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Nitrogen metabolism and its interaction with the Crassulacean Acid Metabolism (CAM) in Guzmania monostachia (Bromeliaceae): a physiological and molecular
approach View project
Exploring the physiological and molecular aspects of Guzmania monostachia (Bromeliaceae): studying the functional pathways of photosynthesis and nutrient
responses View project
All content following this page was uploaded by Ana Zangirolame Gonçalves on 14 July 2017.
Organizadores
Professora responsável
Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan
Autores
Allyson Eduardo Nardelli Juan Pablo Narváes-Gomez
Ana Maria Amorim Juliana Castelo Branco Brasileiro
Ana Zangirolame Gonçalves Juliana Lovo
Andressa Cabral Leyde Nayane Nunes dos Santos
Annelise Frazão Luis Carlos Salto
Antônio Azeredo Coutinho Neto Luiz Henrique Martins Fonseca
Bruno Michael Brabo Marco Octávio de O. Pellegrini.
Camila Lopes Lira Mariana Sousa Melo
Carlos Eduardo Valério Raymundo Mario Celso Machado Yeh
Daniele Rosado Matheus Martins Teixeira Cota
Eric Yasuo Kataoka Nuno Tavares Martins
Erica Moniz Ferreira da Silva Pâmela Tavares da Silva
Erick Alves Pereira Lopes Filho Patrícia Guimarães Araújo
Fabiana Marchi Pércia Paiva Barbosa
Fabio Nauer Priscila Pires Bittencourt
Fernanda Anselmo Moreira Priscila Primo Andrade Silva
Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira Ricardo Ernesto Bianchetti
Fernanda Mendes de Rezende Ricardo Silva Batista Vita
Gabriela Carvalho Lourenço da Silva Sabrina Gonçalves Raimundo
Gisele Alves Sara Sangi Miranda
Janaína Pires Santos Wilton Ricardo Sala de Carvalho
Jéssica Nayara Carvalho Francisco Yasmin Vidal Hirao
Josiana Cristina Ribeiro
São Paulo
2017
3
VII Botânica no Inverno 2017 / Org. Carlos Eduardo Valério Raymundo [et al.]. – São
Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de
Botânica, 2017. 332 p. : il.
Inclui bibliografia
4
PREFÁCIO
Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de
Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é
referência em nível internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por
28 docentes (3 aposentados), os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento.
Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário com a coleção de plantas
vasculares, algas e madeiras estimado em 300.000 espécimes e um fitotério, com uma
coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao
grande número de pós-graduando (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica
dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 6, o mais alto
entre as botânicas do país.
Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa
dos pós-graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de
Botânica, possibilitando o futuro acolhimento de alunos/(potenciais) pesquisadores ao
seu corpo discente.
Na VII edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de
graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas
Anatomia Vegetal, Educação em Botânica, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Fitoquímica,
Sistemática e Taxonomia Vegetal, além de proporcionar a experiência de vivenciarem
as atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos
possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento.
Para a realização do VII Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de
São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica,
à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de
fomento FAPESP, CAPES e CNPQ.
5
ÍNDICE
PREFÁCIO...................................................................................................................................................5
PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO
Capítulo 1: Origem do cloroplasto................................................................................................................8
Capítulo 2: Introdução às Macroalgas Marinhas.........................................................................................15
Capítulo 3: Histórico de vida em macroalgas..............................................................................................27
Capítulo 4: Diversidade intraespecífica: modificações da cor do talo em algas vermelhas
(Rhodophyta)...............................................................................................................................................39
Capítulo 5: Espécies exóticas de algas marinhas com enfoque em macroalgas invasoras.........................49
Capítulo 6: Mudanças climáticas: os efeitos sobre macroalgas marinhas ..................................................69
Capítulo 7: Ecologia de Costões Rochosos e Metodologias de Amostragem ............................................76
Capítulo 8: Cultivo de Macroalgas Marinhas..............................................................................................93
Capítulo 9: Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados
à reconstrução de uma hipótese filogenética.............................................................................................103
Capítulo 10: Sistemática vegetal: histórico, conceitos e o estado atual.....................................................133
PARTE II: ENSINO EM BOTÂNICA
Capítulo 11: Formação de professores de botânica: bases teoricas e dificuldades na formação...............154
Capítulo 12: Educação Ambiental e o Projeto Ecossistemas Costeiros....................................................167
Capítulo 13: Ilustrando um pensamento: vetorização gráfica aplicada à botânica...................................181
PARTE III: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO
Capítulo 14: Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em angiospermas.............................................194
Capítulo 15: Anatomia floral, esporênese e gametogênese.......................................................................205
Capítulo 16: Anatomia e identificação de madeiras..................................................................................219
Capítulo 17: Estruturas Secretoras Nupciais e de Proteção.......................................................................228
Capítulo 18: Respostas das plantas ao estresse hídrico.............................................................................238
Capítulo 19: Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em plantas...........................................247
Capítulo 20: Recursos genéticos vegetais: aplicações do cultivo in vitro.................................................261
Capítulo 21: Da genômica à bioinformática..............................................................................................278
PARTE IV: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS
Capítulo 22: Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas .......................................................288
Capítulo 23: Metabólitos secundários como ferramenta para a sistemática de angiospermas..................307
Capítulo 24: Compostos bioativos em macroalgas ...................................................................................325
6
PARTE I
DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO
7
CAPÍTULO I
Atualmente a classificação dos seres vivos está dividida em três domínios: duas
linhagens distintas de organismos procariontes (Bacteria e Archaea) e uma de
organismos eucariotos (Eukarya). Protistas, fungos, plantas e animais são vistos como
reinos dentro do domínio Eukarya. As células eucarióticas evoluíram cerca de 1,5 bilhão
de anos atrás, depois dos primeiros procariotos e 1 bilhão de anos antes dos primeiros
animais. A origem dessa linhagem de organismos eucariotos está relacionada com um
dos eventos mais fascinantes que ocorreram na evolução da vida na Terra, a
endossimbiose, onde ocorre a transformação de células procarióticas simples em
organelas de células eucarióticas com organização complexa.
8
A transformação de um endossimbionte numa organela em geral envolveu a
perda da parede celular do endossimbionte, além de outras estruturas desnecessárias. Ao
longo da evolução, o DNA do endossimbionte e muitas de suas funções foram
gradualmente sendo transferidas para o núcleo do hospedeiro. Por isso, os genomas das
mitocôndrias e dos cloroplastos modernos são pequenos se comparados com o genoma
nuclear. Embora a mitocôndria ou o cloroplasto não possa viver fora de uma célula
eucariótica, ambos são organelas que se autorreplicam e retiveram muitas das
características de seus ancestrais procarióticos. O envoltório mitocondrial é composto
por duas membranas e a mitocôndria contêm DNA e maquinário para síntese de
proteína, incluindo ribossomos.
9
Figura 1. Representação do processo de endossimbiose primária.
10
Endossimbiose secundária (Figura 3) é o processo no qual uma célula
eucariótica fotossintetizante é fagocitada por outra célula eucariótica, mas heterótrofa.
Essa endossimbiose dá origem a um cloroplasto secundário, composto por três a quatro
membranas. Os cloroplastos de Haptófitas, Chlorarachniófitas, euglenoides,
estramenópilas e dinoflagelados possuem cloroplastos secundários (Tabela 1).
As evidências para essas hipóteses surgem de muitas fontes. Uma é que ambas,
mitocôndrias e cloroplastos, estão envoltos por duas membranas, sendo a membrana
externa representando a membrana da vesícula fagocítica original, e a membrana interna
representando a membrana original do procarioto. Além disso, a bioquímica da
membrana externa das mitocôndrias e dos cloroplastos remete aquela da membrana
celular de eucariotos, enquanto a interna è semelhante com a membrana celular
procariota. Como dito anteriormente, essas organelas também apresentam DNA e
ribossomos próprios, que são semelhantes aqueles dos procariotos. Há muitos exemplos
de endossimbiontes procarióticos (bacterianos) e eucarióticos em outros protistas, assim
como nas células de 150 gêneros animais de invertebrados de água doce e salgada.
Endossimbiontes algas, inclusive aqueles que ocorrem nos pólipos de corais que
formam recifes, aumentam a produtividade e a sobrevivência do hospedeiro.
11
Figura 3. Representação do processo de endossimbiose secundária.
Referências
Charrier, B., Bail, A., Reviers, B. (2012). Plant Proteus: Brown Algal Morphological
Plasticity And Underlying Developmental Mechanisms. Trends In Plant Science,
August 2012, Vol. 17, No. 8
Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. (2009). Algae. 2. ed. Pearson Benjamin
Cummings, 616 p.
Guimarães, S.M.P.B. (1990). Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito
Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 275 p.
Guiry, M.D. (2011). The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso
em 02 de junho de 2012.
Knoll, A.H. (2011). The Multiple Origins Of Complex Multicellularity. Annual Review
of Earth and Planetary Sciences. 39:217–39
Lee, R.E. (2008). Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p.
12
Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C.
(2007). Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p.
Spalding, M.D., Fox, H.E., Allen, G.R., Davidson, N., Ferdaña, Z.Z., Finlayson, M.,
Halpern, B.S., Jorge, M.A., Lombana, A., Lourie, S.A., Martin, K.D., Mcmanus, E.,
Molnar, J., Recchia, C.A., Robertson, J. (2007). Marine Ecoregions of the World: A
Bioregionalization of Coastal and Shelf Areas. BioScience 57(7): 573-583
13
Anotações:
14
CAPÍTULO II
15
frias do globo. Com base no tamanho, as algas pardas podem variar de formas
microscópicas à formas macroscópicas de até 60 metros de comprimento, conhecidas
como kelps. Grandes kelps podem formar verdadeiras florestas subaquáticas, abrigando
diversas espécies de organismos marinhos de importância ecológica e econômica. De
modo geral, o talo das kelps pode ser subdivido em uma lâmina fotossintetizante, um
estipe altamente especializado e um apressorio de ancoramento. A parede celular das
algas pardas possuem três componentes: ácido algínico, celulose e polissacarídeos
sulfatados. Além da clorofila a, os cloroplastos dessas algas possuem clorofila c, beta-
caroteno, violoxantina e grandes quantidades de fucoxantina, que mascara a coloração
da clorofila a e confere as algas pardas sua coloração marrom típica.
Tabela 1. Principais características dos três grandes grupos de algas, modificado de Graham & Graham
(2009).
Ficobilinas b-ficocianina
b-ficoeritrina
c-ficocianina
c-aloficocianina
c-ficoeritrina
Amido das
Substância de florídeas Amido Laminarina
reserva Manitol
Número
Cloroplastos variável; Número variável; Número variável
Ovais, Discóides, reticulados, Estrelados, cilíndricos
16
discóides ou ou
estrelados; estrelados, laminares, lenticulados.
em forma de fita etc.
17
substratos artificiais. Na região do mesolitoral, as algas são expostas a diversos fatores
que influenciam sua distribuição e sobrevivência, esses fatores, por sua vez, podem ser
divididos em fatores abióticos e fatores bióticos.
Fatores abióticos são fatores ausentes da presença de seres vivos, mas
influenciados pelas propriedades físicas e químicas da biosfera (fatores ambientais).
Para as algas marinhas, o fator abiótico mais importante é a variação da maré, bem
como a irradiância, a temperatura, o hidrodinamismo e a dessecação.
Dessecação: perda de líquidos devido à prolongada exposição ao ar
durante a baixa maré;
Hidrodinamismo: ação das ondas e o movimento da água;
Irradiância: por serem fotossintetizantes, a ocorrência e distribuição
das algas está diretamente relacionada com a distribuição de luz;
Temperatura: influencia diretamente no metabolismo das algas,
como a fotossíntese e a respiração.
Fatores bióticos são fatores ocasionados pela presença de seres vivos ou suas
relações. Entre as relações que existem entre os organismos que vivem ou visitam a
região do mesolitoral, podemos citar a competição, a herbivoria e as interações
simbióticas.
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1 2
3 4
5 6
7 8
Figuras 1-8: Exemplos de Algas Verdes. Figura 1. Ulva rigida, aspecto geral do talo foliáceo. Figura 2.
Detalhe do talo formado por duas camadas de células. Figura 3. Chaetomorpha antennina, aspecto geral
do talo filamentoso. Figura 4. Detalhe dos filamentos unisseriados, não ramificados. Figura 5. Caulerpa
sertularioides, aspecto geral do talo cenocítico. Figura 6. Detalhe do talo cenocítico, sem divisão de
células. Figura 7. Halimeda sp., aspecto geral do talo, evidenciando as porções calcificadas da planta.
Figura 8. Detalhe da região de ligação não calcificada das porções articuladas do talo.
19
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15 16
Figuras 9-16: Exemplos de Algas Pardas. Figura 9. Padina gymnospora, aspecto geral do talo foliáceo
cortiçado, em forma de ventarola. Figura 10. Corte transversal do talo. Figura 11. Spatoglossum
schroederi, aspecto geral do talo. Figura 12. Corte transversal do talo, mostrando as células do córtex
pigmentadas e as células da medula incolores. Figura 13. Canistrocarpus cervicornis, aspecto geral do
talo. Figura 14. Detalhe da ramificação dicotômica do talo. Figura 15. Feldmannia indica, aspecto geral
do talo filamentoso. Figura 16. Detalhe do filamento unisseriado, evidenciado os cloroplastos estrelados.
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21 22
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23 24
Figuras 17-24: Exemplos de Algas Vermelhas. Figura 17. Vidalia obtusiloba, aspecto geral do talo
achatado. Figura 18. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex pigmentado e a medula incolor.
Figura 19. Ceramium flaccidum, aspecto geral do talo filamentoso. Figura 20. Detalhe dos
filamentos, com o córtex formando-se nas regiões dos nós do talo. Figura 21. Gracilaria caudata,
aspecto geral do talo cilindrico. Figura 22. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex
pigmentado e a medula incolor. Figura 23. Corallina officinalis, aspecto geral do calcário articulado.
Figura 24. Detalhe das porções do talo com depósito de carbonato de cálcio (intergenículos) e
21
porções de sem depósito (genículos).
Assim como as plantas terrestres, as algas possuem grande importância
ecológica por serem organismos fotossintetizantes. Além disso, são fontes de alimentos
para diversos animais aquáticos, como crustáceos, peixes e tartarugas. Algumas algas
ainda servem de hábitat para espécies de animais que utilizam a estrutura do talo, ou
mesmo o próprio banco de algas, como locais de abrigo e reprodução.
Algas também são largamente utilizadas em diversas atividades humanas. Em
muitos países, principalmente no Oriente, as algas fazem parte da alimentação diária.
São fontes de proteínas, vitaminas e sais minerais. Dentre as mais conhecidas, destaca-
se o nori, utilizado pelos japoneses no preparo do sushi. Além disso, o ágar, os alginatos
e os carragenanos presentes na parede celular das algas são largamente utilizados na
indústria, nas áreas de biologia molecular e biotecnologia, bem como na fabricação de
alimentos, bebidas e cosméticos (Vide Capítulo 24). E por fim, pesquisas vêm sendo
realizadas para analisar a eficácia das algas no tratamento de diversas doenças, tais
como asma, bronquite, verminoses, artrite e hipertensão.
Referências
Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. 2009 Algae. 2. ed. Pearson Benjamin
Cummings, 616 p.
Guimarães, S.M.P.B. 1990 Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito
Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 275 p.
Guiry, M.D. 2011 The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso em
02 de junho de 2012.
Lee, R.E. 2008 Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p.
Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C. 2007
Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da Universidade de
São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p.
Pedrini, 2010 Pedrini, A.G. (Org.) 2010 Macroalgas – Uma Introdução à Taxonomia.
Série Flora Marinha do Brasil, vol 1, 1ª ed. Technical Books Editora, Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.
Santelices, B.; Bolton, J.J. & Meneses, I. 2009 Marine Algal Communities. In :
Witman, J.D. & Roy, K. (Eds). Marine Macroecology. Chicago: The University of
Chicago Press, p. 153-192.
22
Anotações:
23
CAPITULO III
1- Renovação da vida
Os elementos abióticos presentes na natureza se renovam ciclicamente, tais
como a água, o carbono e o enxofre. Para os seres vivos não é diferente: as
características contidas no genoma de um organismo são transmitidas de geração para
geração. Este processo não consiste apenas na divisão de células e na reprodução dos
organismos, mas também nos processos capazes de transmitir as informações contidas
em um indivíduo para as gerações seguintes.
24
2- Históricos de vida
O conjunto dos eventos de desenvolvimento e reprodução que são contemplados
durante a vida de um indivíduo, população ou espécie é conhecido como histórico de
vida. Ciclo de vida é o termo mais conhecido quando nos referimos ao conjunto destes
processos, entretanto é conveniente salientar que histórico pode ser um termo mais
apropriado, pois nem sempre é possível a observação de um ciclo completo.
Os processos de meiose e fecundação são essenciais para compreensão dos
históricos de vida. As algas se reproduzem por uma variedade de métodos,
assexuadamente e sexuadamente. Enquanto a reprodução sexuada envolve fusão de
gametas, cariogamia e meiose, esses processos não ocorrem na reprodução assexuada.
Alguns organismos podem se reproduzir exclusivamente de maneira assexuada,
entretanto a maioria das algas se reproduz de maneira sexuada e assexuada.
A reprodução assexuada permite crescimento populacional rápido em condições
favoráveis, uma vez que não existe o custo energético associado a produção de gametas
e a necessidade de se encontrar parceiros. Em contraste, a reprodução sexuada pode
conferir como vantagem o aumento da variabilidade genética de uma população,
fomentando a habilidade de resposta a mudanças ambientais por processos evolutivos.
Além disso, muitas algas que realizam reprodução sexuada possuem mecanismos de
resistência no histórico de vida, que podem permitir a sobrevivência em condições
desfavoráveis ao crescimento.
Os históricos de vida são classificados de acordo com o número de gerações
(fases) e a ploidia dessas fases. Os históricos de vida haplobiontes apresentam apenas
uma geração duradoura. Nesse caso, os organismos podem ser haplóides (n) ou
diplóides (2n), dependendo da espécie. O histórico de vida diplobionte apresenta duas
gerações duradouras distintas, uma diplóide e outra haplóide.
3- Reprodução assexuada
Muitas espécies de algas que podem se reproduzir assexuadamente, o fazem por
esporulação. A partir do citoplasma de uma célula, uma ou mais células reprodutivas
são produzidas, e estas são capazes de originar novos indivíduos uni ou pluricelulares.
Estas células reprodutivas (esporos) diferem em mobilidade e capacidade de produzir
flagelos, ainda que sejam capazes de serem dispersadas além da célula parental:
25
Zoósporos: possuem flagelos que os conferem mobilidade em ambientes
aquáticos.
Aplanósporos: Não possuem flagelos.
Outras mecanismos de reprodução assexuada ou vegetativa são também
encontrados em algas. Espécies coloniais de forma e número de células definido são
capazes de se reproduzir por autocolonização, onde cada célula da colônia se divide e dá
origem a uma versão miniaturizada do organismo. Algas filamentosas ou
parenquimatosas podem se reproduzir assexuadamente por fragmentação do talo.
Acinetos são estruturas especiais de resistência de cianobactérias, que podem se formar
quando as condições do meio em que se encontram não são favoráveis à reprodução
vegetativa.
4- Reprodução sexuada
A reprodução sexual é encontrada na maioria das linhagens de algas. Ainda que
as cianobactérias (algas azuis) apresente alguns mecanismos de troca de genes, muitos
dos processos típicos da reprodução das linhagens eucarióticas estão ausentes. A
reprodução sexuada em eucariotos envolve a produção de gametas, a fusão de gametas e
a meiose.
Os gametas são haploides e têm como função principal a fecundação. Os
indivíduos que, os produzem são denominados de gametófitos, e as estruturas onde são
diferenciados são chamadas gametângios. Os gametas produzidos podem ser mais ou
menos diferenciados entre si:
Isogamia: os gametas são estruturalmente semelhantes, entretanto podem ser
distintos bioquimicamente. Os símbolos + ou – podem ser atribuídos para cada
um dos gametas.
Heterogamia - anisogamia: os gametas são diferentes em tamanho. O feminino
é ligeiramente maior que o masculino e ambos podem apresentar mobilidade.
Heterogamia - oogamia: um gameta masculino (flagelado ou aflagelado) e um
gameta feminino maior e imóvel.
26
Tabela 1. Ilustrações representando gametas encontrados em alguns dos históricos de vida presentes em
macroalgas.
27
Figura 1. Histórico de vida incluindo meiose gamética. As fases representadas no fundo rosa são
haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). Células reprodutivas no
estádio vegetativo dão origem a gametas femininos ou masculinos, haploides. Estes se fundem na
fecundação e formam o zigoto (diploide) que por sucessivas divisões mitóticas dá origem ao estádio
vegetativo duradouro. Modificado de Graham et al., 2009
28
Figura 2. Histórico de vida incluindo meiose zigótica. As fases representadas no fundo rosa são haploides
(n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). O zigoto (diploide) dá origem a
gametas + ou – , que originam fases vegetativas + ou –, respectivamente. A geração dominante, + ou –,
dará origem a gametas + ou –, respectivamente, que se fundem, originando o zigoto, fechando o histórico.
Modificado de Graham et al., 2009
29
classificados como espécies ou gêneros distintos. Atualmente, o cultivo
em laboratório e testes de biologia molecular, por exemplo, permitem
entender melhor a alternância de gerações heteromórfica.
Figura 3. Histórico de vida incluindo meiose espórica e alternância de gerações. As fases representadas
no fundo rosa são haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). O
zigoto (diploide) dá origem a um esporófito. Células reprodutivas do esporófito, por meiose, dão origem à
gametas + ou –. Estes dão origem a gametófitos + ou –, respectivamente. Os gametófitos + ou – dão
origem a gametas + ou –, respectivamente que se fundem dando origem ao zigoto, fechando o histórico.
Modificado de Graham et al., 2009
30
diplonte, haplobionte haplonte ou diplobionte com gerações isomórficas ou
heteromóficas:
Spirogyra sp.
Esta é uma alga comum em lagos e poças temporárias, que apresenta o
citoplasma espiralado. Uma das maneiras pelas quais Sporogyra sp. pode se reproduzir
envolve um tubo de conjugação (conjugação lateral).
Figura 4. Histórico de vida simplificado de Spirogyra sp. As gerações ou estádios que caracterizam este
ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul As gerações duradouras
apresentam suas respectivas ploidias entre parênteses. Modificado de Lee (1989)
Ulva sp.
Também conhecida como alface do mar, esta alga apresenta alternância de
gerações onde os estádios adultos são isomórficos
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Figura 5. Histórico de vida simplificado de Ulva sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida
estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Raven et al. (2007)
Órgão plurilocular: produz células por mitose. As células produzidas por esta
estrutura apresentam mobilidade. É possível observar o aparecimento do órgão
plurilocular tanto no gametófito quanto no esporófito. No gametófito (n), o
órgão funciona como um gametângio, produzindo gametas (que podem se
desenvolver por partenogênese também). No esporófito (2n), o órgão funciona
como um esporângio, produzindo esporos.
Órgão unilocular: produz células por meiose e ocorre apenas no esporófito. É
uma célula grande e esférica que após a meiose forma esporos em múltiplos de
quatro.
Fucus sp.
É um gênero de algas pardas de distribuição cosmopolita. O histórico de vida
apresenta reprodução sexuada com meiose gamética que se assemelha à encontrada nos
seres humanos.
32
Figura 6. Histórico de vida simplificado de Fucus sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida
estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Graham et al. (2009)
Ectocarpus sp.
É um gênero de alga filamentosa que tem sido utilizada como modelo de estudos
para a genômica. Os esporângios pluricelulares deste órgão permitem restaurar a
geração esporofítica.
Figura 7. Hisórico de vida simplificado de Ectocarpus sp. As gerações que caracterizam este ciclo de
vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Graham et al. (2009)
33
5.3 - Algas vermelhas
Apresentam reprodução vegetativa, espórica e gamética. Enquanto a reprodução
vegetativa ocorre através da fragmentação do talo, a reprodução sexuada envolve a
formação de esporos. Os esporos formados pela meiose são sempre em número de 4, de
onde deriva o nome tetrasporângio. Os esporos produzidos dentro dos tetrasporângios
são chamados de tetrásporos e se desenvolvem em três arranjos distintos: cruciados,
zonados ou tetraédricos O gameta masculino não apresenta flagelos e é denominado de
espermácio, enquanto o feminino é denominado de carpogônio.
Gracilaria sp.
Neste gênero o histórico de vida é trifásico, com duas fases diploides e uma
haploide. As três fases contempladas nesse histórico de vida são a gametofítica (n), a
carposporofítica (2n) e tetrasporofítica (2n). A alternância de gerações encontrada é do
tipo isomórfica: o tetrasporófito e o gametófito são semelhantes. A geração
carposporofítica é parasita do gametófito feminino. Os espermácios produzidos pelo
gametófito masculino são carregados pela água até as estruturas de reprodução dos
gametófitos femininos, os carpogônios. A fusão destes gametas forma a geração
carposporofítica, no talo do gametófito feminino. Esta geração é protegida por uma série
de camada de células do gametófito feminino. O conjunto formado pelas células do
gametófito feminino e o carposporófito é chamado de cistocarpo. Os esporos
produzidos pelo carposporófito são chamados de carpósporos (2n) e dão origem a
geração tetrasporofítica, também diploide. Os tetrasporófitos adultos dão origem a
tetrásporos (n), por meiose, que restauram a geração gametofítica (n).
34
Figura 8. Histórico de vida trifásico de Gracilaria sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida
estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul ou roxo. Note o carposporófito, diploide,
característica das Rhodophytas. Modificado de Graham et al. (2009)
6- Referências
Graham, L.E.; Lee, W.W.; Graham, J. (2009). Algae. 2. Ed. Pearson Education Inc.,
San Francisco.
Lee, R.E. (1989). Phycology. 2. Ed. Cambridge University Press, Cambridge.
Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F.; Oliveira, M. C.
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35
Anotações:
36
CAPÍTULO IV
39
Figura 2. Ápices em estado vegetativo de gametófitos femininos de coloração vermelha (a esquerda) e de
coloração marrom-esverdeada (a direita) de Gracilaria caudata cultivados in vivo, sob condições
semelhantes.
O modo como o caracter cor é transmitido pode ser conhecido por meio do
acompanhamento de sua herança em condições de laboratório. No entanto, a herança de
cor somente poderá ser estudada quando houver um conhecimento prévio do histórico
de vida da espécie selecionada. Em algas vermelhas a segregação genética ocorre
geralmente na fase gametofítica (haploide), em que mutações recessivas não são
mascaradas por alelos dominantes, assim simplificam a análise genética. Entretanto,
para tetrasporófitos (diploides), é necessário induzir a fertilidade e somente após a
liberação de espóros e formação dos gametófitos, é possível realizar testes de
cruzamentos adicionais para determinar se um indivíduo em particular apresenta genes
dominantes ou carrega mutações recessivas. Os estudos de herança de cor em uma
espécie são iniciados a partir da seleção de indivíduos femininos e masculinos das
diferentes colorações. Essas algas podem ser obtidas do campo com posterior
isolamento unialgáceo ou a partir do cultivo de esporos provenientes de algas de
diferentes colorações coletadas do ambiente. O experimento consiste na manutenção de
ápices femininos: i) cultivados isoladamente, para assegurar a ausência de
partenogênese ou hermafroditismo; ii) cultivados em conjunto com ápices masculinos
de mesma coloração, e iii) cultivados em conjunto com ápices masculinos de coloração
diferente. Esse experimento deverá ser realizado respeitando um número mínimo de
repetições para cada cruzamento (Figura 3).
40
Figura 3. Esquema básico para ensaios de cruzamento entre variantes de cor de uma mesma espécie,
utilizando indivíduos dioicos. vm = vermelho, me = marrom-esverdeado.
41
Figura 4. Esquema representativo de cruzamentos com herança nuclear (dominante, recessiva e
codominante) e herança citoplasmática.
42
sexuados e assexuados (Gracilaria tikvahie), elucidar aspectos desconhecidos no
histórico de vida de algumas algas, como por exemplo: i, inexistência de gametófitos
femininos em Palmaria palmata; ii, identificação da germinação de tetrásporos in situ
ou sobre o tetrasporófito parental e iii, falhas durante a citocinese de tetrasporângios
como observado para Gracilaria sp.
O estudo de variantes de cor evidenciou que essas podem apresentar
desempenho fisiológico distinto das algas com fenótipo selvagem. Na maioria dos
estudos vem sendo observado um desempenho superior quanto ao crescimento por parte
das algas selvagens, em contrapartida, variantes pigmentares têm apresentado um
desempenho fotossintetizante ligeiramente superior. Essas divergências fisiológicas
podem trazer benefícios para a espécie em ambiente natural e contribuir para a seleção
de linhagens mais adequadas à maricultura. Com relação aos pigmentos, variantes de
cor apresentam conteúdo pigementar diferente às algas da mesma espécie com fenótipo
selvagem, como por exemplo, em Gracilaria caudata a variante natural marrom-
esverdeada possui maiores quantidades do pigmento aloficianina. Tal pigmento possui
aplicações biotecnológicas, e pode ser utilizado como marcador fluorescente em estudos
que utilizam citometria de fluxo. Dessa forma, o conhecimento da composição
pigmentar é fundamental em estudos de variantes pigmentares, pois permite caracterizar
quantitativa e qualitativamente esses compostos que denotam as diferentes colorações.
A quantificação desses pigmentos possibilita a determinação das extensões das
colorações alcançadas por cada tipo de variante. Essa diversidade pigmentar, entre
outros aspectos, confere à espécie diferentes estratégias de captação e aproveitamento
da energia luminosa, bem como representa uma vantagem para a espécie na ocupação
de ambientes onde a radiação é qualitativa e quantitativamente heterogênea, como a
região do entre-marés. Portanto, se faz necessário uma melhor compreensão das causas
que levam plasticidade fenotípica em uma espécie. Tais esclarecimentos podem
evidenciar uma diversidade ainda não estimada, chamando atenção para a sua
preservação. Além disso, o estudo da diversidade intraespecífica fornece subsideos para
a compreensão de como ocorre a manutenção de uma determinada espécie na natureza.
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45
Anotações:
46
CAPÍTULO V
47
Brasil possui trabalhos de levantamentos bastante recentes. É importante salientar que,
apesar recente conhecimento da biota da costa brasileiramesmo, é registrado até o
momento cerca de 1247 algas, sendo 809 macroalgas marinhas.
Além do trabalho de Schwindt et al (2014), para o Atlântico sudeste houve
poucos trabalhos especificamente com o objetivo de compilar possíveis espécies não
indígenas de macroalgas, como Oliveira et al (2009), que considerou 5 espécies como
exóticas e 4 como criptogênicas, e Torrano da Silva et al (2010), com 5 como exóticas e
6 como criptogênicas. Ambos os trabalhos classificaram as algas exóticas nas categorias
de detectada, estabelecida e invasora. Mais recentemente, Milstein et al (2015), ao
realizar análises filogenéticas para as cinco espécies confirmadas de Pyropia J. Agardh
na costa brasileira e de outras partes do mundo, observou que as seqüências brasileiras
formavam dois clados diferentes e fortemente suportados: 1) Brasil + Indo-pacífico e 2)
Brasil + costa pacífica do México. Os autores consideraram que apenas uma única
espécie seria nativa. Entretanto, carecem de estudos como este a costa Atlântica da
América do Sul, de modo que poucas espécies estão sob status de não-indígenas
(Tabela 1).
Tabela 1: Listagem provisória das espécies exóticas ou criptogênicas de macroalgas citadas para o Atlântico sudoeste
Localização na
Espécie Status Referências
América do Sul
Bangia fuscopurpurea (Dillwyn) Lyngbye Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014
Blidingia marginata (J. Agardh) P.J.L.
Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014
Dangeard ex Bliding
Torrano da Silva et
Cladophora corallicola Børgesen Brasil Criptogênica
al 2010
Ectocarpus siliculosus (Dillwyn) Lyngbye Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014
Torrano da Silva et
Laurencia venusta Yamada Brasil Criptogênica
al 2010
Pedobesia ryukyuensis (Yamada & Tanaka) Torrano da Silva et
Brasil Criptogênica
Kobara & Chihara al 2010
Criptogênica (não Torrano da Silva et
Porphyra rizzinii J. Coll & E.C. Oliveira Brasil encontrada desde o al 2010; Milstein et
primeiro registro) al 2015
Criptogênica (não Torrano da Silva et
Pyropia leucosticta (Thuret) Neefus &J.
Brasil encontrada desde o al 2010; Milstein et
Brodie
primeiro registro) al 2015
Anotrichium furcellatum (J. Agardh) Baldock Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Torrano da Silva et
Anotrichium yagii (Okamura) Baldock Brasil Exótica
al 2010
48
Cutleria multifida (Turner) Greville Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Torrano da Silva et
Dasya brasiliensis E.C. Oliveira & Braga Brasil Exótica
al 2010
Dictyota dichotoma (Hudson) J.V. Lopes-Filho et al
Argentina Exótica
Lamouroux 2017
Laurencia caduciramulosa Madusa & Torrano da Silva et
Brasil Exótica
Kawaguchi al 2010
Lomentaria clavellosa (Lightfoot ex Turner)
Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Gaillon
Neosiphonia harveyi (Bailey) M.-S. Kim, H.-
Argentina Exótica Schwindt et al 2014
G.Choi, Guiry & G.W.Saunders
Pyropia acanthophora (E.C. Oliveira & Coll)
Brasil Exótica Milstein et al 2015
M.C. Oliveira, D. Milstein & E. C. Oliveira
Pyropia suborbiculata (Kjellman) J.E. Torrano da Silva et
Sutherland, H.G. Choi, M.S. Hwang & W.A. Brasil Exótica al 2010; Milstein et
Nelson al 2015
Pyropia tanegashimensis (Shinmura) N.
Brasil Exótica Milstein et al 2015
Kikuchi & E. Fujiyoshi
Pyropia vietnamensis (Tak. Tanaka & P. H.
Brasil Exótica Milstein et al 2015
Ho) J.E. Sutherland & Monotilla
Rosenvingiella polyrhiza (Rosenvinge) P.C.
Argentina Exótica Schwindt et al 2014
Silva
Kappaphycus striatum (Schmitz) Doty ex Torrano da Silva et
Brasil Exótica (erradicada)
P.C. Silva al 2010
Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex P.C. Torrano da Silva et
Brasil Exótica (controlada)
Silva al 2010
Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar Argentina Invasora Schwindt et al 2014
49
geográfica sem o transporte humano, quer seja intencional ou acidental, e sem qualquer
efeito conhecido sobre a biodiversidade.
a) Espécie exótica casual ou transiente: espécie exóticas que, ao chegar a
uma nova região, consegue se tornar reprodutiva e eventualmente produzir
descendentes. Entretanto, nem sempre mantêm uma população viável a
longo prazo nessa região sem a intervenção humana direta, podendo
extinguir-se localmente.
b) Espécie naturalizada: espécie exótica que consegue se reproduzir no
local onde foi introduzida e manter uma população estável sem a
necessidade da intervenção humana direta, mas que não se dispersa para
fora deste local, seja por limitações na dispersão ou pela competência
ecológica. Espécies naturalizadas nunca se tornam invasoras de fato.
c) Espécie invasora: espécie exótics que, ao contrário das espécies
naturalizadas, consegue dispersar-se para áreas distantes do local original da
introdução, estabelecer-se e invadir uma nova região geográfica. Espécies
invasoras são um notório problema ambiental e/ou econômico
(principalmente ao atingir altas densidades e passam a dominar a flora e
fauna nativas), porém nem todas geram danos realmente apreciáveis,
restringindo-se a ocupar áreas degradadas por não serem capazes de
competir com espécies nativas em áreas bem conservadas.
2- Como se espalham?
As introduções marinhas, intencionais e acidentais, são resultado de inúmeras
atividades humanas, como o transporte marítimo (através de água de lastro ou
incrustações de embarcações e estruturas como plataformas de petróleo), a aquicultura,
a aquariofilia, turismo e atividades esportivas. Mead et al (2011) verificaram que as
incrustações de embarcações e a água de lastro foram os vetores de maior importância
nas introduções de espécies exóticas na África do Sul. No caso das macroalgas, no
entanto, Williams & Smith (2007) consideraram que os vetores mais importantes para a
introdução de macroalgas marinhas são a incrustação de casco (e outras estruturas
marítimas que se deslocam) e a aquicultura (tanto quando a espécie-alvo é uma
macroalga como também quando as macroalgas estão associadas às espécies-alvos,
como mariscos). Torrano-Silva et al (2013) se mostraram preocupados sobre o risco de
50
introdução involuntária de espécies não-nativas em águas brasileiras através da
aquariofilia.
A dipersão de organismos de um local para outro é um processo natural (e lento)
que os permite expandir e/ou regredir sua distribuição de acordo com eventos
climáticos, geológicos, dentre outros. Entretanto, o avanço nos transportes humanos
acelerou esse processo de tal forma que centenas de espécies são hoje cosmopolitas.
