta o custo por
sequenciamento ao longo dos anos em 2006 com os adventos da NGS nota-se o declínio do custo do
sequenciamento.

A partir de 2008, o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (National


Human Genome Research Institute, NHGRI) iniciou o financiamento de uma série de
projetos voltados para meta de sequenciar o genoma humano por US$ 1000 ou menos,
permitindo a obtenção de informação acerca de variação de alelos entre diferentes
indivíduos e o aumento de estudos na diversidade encontrada dentro de uma mesma
espécie. Com o investimento massivo e os avanços tecnológicos, as tecnologias de
Sequenciamento de Terceira Geração (Third Generation Sequencing Technologies,
TGS) começaram a aparecer modificando até a nomenclatura dos sequenciamentos
anteriores (Figura 2).

277
Figura 2. Nomenclatura utilizada para o reconhecimento das tecnologias de sequenciamento e suas
respectivas plataformas

Diferentemente das NGS, as TGS não necessitam de amplificação do DNA,


evitando os possíveis erros causados pela técnica de Reação de Cadeia de Polimerase
(PCR - metodologia de amplificação do DNA) e requer menor manipulação da amostra.
Nas TGS a utilização mínima de reagentes e o uso em nanoescala tornaram possível o
sequenciamento de uma única molécula de DNA. As técnicas utilizadas na terceira
geração baseiam-se principalmente na nanotecnologia e no reconhecimento físico dos
nucleotídeos e são capazes de produzir sequências entre 30 e 200 vezes mais longas
comparadas ao sequenciamento de segunda geração. As TGS são representadas pelas
seguintes plataformas: IonTorrent (Applied Biosystems, ABI); Nanopore
(GridIon/MiniIon) e PacBio RS (Pacific Biosciences). A plataforma MiniIon possui a
aparência de um pendrive e transmite os dados gerados no sequenciamento direto para o
computador.
Com o desenvolvimento dessas tecnologias cada vez mais baratas e eficazes a
genômica se tornou pessoal. Hoje já é possível realizar o sequenciamento completo do
genoma de um humano em menos de 15 minutos e por menos de US$ 1000 dólares. O
desenvolvimento de tais recursos nos possibilitou entrar em uma era de avanços
tecnológicos onde já é possível saber a nossa susceptibilidade a determinadas doenças e
nossas heranças ancestrais. No cenário agronômico, tais alterações promovidas pelo
aumento nas tecnologias para decifrar genomas vem sendo informalmente chamada de
“segunda revolução verde”, onde o conhecimento de um genoma permite a manipulação
do DNA de espécies agronomicamente relevantes de forma mais eficiente, facilitando
processos de transformação gênica estável (organismos geneticamente modificados),

278
mutações induzidas (Tilling), identificação de QTL e introdução destas em linhagens do
mesmo gênero e o incremento do vigor hibrido. Tais estratégias são utilizadas com
maior velocidade e eficência que o melhoramente vegetal convencional e vem
promovendo drásticas alterações na agricultura com impacto mundial.

Genômica: Estrutural, Funcional e Comparativa


Sequenciar é apenas o primeiro passo para se conhecer o genoma. As plataformas
de sequenciamento geram uma enorme quantidade de dados que requerem o
desenvolvimento de ferramentas de bioinformática para interpretá-los. As ferramentas
desenvolvidas são capazes de interpretar esses dados e estabelecer, armazenar, analisar
e até mesmo predizer a estrutura de biomoléculas.
Atualmente a genômica é dividida em três grandes áreas de estudo que visam
estudar cada componente do genoma:
 Estrutural,
 Funcional e
 Comparativa.
Genômica Estrutural
Depois de ter determinada amostra sequenciada, a genômica estrutural envolve a
localização, organização e a caracterização das várias estruturas do genoma desse
determinado indivíduo. Seu objetivo principal é a construção de uma série de mapas
descritivos de cada gene de cada cromossomo.
Genômica Funcional
A genômica funcional vem ganhando destaque nos últimos anos com o
incremente de outros tecnologias “-ômicas”. Durante os estudos funcionais, a genômica
torna-se outra ferramenta, acompanhada da transcriptômica, proteômica e
metabolômica, onde juntas, é possível elucidar a função que cada gene exerce no
organismo e como cada gene interage entre si controlando as características fenotípicas
do organismo. Para tal estudo são analisadas diferentes abordagens: O conjunto
completo de transcritos (transcriptoma); O conjunto de proteínas (proteôma) e o
conjunto de metabólitos (metabolôma) produzidos ou modificados pelo organismo em
diferentes estágios de desenvolvimento. Dentre as formas de estudar a genômica
funcional, nos últimos anos também vêem ganhando destaque a epigenômica, onde a
interação do DNA com a cromatina define quais genes serão transcritos em determinada
condição. A Figura 3 esquematiza as diferentes abordagens realizadas na genômica
279
funcional a fim de elucidar as funções de cada gene transcrito e traduzido pelo
organismo.

Figura 3. Esquema ômica que visa elucidar a relação genótipo x fenótipo.

Através da análise do transcriptoma é possível determinar quando e onde cada


gene é expresso em determinado tecido do organismo e, ainda, é possível quantificar
essa expressão. Compreender o transcriptoma é essencial para interpretar os elementos
funcionais do genoma. Várias tecnologias foram desenvolvidas a fim de caracterizar o
transcriptoma de organismos, e por esse motivo, não apenas as bibliotecas genômicas,
mas também bibliotecas de DNA complementar – cDNA – vem sendo usadas como
ferramente essencial para entender a funcionalidade dos genes de um organismo. O
cDNA é produzido através da transcrição reversa de um RNA mensageiro, obtendo um
retrato de todos os genes que foram transcritos quando determinado órgão de um
organismo é exposto a uma condição. Uma das tecnologias mais recentes é o RNA seq,
uma ferramenta altamente sensível para medir a expressão do transcriptoma em
diferentes tecidos e estágios de desenvolvimento. Essa técnica também é capaz de
detectar genes expressos em níveis baixos e fatores de transcrição com alta expressão.
Pontualmente, através dos estudos associados entre genoma e transcritos é possível
determinar a função de cada gene no organismo vegetal de interesse. Mutações

280
induzidas por tilling, caso ocorra no promotor de determinado gene, é capaz de
comprometer sua transcrição de forma deletéria, permitindo a avaliação da função
daquele gene no desenvolvimento vegetal. Ainda na regulação transcricional, a
tecnologia recentemente descoberta CRISPR acarreta um efeito deletério no gene alvo
de interesse, tornando ainda mais refinada e direcionada a alteração de um genoma.
Associar a genômica com a transcriptômica também é essencial para aplicar a regulação
inibitória de forma pós-transcricional: através da transcriptômica, é possível quantificar
em que momento e sob qual condição, determinado gene de interesse tem sua expressão
elevada, e utilizando as sequências conhecidas do gene através da genômica, torna-se
palpável fazer o silenciamento por RNA de interferência, onde o transcrito é degradado
antes da tradução de proteína e os níveis de expressão de determinado gene diminuem
drasticamente. Aplicando o silenciamento via RNAi de forma especifíca no tecido onde
existe expressão detectada do gene, é possível avaliar os impactos que seu efeito
mitigado pode acarretar em determinada condição.
Após a transcrição, o RNA mensageiro é traduzido em uma proteína. Nos estudos
da proteômica são analisadas todas as proteínas funcionais, que são as biomoléculas
responsáveis pelo fenótipo das células. Pelos diferentes tipos e estruturas das proteínas
as tecnologias que permitem analisar o perfil global das proteínas presentes em
determinado tecido são ainda realizadas em géis. Uma das tecnologias mais difundidas é
a eletroforese em géis bi-dimensionais de poliacrilamida. Os avanços na proteômica
ainda permitem analisar o perfil proteico não apenas de um tecido, mas também de
determinados compartimento sub-celular onde o pool de proteínas estará localizado.
Por fim, as análises do metaboloma visam estudar em larga escala os compostos
químicos formados, transformados ou degradados pelo organismo em determinada fase
de desenvolvimento ou em determinado ambiente, sendo assim, possível quantificar e
anotar quais compostos estão presentes ou ausentes. As limitações no estudo da
metabolômica está relacionada à complexidade química dos metabólitos e na sua
variação biológica, sendo então exigidas técnicas diferentes para a análise de cada
metabólito (vide Capítulo 22). Em geral a separação de metabólitos por cromatografia
permite a identificação, quantificação e purificação do mesmo, o que pode ser utilizado
para diversas finalidades, o que permite verificar, além do perfil metabólico, a criação
também de um mapa de metabolismo e associação da variação de determinada rota
metabólica a um conjunto de proteínas e ao perfil de transcritos envolvidos na mesma
condição.

281
A investigação conjunta do transcriptoma, proteoma e metaboloma possibilita
analisar as relações genótipo x fenótipo e as suas interações em diferentes ambientes e
estágios de desenvolvimento. A utilização de ferramentas de bioinformática é um ponto
chave nessas análises. Existem diferentes programas e banco de dados disponíveis que
facilitam os estudos desses diferentes perfis de expressão gênica. Alguns bancos de
dados disponíveis estão listados na Tabela 1.

