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Revista Augustus | ISSN 1415-398X | Rio de Janeiro | v. 17 | n.

34 | Julho de 2012 | Semestral ARTIGOS

A DIVINIZAÇÃO DAS MARCAS PELA ATIVIDADE


PUBLICITÁRIA NO SISTEMA NORMATIVO DE CONSUMO

Renato Nunes Bittencourt


Doutor em Filosofia pelo PPGF/UFRJ
Professor do Departamento de Filosofia do Colégio Pedro II
Professor do Curso de Comunicação Social da Faculdade CCAA
Professor da Faculdade Flama

RESUMO

Neste artigo analisa-se a construção socioecônomica das marcas


no sistema capitalista e de que maneira elas influenciam o gosto
público pelo consumo, mediante a fixação das suas pretensas
qualidades através das técnicas publicitárias, estabelecendo assim
uma relação de fidelização com os indivíduos.

Palavras-chave: Marca. Publicidade. Consumo. Capitalismo.

THE DEIFICATION OF THE BRANDS BY ADVERTISING


ACTIVITY IN THE NORMATIVE SYSTEM OF CONSUMPTION

ABSTRACT

In this article we analyze the partner-economic construction of the


marks in the capitalist system, and how they influence the public
taste for the consumption, by means of the setting of its pretense
qualities through the techniques advertising executives, thus
establishing a relation of fidelization with the individuals.

Keywords: Brand. Publicity. Consumption. Capitalism.

1 INTRODUÇÃO a subjetividade do indivíduo inserido nessa lógica


comercial, principalmente no que diz respeito ao
Na sociedade contemporânea regida pelos mecanismo de diferenciação desse sujeito em relação
parâmetros econômicos do capitalismo tardio, as aos demais. As marcas deixam de ser um composto
marcas corporativas exercem grande poder sobre de mera identificação comercial e tornam-se

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fundamentais para o destaque do consumidor nessa (e até mesmo àqueles que não são consumidores
relação social; mais ainda, as marcas conquistam imediatos) os valores que as empresas e suas
características pessoais projetadas pelos próprios marcas buscavam propagar e impactar as pessoas
consumidores, delineando assim um pretenso de forma mais ampla. A publicidade transformou
estilo de vida e tipologia psicológica, a partir da a existência destas marcas de algo material e
utilização de algum produto associado ao nome comercial para algo imaterial e emocional, quase
de uma marca reconhecida e respeitada no âmbito espiritual, e essa nova mentalidade do mundo
social. Conforme postula Néstor García Canclini, corporativo alcançou o próprio processo de
“Numa época em que as empresas fabricam não gestão, que levou seus executivos a interpretar
apenas bens úteis, mas também atitudes, estilos de suas empresas com organismos vivos, dotados
vida e aparências pessoais, as marcas globalizadas de “personalidade” e valores, caracterizando-
vinculam milhões de consumidores” (CANCLINI, se assim como um dispositivo fetichista, tal
2008, p. 32). como apresentado por Marx: Uma relação
A ação crucial da publicidade na social definida, estabelecida entre os homens,
sociedade capitalista consiste em favorecer o assumindo a forma fantasmagórica de uma
estabelecimento de uma espécie de hipostasia relação entre coisas (MARX, 2002, p. 81).
dessas marcas em relação ao imaginário coletivo, Este processo fetichista de exaltação das
como se porventura o consumo de um produto marcas elegeu os publicitários, estrategistas de
agregado ao nome da marca fornecesse ao ser marketing e designers como os novos gurus de uma
humano a felicidade e satisfação que ele não heteróclita comunidade de consumidores, que
encontra em suas atividades corriqueiras. se alastrou por todo o mundo e tornou o sistema
No decorrer deste artigo será analisado de mercado um amplo território a ser conquistado
que maneira as marcas apresentam qualidades pelos ardis da sedução. Conforme destaca Laymert
sedutoras de fidelização dos consumidores, Garcia dos Santos, “O consumidor não é mais um
adquirindo um valor simbólico que transcende alvo do mercado, ele torna-se o próprio mercado,
o caráter funcional das suas ofertas materiais, cujo potencial é preciso conhecer, prospectar
promovendo assim o estabelecimento de uma e processar” (SANTOS, 2011, p. 143). Por
relação socioeconômica pautada na especulação conseguinte, o que está em jogo na propaganda
psicológica das marcas como ícones de distinção é a capacidade de estimular a pessoa a consumir
social para os seus detentores, e de que maneira um dado produto, destacando-se as características
esse mecanismo estabelece mudanças nas trocas que se julga como potenciais fontes de atração
econômicas da sociedade capitalista. da percepção do sujeito, cuja sensibilidade se
encontra cada vez mais embotada pelo acúmulo
2 A FORÇA PERSUASIVA DAS MARCAS NA anárquico de estímulos recebidos em sua agitada
SOCIEDADE DE CONSUMO vida cotidiana nos grandes centros urbanos.
Em vista dessas questões, Claude Hopkins, um
A publicidade desempenha papel essencial dos sistematizadores modernos da doutrina
no cenário comercialista do capitalismo tardio, mercadológica da propaganda, afirma que:
enquanto ferramenta de comunicação de massa,
que levava ao público efetivamente consumidor O publicitário competente deve
entender de psicologia. Quando mais