O processo de bioinvasões aquáticas, principalmente no Brasil, está relacionada
aos avanços tecnológicos. Dessa forma, Souza et al (2009) divide o histórico das
bioinvasões aquáticas no Brasil em três fases:
a) primeira fase (do Descobrimento até o final do século XIX): Nessa época
a incrustação em cascos de navios já era responsável por um grande número
de introduções marinhas no litoral brasileiro.
b) segunda fase (século XX): A partir de 1880 o risco de transporte de
espécies exóticas aumentou com o advento do uso da água como lastro para
os navios, que passou a ser largamente agravando o transporte de espécies
que já era efetuado via incrustação. Essa fase é marcada por grandes
avanços econômicos e tecnológicos a nível global.
c) terceira fase (meados do século XXI): A partir da década de 1990, o lixo
(que inclui uma gama de materiais industrializados flutuantes) também
começou a assumir um papel importante na mediação de bioinvasões
marinhas em escala global, somado à incrustação e à água de lastro, sendo
capaz de cruzar oceanos, rios e províncias biogeográficas. Além isso, o
tráfego marítimo aumentou bastante devido também ao aumento do
comércio mundial. Nessa fase se intensificam as pesquisas científicas
A maioria dos organismos transportados não sobrevivem, principalmente nos
ambientes escuros e sujos do tanque de lastro. Entretanto, os que sobrevivem podem ou
não ter sucesso em se estabelecer em sua nova área ou co-existir harmoniosamente com
a biota local ou se tornar invasores. As áreas portuárias oferecem estruturas artificiais
que favorecem o estabelecimento de espécies exóticas (recrutamento, sobrevivência e
dispersão). Mead et al (2011), por exemplo, verificaram que na África do Sul a maioria
das introduções foram concentradas em áreas portuárias, enquanto apenas 4 invasores
foram detectados em áreas de oceano aberto.
Segundo Valentine et al (2007), uma invasão bem-sucedida de algas marinhas é
um processo complexo de várias fases, incluindo a chegada, o estabelecimento
51
(desenvolvimento de uma população de talos macroscópicos), a propagação
(envolvendo a dispersão natural ou não para um novo local, o estabelecimento e a
expansão subsequente) e a persistência. A persistência refere-se ao turnover de mais de
uma geração de talo macroscópico.
As características de dispersão das algas introduzidas também têm uma
influência importante em sua capacidade de propagação. Embora os mecanismos variem
entre as espécies, todas possuem estratégias eficientes de dispersão a curta e/ou longa
distância, como propágulos microscópicos, flutuabilidade do talo, rafting e
fragmentação. Essas características as tornam particularmente suscetíveis à dispersão
auxiliada pela atividade humana. De modo geral, os estudos de algas marinhas
invasoras revelam que são oportunistas, tolerantes ao estresse, competitivas, e muitas
possuem ciclo de vida heteromórfico. No estudo de Williams & Smith (2007) a maior
parte das 277 espécies exóticas compiladas pertencia aos filos Chlorophyta (46) e
Rhodophyta (165). As famílias com maior número de espécies mais exóticas foram:
Caulerpaceae, Codiaceae, Derbesiaceae, Ulvaceae, Areschougiaceae, Ceramiaceae,
Cystocloniaceae, Gracilariaceae, Solieriaceae, Rhodomelaceae, Alariaceae,
Chordariaceae e Fucaceae.
As características de uma da comunidade podem ser de grande importância para
determinar o sucesso de uma invasão, como, por exemplo, nichos ecológicos vagos,
subutilizados ou não utilizados são particularmente vulneráveis à invasão, além da
disponibilidade e na variabilidade na disponibilidade de recursos. Outros atributos das
comunidades que podem influenciar a vulnerabilidade à invasão incluem os que criam
uma alta probabilidade de escape de restrições bióticas da espécie exótica, isto é,
restrições físico-químicas (ex: temperatura, oxigênio, salinidade, etc), bióticas (ex:
predação, competição, doenças, parasitas, etc) e estrutura do habitat (ex: tipo de
substrato, abrigo, etc). Além disso, também é sugerido que as comunidades com baixa
riqueza de espécies tendem a ser invadidas mais prontamente do que as áreas com alta
riqueza de espécies. Por fim, freqüentemente citados como importantes no sucesso da
invasão, sobretudo em sistemas terrestres, são o estado de depauperamento do ambiente
invadido, como ambientes poluídos (provavelmente porque o ambiente oferece menor
competição) e a perturbação, que age para liberar recursos.
Segundo Valentine et al (2007), poucos estudos analisaram criticamente o papel
da perturbação no processo de invasão de algas, dos quais se observou que a destruição
da cobertura de algas nativa demonstrou ser um fator chave para facilitar o
52
estabelecimento de algas introduzidas e, se a perturbação for necessária para o
estabelecimento, a propagação também dependerá da frequência e intensidade da
perturbação.
53
4- Como determinar se uma espécie é invasora?
Um dos objetivos fundamentais a ser abordado por taxonomistas, sistematas,
ecólogos e analistas de dados é a identificação e caracterização de espécies indígenas e
invasores. A categorização de um táxon como introduzido é bastante complicado, como
no caso de espécies raras, diminutas e determinação taxonômica duvidosa. Atualmente,
estudos de genética populacional podem ser usados para estimar parâmetros
demográficos de espécies indígenas e exóticas, além de permitir a organização em
unidades evolutivas significativas através do entendimento de sua biogeografia a fim de
identificar as rotas de dispersão ou transferência, e quais os fatores que possibilitam sua
expansão e/ou possível extinção.
Baseado nos padrões de distribuição geográfica é possível definir que espécies
seriam, à primeira vista, exóticas, pois o transporte antrópico de fragmentos pode
explicar o "salto" de espécies introduzidas para locais geograficamente distantes, sem
uma estação intermediária, isto é, possuindo uma distribuição disjunta; porém, é
necessário ter cuidado devido aos casos de dispersão à longa distância.
Um dos casos mais emblemáticos se trata de espécies cosmopolitas e
criptogênicas (Não confundir com espécies crípticas!), que normalmente são candidatas
para o status de exóticas. Orensanz et al (2002) classificou as espécies cosmopolitas em
três categorias:
a) espécies verdadeiramente cosmopolitas, i. e., sua ampla distribuição é
anterior à dispersão mediada pelas atividades humanas;
b) espécie considerada cosmopolita, porém corresponde a um complexo de
várias espécies morfologicamente semelhantes, mas geneticamente distintas
e de restrita distribuição geográfica;
c) espécies atualmente cosmopolitas devidas à dispersão mediada pelas
atividades humanas.
Para as espécies criptogênicas, Orensanz et al (2002) classificou-as em cinco
categorias, das quais podemos utitilizar quatro:
a) ampla distribuição geográfica, incluindo espécies “cosmopolitas" e as de
distribuição biogeográfica incongruentes;
b) potencial invasivo indicado por status exótico documentado em outras
regiões geográficas;
54
c) abundância na vizinhança de centros de introdução (por exemplo, portos
comerciais), mas rara (ou ausente) no resto da região, sobretudo para
espécies encontradas em comunidades associadas à atividades humanas (ex:
comunidades incrustantes de portos);
d) história de vida com potencial dispersivo de longa distância,
particularmente para rafting em estruturas artificiais (incrustação no casco
de embarcações e outros objetos artificiais flutuantes e/ou à deriva), ou a
capacidade de ser disperso com água de lastro;
No caso de macroalgas, e outras plantas em geral, herbário e amostras de museus
são muito importantes quando se considera a introdução de espécies. Essas coleções
permitem revisitar a flora original de uma região, permitem a exploração de eventos
passados, incluindo invasões crípticas e, quando possível, permitem isolar e amplificar
DNA de espécimes antigos.
Descobrir o caso apropriado para uma espécie exige diversas informações e
ferramentas, como sistemática, genética, ecologia, registros históricos, dentre outros. No
caso da genética, espécies exóticas têm de enfrentar pressões seletivas novas que podem
ser detectadas em estudos, como bottlenecks (por deriva genética, efeito fundador, etc),
efeito de pequeno número de genes, rearranjos genômicos (transposons, poliploidia,
alopoliploidia, etc), hibridização (dos bioinvasores com espécies nativas ou com outras
espécies invasoras) e modificação do genoma induzida pelo estresse.
55
5.2 Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex P.C. Silva
O sucesso do cultivo de Kappaphycus alvarezii para a produção de carragenana
nas Filipinas na década de 1970 motivou sua introdução em muitas áreas tropicais em
todo o mundo (vide capítulo 8). Duas espécies deste gênero foram autorizadas a serem
introduzidas no Brasil na década de 1990 em São Paulo, incluindo K. Alvarezii, para
avaliar sua viabilidade comercial. Entretanto, foram feitas introduções não autorizadas
em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Ceará, Paraíba, Pernambuco e possivelmente na
Bahia. Apesar dos problemas ecológicos relatados de sua introdução em locais como o
Havaí (EUA) e a Índia, até o momento não há evidências de problemas derivados da
introdução de K. Alvarezii no Brasil, porém, também não há esforços suficientes para
avaliar mesmos, especialmente no Nordeste.
56
seja a Austrália. Ao contrário do caso do Mediterrâneo, o caso da Califórnia obteve
êxito em sua erradicação. Essa espécie é bastante agressiva e produz metabolitos
secundários tóxicos que auxiliam na competição pelo espaço. É capaz de invadir bancos
de gramas marinhas nativos mesmo na ausência de perturbação, mas parece que bancos
densos são mais resistentes à invasão. Em recifes rochosos, as comunidades com
cobertura de algas nativas são mais resistentes à invasão de C. taxifolia do que aquelas
sem uma cobertura bem desenvolvida. Por fim, C. taxifolia ocorre em alta densidade em
muitos tipos de habitat, incluindo os ambientes estressados onde recursos estão
disponíveis porque outras espécies são raras, como em locais sujeitos a descargas de
águas pluviais e de esgoto.
57
A presença de M. harveyi na Nova Zelândia representou uma invasão críptica devido à
sua semelhança morfológica com M. strictissimus (J.D. Hooker & Harvey) Díaz-Tapia
& Maggs, nativa.
58
b) no substrato rochoso em que U. pinnatifida ocorre, a riqueza, a diversidade e
abundâncias de espécies são maiores em áreas cobertas pela espécie do que nas em que
foi removida manualmente, o que pode ser devido à novas estruturas de habitat (maiores
e estruturalmente mais complexas) do que as providas por algas nativas
c) em áreas em que compete com Macrocystis pyrifera (Linnaeus) C. Agardh, a
riqueza, a abundância e a diversidade da flora associada aos apressórios de de M.
pyrifera e U. pinnatifida são semelhantes, enquanto que esses parâmetros foram maiores
no caso da fauna associada a M. pyrifera. No entanto, uma vez que a densidade e a
diversidade da fauna associada ao apressório é diferente, espera-se mudanças na
comunidade com a expansão de U. pinnatifida.
d) entre a primavera e o verão, plantas de Undaria se desprendem do substrato e
são transportadas pelas correntes marítimas, porém acabam por se prender a recifes
rochosos, o que pode reduzir a qualidade do habitat para peixes de recife por obstruir
fisicamente seus refúgios. Entretanto, foi observado que a abundância de peixes
diminuiu em recifes de baixo relevo cobertos por essa alga enquanto não houve efeito
sobre a abundância de nenhuma das espécies de peixes em recifes de alto relevo.
e) oferece ameaça às algas nativas comparativamente menores, como Codium
sp, Dictyota sp, Ulva sp, Anotrichium sp e Ceramium sp, e à algas nativas de
importância econômica, como Gracilaria gracilis (Stakhouse) Steioft, Irvine &
Farnham, Gigartina skottsbergi Setchell & Gardner e Macrocystis pyrifera (Linnaeus)
C. Agardh.
Na Oceania, os esporófitos de Undaria pinnatifida podem crescer a densidades
elevadas em variados substratos, incluindo os instáveis em que raramente se
desenvolvem macroalgas nativas folhosas devido às altas taxas de crescimento dos
esporófitos, que atingem rapidamente o tamanho suficiente para estabilizar o material
solto. Há casos na Tasmânia (Austrália) em que essa invasora é protegida quando ocorre
em reservas marinhas pois nestas não se permite qualquer tipo de captura.
Os esporófitos de Undaria pinnatifida também requerem perturbação para se
estabelecer a altas densidades, pois a presença de cobertura nativa estável inibe o
desenvolvimento de esporófito (competição por luz), enquanto isso não afeta seus
gametófitos. A perturbação mais importante, permitindo o desenvolvimento U.
pinnatifida, é a herbivoria de algas nativas por um ouriço-do-mar nativo. No entanto, se
os danos à cobertura nativa são relativamente pequenos e não há ação de ouriços, as
espécies nativas expulsam rapidamente a U. pinnatifida.
59
6- Quais são as maneiras de prevenção e remediação?
O aumento global no fluxo de pessoas e bens através de transporte marítimo,
sobretudo através de novas rotas comerciais, está influenciando diretamente os
organismos ao redor do mundo, embora não seja possível definir o aumento dos
registros de espécies exóticas se deva a um agravamento do problema ou se apenas
reflete o maior esforço de pesquisa e conscientização. Por isso, as respostas da gestão
precisam abranger tanto o conhecimento da ameaça representada por uma espécie
introduzida quanto as diversas atividades humanas relacionadas. É necessário
determinar os riscos de introdução, estabelecimento e propagação de espécies exóticas
marinhas em regiões específicas e os seus potenciais impactos no ecossistema, na saúde
humana e nas atividades económicas. Contudo, a prevenção é mais eficaz (e mais
barata) do que o controle.
Ao nível internacional há acordos como na OMC, a Convenção sobre a
Diversidade Biológica (CBD) e o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança para
prevenir a introdução e incentivar o controle ou a erradicação das espécies exóticas.
Entretanto, iniciativas para prevenir impactos futuros concentraram-se nos transportes
marítimos internacionais e nas águas de lastro. A Organização Marítima Internacional
(OMI) introduziu orientações voluntárias sobre as águas de lastro em 1997 e promove
um programa para minimizar o risco de transferência de espécies marinhas estrangeiras
em águas de lastro - o Programa GloBallast. Durante o “The GloBallast pilot phase
2000-2004” o Porto de Sepetiba, no Estado do Rio de Janeiro, foi escolhido como área-
piloto no Brasil. No caso das macroalgas, das 96 espécies identificadas, 12 não haviam
sido citadas anteriormente para a área de estudo, porém não houve indícios de que as
novas ocorrências seriam resultado de introduçãos por meio das atividades portuárias.
Além disso, métodos que estão sendo desenvolvidos para tratar água de lastro, tais
como tratamentos térmico e/ou químico, ultrafiltração, luz ultravioleta, etc. O método
de tratamento mais utilizado atualmente é a troca de água de lastro no mar, substituindo
a água de lastro original pela oceânica, que teoricamente representa pouca ameaça aos
ecossistemas costeiros, porém de eficácia desconhecida.
Ao nível nacional e regional, ações concentradas unicamente em um vetor,
mesmo que sejam completamente bem-sucedidas, não impedirão novas invasões. A
ação a nível nacional pode reduzir a frequência do aporte de espécies exóticas, mas à
medida que se estabelecem em regiões vizinhas e/ou em portos dos parceiros
comerciais, a taxa de transporte tende a aumentar. É necessário um sistema de gestão
60
abrangente que avalie os riscos colocados por diferentes espécies e vetores e, em
seguida, conduza a ações apropriadas.
O monitoramento do ambiente é imprescindível para o controle e o gerenciamento
do problema. O pré-requisito para qualquer tentativa de controle está no conhecimento
da fauna e da flora locais, identificando as espécies nativas e determinando a presença,
distribuição e abundância de espécies introduzidas. Infelizmente o conhecimento da
biota costuma ser escasso, o que dificulta a detecção e avaliação do status das espécies
em geral. Projetos de monitoramento, sobretudo a longo prazo, são raros no Brasil. O
Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), financiado pelo CNPq
em várias partes do país, contribui aumentar o conhecimento ecológico e sócio-
econômico através de estudos de casos. Um exemplo é o PELD GUANABARA que
avalia variáveis abióticas e biológicas para entender melhor a estrutura e o
funcionamento dos ecossistemas da baía de Guanabara e de suas respostas aos impactos
antrópicos e climáticos. O Projeto é coordenado pelo Prof. Jean Louis Valentin e terá
duração de nove anos. O responsável pelo monitoramento de macroalgas é o Prof. Joel
Campos de Paula.
A erradicação de espécies já estabelecidas é muito difícil ou mesmo impossível
na grande maioria dos casos devido às técnicas ou aos custos, o que se torna mais
complicado no caso das algas marinhas invasoras. A decisão de se optar por um
programa de gestão ou pela erradicação deve ser de acordo com o objetivo geral,
geralmente de longo prazo, bem como a viabilidade para alcançá-lo. Por exemplo, se os
organismos nativos puderem sustentar populações pré-introdução apenas manejando
populações de algas invasoras, então a erradicação não é necessária, mas os custos de se
sustentar um programa de manejo por muitos anos precisam ser avaliados, bem como a
competição entre espécies nativas e a alga invasora e seus potenciais impactos em
espécies não-alvo.
A gestão de uma espécie exótica reduz os impactos para um nível aceitável, com
base em critérios econômicos ou em efeitos toleráveis ao meio ambiente, seja utilizando
controles mecânicos (ex: remoção manual), físicos (ex: barreiras), biológicos (ex:
patógenos ou predadores) ou químicos, sobretudo porque a sua detecção geralmente
ocorreu muito tarde para a remoção completa. A erradicação de uma alga invasora
pressupõe, também, uma detecção muito precoce, associada a respostas rápidas e
eficientes em termos de custos, cujo objetivo é remover completamente os talos ou
eliminar qualquer propágulo viável. Além disso, a importância de respostas rápidas e
61
eficazes reflete a preocupação com as elevadas taxas de dispersão de algas e pela
necessidade de que todos os importantes vetores sejam identificados, tratados e/ou
impedidos de disseminar a espécie para novas áreas.
Espécies marinhas exóticas que se estabelecem em novas áreas se adaptam a
uma variedade de ambientes, podendo apresentar características não evidentes na sua
área nativa. Os esforços de gestão para evitar perturbações na cobertura nativa podem
representar uma opção de controle viável para algumas espécies invasoras como
Codium fragile ssp. fragile, Sargassum muticum e Undaria pinnatifida, todos os quais
requerem perturbação para o estabelecimento e persistência bem-sucedidos. Em locais
onde a perturbação pode ser ligada à atividade humana, devem ser concentrados os
esforços para minimizá-la. Obviamente, nem todas as perturbações podem ser
prevenidas ou controladas, pois diversos distúrbios ecológicos ou fisiológicas podem
levar à redução na cobertura de algas nativas, incluindo tempestades, altas temperaturas
da água, soterramento ou abrasão por sedimentos, herbivoria e presença de espécies
introduzidas. Do ponto de vista da gestão, é claramente preferível manter um
ecossistema resiliente do que tentar reabilitá-lo após a mudança de dominância ter
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65
Anotações:
66
CAPÍTULO VI
.
67
As mudanças climáticas ocorrem tanto no ambiente terrestre quanto marinho. Os
oceanos cobrem 2/3 da Terra, e por isso, absorvem 80% do calor incidente. O que faz
com que as linhas de temperatura nos oceanos (isotermas) migrem mais rápido do que
em ambientes terrestres, culminando em comunidades marinhas inteiras a migrarem
mais rapidamente (alterando sua distribuição). O aumento da temperatura é um dos
principais processos resultantes de mudanças climáticas antropogênicas no ambiente
marinho. Esse aquecimento vem sendo confirmado por dados de temperatura dos
oceanos registrados nos últimos anos. O aumento da temperatura nos oceanos têm
diversas consequências, como aumento de eventos extremos, alterações nos padrões de
ocorrência de tempestades e secas, aumento da umidade relativa do ar entre outras.
68
Box 2: Serviços ecossistêmicos
69
Os oceanos absorvem cerca de um terço (1/3) de todo CO2 emitido
antropologicamente - desde a revolução industrial. O impacto antropogênico é de
tamanha magnitude de forma que é esperada que a uma diminuição de pH mais
significativa ao longo dos próximos séculos do que nos últimos 300 milhões de anos,
tendo drásticas consequências para organismos marinhos. A absorção de CO2 pelos
oceanos aumenta a concentração de ácido carbônico (HCO−
3 ), o que além de diminuir o
pH, diminui também a disponibilidade dos íons carbonato de cálcio. A maioria das
macroalgas marinhas tem acesso tanto ao CO2 quanto ao ácido carbônico para conduzir
a fotossíntese. Todavia, algumas macroalgas vermelhas só podem absorver CO2. Por
esses motivos, apesar da mudança no pH, a maior disponibilidade de carbono tem se
mostrado benéfica. No entanto, diversas macroalgas vermelhas, por não conseguirem
absorver o ácido carbônico, a mudança de pH têm se mostrado prejudicial. Ainda,
muitas macroalgas vermelhas (assim como os corais) possuem parede celular com
carbonato de cálcio, que também tem sua disponibilidade diminuída devido à alteração
do pH.
Box 3:
𝐶𝑂2 + 𝐻2 𝑂 ↔ 𝐻2 𝐶𝑂3
𝐻2 𝐶𝑂3 ↔ 𝐻 + + 𝐻𝐶𝑂3−
𝐻𝐶𝑂3−um
Até o ano de 2100 é especulado 𝐻 + + 𝐶𝑂32−dos índices de UV entre 12-17%.
↔ aumento
71
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72
Anotações:
73
CAPÍTULO VII
Ecologia de Costões Rochosos e
Metodologias de Amostragem
Sabrina Gonçalves Raimundo
Gabriela Carvalho Lourenço da Silva
Mariana Sousa Melo
Introdução
Grande parte da superfície terrestre é coberta pelos oceanos, pois
aproximadamente 71% do planeta é coberto pelas águas marinhas. Mesmo assim, é um
ambiente relativamente pouco investigado, pois, de maneira geral, conhecemos mais a
superfície da lua do que o fundo do oceano. Contudo, este ambiente tem grande
importância em nossas vidas, indo muito além de um prazeroso banho de mar. A maior
parte da população mundial vive junto à costa, o que se relaciona diretamente com os
inúmeros serviços que o oceano nos proporciona, como o fornecimento de alimentos,
extração de petróleo, entre outros. Porém, esta proximidade e relações estreitas tornam
este ambiente muito vulnerável, em parte pelo desconhecimento deste e seus
ecossistemas. Com fronteiras sutis, os ecossistemas estão todos ligados, de forma que
eventos ocorridos no continente influenciam o oceano, como o aporte de nutrientes e
água doce, por exemplo. Assim, podemos influenciar o ambiente marinho com nossas
atividades. Por exemplo, a queima de combustíveis fósseis libera gás carbônico (CO 2)
na atmosfera, que ao se dissolver no oceano acidifica a água, dificultando a formação de
conchas e estruturas calcárias por moluscos (como o mexilhão), algas e corais.
Sabemos hoje que a profundidade média dos oceanos é 3.800, mas partes mais
profundas atingem quase 1.1000 metros e possui cerca de 300 vezes mais espaço para a
ocupação dos seres vivos do que os ambientes terrestres e de água doce combinados.
Existem mais filos de animais no oceano do que em água doce ou em terra, embora
cerca de 80% das espécies animais não sejam marinhas devido à grande diferença dos
habitats em terra. No entanto, o ambiente marinho possui dois grandes domínios: a
região pelágica, (a coluna d’água) e a região bentônica (o assoalho marinho). Os
organismos marinhos, nestes domínios, compõem três grandes grupos. O plâncton, o
nécton e o bentos (Figura 1).
74
Figura 3. Os grupos dentro dos Domínios Marinhos: Plâncton, Nécton e Bentos.
75
A B
C D
E F
76
crescimento e reprodução de um grande número de espécies. Entre outras
características, existe limitação de substrato ao longo de um gradiente existente entre o
habitat terrestre e o marinho, favorecendo a ocorrência de fortes interações biológicas
entre a grande diversidade de espécies presentes nos costões rochosos. A grande
variedade de organismos e o fácil acesso tornaram os costões rochosos uns dos mais
populares e bem estudados ecossistemas marinhos.
Costões Rochosos
Os costões rochosos são afloramentos de rochas cristalinas que em geral estão
situadas na transição entre os meios terrestres e aquáticos e por isso sofrem influência
da maré e da temperatura da água. Desta forma, muitas são as possibilidades de regiões
rochosas, como por exemplo, as falésias, os matacões e os costões rochosos verdadeiros
(Figura 3). Estas áreas atuam como substrato para comunidades biológicas, e é
considerado como um ambiente muito mais marinho que terrestre já que as espécies que
o habitam estão muito mais relacionadas ao mar. No Brasil, as rochas possuem origem
vulcânica e estão estruturadas de diversas formas, desde paredões verticais bastante
uniformes (ex. a Ilha de Trindade) ou matacões de rocha (ex. a costa de
Ubatuba/SP). Assim, encontramos ambientes de costa rochosa em quase toda costa
brasileira. No entanto, a maior concentração dos verdadeiros costões rochosos na região
Sul e Sudeste entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC).
Os costões rochosos podem apresentar muitas características complexas, mas de
forma geral quanto maior sua complexidade maior a diversidade de organismo ali
encontrada. Por exemplo, existem costões rochosos expostos e outros protegidos que
compreendem uma variação biológica distinta entre eles. Os costões expostos são
aqueles que recebem impactos de ondas com freqüência e por isso são pouco
fragmentados, aparentando-se a um paredão liso. Assim, possuem menor quantidade de
habitats comparados aos costões protegidos, além disso, por ser um ambiente que sofre
com o alto hidrodinamismo (locais onde o embate de ondas é mais forte), não favorece a
existência de organismos mais frágeis. No entanto, possuem alta produção primária
devido ao fluxo de nutrientes que chega pela água, de modo que as algas (em geral de
talos ramificados) se utilizam desta energia para realização da fotossíntese.
Já os costões protegidos estão localizados em áreas em que o hidrodinamismo é
menor, como por exemplo áreas no qual aconteceram rolamentos de matacões formando
77
A B
Zonação
Ao observar um costão rochoso desde sua porção submersa até a porção rochosa
exposta pela primeira vez, um dos fatores mais notáveis é a disposição dos seres vivos
78
em faixas ao longo do perfil vertical deste ecossistema. A esta distribuição vertical
chamamos zonação que resulta da influência de diversos fatores físicos e biológicos,
como por exemplo, a variação das marés e a predação, respectivamente. No costão
rochoso é possível observar três zonas distintas:
Figura 7. Zonação em costões rochosos. Ao lado esquerdo foto representativa de costão rochoso no
Parque Estadual da Ilha Anchieta - Ubatuba/SP. Ao lado direto esquema didático mostrando zonas de
supra, médio e infralitoral.
1. Supralitoral: Área na qual podemos encontrar aqueles organismos que nunca ficam
submersos, mesmo na maré alta. Esta zona está sujeita apenas a borrifos de água e
abriga uma comunidade de líquens, cianobactérias (algas azuis) e de alguns animais
móveis, como pequenos moluscos (como a Littorina) e artrópodes (como a Lygia, a
baratinha-do-mar);
2. Mediolitoral ou zona “entre-marés”: Nesta região estão aqueles organismos que estão
sujeitos à variação da maré, ficando expostos durante a maré baixa e submersos durante
a maré alta. No mediolitoral alto podemos observar cracas e mexilhões, que possuem
adaptações à dessecação, enquanto na parte inferior, já ocorrem macroalgas, que
ressecam durante o período de exposição e são reidratadas durante a maré alta.
3. Infralitoral: Nesta faixa encontramos aqueles organismos que ficam sempre
submersos, mesmo durante a maré baixa. Neste ambiente encontram-se todos os peixes
e organismos que não são adaptados à perda d’água e altas temperaturas, como ouriços-
do-mar, estrelas-do-mar e anêmonas.
79
Influências para formação da zonação em costões rochosos
Muitos dos organismos do costão são fixos ou de baixa mobilidade, o que faz
com que eles dependam muito das condições da água para sua reprodução, dispersão
(através de larvas planctônicas) e para sua alimentação (por serem fixos, portanto
filtradores). Desta forma, a zonação observada na composição predominante de alguns
organismos em cada faixa do costão rochoso é resultante de fatores físicos e biológicos
que atuam como fatores seletivos de organismos aptos à ocuparem cada zona
(infralitoral, mesolitoral e supralitoral). Entre esses fatores estão: as marés, a
temperatura, radiação solar, hidrodinamismo, as interações biológicas, entre outros.
Por muito tempo acreditou-se que a maré era o único fator responsável pela
zonação que observamos no costão, hoje já sabemos que este é mais um dos fatores que
atuam sobre esse ela, embora seja um dos mais relevantes. Durante a maré baixa, muitos
organismos ficam emersos e expostos à condições adversas como dessecação e altas
temperaturas (Figura 5). Os organismos que se fixam nas porções mais altas do costão
são os primeiros a ficarem expostos e os últimos a serem novamente submersos. Por
isso, conseguimos observar uma clara divisão vertical entre as faixas de exposição, já
que os organismos que se distribuem de acordo com suas adaptações para estas
condições extremas.
Outros fatores físicos importantes são a radiação solar e a temperatura. Por
exemplo, os cirripédios (cracas) que são crustáceos que ocupam a região do mediolitoral
possuem envoltório resistente que abrem e fecham mantendo uma quantidade adequada
de água para manter a temperatura do organismo, além de contribuir para que não se
exponham à radiação solar. Outro exemplo são as baratinhas-da-praia que também são
animais que ocupam a zona de supralitoral, neste caso além de possuírem exoesqueleto
quitinoso que diminui o contato com a radiação solar, ela também se locomove muito
bem o que facilitar que possa transitar neste ambiente.
Também o hidrodinamismo pode ser um fator importante para a
predominância de algumas espécies, em particular no mediolitoral. Neste caso, um bom
exemplo são as diferentes algas que podem ocupar essa região. Em áreas de alto
hidrodinamismo observamos a predominância de algas com talos ramificados pela
movimentação das águas que impede a superposição, que causaria sombreamento dos
talos inferiores. Os ambientes com baixo hidrodinamismo podem favorecer a fixação e
estabelecimento de organismos, principalmente esporos e propágulos, proporcionando a
existência de algas com talos não ramificados e outros organismos mais frágeis.
80
A B
81
Ameaças aos Costões Rochosos
Atualmente, os costões rochosos sofrem diversos impactos antropogênicos, por
exemplo, por poluição orgânica, industrial, derramamento de óleo, sedimentação em
áreas portuárias, captura excessiva, introdução de espécies exóticas, turismo
descontrolado, desmatamento das matas de encosta e até mesmo efeitos das mudanças
climáticas. Nesse ultimo caso, temos efeitos diversos, incluindo aumento da
temperatura, resultando em perda de diferentes espécies como, por exemplo, o
branqueamento de corais (fenômeno que acontece com a perda algas que vivem em
simbiose com estes organismos e morrem pelo aumento da temperatura ou
contaminação de patógenos). Um outro efeito importante das mudanças climáticas
sobre todo o oceano é a acidificação dessas águas, podendo ocasionar, entre outros
impactos, a não calcificação de estruturas duras de diferentes espécies.
Este fenômeno acontece quando a água (H2O) e o gás se encontram formando o
ácido carbônico (H2CO3) que se dissocia no mar, formando íons carbonato (CO3²-) e
hidrogênio (H+). O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H+ presentes em
uma solução – nesse caso, a água do mar. Quanto maior as emissões, maior a
quantidade de ions H+ e mais ácido os oceanos ficam. Em quantidades normais de
absorção de CO2 pelo oceano, as reações químicas favorecem a utilização do carbono na
formação de carbonato de cálcio (CaCO3) utilizado por diversos organismos marinhos
na calcificação. O aumento intenso das concentrações de CO2 na atmosfera, e
consequente, diminuição de pH das águas oceânicas acaba por alterar o sentido destas
reações, fazendo com que o carbonato dos ambientes marinhos se ligue com os íons H+,
ficando menos disponível para a formação do carbonato de cálcio, essencial para o
desenvolvimento de organismos calcificadores. A diminuição das taxas de calcificação
afetam, por exemplo, o estágio de vida inicial destes organismos, bem como sua
fisiologia, morfologia, reprodução, distribuição geográfica, crescimento,
desenvolvimento e tempo de vida. Além disso, afeta também a tolerância à mudanças
na temperatura das águas oceânicas, tornando-os mais sensíveis e interferindo na
distribuição de espécies.
Somado a todos esses impactos que foram superficialmente citados, ainda
contamos com a falta de conhecimento que temos destes ecossistemas. De forma geral,
conhecemos pouco os costões rochosos brasileiros, tendo mais informações ecológicas
de curto prazo no Litoral de São Paulo, alguns pontos da Baía de Guanabara, a Costa
Norte do Rio de Janeiro e em Cabo Frio (RJ). De modo que expandir a pesquisa para
82
outras áreas, considerar monitoramentos e estudos de longo prazo ainda é uma
necessidade. Além disso, é igualmente importante que conheçamos melhor as espécies
que aí habitam, tendo em vista que o conhecimento é mais aprofundado quando
consideramos as macroalgas bentônicas.
83
Estudos de campo podem ser classificados de diferentes formas. Entre eles
estão: Estudos de base, que tem como objetivo definir o status presente de alguma
condição biológica; Estudos de impacto, que incluem detectar e relacionar alterações
biológicas com perturbações; Monitoramentos, que consistem em acompanhar
determinados parâmetros ao longo do tempo para detectar mudanças; E Estudos
ecológicos, que avaliam padrões e processos, onde padrões biológicos são descritos para
determinar os fatores que os causam.
A pesquisa em ecologia de costão rochoso, hoje em dia, frequentemente envolve
experimentos controlados. Entretanto, amostrar padrões de distribuição e abundância
por si só ou em conjunto com experimentos é ainda muito importante.
84
A seleção dos locais de coleta deve, portanto, seguir algumas diretrizes, dentre
elas: locais com características geofísicas semelhantes; seleção de pontos aleatórios
dentre os possíveis locais, para que os dados possam ser extrapolados para toda a área.
Dependendo dos objetivos do estudo e dos recursos disponíveis, cabe ao pesquisador
definir se a amostragem será feita de forma mais abrangente, em muitos locais, se em
poucos locais com um maior esforço de coleta, ou se unirá ambas as estratégias.
Unidades Biológicas
No ambiente de costão rochoso há uma diversidade muito alta de filos e
espécies, o que exige um nível alto de conhecimentos taxonômicos do pesquisador em
estudos que envolvem comunidades. Uma estratégia muito adotada é utilizar níveis
taxonômicos mais altos ou grupos morfofuncionais como alternativa a espécies,
dependendo da pergunta a ser respondida. A estes diferentes tipos de classificação
adotados se dá o nome de unidades biológicas.
A amostragem de populações, utilizando-se uma única espécie-alvo, ainda é a
mais comum em estudos ecológicos. Nestes casos são utilizadas espécies
bioindicadoras, mas a seleção de uma determinada espécie vai depender dos objetivos
do estudo. Não há regras a priori para definir um modelo biológico, estas são
geralmente espécies conspícuas e abundantes. Outro desafio em utilizar uma só espécie
é a grande variabilidade no espaço e tempo que estas geralmente apresentam.
Categorias taxonômicas mais altas, como família ou gênero, também são
utilizadas. Esta estratégia pode ser utilizada quando a resposta da comunidade neste
nível é semelhante ao nível de espécie, simplificando a coleta e análise de dados.
Morfoespécies também são consideradas e já apresentaram, também, resultados
semelhantes aos de espécies. Entretanto, estes tipos de unidades biológicas devem ser
utilizados com cautela. É necessário um estudo prévio para detectar se os níveis
considerados possuem mesmo respostas semelhantes para não gerar resultados
equivocados.
Outro tipo de agrupamento utilizado como substituto de espécies é o de grupos
funcionais. Estes são espécies que compartilham características semelhantes como
forma do corpo, posição trófica, ou ciclo biológico. Estes casos são geralmente
aplicados para se detectar respostas ambientais mais amplas e abrangentes, mas podem
não ser sensíveis o suficiente para detectar alterações mais sutis.
85
Amostragem aleatória
Este tipo de amostragem é uma das mais comuns, tanto para a seleção dos locais
de coleta, quanto para o posicionamento das unidades amostrais. Amostras aleatórias
permitem que o pesquisador extrapole os dados obtidos e faça inferências válidas sobre
o universo amostral selecionado, a partir dos dados coletados desta forma.