Tabela 1. Bancos de dados integrativos de genomas de plantas disponíveis


online.

Genômica Comparativa

A genômica comparativa visa estudar a evolução e relação entre os genomas. Ela


é uma maneira de encontrar regiões funcionais e evidências de funções genéticas
conservadas e os mecanismos evolutivos desenvolvidos geneticamente por cada
organismo, para tanto é largamente utilizado a presença de marcadores moleculares, que
são sequências conservadas entre diferentes espécies de um mesmo gênero ou diferentes
indivíduos em uma mesma espécie, as variações detectadas nos marcadores, associado a
caracteres morfológicos torna possível à criação de uma árvore filogenética e a
constatação do tempo em que ocorreu a divergência de duas espécies de um ancestral
comum. Algumas das ferramentas de bioinformática utilizadas nesse processo são o
MEGA e o PHYLOGENY (http://phylogeny.lirmm.fr/phylo_cgi/index.cgi).

282
Referências
American Institute of Physics. "The 15-Minute Genome: Faster, Cheaper Genome
Sequencing On The Way." ScienceDaily. ScienceDaily, 29 July 2009.
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Tamura, K.; Peterson, D.; Peterson, N.; Stecher, G.; Nei, M.; Kumar, S. (2011).
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evolutionary distance, and maximum parsimony methods. Molecular Biology and
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Wang, Z.; Gerstein, M.; Snyder, M. (2010). RNA-Seq : a revolutionary tool for
transcriptomics, 10(1), 57–63. https://doi.org/10.1038/nrg2484.RNA-Seq

283
Anotações:

284
PARTE IV

RECURSOS ECONÔMICOS
VEGETAIS

285
CAPÍTULO XXII

Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas


Fernanda Mendes de Rezende
Daniele Rosado
Fernanda Anselmo Moreira
Wilton Ricardo Sala de Carvalho

Introdução
O metabolismo vegetal pode ser dividido em primário e secundário. Caracteriza-
se como metabolismo primário os processos comuns e pouco variáveis à grande parte
dos vegetais, e que levam à síntese de carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos
nucleicos. Tais sínteses ocorrem por vias conhecidas como glicólise e ciclo de Krebs
(ciclo do ácido carboxílico) que, além de sintetizar intermediários para outras vias
metabólicas, geram energia e poder redutor a partir de reações de oxido-redução de
compostos orgânicos. Além destas vias, pode-se obter energia através da β-oxidação de
ácidos graxos e degradação de produtos que não são essenciais para a planta. Esses
processos compõem a unidade fundamental de toda a matéria viva.
A distinção entre metabolismo primário e secundário (ou especial) se dá pelo
conceito de que metabólitos secundários não estão envolvidos em processos geradores
de energia e/ou de constituição do protoplasto. Outro ponto é que os metabólitos
secundários não estão presentes ubiquamente entre as plantas, expressando a
individualidade de famílias, gêneros e, até mesmo, espécies (vide Capítulo 23). A
característica inerente do metabolismo secundário é a sua elevada plasticidade genética
e diversidade que garante adaptações flexíveis à mediação de fatores bióticos e
abióticos. Apesar do nome, as substâncias oriundas de vias “secundárias” são vitais para
as plantas, atuando como atrativos ou repelentes de polinizadores, dissuasores de
herbivoria, na proteção contra radiação UV e poluição, estresse hídrico, na sinalização
intraespecífica, na alelopatia, dentre outras funções.
Essas substâncias secundárias são os chamados princípios ativos vegetais
comumente encontrados em diversos produtos e terapias, mas o que de fato são esses
princípios ativos presentes nos vegetais? São substâncias formadas a partir de produtos
da fotossíntese com a função de defesa para a planta. Para nós, humanos, são essas as

286
substâncias responsáveis pelo efeito medicinal de uma planta, porém dependendo da
dose administrada, o efeito deixa de ser terapêutico e passa a ser tóxico. O princípio
ativo é uma mistura de substâncias que proporciona a ação farmacológica e difere de
fármaco à medida que o termo designa uma substância química conhecida e de estrutura
química definida.
Diversas plantas apresentam uso medicinal milenar e nos extratos destas plantas
a ação conjunta ou isolada de certas substâncias é responsável pela atividade biológica.
Este efeito difere de acordo com a dose e pode ser exemplificado com os glicosídeos
cardioativos, encontrados nas espécies Digitalis lanata e Digitalis purpurea
(Scrophulariaceae), quando em pequenas doses são amplamente utilizados para o
controle de problemas relacionados ao baixo débito cardíaco, entretanto, em doses
maiores são tóxicos, paralisando o coração na fase de sístole.
Outro exemplo é o alcaloide tubocurarina, principal constituinte do curare
(Chondrodendron tomentosum, Menispermaceae). Essa substância, embora tenha sido
usada pelos índios para fabricar flechas envenenadas, tem valor medicinal, visto que ela
é um relaxante da musculatura lisa.
Os metabólitos secundários de plantas têm um grande valor agregado do ponto
de vista econômico. Primeiramente, porque de todos os compostos identificados, poucos
são aqueles que são utilizados como drogas, saborizantes, fragrâncias, inseticidas ou
corantes. De todas as drogas usadas na medicina ocidental cerca de 25% são derivadas
de plantas, quer como um composto puro (fármaco) ou como derivado de um produto
de síntese natural. Além deste valor econômico real e efetivo, eles também apresentam
grande potencial como modelos para o desenvolvimento de novos medicamentos, uma
vez que a enorme biodiversidade da natureza é uma fonte de recursos para o
desenvolvimento de medicamentos.
Mas como substâncias com propriedades e ações tão diversas são sintetizadas
pelas plantas?
Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram
identificados em espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes
compartimentos celulares, por quatro vias de biossíntese, são elas: via do acetato
malonato, do ácido mevalônico (MEV), do metileritritol fosfato (MEP) e do ácido
chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos
secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Figura 1).
Além destes grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os

287
policetídeos aromáticos. Interessantemente, para classificação em cada grupo as
características estruturais e propriedades químicas são mais importantes do que o
compartilhamento de uma mesma via de síntese. Por exemplo, os alcaloides são
agrupados por apresentarem um caráter básico, conferido pela presença de um ou mais
átomos de nitrogênio, dentro de um ou mais anéis heterocíclicos. Os compostos
fenólicos, por sua vez, são caracterizados por apresentarem uma hidroxila funcional
ligada a um anel aromático, porém podem ser sintetizados por vias distintas. Outros
grupos ou subgrupos são baseados na presença de certos tipos de esqueletos básicos em
suas estruturas. Alguns detalhes sobre as rotas biossintéticas, sua importância para a
sobrevivência das plantas e utilização serão expostos a seguir.

Figura 1. Esquema geral das vias de biossíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas) e
suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos), em detalhe os metabólitos primários
(verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira, 2015.

Derivados de ácidos graxos


São compostos sintetizados pela via do acetato malonato e o início da síntese
ocorre no plastídio, onde serão formados ácidos graxos C16 e C18 a partir de
condensação de unidades de malonil-CoA e acetil-CoA. Essas reações são
intermediadas por um conjunto de enzimas, codificadas por sete genes diferentes,
denominado FAS II (type II Fatty Acid Synthase). Esses ácidos graxos são
transportados para o retículo endoplasmático, onde sofrem diversas reações de
alongamento pela ação do complexo enzimático FAE (Fatty Acid Elongation) formando
ácidos graxos de cadeia longa (C20-C40), precursores dos demais compostos da cera - os

288
derivados de ácidos graxos. Reações de descarboxilação levam à formação de alcanos,
álcoois secundários e cetonas (Figura 2).
Ainda é obscura a síntese dos aldeídos, entretanto, acredita-se que possam surgir
de reações enzimáticas com os alcanos ou diretamente pela perda de hidroxilas dos
ácidos graxos. A partir dos ácidos graxos de cadeia longa também podem ser formados,
por reações de redução, os álcoois primários e os ésteres (Figura 2). Os mecanismos de
transporte dessas substâncias ainda não são claros, podendo ocorrer por proximidade,
vesículas, transportadores específicos e proteínas transportadoras de lipídios.
O papel dessas substâncias para as plantas é de extrema importância, pois são
constituintes da cera cuticular. As ceras são misturas complexas de hidrocarbonetos
alifáticos de cadeia longa com série homóloga (por exemplo, n-alcanos, álcoois,
aldeídos, ácidos graxos e ésteres) que podem apresentar pequenas quantidades de
terpenoides. Juntamente com a cutina e a suberina, as ceras constituem o conjunto de
substâncias hidrofóbicas que mantêm as superfícies impermeáveis e restringem a perda
de água dos tecidos através da transpiração. Além disto, ao revestir os órgãos aéreos, ela
atua como uma barreira entre o meio interno e externo, conferindo proteção contra os
raios UV, entrada de patógenos e poluição. O surgimento desta camada protetora foi um
dos fatores importantes para a conquista do ambiente terrestre há 400 milhões de anos.