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conhecer sobre ela, melhor. Deve tornou-se uma tarefa árdua para a indústria de
aprender que determinados efeitos
levam a determinadas reações, e utilitários e uma grande responsabilidade técnica,
usar tal conhecimento para melhorar tanto na movimentação de matérias-primas e
resultados e evitar erros. (HOPKINS, distribuição, quanto na manutenção do desejo de
1970, p. 49).
compra do consumidor, já que na verdade essa
disposição desiderativa é o grande combustível da
O mecanismo publicitário, ao revestir com
cadeia produtiva do sistema capitalista como um
qualidades inexistentes os produtos ofertados,
todo. André Gorz argumenta que
faz o consumidor acreditar que ele pode se tornar
alguém “melhor” adquirindo coisas, sejam elas Em mercados virtualmente saturados,
supérfluas ou não. Nesse contexto, Hélio Silva a única forma de crescimento possível
era a rapidez com que se sucediam os
aponta que: gostos, as preferências e as modas.
Não se tratava simplesmente,
O marketing assume-se como campo para as empresas, de “responder”
de conhecimento capaz de dirigir a de maneira quase instantânea à
produção de bens e serviços, com “demanda” cada vez mais volátil
a certeira investida no suprimento dos clientes: deviam adiantar-se a
de demandas delineadas. Assim, ela, acentuar, criar a volatilidade, a
insere-se no funcionamento social, inconsistência, o caráter efêmero
com o intuito de estabelecer relações das modas e dos desejos, opor-se a
entre os produtores e o mercado. Ao toda normalização e a todo senso de
indivíduo, reserva-se, nesse contexto, normalidade. (GORZ, 2004, p. 37).
a condição de consumidor. (SILVA,
2007, p. 29).
A produção de bens de consumo entrou então
As técnicas publicitárias geralmente associam em um novo estágio, no qual a fabricação deixou
a imagem do produto divulgado com elementos de ser uma parte essencial do comércio e as
que não correspondem imediatamente ao marcas passaram a ser aplicadas como chancelas
objeto destacado, pois esse procedimento gera, em produtos já fabricados. A marca foi se tornando
na mentalidade fantasista do consumidor, a cada vez mais uma espécie de selo de qualidade
ideia de que, ao adquirir um produto específico, para o produto destinado ao consumo social.
as qualidades supostamente contidas nesse Erich Fromm desmistifica esse processo fetichista
produto serão assimiladas por sua pessoa. Gino aureolado em torno das coisas ao afirmar que
Giacomini Filho destaca que “A publicidade Não obstante as marcas concorrentes,
nasceu com o claro propósito de fomentar a o efeito geral da publicidade é
transação econômica, principalmente diminuindo estimular a ânsia pelo consumo.
Todas as empresas auxiliam-se
a resistência do consumidor” (GIACOMINI FILHO, mutuamente nessa influência básica
1991, p. 14). por meio da publicidade; o comprador
exerce apenas secundariamente
A cadeia de produção dos bens de consumo o duvidoso privilégio de escolher
acabou por inflar o próprio sistema capitalista entre várias marcas em concorrência.
e motivou um grande encarecimento desses (FROMM, 1987, p. 174-175).
recursos, ocasionando assim o contínuo
distanciamento entre o poder aquisitivo e o valor Nessa nova configuração econômica vigora
comercial das coisas. Fabricar e vender produtos o sistema de capitalização das marcas, isto é,