São raros os casos em que é possível determinar a abundância de uma
determinada população contando todos os indivíduos. Por isso, uma amostra é utilizada
para que se possa estimar a abundância ou parâmetro de interesse. Estas estimativas
devem seguir os pressupostos exigidos pelos testes estatísticos selecionados, além de
evitar vieses. Para serem consideradas réplicas, amostras individuais devem ser
coletadas aleatoriamente, garantindo a independência entre elas e evitando
pseudoreplicação.
86
poucos casos em que este tipo de amostragem pode ser utilizada, como quando há
algum habitat ou espécie alvo que só ocorre em algum determinado local. Então o
pesquisador deverá direcionar os esforços de coleta para onde esteja o objeto de estudo.
Outro método de amostragem é a estratificada. Como os organismos não se
distribuem uniformemente no costão rochoso, a estratificação pode ser utilizada para
diminuir a influência da variabilidade espacial, aumentando a precisão da amostragem.
Uma vez definidos os estratos de acordo com a fisionomia da área, a distribuição pode
ser simples, com o mesmo número de elementos amostrais por estrato; proporcional,
com mais elementos amostrais em áreas maiores; ou ótima, com mais elementos
amostrais de há uma maior concentração da espécie ou comunidade alvo. A figura 6
ilustra este método.
Tipos de amostradores
O tipo de unidade amostral também depende dos objetivos de estudo e das
espécies a serem estudadas. Os tipos mais comuns são quadrados e transectos de linha.
Transectos de linha são plotagens de uma dimensão, utilizados para estimar a cobertura
de organismos sésseis. Uma vantagem de se utilizar transectos é que estes englobam
uma grande área.
87
Figura 9. Tipos de disposição de elementos amostrais. Esquerda: A) Aleatória; B) Sistemática; C)
Direcionada. Direita: A) Estratificação simples; B) Estratificação Proporcional; C) Estratificação
ótima. Adaptado de Murray et al (2002).
Referências
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88
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89
Anotações:
90
CAPÍTULO VIII
1- Introdução
As macroalgas marinhas são utilizadas pelo homem a centenas de anos,
sobretudo por povos orientais, e após a segunda guerra mundial, o consumo e produção
se expandiram para o ocidente. Atualmente as algas são utilizadas na alimentação direta,
em sopas, chás, saladas e sushi, como matéria-prima para produção de hidrocolóides, na
composição de adubos e tintas, na composição da ração animal, na indústria
farmacêutica, cosmética, nutracêutica e biotecnológica (vide capítulo 2).
Até a Idade Média, as algas eram provenientes de coleta em bancos naturais,
mas a partir do século XVII com o surgimento dos primeiros substratos artificiais para
criação de peixes marinhos, também se desenvolviam os primeiros cultivos de algas.
Atualmente, a algicultura tem um papel fundamental no desenvolvimento da
maricultura mundial, representa uma alternativa para suprir a demanda de mercado, no
complemento de renda de diversas comunidades tradicionais e minimiza a
sobreexplotação dos bancos naturais. Além dos aspectos mercadológicos e ambientais
favoráveis, a maioria dos sistemas de produção de macroalgas são técnicas
relativamente simples, facilmente aprendidas por maricultores, absorve mão de obra
local em maior número que outros setores da aquicultura e demanda menor de
investimento.
De acordo com o último levantamento da FAO, a produção de algas em 2014 foi
de 27.300 toneladas, e representa um dos principais setores da produção aquícola
marinha. Cerca de 50 países cultivam algas, mas os principais produtores são a China,
Indonésia, Filipinas, Coréia, Japão, Malásia e Tanzânia. Entre os países ocidentais,
destacam-se o Chile, com 99% da produção de Gracilaria spp. no continente
americano, seguido dos países da África como a Tanzânia, Madagascar, África do Sul e
Namíbia. No Brasil, há registros de cultivos de Gracilaria spp. nos Estados do Ceará,
Rio Grande do Norte e Paraíba, e da espécie Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex. P.
C. Silva no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar do potencial para produção de
91
algas, condições ambientais favoráveis, demanda social e diversos estudos
desenvolvidos neste setor, os cultivos de algas no país ainda são em pequena escala e
representa uma atividade incipiente.
As principais espécies cultivadas são Kappaphycus alvarezii, Eucheuma spp.,
Gracilaria spp., Laminaria japonica Areschoug (Kelps), Undaria pinnatifida (Harvey)
Suringar, Porphyra spp. (Pyropia spp.) e Sargassum fusiforme (Harvey) Stechell. A
produção de algas é basicamente para produção dos hidrocolóides ágar, carragenana e
alginato, e consumo humano direto como o wakame, kombu e nori.
Originária da região do Indo-Pacífico, a rodófita K. alvarezii se destaca entre as
espécies cultivadas, pelo seu elevado potencial de produção e facilidade de cultivo. Por
esta razão, K. alvarezii tem sido introduzida em diversas regiões tropicais e subtropicais
do mundo para fins de maricultura. Após quatro décadas de introduções, poucos casos
de invasão ambiental foram comprovados. O caso mais conhecido foi a invasão de
espécies de Eucheuma/Kappaphycus nos recifes de corais na baía de Kane’ohe, Havaí,
que causou a morte dos corais por sombreamento. Outros casos também são relatados
para Índia e Zanzibar. Por isso, é fundamental o planejamento da introdução de espécies
exóticas com propósitos de maricultura que contemple programas de avaliação de risco,
quarentena e monitoramento ambiental (vide capítulo 5).
92
produção de Gracilaria chilensis C.J.Bird, McLachlan & E.C.Oliveira e outras regiões
como o Havaí. Ela aumenta da produção de algas com cepas de boa qualidade e garante
a conservação dos estoques naturais.
Figura 1. Técnicas de cultivo de algas baseada na propagação vegetativa. A) Sistema de cabo flutuante
ou tie-tie, B) balsas flutuantes onde as algas estão presas a cabos ou redes tubulares, C) Sistema de cabo
presos no fundo. Imagens adaptadas de Trono (1992).
Nos sistemas de cultivo que abrange todo ciclo reprodutivo da alga envolve a
fase esporofítica com a liberação e semeadura dos esporos, os quais são fixados em
substratos artificiais como redes de polipropileno ou substratos rochosos, onde
93
geralmente são mantidos em tanques para crescimento. Na fase seguinte de crescimento,
os talos gametofíticos são transferidos para áreas maiores, que pode ser tanques maiores
ou no mar, onde irão crescer por propagação vegetativa até atingir um tamanho
comercial (Figura 2). Geralmente, este tipo de sistema de cultivo são mais onerosos,
requer infraestrutura terrestre com controle de temperatura, luminosidade e nutrientes e
mão de obra mais qualificada.
Seleção de linhagens
Crescimento e
transferência dos talos
para redes
Crescimento e transferência
dos talos para redes
Figura 2. Técnicas de cultivo de algas envolvendo todo ciclo reprodutivo. Imagem adaptada de FAO
(2005).
94
uma maior abordagem ecológica e social. Uma maneira para alcançar este objetivo é a
implementação da Aquicultura Multi-Trófica Integrada Marinha, AMTIM.
A AMTIM é uma abordagem que pode ser adotada para mitigar os possíveis
efeitos negativos da monocultura. Esta estratégia de aquicultura baseia-se na produção
aquática sob o conceito de reciclagem e reutilização. Em lugar de cultivar uma única
espécie (monocultura) e incidir os esforços sobre suas necessidades, a AMTIM tenta
imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções
ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido (e.g.,
resíduos, nutrientes e subprodutos) possam ser reaproveitados e convertidos em
nutrientes, alimentos e energia para outras culturas. A AMTIM combina o cultivo de
organismos alimentados com ração, como peixes e camarões, e de espécies extrativas,
que extrai sua fonte de alimento do meio natural, como algas e invertebrados, de modo
que os processos biológicos e químicos se equilibram e sejam complementares (Fig-3).
95
ao abastecimento de resíduos particulados de alimentos e fezes provenientes dos
organismos arraçoados, assimilando parte deste material em seu tecido. Assim, espécies
filtradoras podem apresentar uma maior taxa de crescimento, acima das observadas em
monocultora de filtradores. Como consequência, a integração dos filtradores
possibilitaria a diminuição da carga de MOP para os arredores do cultivo. Por sua vez,
os filtradores também introduzem compostos inorgânicos na água pelas suas vias
metabólicas. Os compostos inorgânicos provenientes dos arraçoados, dos filtradores e
do processo de biodegradação de material orgânico pela ação microbiana, são
aproveitados pelos produtores primários como as macroalgas que os usam na produção
de compostos vitais para o seu desenvolvimento, como por exemplo, a produção de
açúcares, proteínas e enzimas. As macroalgas retiram da água compostos que em dadas
concentrações são tóxicos para muitos organismos, como NH4+, NO2-, PO4-3, e as
incorporam na sua biomassa. Além disso, as macroalgas contribuem para o aumento da
concentração de O2 e estabilização do pH da água. Por utilizar o resíduo de um
subsistema de cultivo (nível trófico) como nutriente de outro e estarem dentro de um
mesmo domínio do espaço de cultivo, a AMTIM pode inclusive resultar em aumento da
capacidade de produção de um determinado local, antes visto como limitado pela sua
baixa produtividade.
As algas são parte fundamental dos sistemas de AMTIM, pois contribuem na
incorporação de nutrientes dissolvidos (C, N e P) derivados de níveis tróficos mais
altos, como por exemplo, peixes e moluscos, convertendo esses compostos
potencialmente nocivos para o meio ambiente em biomassa algácea. Desta forma, elas
tornam as águas ricas em nutrientes em recursos aproveitáveis, mitigando os efeitos da
eutrofização e estabilizando a qualidade da água. Estudos têm demostrado que algas
crescidas em sistemas AMTIM apresentam elevado teor de proteínas, polissacarídeos,
pigmentos e compostos funcionais, contribuindo dessa forma na produção de biomassa
de alta qualidade nutricional, que encontram aplicações em vários setores, desde a
produção de suplementos alimentares, fertilizantes, cosméticos e alimentos, até a
descoberta de novos fármacos.
96
4- Referências
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99
Anotações:
100
CAPÍTULO IX
101
ancestralidade comum como elemento ordenador da diversidade e passa a contar com
uma base metodológica mais clara, objetiva e definida. A Sistemática Filogenética foi
gradualmente aceita e implementada pelos
sistemas de modo universal e sua conexão
com diversas áreas da Ciência ampliou-se.
O progresso tecnológico, principalmente
nos últimos 30 anos, permitiu que
diversos avanços fossem agregados e os
estudos filogenéticos tornaram-se
corriqueiros, servindo de base para
classificações mais robustas (vide
Capítulo 10).
Atualmente, os estudos de
filogenia, além de serem úteis ao trabalho
tradicional da taxonomia, possibilitam
também uma grande interação entre
disciplinas diversas como zoologia,
botânica, genética, morfologia, fisiologia,
ecologia, dentre outras, resultando no
aumento do conhecimento sobre as
dinâmicas evolutivas e sobre a geração da
biodiversidade do planeta.
102
Conceitos básicos da sistemática filogenética
Uma das grandes inovações propostas pela Sistemática Filogenética foi
apresentar um método capaz de reconstruir hipóteses sobre a história evolutiva que
ocorreu no passado. Para isso, é necessário, inicialmente, procurar evidências ou
vestígios dessa história para posteriormente estimar a hipótese que melhor explica a
história evolutiva das espécies. Assim, o método consiste essencialmente no
levantamento de evidências de parentesco evolutivo entre os organismos. Da mesma
forma com que parentes de uma mesma família possuem semelhanças (morfológicas,
fisiológicas, etc.) que sugerem sua relação próxima, o método proposto por Hennig
implica na busca de características compartilhadas entre os organismos estudados para
inferirmos suas relações.
A essas características compartilhadas por herança do ancestral, ou partes
correspondentes nos organismos, denominamos de caráter e a suas variações possíveis
de estados de caráter. Analogicamente, a história evolutiva de uma parcela de
diversidade biológica qualquer pode ser vista como um quebra-cabeça e as evidências.
No entanto, como a evolução ocorre por processos históricos, o quebra-cabeças que tem
um número exato de peças (a filogenia de um grupo) só poderá ser “montado” com
algumas dessas peças disponíveis (caráteres e seus estados). Por este motivo, o que é
possível acessar é uma hipótese sobre a evolução da parcela da diversidade biológica
estudada.
Neste contexto, o que os cientistas conseguem fazer é reconstruir o padrão que
melhor explicaria a história evolutiva de organismos, sendo que representam este
padrão por meio de um diagrama dicotômico, a árvore filogenética. Já os processos que
geraram o padrão acessado pelos cientistas são quase inacessíveis, pois são eventos
genealógicos, ou seja, ocorrem em intervalos menores de tempo entre uma geração e
outra. Desta forma, uma genealogia representa os processos de mudanças herdadas ao
longo de diferentes gerações em uma linhagem (Figura 1a-e), enquanto uma filogenia
representa o padrão possível de ser acessado dadas as evidências disponíveis (Figura
1f).
Dessa forma, um filogeneticista busca nos organismos estudados, evidências que
possibilitem criar hipóteses sobre suas relações evolutivas. Por exemplo, na Figura 2,
observa-se na árvore filogenética que dois táxons (A e B) possuem características
compartilhadas ausentes em C. Assim, é possível construir a hipótese de que esses dois
táxons (A e B) sejam mais aparentados entre si do que qualquer um dos dois em relação
103
a C. Com isso, é possível também deduzir que os caráteres compartilhados
exclusivamente por A e B são um indício de que eles estavam presentes no ancestral de
AB (Figura 2). No exemplo apresentado, os caráteres observados nos três táxons são
"círculo" e "retângulo". Os estados de
caráter são, respectivamente, círculo
branco, círculo azul e retângulo branco,
retângulo vermelho. Os componentes e a
leitura apropriada de uma árvore
filogenética serão apresentados na
Figura 2: Árvore filogenética evidenciando relações
entre os táxons A, B e C. Traços representam os próxima seção, “Anatomia da árvore
caráteres observados nos organismos para inferência
das relações. Símbolos em vermelho e azul estados
filogenética” (página 5).
de caráter presentes no ancestral de AB. Símbolos Na prática, são considerados
em branco representam estados de caráter que
ocorriam no no ancestral ABC e que continuam caráteres potencialmente informativos
presentes na linhagem C. Figura de Frazão et al.
(2016). para estudos filogenéticos, quaisquer
características herdáveis e que apresentem variação no grupo estudado. Considerando
que os seres vivos apresentam um fenótipo que é resultado da expressão da informação
contida no DNA, e que esses são transferidos hereditariamente, todos os diversos
aspectos de um organismo podem ser empregados nas análises. Desse modo, podem ser
utilizados caráteres das mais diversas naturezas e escalas como os macromoleculares
(DNA, RNA), citogenéticos, fisiológicos, morfológicos, comportamentais, entre outros.
O aspecto essencial é que esses caráteres compartilhados pelos organismos em estudo
indiquem que alguns deles tiveram uma história em comum e exclusiva. Não são
válidos, portanto, caráteres que sofrem modificação a partir da interação com o
ambiente e que não sejam transmitidos hereditariamente.
Importante ressaltar que essas semelhanças não são a priori evidências
comprovadas de origem comum, mas sim são uma hipótese de que esses caráteres
tiveram origem no mesmo ancestral e que os organismos compartilham uma mesma
história evolutiva. Essa hipótese deverá, então, ser testada com a inferência de uma
filogenia. Ou seja, a árvore filogenética é o teste das hipóteses criadas inicialmente com
os caráteres utilizados. Aqueles caráteres que foram verificados como tendo origem
única do ancestral de um grupo é denominado de homologia (veja detalhes deste
conceito na seção “Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia,
caráteres, e relações hierárquicas”.
104
Os diferentes tipos de dados utilizados na inferência de uma filogenia são em
potencial igualmente úteis. Não há diferenças qualitativas, ou seja, caráteres melhores
ou piores do que outros. Mas, diferentes fontes de dados possuem características
diversas, sofrem pressões seletivas diferentes e, por isso, devem ser analisados sob
diferentes perspectivas e abordados considerando-se suas particularidades. Com isso,
independente da natureza da fonte de dados, é essencial que os caráteres sejam
estudados cuidadosamente antes de serem empregados no levantamento de hipóteses de
parentesco.
Nesse contexto, caráteres moleculares, por exemplo, devido à sua
universalidade, permitem a comparação entre organismos muito diversos, como um
peixe e uma planta, o que seria difícil com base em sua morfologia. Isso favorece seu
emprego em estudos de maior abrangência, isto é, com organismos mais heterogêneos.
No entanto, e evolução dos caráteres moleculares não é tão simples quanto pode parecer
em um primeiro momento e é necessário que a biologia dessas moléculas seja bem
conhecida e considerada nas análises. Ao mesmo tempo, grande parte do conhecimento
que temos, foram obtidos a partir de estudos morfológicos e os espécimes precisam ser
bem identificados para serem corretamente posicionados na árvore filogenética. Desta
forma, estudos utilizando dados moleculares e morfológicos são igualmente essenciais,
assim como o emprego de caráteres fitoquímicos, anatômicos, comportamentais,
fisiológicos, por exemplo, podem fornecer evidências de parentesco.
105
chamamos de cladograma (Figura 10c). Essa relação entre os terminais também é
conhecida como topologia. Contudo, os ramos podem ser informativos e terem
diferentes tamanhos, representando uma proporção entre o tamanho do ramo e o
número de mudanças estados de caráter acumuladas por uma linhagem (ou a chance de
mudança de estado no ramo).
O diagrama que mostra a relação entre os terminais e comprimentos de ramos
proporcionais a chance de alteração dos estados é conhecido como filograma (Figura
10d). Uma árvore filogenética também pode conter informação temporal. Neste caso, o
comprimento dos ramos é proporcional ao tempo transcorrido. Quando a informação
temporal é apresentada temos um cronograma (Figura 10e). Além de conter
informações distintas em determinados casos, uma árvore filogenética pode ser
apresentada de diferentes formas, como pode ser visto na Figura 10b. Para exemplificar
a leitura de uma árvore filogenética, vamos utilizar a Erro! Fonte de referência não
encontrada.. Nela podemos estabelecer que A e B são mais relacionados entre si do
que com C, porque A e B compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo (x).
Dizemos que A é grupo-irmão de B, e C é grupo-irmão de A + B, ou seja,
compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo entre si (y).
Figura 10: Representação esquemática de elementos que constituem uma árvore filogenética. a) Árvore
filogenética dos grandes grupos de Angiospermas com cada elemento de uma árvore filogenética
indicado. b) As diferentes formas possíveis de se representar uma filogenia. c) Esquema de um
cladograma. d) Esquema de um filograma. e) Esquema de um cronograma. Figura de Frazão & Fonseca
(2015).
107
Figura 11: Os três diferentes tipos de grupos possíveis em um cladograma: monofilético (a), parafilético
(b) e polifilético (c). Figura de Frazão et al. (2016).
108
de caráteres mais antigos. Deste modo, a similaridade entre as espécies surge de uma
combinação de caráteres que teriam evoluído cedo na história e outros que têm evoluído
tardiamente. Chamamos de apomorfias aos caráteres modificados ou “derivados” ou
mais recentes na série de transformação; e de plesiomorfias aos caráteres ancestrais ou
mais antigos na série de transformação.
A construção de uma árvore filogenética é realizada a partir da identificação das
apomorfias que distinguem clados. Chamamos de sinapomorfías aos caráteres
“derivados” ou mais recentes (=apomorfia) que são compartilhados por todas as
espécies ou táxons de um clado particular. As sinapomorfias definem os grupos
monofiléticos. Em outras palavras, elas são caráteres com uma origem evolutiva única
que são compartilhados pela espécie ancestral hipotética e todas as espécies
descendentes.
Já aos caráteres ancestrais ou mais antigos (=plesiomorfias) que são
compartilhados por todas as espécies ou táxons, tanto do clado particular analisado
quanto com os táxons fora dele são denominados simplesiomorfías. Em outras palavras,
simplesiomorfias são sinapomorfias em um nível hierárquico maior o qual inclui o
clado de interesse e que, não necessariamente, são apresentadas por todos os táxons
pertencentes a ele. Quando as simplesiomorfias são utilizadas para criar grupos, é
comum que sejam definidos tanto grupos parafiléticos como polifiléticos.
Finalmente, podemos dizer que homologias cuja relação hierárquica estabelece
as relações filogenéticas são aquelas que, como sinapomorfias, permitem descobrir e
identificar os grupos monofiléticos. O resultado que a análise filogenética pretende
obter é a congruência entre caráteres no contexto hierárquico da topologia de uma
árvore filogenética. Um sinal filogenético é atribuído aos caráteres e sua hipótese de
homologia confirmada quando há congruência destes com outros caráteres. Nas análises
filogenéticas, porém, é comum que exista conflito entre os caráteres, pois nem sempre
eles são congruentes uns com os outros e, em alguns casos, seus estados surgem
múltiplas vezes na árvore filogenética. Quando isso acontece o mesmo caráter aparece
na análise como suportando diferentes clados não relacionados impedindo, desta forma,
uma avaliação correta tanto das sinapomorfias como dos grupos monofiléticos. Quando
um caráter não é congruente com os outros na filogenia e aparece, portanto, duplicado
em diversos ramos da topologia este é tido como uma homoplasia.
Tendo em vista essas precisões terminológicas, podemos dizer agora que o
processo de inferência filogenética abrange dois passos metodologicamente diferentes.
109
O primeiro passo consiste na procura das evidências a partir de características
biológicas, estabelecendo uma lógica sobre a possível transformação evolutiva entre
elas e codificar essa informação numa linguagem apropriada para a análise filogenética
a fim se obter os dados a serem comparados. Esse passo é conhecido como Análise de
Caráteres, e tem como objetivo a construção de uma matriz de caráteres onde a
variação é codificada numericamente.
O segundo passo consiste em unir essas lógicas inicias de homologia e testar se
elas recuperam o padrão hierárquico de relações filogenéticas entre as espécies. Esse
passo é conhecido como Inferência Filogenética e estima a topologia que representa as
relações filogenéticas a partir da aplicação de diversos métodos à matriz de caráteres, os
quais buscam distinguir o sinal filogenético das homoplasias.
110
Figura 13: Processo de análise de caráteres morfológicos desde a coleção os espécimes até a codificação
destes caráteres. Lembre-se que os caráteres morfológicos são dados de natureza verbal: a sua qualidade
depende da rigorosidade e objetividade com que são feitas as descrições. O uso de vocabulários técnicos
botânicos e o seu exame crítico são fundamentais para potencializar a produção de caráteres morfológicos
com sinal filogenético. Figura de Frazão et al. (2016).
111
Por outro lado, o conceito de caráter em sistemática filogenética implica que ele
é independente de outros caráteres e que os seus estados de caráter são mutuamente
exclusivos. Entramos aqui no problema de avaliar quais características morfológicas são
homólogas. Esse processo implica no uso do método comparativo com o qual avaliamos
as semelhanças e as diferenças entre as diferentes partes do corpo da planta entre
espécimes de espécies diferentes. Existe um conjunto de regras chamadas de critérios
de homologia que permitem identificar quais estruturas são comparáveis e poderiam,
portanto, ser homólogas: (1) o critério de topologia, o qual diz que caráteres homólogos
geralmente conservam a mesma posição e conexão com outras partes no corpo das
plantas; (2) o critério de qualidade especial, o qual diz que os caráteres homólogos
exibem propriedades estruturais similares; e (3) o critério das formas transicionais, o
qual assume que duas características que não são necessariamente similares em sua
estrutura podem ser homólogas se, durante a ontogenia, os passos intermediários entre
os primórdios no desenvolvimento e as estruturas adultas são similares.
Suponha-se que efetivamente as folhas das espécies de plantas X, Y e Z todas
sejam laterais ao caule da planta (critério topológico), dorsiventrais e fotossintéticas
(critério de qualidade especial), o que permite um botânico assumir que são estruturas
homólogas. Contudo, vemos que a complexidade é variável: a espécie X tem folhas com
uma única lâmina, ou simples; a espécie Y tem folhas compostas, ou com várias
divisões formando folíolos (pinada); e que a espécie Z tem folhas compostas, mas com a
lâmina dos folíolos também divididas (duas vezes pinada). Ao examinar a
complexidade estrutural das folhas, encontramos um grupo de propriedades que se
mantêm constantes e outras propriedades variáveis.
A aplicação dos critérios de homologia é conhecida como um teste de
similaridade. Outro teste importante é a conjunção, o qual indica que para serem
estruturas homólogas, os caráteres analisados não podem ocorrer juntos no mesmo
organismo. No exemplo das folhas entre as plantas X, Y e Z, vemos que nenhuma delas
apresenta ao mesmo tempo folhas simples e compostas. Se acontecer que tanto as folhas
simples como compostas estivessem num mesmo espécime dessas plantas, então,
teríamos que rejeitar a hipótese inicial de homologia. No entanto, embora as folhas
passem no teste de similaridade e de conjunção, ainda fica o último teste, o teste de
congruência entre as homologias iniciais no contexto da árvore filogenética, o qual será
tratado com mais detalhes posteriormente na seção “Os métodos de inferência
filogenética”.
112
Os caráteres (=hipóteses de homologia) são séries de transformação
independentes e únicas evolutivamente cujos estados são modificações a partir de
condições ancestrais da estrutura. Um caráter é, então, uma descrição que codifica a
informação evolutiva das características morfológicas examinadas. Por exemplo, o
caráter que representa a transformação das folhas das espécies X, Y e Z poderia ser
codificado segundo sua complexidade da seguinte forma:
1. Folhas, complexidade: (0) Simples; (1) Compostas pinada; (2) Compostas
duas vezes pinada.
Essa apresentação do caráter tem uma estrutura lógica básica, onde a primeira
parte indica estrutura analisada e a o atributo específico de interesse, enquanto a
segunda parte indica os estados do caráter definindo quais propriedades dessa estrutura
variam e em quais condições. Na prática, o raciocínio é similar para todos os atributos
morfológicos: descrevem-se as propriedades estruturais das partes do organismo;
identificam-se partes comparáveis a partir da aplicação dos critérios de homologia para
propor hipóteses de homologia; e codificam-se as informações num enunciado de
caráter que logo será incluído na matriz de caráteres. A matriz de caráteres é composta
por linhas que representam os táxons, colunas que representam os caráteres, e em cada
célula se preenche o número que codifica o estado de caráter particular que apresenta o
táxon específico (Erro! Fonte de referência não encontrada.).
Entre os múltiplos tipos básicos de codificação, dois tipos básicos são os mais
comuns. O primeiro chamado de transformacional ou convencional exibe múltiplos
estados de caráter que se assumem como transformações evolutivas desde um atributo
ancestral. Um exemplo dele é o caráter descrito acima sobre a variação das folhas. O
outro tipo de caráter é chamado de variável nominal ou neomórfico o qual indica o
surgimento ou perda de uma estrutura. Por isso é um caráter binário com os seus únicos
estados sendo ‘ausente’ ou ‘presente’. Um exemplo desse tipo de caráter pode ser:
2. Eixo caulinar reprodutivo, carpelo: (0) Ausente; (1) Presente.
Apesar da maioria os caráteres morfológicos utilizados serem codificados de
forma qualitativa, os caráteres também podem ser codificados de forma quantitativa.
Neste caso, a variação contínua deve ser segmentada e codificada como variáveis
discretas. Assim, um caráter do tipo quantitativo como o comprimento do pecíolo das
folhas, por exemplo, poderia ser assim codificado:
3. Folhas, comprimento do pecíolo: (0) curto, entre 0-1cm; (1) mediano,
entre 1,1-2cm; (2) comprido, entre 2,1-3cm.
113
As séries de transformação representadas por esses diferentes tipos de caráteres
devem ser ordenadas para que as apomorfias e as plesiomorfias possam ser
identificadas. Para saber quais estados entre as folhas examinadas já estavam presentes
no ancestral hipotético e quais mais recentes, é necessário realizar a polarização dos
caráteres. Esse processo permite determinar qual é a direção das transformações ou
mudanças entre os estados de caráter. As informações necessárias para descobrir essa
ordem podem ser obtidas antes ou depois da análise filogenética.
Para definir esta ordem antes da análise filogenética, podem ser utilizadas
informações acerca do conhecimento sobre a biologia do desenvolvimento dos caráteres
analisados, já que permite verificar quais estados surgem primeiro na ontogenia.
Quando não há informação de desenvolvimento, a seleção de um grupo externo é
necessária. O grupo externo pode ser fóssil, sendo que as informações nele contidas
podem ser examinadas para investigar se, entre os táxons extintos, sabidamente ou
supostamente aparentados com as espécies das plantas estudadas, um dos estados de
caráter estava presente. Se sim, este é escolhido como o estado de caráter
plesiomórfico. O grupo externo também pode ser composto por espécies que a princípio
não façam parte do grupo estudado, mas que podem ser aparentadas com as espécies
analisadas, sendo que o estado do caráter presente nesse grupo externo será interpretado
como plesiomórfico. Assim, assume-se como pressuposto que o estado de caráter
presente nos primeiros estágios do desenvolvimento ou no fóssil é o estado
plesiomórfico, ou ainda que o grupo externo é composto por organismos aparentados,
porém, ausentes do grupo estudado.
115
Essa variação gerada por mutações,
entre outros processos moleculares, é o dado
utilizado para a inferência filogenética. Para
que isso seja possível, é preciso inicialmente
116
implementações possuem algoritmos de dois passos: (1) no primeiro deles é feito a
maximização da similaridade entre pares de sequências utilizando, em geral,
programação dinâmica; e (2) no segundo é realizado um alinhamento progressivo
guiado por uma árvore guia, sendo dessa forma um algoritmo heurístico, ou seja,
apenas uma parte das soluções é observada na busca da resposta.
O primeiro e principal algoritmo para maximizar a similaridade entre pares de
sequências foi proposto por Needleman e Wunsch e leva seus nomes. O algoritmo
calcula a distância mínima, ou seja, o número mínimo de transformações para que uma
sequência se torne idêntica à outra. Durante a rotina de programação dois processos
básicos são levados em consideração. A proposição de alterações de bases,
representando mutações pontuais, e a inserção de gaps, representando os eventos de
indel. O alinhamento de pares de sequências é feito com (1) a atribuição de pesos para
abertura de gaps, (2) substituição e (3) a atualização de uma matriz a partir desses
pesos, além (4) da proposição do alinhamento do par de sequências otimizando esses
valores em uma matriz. O algoritmo de Needleman e Wunsch funciona bem para pares
de sequências ou um pequeno número delas. Contudo, o problema de alinhamento de
sequências se torna computacionalmente intratável quando envolve dezenas ou centenas
de sequências.
Uma solução exata e elegante para o problema é obtida com o conhecimento de
uma hipótese filogenética para os táxons em análise, utilizando da estrutura desta como
guia para inclusão dos pares de sequência. Não obstante, na maioria dos casos é
justamente a obtenção da árvore filogenética o objetivo da análise. Nesses casos, é
necessário o uso de algoritmos heurísticos, onde somente uma parcela das respostas é
acessada. Para solucionar esse problema são empregadas árvores obtidas por métodos
de distância, onde um alinhamento não é necessário para se obter a topologia. Nesses
casos, a árvore de distância é utilizada como uma aproximação à filogenia e o uso de
apenas uma ou um conjunto delas para se obter o alinhamento é o que caracteriza a
busca heurística.
117
análises realizadas com dados genéticos. Os baseados em caráter utilizam características
diretas dos táxons e podem ser utilizados com qualquer tipo de dado sobre o grupo
estudado. Há muitos algoritmos disponíveis para inferir filogenias e, por isso, não temos
a pretensão de abordar aqui pormenores de cada método. Assim, apresentaremos os
fundamentos básicos do funcionamento de cada método e das diferentes escolas
atribuídas a estes.
118
será aquela que assumir um menor número de pressupostos, ou seja, um menor número
de mudanças dos caráteres e seus estados melhor explicaria a história evolutiva de um
grupo. Na parcimônia, as mudanças dos caráteres são chamadas de passos evolutivos.
Quanto mais mudanças detectadas em uma hipótese filogenética, menos parcimoniosa é
a hipótese filogenética e vice-versa. Já a probabilística leva em consideração a
probabilidade de uma hipótese filogenética ser mais próxima da verdadeira uma vez que
temos os dados e um modelo de substituição nucleotídica (=descrição estatística das
mudanças de um nucleotídeo para outro) que explique esses dados. A probabilidade de
uma hipótese filogenética pode ser inferida com base em máxima verossimilhança ou
por inferência Bayesiana.
119
relacionados ao grupo de interesse, contudo existem evidências indicando que não
pertencem a tal grupo. A escolha é facilitada caso uma hipótese filogenética prévia já
esteja disponível. Não é recomendável restringir as comparações de caráteres a um
único táxon externo. Isso porque o grupo escolhido como externo pode apresentar
estados apomórficos para os caráteres em análise, dessa forma enviesando as conclusões
possíveis sobre a evolução do grupo estudado. Diferente da abordagem apresentada na
seção de homologia morfológica, o ordenamento das transformações se dá no momento
do enraizamento da árvore, o qual é efetuado no ramo do grupo selecionado como
grupo externo (Figura 10b).
O próximo passo na inferência por parcimônia é a etapa de otimização. É nesta
etapa que os caráteres utilizados na análise são associados à árvore filogenética. Neste
passo, as hipóteses de homologia apresentadas na matriz de caráteres são testadas, ou
seja, se o caráter utilizado para a análise é ou não de fato uma homologia. Se a hipótese
for aceita, o caráter utilizado é uma homologia, a qual poderá ser uma novidade
evolutiva (apomorfia) ou não (plesiomorfia). Caso seja um caráter que apareceu mais de
uma vez de forma independente nos diferentes táxons estudados, este não é considerado
homólogo e sim uma homoplasia e, portanto, a hipótese de homologia inicial é
rejeitada. Na Figura 10, os caráteres 1, 2 e 3 são homólogos e o caráteres 4 é uma
homoplasia.
Diferente dos outros métodos baseados em caráter, a parcimônia não utiliza
modelos de substituição de nucleotídeos. Como já mencionado na seção de métodos de
distância, os nucleotídeos podem mudar em diferentes taxas dependendo da região do
genoma dos organismos. Então como a parcimônia lida com essa variação se os dados
utilizados na matriz de caráteres forem informações genéticas? Neste caso, existe a
possibilidade de atribuir custos para as mudanças dos nucleotídeos. Quanto mais custo
for dado a uma mudança, um maior número de passos será necessário para que tal
mudança ocorra e, portanto, menos parcimoniosa será esta possibilidade de mudança.
Essa atribuição de custos deve ser muito criteriosa, já que pode trazer ruído para a
análise e influenciar o algoritmo a encontrar uma árvore subótima.
Existem índices que mensuram o quanto os caráteres utilizados para a inferência
da filogenia representaram ou não homologias para o grupo estudado (Figura 10d). O
índice de consistência (CI) mede o quanto das hipóteses de homologia criadas para a
construção da matriz de caráteres representaram realmente uma homologia ou não. Já o
índice de retenção (RI) mede a proporção de autapomorfias (estado presente em apenas
120
um táxon) e homoplasias em relação ao número total de passos. Quanto maior for o
valor do RI mais apomorfias compartilhadas (=sinapomorfias) não estão sujeitas a
homoplasia, ou seja, de não ter aparecido mais de uma vez de forma independente no
grupo de estudo. Já quando o RI tende a zero, existem muitas apomorfias não
compartilhadas (autapomorfias) e homoplasias.
Mas o que fazer quando mais de uma árvore mais parcimoniosa é obtida? Para
sumariar essa informação, são empregados os métodos de consenso. A árvore de
consenso estrito elimina qualquer clado que não tenha sido reconstruído em todas as
hipóteses filogenéticas igualmente parcimoniosas. Porém, parte da informação presente
nas árvores é perdida, como no caso dos clados não conflitantes entre si, mas não
presentes em todas às árvores. A árvore de consenso de maioria inclui os grupos
monofiléticos presentes na maioria das árvores obtidas na análise, haja ou não conflitos
entre eles.
As estimativas de suporte trazem uma mensuração da robustez de um clado e
indicam o quanto os dados disponíveis sustentam a existência do clado, ou seja, esse
tipo de análise demonstra o quanto os caráteres de uma matriz contam uma mesma
história proporcionalmente. As estimativas de suporte mais usadas são baseadas na
reamostragem dos caráteres, sendo o bootstrap (Figura 10e) o mais utilizado. O método
de bootstrap é de reamostragem não paramétrica, ou seja, não dependem de parâmetros
previamente definidos e atribuição de valores de probabilidades. O bootstrap reamostra
os caráteres da matriz com reposição e constrói novas matrizes com o mesmo tamanho
original. Na descrição original do método a existência de um clado seria
estatisticamente significativa se o valor de suporte obtido seja superior ou igual a 95%,
significando que de todas as reamostragens de caráteres, um determinado clado foi
recuperado em 95% das réplicas. A interpretação dos valores de bootstrap é difícil
devido a grande variação nos resultados e valores inferiores a 95% foram
posteriormente propostos como aceita (p.e. 70%). Uma outra forma de se interpretar os
resultados de bootstrap seria a de que o resultado obtido indicaria que os dados
existentes não seriam capazes de contar uma história bem resolvida para o grupo
estudado e que caráteres com mais variações informativas seriam necessárias para
auxiliar na melhor compreensão da história evolutiva do grupo.