Figura 2. Esquema da via acetato malonato, em verde as principais classes formadas.

Em algumas espécies, principalmente de Asteraceae e Apiaceae (vide Capítulo


23), os ácidos graxos insaturados podem sofrer sucessivas desnaturações originando os
poliacetilenos. Essa classe de compostos atua como um sistema de defesa contra insetos
e herbívoros, além de atuarem como fitoalexinas (substâncias que combatem a infecção
por patógenos invasores de plantas). A cicutoxina, encontrada na cicuta aquática

289
(Cicuta virosa, Apiaceae), é um exemplo de poliacetileno tóxico a mamíferos, causando
vômitos, convulsões e paralisia respiratória, podendo levar a morte. O falcarinol, outro
poliacetileno, é encontrado em Falcaris vulgaris (Apiaceae) e causa dermatite quando a
planta é manuseada sem o devido cuidado. Curiosamente, esse composto é encontrado
nas raízes de uma das plantas medicinais mais utilizadas mundialmente, o Ginseng
(Panax ginseng, Araliaceae).
Dentro do grupo dos derivados de ácidos graxos há as acetogeninas, compostos
C35 e C37 sintetizados a partir de ácidos graxos C32 e C34, no qual, através da adição de
uma molécula de propano-2-ol, há a formação de um anel lactônico que caracteriza as
acetogeninas. Geralmente são encontradas em espécies pertencentes à Magnoliales,
mais comumente nas Annonaceae. Essa classe de substâncias é produzida pelas plantas
para suprimir a alimentação de insetos, além disso, já foi demonstrado que elas
apresentam um grande potencial para a utilização em humanos como substâncias com
propriedades antitumoral, antimicrobiana, anti-helmíntica e antiprotozoário.

Policetídeos aromáticos
Os policetídeos aromáticos também são formados pela via do acetato-malonato.
A partir da cadeia carbônica denominada poli-β-cetoéster diversas ciclizações formam
os policetídeos aromáticos (Figura 2). Todas essas reações de biossíntese desses
metabólitos são intermediadas por proteínas homodiméricas, com dois sítios ativos,
denominadas Policetídeos Sintases do tipo III (PKS III).
As diferentes subclasses de policetídeos aromáticos dependem do tipo de
molécula utilizada como iniciadora da extensão da cadeia carbônica pela malonil-CoA.
A seguir são apresentados alguns exemplos dessas subclasses com as suas respectivas
unidades iniciadoras (Tabela 1).
Caso a unidade iniciadora seja a acetil-CoA ocorrerá a biossíntese das cromonas
e das antraquinonas. As cromonas possuem ampla distribuição nos diferentes clados
do APG IV, dentre esses compostos pode-se citar a visnagina, encontrada em frutos de
Amni visnaga (Apiaceae), que é utilizada medicinalmente como agente antiasmático. As
antraquinonas possuem uma distribuição mais restrita no APG IV, sendo encontrado nas
Fabaceae, Rhamnaceae, Rubiaceae, Polygonaceae e Xanthorrhoeaceae. Um exemplo
dessas substâncias são as emodinas, encontradas no gênero Cassia. Essas substâncias
são utilizadas medicinalmente como estimuladoras do movimento peristáltico do
intestino.

290
Por outro lado, se a unidade iniciadora for um ácido graxo haverá a biossíntese
dos ácidos anarcádicos. Estes compostos estão presentes em espécies de
Anacardiaceae e são substâncias extremamente alergênicas.
Utilizando como unidade iniciadora o hexanoil-CoA haverá a produção de
canabinoides, que são encontrados em espécies do gênero Cannabis (Cannabaceae) e
possuem diversos efeitos sobre o sistema nervoso central de humanos.
Quando o precursor é o benzoil-CoA há a biossíntese das bifenilas,
dibenzofuranos, benzofenonas e xantonas. As bifenilas e dibenzofuranos são
fitoalexinas encontradas em espécies pertencentes às Rosaceae, enquanto as
benzofenonas e xantonas são encontradas em espécies pertencentes às Clusiaceae e
Gentianaceae e possuem um alto potencial antioxidante e antitumoral.
Utilizando como precursor o p-cumaroil-CoA haverá a biossíntese dos
flavonoides e estilbenos, que serão detalhados posteriormente nesse capítulo. As
bifenilas, dibenzofuranos, benzofenonas, xantonas, flavonoides e estilbenos são
considerados compostos de biossíntese mista por utilizarem como precursores
compostos provenientes da via do ácido chiquímico (benzoil-CoA e p-cumaroil-CoA) e
sofrerem extensão da cadeia carbônica através da via do acetato-malonato.

291
Tabela 1. Policetídeos aromáticos e seus respectivos precursores, unidades de extensão, vias de síntese,
classes e exemplos.

Compostos fenólicos
O grupo dos compostos fenólicos inclui substâncias com ao menos um anel
aromático no qual houve a substituição de ao menos um hidrogênio por um grupo
hidroxila, sendo que estas substâncias podem ser simples ou com diversos graus de
polimerização. Podem ocorrer naturalmente na forma livre (agliconas), ligados a
açúcares (glicosídeos), ou ainda, ligados a proteínas, terpenos, entre outros. Ácidos
fenólicos, quinonas, fenilpropanoides, cumarinas, flavonoides e as substâncias
poliméricas (taninos e ligninas) são exemplos de substâncias fenólicas.
A eritrose 4-fosfato e o fosfoenolpiruvato são intermediários glicolíticos que se
unem e sofrem reações que levam a formação do ácido 3-dehidrochiquímico que
formará as estruturas C6-C1. Um exemplo é o ácido gálico que originará a classe dos
taninos hidrolisáveis. Os taninos hidrolisáveis são polímeros de ácido gálico e elágico
(dímero de ácido gálico) esterificados com açúcares. Esses fenólicos são substâncias
adstringentes (precipitam proteínas transformando-as em derivados insolúveis) e essa

292
propriedade é muito importante na proteção contra herbivoria, uma vez que torna o
material vegetal pouco palatável e com menor valor nutricional.
O ácido 3-dehidrochiquímico formará o ácido chiquímico que após diversas
reações sintetiza os aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano). A
fenilalanina, quando desaminada pela ação da PAL (fenilalanina amônia liase), origina
o ácido cinâmico, o primeiro fenilpropanoide (C6-C3) formado. Os fenilpropanoides
subsequentes podem sofrer diversas alterações mediadas por enzimas que levarão a
formação de outras classes de substâncias fenólicas, como as lignanas e as ligninas.
Este complexo polimérico (lignanas e ligninas) confere rigidez e resistência mecânica à
parte aérea das plantas, característica que conferiu uma melhor sustentação e
possibilitou maior transporte de água e minerais a partir das raízes, permitindo a
conquista do ambiente terrestre.
Para a síntese de flavonoides e estilbenos, substâncias com 15 átomos de
carbono, são combinados esqueletos carbônicos provenientes de duas vias: a via do
ácido chiquímico e a via do acetato-malonato, portanto, são de biossíntese mista (Figura
3). Após a fenilalanina ser desaminada, hidroxilada e ligada a uma coenzima-A (CoA)
ocorre a formação de uma molécula de coumaroil-CoA. Essa estrutura liga-se a três
unidades de malonil-CoA, levando a formação de uma chalcona, após algumas reações
mediadas pela chalcona sintase, essa é a primeira classe de flavonoides formada. A
mesma estrutura que origina a chalcona sofre uma série de reações mediadas pela
estilbeno sintase, culminando com a formação das diversas substâncias pertencentes à
classe dos estilbenos, dentre elas o resveratrol. A chalcona, por sua vez, pode
isomerizar-se em uma flavanona e a partir dela são formadas as demais classes de
flavonoides. Dessa forma, flavonoides são substâncias que possuem, em geral, um
esqueleto C6-C3-C6, onde C6-C3 é proveniente do chiquimato e ele está ligado a um anel
C6, proveniente da via do malonato.
As diferentes classes de flavonoides diferem uma das outras devido a pequenas
variações nessa estrutura básica de 15 carbonos. As flavanonas, por exemplo, têm o anel
B ligado ao carbono 2, enquanto que as isoflavonas têm o anel B ligado à posição 3.
Flavonas e flavonois são muito semelhantes entre si, à única diferença é que os
flavonois apresentam um grupo hidroxila (OH) na posição 3. As antocianidinas, que são
a forma aglicona e os cromóforos de antocianinas, apresentam um oxigênio catiônico.
Por fim, as proantocianidinas (PAS ou taninos condensados), formadas pelo ramo
terminal da via dos flavonoides, apresentam as mesmas propriedades dos taninos