121
Figura 10: Esquema geral mostrando as etapas de um inferência filogenética hipotética por parcimônia.
Figura modificada de Frazão & Fonseca (2015).
122
como o universo de árvores possíveis é explorado é similar ao realizado para a
parcimônia, com alguns dos algoritmos de busca heurísticas.
Como o comprimento dos ramos também é incluído no cálculo e as árvores
precisam estar enraizadas para o cálculo da verossimilhança, o universo de árvores
possíveis é maior e o cálculo de verossimilhança mais complexo, fazendo as buscas de
árvores mais demoradas. Os algoritmos de ML calculam o valor que maximiza a
probabilidade de uma árvore filogenética existir a medida que amostram as
possibilidades de árvores. O algoritmo para de calcular as verossimilhanças quando ele
não encontra mais nenhuma árvore que tenha a verossimilhança maior do que a uma
árvore competente. Na Figura 11, box 2, há um exemplo de como funciona basicamente
a seleção de árvores por verossimilhança.
Uma árvore A é inferida e tem o valor de verossimilhança igual a 0,888. Uma
segunda árvore possível é inferida com o valor de verossimilhança igual a 0,889. O
algoritmo pergunta “Qual é a melhor árvore, A ou B?”, sendo B a melhor. O algoritmo
calcula uma nova árvore C com o valor de verossimilhança igual a 0,750, faz a mesma
pergunta ao final do cálculo e verifica que B permanece a melhor árvore e continua
comparando outra árvore com B. Com o cálculo da nova árvore D, o algoritmo verifica
que B ainda permanece com a maior verossimilhança. Portanto, assume que B é a
árvore com o valor de verossimilhança que maximiza a probabilidade dos dados da
matriz utilizada ter sido gerada.
123
Figura 11: Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência por Máxima Verossimilhança. Com
adaptações de Herron & Freeman (2014, p. 128).
124
Figura 12: Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência Bayesiana.
126
não pode ser conhecida, uma distribuição de probabilidade com possíveis cenários
parece ser o método de inferência mais razoável.
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129
Anotações:
130
CAPÍTULO X
Sistemática vegetal: histórico,
conceitos e o estado atual
Eric Yasuo Kataoka
Jéssica Nayara Carvalho Francisco
Juliana Lovo
Matheus Martins Teixeira Cota
Gisele Alves
Bruno Michael Brabo
Marco Octávio de O. Pellegrini
Introdução
Considerada a ciência da diversidade dos organismos, a Sistemática abrange a
descoberta e a interpretação da diversidade biológica, assim como a síntese destas
informações sob a forma de sistemas de classificação. O propósito fundamental desta
ciência é desvendear os ramos da árvore da vida, documentando e relatando as
modificações que ocorreram durante a evolução dos organismos, além de buscar
identificar os processos responsáveis por esta diversidade (vide Capítulo 9).
1. Super-herói homem
131
2. Usa capa vermelha, tem super-poderes, é vulnerável à kryptonita,
seu símbolo é um “S” de coloração
vermelha.................................................................................. Super Homem
3. Usa uma tiara com estrela, cabelo de coloração preta, luta com um
laço da verdade, não pode voar, por isso usa um jato
invisível.............................................................................. Mulher Maravilha
3*. Não usa tiara, possui cabelo branco, luta controlando o clima
e pode voar.................................................................................... Tempestade
132
Figura 1. Níveis hierárquicos das categorias taxonômicas.
133
Aristóteles, utilizava um método de classificação em divisões sem muita complexidade.
Theophrastus estabeleceu a primeira classificação artificial dos vegetais, em árvores,
arbustos, subarbustos e ervas. Durante essa fase da sistemática, outro personagem que
se destaca na história é o médico do exército romano Pedanius Dioscorides, considerado
fundador da farmacognosia, por meio da sua obra De materia medica, apresentou
interesse nas propriedades medicinais das plantas e descreveu cerca de 600 plantas.
2° Fase. Herbalista: Durante a idade média foram os médicos que deram uma
ampla contribuição aos estudos dos vegetais, como Andrea Cesalpino (1519-1603).
Nesse momento da história, surgem ilustrações e descrições que facilitam as
identificações das plantas, essas informações eram feitas apontando as propriedades
medicinais que elas possuíam.
3º Fase. Sistemas artificiais. Momento em que surgem os primeiros
taxonomistas, nesse período a classificação busca agrupar as plantas por “afinidades
naturais”, sem a preocupação de reuni-las por relação de parentesco. As plantas eram
classificadas com base em poucos caracteres, avaliando a ausência ou presença de
determinadas características morfológicas e considerando sua similaridade.
Durante essa fase da história surgem grandes taxonomistas, um dos mais citados
desse período foi de Carl Linnaeus (1707-1778), que escreveu Species Plantarum,
baseando sua análise em um sistema de classificação denominado “sexual”, uma vez
que buscava similaridades estruturais reprodutivas. Assim como o trabalho de todos os
naturalistas da época, os sistemas de classificação buscavam refletir a Ordem Divina da
Criação.
4º Fase. Sistemas Naturais: Tempo de oposição às doutrinas religiosas, ocorre no
final do século XVIII. As plantas ainda eram classificadas de forma comparativa,
porém os naturalistas levavam em conta um maior número de informações,
essencialmente do conhecimento acumulado sobre morfologia vegetal.
5º Fase. Sistemas Evolutivos (Sistemática Evolutiva): Com o surgimento da
teoria da evolução no século XIX, a publicação de Origem das Espécies de Darwin
direciona a sistemática para a compreensão das relações entre os grupos, modificando o
cenário das classificações hierárquicas e passando a buscar as relações evolutivas dos
organismos. Nessa fase surge a escola Gradista, que apesar de ser baseada em conceitos
evolutivos, não apresenta uma base metodológica com inferência empírica.
134
A teoria da sistemática passou novamente por modificações a partir de 1950,
quando o entomólogo alemão Willi Hennig (1913-1976) propõe que a classificação dos
organismos deveria refletir seu parentesco filogenético e que somente novidades
evolutivas compartilhadas por estes organismos (sinapomorfias) permitiriam inferir
essas relações; é fundada a escola Cladística que buscava traçar a história evolutiva de
ancestralidade dos organismos mediante um diagrama hipotético: o cladograma,
construído a partir do critério da Parcimônia (vide Capítulo 9). Para essa reconstrução,
somente grupos de organismos que compartiham uma série de características únicas
(apomorfias) com o mesmo ancestral (grupos monofiléticos) podem ser reconhecidos
na classificação.
Figura 2. Linha do tempo ilustrando diferentes fases da sistemática vegetal ao longo da História.
135
O papel da Sistemática Filogenética
Proposta por Willi Hennig em 1955 a nova escola de sistemática filogenética
tornou-se o paradigma da biologia comparada. Sua importância deve-se principalmente
por ter proporcionado o entendimento da diversidade à luz da evolução, e permitir a
reconstrução de hipóteses de relacionamento evolutivo entre os organismos.
Desse modo, a sistemática filogenética não se limita às classificações, mas
também oferece um arcabouço para outros aprofundamentos a respeito dos padrões de
parentesco reconstruídos, e os possíveis processos que geraram esses padrões. Dado
isso, ela permite examinar ou testar hipóteses sobre o modo como os organismos ou
caracteres específicos surgiram ou evoluíram ao longo do tempo. Por exemplo, a análise
filogenética pode ser empregada para realizar inferências sobre mudanças na
distribuição geográfica de organismos e para elucidar relações entre eventos geológicos
e a história evolutiva desses organismos.
Com os avanços teóricos e metodológicos da Sistemática Filogenética, as
reconstruções tradicionalmente baseadas em dados morfológicos e anatômicos são
agora integrados com múltiplas fontes de evidências, tais como citologia, ontogenia,
embriologia, fisiologia, ecologia, química e, principalmente, genética. Por isso, a
"taxonomia integrativa" tenta fazer uso de diferentes fontes de dados para delimitar as
espécies de maneira mais robusta. O advento de novas técnicas da biologia molecular
permitiu obter grande quantidade de dados, por exemplo, o DNA genômico, de maneira
cada vez mais rápida e barata. Deste modo, o aperfeiçoamento e desenvolvimento de
técnicas de extração, sequenciamento de genes, alinhamentos de sequências e
programas computacionais rápidos e eficientes são recursos relevantes para a
Sistemática.
Em virtude da disponibilidade de métodos moleculares houve um aumento
significativo de filogenias baseadas em sequências nucleotídicas. Tal fato tem gerado
grande dinamismo e instabilidade na classificação botânica, comparado aos sistemas de
classificação prévios de famílas, ordens e hierarquias superiores (ver APG I, 1998; APG
II, 2003; APG III, 2009; APG IV, 2016). Porém, ao mesmo tempo, diversos estudos
corroboram as relações entre alguns táxons anteriormente sugeridos por estudos de
morfologia comparativa. Portanto, estamos progressivamente mais próximos de um
sistema de classificação filogenético mais robusto e que deve refletir a história evolutiva
das Angiospermas.
136
Embora as unidades operacionais (OTUs) das filogenias sejam representadas por
táxons de um determinado nível taxonômico (ordem, famílias, gêneros, etc.), em última
instância é preciso nomear as entidades biológicas que pertencem a uma categoria.
Assim, ao longo do trabalho de um(a) sistemata, é imprescindível que em algum
momento sejam nomeadas as unidades básicas da biodiversidade, ou seja, as espécies.
Por exemplo, uma filogenia onde reconhecemos relações entre táxons A, B, C, e D -
tem pouco (ou nenhum) significado se não soubermos nada sobre A, B, C e D. É
essencial que possamos nomeá-los e caracterizá-los. Disso resulta que nomearmos e
reconhecermos as espécies é essencial para qualquer tipo de trabalho, incluindo
reconstrução de filogenias, estudos ecológicos, farmacológicos etc (vide Capítulo 23).
Daí surge a importância fundamental das atividades taxonômicas básicas como
trabalhos de campo, estudos florísticos, descrições de espécies e revisões taxonômicas.
É importante salientar que o aprimoramento da Sistemática Filogenética depende de
identificações corretas e a base científica estabelecida pelos passos iniciais da
Sistemática e Taxonomia se mantém extremamente importantes para que a classificação
dos seres vivos mantenha esta eficiência. Com a disponibilização de diferentes
ferramentas na biologia molecular, os trabalhos de base como floras, flórulas, estudos
morfológicos e estruturais, descrições e monografias têm recebido menos atenção por
grande parte dos sistematas, e filogenias inteiras baseadas em dados moleculares têm
ganhado grande destaque e atraído mais pesquisadores. Análises robustas e que possam
refletir a história evolutiva dos organismos devem contar com um número grande de
dados, que vão desde a identificação e descrições corretas dos organismos à
disponibilidade de dados morfológicos, anatômicos, palinológicos, entre tantos outros.
Autores como Quentin D. Wheeler têm chamado a atenção à importância da renovação
da Sistemática Vegetal, apontando que a atualização desta ciência é extremamente
necessária, bem como a utilização de dados de base combinadas aos dados e análises
modernas.
Assim, a nova geração de taxonomistas deve ser composta de cientistas de
campo e laboratório capazes de integrar taxonomia clássica como eixo central da
Sistemática e as diferentes ferramentas disponíveis atualmente. Além disso, dada a
enorme bagagem necessária para desenvolver estudos dessa natureza, torna-se cada vez
mais relevante o estabelecimento de parcerias entre pesquisadores de diferentes áreas.
137
Como exposto anteriormente, a busca por classificações mais robustas requer
que estudos taxonômicos clássicos e obtenção de filogenias sejam esforços cada vez
mais interdependentes. Neste contexto, os trabalhos taxonômicos clássicos ganham
importância cada vez maior também em outros âmbitos do conhecimento sobre a
biodiversidade. A identificação de espécies e sua descrição geram informações
essenciais sobre os organismos, que em interação com outros conhecimentos
(evolutivos, biogeográficos, classificativos), geram informações sobre o status de
conservação das espécies. Todas essas informações permitem, por exemplo, elaborar e
implementar planos de manejo mais adequados a cada ambiente. Assim, apesar da
crescente e inegável importância dos métodos filogenéticos, computacionais e a
multidisciplinaridade da sistemática atual, em última instância, é apenas depois de
descrita que uma espécie nova fica disponível ao conhecimento do ser humano. Sendo
assim, essa primeira etapa é crucial para que todo o restante possa ser desenvolvido.
Novas espécies são ainda descritas regularmente e estudos indicam que o
número de publicações contendo espécies novas aumentou desde meados da década de
1980. Além disso, sabe-se que muitas espécies ainda encontram-se em herbários e/ou na
natureza desconhecidas. Ainda não se sabe ao certo quantas espécies de plantas existem
no planeta (há diversas estimativas, com números bastante variáveis), mas estima-se que
sejam ainda desconhecidos cerca de 10% a 20% da flora. Esse cenário, associado ao
contexto atual de mudanças climáticas globais, ressalta ainda mais a importância de
trabalhos taxonômicos como descrições e inventários florísticos.
138
listas de plantas vasculares, comuns em artigos e em relatórios ambientais. Atualmente,
as floras e outros trabalhos taxonômicos são mais relevantes do que foram no passado.
Isso ocorre principalmente porque a legislação referente à conservação ocorre em escala
nacional e as floras são a base para a compreensão da diversidade de uma dada área.
Monografias são parecidas com as floras, pois também descrevem espécies,
mas são feitos de forma mais completa, incluindo o máximo de informação disponível,
como por exemplo, a biologia, ecologia e distribuição geral do grupo em questão. Além
disso, as monografias diferem também por apresentarem resultados mais abrangentes
relacionados à pesquisa do autor, como novidades taxonômicas (novidades
nomenclaturais, espécies novas, etc.). São, em geral, trabalhos bastante volumosos e que
demandam bastante tempo e esforço para serem concluídos.
Uma sinopse é um trabalho taxonômico mais conciso, onde são apresentados de
forma resumida conhecimentos sobre os grupos em questão (morfologia, ecologia,
classificação). São trabalhos focados na identificação de espécies e geralmente incluem
uma chave de identificação e ilustrações.
Apesar de cada trabalho taxonômico ter um foco diferente, todos utilizam uma
mesma ferramenta fundamental: o conceito de espécie. Discussões acerca de o que é
espécie sempre geraram grande interesse e muitas discussões, sendo incontáveis as
publicações a esse respeito. As diferentes visões sobre o que é uma espécie sempre
lidaram, em algum nível, com as diferenças e semelhanças entre os organismos
dependendo do que é convencional, seja por meio social ou definido por estudiosos ou
especialistas de um grupo.
Dentre os inúmeros conceitos de espécie já publicados (Rieseberg & Brouillet
1994, De Queiroz 2007), os três mais comumente empregados em trabalhos
taxonômicos são os conceitos biológico, filogenético e taxonômico. Os dois primeiros
conceitos são mais utilizados quando os grupos taxonômicos estudados possuem vários
outros trabalhos que auxiliam na sua melhor classificação. Já o conceito taxonômico de
espécie, que é baseado no menor conjunto de características persistentes que as tornam
distinguíveis dentre as outras, é geralmente utilizado em grupos com poucos estudos,
onde as descrições são bem sucintas e/ou carecem de alguma informação. Entretanto,
apesar dessa importância inegável, ainda são poucos os trabalhos taxonômicos que
explicitam o conceito de espécie adotado e essa falta pode gerar mais divergências e
dificuldade de compreensão do que são os táxons, dado o caráter subjetivo que esse
tema possui.
139
Outro problema frequente em trabalhos de taxonomia é a falta de detalhamento
e/ou padronização nas descrições. Nesse aspecto, os trabalhos atuais têm seguido
padrões para descrições de espécies, seguindo dicionários botânicos e artigos de
caracterização estrutural. Alguns dicionários botânicos exibem terninologia para todas
as estruturas, tanto vegetativas quanto florais, que são utilizados amplamente nos
diferentes grupos vegetais. Entretanto, existem trabalhos similares, porém mais
específicos, que apresentam certas estruturas e/ou complexibilidades não observadas em
obras mais abrangentes. Atreladas às descrições, as ilustrações das espécies (vide
Capítulo 13) são de grande importância, pois representam visualmente todos os termos
utilizados, diminuindo dúvidas quanto às estruturas da planta.
Portanto, trabalhos taxonômicos são tarefas complexas e dependem
essencialmente de um grande esforço de levantamento de dados e envolvem diversas
etapas que devem ser executadas sempre com rigor na padronização, precisão e
detalhamento (p. ex.: descrições, ilustrações) além da escolha e explicitação de um
conceito de espécie que reflita todo o conhecimento obtido, proporcionando uma melhor
compreensão do trabalho.
Taxonomia na atualidade
A taxonomia é uma ciência que remonta à Antiguidade humana, mas foi
operacionalizada e formalizada no século XVIII, com a publicação do Systema Naturae
pelo botânico sueco Carolus Linnaeus. Considerado o pai da taxonomia, o sistema
proposto por Linnaeus é empregado até os dias de hoje.
140
No entanto, ao longo do tempo, principalmente a partir da década de 80, a
taxonomia foi sendo pouco a pouco desvalorizada sob a justificativa de que essa se
dedica “somente” à descrição de espécies. Este cenário é decorrente de diversos fatores,
sendo os principais: a valorização de pesquisas experimentais, e consequentemente
menos incentivo à ciência descritiva, o argumento de que não há testes de hipóteses em
taxonomia e também ao status associado ás novas metodologias, consideradas mais
modernas. A taxonomia é, em sua essência, um trabalho descritivo que busca
caracterizar a diversidade biológica, e nem por isso pode ser menosprezada diante de
outras áreas do conhecimento humano. Além disso, cada espécie constitui uma hipótese
evolutiva inequívoca, estabelecida pelos taxonomistas a partir da análise criteriosa dos
atributos do grupo de estudo. Desta forma, os argumentos que embasam algumas
justificativas de menor valorização da taxonomia não se sustentam e basicamente
demonstram o desconhecimento das bases desta Ciência.
141
Estratégia Global para a Conservação de Plantas (GSPC-CDB) consiste na elaboração
de listas de espécies (checklists) confiáveis, preferencialmente on-line, de todas as
espécies conhecidas de plantas. O objetivo final desta meta é a elaboração de uma Flora
do Mundo, on-line e multilíngue. No final de 2010, a primeira meta foi cumprida em
nível mundial com o lançamento do “The Plant List”, graças à colaboração entre o
Missouri Botanical Garden, EUA e o Royal Botanic Gardens, Kew, Reino Unido. Em
setembro de 2013, com a colaboração de outras instituições ao redor do mundo, foi
lançada uma versão atualizada do site, visando sintetizar todo o conhecimento
taxonômico sobre plantas vasculares e briófitas (não abordando algas e fungos). O The
Plant List apresenta uma lista com grande parte dos nomes científicos conhecidos,
juntamente com links para os nomes sinônimos com os quais cada espécie já foi
nomeada. Uma outra iniciativa bastante importante foi o eMonocot, lançado também em
2010. O projeto foi coordenado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, e teve como objetivo
inventariar as monocotiledôneas. O eMonocot foi um dos primeiros sites a apresentar
chaves interativas para a identificação de táxons, imagens de campo, dados sobre forma
de vida, descrições, status de conversação, etc. Assim como foi a Lista do Brasil, e
continua sendo a Flora do Brasil On-line 2020, o eMonocot é constantemente
atualizado. E ele hoje é uma ferramenta essencial para o trabalho de especialistas em
monocotiledôneas ao redor do mundo.
Em âmbito nacional, o Brasil tem cumprido com louvor as metas propostas pela
GSPC-CDB. Também em 2010, nós lançamos a primeira versão da Lista de Espécies da
Flora do Brasil, um projeto coordenado pelo Intituto de Pesquisas Jardim Botânico do
Rio de Janeiro (JBRJ), com a coloboração de mais de 300 taxonomistas brasileiros e
estrangeiros. Assim como o The Plant List, a Lista do Brasil se propunha a proporcionar
uma lista de espécies vegetais aceitas e seus referentes sinônimos. Mas diferente do
primeiro, a Lista do Brasil abrangia, além das plantas vasculares e briófitas, algas e
fungos e apresentava a distribuição geográfica desses táxons. A cada ano, uma nova
versão da Lista do Brasil era lançada, somando novidades como: detalhes sobre forma
de vida, substrato, fotos de exsicatas e fotos de campo. Na última versão da Lista do
Brasil, lançada em 2015, o sistema contava com a colaboração de cerca de 500
taxonomistas e apresentava um total de 46078 espécies aceitas para o território
brasileiro. De forma bastante orgânica foi possível acompanhar a evolução de um
checklist em uma flórula. No começo de 2016 foi lançado o novo sistema da segunda
etapa do projeto, a Flora do Brasil On-line 2020 (FBO 2020). No novo sistema, os
142
taxonomistas são capazes de apresentar descrições, chaves de identificação, comentários
e todos os outros requisitos para uma verdadeira flora. Tudo apresentado de forma
trilíngue (Português, Inglês e Espanhol) e bastante dinâmica. O sistema já se encontra
on-line e à medida que as monografias são concluídas, elas se tornam disponíveis ao
público.
Outra ferramenta clássica da taxonomia que se adaptou às últimas tecnologias
foi à chave de identificação. Como já comentado, algumas páginas da internet têm
disponibilizado essas ferramentas para auxiliar na identificação de vários níveis
taxonômicos. Existem algumas iniciativas importantes na botânica mundial, em relação
a chaves virtuais. Uma das primeiras chaves virtuais foi disponibilizada na página
Neotropikey. O site coordenado e compilado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, contou
com a colaboração de especialistas do mundo todo, especialmente de brasileiros. O
Neotropkey apresenta uma chave interativa para as famílias de Angiospermas da Região
Neotropical e uma página individual para cada uma das famílias. Cada página faz uma
breve sinopse sobre o grupo, listando os gêneros registrados para a Região Neotropical
e como diferenciá-los. Outro excelente exemplo desse tipo é o CATE-Araceae, que
primeiramente apresentou uma chave de identificação para todos os gêneros de Araceae
(Monocotiledôneas, Alismatales), além de listagem de espécies, seus sinônimos e dados
de distribuição. O site, gerenciado pelo Dr. Thomas Croat, é constantemente atualizado
com fotos e todo tipo de dados sobre espécies da família. E agora com o grande acervo
digital, especialmente de fotos, começou a produzir chaves de identificação ilustradas
para todos os gêneros de Araceae. Páginas voltadas para grupos específicos têm se
tornado cada vez mais comuns, com sites para Araceae, Caricaceae, Lecythidaceae,
Malpighiaceae, etc.
Além das páginas voltadas para grupos específicos, checklists, floras e chaves
virtuais, praticamente tudo relacionado à taxonomia pode ser encontrado on-line hoje
em dia. Índices e bibliotecas inteiros estão hoje disponíveis na internet e são
constantemente atualizados. Exemplos marcantes de sites que se tornaram ferramentas
diárias do taxonomista moderno são: o Tropicos, que apresenta informações sobre
nomes aceitos, sinônimos, imagens, dados de distribuição, tipificação, obras originais,
entre muitas outras; o Index Herbariorum, gerenciado pela Barbara Thiers, que reúne
todos os herbários registrados ao redor do mundo, seus curadores, contatos e inúmeras
informações sobre as coleções; o Biodiversity Heritage Library (BHL) e o
Botanicus.org, que são duas bibliotecas on-line que reúnem inúmeras obras e
143
publicações, antigas e modernas. É cada vez mais comum os herbários terem suas
coleções inteiras digitalizadas e fotografadas, auxiliando enormemente o trabalho dos
taxonomistas. Páginas como o JABOT e o speciesLink se tornaram essenciais para a
realização de qualquer trabalho de fundo taxonômico hoje em dia. Além disso, duas
publicações essenciais em trabalhos nomenclaturais e revisões taxonômicas também se
encontram digitalizados. Atualmente, é possível acessar toda a coleção da obra de
Stafleu & Cowan, Taxonomic Literature, e inúmeras versões do Código Internacional
de Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas. No caso do Código, o site é de fácil
navegação, com links para partes importantes e a possibilidade de procurar por termos
específicos ao longo de toda a obra.
Parte desse enorme processo de informatização, além de bibliografias e
publicações, a digitalização de coleções é talvez uma das mais marcantes novidades
taxonômicas da modernidade. Inúmeros herbários mundo a fora tem hoje pelo menos
parte de suas coleções fotografadas em alta qualidade e com dados de etiqueta
transcritos. O JSTOR Plants funciona como uma enorme base de dados de todo o tipo
de material científico e artístico. Dentro desta vasta coleção encontramos periódicos
científicos e materiais-tipo de espécies, depositados em vários herbários ao redor do
mundo. A ideia do projeto do JSTOR Plants é tornar acessível para taxonomistas do
mundo todo, os materiais-tipo dos grupos que eles trabalham. Deste modo, o projeto
facilita o trabalho dos taxonomistas e evita o manuseio excessivo desses materiais.
Entretanto, a empreitada mais icônica de digitalização de coleções é nacional. O Projeto
REFLORA, coordenado pelo JBRJ, tem como principal objetivo informatizar e
digitalizar coleções de herbários brasileiros. Uma vez fotografados e informatizados,
esses materiais são incluídos na base de dados do Herbário Virtual REFLORA (HV),
podendo ser acessados por qualquer taxonomista. A segunda e mais ousada etapa do
REFLORA é o processo de repatriamento de espécimes da flora brasileira. Essa etapa é
feita com base em parcerias entre o Brasil e coleções situadas em diversos países, como
os Estados Unidos, França, Inglaterra etc. Nestas coleções todos os espécimes coletados
em território brasileiro são fotografados e posteriormente tem os seus dados de etiqueta
capturados por uma segunda equipe, situada no JBRJ. Assim, como os espécimes dos
herbários brasileiros, os espécimes de herbários internacionais passam a integrar o
Herbário Virtual, assim como o herbário digital de sua instituição original. Além de ser
essencial para taxonomistas brasileiros em geral, essa etapa do REFLORA possibilita
alunos de doutorado e pós-doutorado a viajarem para o exterior e desenvolverem seus
144
projetos de tese. Os bolsistas selecionados trabalham meio expediente como membros
do projeto e a outra metade do expediente é livre para o desenvolvimento de seus
projetos.
Com todas essas ferramentas e facilidades da taxonomia moderna, é possível
fazer grande parte de um trabalho taxonômico remotamente, a partir de um computador.
Essas ferramentas complementam e facilitam grandemente o trabalho dos taxonomistas,
permitindo uma maior agilidade científica e um considerável aumento na acessibilidade
a essas publicações e todo tipo de conhecimento científico. Além disso, elas facilitam a
realização de trabalhos de base, essenciais para o desenvolvimento de todos os trabalhos
de ponta. Como já tratado neste capítulo e em inúmeros trabalhos sobre a valorização da
taxonomia, floras e coleções científicas, sem esses trabalhos e sem os taxonomistas, não
é possível conhecer, preservar, nem explorar o infinito potencial da nossa
biodiversidade. A taxonomia é essencial para a construção do conhecimento científico,
emergindo hoje em novos formatos e abordagens. A taxonomia hoje não é e não deve
ser considerada uma ciência estática, mas sim uma área extremamente dinâmica, que
sempre acompanha as inovações de nossa era.
145
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149
Anotações:
150
PARTE II
ENSINO DE BOTÂNICA
151
CAPÍTULO XI
1. Introdução
Atualmente, a importância de discutir a formação de um professor é consenso
entre os pesquisadores da área da Educação, não apenas em relação à quantidade e a
qualidade de informações sobre o assunto a ser ensinado, mas também sobre o
conhecimento metodológico e o processo de autorreflexão da prática docente. Isso
porque sabemos que quando tal formação é negligenciada, os professores conservam as
formas de ensino tradicionais, ou seja, tendem a reproduzir o que experimentaram
durante a própria escolarização. Essas formas de ensino são focadas na memorização de
conceitos e criam uma distância entre o que se espera, atualmente, do processo de
ensino-aprendizagem: o desenvolvimento de competências e habilidades capazes de
proporcionarem o desenvolvimento do pensamento crítico do cidadão frente às
demandas que surgem em sua vida cotidiana, além da construção de conhecimentos
conceituais, procedimentais e atitudinais.
A profissão de professor se diferencia das demais pela experiência prévia que
este possui no ambiente escolar: ainda enquanto aluno do ensino básico, o futuro
docente participa da vivência educativa na escola. Dessa maneira, esse contato prévio
com o ofício faz com que esse futuro educador crie um pré-julgamento sobre a profissão
antes mesmo de se especializar nessa área. Esse julgamento, no entanto, não se restringe
aos futuros docentes: os cidadãos, de uma forma geral, também o realizam já que,
devido ao fato de experenciarem a vivência escolar enquanto alunos sentem-se aptos a
opinar, criticar e exercer a função de professor sem nenhum estudo mais sistematizado e
aprofundado sobre o ensino. Outra concepção equivocada sobre a profissão docente é
que, diferentemente das demais, ela, muitas vezes, está associada a um “dom” que
proporciona a falsa impressão de que apenas algumas pessoas têm a capacidade de
exercê-la. As consequências disso são a associação da figura do professor a uma espécie
de sacerdócio, sendo a recompensa de seu trabalho o próprio ato de ensinar,
contribuindo, dessa forma para a desvalorização do ofício.
152
Partindo-se dessas considerações, no presente capítulo abordaremos as ideias de
alguns autores que tentaram elucidar e discutir aspectos da formação docente: Maurice
Tardiff, Lee Shulman e Donald Shön, os quais apresentaram em seus trabalhos a ideia
de que existem conhecimentos exclusivos dos profissionais do ensino. Cabe destacar, no
entanto, que perguntas como “quais seriam esses conhecimentos” e “como se
desenvolvem” não respondidas de maneira consensual entre os três. Além disso,
partindo-se da perspectiva de Shulman (cuja obra representa, atualmente, o principal
referencial teórico do Grupo de Pesquisa Botânica na Educação do Departamento de
Botânica do IBUSP), abordaremos algumas dificuldades encontradas para o atual ensino
de Botânica nas escolas.
2. Formação Docente
Há muito tempo, tenta-se entender o que é ser um “bom professor” para que, a
partir disso, se possa pensar em maneiras adequadas para se formá-los. Sabe-se que,
como qualquer profissional, os docentes apresentam características que são exclusivas
de sua prática, sendo que os autores citados anteriormente (Tardif, Shulman e Shön) são
importantes referências utilizadas nas pesquisas relacionadas ao ensino de Ciências
contemporâneo. Neste contexto, nos parágrafos seguintes abordaremos, com maior
profundidade, algumas das ideias defendidas por esses pesquisadores.
153
resultados da aula, por exemplo). Por fim, sobre a terceira, Schön comenta que a
reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação abarca os motivos que levaram o docente a escolher
uma ou outra prática educativa. Neste contexto, pode-se dizer que para o pesquisador, a
formação de um professor reflexivo se dá em três momentos: 1) por meio das tentativas
do docente em solucionar os conflitos oriundos de sua prática educativa; 2) por meio da
reflexão deste sobre sua prática (ou “ação”) no momento em que esta acontece; e, por
fim 3) após a prática, por meio de sua reflexão sobre sua reflexão de ação.
Outras ideias defendidas por Shön dizem respeito ao fato de a formação do
educador estar intimamente ligada a sua prática e a uma característica desses
profissionais denominada por ele de “Artistry”. Sobre esta, o pesquisador a define como
a capacidade de delimitar um problema e aplicar uma solução improvisando as relações
entre a prática e a teoria ou entre a ciência e a técnica. Logo, um professor reflexivo
estaria em um patamar de Artistry que o permitiria articular suas aulas com o domínio
do conhecimento, o domínio dos propósitos do conhecimento. Cabe dizer que mais
importante para Shön foi estabelecer como se formam os profissionais reflexivos e,
principalmente, como desenvolver o Artistry destes. Dessa forma, o autor afirma que o
papel do formador de professores é similar ao de um “coach”, sendo que tal termo para
os estudiosos dessa linha de pesquisa não pode ser traduzido meramente como
“treinador” ou “técnico”, pois o primeiro assume, parcialmente, os dois papéis. Neste
cenário, o formador deve atuar sobre os problemas aparentes que os professores trazem
de suas práticas (reais ou simuladas) e ajudá-los a desconstruí-los até encontrarem um
problema real. Por fim, cabe ao “coach” auxiliar o docente na escolha de estratégias que
possam solucionar esse problema real como, por exemplo, o que é ilustrado pelo trecho
a seguir:
154
alunos não haviam entendido os conceitos relacionados ao tema
Fotossíntese (isso pode ser considerado ainda como um problema
aparente segundo Shön). Neste contexto, o formador realiza novas
perguntas como, por exemplo, quais são as concepções dos alunos sobre a
fotossíntese ou sobre a nutrição das plantas. Diante disso, o professor, em
um segundo momento, retoma o assunto com sua classe percebendo que,
na verdade, seus alunos acreditavam que as plantas se alimentavam pela
raiz (o que ainda pode ser considerado como um problema aparente
segundo Shön). Dessa forma, de volta ao curso de formação, o docente
reporta esse problema para o formador, que novamente lhe pergunta o
que os alunos entendiam por “alimentar-se”. Neste exercício, o professor
percebe que os discentes faziam uma correlação direta entre a nutrição da
planta e a nutrição de animais (problema real, segundo Shön). Logo, o
formador pede para os demais professores participantes do curso
elaborarem um exercício que compare a nutrição de uma planta a de um
ser humano, sendo que o docente vai comentando sobre a realidade de
seus alunos. Ao final desse processo, todos apresentam uma estratégia
aplicável e capaz de auxiliar esse professor.
155
ensino formal, durante a formação do educador, ou por meio de experiências práticas,
durante a vida profissional do docente ao longo dos anos. Para Tardiff, cada profissão
demanda um saber específico que auxilia o profissional a desenvolver melhor sua
prática. Tal saber, no entanto, não é compartilhado com outras pessoas que não praticam
a mesma profissão. Logo, para o pesquisador os saberes são plurais e heterogêneos em
três sentidos, pois eles:
156
são selecionados pela instituição onde o professor leciona, ou seja, está
relacionado à aplicação dos programas de ensino estipulados pela escola.
-Saberes experienciais: obtidos por meio da prática do próprio
professor, como um “saber-fazer”. Estes saberes são desenvolvidos e validados
na própria prática educativa sendo incorporados à experiência do docente,
modificando seus hábitos e suas habilidades.
Por fim, para concluir, pode-se dizer que Tardiff aborda, de forma abrangente,
os saberes docentes: para o autor, um professor com saberes bem desenvolvidos seria
capaz de ensinar em qualquer situação. Isso, em partes, o difere do próximo pesquisador
que abordaremos no presente texto: Lee Schulman, o qual foca suas ideias em situações
de ensino mais particulares. Maiores detalhes sobre esse autor serão apresentados no
seguinte tópico.
157
forma particular do conhecimento do conteúdo que incorpora os aspectos mais
pertinentes do conteúdo no seu potencial para ser ensinado”.
- Conhecimento do Conteúdo
- Conhecimento Pedagógico Geral
- Conhecimento Curricular
- Conhecimento Pedagógico do Conteúdo
- Conhecimento dos Aprendizes e suas Características
- Conhecimento do Contexto Educativo
- Conhecimento dos Fins, Propósitos e Valores Educacionais e suas
Bases Filosóficas e Históricas
158
Figura 1. Modelo de Conhecimentos Base segundo Grossman e colaboradores (GOES, 2014).
159
formação inicial, por exemplo, pode auxiliar na estruturação desses últimos, tornando-
os mais adequados às atuais demandas educacionais. Por fim, vale dizer que as
pesquisas sobre as características e especificidades da profissão docente (Artistry,
Saberes docentes e Conhecimentos Base), muitas vezes, utilizam abordagens
qualitativas. Nesses casos, as conclusões, apesar de serem específicas da situação
estudada, podem promover aproximações mais gerais quando vários estudos
semelhantes são realizados em diferentes contextos.
Para concluir, vale dizer que dentro da área de formação de professores, o grupo
Botânica na Educação (BOTED) desenvolve uma linha de investigação relacionada à
formação de educadores de Biologia. Os estudos são focados em abordagens de temas
relacionados à Botânica e ao seu ensino, sendo que, atualmente, o grupo tem realizado
pesquisas sobre o PCK de professores para ensinarem conteúdos da Botânica. Dessa
maneira, no tópico a seguir, faremos algumas aproximações entre essa área de ensino e
o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK), abordado anteriormente neste texto.