293
hidrolisáveis, apesar de serem polímeros de catequinas. Os flavonoides atuam na
proteção dos tecidos vegetais frente à ação mutagênica dos raios UV e participam da
atração de polinizadores e dispersores de sementes. Antocianinas propiciam uma vasta
gama de tonalidades (diferentes tons de vermelho, púrpura e azul). A diversidade de
cores encontrada deve-se primeiramente ao padrão de hidroxilações, glicosilações,
acilações e metilações de suas estruturas básicas, e aliado a isso, há outros fatores que
podem influenciar nas cores encontradas como: copigmentação (flavonoides,
fenilpropanoides, aminoácidos, carotenoides, dentre outros), pH vacuolar e
complexação com metais. Alguns compostos fenólicos, como fenilpropanoides e
flavonois, além de atuarem como copigmentos podem conferir a cor branca.
Os processos biossintéticos que levam a formação da fenilalanina ocorrem nos
plastídios e a síntese dos fenilpropanoides e flavonoides prossegue na parte citosólica
do retículo endoplasmático, sendo que essas substâncias são armazenadas nos vacúolos.
Elas também podem ser encontradas em outros compartimentos celulares como parede
celular, núcleo, cloroplastos e, até mesmo, no espaço extracelular dependendo da
espécie, do tecido ou do estágio de desenvolvimento da planta. Os flavonoides são
sintetizados principalmente no citosol, em complexos multienzimáticos ligados às
membranas do retículo endoplasmático (RE), e de lá são transportados para seus
destinos subcelulares.
As cumarinas, furanocumarinas e estilbenos, exemplos de classes de
substâncias fenólicas, protegem as plantas contra patógenos (bactérias e fungos) e
herbívoros, além de inibirem a germinação de sementes de plantas adjacentes
impedindo a competição destas pelos mesmos recursos (alelopatia).
Os compostos fenólicos têm recebido crescente atenção por parte da indústria
alimentícia, cosmética e farmacêutica. A eles são atribuídos uma vasta gama de efeitos
fisiológicos como: antialérgicos, anti-inflamatórios, antimicrobianos, antitrombóticos,
antioxidantes, cardioprotetores e vasodilatadores. Por estes efeitos, este grupo de
substâncias, as quais são presentes em altos níveis em frutas e vegetais, são
consideradas benéficas à saúde humana, especialmente pelo potencial antioxidante.

294
Figura 3. Esquema da via de síntese dos compostos fenólicos. Modificado de Moreira (2015).

Terpenos
Os terpenos formam o maior grupo de produtos naturais, apresentando uma
grande diversidade estrutural, com mais de 35 mil substâncias identificadas. Eles são
derivados teóricos do isopreno, uma estrutura de cinco carbonos, sendo o número dessa
unidade presente na molécula utilizada para a classificação, podendo existir:
monoterpenos (C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), triterpenos (C30),
tetraterpenos (C40) e politerpenos (mais de 40 carbonos).
Os terpenos são tidos como derivados teóricos do isopreno pelo fato desta
molécula não estar envolvida na síntese dos terpenos, os precursores são o isopentenil
difosfato (IPP) e o dimetilalil difosfato (DMAPP). A síntese deste grupo de metabólitos
secundários se dá a partir de duas vias, a do MEV (que tem como precursor acetil-CoA)
que ocorre no citosol, e a do MEP (derivado de intermediários glicolíticos) a qual é uma

295
rota plastidial. Atualmente sabe-se que há uma comunicação entre estas duas vias
podendo haver trocas dos componentes formados por cada uma, assim ambas levarão a
formação do IPP que pode se converter em seu isômero DMAPP.
A ligação do IPP e DMAPP forma o geranildifosfato (GPP), uma molécula de
10 carbonos, a partir da qual são formados os monoterpenos. O GPP pode se ligar a
outra molécula de IPP, formando um composto de 15 carbonos, o farnesil difosfato
(FPP), precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição de outra molécula de IPP ao
FPP forma o geranilgeranil difosfato (GGPP), um composto de 20 carbonos, precursor
dos diterpenos. Por último, dímeros de FPP e GGPP são precursores dos triterpenos
(C30) e tetraterpenos (C40), respectivamente (Figura 4). Cada uma destas classes de
terpenos possui uma ampla gama de funções nas plantas e alguns exemplos serão
abordados a seguir.
Os monoterpenos e os sesquiterpenos são substâncias presentes nos óleos
voláteis e conferem a determinadas plantas seu aroma característico (como as
Lamiaceae, Ocimum sp., por exemplo). Os óleos voláteis também possuem compostos
provenientes de outras vias como, por exemplo, os fenilpropanoides. Os óleos voláteis
estão associados à defesa (repelindo ou atraindo insetos) e sinalização molecular nas
plantas, além disso, exibem atividades antimicrobianas e têm sido amplamente
utilizados na indústria cosmética, farmacêutica e alimentícia.
Há diterpenos essenciais como o fitol, que faz parte de várias moléculas como,
por exemplo, a clorofila, e é um dos mais simples e abundantes diterpenos. Outra
molécula essencial dentro desta classe é a giberelina. As giberelinas compõem um
grupo de hormônios vegetais envolvidos na regulação de diversos processos como o
alongamento celular e a senescência.
No caso dos triterpenos, atividades anticancerígenas foram relatadas para os
tipos ursano, lupano e oleanano, substâncias encontradas em diversas plantas. Os
triterpenos também são frequentemente encontrados na forma de saponinas (do latim:
sapo = sabão) que possuem propriedades surfactantes. Limonoides, que são triterpenos
modificados, têm reconhecida atividade inseticida como, por exemplo, no óleo de Neem
(Azadirachta indica, Meliaceae). Triterpenos, tais como, os esteroides sitosterol,
estigmasterol e campesterol, são frequentemente encontrados como parte estrutural da
membrana celular. Esteroides também são de interesse nutricional pela sua capacidade
de reduzir os níveis de colesterol absorvido.

296
Os carotenoides ou tetraterpenoides (C40) são sintetizados no plastídio via 2-
metileritritol 4-fosfato (MEP). Esses terpenos são substâncias lipossolúveis,
amplamente distribuídas no reino vegetal, em geral atuam como pigmentos relacionados
à fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas, além de serem precursores da
vitamina A cuja deficiência em humanos pode causar problemas de visão. Como
pigmentos conferem colorações amareladas e alaranjadas, e podem coexistir com as
antocianinas resultando assim em tonalidades marrons e bronze.

Figura 4. Esquema da síntese de terpenos pelas vias MEV e MEP.

Compostos nitrogenados
Compostos nitrogenados são defesas químicas anti-herbivoria e, quando
pigmentos, atrativos de polinizadores. As quatro classes mais importantes são:
alcaloides, betalaínas, glicosídeos cianogênicos e glucosinolatos. Essas substâncias
são formadas a partir de aminoácidos aromáticos e alifáticos.

297
Alcaloide é o nome dado a um grupo de substâncias bastante heterogêneo,
predominantemente sintetizado por plantas (dos 27 mil alcaloides conhecidos no
momento, 21 mil são de origem vegetal). Eles têm em comum o caráter alcalino,
conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, e podem ter um ou mais
anéis heterocíclicos. Essa classe de compostos nitrogenados é reconhecida pelo seu
amplo espectro de atividades biológicas, por isso correspondem a princípios ativos
comuns em plantas medicinais e tóxicas. Alguns exemplos são a papoula (Papaver
somniferum, Papaveraceae), que contém morfina, codeína e papaverina; o café (Coffea
arabica, Rubiaceae), que contém cafeína; a espécie Chondodendron tomentosum
(Menispermaceae), da qual se extrai o curare, potente relaxante muscular com atividade
anestésica, utilizado como veneno de flecha por indígenas sul-americanos. Outro
alcaloide muito conhecido é a nicotina (presente no fumo, Nicotiana tabacum,
Solanaceae).
Os diferentes tipos de alcaloides são classificados de acordo com o aminoácido
precursor utilizado para a formação de sua estrutura e o anel nitrogenado formado a
partir deste, sendo que os aminoácidos mais comuns são os alifáticos, como a lisina e a
ornitina, e os aromáticos, como a tirosina e o triptofano (Tabela 2).
A partir da lisina são biossintetizados os alcaloides quinolizidínicos (vide
Capítulo 20), compostos tóxicos para herbívoros, encontrados em Berberidaceae,
Ranunculaceae, Solanaceae e em Fabaceae, como a Lupinus sp., que contém a lupinina;
os alcaloides indolizidínicos, comuns em Fabaceae, possuem alta atividade anti-HIV; os
alcaloides piperidínicos, distribuídos em diversas famílias do APG IV, alguns
compostos dessa classe são utilizados em preparações para pessoas que querem parar de
fumar, como é o caso da lobenina, encontrada na Lobélia (Lobelia inflata,
Campanulaceae), que estimula os mesmos receptores da nicotina, simulando o efeito
dessa substância.
A ornitina, por sua vez, é precursora dos alcaloides tropânicos, como a atropina
e a cocaína, cuja distribuição (vide Capítulo 23) se concentra em espécies pertencentes
às Malpighiales e às Solanales; dos alcaloides pirrolidínicos, como a higrina, encontrada
em folhas de coca (Erythroxylum coca, Erythroxylaceae); e dos alcaloides
pirrolizidínicos, mais comumente encontrados nas ordens Asparagales, Fabales,
Asterales e na família Boraginaceae, que são compostos hepatotóxicos, portanto,
inibidores de herbivoria.

298
A tirosina é precursora dos alcaloides pertencentes às classes dos aporfínicos,
tetraidroisoquinolínicos, isoquinolínicos, benziltetraidroisoquinolínicos, morfinanos e
protoberberínicos. Dentre os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como
destaque aqueles encontrados na papoula, são eles: a morfina, um potente anestésico; a
codeína, utilizada em formulações de xaropes antitussígenos; e a papaverina, utilizada
em medicamentos contra cólicas devido ao seu efeito anestésico da musculatura lisa.
A partir do triptofano são sintetizados os alcaloides pertencentes às classes dos
quinolínicos, β-carbonílicos, pirroloindólicos, indólicos e pirroloquinolínicos. Dentre os
alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como destaque a vincristina,
extraída da vinca-de-Madagáscar (Catharanthus roseus, Apocynaceae), que é muito
utilizada como agente quimioterápico, principalmente no combate a leucemia.
As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como pigmentos em algumas
espécies de Caryophyllales (vide Capítulo 23). Elas conferem colorações avermelhadas
a violetas (betacianinas) ou amareladas a tons de laranja (betaxantinas). A presença de
antocianinas e betalaínas são excludentes, não há uma espécie se quer descrita com a
síntese das duas classes.
Glicosídeos cianogênicos possuem um resíduo de açúcar e um grupamento
nitrila. Eles são armazenados em vacúolos e, quando a planta é atacada, são hidrolisados
pela enzima que se encontra no citoplasma gerando cianeto, substância altamente
tóxica. A mandioca (Manihot esculenta, Euphorbiaceae) possui concentrações altas de
um glicosídeo cianogênico chamado linamarina, por isso antes de seu consumo é
necessário um preparo prévio a fim de evitar a intoxicação por esse composto.
Glucosinolatos são substâncias que contêm enxofre, nitrogênio e açúcar em sua
molécula. Eles ocorrem em quase todas as espécies de Brassicaceae e são responsáveis
pelo sabor picante do agrião, rabanete e pelo gosto característico dos brócolis, repolho,
mostarda, etc. Quando a planta é atacada, os glucosinolatos são hidrolisados pela
enzima mirosinase, produzindo isotiocianatos e nitrilas que agem na defesa da planta
como toxinas e repelentes contra herbívoros.

299
Tabela 2. Exemplos de classes de alcaloides, seus respectivos precursores, fonte e uso por humanos.

Engenharia metabólica de substâncias secundárias


A Engenharia Metabólica é a manipulação de funções celulares, através da
tecnologia do DNA recombinante, para melhoria direcionada de uma característica
(vide Capítulo 21). Os progressos na aplicação de técnicas moleculares para alterar a
produção de determinadas substâncias trazem inúmeras abordagens interessantes como:
melhorar a produção de metabólitos secundários utilizados como produtos químicos
(fármacos, inseticidas, corantes, aromas e fragrâncias); introduzir a produção de um
composto de interesse em outras espécies de plantas (ex. mais adequada para o cultivo);
alterar características de plantas alimentícias e ornamentais (ex. alterando cores de
flores, ressaltando sabores, cheiros ou aspecto de alimentos, reduzindo nível de
compostos tóxicos ou indesejáveis em fábricas de alimentos ou forragem); aumentar a
resistência contra pragas e doenças.

300
O arroz-dourado, ou “golden-rice”, ilustra a importância da tecnologia do DNA
recombinante para a produção de metabólitos secundários de interesse agronômico e
nutricional. Este transgênico foi gerado para produzir betacaroteno, precursor da
vitamina A, que confere a coloração amarelada e dá nome à linhagem.
Para a obtenção destas plantas transgênicas foram inseridos dois genes exógenos
sob controle de um promotor de endosperma, de modo que os transgenes se expressam
somente nos grãos. O primeiro transgene codifica a fitoeno sintase de milho, que utiliza
GGPP como substrato para a produção de fitoeno. O segundo gene (CRTI) codifica uma
fitoeno desaturase bacteriana responsável pela síntese de licopeno. Ciclases do próprio
endosperma, como a licopeno isomerase e α, β-licopeno ciclase, catalisam as reações de
síntese de betacaroteno a partir do licopeno, de modo que os níveis desta substância
chegam a 35 µg por grama de arroz seco. Devido à facilidade de produção, baixo custo
no mercado e amplo consumo do arroz, a variedade transgênica aparece como uma das
promessas para combater a deficiência de vitamina A, especialmente em populações
pobres asiáticas que tem o arroz como base da alimentação.
Outro exemplo de engenharia do metabolismo secundário em favor da
agricultura é o caso do combate à mariposa Plutella xylostella. A traça-das-crucíferas,
causada por esta espécie, é uma das principais pestes que atacam as plantações de
Brassicaceae, como brócolis, repolho, couve e mostarda, em todo o mundo. As fêmeas
de P. xylostella são atraídas por glucosinolatos, que estimulam também a ovoposição
nas folhas das plantas hospedeiras, provocando enormes prejuízos às plantações.
Como forma de prevenir infestações e proteger as culturas, tem sido estudado o
emprego de outros cultivares mais atrativos aos herbívoros especialistas, mas que não
provêm as condições ideais para o desenvolvimento das larvas. Neste contexto, foi
desenvolvido o tabaco transgênico que produz benzilglucosinolato, um alcaloide
característico das brassicaceas, através da inserção de seis enzimas que catalisam
reações consecutivas da biossíntese do benzilglucosinolato a partir da fenilalanina. O
tabaco transgênico é mais atrativo para oviposição do que a variedade selvagem e
também é um hospedeiro que permite menor taxa de sobrevivência das traças,
protegendo as culturas e evitando o uso de defensivos agrícolas.
Avanços na biotecnologia dos metabólitos secundários são também possíveis
ferramentas para reverter um grande gargalo na produção de biocombustíveis. A
obtenção de celulose com esse fim é limitada pela presença da lignina, portanto, é de
interesse industrial a obtenção de plantas com níveis reduzidos de lignina, mas que não

301
apresentem desenvolvimento comprometido, baixo vigor ou inferioridade agronômica.
Como alternativa, é possível modificar a estrutura química deste polímero de modo a
torná-lo mais acessível aos métodos de extração de biomassa. Uma das estratégias para
isso é a construção da chamada “zip-lignina”, que se baseia na incorporação de
conjugados de monolignol e ferulatos na estrutura do polímero. Foi produzido com este
fim um choupo transgênico, no qual foi introduzida uma feruloil-CoA: monolignol
transferase de Angelica sinensis. Essa transferase introduz ligações do tipo éster,
quimicamente instáveis em comparação às ligações éter, normalmente presentes no
esqueleto da lignina. Desta forma, são obtidos polímeros que necessitam de menos
energia para serem degradados, facilitando a obtenção de açúcares para fins industriais.
O conhecimento detalhado das estruturas químicas e vias de síntese de
substâncias secundárias pode proporcionar diversas aplicações biotecnológicas de
interesse econômico em processos agrícolas, industriais e biotecnológicos.

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303
Anotações:

304
CAPÍTULO XXIII
Metabólitos secundários como ferramenta para a
sistemática de Angiospermas
Pâmela Tavares da Silva
Andressa Cabral

Introdução
A Sistemática Vegetal é o ramo da Biologia Vegetal que envolve a descoberta, a
descrição e a interpretação da diversidade biológica baseando-se nas relações evolutivas
entre os organismos. Toda esta informação é sintetizada em sistemas de classificação
que possam gerar previsões testáveis. Seu principal objetivo é obter uma árvore
filogenética que reconstrua a história evolutiva dos vegetais, mostrando a relação
natural entre os táxons. As reconstruções filogenéticas são realizadas através de
inferências, as quais podem ser obtidas de diferentes maneiras e baseando-se em
diferentes filosofias, todas buscando a melhor a hipótese para explicar a evolução dos
táxons em questão.
Para realizar suas inferências filogenéticas, @s pesquisador@s baseiam as
análises em um conjunto de caracteres (evidências) que auxiliam na construção e
sustentam as hipóteses evolutivas. Estas evidências podem ser obtidas de diversas
fontes, de várias estruturas e estágios do desenvolvimento da planta. Dentre os
caracteres mais utilizados, podem ser citados os morfológicos, macromoleculares (DNA
e RNA), anatômicos, cromossômicos, embriológicos, palinológicos, bioquímicos e de
proteína.
Os metabólitos secundários demonstraram ter utilidade na sistemática de
Angiospermas por estarem frequentemente restritos a grupos relacionados
filogeneticamente. Por este motivo, eles têm sido recentemente utilizados nos estudos
de variações entre táxons e nas construções de hipóteses filogenéticas como caracteres
bioquímicos. O emprego destes compostos como caracteres na sistemática vegetal está,
em geral, baseado na sua presença ou ausência em um dado grupo. Contudo, vários
compostos podem ser formados por diferentes vias biossintéticas, e por isso, a
elucidação destas vias também tem sido relevante quando interpretadas em filogenias. A
seguir, iremos abordar brevemente o metabolismo vegetal e as categorias de metabólitos
secundários com utilidade na sistemática de Angiospermas.