160
temas, ou seja, a desassociação dos conteúdos disciplinares com o contexto sócio-
histórico-cultural do estudante. Uma das consequências desse processo é o fato de a
Botânica nas escolas ser, geralmente, associada à memorização, conteúdos complicados,
fazendo com que estudantes (e, até mesmo, professores) não encontrem sentido para a
aprendizagem dos assuntos relacionados a essa temática. Esse tipo de abordagem, que
não considera o aluno e seu contexto está associada ao segundo desafio enfrentado pela
área: a reprodução de um ensino tradicional e memorístico. Esse tipo de ensino, em
nossa visão, acentua a desmotivação dos estudantes (e dos docentes) para a
aprendizagem da temática, ocasionando o aprofundamento do terceiro desafio aqui
abordado: a Cegueira Botânica. Esta se refere ao fato de, muitas vezes, as pessoas
enxergarem as plantas apenas como parte da paisagem, esquecendo-se, inclusive, de que
elas são seres vivos. Possivelmente, existem duas causas para esse fenômeno: a primeira
está relacionada à tendência de se usar exemplos com animais (ao invés de plantas) nos
livros didáticos e nas aulas de Biologia (zoocentrismo). A segunda causa, por sua vez,
tem relação com o fato de os seres humanos terem sido evolutivamente selecionados
para perceber mais animais do que plantas, o que estaria associado a maiores chances de
sobrevivência aos predadores em épocas mais remotas, segundo alguns estudos. Logo, a
somatória de todos os problemas citados anteriormente resulta no analfabetismo
botânico, o qual diz respeito ao pouco conhecimento das pessoas sobre os vegetais de
uma forma geral.
Partindo-se dessas considerações, como formas de superar os desafios elencados
no parágrafo anterior têm-se: no caso da descontextualização, pode-se dizer que uma
das formas de se contornar tal problema poderia ser auxiliando o professor a aprimorar
seu conhecimento de contexto (conforme definido por Shulman). Além disso, auxiliá-lo
na busca de sentido para se ensinar temas relacionados aos vegetais (que é parte
integrante do PCK de qualquer assunto de Botânica) também pode ser uma maneira
interessante. Como a descontextualização também está relacionada ao pouco contato
com as plantas, assim como ao baixo uso da vegetação local como recursos para a
situação de ensino, o conhecimento do conteúdo (assim como o conhecimento
pedagógico) também deve ser aprimorado durante a formação do educador como uma
possível estratégia para a superação desse desafio.
Sobre a escolha de estratégias didáticas mais tradicionais (como aulas teóricas e
extensamente expositivas), possivelmente tal desafio pode estar associado ao baixo
conhecimento pedagógico, assim como à falta de relação entre este e o conteúdo a ser
161
ensinado. Logo, é interessante que, durante a sua formação, o licenciando tenha
oportunidades de aprimorar esses conhecimentos. Caso contrário, corre-se o risco desse
futuro educador reproduzir apenas estratégias didáticas com as quais se encontra mais
habituado, ou seja, aulas teóricas e demonstrativas, por exemplo. Novamente, acredita-
se que o desenvolvimento do PCK pode ser uma estratégia para criar essas conexões: o
desenvolvimento deste, por sua vez, pode ser realizado tanto por meio de simulações de
aulas (em que os licenciandos são incentivados a preparar materiais e aulas para o
ensino de determinado tema) ou pela própria observação de um professor mais
experiente durante sua prática educativa na escola.
Sobre a Cegueira Botânica, é necessário que o professor encontre formas de se
combatê-la. Dessa maneira, em nossa visão, um ensino contextualizado e
problematizador pode contribuir nesse sentido. Logo, um caminho possível seria a
maior inserção de vegetais nas aulas, seja como exemplos ilustrativos de alguns
conteúdos, seja em aulas práticas, dentre outras.
Por fim, buscando-se soluções capazes de amenizar os problemas elencados
anteriormente, possivelmente estaríamos reduzindo os índices de analfabetismo
botânico, tão comuns na sociedade contemporânea. Em nossa visão, isso poderia
aumentar a sensibilização das pessoas para as causas ambientais, contribuindo para o
aprimoramento de atitudes relacionadas à preservação e conservação ambiental.
4. Conclusão
Os desafios do ensino de Botânica, apontados anteriormente no presente texto,
podem estar relacionados a algumas lacunas encontradas durante a formação do
docente. Logo, acreditamos que aprimorar a qualidade dessa formação, seja inicial ou
continuada, é essencial para que o processo de ensino-aprendizagem se torne mais
significativo para os alunos nas escolas. Dessa maneira, pesquisas sobre o ensino de
Botânica, assim como aquelas relacionadas à formação dos profissionais que atuarão
nessa área, podem auxiliar no desenvolvimento de abordagens sobre a temática o que,
possivelmente, amenizaria os desafios enfrentados pela área na atualidade.
5. Referências
Balas, B.; Momsen, J.L. (2014). Attention “blinks” Differently for Plants and Animals.
Life Sciences Education, 13, 437–443.
162
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campo da Educação e no Ensino de Química. Universidade de São Paulo.
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Anefalos, L.C.; Guilhoto, J.J.M. (2003). Estrutura do mercado brasileiro de flores e
plantas ornamentais. Agricultura em São Paulo 50: 41-63.
163
Anotações:
164
CAPÍTULO XII
Educação Ambiental e o Projeto Ecossistemas
Costeiros
Sabrina Gonçalves Raimundo
Mariana Sousa Melo
Camila Lopes Lira
1- Introdução
Nós ocupamos hoje todas as regiões do planeta, somos então cosmopolitas. Há
cerca de 200 mil anos surgiram os humanos modernos no continente Africano,
atingindo o atual comportamento e anatomia há cerca de 50 mil anos. Quando surgimos,
o Planeta Terra já conhecia diversos outros organismos como plantas, répteis, aves,
mamíferos, fungos e bactérias que aqui já habitavam há milhares de anos antes de nós.
Uma característica de nossa espécie é o desejo de entender e influenciar o ambiente à
nossa volta, procurando explicar e manipular os fenômenos naturais através da filosofia,
artes, ciências, mitologia e da religião. E, embora sejamos parte da natureza como um
todo, temos atuado sobre ela de forma demasiadamente predatória, causando
expressivos impactos em diversas escalas ambientais.
Enfrentamos hoje uma crise ambiental que se originou com atividades humanas
como: Exploração descomunal dos recursos naturais, no alto consumo, na contaminação
e poluição causados pela expansão urbana desordenada, entre outros. A atual situação é
preocupante, se intensificando ainda mais se considerarmos o desconhecimento que
temos dos limites e da complexidade existente da inter-relação entre os sistemas e suas
capacidades, seus elementos e sua resiliência, bem como escala de interação com outros
sistemas. Assim, enfrentamos um cenário alarmante, vendo as florestas, os solos, o ar,
os rios e a biodiversidade em pleno declínio. Em contrapartida, nunca antes se falou
tanto em preservação, conservação e sustentabilidade. Estamos vivendo o que a ex
ministra do meio ambiente Marina Silva chamou de década da educação ambiental e da
sustentabilidade.
A partir desta realidade, as últimas décadas foram marcadas por discussões
internacionais que motivaram e ajudaram a consolidar o conceito de Educação
Ambiental e o da Sustentabilidade em diversas partes do mundo. A partir de
conferências como a de Estocolmo nos anos 70 e Rio92, houve favorecimento do
165
desenvolvimento de um cenário de aprovação consensual entre praticamente todos os
países do mundo a respeito de seus papéis político, social, econômico bem como o
papel individual dos cidadãos em prol do meio ambiente. Entretanto, diversos
problemas de interpretação dos conceitos ambientais surgiram ao longo das últimas
décadas.
166
de alternativas para a redução de impactos ambientais e para o controle social do uso
dos recursos naturais. No entanto, ainda se trata de um campo de estudos e de práticas
recente.
A Educação Ambiental (EA) quanto nicho vem como resposta aos diversos
problemas ambientais, e mais atualmente também sociais. Por esse motivo,
compreender os acontecimentos históricos das diversas épocas, antes, durante a sua
formação e depois desta, se faz necessário para o entendimento da constante evolução
da EA e de sua relevância para a sociedade como um todo tanto no Brasil quanto no
restante do mundo (Figura 1).
Figura 17. Histórico da Educação Ambiental no Brasil e no Mundo: Durante os anos 60 as discussões
sobre o impacto humano e a crise ambiental na qual estamos ainda inseridos se intensificaram, resultando
em uma série de ações internacionais que culminaram conferências importantes para definição de teorias
e práticas na área de educação em diversas escalas das décadas seguintes.
167
deflagraram e foram importantes para a EA. O próprio termo Educação Ambiental foi
cunhado pela primeira vez em 1965 durante a Conferência em Educação da
Universidade de Keele, na Grã - Bretanha. Três anos depois, trinta especialistas de
várias áreas se reunirem em Roma discutindo a crise na qual a humanidade estaria
inserida, formando o Clube de Roma e em 1972 produziriam o relatório "Os Limites do
Crescimento Econômico" (The Limits of Growth) que apontava o crescente consumo
mundial, o limite de crescimento, possível colapso e ações alternativas ao problema.
Tendo esses e outros acontecimentos como pano de fundo, em 1972 aconteceu a
primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida
pela Organização das Nações Unidas (ONU). A conferência aconteceu em Estocolmo,
na Suécia, e dela partiu a recomendação de que “O secretário-geral, os organismos do
sistema das Nações Unidas, em particular da organização Educacional, Científica e
Cultural das Nações Unidas (Unesco) e as demais instituições interessadas, após
consultarem-se e de comum acordo, adotem as disposições necessárias afim de
estabelecer um programa internacional de educação sobre o meio ambiente, de enfoque
interdisciplinar e com caráter escolar e extraescolar, que abarque todos os níveis de
ensino e se dirija ao público em geral, especialmente ao cidadão que vive nas zonas
rurais e urbanas, ao jovem e ao adulto indistintamente, como objetivo de ensinar-lhes
medidas simples que, dentro de suas possibilidades, possam tomar para ordenar e
controlar o meio ambiente”.
Essa conferência foi importante para o meio ambiente e para o fomento da EA, e
é considerada por muitos, como a responsável por inserir a educação ambiental na
agenda global. Assis (1991) documenta que em cumprimento à recomendação feita na
Conferência de Estocolmo, em 1975 a Unesco por meio do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lança o Programa Internacional de Educação
Ambiental (PIEA). Entre as atividades do PIEA, que contribuíram para uma
conscientização internacional sobre a educação ambiental, cabe destacar especialmente
uma série de reuniões internacionais e regionais, entre elas a Conferência
Intergovernamental de Tbilisi, na Geórgia, em 1977. Foi nesta conferência que se
considerou que embora as bases biológicas constituam um elemento fundamental e
natural do meio ambiente, as questões sociais, econômicas, culturais e os valores éticos
são dimensões importantes, devendo ser usados como instrumentos que nos façam
compreender e utilizar melhor os recursos da natureza, com o objetivo de satisfazer suas
necessidades.
168
Foi dessa conferência também (Tbilisi em 1977) que a EA foi definida como
uma “dimensão dada ao conteúdo e à prática de educação, orientada para a resolução
dos problemas concretos do meio ambiente, através de um enfoque interdisciplinar e de
uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade”. Ela
recomenda que a EA deva “dirigir-se a pessoas de todas as idades, a todos os níveis, na
educação formal e não formal. A EA devidamente entendida deveria constituir uma
educação permanente, geral, que reaja às mudanças que se reproduzam em um mundo
em rápida evolução”.
Durante os anos 80 houve muitas ações dispersas ao redor do mundo. No Brasil,
o então Presidente João Figueiredo sancionou a Lei n 6938/81, sobre a política nacional
do meio ambiente, nela constam os objetivos, instrumentos e diretrizes da política,
criando ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criando também o
Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em 1987, foi aprovado pelo
Ministério da Educação o parecer 226/87 que enfatiza a necessidade da inclusão da
Educação Ambiental nas propostas do currículo escolar. Em paralelo, o mundo também
discutia o conceito e a viabilidade do desenvolvimento sustentável, exemplo disso foi a
I Conferência sobre o Meio Ambiente da Câmara de Comércio Internacional, com o
objetivo de estabelecer formas de colocar em prática o conceito de “desenvolvimento
sustentado”, realizada em 1984 na Cidade de Versalhes.
Dez anos passados da Conferência de Tiblisi, aconteceu em Moscou o
“Congresso Internacional Unesco - PNUMA sobre a educação e a formação relativas ao
meio ambiente”. Dele resultou um documento denominado “Estratégia Internacional de
Ação em Matéria de Educação e Formação ambiental para o Decênio de 1990”.
Todos esses eventos culminaram em um marco para o desenvolvimento da
Educação Ambiental que se deu especialmente durante Conferência do Rio em 1992,
(popularizada como Rio-92). Ela teve como principal resultado um documento
conhecido como Agenda 21, no qual foi proposto um novo paradigma em relação ao
desenvolvimento econômico. Além disso, o documento promove o ensino como forma
de conscientização e treinamento profissional, formalizando a Carta Brasileira para
Educação Ambiental. Em paralelo, surgia o Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global como resultado do Fórum das
ONGs que acompanhavam a Rio-92 e, sintonizado ao tratado, surge o ProNEA –
Programa Nacional de Educação Ambiental, que o utiliza como diretriz e sendo de
grande importância para a realização da EA em todas as esferas do país.
169
O tratado valoriza o papel da educação como ferramenta de formação de
valores, transformação humana e social, capaz de promover conservação ambiental.
Deste modo, o documento retrata a EA como um processo dinâmico em permanente
construção e devendo, assim, propiciar reflexão, debate e sua própria modificação.
Assim, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (1992) tem como tópicos: os princípios da Educação para
Sociedade Sustentáveis e Responsabilidade Global, um Plano de Ação, um Sistema de
Coordenação, Monitoramento e Avaliação, além de apontar Grupos a serem envolvidos
nesta busca pela Educação Ambiental transformadora e os recursos a serem utilizados.
Para o Brasil, os frutos da Rio-92, juntamente ao Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis refletiram em resultados educacionais
posteriores importantes. Por exemplo, a portaria 773/93 do MEC que instituiu
permanentemente um Grupo de Trabalho para EA com objetivos de coordenar, apoiar,
acompanhar, avaliar e orientar as ações, metas e estratégias para a implementação da
EA nos sistemas de ensino em todos os níveis e modalidades. É importante ressaltar que
não somente a educação ambiental quanto nicho educacional que se promoveu na
década de 90, mas foi nesta mesma década, em 1996, que se estabeleceu a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/96). No entanto, na LDB
existem poucas menções à Educação Ambiental.
Contudo, foi promulgada em 1999 a Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999 que
institui a Política Nacional de Educação Ambiental e também houve a inserção do tema
de Meio Ambiente dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Este
documento coloca como objetivo central dessa temática a formação de cidadãos
conscientes aptos a decidir e atuar na realidade socioambiental. Para tanto, o PCN
entende para ser necessário que os educadores, mais do que informações e conceitos,
trabalhem com seus alunos atitudes e formação de valores. Portanto, têm por objetivo
auxiliar os educadores na reflexão sobre a prática diária em sala de aula e servir de
apoio ao planejamento de aulas e ao desenvolvimento do currículo da escola.
Assim, ao longo de todos esses anos, desde que se cunhou o termo “Educação
Ambiental”, houve muitas classificações e denominações explicitaram as concepções
que preencheram de sentido as práticas e reflexões pedagógicas relacionadas à questão
ambiental. A princípio todas elas partem da ideia de que o próprio conceito de educação
ambiental é em si uma adjetivação do substantivo "educação", colocando a ela um
atributo especial dado seu caráter ambiental, não enfatizado pela educação comum.
170
Deste modo, Educação Ambiental é o nome que historicamente se convencionou dar às
práticas educativas relacionadas à questão ambiental.
É igualmente importante definir que, para este trabalho reconhecemos como
essenciais as características e os princípios propostos pela Conferência de Tbilisi e
refinados pelo Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis, que resumido por Celso
Marcatto (2002), a EA é um processo:
Dinâmico integrativo e permanente no qual os indivíduos e a comunidade
tomam consciência do seu meio ambiente e adquiram o conhecimento, os
valores, as habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a
agir, individual e coletivamente e resolver os problemas ambientais.
Transformador: possibilita a aquisição de conhecimentos e habilidades capazes
de induzir mudanças de atitudes. Objetiva a construção de uma nova visão das
relações do ser humano com o seu meio e a adoção de novas posturas
individuais e coletivas em relação ao meio ambiente. A consolidação de novos
valores, conhecimentos, competências, habilidades e atitudes refletirão na
implantação de uma nova ordem ambientalmente sustentável.
Participativo: atua na sensibilização e na conscientização do cidadão,
estimulando-o a participar dos processos coletivos.
Abrangente: extrapola as atividades internas da escola tradicional, deve ser
oferecida continuamente em todas as fases do ensino formal, envolvendo a
família e toda a coletividade. A eficácia virá na medida em que sua abrangência
atingir a totalidade dos grupos sociais.
Globalizador: considera o ambiente em seus múltiplos aspectos: natural,
tecnológico, social, econômico, político, histórico, cultural, moral, ético e
estético. Deve atuar com visão ampla de alcance local, regional e global.
Permanente: tem um caráter permanente, pois a evolução do senso crítico e a
compreensão da complexidade dos aspectos que envolvem as questões ambientais
se dão de um modo crescente e contínuo, não se justificando sua interrupção.
Despertada a consciência, se ganha um aliado para a melhoria das condições de
vida do planeta.
Contextualizador: atua diretamente na realidade de cada comunidade, sem
perder de vista a sua dimensão planetária (baseado no documento Educação
171
Ambiental da Coordenação Ambiental do Ministério da Educação e Cultura, citado
por Czapski, 1998).
Transversal: propõe-se que as questões ambientais não sejam tratadas como uma
disciplina específica, mas sim que permeie os conteúdos, objetivos e orientações
didáticas em todas as disciplinas. A educação ambiental é um dos temas
transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação e
Cultura.
Como observado, o desenvolvimento da Educação Ambiental como teoria e
também sua prática tem como premissa discussões internacionais, tendo relevância no
processo de difusão e motivação de ações na área ambiental. No entanto, o assunto
ainda está longe de se esgotar e tem tido cada vez mais relevância.
172
usa “Caiaques” como instrumento de EA (Figura 2b) utilizando também o material
desenvolvido com cone e fundo de vidro para explorar os organismos do costão
rochoso. E para rechear ainda mais as opções de atividades terrestres, foi desenvolvido
o modelo “Trilha Vertical” (Figura 2e) promovendo a EA sob uma perspectiva um
pouco mais elevada através de uma agradável escalada.
a b
c d
e f
173
a atividade em trilha terrestre, com uma abordagem diferenciada, onde não só a
composição do ecossistema era abordada, mas sim conteúdos em torno de um tema
central, que nesse caso é um fenômeno: as Mudanças Climáticas Globais. Atualmente,
esse protocolo está direcionado principalmente a escolas (ensino fundamental II e
ensino médio) tendo como principal instrumento uma gincana inserida numa trilha
terrestre, com ações prévias e posteriores à visita em uma Unidade de Conservação.
Com esse protocolo, busca-se trabalhar conteúdos do currículo comum fora da
sala de aula e com quatro principais bases: outdoor learning (ensino fora da sala de
aula), fenomenologia (aprendizado através de fenômenos), Filosofia Ambiental
(respeito a natureza) e as principais bases da Educação Ambiental, entre elas a
Transdisciplinaridade (conforme descrito anteriormente). Dessa forma a atividade
principal é a “Trilha das Mudanças Climáticas Globais”, onde durante a caminhada, os
alunos participam de uma gincana (placas na trilha com pequenos desafios) que tem
como principal objetivo tratar de assuntos essenciais para o entendimento das Mudanças
Climáticas, como por exemplo, a Fotossíntese e o Ciclo do Carbono.
Nessa atividade procura-se trabalhar também aspectos como a autonomia, a
interatividade, a participação e a cooperação, sempre de forma holística e buscando
um processo continuado, que possa proporcionar ganhos afetivos e cognitivos aos
alunos, professores e monitores. Visando atingir o processo continuado (muito mais
efetivo), temos uma nova modalidade de protocolo onde se insere a “Trilha das
Mudanças Climáticas Globais”, que é dividido em 3 principais momentos:
2- Visita à Unidade de Conservação: Os alunos irão fazer uma visita à UC para que
através da realização da atividade, ocorra a consolidação desses conhecimentos obtidos
previamente em sala de aula.
174
melhores vídeos serão premiados com suas respectivas escolas e professores
responsáveis.
Figura 3. “Trilha das Mudanças Climáticas Globais”. Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros
175
4- Referências
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177
Anotações:
178
CAPÍTULO XIII
ILUSTRANDO UM PENSAMENTO:
VETORIZAÇÃO GRÁFICA APLICADA À
BOTÂNICA
Ricardo Silva Batista Vita
Carlos Eduardo Valério Raymundo
Introdução
Um animal pintado em uma parede pode ser uma travessura de criança (Figura
1A), uma pichação (Figura 1B) ou uma pintura pré-histórica em uma caverna (Figura
1C) e cada uma dessas imagens pode ilustrar um trabalho científico. A travessura de
criança poderia ilustrar uma pesquisa sobre a influência da arte no desenvolvimento
psicomotor em função dos estágios de desenvolvimento cognitivo. A pichação poderia
ilustrar um trabalho analisando a relação das mensagens subliminares das pichações
com fatores psicossomáticos dos pichadores. E certamente a pintura rupestre pode
ilustrar um trabalho arqueológico ou paleontológico relacionando pinturas e fósseis na
busca de pistas e respostas sobre animais extintos. É possível perceber que não podemos
menosprezar uma ilustração ou afirmar que ela não tem valor científico, pois tudo
depende da informação que pode ser obtida a partir desta.
Figura 1. Pintura de um eqüino gerada no Corel Photopaint. A) Simulação de uma pintura feita por uma
criança na parede de uma sala. B) Simulação de uma pichação em um muro de rua. C) Simulação de uma
pintura rupestre na parede de uma caverna.
179
Apesar de alguns autores considerarem que oficialmente a ilustração científica
teve início no século XVI, a partir do renascimento, um breve passeio pela história das
ilustrações no cotidiano da nossa espécie sugere que sempre houve a necessidade de
transmitir conhecimento através de imagens. Independente da utilização de uma
metodologia ou rigor científico na elaboração das ilustrações, ao longo da história das
civilizações, muitas destas imagens foram enriquecidas com informações científicas e
ilustram ou influenciam diversos estudos até os dias atuais.
Ilustrações rupestres, sumérias, babilônicas, persas, celtas, egípcias, medievais,
iluministas, enfim, muitas civilizações possuíam artistas e intelectuais que registravam
elementos e eventos naturais através de ilustrações e por muitos séculos foi a forma
mais representativa de materializar o processo de pensamento. Em uma caverna
europeia cuja pintura rupestre mostrava o contorno de um mamute com um coração
delineado no peito, já indicava a necessidade e utilidade de conhecer a anatomia do
animal e transmitir esse conhecimento para as próximas gerações. Nas pinturas egípcias
da antiguidade (1600 A.C.) já estavam representados procedimentos médicos e a
anatomia humana, ainda que bidimensionais. Hipócrates (460-370 A.C.) já representava
a anatomia de animais dissecados, mas foi na Alexandria Helênica que Herophilus
(335–280 A.C.) utilizou metodologia experimental em medicina para ilustrar a anatomia
do corpo humano.
A partir do renascimento a razão substitui a subjetividade e as ilustrações
científicas mais conhecidas são de Leonardo da Vince (1452 – 1519) que retratou
detalhes da Medicina, Mecânica, Zoologia e Botânica. Entretanto foi Andreas Vesalius
(1514 – 1564) que publicou um dos mais influentes trabalhos sobre a anatomia humana
intitulado De humani corporis fabrica, o qual foi produzido por praticantes de medicina
e artistas trabalhando juntos.
As ilustrações botânicas começaram a ser representadas em cavernas há pelo
menos 10.000 anos, entretanto os primeiros registros podem ser mais antigos (30.000
anos), uma vez que as pinturas rupestres são datadas à partir do carbono e os pigmentos
utilizados em algumas cavernas africanas não possuíam carbono em sua composição,
como mencionado no livro Termites of the Gods. As plantas também estavam presentes
na Antiguidade e Idade Média, sendo Theophrastus considerado o pai da botânica o qual
publicou dois livros: De historia plantarum e De causis plantarum. Pedanius
Dioscorides compilou o livro De Materia Medica em 1478, com cerca de 600 plantas
medicinais com ilustrações. Porém, foi no início da Idade Moderna que Carolus
180
Linnaeus (Carl von Linné / Caroli Linnæi) tornou notório o uso das ilustrações
botânicas com finalidade científica a partir do seu livro Systema Naturae em 1735.
Você seria capaz de ilustrar um simples copo de vidro contendo água? Essa
ilustração seria capaz de mostrar ao leitor que o copo é de vidro e o conteúdo é
realmente água, sem ler o texto? Parece simples, mas conhecer as propriedades físico-
químicas do vidro e da água não o torna capaz de produzir uma boa ilustração (Fig. 2),
isto requer conhecimento e habilidades artísticas. Portanto, se você não possui
habilidades artísticas é prudente procurar ajuda especializada.
Figura 2. Ilustração mostrando três técnicas de desenho para representar um copo de vidro contendo
água. O copo da esquerda é uma vetorização simples com número mínimo de linhas e preenchimento
sólido. O copo do centro é uma vetorização por rastreio de bitmap, uma ferramenta nativa do Corel Draw.
O copo da direita é um filtro fotográfico que simula a técnica do carvão, uma ferramenta nativa do Corel
Photopaint.
181
artificiais, seja da Biologia, Física, Medicina, Arqueologia, Geologia, etc., portanto não
é exagero afirmar que a relação entre ciência e arte impulsionou o progresso de ambas.
Essa união foi enaltecida por muitas décadas, onde a visibilidade de um dependia do
outro. Atualmente esta dependência diminuiu devido à facilidade de produzir uma
ilustração através da computação gráfica. Entretanto ainda hoje existem profissionais
em ilustração científica e cursos superiores para formação de ilustradores científicos. A
ilustração científica é uma forma de transpor a rigorosidade da informação científica
para além dos muros acadêmicos através da linguagem visual, com o propósito de
transmitir um conhecimento novo ou facilitar a compreensão de um conhecimento já
existente. São as imagens que direcionam o ambiente criado em nossa mente em torno
do assunto que estamos lendo, ajudando a entender conceitos e processos mais
complexos.
Uma boa ilustração é necessária quando não podemos registrar através de nenhum
dispositivo científico um objeto, um evento ou fenômeno, a exemplo de uma partícula
subatômica, uma via Biossintética ou alguma forma de vida já extinta. Atualmente
182
alguns jornais e revistas já exigem resumos gráficos que representem o núcleo do
trabalho, enquanto as agências financiadoras estrangeiras sugerem que os trabalhos
apresentem um componente de divulgação pública, ou seja, uma boa ilustração. O valor
artístico agregado à informação científica é inerente à exponencial difusão e adesão dos
bilhões de pessoas (aproximadamente 3,5 bilhões) conectadas à internet. Na World
Wide Web tudo acontece muito rápido e uma boa ilustração científica pode atrair
milhões de visualizações de um público cada vez mais diversificado.
Imagens x Textos
Uma imagem vale mais que mil palavras? Atribuída ao filósofo chinês Confúcio, a
frase é notória e diretamente relacionada ao fato de que a velocidade da percepção
visual é maior que a leitura de um texto. Por este motivo, do ponto de vista publicitário,
as imagens são mais eficazes por serem capazes de transmitir uma mensagem para o
maior número de pessoas em um menor intervalo de tempo. Por outro lado, os textos
podem potencializar a transmissão das ideais possibilitando a construção de significados
a partir da leitura simultânea de imagem e texto. Ainda com base nos princípios da
publicidade e marketing, associar textos às imagens tem o poder de influenciar e
direcionar o pensamento, principalmente quando o leitor ou expectador possui pouco
conhecimento prévio sobre o assunto, ou seja, o valor de uma imagem é proporcional e
indissociável da informação que já adquirimos anteriormente. Considerando
publicações científicas, processos complexos como mecanismos moleculares, podem
facilmente ser explicados por uma ilustração bem elaborada, economizando alguns
parágrafos ou páginas, ou ainda causar mais impacto que todo o texto.
Mil palavras valem mais que uma imagem? Assim como a frase de Confúcio
mencionada acima, mil palavras podem não valer mais que uma imagem. Imagine um
cientista chinês tentando explicar o que é Tilose, em chinês, para um morador de rua,
que mal sabe falar seu próprio idioma. Nesta situação, mesmo que estivéssemos usando
as palavras mais simples, ainda não seria suficiente para fazê-lo compreender o que é
Tilose. Da mesma forma se apresentássemos uma imagem de Tilose para este morador
de rua, certamente não obteríamos mil palavras de seu conhecimento sobre este assunto.
Por outro lado, se esta mesma imagem for apresentada para um anatomista vegetal de
qualquer nacionalidade, poderia valer mais que mil palavras. O fato é que imagens e
textos só fazem sentido quando há conhecimento prévio sobre determinado assunto. A
foto de um cachorro, de uma pedra ou da lua, possui significado para a maioria da
183
população mundial, independente do idioma falado ou escrito, pois já viram e ouviram
algo sobre cada uma destas imagens, e apenas o conhecimento sobre uma imagem pode
ser traduzida em mil, dez mil, um milhão de palavras.
Tipos de ilustração
Considerando os artigos científicos podemos classificar as ilustrações em dois
grupos principais: de informação e de especulação. A ilustração informacional é
aquela que pretende mostrar um objeto ou processo com o maior nível de clareza e
precisão possível, representando a realidade sem nenhuma alteração. A ilustração de
especulação é inferencial e tem o objetivo de sugerir e induzir o leitor a imaginar como
algo poderia ser. Não obstante, uma ilustração especulativa não pode ultrapassar os
limites do tangível ao apodera-se de forma exagerada dos recursos computacionais ou
de profissionais das artes, isto porque o perfeccionismo destes recursos pode gerar um
produto que se aproxime do surreal ou da fantasia.
Regras básicas
A primeira regra ao elaborar uma ilustração é não mostrar o que já foi mostrado. Se
for necessário utilizar uma ilustração que já foi utilizada em outros trabalhos, devem ser
apresentados novos elementos que mostrem ou expliquem uma novidade. Assim como
os textos, uma ilustração deve ser clara e objetiva, capaz de informar o leitor sem
confundi-lo, seja por possuir elementos insuficientes ou em excesso. Quando a imagem
possui muitos elementos torna-se “poluída”, desviando a atenção do leitor e a
informação principal que deveria ser transmitida torna-se obscura. Uma boa imagem,
além de clara, objetiva e fácil de lembrar, precisa ser atraente e se possível
surpreendente.
184
O posicionamento dos elementos gráficos de uma ilustração devem obedecer uma
ordem lógica, a da leitura. Diferente das culturas orientais, nós aprendemos a orientar a
visão e a leitura da esquerda para a direita e de cima para baixo e no sentido horário,
portanto é natural manter esse padrão nas ilustrações, gráficos, tabelas e diagramas.
Existem dois tipos básicos de ilustrações: vetor (Figura 3A) e pixel (Figura 3B).
Imagens produzidas por vetorização são aquelas constituídas de textos, linhas, traços e
preenchimentos. Imagens constituídas de pixels são fotos, vídeos ou imagens
digitalizadas por um processo específico (câmeras digitais, scanners e softwares).
Outros tipos de imagens obtidos por emissão de ondas/partículas (termocâmeras,
eletromicroscópios, tomógrafos, etc.) são convertidos em pixels para ilustrar trabalhos
científicos.
Figura 3. A) Imagem vetorizada, mostrando que as ampliações não causam perda de qualidade. B) A
mesma imagem convertida em pixels (digitalizada) com 600dpi, mostrando que as ampliações provocam
perda de qualidade à medida que os pixels tornam-se distinguíveis na imagem.
Toda ilustração científica deve apresentar uma legenda explicando de forma muito
resumida as características mais relevantes. É importante não descrever o óbvio e
aproveitar para falar o que não foi dito nos resultados. Identificar os destaques da
legenda sempre com o texto horizontal e o tamanho da fonte indicado pelo meio de
publicação. A escala deve ser indicada em todas as imagens e quando for necessário
incluir uma referência de tamanho padrão conhecido.
185
A resolução das imagens em pixels é geralmente de 300 dpi tanto para escala de
cinza quanto para RGB e 1000 dpi para vetores. As imagens devem estar bem
recortadas e preferencialmente configuradas para 16 milhões de cores. Caso a imagem
final seja constituída de vetor e pixel, preferencialmente deve ser salva no formato EPS.
O tamanho final da ilustração varia bastante de acordo com o meio de publicação.
Se os dados que deverão estar presentes na ilustração forem definidos com clareza
e precisão, é possível ousar e deixar fluir um pouco de criatividade para impactar o
leitor. Uma ilustração não precisa ser, e dificilmente será a descrição final de uma teoria
científica.
Técnicas e softwares
Atualmente existem diversas técnicas e softwares para gerar uma ilustração e a
escolha depende dos dados a serem representados ou simplesmente da disponibilidade
de recursos, mas independente das escolhas, a decisão será do autor, do artista ou de
ambos. Em alguns casos será necessária uma combinação de técnicas. As técnicas
utilizadas durante a vetorização gráfica são o desenho mão livre, decalque,
escaneamento ou fotografia digital, e software de edição gráfica.
A vetorização gráfica (Figura 4) é a conversão de pixel em vetor, ou seja,
transformar uma foto em desenho. Trabalhar com vetorização é como um desenho à
mão livre feito em um computador utilizandoo um software, porém com a praticidade
de possuir diversas ferramentas virtuais que facilita e agiliza o trabalho de arte final.
Esta técnica permite produzir diversos tipos de ilustrações, do simples contorno de uma
estrutura até a simulação de uma tomografia computadorizada (Figura 4).
186
Figura 4. Ilustração comparando Micro Tomografia Computadorizada (A, B e C) com a vetorização
gráfica (D, E e F) utilizando ápice caulinar de Tradescantia zebrina Heynh. A) Seção transversal obtida
no Micro tomógrafo. B) Seção longitudinal padrão do Micro tomógrafo. C) Sequência de seções
transversais (slides) escaneadas pelo micro tomógrafo. D) Sequência de seções transversais vetorizadas à
partir de lâminas histológicas obtidas em micrótomo rotativo. Seção transversal (E) e longitudinal (F)
obtidas à partir de amostras incluídas em Paraplast e corada com Azul de Astra e Safranina. A figura (E)
indica três etapas do processo de vetorização utilizando o software Corel Draw.
Os programas mais indicados para ilustração, tanto para trabalhar com vetor
quanto pixel, são Corel Suite (indicado para Windows) e Adobe Creative Suite (indicado
para MAC). Estes são os mais indicados para vetorização gráfica, pois são os programas
187
mais completos e eficientes existentes no mercado, desenvolvidos para profissionais,
porém amplamente utilizado por amadores e iniciantes.
Conclusão
Enfim, uma boa ilustração é aquela desenhada com palavras no lugar de linhas e
preenchimentos e o leitor deve ser capaz de enxergar essas palavras. A tecnologia
produz imagens fantásticas atualmente, mostrando detalhes além da visão humana,
entretanto ainda não temos nenhum dispositivo para ler mentes, portanto a única forma
de colocar no papel aquela imagem reveladora que está na sua mente é através da
ilustração científica.
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189
Anotações:
190
PARTE III
ESTRUTURA E
DESENVOLVIMENTO
191
CAPÍTULO XIV
Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em
angiospermas
Carlos Eduardo Valério Raymundo
Ricardo Silva Batista Vita
Figura 19. Ilustrações indicando prováveis passos evolutivos de microfilos e megafilos. A. Teoria da
Enação - Os microfilos se originaram a partir de projeções do eixo principal da planta, chamadas enações.
B. Teoria do Teloma - Os megafilos se originaram a partir da fusão de sistemas de ramos e achatamento
das porções terminais, chamadas teloma.
192
1) Desenvolvimento
O desenvolvimento da folha inicia-se no meristema apical caulinar (MAC), a
partir de divisões periclinais na zona periférica do meristema apical onde células da
túnica participam da formação de uma protuberância (Figura 2A, setas pretas). Os locais
de iniciação do primórdio foliar são determinados pelo acúmulo, e posterior influxo, de
auxinas que resultam do transporte polar mediado por proteínas da família PIN-
FORMED, transportadoras deste hormônio. Sucessivas divisões periclinais e anticlinais
nessa região resultarão no primórdio foliar, o qual na fase inicial terá seu crescimento
preferencialmente no sentido próximo-distal e depois se expande no sentido médio-
lateral e abaxial-adaxial.