305
Um exemplo é mostrado no sistema de Dahlgren (1989), em que no ponto de
vista químico, as ordens poderiam ser divididas usando algumas classes de substâncias,
como Betalaínas, Taninos Elágicos, Benzilisoquinolinas, Glicosinolatos, Poliacetilenos,
Lactonas Sesquiterpênicas, Iridóides.

Figura 1. Esquema modificado da classificação de Dahlgren (1989), mostrando as classes de substâncias


utilizadas.

Embora a definição de metabolismo primário e metabolismo secundário não


estejam inteiramente esclarecidos, podemos dizer que o metabolismo primário é
responsável pela produção de protoplasto (todo o conteúdo celular exceto membrana
plasmática e parede celular) e energia, ou seja, incluem a produção de carboidratos,
proteínas, nucleotídeos e lipídios. O metabolismo primário esta distribuído por todos os
organismos e é essencial à vida.
Já o metabolismo secundário não esta ligado aos processos essenciais à vida
como produção de energia e/ou constituição do protoplasto, e não estão distribuídos por
todos os organismos vegetais de forma ubíqua, expressando a individualidade de
famílias, gêneros e, até mesmo, espécies. Onde para cada organismo ou grupo vegetal,
serão produzidos de forma exclusiva os metabólitos secundários, seja para proteção
frente a patógenos ou herbívoros, seja para atração, polinização e/ou dispersão das
sementes, entre outras defesas e por conta disso possuem diversas estruturas,

306
demonstrando assim a grande plasticidade de adaptação frente aos fatores bióticos e
abióticos, sendo estes, também, essenciais à vida.
O metabolismo primário e seus compostos produzidos são muito semelhantes,
embora em alguns casos não idênticos, entre animais, bactérias, fungos, plantas e outros
organismos. O metabolismo secundário desempenha um papel chave na proteção de
plantas contra micro-organismos (fungos e bactérias) e infecções virais, herbivoria (por
exemplo, lesmas e caramujos, artrópodes e vertebrados), frente à radiação UV, atração
de polinizadores e dispersores dos frutos, alelopatia e sinalização (fito-hormônios).
Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram
identificados em espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes
compartimentos celulares, por quatro vias de biossíntese, sendo elas: via do Acetato
Malonato, do Ácido Mevalônico (MEV), do Metileritritol Fosfato (MEP) e do Ácido
Chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos
secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Figura 2). Além
destes grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os
policetídeos aromáticos. Essas classes, acima citadas, são derivadas de diferentes vias
do metabolismo primário, demonstrando assim, a conexão entre as vias de síntese do
metabolismo vegetal.

Figura 2. Esquema geral das vias de biossíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas) e
suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos), em detalhe os produtos finais dos
metabólitos primários (verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira (2015).

A partir dos conhecimentos adquiridos por diferentes fontes e tecnologias, foi-se


possível o conhecimento de diversas classes dos metabólitos, e como vimos
307
anteriormente, estes podem ser produzidos por diferentes vias de biossíntese e muitas
vezes até pela fusão das mesmas. Abaixo (Figura 3) segue uma descrição simplificada
de determinados grupos, e sua localização em algumas ordens e/ou famílias com base
no cladograma apresentado por Agiosperm Phylogeny Group (APG IV 2016).

Figura 2. Árvore filogenética de APG IV.

308
Glicosídeos cianogênicos

Os glicosídeos cianogênicos são compostos de defesa sintetizados através da


cianogênese, processo comum a várias Angiospermas, onde são hidrolisados por várias
enzimas para liberar cianeto de hidrogênio. São conhecidos até então cinco tipos
biossintéticos, e alguns deles podem ser interpretados como uma homoplasia na árvore
filogenética, tendo evoluído de forma independente diversas vezes.

Mesmo assim, alguns tipos são conhecidos apenas para grupos relacionados,
como no caso dos glicosídeos cianogênicos ciclopentenoides, os quais são conhecidos
para as famílias Achariaceae, Malesherbiaceae, Passifloraceae e Turneraceae, todas
inseridas em Malpighiales. Já os glicosídeos cianogênicos sintetizados a partir de
leucina são comuns na família Rosaceae (Rosales) e os derivados de tirosina são
encontrados em várias famílias de Magnoliales e Laurales (Figura 4).

Figura 4. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização de alguns tipos de


Glicosídeos.

Alcaloides

São compostos estruturalmente diversos e alguns deles estão presentes em várias


famílias de angiospermas, possuindo então um reduzido valor sistemático, como os
alcaloides isoprenoides e os pirrolizidínicos. Como característica comum, apresentam
atividade fisiológica em animais, sendo rotineiramente utilizados na medicina, como a
atropina, cocaína, colchicina, estricnina, morfina e quinina.

309
Alguns tipos de alcaloides são específicos de alguns grupos de Angiospermas,
como os alcaloides indólicos da classe da secologanina, que ocorrem somente em
Gentianales (nas famílias Apocynaceae, Gelsemiaceae, Loganiaceae e Rubiaceae)
(Figura 5), e os alcaloides benzilisoquinolínicos que ocorrem em Nelumbonaceae
(Proteales) e em algumas famílias de Magnoliales, Laurales e Ranunculales (Figura 6).

Além disso, tipos similares de Alcaloides tropânicos são característicos de duas


famílias de Solanales (Solanaceae e Convolvulaceae).

Figura 5. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos


Alcaloides indólicos da classe da secologanina nas Asterídeas Lamiídeas.

Alcaloides indólicos da classe secologanina em Gentianales.

310
Figura 6. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Alcaloides
benzilisoquinolínicos nas Angiospermas.

Glucosinolatos

Os glucosinolatos, ou glicosídeos de óleo de mostarda, são hidrolisados por


enzimas (as mirosinases) para produzir uma classe de compostos de forte odor e sabor.
Constituem uma sinapomorfia de Brassicales, ordem que abrange um numeroso grupo
com interesse econômico, como a Brassica oleracea L. e suas variedades cultivares
(como a brócolis, couve, mostarda e repolho). Este composto se apresenta de forma
mais complexa (do ponto de vista biossintético) em Brassicaceae, Resedaceae e
Tovariaceae (Figura 7).

311
Figura 7. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Glucosinolatos nas
Rosídeas Malvídeas.

Terpenoides

Os terpenoides constituem a maior classe química de constituintes ativos nas


plantas sendo importantes em várias interações bióticas. Muitos desempenham funções
fisiológicas primárias para as como componentes esteroides associados à membrana
plasmática, hormônios vegetais, pigmentos (carotenoides) e composição da molécula de
clorofila. Sua classificação é baseada no número de unidades isoprênicas que contêm, e
a distribuição de alguns tipos é de grande interesse taxonômico.

Os óleos essenciais são terpenoides encontrado nas famílias de


Austrobaileyalles, Laurales, Magnoliales e Piperales (Figura 8), e também em outras
distantemente relacionadas, como Asteraceae (Asterales), Lamiaceae e Verbenaceae
(Lamiales), Myrtaceae (Myrtales), Rutaceae (Sapindales) e algumas famílias
compreendidas em Apiales (Figura 9). São compostos principalmente por
monoterpenoides voláteis (formados por 10 carbonos) e os sesquiterpenoides
(compostos com 15 átomos de carbono). Os sesquiterpenoides ocorrem principalmente
em Asteraceae, grupo no qual mostraram-se particularmente diversas e de grande
utilidade na sistemática.

312
Figura 8. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Óleos
essenciais nas Angiospermas.

Figura 9. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Óleos essenciais nas
Eudicotiledôneas.

Os diterpenoides possuem 20 átomos de carbono e os triterpenoides 30 átomos


de carbono, sendo os esteroides triterpenos baseados no sistema de anéis do
ciclopentano peridro-fenantreno. Vários destes terpenos possuem alguma importância
taxonômica. Como exemplo, as saponinas triterpênicas foram encontradas em
Apiaceae e Pittosporaceae, sustentando a hipotética relação filogenética entre as
famílias (Figura 10). Outro caso foi verificado no nível de betulina (triterpenoide)
encontrado na casca do tronco de quatro espécies de Betula L., que variou

313
significativamente entre os táxons, demonstrando ser um potencial caráter a ser
utilizado na taxonomia do grupo.

Figura 10. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização das Saponinas
triterpênicas em famílias relacionadas filogeneticamente.

Os Iridoides são um grupo de monoterpenoides encontrados em diversas


famílias de Asterídeas, e suas classes têm sido utilizadas para sustentar relações dentro
deste grande clado. Os limonoides e os quassinoides são derivados de triterpenoides, e
estão presentes em famílias de Sapindales (Rutaceae, Meliaceae e Simaroubaceae). Os
cardenolídeos são glicosídeos de um tipo de esteroide altamente tóxicos, podendo ser
encontrados em Apocynaceae (Gentianales), Euphorbiaceae (Malphigiales), Liliaceae
(Liliales), Plantaginaceae (Lamiales) e Ranunculaceae (Ranunculales).

Flavonoides

Os flavonoides são compostos fenólicos que possuem sua estrutura baseada em


2-fenil-benzopirano (C6C3C6), sendo representados por várias classes, de acordo com o

314
grau de oxidação do anel central. Podem atuar na defesa contra herbívoros, sinalização
planta-bactéria, proteção frente à radiação UV, defesa induzida entre planta e fungos,
antioxidante e pró-oxidante, coloração das flores e frutos e na regulação de transporte de
auxina. São conhecidos para a maioria das embriófitas e para as algas Charophyta,
sendo amplamente utilizados na sistemática vegetal, provavelmente pela facilidade de
sua extração e identificação. São compostos que mostraram ser úteis em estudos de
variação infra-específica e na determinação de relacionamentos entre/em vários níveis
taxonômicos.

Antocianinas e betalaínas

São pigmentos presentes em partes do perianto importantes na atração de


polinizadores. Podem estar presentes nos ramos jovens, caule, frutos e raízes,
provavelmente desempenhando funções adicionais, como proteção contra herbivoria e
absorção de raios ultravioleta. As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como
pigmentos em algumas espécies de Caryophyllales (com exceção de Caryophyllaceae e
Molluginaceae) (Figura 12). Elas conferem colorações avermelhadas a violetas
(betacianinas) ou amareladas a tons de laranja (betaxantinas), e as antocianinas
propiciam uma vasta gama de tonalidades (diferentes tons de vermelho, púrpura e azul).
A presença de antocianinas e betalaínas são excludentes, não há uma espécie se quer
descrita com a síntese das duas classes.

Poliacetilenos

Os poliacetilenos são metabólitos não nitrogenados que caracterizam um grupo


proximamente relacionado de Asterídeas, estando presentes nas famílias Asteraceae,
Apiaceae, Caprifoliaceae, Campanulaceae, Goodeniaceae e Pittosporaceae (Figura 12).

Os poliacetilenos do tipo falcarinona são específicos de Apiaceae, Araliaceae e


Pittosporaceae (Figura 13). Vale ressaltar que Apiaceae, Araliaceae e Pittosporaceae
também apresentam classes similares de óleos essenciais, saponinas do tipo oleanano e
ursano, ésteres de ácido cafeico, furanocomarinas e flavonoides. No trabalho de Hansen
& Boll (1986), eles trabalharam com diferentes espécies de Araliaceae, e durante as
analises puderam observar a diferença que havia no teor e na composição das diferentes
estruturas dos poliacetilenos encontrados. Abaixo, segue figura 11 que mostra as

315
diferentes estruturas dos poliacetilenos para Araliaceae. Na tabela 1 podemos ver que as
diferentes espécies possuem diferentes poliacetilenos isolados.

Tabela 1. Modificado de Hansen & Boll (1986). Espécies com diferentes poliacetilenos isolados.

Figura 11. Modificado de Hansen & Boll (1986). Poliacetilenos extraídos de diferentes espécies de
Araliaceae.

316
Figura 12. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização das Betalaínas em
Caryophyllales e dos poliacetilenos nas Asterídeas.

Figura 13. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Poliacetilenos do
tipo facarinona.

317
O conhecimento detalhado das vias de síntese de substâncias secundárias e dos
produtos formados mostrou ser uma fonte de evidências promissoras para a
quimiosistemática de Angiospermas, podendo auxiliar na construção e sustentação de
hipóteses filogenéticas.

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319
Anotações:

320
CAPÍTULO XXIV

COMPOSTOS BIOATIVOS DE MACROALGAS


Ana Maria Amorim
Janaína Pires Santos

O que são compostos bioativos?


A utilização de produtos naturais, provenientes de diferentes organismos, é tão
antiga quanto a história da humanidade. As plantas, em especial, formam a base da
medicina tradicional – o mais antigo relato sobre as propriedades das plantas é um
tratado médico chinês de 3.000 a.C., escrito pelo imperador Shen Wung. No entanto,
somente no século XIX que foi possível isolar os primeiros compostos bioativos de
origem vegetal.
Os compostos bioativos são moléculas de origem sintética ou natural que são
estudadas quanto as suas atividades biológicas e contribuem para importantes
descobertas em diversas áreas terapêuticas. Esses compostos podem ser oriundos do
metabolismo primário ou secundário (vide Capítulo 22).
Metabolismo é o conjunto de reações químicas de degradação e síntese de
substâncias químicas que ocorrem por meio de caminhos chamados de rotas ou vias
metabólicas. Nas rotas metabólicas o produto de uma reação pode ser o substrato de
uma reação subsequente, sendo que os reagentes, os intermediários e os produtos das
reações são chamados de metabólitos.
Os metabólitos primários são compostos envolvidos diretamente no crescimento,
desenvolvimento e reprodução dos organismos, como ácidos graxos, aminoácidos e
polissacarídeos e apresentam ampla distribuição nos organismos. Já os metabólitos
secundários são importantes mediadores de interações ecológicas, como terpenos,
alcalóides e substâncias fenólicas. De modo geral, os metabólitos secundários ocorrem
em grupos específicos de organismos, e por isso podem apresentar importância
ecológica e evolutiva, sendo estudados como marcadores taxonômicos, filogenéticos e
biogeográficos.

Compostos bioativos marinhos


Os organismos marinhos são uma fonte promissora de produtos naturais. Os
oceanos representam mais de 70% da superfície terrestre e abrigam uma grande

321
diversidade de organismos, que sofrem pressões ambientais diferentes dos organismos
terrestres e apresentam compostos com características únicas.
A química de produtos naturais marinhos teve início na década de 1950 com o
isolamento dos nucleosídeos (base nitrogenada ligada a uma pentose) espongotimidina e
espongouridina da esponja Tethya crypta, que apresentam atividade antiviral ao atuarem
na enzima transcriptase reversa.
No entanto, somente a partir da década de 1970, com o desenvolvimento de
equipamentos de mergulho modernos, que as pesquisas com compostos bioativos de
organismos marinhos foram impulsionadas. Desde então, estima-se que cerca de 20.000
compostos foram descobertos em organismos marinhos, como bactérias, fungos, algas e
animais.

Compostos bioativos de macroalgas


As macroalgas são divididas em três grandes grupos: algas pardas (Filo
Ochrophyta – classe Phaeophyceae), algas vermelhas (Filo Rhodophyta) e algas verdes
(Filo Chlorophyta). A maioria de seus representantes habita o ecossistema marinho e
constitui parte fundamental desse ambiente, sendo o principal alimento de alguns
animais, fonte de matéria orgânica para bactérias heterotróficas e indicadores de
alterações ambientais (vide Capítulo 2).
Tradicionalmente, são utilizadas na alimentação, sobretudo em países asiáticos,
e, atualmente, têm sido exploradas como alimentos funcionais, devido ao seu teor de
fibras, vitaminas e minerais. Industrialmente, são utilizadas, principalmente, como fonte
de ágar, carragenanas e alginato, polissacarídeos presentes na parede celular de algumas
macroalgas. Além disso, produzem compostos que apresentam diversas atividades
biológicas e podem ser aplicados em indústrias químicas, alimentícias e farmacêuticas
(vide Capítulo 8).
Nas macroalgas, esses compostos estão envolvidos em interações ecológicas e
na defesa contra variações ambientais (salinidade, radiação, dessecação) e podem ser
provenientes do metabolismo primário ou do metabolismo secundário.
Estima-se que são conhecidos cerca de 3000 metabólitos secundários em
macroalgas, representando 15% dos compostos encontrados em organismos marinhos.
A maioria dos compostos encontrados em macroalgas são terpenos e substâncias
fenólicas.

322
Em algas pardas são conhecidos cerca de 1140 metabólitos secundários,
principalmente das classes dos terpenos e das substâncias fenólicas. As principais
substâncias fenólicas encontradas em algas pardas são os florotaninos, que são
polifenóis derivados do floroglucinol e não ocorrem nos outros grupos de macroalgas.
Nas algas vermelhas são conhecidos aproximadamente 1.500 metabólitos secundários,
dos quais cerca de 70% são compostos halogenados (apresentam pelo menos um átomo
de halogênio), que podem pertencer a diferentes classes químicas, como dos terpenos,
acetogeninas e substâncias fenólicas. Nas algas verdes são conhecidos
aproximadamente 300 metabólitos secundários, principalmente da classe dos terpenos.
Os metabólitos secundários isolados em macroalgas apresentam diversas
atividades biológicas já comprovadas, como: antioxidante, antibacteriana, antiviral e
anticâncer.