Figura 20. Ilustrações mostrando ápice caulinar. A) Meristema apical caulinar 1) sem protuberância e 2)
divisões periclinais na túnica provocando o surgimento das protuberâncias (setas pretas). B) Meristema
apical caulinar (MAC) de Passilfora herbertiana indicando primórdios foliares (foto: arquivo pessoal
Carlos Eduardo).
O primórdio foliar passa por uma fase de crescimento apical, onde é estabelecida
a região correspondente ao pecíolo e à nervura central (Figura 3B). O espessamento
(abaxial-adaxial), nesta fase, é dado pela intensa atividade mitótica presente na região
adaxial do primórdio, denominada meristema adaxial. Normalmente ocorre a instalação
do meristema marginal no limite dos domínios adaxial-abaxial, e através da atividade
deste meristema a lâmina foliar é produzida com seu formato dorsiventral característico.
193
Abaixo descreveremos em detalhe os principais mecanismos e formação do primórdio
foliar até a sua diferenciação em uma folha madura.
O processo de morfogênese foliar pode ser dividido em três fases:
Iniciação
Morfogênese 1ª
Morfogênese e expansão 2ª
1.1) Iniciação
A fase de iniciação começa por divisões periclinais em um pequeno grupo de
células lateralmente situadas em relação ao meristema apical caulinar. É nesta zona
periférica do meristema apical que sucessivas divisões periclinais e anticlinais originam
o primórdio foliar, o qual consiste em uma protoderme, uma região de tecido
meristemático fundamental e procâmbio. O rápido desenvolvimento do primórdio
resulta em uma estrutura cônica com a face adaxial plana ou achatada e uma face
abaxial geralmente convexa (Figura 3A).
Desde o primórdio foliar, as folhas achatadas (flat) apresentam uma identidade
adaxial e abaxial, porém quando ocorre a perda desta polarização outros tipos de folha
são formados, a exemplo das folhas cilíndricas. A polaridade adaxial-abaxial é
determinada com base na posição relativa ao MAC. As células próximas ao MAC
diferenciam-se no domínio adaxial, e aquelas distantes do MAC tornam-se o domínio
abaxial, gerando uma folha bifacial (Figura 3A).
Em geral, uma folha adulta e perpendicular ao eixo axial do caule apresenta o
domínio adaxial (superior) da folha consiste em uma epiderme com uma ou mais
camadas de parênquima paliçádico no mesofilo que otimizam a absorção de luz. Na face
adaxial também é possível encontrar estômatos, tricomas e outros anexos epidérmicos.
O domínio abaxial (inferior) da folha consiste em uma epiderme com estômatos e
células do parênquima esponjoso, que além de absorver energia luminosa, participam
das trocas gasosas e da regulação da transpiração, assim como também ocorre no
parênquima paliçádico. A vascularização foliar está alinhada ao longo do eixo adaxial-
abaxial, com tecido do xilema diferenciando adaxialmente e o floema abaxialmente.
194
1.2) Morfogênese 1ª
195
morfogênese, diferente dos meristemas apicais os quais são capazes de exercer
organogênese.
Figura 3. Ilustração das três fases da morfogênese foliar. A, iniciação da folha. O primórdio da folha
expressa a simetria longitudinal e a simetria dorsiventral (diferenças entre lados adaxial e abaxial). B,
morfogênese primária. Blastozona marginal (sombreado) expressa potencial morfogenético para formar
lâmina, lóbulos e folíolos. Linha superior, vista adaxial da folha; Inferior, vista em corte transversal da
lâmina. C, Expansão e morfogênese secundária. Expansão isométrica e alométrica de lóbulos produzidos
durante a morfogênese primária.
196
1.3.2) Meristema intercalar – No geral o crescimento apical das folhas cessa
relativamente cedo durante o desenvolvimento e o crescimento próximo-distal é dado
pela atividade do meristema intercalar. A primeira região a cessar as divisões celulares é
a ponta da folha e por último na sua base (Figura 4B).
197
Figura 4. Representação esquemática da localização dos diferentes meristemas atuando no
desenvolvimento do primórdio foliar. A e B) Seção longitudinal.C e D) Seção transversal.
198
pela adaxialização, enquanto que as famílias de genes KANADI e YABBY são
responsáveis para abaxialização.
A expressão gênica também define a formação de folhas simples e compostas. A
diferença entre folhas simples e compostas está relacionada ao padrão de expressão de
uma família de genes homeobox específicos de plantas, os genes de KNOX de classe I.
Os genes da Classe I KNOX são transcritos no MAC, mas são especificamente down-
regulado no primórdio das folhas simples. Por outro lado, os primórdios da maioria das
folhas compostas mantêm a expressão de mRNA dos genes KNOX de classe I. Estudos
observaram que a sobre-expressão do KNOX de classe I no tomate aumenta a
organogênese repetida dos folíolos, resultando em "folhas super-compostas".
199
Anatomicamente as folhas são compostas por três sistemas de tecidos: o sistema
de revestimento, fundamental e vascular. O sistema de revestimento que se diferencia da
protoderme constitui a epiderme, revestindo toda a superfície foliar. O sistema
fundamental se origina do meristema fundamental, constitui o mesofilo da lamina foliar
e o córtex da nervura mediana. O sistema vascular se origina do procâmbio e constitui
os tecidos vasculares.
3.1) Base foliar - A maioria das folhas apresenta uma forma achatada com duas
superfícies, a adaxial (superior) e abaxial (inferior), onde a epiderme é contínua e única
em toda a sua extensão. O número de camada da epiderme pode variar de uni à
multisseriada. A epiderme é caracterizada pela presença de estômatos, tricomas e
células especializadas (células buliformes, litocistos, etc.). Nos primeiros estágios da
formação da folha, projeções laterais da base podem surgir, as estípulas. As estípulas
desempenham a função primordial na proteção dos tecidos meristemáticos e jovens e
possuem uma morfologia variável, podendo ser cilíndricas, simétricas e assimétricas.
Em outros casos há o surgimento de uma estrutura entre a bainha e a lâmina foliar
conhecida como lígula, ocorre principalmente nas gramíneas.
3.2) Lamina foliar- O mesofilo compreende todos os tecidos delimitados pela epiderme
e o sistema vascular da folha. Nesta região está presente o parênquima, um tecido
envolvido principalmente na fotossíntese, além de estar relacionado com a produção de
metabólitos secundários e acúmulo de substâncias. Este tecido geralmente está
diferenciado em parênquima paliçádico e esponjoso. As células do parênquima
paliçádico são geralmente colunares e perpendiculares à epiderme, enquanto as células
do parênquima esponjoso têm formas irregulares. O parênquima paliçádico geralmente
está localizado no lado superior da folha, e o parênquima esponjoso, no lado inferior.
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Waites, R. & Hudson, A. (1995). Phantastica: a gene required for dorsoventrality of
leaves in Antirrhinum majus. Development, v. 121, n. 7, p. 2143-2154.
201
Anotações:
202
CAPÍTULO XV
Anatomia floral, esporogênese e gametogênese
Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira
Yasmin Vidal Hirao
Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva
O que é a flor?
203
feixes vasculares e epiderme adaxial (Figuras 1 e 2A-D). A epiderme, assim como nas
folhas, pode apresentar estômatos e tricomas. Na epiderme das porções apicais das
pétalas, é comum a presença de células cônicas, cuja função ainda é muito discutida,
possivelmente estando associada com a atração de polinizadores. Nas pétalas que
possuem coloração, observa-se a presença de cromoplastos e também a presença de
antocianinas. As pétalas podem ainda apresentar as chamadas glândulas de cheiro, ou
osmóforos, envolvidas com a atração de polinizadores.
Figura 1: Secção transversal de uma flor de Bromeliaceae. Note que as sépalas (Se) e pétalas (Pe)
possuem anatomia muito semelhante à da folha, possuindo epidermes (abaxial e adaxial), mesofilo e
feixes vasculares. An=Antera, Es= Estilete, Fi=Filete, Pe= Pétala e Se=Sépala. Foto de Fernanda M. C. de
Oliveira.
204
entanto, pode haver variação nesses números. As tecas da antera são ligadas entre si e
com o filete através do conectivo. Os estames produzem os esporos masculinos
(andrósporos ou micrósporos), mas em algumas espécies há a presença de estames
estéreis, denominados estaminódios, responsáveis pela atração de insetos.
Figura 2: Secções transversais do botão floral de uma Bromeliaceae. A: Notar que a sépala (Se) e a pétala
(Pe) têm anatomia semelhante à da folha, sendo constituída de epidermes (abaxial e adaxial) mesofilo e
feixes vasculares. B: Detalhe da anatomia da sépala. C: Detalhe da anatomia da pétala. D: detalhe da
porção apical das pétalas de Bromeliaceae. Notar que as células da epiderme possuem grande deposição
de cutícula. E: Detalhe de um filete e uma antera. Note que a antera é composta de duas tecas, e cada teca
de dois sacos polínicos. F: Detalhe do estilete. Note que as células epidérmicas do interior possuem
205
coloração diferenciada, devido à sua função secretora (células do tecido transmissor). An= Antera, Es=
Estilete, Fi= Filete, Pe= Pétala, Se= Sépala. Fotos de Fernanda M. C. de Oliveira.
206
Figura 3: Esquema da morfologia de um estame. Notar as diferentes regiões do estame, em particular, a
antera (microsporófilo) onde são produzidos os micrósporos e microgametófitos (grãos-de-pólen).
Ilustração de Yasmin V. Hirao.
207
De acordo com a localização dos óvulos em relação à parede do ovário, tem-se a
placentação, cujos principais tipos são: axilar (que se encontra na margem da folha
carpelar, quando o ovário é pluricarpelar e plurilocular), parietal (que se encontra na
parede da folha carpelar, quando o ovário é pluricarpelar e unilocular), central livre
(onde a placenta forma uma coluna livre na região central do lóculo) ou basal (na
porção basal do ovário, quando este é unicarpelar) (Figura 4).
208
Os óvulos são os precursores das sementes. Possuem origem nas camadas
subdérmicas da placenta e, morfologicamente, são constituídos pelo nucelo, tegumento
(s), calaza, rafe e funículo. A estrutura do nucelo será tratada junto com a
megagametogênese. Existem diferentes tipos de óvulos, classificados de acordo com o
número de tegumentos que os envolvem e também com o grau de inclinação do saco
embrionário. Assim, em relação ao número de tegumentos, os óvulos podem ser
classificados como ategumentados (quando os tegumentos estão ausentes),
unitegumentados (quando há apenas um tegumento) e bitegumentados (quando hpa a
presença de dois tegumentos: o tegumento interno e o externo).
Já em relação a curvatura do saco embrionário, os óvulos podem ser anátropos
(quando a micrópila fica próxima ao funículo e a calaza encontra-se ao lado oposto),
ortótropo (quando a micrópila, o funículo e a calaza encontram-se em linha reta,
também denominado óvulo átropo ou ereto), campilótropo (óvulo curvado, onde a
calaza encontra-se próxima ao funículo) e hemítropo (onde micrópila e calaza
encontram-se em pólos opostos) (Figura 5).
O estilete é a porção mediana dos carpelos (Figuras 2E e 4). Quando único e
proveniente de um gineceu sincárpico, o estilete deriva de todos os carpelos que
compõem o gineceu. Os carpelos podem ainda estar unidos apenas na região basal do
estilete e livres em sua porção apical. Anatomicamente, os estiletes têm a anatomia
muito semelhante às folhas, sendo igualmente constituídos por epiderme externa,
mesofilo, feixes vasculares (usualmente a vascularização é dada apenas pelos feixes
dorsais de cada carpelo, mas ocasionalmente podem ocorrer os feixes ventrais
carpelares) e epiderme interna.
Os estiletes podem ser ocos (como ocorre em muitas Monocotiledôneas) ou
sólidos (comum nas Eudicotiledôneas). Quando o estilete é sólido, o tubo polínico
atravessa o tecido parenquimático longitudinalmente para então chegar aos lóculos do
ovário. Quando o estilete é oco, em seu interior (na epiderme interna) pode ocorrer um
tecido secretor denominado tecido transmissor (Figura 2E), responsável pela nutrição do
tubo polínico enquanto este atravessa longitudinalmente o gineceu até a chegada nos
lóculos do (s) ovário (s).
O estigma é a porção apical do gineceu, responsável pela recepção do grão-de-
polén. Pode ser do tipo úmido, quando há uma secreção recobrindo os estigmas onde os
grãos-de-pólen serão recepcionados, ou pode ser do tipo seco. As células epidérmicas
do estigma geralmente possuem papilas, onde os grãos-de-pólen ficam aderidos e
209
germinam. Anatomicamente, também são constituídos pela epiderme abaxial
(dependendo do seu formato), mesofilo, feixes vasculares e epiderme adaxial.
Vascularização floral
210
vascular formado nos pedicelos, sendo que o número de traços vasculares varia nas
diferentes peças florais. Cada sépala apresenta o número de traços vasculares existentes
nas folhas da mesma planta. Usualmente, encontram-se três traços de cada sépala no
pedicelo e um único traço de cada pétala. No mesofilo das sépalas e pétalas, os feixes
vasculares formam uma rede complexa, que lembra a vascularização da folha
propriamente dita. Os estames geralmente possuem um traço vascular no cilindro, que
continua como feixe isolado nos filetes e conectivo. Raros casos de vascularização dos
estames por mais de um feixe vascular foram reportados. Os carpelos possuem três
traços vasculares no receptáculo: o traço dorsal e os traços ventrais, que podem se
ramificar em seu interior. A vascularização dos óvulos, usualmente, é dada pelos feixes
ventrais, ou por ramificações deste. Os estiletes e estigmas geralmente são
vascularizados apenas pelos feixes dorsais carpelares, embora em alguns casos os feixes
ventrais também estejam presentes.
Esporogênese e gametogênese
Microsporogênese e microgametogênese
211
Primeiramente vamos acompanhar o desenvolvimento dos micrósporos. A
antera, no início do seu desenvolvimento, consiste de um conjunto de células uniformes,
excetuando-se a epiderme já parcialmente diferenciada. Quatro grupos de células férteis,
ou ditas esporogênicas, tornam-se evidentes no interior da antera. Cada um desses
grupos de células esporogênicas é circundado por várias camadas de células estéreis.
Estas células estéreis se desenvolvem como parte da parede do saco polínico, incluindo
as células que provém à nutrição dos micrósporos em desenvolvimento, chamadas
células do tapete (camada mais interna da parede do saco polínico). As células do tapete
também são responsáveis por acrescentar uma camada lipídica à superfície do grão-de-
pólen já formado. Então, neste estágio de desenvolvimento, as células esporogênicas se
tornam os microsporócitos, ou células mãe de micrósporos, e se dividem
meioticamente. Assim, cada célula mãe de micrósporo diploide dará origem a uma
tétrade de micrósporos haploides (Figura 6).
212
Durante a meiose, cada divisão nuclear pode ser seguida imediatamente pela
formação de parede celular, ou os protoplastos dos microsporócitos podem formar
paredes simultaneamente após a segunda divisão da meiose. A primeira condição é
comum às Monocotiledôneas enquanto que a segunda é comum às Eudicotiledôneas. A
partir de então, as características dos grãos-de-pólen são adquiridas. O grão-de-pólen
desenvolve uma parede externa (exina) e uma parede interna (intina). A exina é
composta pela esporopolenina, substância muito resistente que é derivada,
principalmente, das células do tapete. Já a intina é produzida pelo protoplasto do
micrósporo (Figura 5).
A microgametogênese, ou androgametogênese, nas Angiospermas é uniforme.
Inicia-se quando os micrósporos se dividem mitóticamente, formando duas células no
interior da parede original do micrósporo. A divisão forma uma grande célula do tubo,
ou célula vegetativa e uma célula pequena, denominada célula geradora, que se move
para o interior do grão-de-pólen. Este grão-de-pólen bicelular ainda é imaturo e, na
grande maioria das Angiospermas, o microgametófito se encontra no estádio bicelular
no momento da liberação do grão-de-pólen na antera. Na minoria das espécies, o núcleo
da célula geradora se divide antes da liberação do grão-de-pólen pelas anteras, dando
origem a dois gametas masculinos, ou células espermáticas, resultando num
microgametófito tricelular
Megasporogênese e megagametogênese
Referências
Esau, K. (1974). Anatomia das plantas com sementes. Tradução de Berta Lange de
Morretes. 1ª Edição. São Paulo: Editoea Edgard Blucher LTDA.
Leins, P.; Erbar, C. (2010). Flower and fruit. Morphology, Ontogeny, Phylogeny,
Function and Ecology. Sttutgart: Schweizerbart Scince Publishers.
215
Anotações:
216
CAPÍTULO XVI
Anatomia e identificação de madeiras
Erica Moniz Ferreira da Silva
Introdução
A madeira é um produto vegetal utilizado comercialmente em inúmeras
aplicações, contribuindo para o avanço tecnológico da humanidade e representando um
material de importância cultural e econômica. Destaca-se de outros materiais pelo baixo
consumo de energia no seu processamento e por sua alta resistência mecânica.
Anatomicamente corresponde ao xilema secundário das plantas e apresenta uma
enorme variabilidade quanto às características ali presentes, refletindo em diferentes
propriedades físicas e mecânicas que determinam o uso adequado de cada material do
ponto de vista comercial.
As vantagens mencionadas quanto ao uso adequado de madeiras podem ser
perdidas se o conhecimento prévio de suas propriedades não for levado em consideração
e tais propriedades são específicas para cada uma das espécies. Sob esse aspecto, a
identificação de madeiras torna-se imprescindível, não somente para fins acadêmicos,
mas também como auxílio para se detectar erros e fraudes em relação à venda e
utilização desta matéria-prima.
A identificação de uma árvore depende de diferentes características
morfológicas, como cascas, folhas, flores, frutos, e após o processo de extração da
madeira essas características acabam sendo perdidas e, portanto, a identificação deve ser
realizada de maneira a considerar somente o tecido vegetal ali presente. Para isso, foram
desenvolvidas técnicas específicas e com bom grau de confiabilidade quanto aos
resultados.
No Brasil, os primeiros estudos de anatomia da madeira remetem à década de 20
no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
Estado de São Paulo e atualmente o país dispõe de diversos laboratórios especializados
e espalhados por diferentes estados que utilizam técnicas macroscópicas e
microscópicas para a identificação deste material.
217
Características Macroscópicas
218
Ondulada – disposição em forma de ondas.
A textura está relacionada com a grã e pode ser sentida principalmente em seção
longitudinal ao se passar os dedos pela superfície, tal como a dureza é notada ao toque.
A densidade é uma das características de maior importância do ponto de vista
comercial, pois está diretamente relacionada às propriedades físicas do material.
Macroscopicamente as madeiras são classificadas popularmente como leves e pesadas.
O brilho também deve ser observado em seção longitudinal livre de qualquer
produto químico. Esta característica está relacionada tanto com a orientação dos
elementos celulares quanto com a presença de extrativos, como resinas e óleos.
Ressalta-se o fato de que, este contato inicial é subjetivo, já que depende das
diferenças de sensibilidades de cada observador, e, portanto, somente desta maneira não
é possível realizar uma identificação confiável adequada, pois para que isso ocorra é
necessário um conjunto de todas as etapas que serão aqui mencionadas.
As características macroscópicas anatômicas são observadas com o auxílio de
uma lupa com 10 vezes de aumento em superfícies polidas de madeira e dessa forma
algumas estruturas como vasos, raios parenquimáticos e parênquima axial podem ser
vistos e classificados quanto à forma, tamanho ou distribuição.
Os vasos, que são responsáveis pela condução de seiva nas árvores, podem ser
vistos em seção transversal em forma de poros. Em uma avaliação macroscópica são
classificados quanto à visibilidade, podendo ser distintos a olho nu, distintos apenas sob
lente de 10 vezes de aumento ou indistintos mesmo sob lente. Essa mesma classificação
é feita para os raios parenquimáticos, que são também responsáveis na condução da
seiva, e apresentam em seção transversal, uma aparência semelhante a linhas entre os
vasos.
O parênquima axial é uma característica marcante e essencial na identificação de
madeiras, pois, quando presente, pode assumir diversas configurações distintas, o que
permite a sua classificação quanto ao desenho formado. Em observação macroscópica,
quando distinto sob lente, apresenta-se geralmente mais claro que o tecido das fibras e
os tipos que podem ser visualizados sob lente são: escasso, vasicêntrico, confluente,
unilateral, aliforme, e em faixas (figura. 1).
A partir do conjunto dessas características macroscópicas já é possível
identificar alguns gêneros de plantas, no entanto, para maior confiabilidade e
visualização de estruturas não visíveis somente com 10 vezes de aumento, é necessária a
219
observação de características microscópicas, e para isso, são realizados procedimentos
laboratoriais para a obtenção de cortes histológicos micrométricos da madeira,
possibilitando assim, a visualização em microscópio.
Figura 1: Esquema representativo dos tipos de parênquima axial, visualizados em seção transversal com
auxílio de uma lupa de 10x de aumento. Adaptado de Zenid e Ceccantini, 2007.
220
Como a árvore é uma estrutura tridimensional e esta dinâmica é perdida quando
se fazem cortes tão pequenos, a correta identificação dos planos é necessária para a
montagem visual da estrutura completa.
Figura 2: Representação dos três planos anatômicos de corte da madeira: transversal, tangencial e radial,
demonstrando como algumas características são observadas em cada um deles.
Características Microscópicas
221
A International Association of Wood Anatomists (IAWA Committee) elaborou
recomendações que objetivam orientar e padronizar os procedimentos e os caracteres
gerais a serem adotados em análises anatômicas de madeiras. A partir desta base é
possível elaborar uma lista de caracteres pertinentes e associá-los àqueles descritos para
determinada espécie.
Algumas das características observadas são: tamanho, frequência e distribuição
dos vasos, assim como a presença de resinas, tilos, gomas e outros componentes que
podem obstruí-lo; o formato das placas de perfuração e os tipos e tamanhos de
pontoações; altura, frequência, largura e o formato das células que compõem o raio;
espessura de fibras; tipos de parênquima axial e quantidade de células que o compõem;
presença de elementos secretores, canais axiais, canais radias, laticíferos; presença e
tipos de cristais e sílicas.
Cada uma dessas características isoladas não representa nenhum dado
significante para a identificação, sendo necessário, portanto, um agrupamento de todas
ou de grande parte delas para que seja elaborada uma lista de características. Ao término
da listagem, pode-se seguir uma chave de identificação para chegar ao resultado
correspondente em um banco de dados. Também é realizada uma comparação com
amostras já identificadas em xilotecas.
Todos esses procedimentos têm como finalidade fornecer dados para a pesquisa
botânica e auxiliar na fiscalização quanto ao uso correto das espécies, tanto sob aspectos
sustentáveis e jurídicos, protegendo espécies ameaçadas, quanto sob aspectos
comerciais, garantindo ao consumidor um material adequado para seus devidos fins,
pois a correta identificação das madeiras, além de contribuir para um melhor
planejamento das atividades madeireiras, aumenta consideravelmente a credibilidade do
consumidor.
A identificação de materiais vegetais em geral, também contribui para
investigações criminais e registros históricos de patrimônios como obras de arte,
espaços arquitetônicos antigos e construções abandonadas.
A crescente preocupação quanto à exploração irracional dos recursos florestais,
aliada à necessidade de melhoria da qualidade de produtos e serviços exigem uma
utilização adequada desta importante matéria-prima e a multiplicidade de espécies
222
existentes faz da identificação anatômica de madeiras uma tarefa relativamente
complicada.
Na tentativa de diminuir as dificuldades, os anatomistas de madeira procuraram
desenvolver métodos auxiliares como a publicação de manuais ilustrados, bancos de
dados eletrônicos, intercâmbios de materiais entre xilotecas e a padronização de
caracteres e utilização de nomes científicos. O uso de nomes populares, por ser
específico em cada região, acaba contribuindo de maneira negativa, favorecendo
fraudes, já que um mesmo nome popular pode ser utilizado para diferentes espécies.
Além desta problemática, a obtenção de material em condições adequadas nem
sempre é possível e assim, sem maiores informações ou conteúdos vegetais, a
identificação é inviabilizada.
Esta área de pesquisa vem crescendo a cada vez mais devido à vasta importância
ecológica, econômica e acadêmica, demonstrando ser uma ferramenta necessária e
pontual para amenizar e até mesmo evitar que o manejo de espécies seja realizado de
maneira equivocada.
Referências Bibliográficas
Burger, L.M. & Richter, H.G. (1991). Anatomia da madeira. São Paulo. Editora
Nobel.
IAWA - International Association of Wood Anatomists. IAWA list of microscopic
features for hardwood identification. IAWA Bulletin n.s. 10 (3): 219-332.
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agrupamento de espécies de madeiras tropicais amazônicas; síntese. Brasília,
IBDF, 59p.
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
(1992). Normas de procedimentos em estudos de anatomia de madeira: I.
Angiospermae, II. Gimnospermae. LPF – Série Técnica nº 15. Brasília,
IBAMA.
IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. (1985). Madeira: o
que é e como pode ser processada e utilizada. São Paulo: IPT.
Manieri, C. (1983). Manual de identificação das principais madeiras comerciais
brasileiras. São Paulo, PROMOCET, 241P.
223
Zenid, G.J.; Ceccantini, G.C.T.; Derivados, P. (2007). Identificação Botânica de
Madeiras. São Paulo: IPT.
Zenid, G.J. (1997). Identificação e agrupamento das madeiras serradas empregadas
na construção civil habitacional na cidade de São Paulo. Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz/USP. 169p.
224
Anotações:
225
CAPÍTULO XVII
Introdução
Para uma melhor compreensão dos processos de secreção que iremos discutir
aqui, é necessário um breve entendimento sobre o metabolismo primário e secundário
nas plantas, pois ambos estão envolvidos com a função de secreção. Chama-se de
metabolismo primário o processo no qual o produto decorrente pode ser armazenado ou
não para uma posterior remobilização. Este é o que chamamos de produto intermediário,
já citado no primeiro parágrafo, e como exemplos destes temos o RNA, os
fotoassimilados, os hormônios, as substâncias percussoras de celulose, entre outros.
Distintamente, no metabolismo secundário o produto é, geralmente, um
composto de substâncias que não são mais funcionais no metabolismo da planta, mas
possuem um importante valor adaptativo/ecológico para ela. Podemos citar os terpenos,
alcaloides (nicotina, cafeína, cocaína), glicosídeos, taninos, resinas, cristais de oxalato
de cálcio e flavonoides (pigmento); estes desempenham importantes funções
relacionadas à proteção e polinização das plantas.
Os produtos do metabolismo secundário podem ser liberados dentro de
compartimentos no corpo da célula e ali permanecerem, ou armazenados para uma
posterior eliminação. Este é o processo de secreção que trataremos neste capítulo.
Existem diversas estruturas especializadas nesses processos de secreção nos vegetais
que são denominadas, de um modo geral, de estruturas secretoras. Estas, por sua vez,
tratam-se de células ou tecidos organizados e especializados que secretam substâncias
específicas, e, geralmente, apresentam função determinada. O mesmo tipo de estrutura
226
secretora pode estar presente em diferentes órgãos, ou pode estar confinado em algum
órgão.
Cabeça do estilete
227
polinário. O Translador pode ser formado por lipídios, proteínas e fenólicos. O
corpúsculo e as caudículas podem conter ácidos graxos, compostos fenólicos,
mucilagem e proteínas. A secreção produzida está relacionada à dispersão do pólen, e a
sua composição, aspecto e viscosidade parece estar relacionada ao grau de agregação
dos grãos de pólen e mecanismo de polinização. A sua secreção auxilia na adesão do
pólen ao polinizador e em seguida, promovendo a captura do pólen pelo estigma ou pela
fenda estaminal da outra flor.
São glândulas que secretam o néctar e estão localizadas nos órgãos reprodutivos.
Os NF podem apresentar morfologias diversas, em muitas flores apresentam-se na
forma de um anel contínuo ao redor do gineceu.
Anatomicamente, estas glândulas consistem em epiderme, parênquima e feixe
vascular (predominância de floema). O parênquima é responsável pelo armazenamento
e, conjuntamente com o floema, pela produção do exsudato (néctar), que será liberado
através de estômatos, ou tricomas localizados na epiderme secretora.
O néctar contém altas concentrações de açúcares, aminoácidos e outros
compostos orgânicos, que podem sofrer alterações influenciadas pelas condições do
meio. O açúcar do néctar provém da fotossíntese realizada pelo próprio nectário ou em
outros órgãos da planta, e o amido pode ser um produto intermediário de
armazenamento. A quebra do amido armazenado torna possível a alta produção de
néctar em qualquer momento do dia. Insetos, pássaros, morcegos, entre outros, visitam
as flores em busca do néctar, em troca carregam consigo os grãos de pólen que serão
liberados próximo ao estigma da própria ou de outra flor.
Osmóforos
228
agradável ou desagradável, o tipo pode estar relacionado a coloração das pétalas. Em
espécies de Ceropegieae, por exemplo, com pétalas marrom escuro, avermelhadas ou
amareladas, o odor liberado é desagradável, enquanto que em flores de corola branca
(Ditassa gracilis) o aroma é perfumado.
Morfologicamente, os osmóforos possuem estruturas multicelulares,
polimórficas, como já descrito para Orchidaceae. Em sua anatomia apresentam células
epidérmicas simples e/ou subepidérmicas, tricomas ou papilas, presentes em muitas
flores. Nas orquídeas estão localizadas no labelo, mas essas glândulas podem ser
encontradas apenas no ápice das pétalas como em espécies do gênero Ceropegia
(Apocinaceae).
Coléteres
Os coléteres além de estarem nas flores também estão nas folhas. Dentre as
diversas estruturas secretoras presentes nas Angiospermas, os coléteres destacam-se
como glândulas que produzem uma secreção viscosa. Eles podem ser encontrados nos
órgãos vegetativos e/ou reprodutivos de diversas famílias de Eudicotiledôneas, como na
lâmina foliar, nervura central, na base dos pecíolos, brácteas, bractéolas, sépalas, em
ápice caulinares e regiões nodais.
229
eles são verdes, na fase secretora tornam-se amarelados e castanhos do ápice para a base
durante a senescência - fase pós-secretora, já em coléteres que apresentam hipoderme
secretora eles são enegrecidos durante a fase secretora. A sua secreção permeia e
protege os meristemas e órgãos em desenvolvimento, contra o dessecamento devido à
capacidade de retenção de água da mucilagem, proliferação de fungos e fitófagos,
imobilizando-os.
Tricomas
230
Laticíferos
231
Nectários extraflorais (NEF)
Referências bibliográficas:
Agrawal, A.A & Fishbein, M. (2006). Plant defense syndromes. Ecology, 87:S132-
S149.
232
Demarco, D. (2014). Secretory tissues and the morphogenesis and histochemistry of
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possible role in laticifer growth and development. American Journal of Botany,
63:1140-1144.
Anotações:
234
235
CAPÍTULO XVIII
Introdução
236
Metabolismo ácido das crassuláceas e armazenamento no caule ou raiz.
Adaptações ao nível de raiz são:
Aprofundamento e engrossamento (inteiramente e parcialmente) das raízes
(Figura 1).
Figura 21. Algumas adaptações ao estresse hídrico em relação a raiz, caule e folha
237
desde 1880 quando se começou a registrar as temperaturas. As previsões realizadas pela
OMM apontam que as condições climáticas extremas continuarão em 2017. E alertam
que as correntes de ar serão cada vez mais instáveis devido ao aquecimento global,
levando assim, a mais situações de clima extremo.
E ainda, dados científicos apontam para uma variação significativa dos índices
pluviométricos, podendo destacar eventos consideráveis de seca. A seca é um evento
climático extremo, caracterizada por precipitação abaixo do normal durante um período
de meses a anos.
Estresse hídrico
238
As mudanças produzidas nas espécies que apresentam elevado potencial de
plasticidade fenotípica favorecem a adaptação em ambientes instáveis, heterogêneos ou
de transição, pois facilita a exploração de novos nichos. Espécies pioneiras, espécies
que normalmente iniciam a colonização do biótipo e são resistentes aos fatores abióticos
do mesmo, normalmente apresentam maior flexibilidade. Sendo assim, em populações
de ambiente heterogêneo, espera-se observar maior potencial plástico.
Uma considerável plasticidade fotossintética também pode ser observada em
grande parte das plantas, principalmente plantas que apresentam Metabolismo Ácido
das Crassuláceas (CAM).
As plantas CAM facultativas são um exemplo dessa plasticidade, onde o
comportamento CAM é uma opção, e não uma obrigatoriedade em termos de
mecanismo de fixação do carbono. Plantas que apresentam essa plasticidade podem
ciclar livremente entre os comportamentos fotossintéticos CAM e C3 (ou C4)
dependendo das condições ambientais circundantes. Em contraste, nas plantas
conhecidas como CAM constitutivas, o ciclo CAM é expresso mesmo quando as
condições ambientais encontram-se propícias à captura diurna do CO2.
O CAM é um modo especializado de fotossíntese que apresenta um mecanismo
de conservação de água, quando comparado com a fotossíntese C3. A absorção de CO2
ocorre principalmente à noite, quando a força motriz para a perda d’água através da
transpiração é menor, então a eficiência do uso da água (EUA) (ou WUE, em inglês) é
melhorado. Dessa forma, é possível observar uma abundância de espécies CAM em
locais com limitações de água. O metabolismo CAM, apresenta um fluxo massivo
diário do carbono entre os carboidratos de reserva produzidos durante o período
iluminado e os ácidos orgânicos acumulados durante o período noturno.
Este comportamento fotossintético pode apresentar variações, dependendo das
condições ambientais. Além do CAM clássico (ou “Classic-CAM’’), outro mecanismo
conhecido é o CAM reciclador (ou “CAM-cycling”, em inglês), o qual apresenta um
padrão diurno de trocas gasosas similares ao observado em plantas C3 (abertura
estomática apenas durante o período iluminado), mas que apresenta acúmulo noturno de
ácidos orgânicos tal qual observado nas plantas CAM clássicas. Acredita-se, portanto,
que a fonte principal de CO2 para a formação noturna dos ácidos orgânicos nas plantas
CAM cycling seria a respiração noturna dos tecidos.
Quando em condições de escassez hídrica severa, plantas CAM clássicas e
CAM-cycling podem apresentar uma terceira variação do comportamento CAM,
239
conhecido como CAM ocioso (ou “CAM-idling”, em inglês). O CAM-idling é
caracterizado por apresentarem os estômatos fechados 24 horas por dia, mas apresentam
flutuação diurna nos teores de ácidos. Devido a falta de captura líquida de CO2
atmosférico, o CAM-idling, não proporciona ganhos adicionais de carbono. No entanto,
não permite o crescimento do vegetal, o CAM-idling propicia um mecanismo eficiente
para reciclar grande parte do CO2 respiratório, ao mesmo tempo em que os estômatos
completamente fechados durante dia e noite minimizam a perda de água pela planta.
Acredita-se que o CAM-idling ajude na manutenção de um balanço positivo de
carbono e auxilie na redução dos efeitos deletérios dos processos de fotoinibição e
fotorrespiração durante períodos intermitentes de intenso estresse hídrico. Em condições
estressantes, plantas capazes de apresentar esse comportamento fotossintético, se
beneficiariam com uma retomada mais rápida na captura de CO2 atmosférico quando as
condições ambientais se tornam mais amenas e propícias ao crescimento vegetal.
Ácido abscísico
240
O ácido abscísico (ABA) é responsável por regular vários processos do ciclo de
vida das plantas, estando envolvido na maioria das respostas aos estresses ambientais,
incluindo o déficit hídrico, salinidade e as baixas temperaturas.
Plantas submetidas a condições de estresse hídrico ou salino apresentam
incrementos consideráveis no conteúdo endógeno de ABA, os quais parecem ser
decorrentes principalmente de um aumento na síntese desse hormônio.
Uma função do ABA durante o crescimento vegetal é mediar a resposta a
estresses ambientais tais como a seca, a salinidade e o frio. Níveis ligeiramente elevados
de ABA (característica das condições de estresse hídrico moderado) promovem o
crescimento das raízes, mas inibem o crescimento dos brotos. No entanto, em condições
de estresse hídrico severo, o crescimento de raízes e brotos são inibidos, em
compensação a formação de raízes laterais é promovida.
Genes associados com as respostas de defesa a estresses abióticos são expressos
apenas quando os teores de ABA são elevados, por exemplo, com frio e estresse hídrico.
Acredita-se que existam pelo menos, dois caminhos de expressão gênica em resposta ao
estresse: um dependente e outro independente do ABA, pois sabe-se que vários outros
genes induzidos por estresses ambientais são indiferentes ao tratamento com ABA
exógeno.
Alguns estudos analisaram transcriptomas inteiros de diferentes genótipos
expostos a diferentes estresses. As análises revelaram que muitos fatores de transcrição
são regulados pelo estresse, incluindo transcritos e pseudogenes. Estes estudos
mostraram que 25-50% dos genes regulados pela ABA também são regulados pela seca
ou salinidade.