Atividade antioxidante
As macroalgas, assim como outros organismos aeróbios, produzem normalmente
espécies reativas de oxigênio (EROs) durante os processos de respiração celular e
fotossíntese. No entanto, alguns fatores externos também podem estimular a produção
de EROs, o que pode levar ao estresse oxidativo, e à degradação de moléculas
orgânicas, como lipídeos, proteínas, carboidratos e DNA.
Como o ambiente aquático está sujeito à variação de nutrientes, luminosidade,
concentração de CO2 e O2, temperatura e salinidade, as macroalgas estão propensas a
sofrer com o estresse oxidativo. Para garantir sua sobrevivência, é necessário um
mecanismo eficiente de resposta ao estresse, como uma alta capacidade antioxidante.
As substâncias fenólicas são uma classe diversa de metabólitos secundários
encontrados em algas e plantas terrestres, e que apresentam diferentes mecanismos
antioxidantes: como doadores de hidrogênio e quelante de metais. Ao doar hidrogênio
às espécies reativas, os antioxidantes impedem a oxidação de moléculas orgânicas e a
formação de novas EROs. Já ao atuar como agentes quelantes, esses compostos
antioxidantes sequestram e “aprisionam” íons metálicos que catalisam reações de
oxidação e, assim, impedem a formação de EROs. As algas pardas, de modo geral,
apresentam alta capacidade antioxidante, devido à presença dos florotaninos,
Os carotenoides, que são tetraterpenos (terpenos de 40 carbonos), são pigmentos
alaranjados que ocorrem em diversos organismos. Estão presentes em todos os

323
organismos fotossintetizantes, atuando como pigmentos acessórios da fotossíntese e
também na fotoproteção, devido a sua propriedade antioxidante.
Os aminoácidos tipo micosporinas são moléculas polares que absorvem no
comprimento de onda do UVA e UVB, sua absorção máxima ocorre entre 310 a 360
nm, dependendo da sua estrutura molecular. Esses compostos estão amplamente
distribuídos na natureza e são encontrados tipicamente em organismos que estão
expostos a alta intensidade de luz, tais como cianobactérias e outros procariotas,
eucariotas (e.g., fungos e microalgas), macroalgas marinhas (algas verdes e vermelhas),
corais, líquens terrestres e outros organismos marinhos que acumulam micosporinas
através da dieta.
A proteção contra danos causados pela radiação solar em organismos aquáticos
sugere que esse grupo de substâncias pode atuar também como antioxidantes. Apesar de
algumas micosporinas não apresentarem potencial antioxidante direto, alguns de seus
precursores, como o 4-deoxygadusol, possuem forte atividade antioxidante.
Por bloquearem os danos causados pela fotodegradação, as micosporinas têm
sido exploradas comercialmente na busca protetores solares e cremes anti-idade. A
adição de micosporinas a produtos cosméticos têm mostrado bons resultados como
melhora no tônus e na maciez da pele.

Atividade antibacteriana
O uso indiscriminado de antibióticos nos últimos anos levou a resistência de
agentes patogênicos, por esse motivo, estudos têm procurado novas fontes de
substâncias com atividade antibacteriana.
Em macroalgas, os principais compostos que apresentam atividade
antibacteriana são substâncias fenólicas, terpenos e compostos halogenados.
Os florotaninos (polifenóis) são os principais responsáveis pela atividade
antibacteriana em algas pardas. O eckol e o dieckol isolados de algas dos gêneros
Ecklonia e Eisenia, por exemplo, inibem o crescimento de S. aureus.
A atividade antibacteriana dos florotaninos se dá pela inibição da fosforilação
oxidativa e pela capacidade de se ligar às proteínas da membrana bacteriana, causando
lise celular. Florotaninos de baixo peso molecular extraídos de Sargassum thunbergii
causaram danos à membrana e à parede celular de V. parahaemolyticus, bactéria Gram-
negativa que causa gastroenterite principalmente pela ingestão de peixes e frutos do mar
mal cozidos.

324
Sesquiterpenos (terpenos de 15 carbonos) também têm apresentado atividade
antimicrobiana em algas vermelhas e verdes. No gênero Laurencia (algas vermelha) já
foram isolados diversos sesquiterpenos halogenados, os quais têm mostrado potencial
antibacteriano. Por exemplo, o laurinterol isolado de Laurencia okamurae apresenta
atividade bactericida contra cepas de Staphylococcus aureus (Gram-positiva) resistente
ao antibiótico meticilina. Já na alga verde Ulva fasciata foram isolados sesquiterpenos
com atividade contra espécies do gênero Vibrio.
Furanonas halogenadas, ou fimbrolídeos, isoladas da alga vermelha Delisia
pulchra, têm se mostrado promissores compostos antibacterianos. Furanonas são um
tipo de lactona, ou seja, um éster cíclico, e nesse caso estão ligadas a pelo menos um
átomo de bromo. Na alga esses compostos têm ação anti-incrustante, impedindo a
formação de biofilmes, que são comunidades de microrganismos envoltos por uma
matriz extracelular de polissacarídeos, que os mantém unidos entre si e a uma superfície
sólida. Nessa matriz, além dos microrganismos que a produziram, podem estar aderidos
outros microrganismos e partículas sólidas.
Por esse motivo, furanonas halogenadas têm sido estudadas como um potencial
tratamento para infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria Gram-
negativa que pode formar biofilmes nos aparelhos respiratório e urinário. Além de P.
aeruginosa, as furanonas halogenadas apresentam atividade antibacteriana contra outras
espécies de bactérias Gram-negativas, como Escherichia coli, Serratia liquefaciens,
Proteus mirabilis e espécies do gênero Vibrio.

Atividade antiviral
Doenças virais há muito tempo são assuntos com grande relevância e
importância médica, pois os vírus são organismos com alta taxa de mutação e
resistência à fármacos e terapias. Entre as doenças virais com grande repercussão
encontra-se a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) que é considerado um
grande problema de saúde pública mundial. Além dela, a herpes também é uma doença
que atinge mais de 80% da população mundial, porém a maioria não demonstra as
manifestações clínicas (erupções com inflamação em mucosas), o que facilita muito a
dispersão do vírus. Desta forma, a descoberta de novas substâncias e/ou terapias que
apresentem alta eficiência e baixa toxicidade têm sido alvo de grande interesse nas
pesquisas de bioprospecção.

325
Os florotaninos apresentam atividade antiviral e atuam em diferentes fases da
infecção, podendo inibir a adsorção, a transcriptase reversa e a transcrição. Na alga
parda E. cava foram isolados quatro derivados do floroglucinol, dos quais o bieckol e o
dieckol inibiram a transcriptase reversa do HIV (TR-HIV). Essas substâncias
apresentaram capacidade de inibição comparável a nevirapina, um fármaco usado no
tratamento da AIDS.
Diterpenos isolados da alga parda Dictyota menstrualis apresentam forte
atividade inibitória da enzima TR-HIV e contra o vírus da herpes. Terpenos do tipo
dolabelano isolados da alga Dictyota pfaffi, desempenham importante papel na inibição
da TR-HIV in vitro.
O Dolabelladienetriol, outro diterpeno isolado de D. pfaffi, além de inibir a TR-
HIV também bloqueia a síntese/integração do DNA viral em células infectadas.
Atualmente um promissor gel ginecológico está sendo desenvolvido por institutos de
pesquisas brasileiros e já é considerada mais uma forma de proteção para a mulher,
porém é importante salientar que o seu uso deve ser aliado ao uso da camisinha.
Segundo a Dra. Valéria Teixeira da Universidade Fluminense, responsável pelo
isolamento da substância e pela condução das pesquisas, o composto é promissor, pois
age nas células, possui baixa toxicidade e é capaz de permanecer nas células por até dez
dias. Mesmo que o tempo seja curto, os pesquisadores defendem a utilização preventiva
do gel, que está na fase clínica de testes, pois o seu mecanismo de ação não impede que
o vírus entre na célula, mas em contato com a substância o HIV não consegue se
multiplicar.

Atividade anticâncer
Meroditerpenos isolados de algas pardas apresentaram interessante supressão no
desenvolvimento de linhagens celulares de neuroblastoma humano (SH-SY5Y),
leucemia basofílica em ratos (RBL-2H3), fibroblastos de hamster chinês (V79) e células
de adenocarcinoma do cólon humano (Caco-2).
O Dactilone é um novo grupo de substâncias que vem sendo utilizado como
agente anticâncer. Essa substância, isolada da alga vermelha do gênero Laurencia,
possui estrutura química muito próxima a dos sesquiterpenos e apresenta forte atividade
antitumoral frente a diversas linhagens celulares incluindo células cancerígenas no
cólon.

326
O Kahalalide F é um depsipeptideo (peptídeos formados por aminoácidos
intercalados por ácidos carboxílicos) com ação citotóxica, inicialmente isolado na
lesma-do-mar Elysia rufescens. Posteriormente verificou-se que esse molusco ao se
alimentar da alga verde do gênero Bryopsis sequestra o kahalalide.
Esse composto atualmente se encontra na fase II de testes clínicos para o
tratamento de melanoma, carcinoma hepatocelular e câncer de pulmão. Além disso, essa
substância também apresenta atividade antiviral.
As macroalgas representam um importante recurso marinho como pode ser
observado no breve panorama apresentado. Esses organismos produzem metabólitos
secundários das mais diversas classes químicas e com estruturas peculiares, como no
caso das substâncias halogenadas. Alguns desses metabólitos já apresentam reconhecida
atividade biológica contra patologias de grande interesse médico, porém este ainda é um
recurso pouco investigado quanto ao seu potencial biotecnológico no mundo.

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Anotações:

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