Efeitos desse hormônio na proteção ao déficit hídrico são exercidos
principalmente através da indução da expressão de genes que codificam a síntese de
proteínas que apresentam função de evitar perda de água e restaurar danos celulares.
Outras respostas fisiológicas de grande valor adaptativo para a sobrevivência das
plantas em condições de baixa disponibilidade hídrica também são controladas pelo
ácido abscísico.
Referências
241
Cushman, J.C. (2000). Crassulacean acid metabolism. A plastic photosynthetic
adaptation to arid environments. Plant Physiology 127: 1439-1448.
Gaspar, T.; Franck, T.; Bisbis, B.; Kevers, C.; Jouve, L.; Hausman, J.F.; Dommes, J.
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Herrera, A. (2009). Crassulacean acid metabolism and fitness under water deficit stress:
if not for carbon gain, what is facultative CAM good for? Annals of Botany, 103:
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Kranner, I.; Farida, V.M.; Richard, P.B.; Charlotte, E. S. (2010). What is stress?
Concepts, definitions and applications in seed science. New Phytol, 88, 655-673.
Moreira, M.A.; Adami, M.; Rudorff, B.F.T. (2004). Análise espectral e temporal da
cultura do café em imagens Landsat. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 39, n.
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Pivello, V.R. (2010). Role of phenotypic plasticity in the invasiveness of a grass species
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Rabelo, R.G.; Vitória, A.P.; Silva, M.V.A.; Cruz, R.A.; Pinho, E.I.B.; Rodrigues, D.R.;
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Forest gaps. Trees, v.27: 259-272.
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242
Winter, K.; Garcia, M.; Holtum, J.A.M. (2008). On the nature of facultative and
constitutive CAM: environmental and developmental control of CAM expression
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Botany, 59: 1829-1840.
Winter, K.; Garcia, M.; Holtum, J.A.M. (2009). Canopy CO2 exchange of two
neotropical tree species exhibiting constitutive and facultative CAM
photosynthesis, Clusia rosea and Clusia cylindrica. Journal of Experimental
Botany, 60: 3167-3177.
Winter, K.; Holtum, J.A. (2014). Facultative crassulacean acid metabolism (CAM)
plants: powerful tools for unravelling the functional elements of CAM
photosynthesis. J Exp Bot.
243
Anotações:
244
CAPÍTULO XIX
Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em
plantas
Antônio Azeredo Coutinho Neto
Me. Priscila Primo Andrade Silva
Dra. Ana Zangirolame Gonçalves
1) Introdução
245
em alguns casos também podem ser absorvidos por meio de tricomas foliares (em
bromélias epífitas, por exemplo).
Tabela 1. Concentrações médias de alguns elementos classificados como essenciais
para as plantas. Modificado de Buchanan et al. (2015).
246
Tabela 2. Minerais mais comuns encontrados na fração argilosa do solo. Modificado de
Kerbauy (2008).
247
superfície foliar. Materiais secos ou úmidos que são depositados sobre as folhas,
oriundos da poluição e do uso de substâncias borrifadas (por exemplo, pesticidas e
adubos) também entram pela epiderme. Além disso, algumas espécies de plantas
possuem estruturas especializas nas folhas que ajudam na absorção de água e nutrientes,
denominadas tricomas foliares (vide Capítulo 14).
Quando contidos na solução do solo, os nutrientes minerais podem penetrar nas
raízes por três vias, denominadas apoplástica, simplástica e transmembrana. A primeira
ocorre por meio da translocação dos nutrientes entre os espaços intercelulares
(apoplasto) do parênquima cortical até a endoderme, onde estão localizadas as estrias de
Caspary (estruturas lignificadas que não permitem a passagem de nenhuma substância).
Entretanto, devido à quantidade de pectinas que constituem as paredes celulares e as
lamelas médias, esta via permite apenas a entrada de cátions, uma vez que as pectinas
possuem um grupo carboxílico (RCOO-) que repele os ânions. Assim, os ânions
necessariamente são translocados via simplasto, ou seja, dentro da célula (intracelular),
através dos plasmodesmos e/ou via transmembrana, por meio de canais nas membranas
celulares e tonoplasto (intracelular). Vale ressaltar que os cátions também são
translocados via simplasto.
A captação dos íons da solução do solo para dentro das células ocorre por meio
de carregadores (ou sistema de carregadores) que se movem dentro do sistema de
membranas e/ou através de canais iônicos (ou túneis de proteína) cuja posição é fixa na
membrana celular, sendo ambas as estruturas formadas por grandes moléculas proteicas
ou complexos dessas proteínas. Existem carregadores de alta e baixa afinidade
específicos para cada tipo de íon. Os mecanismos de transporte de alta afinidade são
ativados quando há baixas concentrações desses nutrientes, enquanto os mecanismos de
baixa afinidade são ativados quando há altas concentrações dos mesmos.
Além dos íons, as plantas também podem absorver algumas moléculas de baixo
peso molecular, como a ureia e os aminoácidos. Contudo, os íons são as fontes mais
disponíveis para absorção na solução do solo. As plantas também possuem mecanismos
bioquímicos e fisiológicos que ajudam na absorção, como a excreção de H+ e HCO3-
originados a partir da atividade respiratória, promovendo trocas iônicas nas superfícies
das argilas e partículas húmicas, disponibilizando os demais íons para a absorção. Esta
liberação de H+, combinada ao aumento da capacidade de redução das raízes e a
liberação de substâncias de baixo peso molecular (aminoácidos), são responsáveis pela
248
formação de quelatos metálicos [Ferro (Fe), Alumínio (Al) e Manganês (Mn)] que são
absorvidos facilmente pelas raízes das plantas.
As três principais formas de transportes dos elementos minerais são: (1) co-
transporte ou simporte, quando dois íons de cargas opostas são transportados
simultaneamente através da membrana por meio de carregadores; (2) contra-transporte
ou antiporte, quando um íon dentro da célula é trocado pelo íon absorvido, sendo ambos
de mesma carga e realizado por carregadores; e (3) unipórtico, quando dois íons são
transportados em sentidos opostos por meio de um canal iônico, devido a uma diferença
de potencial elétrico entre o citosol e o apoplasto.
249
4.1.2) Temperatura
A temperatura do substrato influencia a capacidade de difusão das moléculas,
influenciando em uma maior ou menor absorção pelos vegetais. A velocidade das
reações químicas também é alterada pela temperatura, pois as reações químicas tendem
a aumentar sua velocidade em temperaturas mais altas, enquanto reduzem sua
velocidade em temperaturas mais baixas. Em temperaturas extremamente frias, a
difusibilidade e as reações químicas das moléculas podem diminuir bastante, além da
possibilidade de formar cristais e danificar tecidos ou células dos vegetais quando a
água congela. Por outro lado, a viscosidade da água decresce em temperaturas muito
altas, levando a uma maior percolação dos íons e degradação das enzimas.
250
Figura 1. Influência do pH do substrato na disponibilidade de nutrientes para as plantas em solos
orgânicos. Modificado de Taiz & Zeiger (2013).
251
Figura 2. (A) Erythrina speciosa sem micorrizas; (B) Erythrina speciosa com micorrizas e maior
crescimento em relação à planta sem micorrizas; (C) Detalhe das micorrizas nas raízes de Erythrina
speciosa.
252
Figura 3. Eruca sativa (rúcula) cultivadas in vitro por 15 dias com todos os nutrientes (controle) e com a
ausência de algum macronutriente. (A) Visão geral do crescimento das plantas (folhas, hipocótilos e
raízes) e (B) a comparação da face adaxial e abaxial dos cotilédones.
253
Figura 4. Eruca sativa (rúcula) cultivadas in vitro por 15 dias com todos os nutrientes (controle) e com a
ausência de algum micronutriente. (A) Visão geral do crescimento das plantas (folhas, hipocótilos e
raízes) e (B) comparação da face adaxial e abaxial dos cotilédones.
254
5.1) Macronutrientes
5.1.1) Nitrogênio: Uma vez que o nitrogênio está presente nos aminoácidos, proteínas,
nucleotídeos, ácidos nucleicos, clorofilas e coenzimas, ele é um dos elementos minerais
essenciais mais limitantes para o desenvolvimento das plantas. Quando ocorre a
deficiência desse elemento, a planta geralmente apresenta diminuição acentuada do seu
crescimento, clorose generalizada, raízes primárias mais alongadas e acúmulo do
pigmento antocianina (cor arroxeada em algumas regiões) (ver Figura 3).
5.1.4) Fósforo: O fósforo faz parte dos açúcares, ácidos nucléicos, coenzimas,
fosfolipídeos, do ATP e ADP. As plantas com deficiência de fósforo geralmente
apresentam acúmulo de antocianinas, ocorre redução da expansão das folhas, os caules
ficam atrofiados e as folhas mais maduras tendem a morrer com o aumento da
severidade da deficiência desse elemento (ver Figura 3).
255
5.1.6) Enxofre: O enxofre é um elemento que compõe alguns aminoácidos e proteínas,
é um constituinte funcional de enzimas e participa de processos de desintoxicação por
metais pesados. A deficiência de enxofre pode causar a clorose generalizada, acúmulo
de antocianinas e redução do crescimento (ver Figura 3).
5.2) Micronutrientes
5.2.1) Ferro: O ferro está envolvido na síntese das moléculas de clorofila e é um dos
componentes do citocromo e de enzimas ligadas a absorção de nitrogênio, como a
nitrogenase. Na deficiência de ferro, as folhas apresentam clorose internerval, ficando
totalmente cloróticas, com necrose (ver Figura 4).
256
deficiência de cobre pode causar deformação nas folhas novas, a coloração destas folhas
fica verde escura, causa fechamento estomático e manchas de necrose (ver Figura 4).
6) Referências
Buchanan, B.B.; Gruissen, W.; Jones, R.L. (2015). Biochemistry and molecular
biology of plants. 2. ed. American Society of Plants Biologistis.
Epstein, E. & Bloom, AJ. (2006). Nutrição Mineral de Plantas: Princípios e
Perpectivas. 2. ed. Trad. Editora Planta.
Kerbauy, G.B. (2008). Fisiologia vegetal. 2. ed. Guanabara Koogan.
Larcher, W. (2004). Ecofisiologia vegetal. 3. ed. Rima.
Marschner, P. (2012). Mineral Nutrition of Higher Plant. 3. ed. Academic Press.
Raven, P.H; Eichhorn, S.E; Evert, R.F. (2014) Biologia vegetal. 8. ed. Guanabara
Koogan.
Taiz, L. & Zeiger, E. (2013). Fisiologia Vegetal. 5. ed. Artmed.
257
Anotações:
258
CAPÍTULO XX
Recursos genéticos vegetais: aplicações do cultivo in
vitro
Antônio Azeredo Coutinho Neto
Me. Priscila Primo Andrade Silva
1) Introdução
260
Sala de preparo: é o local para o preparo de meios de cultura e outras soluções.
Esta sala deve possuir armários e estantes para a estocagem de vidraria e do material (de
consumo e permanente) utilizado nas atividades do laboratório, também deve ser dotado
de geladeira, freezer, micro-ondas, balanças, medidor de potencial hidrogeniônico
(pHmetro), agitador magnético e bancadas para trabalho.
Sala de transferência: é o local para manipulação asséptica do material vegetal.
Esta sala deve estar equipada com câmara de fluxo laminar, aparelho de ar
condicionado, armários e estantes para armazenamento temporário dos meios de cultura
e materiais já autoclavados. Deve ser instalada ao lado da sala de cultura e ter vedação
contra a entrada de ar e poeira externa ao laboratório.
Sala de cultura: é o local onde as culturas serão mantidas até serem retiradas
dos frascos. Esta sala deve ser equipada de estantes com prateleiras iluminadas por
lâmpadas fluorescente ou lâmpadas L.E.D. A intensidade luminosa pode variar de 30 a
150 mmol m-2 s-1. O fotoperíodo deve ser mantido por meio de comutadores eletrônicos,
com 12 horas de luz e 12 horas de escuro, ou ainda 16 horas de luz e 8 horas de escuro.
A temperatura da sala pode ser mantida em torno 25°C (dependo da espécie), por meio
do uso de aparelho de ar condicionado.
Outras dependências: (1) câmaras de nebulização são ambientes dentro da casa
de vegetação equipados com atomizadores utilizados para manter o teor de umidade
elevado em todo o ar na instalação, onde as plantas são transferidas após a saída da sala
de cultura; (2) telado é uma instalação feita de uma armação de madeira, plástico ou
metal envolvidos lateral e superiormente por tela de nylon de cor preta ou cinza, onde as
plantas obtidas da câmara de nebulização são mantidas em vasos para terminar a fase de
aclimatização; (3) casa de vegetação são ambientes com cobertura plástica, telhas
transparentes ou de vidro e laterais de tela de nylon, onde são mantidas as plantas após a
aclimatização.
261
propagação vegetal com interesse comercial quanto com interesse de conservação, mas
basicamente apresenta quatro estágios de desenvolvimento:
262
Figura 1. Clonagem a partir de explantes de segmentos caulinares de Catasetum fimbriatum
(Orchidaceae) em meio de cultivo Vacin e Went (1949). A. Contaminação por fungos; B. Contaminação
por bactérias.
263
utilizada. Os explantes cultivados a partir de células ou tecidos vegetais podem se
desenvolver por meio de (1) embriogênese somática, onde células haploides ou
somáticas se desenvolvem por meio de formação de embriões zigóticos ou somáticos,
através dos estágios embriogênicos; (2) organogênese, processo de desenvolvimento
sem a passagem por estágio embrionário, induzido a partir de células ou tecido vegetal
(Figura 2). Ambos os processos podem ocorrer de forma direta, quando a planta se
desenvolve diretamente em um explante; e indireta, quando ocorre a formação de um
calo (estrutura que apresenta células em diferentes estágios de diferenciação) que
posteriormente dará origem à planta.
Figura 2. Processos de embriogênese somática (B) e organogênese direta (D). A. Planta adulta de Feijoa
selowiana doadora de explante; B. Embrião somático de Feijoa selowiana em processo de regeneração;
C. Planta adulta de Garcinia humilis doadora de explante; D. Regeneração de planta a partir de segmento
caulinar.
264
Condições de incubação: o escuro total ou intensidades de luz reduzidas podem
reduzir a oxidação fenólica nos explantes após o isolamento e também podem diminuir
o estresse em explantes que não estavam expostos à luz, como meristemas de rizomas,
bulbos e raízes. Para evitar a indução de dormência é indicado ajustar o fotoperíodo
para dias longos (16 horas de luz e 8 horas de escuro). A temperatura pode variar de 20
a 27 °C dependendo da espécie. O tipo de tampa do frasco utilizado também pode
influenciar o desenvolvimento das culturas, determinando o nível de trocas gasosas com
o ambiente externo. A vedação total do frasco leva ao acúmulo de gases liberados pela
cultura (etileno e CO2) e à saturação de vapor de água que diminui o fluxo transpiratório
nas culturas, podendo ocasionar a deficiência de elementos minerais e a vitrificação dos
propágulos.
3.3) Estágio III - Enraizamento
4) Melhoramento vegetal
Figura 3. Clonagem de Phalaenopsis (Orchidaceae). A. Cultivo in vitro a partir de hastes florais em meio
de cultura Vacin e Went (1949); B. Plantas aclimatadas em estágio juvenil em casa de vegetação; C.
Plantas adultas com flores em estufa.
266
Figura 4. Floração in vitro de Psygmorchis pusilla (Orchidaceae) em meio de cultura Vacin e Went
(1949).
267
Figura 5. Cultura in vitro em meio Murashigue e Skoog (1962) de Spathiphyllum wallisii (lírio da paz).
A. Planta com folhas normais; B. Planta com variação somaclonal (folha variegata).
268
essas plantas são micropropagadas via ápices caulinares, os quais possuem menores
quantidades virais, permitindo o desenvolvimento e crescimento de plantas livres ou
com carga viral muito baixa a ponto de não apresentarem sintomas da doença. Um dos
fatores que permite a obtenção de culturas livres de contaminação é o tamanho pequeno
dos explantes utilizados no estabelecimento inicial da cultura, pois a literatura cita que
explantes de 0,12 à 0,4 mm permite obtenção de plantas livres de vírus. Outra maneira
de obtenção de plantas com menor carga viral é utilizando-se a técnica de
microenxertia, especialmente na citricultura.
4.6) Microenxertia
Essa técnica consiste em germinar in vitro uma semente que originará uma
planta de tamanho suficiente para ser decapitada, o porta-enxerto, induzindo-se em
paralelo a produção de uma gema em uma planta matriz ex vitro. A gema da planta
matriz é coletada e passa por desinfestação, sendo inserida in vitro sobre o porta-
enxerto. A microenxertia geralmente é utilizada para a obtenção de plantas livres de
doenças ou ainda para a produção de plantas idênticas aquelas plantas matrizes do
campo.
269
Figura 6. Cultura in vitro de calos produtores de compostos químicos de interesse, mantida em meio
Murashigue e Skoog (1962) e obtidas de folhas de Senecio douglasii (Cinerária-marítima).
Uma outra maneira de cultivo in vitro que também pode e é empregado para
produção de metabólitos vegetais de interesse é a cultura de células sem parede celular
(protoplastos). Uma das culturas pesquisadas através desta é com a espécie Coptis
japônica, que produz o alcaloide berberina do grupo dos alcaloides isoquinolínicos.
Estes alcaloides vêm sendo testados com bons resultados para doenças
neurodegenerativas como o Parkinson. Porém, a cultura de protoplastos, assim como a
cultura de calos em meio sólido ou líquido, possibilita que os pesquisadores realizem
melhoramento genético vegetal através de produção de plantas transgênicas, obtenção
de híbridos naturais e seleção de mutantes.
270
A obtenção de células vegetais transgênicas a partir da cultura de protoplastos é
efetiva tanto quanto aquela empregada com calos. Entretanto a regeneração de plantas a
partir de protoplastos tanto para plantas mutantes citadas anteriormente quanto para as
transgênicas demandam protocolos específicos. O protocolo de transgenia com
protoplastos realiza-se com culturas já estabelecidas, onde geralmente transfere-se
diretamente DNA livre. Também utiliza-se a transferência de plasmídeos com o
promotor e respectivo gene de interesse obtido de um outro vegetal, animal ou
microrganismo através do cultivo da bactéria Agrobacterium tumefaciens ou
Agrobacterium rhizogenes durante algumas horas. Em seguida a infecção as bactérias
são eliminadas com antibióticos e seleciona-se as plantas com inserção positiva do gene
para a regeneração e obtenção das plantas transgênicas.
A transferência do gene de interesse para a célula vegetal pode seguir através de
duas vias, a via de inserção direta em que a membrana celular é desestabilizada com
polietilenoglicol (PEG) ou ainda através da aplicação de pulsos elétricos curtos de alta
voltagem (eletroporação) e através de disparos de projéteis de ouro ou tungstênio com
DNA, essa técnica chama-se biobalística. A outra via é indireta por meio da inserção do
gene em um plasmídeo bacteriano que é inserido na região deletada de Transferred
DNA (T-DNA). Essa via pode ser utilizada tanto para protoplastos, calos e outros
tecidos vegetais in vitro.
Após a transferência do plasmídeo pela bactéria para a célula vegetal, que pode
levar dependendo da cultura é variável para mais ou menos, seleciona-se as plantas
através de meios de cultivo com antibióticos como a canamicina ou geneticina. As
transgênicas possuem gene de resistência (genes marcadores transferidos junto no
plasmídeo) aos dois agentes, porém aquelas não transformadas não possuem essa
resistência e não se desenvolvem no meio de seleção. Também utilizam-se genes
repórteres como aquele que codifica a expressão da enzima β-glucuronidase (GUS) que
pode ser avaliado histoquimicamente para a confirmação da transgenese. Outras
técnicas como reação em cadeia da polimerase (PCR) acoplada com o uso de fitas de
DNA com 20 pares de base complementares (primers) ao gene de interesse possibilitam
a detecção da inserção positiva no material genético do vegetal. A célula, calo ou tecido
vegetal é transferido para meios de regeneração (Figura 7), podendo passar novamente
por uma seleção para eliminar falsos positivos da transgenia.
271
Figura 7. Plantas de Solanum lycopersicum regeneradas de folhas com calos e mantidas em meio
Murashigue e Skoog (1962) suplementado com o fitohôrmonio cinetina (citocinina).
5) Conservação vegetal
272
Figura 8. Banco de germoplasma para manutenção de algumas espécies vegetais.
6) Referências
Berilli, S.S.; Carvalho, A.J.C.; Freitas, S.J.; Faria, D.C.; Marinho, C.S. (2011).
Avaliação do desenvolvimento de diferentes tamanhos de mudas micropropagadas
de abacaxizeiro, após aclimatação. Revista Brasileira de Fruticultura 33(1): 208-
214.
Bregonc, S.I.; Reis, E.S.; Almeida, G.D.; Brum, V.J.; Zucoloto, M. (2008). Avaliação
do crescimento foliar e radicular de mudas micropropagadas do abacaxizeiro cv.
Gold em aclimatação. Idesia 26(3): 87-96.
Cid, L.P.B. (2010). Cultivo in vitro de plantas.1.ed. Embrapa.
Rosa, Y.B.C.J.; Júnior, G.A.M.; Soares, J.S.; Rosa, D.B.C.J.; De Macedo, M.C.;
CEZAR, A.M.A. (2013). Estudo da viabilidade de sementes de Brassavola
273
tuberculata hook. em função do período de armazenamento, tempo de cultivo e
tratamento pré-germinativo. v. 19, n° 02, Ornamental Horticulture.
Torres, A.C.; Caldas, L.S.; Buso, J.A. (1998). Cultura de tecidos e transformação
genética de plantas. 1. ed. Embrapa.
Torres, A.C.; Caldas, L.S.; Buso, J.A. (1999). Cultura de tecidos e transformação
genética de plantas. 2. ed. Embrapa.
274
Anotações:
275
CAPÍTULO XXI
Da genômica à bioinformática
Sara Sangi
Ricardo Ernesto Bianchetti
276
Inc.); SOliD (Applied Biosystems, ABI); Polonator G007 e Helicos HeliScop., sendo as
três primeiras plataformas amplamente utilizadas. A Roche, Illumina e ABI atualmente
dominam o mercado e possuem alta taxa de sequenciamento. Conforme demonstrado na
Figura 1, o custo do sequenciamento decresceu drasticamente com o desenvolvimento
das NGS. Com o declínio no custo e o desenvolvimento de metodologias mais eficazes,
a quantidade de projetos visando o sequenciamento de genomas teve um grande
incremento.
Figura 1. Custo por sequenciamento de genoma ao passar dos anos. O gráfico apresenta o custo por
sequenciamento ao longo dos anos em 2006 com os adventos da NGS nota-se o declínio do custo do
sequenciamento.
277
Figura 2. Nomenclatura utilizada para o reconhecimento das tecnologias de sequenciamento e suas
respectivas plataformas
278
mutações induzidas (Tilling), identificação de QTL e introdução destas em linhagens do
mesmo gênero e o incremento do vigor hibrido. Tais estratégias são utilizadas com
maior velocidade e eficência que o melhoramente vegetal convencional e vem
promovendo drásticas alterações na agricultura com impacto mundial.
280
induzidas por tilling, caso ocorra no promotor de determinado gene, é capaz de
comprometer sua transcrição de forma deletéria, permitindo a avaliação da função
daquele gene no desenvolvimento vegetal. Ainda na regulação transcricional, a
tecnologia recentemente descoberta CRISPR acarreta um efeito deletério no gene alvo
de interesse, tornando ainda mais refinada e direcionada a alteração de um genoma.
Associar a genômica com a transcriptômica também é essencial para aplicar a regulação
inibitória de forma pós-transcricional: através da transcriptômica, é possível quantificar
em que momento e sob qual condição, determinado gene de interesse tem sua expressão
elevada, e utilizando as sequências conhecidas do gene através da genômica, torna-se
palpável fazer o silenciamento por RNA de interferência, onde o transcrito é degradado
antes da tradução de proteína e os níveis de expressão de determinado gene diminuem
drasticamente. Aplicando o silenciamento via RNAi de forma especifíca no tecido onde
existe expressão detectada do gene, é possível avaliar os impactos que seu efeito
mitigado pode acarretar em determinada condição.
Após a transcrição, o RNA mensageiro é traduzido em uma proteína. Nos estudos
da proteômica são analisadas todas as proteínas funcionais, que são as biomoléculas
responsáveis pelo fenótipo das células. Pelos diferentes tipos e estruturas das proteínas
as tecnologias que permitem analisar o perfil global das proteínas presentes em
determinado tecido são ainda realizadas em géis. Uma das tecnologias mais difundidas é
a eletroforese em géis bi-dimensionais de poliacrilamida. Os avanços na proteômica
ainda permitem analisar o perfil proteico não apenas de um tecido, mas também de
determinados compartimento sub-celular onde o pool de proteínas estará localizado.
Por fim, as análises do metaboloma visam estudar em larga escala os compostos
químicos formados, transformados ou degradados pelo organismo em determinada fase
de desenvolvimento ou em determinado ambiente, sendo assim, possível quantificar e
anotar quais compostos estão presentes ou ausentes. As limitações no estudo da
metabolômica está relacionada à complexidade química dos metabólitos e na sua
variação biológica, sendo então exigidas técnicas diferentes para a análise de cada
metabólito (vide Capítulo 22). Em geral a separação de metabólitos por cromatografia
permite a identificação, quantificação e purificação do mesmo, o que pode ser utilizado
para diversas finalidades, o que permite verificar, além do perfil metabólico, a criação
também de um mapa de metabolismo e associação da variação de determinada rota
metabólica a um conjunto de proteínas e ao perfil de transcritos envolvidos na mesma
condição.
281
A investigação conjunta do transcriptoma, proteoma e metaboloma possibilita
analisar as relações genótipo x fenótipo e as suas interações em diferentes ambientes e
estágios de desenvolvimento. A utilização de ferramentas de bioinformática é um ponto
chave nessas análises. Existem diferentes programas e banco de dados disponíveis que
facilitam os estudos desses diferentes perfis de expressão gênica. Alguns bancos de
dados disponíveis estão listados na Tabela 1.
Genômica Comparativa
282
Referências
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283
Anotações:
284
PARTE IV
RECURSOS ECONÔMICOS
VEGETAIS
285
CAPÍTULO XXII
Introdução
O metabolismo vegetal pode ser dividido em primário e secundário. Caracteriza-
se como metabolismo primário os processos comuns e pouco variáveis à grande parte
dos vegetais, e que levam à síntese de carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos
nucleicos. Tais sínteses ocorrem por vias conhecidas como glicólise e ciclo de Krebs
(ciclo do ácido carboxílico) que, além de sintetizar intermediários para outras vias
metabólicas, geram energia e poder redutor a partir de reações de oxido-redução de
compostos orgânicos. Além destas vias, pode-se obter energia através da β-oxidação de
ácidos graxos e degradação de produtos que não são essenciais para a planta. Esses
processos compõem a unidade fundamental de toda a matéria viva.
A distinção entre metabolismo primário e secundário (ou especial) se dá pelo
conceito de que metabólitos secundários não estão envolvidos em processos geradores
de energia e/ou de constituição do protoplasto. Outro ponto é que os metabólitos
secundários não estão presentes ubiquamente entre as plantas, expressando a
individualidade de famílias, gêneros e, até mesmo, espécies (vide Capítulo 23). A
característica inerente do metabolismo secundário é a sua elevada plasticidade genética
e diversidade que garante adaptações flexíveis à mediação de fatores bióticos e
abióticos. Apesar do nome, as substâncias oriundas de vias “secundárias” são vitais para
as plantas, atuando como atrativos ou repelentes de polinizadores, dissuasores de
herbivoria, na proteção contra radiação UV e poluição, estresse hídrico, na sinalização
intraespecífica, na alelopatia, dentre outras funções.
Essas substâncias secundárias são os chamados princípios ativos vegetais
comumente encontrados em diversos produtos e terapias, mas o que de fato são esses
princípios ativos presentes nos vegetais? São substâncias formadas a partir de produtos
da fotossíntese com a função de defesa para a planta. Para nós, humanos, são essas as
286
substâncias responsáveis pelo efeito medicinal de uma planta, porém dependendo da
dose administrada, o efeito deixa de ser terapêutico e passa a ser tóxico. O princípio
ativo é uma mistura de substâncias que proporciona a ação farmacológica e difere de
fármaco à medida que o termo designa uma substância química conhecida e de estrutura
química definida.
Diversas plantas apresentam uso medicinal milenar e nos extratos destas plantas
a ação conjunta ou isolada de certas substâncias é responsável pela atividade biológica.
Este efeito difere de acordo com a dose e pode ser exemplificado com os glicosídeos
cardioativos, encontrados nas espécies Digitalis lanata e Digitalis purpurea
(Scrophulariaceae), quando em pequenas doses são amplamente utilizados para o
controle de problemas relacionados ao baixo débito cardíaco, entretanto, em doses
maiores são tóxicos, paralisando o coração na fase de sístole.
Outro exemplo é o alcaloide tubocurarina, principal constituinte do curare
(Chondrodendron tomentosum, Menispermaceae). Essa substância, embora tenha sido
usada pelos índios para fabricar flechas envenenadas, tem valor medicinal, visto que ela
é um relaxante da musculatura lisa.
Os metabólitos secundários de plantas têm um grande valor agregado do ponto
de vista econômico. Primeiramente, porque de todos os compostos identificados, poucos
são aqueles que são utilizados como drogas, saborizantes, fragrâncias, inseticidas ou
corantes. De todas as drogas usadas na medicina ocidental cerca de 25% são derivadas
de plantas, quer como um composto puro (fármaco) ou como derivado de um produto
de síntese natural. Além deste valor econômico real e efetivo, eles também apresentam
grande potencial como modelos para o desenvolvimento de novos medicamentos, uma
vez que a enorme biodiversidade da natureza é uma fonte de recursos para o
desenvolvimento de medicamentos.
Mas como substâncias com propriedades e ações tão diversas são sintetizadas
pelas plantas?
Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram
identificados em espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes
compartimentos celulares, por quatro vias de biossíntese, são elas: via do acetato
malonato, do ácido mevalônico (MEV), do metileritritol fosfato (MEP) e do ácido
chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos
secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Figura 1).
Além destes grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os
287
policetídeos aromáticos. Interessantemente, para classificação em cada grupo as
características estruturais e propriedades químicas são mais importantes do que o
compartilhamento de uma mesma via de síntese. Por exemplo, os alcaloides são
agrupados por apresentarem um caráter básico, conferido pela presença de um ou mais
átomos de nitrogênio, dentro de um ou mais anéis heterocíclicos. Os compostos
fenólicos, por sua vez, são caracterizados por apresentarem uma hidroxila funcional
ligada a um anel aromático, porém podem ser sintetizados por vias distintas. Outros
grupos ou subgrupos são baseados na presença de certos tipos de esqueletos básicos em
suas estruturas. Alguns detalhes sobre as rotas biossintéticas, sua importância para a
sobrevivência das plantas e utilização serão expostos a seguir.
Figura 1. Esquema geral das vias de biossíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas) e
suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos), em detalhe os metabólitos primários
(verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira, 2015.
288
derivados de ácidos graxos. Reações de descarboxilação levam à formação de alcanos,
álcoois secundários e cetonas (Figura 2).
Ainda é obscura a síntese dos aldeídos, entretanto, acredita-se que possam surgir
de reações enzimáticas com os alcanos ou diretamente pela perda de hidroxilas dos
ácidos graxos. A partir dos ácidos graxos de cadeia longa também podem ser formados,
por reações de redução, os álcoois primários e os ésteres (Figura 2). Os mecanismos de
transporte dessas substâncias ainda não são claros, podendo ocorrer por proximidade,
vesículas, transportadores específicos e proteínas transportadoras de lipídios.
O papel dessas substâncias para as plantas é de extrema importância, pois são
constituintes da cera cuticular. As ceras são misturas complexas de hidrocarbonetos
alifáticos de cadeia longa com série homóloga (por exemplo, n-alcanos, álcoois,
aldeídos, ácidos graxos e ésteres) que podem apresentar pequenas quantidades de
terpenoides. Juntamente com a cutina e a suberina, as ceras constituem o conjunto de
substâncias hidrofóbicas que mantêm as superfícies impermeáveis e restringem a perda
de água dos tecidos através da transpiração. Além disto, ao revestir os órgãos aéreos, ela
atua como uma barreira entre o meio interno e externo, conferindo proteção contra os
raios UV, entrada de patógenos e poluição. O surgimento desta camada protetora foi um
dos fatores importantes para a conquista do ambiente terrestre há 400 milhões de anos.
289
(Cicuta virosa, Apiaceae), é um exemplo de poliacetileno tóxico a mamíferos, causando
vômitos, convulsões e paralisia respiratória, podendo levar a morte. O falcarinol, outro
poliacetileno, é encontrado em Falcaris vulgaris (Apiaceae) e causa dermatite quando a
planta é manuseada sem o devido cuidado. Curiosamente, esse composto é encontrado
nas raízes de uma das plantas medicinais mais utilizadas mundialmente, o Ginseng
(Panax ginseng, Araliaceae).
Dentro do grupo dos derivados de ácidos graxos há as acetogeninas, compostos
C35 e C37 sintetizados a partir de ácidos graxos C32 e C34, no qual, através da adição de
uma molécula de propano-2-ol, há a formação de um anel lactônico que caracteriza as
acetogeninas. Geralmente são encontradas em espécies pertencentes à Magnoliales,
mais comumente nas Annonaceae. Essa classe de substâncias é produzida pelas plantas
para suprimir a alimentação de insetos, além disso, já foi demonstrado que elas
apresentam um grande potencial para a utilização em humanos como substâncias com
propriedades antitumoral, antimicrobiana, anti-helmíntica e antiprotozoário.
Policetídeos aromáticos
Os policetídeos aromáticos também são formados pela via do acetato-malonato.
A partir da cadeia carbônica denominada poli-β-cetoéster diversas ciclizações formam
os policetídeos aromáticos (Figura 2). Todas essas reações de biossíntese desses
metabólitos são intermediadas por proteínas homodiméricas, com dois sítios ativos,
denominadas Policetídeos Sintases do tipo III (PKS III).
As diferentes subclasses de policetídeos aromáticos dependem do tipo de
molécula utilizada como iniciadora da extensão da cadeia carbônica pela malonil-CoA.
A seguir são apresentados alguns exemplos dessas subclasses com as suas respectivas
unidades iniciadoras (Tabela 1).
Caso a unidade iniciadora seja a acetil-CoA ocorrerá a biossíntese das cromonas
e das antraquinonas. As cromonas possuem ampla distribuição nos diferentes clados
do APG IV, dentre esses compostos pode-se citar a visnagina, encontrada em frutos de
Amni visnaga (Apiaceae), que é utilizada medicinalmente como agente antiasmático. As
antraquinonas possuem uma distribuição mais restrita no APG IV, sendo encontrado nas
Fabaceae, Rhamnaceae, Rubiaceae, Polygonaceae e Xanthorrhoeaceae. Um exemplo
dessas substâncias são as emodinas, encontradas no gênero Cassia. Essas substâncias
são utilizadas medicinalmente como estimuladoras do movimento peristáltico do
intestino.
290
Por outro lado, se a unidade iniciadora for um ácido graxo haverá a biossíntese
dos ácidos anarcádicos. Estes compostos estão presentes em espécies de
Anacardiaceae e são substâncias extremamente alergênicas.
Utilizando como unidade iniciadora o hexanoil-CoA haverá a produção de
canabinoides, que são encontrados em espécies do gênero Cannabis (Cannabaceae) e
possuem diversos efeitos sobre o sistema nervoso central de humanos.
Quando o precursor é o benzoil-CoA há a biossíntese das bifenilas,
dibenzofuranos, benzofenonas e xantonas. As bifenilas e dibenzofuranos são
fitoalexinas encontradas em espécies pertencentes às Rosaceae, enquanto as
benzofenonas e xantonas são encontradas em espécies pertencentes às Clusiaceae e
Gentianaceae e possuem um alto potencial antioxidante e antitumoral.
Utilizando como precursor o p-cumaroil-CoA haverá a biossíntese dos
flavonoides e estilbenos, que serão detalhados posteriormente nesse capítulo. As
bifenilas, dibenzofuranos, benzofenonas, xantonas, flavonoides e estilbenos são
considerados compostos de biossíntese mista por utilizarem como precursores
compostos provenientes da via do ácido chiquímico (benzoil-CoA e p-cumaroil-CoA) e
sofrerem extensão da cadeia carbônica através da via do acetato-malonato.
291
Tabela 1. Policetídeos aromáticos e seus respectivos precursores, unidades de extensão, vias de síntese,
classes e exemplos.
Compostos fenólicos
O grupo dos compostos fenólicos inclui substâncias com ao menos um anel
aromático no qual houve a substituição de ao menos um hidrogênio por um grupo
hidroxila, sendo que estas substâncias podem ser simples ou com diversos graus de
polimerização. Podem ocorrer naturalmente na forma livre (agliconas), ligados a
açúcares (glicosídeos), ou ainda, ligados a proteínas, terpenos, entre outros. Ácidos
fenólicos, quinonas, fenilpropanoides, cumarinas, flavonoides e as substâncias
poliméricas (taninos e ligninas) são exemplos de substâncias fenólicas.
A eritrose 4-fosfato e o fosfoenolpiruvato são intermediários glicolíticos que se
unem e sofrem reações que levam a formação do ácido 3-dehidrochiquímico que
formará as estruturas C6-C1. Um exemplo é o ácido gálico que originará a classe dos
taninos hidrolisáveis. Os taninos hidrolisáveis são polímeros de ácido gálico e elágico
(dímero de ácido gálico) esterificados com açúcares. Esses fenólicos são substâncias
adstringentes (precipitam proteínas transformando-as em derivados insolúveis) e essa
292
propriedade é muito importante na proteção contra herbivoria, uma vez que torna o
material vegetal pouco palatável e com menor valor nutricional.
O ácido 3-dehidrochiquímico formará o ácido chiquímico que após diversas
reações sintetiza os aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano). A
fenilalanina, quando desaminada pela ação da PAL (fenilalanina amônia liase), origina
o ácido cinâmico, o primeiro fenilpropanoide (C6-C3) formado. Os fenilpropanoides
subsequentes podem sofrer diversas alterações mediadas por enzimas que levarão a
formação de outras classes de substâncias fenólicas, como as lignanas e as ligninas.
Este complexo polimérico (lignanas e ligninas) confere rigidez e resistência mecânica à
parte aérea das plantas, característica que conferiu uma melhor sustentação e
possibilitou maior transporte de água e minerais a partir das raízes, permitindo a
conquista do ambiente terrestre.
Para a síntese de flavonoides e estilbenos, substâncias com 15 átomos de
carbono, são combinados esqueletos carbônicos provenientes de duas vias: a via do
ácido chiquímico e a via do acetato-malonato, portanto, são de biossíntese mista (Figura
3). Após a fenilalanina ser desaminada, hidroxilada e ligada a uma coenzima-A (CoA)
ocorre a formação de uma molécula de coumaroil-CoA. Essa estrutura liga-se a três
unidades de malonil-CoA, levando a formação de uma chalcona, após algumas reações
mediadas pela chalcona sintase, essa é a primeira classe de flavonoides formada. A
mesma estrutura que origina a chalcona sofre uma série de reações mediadas pela
estilbeno sintase, culminando com a formação das diversas substâncias pertencentes à
classe dos estilbenos, dentre elas o resveratrol. A chalcona, por sua vez, pode
isomerizar-se em uma flavanona e a partir dela são formadas as demais classes de
flavonoides. Dessa forma, flavonoides são substâncias que possuem, em geral, um
esqueleto C6-C3-C6, onde C6-C3 é proveniente do chiquimato e ele está ligado a um anel
C6, proveniente da via do malonato.
As diferentes classes de flavonoides diferem uma das outras devido a pequenas
variações nessa estrutura básica de 15 carbonos. As flavanonas, por exemplo, têm o anel
B ligado ao carbono 2, enquanto que as isoflavonas têm o anel B ligado à posição 3.
Flavonas e flavonois são muito semelhantes entre si, à única diferença é que os
flavonois apresentam um grupo hidroxila (OH) na posição 3. As antocianidinas, que são
a forma aglicona e os cromóforos de antocianinas, apresentam um oxigênio catiônico.
Por fim, as proantocianidinas (PAS ou taninos condensados), formadas pelo ramo
terminal da via dos flavonoides, apresentam as mesmas propriedades dos taninos
293
hidrolisáveis, apesar de serem polímeros de catequinas. Os flavonoides atuam na
proteção dos tecidos vegetais frente à ação mutagênica dos raios UV e participam da
atração de polinizadores e dispersores de sementes. Antocianinas propiciam uma vasta
gama de tonalidades (diferentes tons de vermelho, púrpura e azul). A diversidade de
cores encontrada deve-se primeiramente ao padrão de hidroxilações, glicosilações,
acilações e metilações de suas estruturas básicas, e aliado a isso, há outros fatores que
podem influenciar nas cores encontradas como: copigmentação (flavonoides,
fenilpropanoides, aminoácidos, carotenoides, dentre outros), pH vacuolar e
complexação com metais. Alguns compostos fenólicos, como fenilpropanoides e
flavonois, além de atuarem como copigmentos podem conferir a cor branca.
Os processos biossintéticos que levam a formação da fenilalanina ocorrem nos
plastídios e a síntese dos fenilpropanoides e flavonoides prossegue na parte citosólica
do retículo endoplasmático, sendo que essas substâncias são armazenadas nos vacúolos.
Elas também podem ser encontradas em outros compartimentos celulares como parede
celular, núcleo, cloroplastos e, até mesmo, no espaço extracelular dependendo da
espécie, do tecido ou do estágio de desenvolvimento da planta. Os flavonoides são
sintetizados principalmente no citosol, em complexos multienzimáticos ligados às
membranas do retículo endoplasmático (RE), e de lá são transportados para seus
destinos subcelulares.
As cumarinas, furanocumarinas e estilbenos, exemplos de classes de
substâncias fenólicas, protegem as plantas contra patógenos (bactérias e fungos) e
herbívoros, além de inibirem a germinação de sementes de plantas adjacentes
impedindo a competição destas pelos mesmos recursos (alelopatia).
Os compostos fenólicos têm recebido crescente atenção por parte da indústria
alimentícia, cosmética e farmacêutica. A eles são atribuídos uma vasta gama de efeitos
fisiológicos como: antialérgicos, anti-inflamatórios, antimicrobianos, antitrombóticos,
antioxidantes, cardioprotetores e vasodilatadores. Por estes efeitos, este grupo de
substâncias, as quais são presentes em altos níveis em frutas e vegetais, são
consideradas benéficas à saúde humana, especialmente pelo potencial antioxidante.
294
Figura 3. Esquema da via de síntese dos compostos fenólicos. Modificado de Moreira (2015).
Terpenos
Os terpenos formam o maior grupo de produtos naturais, apresentando uma
grande diversidade estrutural, com mais de 35 mil substâncias identificadas. Eles são
derivados teóricos do isopreno, uma estrutura de cinco carbonos, sendo o número dessa
unidade presente na molécula utilizada para a classificação, podendo existir:
monoterpenos (C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), triterpenos (C30),
tetraterpenos (C40) e politerpenos (mais de 40 carbonos).
Os terpenos são tidos como derivados teóricos do isopreno pelo fato desta
molécula não estar envolvida na síntese dos terpenos, os precursores são o isopentenil
difosfato (IPP) e o dimetilalil difosfato (DMAPP). A síntese deste grupo de metabólitos
secundários se dá a partir de duas vias, a do MEV (que tem como precursor acetil-CoA)
que ocorre no citosol, e a do MEP (derivado de intermediários glicolíticos) a qual é uma
295
rota plastidial. Atualmente sabe-se que há uma comunicação entre estas duas vias
podendo haver trocas dos componentes formados por cada uma, assim ambas levarão a
formação do IPP que pode se converter em seu isômero DMAPP.
A ligação do IPP e DMAPP forma o geranildifosfato (GPP), uma molécula de
10 carbonos, a partir da qual são formados os monoterpenos. O GPP pode se ligar a
outra molécula de IPP, formando um composto de 15 carbonos, o farnesil difosfato
(FPP), precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição de outra molécula de IPP ao
FPP forma o geranilgeranil difosfato (GGPP), um composto de 20 carbonos, precursor
dos diterpenos. Por último, dímeros de FPP e GGPP são precursores dos triterpenos
(C30) e tetraterpenos (C40), respectivamente (Figura 4). Cada uma destas classes de
terpenos possui uma ampla gama de funções nas plantas e alguns exemplos serão
abordados a seguir.
Os monoterpenos e os sesquiterpenos são substâncias presentes nos óleos
voláteis e conferem a determinadas plantas seu aroma característico (como as
Lamiaceae, Ocimum sp., por exemplo). Os óleos voláteis também possuem compostos
provenientes de outras vias como, por exemplo, os fenilpropanoides. Os óleos voláteis
estão associados à defesa (repelindo ou atraindo insetos) e sinalização molecular nas
plantas, além disso, exibem atividades antimicrobianas e têm sido amplamente
utilizados na indústria cosmética, farmacêutica e alimentícia.
Há diterpenos essenciais como o fitol, que faz parte de várias moléculas como,
por exemplo, a clorofila, e é um dos mais simples e abundantes diterpenos. Outra
molécula essencial dentro desta classe é a giberelina. As giberelinas compõem um
grupo de hormônios vegetais envolvidos na regulação de diversos processos como o
alongamento celular e a senescência.
No caso dos triterpenos, atividades anticancerígenas foram relatadas para os
tipos ursano, lupano e oleanano, substâncias encontradas em diversas plantas. Os
triterpenos também são frequentemente encontrados na forma de saponinas (do latim:
sapo = sabão) que possuem propriedades surfactantes. Limonoides, que são triterpenos
modificados, têm reconhecida atividade inseticida como, por exemplo, no óleo de Neem
(Azadirachta indica, Meliaceae). Triterpenos, tais como, os esteroides sitosterol,
estigmasterol e campesterol, são frequentemente encontrados como parte estrutural da
membrana celular. Esteroides também são de interesse nutricional pela sua capacidade
de reduzir os níveis de colesterol absorvido.
296
Os carotenoides ou tetraterpenoides (C40) são sintetizados no plastídio via 2-
metileritritol 4-fosfato (MEP). Esses terpenos são substâncias lipossolúveis,
amplamente distribuídas no reino vegetal, em geral atuam como pigmentos relacionados
à fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas, além de serem precursores da
vitamina A cuja deficiência em humanos pode causar problemas de visão. Como
pigmentos conferem colorações amareladas e alaranjadas, e podem coexistir com as
antocianinas resultando assim em tonalidades marrons e bronze.
Compostos nitrogenados
Compostos nitrogenados são defesas químicas anti-herbivoria e, quando
pigmentos, atrativos de polinizadores. As quatro classes mais importantes são:
alcaloides, betalaínas, glicosídeos cianogênicos e glucosinolatos. Essas substâncias
são formadas a partir de aminoácidos aromáticos e alifáticos.
297
Alcaloide é o nome dado a um grupo de substâncias bastante heterogêneo,
predominantemente sintetizado por plantas (dos 27 mil alcaloides conhecidos no
momento, 21 mil são de origem vegetal). Eles têm em comum o caráter alcalino,
conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, e podem ter um ou mais
anéis heterocíclicos. Essa classe de compostos nitrogenados é reconhecida pelo seu
amplo espectro de atividades biológicas, por isso correspondem a princípios ativos
comuns em plantas medicinais e tóxicas. Alguns exemplos são a papoula (Papaver
somniferum, Papaveraceae), que contém morfina, codeína e papaverina; o café (Coffea
arabica, Rubiaceae), que contém cafeína; a espécie Chondodendron tomentosum
(Menispermaceae), da qual se extrai o curare, potente relaxante muscular com atividade
anestésica, utilizado como veneno de flecha por indígenas sul-americanos. Outro
alcaloide muito conhecido é a nicotina (presente no fumo, Nicotiana tabacum,
Solanaceae).
Os diferentes tipos de alcaloides são classificados de acordo com o aminoácido
precursor utilizado para a formação de sua estrutura e o anel nitrogenado formado a
partir deste, sendo que os aminoácidos mais comuns são os alifáticos, como a lisina e a
ornitina, e os aromáticos, como a tirosina e o triptofano (Tabela 2).
A partir da lisina são biossintetizados os alcaloides quinolizidínicos (vide
Capítulo 20), compostos tóxicos para herbívoros, encontrados em Berberidaceae,
Ranunculaceae, Solanaceae e em Fabaceae, como a Lupinus sp., que contém a lupinina;
os alcaloides indolizidínicos, comuns em Fabaceae, possuem alta atividade anti-HIV; os
alcaloides piperidínicos, distribuídos em diversas famílias do APG IV, alguns
compostos dessa classe são utilizados em preparações para pessoas que querem parar de
fumar, como é o caso da lobenina, encontrada na Lobélia (Lobelia inflata,
Campanulaceae), que estimula os mesmos receptores da nicotina, simulando o efeito
dessa substância.
A ornitina, por sua vez, é precursora dos alcaloides tropânicos, como a atropina
e a cocaína, cuja distribuição (vide Capítulo 23) se concentra em espécies pertencentes
às Malpighiales e às Solanales; dos alcaloides pirrolidínicos, como a higrina, encontrada
em folhas de coca (Erythroxylum coca, Erythroxylaceae); e dos alcaloides
pirrolizidínicos, mais comumente encontrados nas ordens Asparagales, Fabales,
Asterales e na família Boraginaceae, que são compostos hepatotóxicos, portanto,
inibidores de herbivoria.
298
A tirosina é precursora dos alcaloides pertencentes às classes dos aporfínicos,
tetraidroisoquinolínicos, isoquinolínicos, benziltetraidroisoquinolínicos, morfinanos e
protoberberínicos. Dentre os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como
destaque aqueles encontrados na papoula, são eles: a morfina, um potente anestésico; a
codeína, utilizada em formulações de xaropes antitussígenos; e a papaverina, utilizada
em medicamentos contra cólicas devido ao seu efeito anestésico da musculatura lisa.
A partir do triptofano são sintetizados os alcaloides pertencentes às classes dos
quinolínicos, β-carbonílicos, pirroloindólicos, indólicos e pirroloquinolínicos. Dentre os
alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como destaque a vincristina,
extraída da vinca-de-Madagáscar (Catharanthus roseus, Apocynaceae), que é muito
utilizada como agente quimioterápico, principalmente no combate a leucemia.
As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como pigmentos em algumas
espécies de Caryophyllales (vide Capítulo 23). Elas conferem colorações avermelhadas
a violetas (betacianinas) ou amareladas a tons de laranja (betaxantinas). A presença de
antocianinas e betalaínas são excludentes, não há uma espécie se quer descrita com a
síntese das duas classes.
Glicosídeos cianogênicos possuem um resíduo de açúcar e um grupamento
nitrila. Eles são armazenados em vacúolos e, quando a planta é atacada, são hidrolisados
pela enzima que se encontra no citoplasma gerando cianeto, substância altamente
tóxica. A mandioca (Manihot esculenta, Euphorbiaceae) possui concentrações altas de
um glicosídeo cianogênico chamado linamarina, por isso antes de seu consumo é
necessário um preparo prévio a fim de evitar a intoxicação por esse composto.
Glucosinolatos são substâncias que contêm enxofre, nitrogênio e açúcar em sua
molécula. Eles ocorrem em quase todas as espécies de Brassicaceae e são responsáveis
pelo sabor picante do agrião, rabanete e pelo gosto característico dos brócolis, repolho,
mostarda, etc. Quando a planta é atacada, os glucosinolatos são hidrolisados pela
enzima mirosinase, produzindo isotiocianatos e nitrilas que agem na defesa da planta
como toxinas e repelentes contra herbívoros.
299
Tabela 2. Exemplos de classes de alcaloides, seus respectivos precursores, fonte e uso por humanos.
300
O arroz-dourado, ou “golden-rice”, ilustra a importância da tecnologia do DNA
recombinante para a produção de metabólitos secundários de interesse agronômico e
nutricional. Este transgênico foi gerado para produzir betacaroteno, precursor da
vitamina A, que confere a coloração amarelada e dá nome à linhagem.
Para a obtenção destas plantas transgênicas foram inseridos dois genes exógenos
sob controle de um promotor de endosperma, de modo que os transgenes se expressam
somente nos grãos. O primeiro transgene codifica a fitoeno sintase de milho, que utiliza
GGPP como substrato para a produção de fitoeno. O segundo gene (CRTI) codifica uma
fitoeno desaturase bacteriana responsável pela síntese de licopeno. Ciclases do próprio
endosperma, como a licopeno isomerase e α, β-licopeno ciclase, catalisam as reações de
síntese de betacaroteno a partir do licopeno, de modo que os níveis desta substância
chegam a 35 µg por grama de arroz seco. Devido à facilidade de produção, baixo custo
no mercado e amplo consumo do arroz, a variedade transgênica aparece como uma das
promessas para combater a deficiência de vitamina A, especialmente em populações
pobres asiáticas que tem o arroz como base da alimentação.
Outro exemplo de engenharia do metabolismo secundário em favor da
agricultura é o caso do combate à mariposa Plutella xylostella. A traça-das-crucíferas,
causada por esta espécie, é uma das principais pestes que atacam as plantações de
Brassicaceae, como brócolis, repolho, couve e mostarda, em todo o mundo. As fêmeas
de P. xylostella são atraídas por glucosinolatos, que estimulam também a ovoposição
nas folhas das plantas hospedeiras, provocando enormes prejuízos às plantações.
Como forma de prevenir infestações e proteger as culturas, tem sido estudado o
emprego de outros cultivares mais atrativos aos herbívoros especialistas, mas que não
provêm as condições ideais para o desenvolvimento das larvas. Neste contexto, foi
desenvolvido o tabaco transgênico que produz benzilglucosinolato, um alcaloide
característico das brassicaceas, através da inserção de seis enzimas que catalisam
reações consecutivas da biossíntese do benzilglucosinolato a partir da fenilalanina. O
tabaco transgênico é mais atrativo para oviposição do que a variedade selvagem e
também é um hospedeiro que permite menor taxa de sobrevivência das traças,
protegendo as culturas e evitando o uso de defensivos agrícolas.
Avanços na biotecnologia dos metabólitos secundários são também possíveis
ferramentas para reverter um grande gargalo na produção de biocombustíveis. A
obtenção de celulose com esse fim é limitada pela presença da lignina, portanto, é de
interesse industrial a obtenção de plantas com níveis reduzidos de lignina, mas que não
301
apresentem desenvolvimento comprometido, baixo vigor ou inferioridade agronômica.
Como alternativa, é possível modificar a estrutura química deste polímero de modo a
torná-lo mais acessível aos métodos de extração de biomassa. Uma das estratégias para
isso é a construção da chamada “zip-lignina”, que se baseia na incorporação de
conjugados de monolignol e ferulatos na estrutura do polímero. Foi produzido com este
fim um choupo transgênico, no qual foi introduzida uma feruloil-CoA: monolignol
transferase de Angelica sinensis. Essa transferase introduz ligações do tipo éster,
quimicamente instáveis em comparação às ligações éter, normalmente presentes no
esqueleto da lignina. Desta forma, são obtidos polímeros que necessitam de menos
energia para serem degradados, facilitando a obtenção de açúcares para fins industriais.
O conhecimento detalhado das estruturas químicas e vias de síntese de
substâncias secundárias pode proporcionar diversas aplicações biotecnológicas de
interesse econômico em processos agrícolas, industriais e biotecnológicos.
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303
Anotações:
304
CAPÍTULO XXIII
Metabólitos secundários como ferramenta para a
sistemática de Angiospermas
Pâmela Tavares da Silva
Andressa Cabral
Introdução
A Sistemática Vegetal é o ramo da Biologia Vegetal que envolve a descoberta, a
descrição e a interpretação da diversidade biológica baseando-se nas relações evolutivas
entre os organismos. Toda esta informação é sintetizada em sistemas de classificação
que possam gerar previsões testáveis. Seu principal objetivo é obter uma árvore
filogenética que reconstrua a história evolutiva dos vegetais, mostrando a relação
natural entre os táxons. As reconstruções filogenéticas são realizadas através de
inferências, as quais podem ser obtidas de diferentes maneiras e baseando-se em
diferentes filosofias, todas buscando a melhor a hipótese para explicar a evolução dos
táxons em questão.
Para realizar suas inferências filogenéticas, @s pesquisador@s baseiam as
análises em um conjunto de caracteres (evidências) que auxiliam na construção e
sustentam as hipóteses evolutivas. Estas evidências podem ser obtidas de diversas
fontes, de várias estruturas e estágios do desenvolvimento da planta. Dentre os
caracteres mais utilizados, podem ser citados os morfológicos, macromoleculares (DNA
e RNA), anatômicos, cromossômicos, embriológicos, palinológicos, bioquímicos e de
proteína.
Os metabólitos secundários demonstraram ter utilidade na sistemática de
Angiospermas por estarem frequentemente restritos a grupos relacionados
filogeneticamente. Por este motivo, eles têm sido recentemente utilizados nos estudos
de variações entre táxons e nas construções de hipóteses filogenéticas como caracteres
bioquímicos. O emprego destes compostos como caracteres na sistemática vegetal está,
em geral, baseado na sua presença ou ausência em um dado grupo. Contudo, vários
compostos podem ser formados por diferentes vias biossintéticas, e por isso, a
elucidação destas vias também tem sido relevante quando interpretadas em filogenias. A
seguir, iremos abordar brevemente o metabolismo vegetal e as categorias de metabólitos
secundários com utilidade na sistemática de Angiospermas.
305
Um exemplo é mostrado no sistema de Dahlgren (1989), em que no ponto de
vista químico, as ordens poderiam ser divididas usando algumas classes de substâncias,
como Betalaínas, Taninos Elágicos, Benzilisoquinolinas, Glicosinolatos, Poliacetilenos,
Lactonas Sesquiterpênicas, Iridóides.
306
demonstrando assim a grande plasticidade de adaptação frente aos fatores bióticos e
abióticos, sendo estes, também, essenciais à vida.
O metabolismo primário e seus compostos produzidos são muito semelhantes,
embora em alguns casos não idênticos, entre animais, bactérias, fungos, plantas e outros
organismos. O metabolismo secundário desempenha um papel chave na proteção de
plantas contra micro-organismos (fungos e bactérias) e infecções virais, herbivoria (por
exemplo, lesmas e caramujos, artrópodes e vertebrados), frente à radiação UV, atração
de polinizadores e dispersores dos frutos, alelopatia e sinalização (fito-hormônios).
Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram
identificados em espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes
compartimentos celulares, por quatro vias de biossíntese, sendo elas: via do Acetato
Malonato, do Ácido Mevalônico (MEV), do Metileritritol Fosfato (MEP) e do Ácido
Chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos
secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Figura 2). Além
destes grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os
policetídeos aromáticos. Essas classes, acima citadas, são derivadas de diferentes vias
do metabolismo primário, demonstrando assim, a conexão entre as vias de síntese do
metabolismo vegetal.
Figura 2. Esquema geral das vias de biossíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas) e
suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos), em detalhe os produtos finais dos
metabólitos primários (verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira (2015).
308
Glicosídeos cianogênicos
Mesmo assim, alguns tipos são conhecidos apenas para grupos relacionados,
como no caso dos glicosídeos cianogênicos ciclopentenoides, os quais são conhecidos
para as famílias Achariaceae, Malesherbiaceae, Passifloraceae e Turneraceae, todas
inseridas em Malpighiales. Já os glicosídeos cianogênicos sintetizados a partir de
leucina são comuns na família Rosaceae (Rosales) e os derivados de tirosina são
encontrados em várias famílias de Magnoliales e Laurales (Figura 4).
Alcaloides
309
Alguns tipos de alcaloides são específicos de alguns grupos de Angiospermas,
como os alcaloides indólicos da classe da secologanina, que ocorrem somente em
Gentianales (nas famílias Apocynaceae, Gelsemiaceae, Loganiaceae e Rubiaceae)
(Figura 5), e os alcaloides benzilisoquinolínicos que ocorrem em Nelumbonaceae
(Proteales) e em algumas famílias de Magnoliales, Laurales e Ranunculales (Figura 6).
310
Figura 6. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Alcaloides
benzilisoquinolínicos nas Angiospermas.
Glucosinolatos
311
Figura 7. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Glucosinolatos nas
Rosídeas Malvídeas.
Terpenoides
312
Figura 8. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Óleos
essenciais nas Angiospermas.
Figura 9. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Óleos essenciais nas
Eudicotiledôneas.
313
significativamente entre os táxons, demonstrando ser um potencial caráter a ser
utilizado na taxonomia do grupo.
Figura 10. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização das Saponinas
triterpênicas em famílias relacionadas filogeneticamente.
Flavonoides
314
grau de oxidação do anel central. Podem atuar na defesa contra herbívoros, sinalização
planta-bactéria, proteção frente à radiação UV, defesa induzida entre planta e fungos,
antioxidante e pró-oxidante, coloração das flores e frutos e na regulação de transporte de
auxina. São conhecidos para a maioria das embriófitas e para as algas Charophyta,
sendo amplamente utilizados na sistemática vegetal, provavelmente pela facilidade de
sua extração e identificação. São compostos que mostraram ser úteis em estudos de
variação infra-específica e na determinação de relacionamentos entre/em vários níveis
taxonômicos.
Antocianinas e betalaínas
Poliacetilenos
315
diferentes estruturas dos poliacetilenos para Araliaceae. Na tabela 1 podemos ver que as
diferentes espécies possuem diferentes poliacetilenos isolados.
Tabela 1. Modificado de Hansen & Boll (1986). Espécies com diferentes poliacetilenos isolados.
Figura 11. Modificado de Hansen & Boll (1986). Poliacetilenos extraídos de diferentes espécies de
Araliaceae.
316
Figura 12. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização das Betalaínas em
Caryophyllales e dos poliacetilenos nas Asterídeas.
Figura 13. Cladograma modificado de APG IV (2016) mostrando a localização dos Poliacetilenos do
tipo facarinona.
317
O conhecimento detalhado das vias de síntese de substâncias secundárias e dos
produtos formados mostrou ser uma fonte de evidências promissoras para a
quimiosistemática de Angiospermas, podendo auxiliar na construção e sustentação de
hipóteses filogenéticas.
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318
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319
Anotações:
320
CAPÍTULO XXIV
321
diversidade de organismos, que sofrem pressões ambientais diferentes dos organismos
terrestres e apresentam compostos com características únicas.
A química de produtos naturais marinhos teve início na década de 1950 com o
isolamento dos nucleosídeos (base nitrogenada ligada a uma pentose) espongotimidina e
espongouridina da esponja Tethya crypta, que apresentam atividade antiviral ao atuarem
na enzima transcriptase reversa.
No entanto, somente a partir da década de 1970, com o desenvolvimento de
equipamentos de mergulho modernos, que as pesquisas com compostos bioativos de
organismos marinhos foram impulsionadas. Desde então, estima-se que cerca de 20.000
compostos foram descobertos em organismos marinhos, como bactérias, fungos, algas e
animais.
322
Em algas pardas são conhecidos cerca de 1140 metabólitos secundários,
principalmente das classes dos terpenos e das substâncias fenólicas. As principais
substâncias fenólicas encontradas em algas pardas são os florotaninos, que são
polifenóis derivados do floroglucinol e não ocorrem nos outros grupos de macroalgas.
Nas algas vermelhas são conhecidos aproximadamente 1.500 metabólitos secundários,
dos quais cerca de 70% são compostos halogenados (apresentam pelo menos um átomo
de halogênio), que podem pertencer a diferentes classes químicas, como dos terpenos,
acetogeninas e substâncias fenólicas. Nas algas verdes são conhecidos
aproximadamente 300 metabólitos secundários, principalmente da classe dos terpenos.
Os metabólitos secundários isolados em macroalgas apresentam diversas
atividades biológicas já comprovadas, como: antioxidante, antibacteriana, antiviral e
anticâncer.
Atividade antioxidante
As macroalgas, assim como outros organismos aeróbios, produzem normalmente
espécies reativas de oxigênio (EROs) durante os processos de respiração celular e
fotossíntese. No entanto, alguns fatores externos também podem estimular a produção
de EROs, o que pode levar ao estresse oxidativo, e à degradação de moléculas
orgânicas, como lipídeos, proteínas, carboidratos e DNA.
Como o ambiente aquático está sujeito à variação de nutrientes, luminosidade,
concentração de CO2 e O2, temperatura e salinidade, as macroalgas estão propensas a
sofrer com o estresse oxidativo. Para garantir sua sobrevivência, é necessário um
mecanismo eficiente de resposta ao estresse, como uma alta capacidade antioxidante.
As substâncias fenólicas são uma classe diversa de metabólitos secundários
encontrados em algas e plantas terrestres, e que apresentam diferentes mecanismos
antioxidantes: como doadores de hidrogênio e quelante de metais. Ao doar hidrogênio
às espécies reativas, os antioxidantes impedem a oxidação de moléculas orgânicas e a
formação de novas EROs. Já ao atuar como agentes quelantes, esses compostos
antioxidantes sequestram e “aprisionam” íons metálicos que catalisam reações de
oxidação e, assim, impedem a formação de EROs. As algas pardas, de modo geral,
apresentam alta capacidade antioxidante, devido à presença dos florotaninos,
Os carotenoides, que são tetraterpenos (terpenos de 40 carbonos), são pigmentos
alaranjados que ocorrem em diversos organismos. Estão presentes em todos os
323
organismos fotossintetizantes, atuando como pigmentos acessórios da fotossíntese e
também na fotoproteção, devido a sua propriedade antioxidante.
Os aminoácidos tipo micosporinas são moléculas polares que absorvem no
comprimento de onda do UVA e UVB, sua absorção máxima ocorre entre 310 a 360
nm, dependendo da sua estrutura molecular. Esses compostos estão amplamente
distribuídos na natureza e são encontrados tipicamente em organismos que estão
expostos a alta intensidade de luz, tais como cianobactérias e outros procariotas,
eucariotas (e.g., fungos e microalgas), macroalgas marinhas (algas verdes e vermelhas),
corais, líquens terrestres e outros organismos marinhos que acumulam micosporinas
através da dieta.
A proteção contra danos causados pela radiação solar em organismos aquáticos
sugere que esse grupo de substâncias pode atuar também como antioxidantes. Apesar de
algumas micosporinas não apresentarem potencial antioxidante direto, alguns de seus
precursores, como o 4-deoxygadusol, possuem forte atividade antioxidante.
Por bloquearem os danos causados pela fotodegradação, as micosporinas têm
sido exploradas comercialmente na busca protetores solares e cremes anti-idade. A
adição de micosporinas a produtos cosméticos têm mostrado bons resultados como
melhora no tônus e na maciez da pele.
Atividade antibacteriana
O uso indiscriminado de antibióticos nos últimos anos levou a resistência de
agentes patogênicos, por esse motivo, estudos têm procurado novas fontes de
substâncias com atividade antibacteriana.
Em macroalgas, os principais compostos que apresentam atividade
antibacteriana são substâncias fenólicas, terpenos e compostos halogenados.
Os florotaninos (polifenóis) são os principais responsáveis pela atividade
antibacteriana em algas pardas. O eckol e o dieckol isolados de algas dos gêneros
Ecklonia e Eisenia, por exemplo, inibem o crescimento de S. aureus.
A atividade antibacteriana dos florotaninos se dá pela inibição da fosforilação
oxidativa e pela capacidade de se ligar às proteínas da membrana bacteriana, causando
lise celular. Florotaninos de baixo peso molecular extraídos de Sargassum thunbergii
causaram danos à membrana e à parede celular de V. parahaemolyticus, bactéria Gram-
negativa que causa gastroenterite principalmente pela ingestão de peixes e frutos do mar
mal cozidos.
324
Sesquiterpenos (terpenos de 15 carbonos) também têm apresentado atividade
antimicrobiana em algas vermelhas e verdes. No gênero Laurencia (algas vermelha) já
foram isolados diversos sesquiterpenos halogenados, os quais têm mostrado potencial
antibacteriano. Por exemplo, o laurinterol isolado de Laurencia okamurae apresenta
atividade bactericida contra cepas de Staphylococcus aureus (Gram-positiva) resistente
ao antibiótico meticilina. Já na alga verde Ulva fasciata foram isolados sesquiterpenos
com atividade contra espécies do gênero Vibrio.
Furanonas halogenadas, ou fimbrolídeos, isoladas da alga vermelha Delisia
pulchra, têm se mostrado promissores compostos antibacterianos. Furanonas são um
tipo de lactona, ou seja, um éster cíclico, e nesse caso estão ligadas a pelo menos um
átomo de bromo. Na alga esses compostos têm ação anti-incrustante, impedindo a
formação de biofilmes, que são comunidades de microrganismos envoltos por uma
matriz extracelular de polissacarídeos, que os mantém unidos entre si e a uma superfície
sólida. Nessa matriz, além dos microrganismos que a produziram, podem estar aderidos
outros microrganismos e partículas sólidas.
Por esse motivo, furanonas halogenadas têm sido estudadas como um potencial
tratamento para infecções causadas por Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria Gram-
negativa que pode formar biofilmes nos aparelhos respiratório e urinário. Além de P.
aeruginosa, as furanonas halogenadas apresentam atividade antibacteriana contra outras
espécies de bactérias Gram-negativas, como Escherichia coli, Serratia liquefaciens,
Proteus mirabilis e espécies do gênero Vibrio.
Atividade antiviral
Doenças virais há muito tempo são assuntos com grande relevância e
importância médica, pois os vírus são organismos com alta taxa de mutação e
resistência à fármacos e terapias. Entre as doenças virais com grande repercussão
encontra-se a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) que é considerado um
grande problema de saúde pública mundial. Além dela, a herpes também é uma doença
que atinge mais de 80% da população mundial, porém a maioria não demonstra as
manifestações clínicas (erupções com inflamação em mucosas), o que facilita muito a
dispersão do vírus. Desta forma, a descoberta de novas substâncias e/ou terapias que
apresentem alta eficiência e baixa toxicidade têm sido alvo de grande interesse nas
pesquisas de bioprospecção.
325
Os florotaninos apresentam atividade antiviral e atuam em diferentes fases da
infecção, podendo inibir a adsorção, a transcriptase reversa e a transcrição. Na alga
parda E. cava foram isolados quatro derivados do floroglucinol, dos quais o bieckol e o
dieckol inibiram a transcriptase reversa do HIV (TR-HIV). Essas substâncias
apresentaram capacidade de inibição comparável a nevirapina, um fármaco usado no
tratamento da AIDS.
Diterpenos isolados da alga parda Dictyota menstrualis apresentam forte
atividade inibitória da enzima TR-HIV e contra o vírus da herpes. Terpenos do tipo
dolabelano isolados da alga Dictyota pfaffi, desempenham importante papel na inibição
da TR-HIV in vitro.
O Dolabelladienetriol, outro diterpeno isolado de D. pfaffi, além de inibir a TR-
HIV também bloqueia a síntese/integração do DNA viral em células infectadas.
Atualmente um promissor gel ginecológico está sendo desenvolvido por institutos de
pesquisas brasileiros e já é considerada mais uma forma de proteção para a mulher,
porém é importante salientar que o seu uso deve ser aliado ao uso da camisinha.
Segundo a Dra. Valéria Teixeira da Universidade Fluminense, responsável pelo
isolamento da substância e pela condução das pesquisas, o composto é promissor, pois
age nas células, possui baixa toxicidade e é capaz de permanecer nas células por até dez
dias. Mesmo que o tempo seja curto, os pesquisadores defendem a utilização preventiva
do gel, que está na fase clínica de testes, pois o seu mecanismo de ação não impede que
o vírus entre na célula, mas em contato com a substância o HIV não consegue se
multiplicar.
Atividade anticâncer
Meroditerpenos isolados de algas pardas apresentaram interessante supressão no
desenvolvimento de linhagens celulares de neuroblastoma humano (SH-SY5Y),
leucemia basofílica em ratos (RBL-2H3), fibroblastos de hamster chinês (V79) e células
de adenocarcinoma do cólon humano (Caco-2).
O Dactilone é um novo grupo de substâncias que vem sendo utilizado como
agente anticâncer. Essa substância, isolada da alga vermelha do gênero Laurencia,
possui estrutura química muito próxima a dos sesquiterpenos e apresenta forte atividade
antitumoral frente a diversas linhagens celulares incluindo células cancerígenas no
cólon.
326
O Kahalalide F é um depsipeptideo (peptídeos formados por aminoácidos
intercalados por ácidos carboxílicos) com ação citotóxica, inicialmente isolado na
lesma-do-mar Elysia rufescens. Posteriormente verificou-se que esse molusco ao se
alimentar da alga verde do gênero Bryopsis sequestra o kahalalide.
Esse composto atualmente se encontra na fase II de testes clínicos para o
tratamento de melanoma, carcinoma hepatocelular e câncer de pulmão. Além disso, essa
substância também apresenta atividade antiviral.
As macroalgas representam um importante recurso marinho como pode ser
observado no breve panorama apresentado. Esses organismos produzem metabólitos
secundários das mais diversas classes químicas e com estruturas peculiares, como no
caso das substâncias halogenadas. Alguns desses metabólitos já apresentam reconhecida
atividade biológica contra patologias de grande interesse médico, porém este ainda é um
recurso pouco investigado quanto ao seu potencial biotecnológico no mundo.
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