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a verdadeira fonte de lucro para as empresas dotado de qualidade. José Benedito Pinho
torna-se não a comercialização dos seus produtos destaca que
propriamente ditos, mas a consolidação e
conquista sedutora das suas marcas publicitárias na Uma marca passa a significar não
apenas um produto ou serviço, mas
estrutura social e a especulação financeira desses incorpora um conjunto de valores
nomes. Para tanto, tornou-se imprescindível e atributos tangíveis e intangíveis
relevantes para o consumidor, e
que as marcas representem símbolos próprios que contribuem para diferenciá-
de aceitação de determinados grupos sociais. lo daquelas que lhe são similares.
Conforme aponta Naomi Klein: Assim, ao adquirir um produto, o
consumidor não compra apenas um
bem, mas todo o conjunto de valores
O mercado apoderou-se do e atributos da marca. (PINHO, 1996,
multiculturalismo e da submissão p. 43).
ao gênero da mesma forma que se
apoderou da cultura jovem em geral
– não apenas como um nicho de Para atender essa crescente demanda de
mercado, mas como fonte de novas glorificação da marca acima da própria estrutura
imagens carnavalescas. (KLEIN, 2008,
p. 139). extensiva do produto tornou-se necessária a
elaboração de um discurso persuasivo de sedução
A chave para essa nova fórmula econômica foi e convencimento junto aos consumidores; nessa
uma substancial mudança na maneira de encarar disputa, ganha a peleja a campanha publicitária
o processo de desenvolvimento dos bens do capaz de penetrar nas camadas interiores da
mercado, que migrou de “produzir objetos” para subjetividade do consumidor, aspirante ao estado
“produzir valores”, materializados em imagens, de gozo. Conforme destaca Dominique Quessada:
em conceitos forjados para precisamente
Por intermédio do discurso
agregarem valores sociais. Schröder e Vestergaard publicitário, as empresas se servem
destacam que: da linguagem para convencer
e seduzir. Com a publicidade, o
Os vários grupos sociais identificam- capitalismo se apodera da linguagem
se por suas atitudes, maneiras, jeito e utiliza sua força para fins comerciais.
de falar e hábitos de consumo – por (QUESSADA, 2003, p. 121).
exemplo, pelas roupas que vestem.
Dessa forma, os objetos que usamos Nessas condições, a publicidade adquiriu a
e consumimos deixam de ser meros
objetos de uso para se transformar outorga de gerenciar esse conectivo entre produto/
em veículos de informação sobre marca e indivíduo. A atividade publicitária,
o tipo de pessoa que somos ou
gostaríamos de ser. (SCHRÖDER; revelando as pretensas qualidades singulares
VESTERGAARD, 2004, p. 7-8). dos produtos, favoreceu o estabelecimento de
um sentimento de confiabilidade do indivíduo
Ocorre assim a associação em um mesmo para com um determinado produto. Criou-se
dispositivo identitário a empresa, o público assim uma “cultura” de consumidores baseada
consumidor previamente selecionado e a imediatamente nas determinações econômicas
grande joia do sistema, o produto adornado do capital simbólico chancelado pela publicidade.
com a aura mágica da marca, autêntica distinção Para Baudrillard, “o consumo surge como conduta
mercadológica daquilo que é imputado como ativa e coletiva, como coação e moral, como

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instituição” (BAUDRILLARD, 2007, p. 81). apto a pertencer a certos círculos sociais. Naomi
Entretanto, o impulso consumista subverte Klein destaca que:
essa necessidade natural, tornando-se uma
experiência de satisfação incontrolável de É útil voltar um pouco no tempo
e observar onde o conceito de
desejos estimulados pelo próprio sistema social marca teve início. Embora o uso
estabelecido, que depende basicamente das dessas palavras seja com frequência
intercambiável, marca e publicidade
inclinações consumistas dos indivíduos para não representam o mesmo
que possa então prosperar economicamente. processo. A publicidade de qualquer
Nessas circunstâncias, pode-se beneficiar das produto é apenas uma parte do
grande plano de branding, ou gestão
colocações de Bauman: “De maneira distinta do de marca, assim como o patrocínio
consumo, que é basicamente característica e uma e o licenciamento do logotipo.
Pense na marca como o sentido
ocupação de seres humanos como indivíduos, essencial da corporação moderna,
o consumismo é um atributo da sociedade” e na publicidade como um veículo
(BAUMAN, 2008, p. 41). O fenômeno existencial utilizado para levar esse sentido ao
mundo. (KLEIN, 2008, p. 29).
do consumismo consiste na aquisição de bens
indiscriminadamente, sem corresponder ao
O ardil publicitário consiste em transformar
processo de satisfação genuína de necessidades
simbolicamente algo novo em um produto
vitais. De acordo com Richard Sennett:
que se agregava diretamente no cotidiano do
O consumidor busca o estímulo da consumidor, e somente o fato de se comentar
diferença em produtos cada vez as características funcionais do produto era o
mais homogeneizados. Ele se parece suficiente para a conquista da adesão de um nicho
com um turista que viaja de uma
cidade clonada para outra visitando social. Abraham Moles afirma que
as mesmas lojas, comprando em
cada um delas o mesmo produto. O consumo enquanto valor que
(SENNETT, 2008, p. 137). rege os modos do ser não constitui,
é claro, um elemento novo da vida,
embora, em fins do século XIX, o
O avanço do tecnicismo capitalista consumo tenha sido promovido, de
contribuiu para alimentar o desejo de compra um papel trivial e contingente que
dos consumidores; no entanto, baseando-se da desempenhava nas culturas passadas,
a uma significação essencial. (MOLES,
criação artificial de necessidades e carências 2007, p. 20).
humanas, as novas tecnologias e a produção de
bens em larga escala tornaram-se capazes de No novo modelo de produção, comunicar os
levar o indivíduo ao estado de alienação, por valores das corporações - agora materializados em
não conseguir acompanhar o ritmo frenético do suas marcas - era uma tarefa específica do campo
consumo, devido à renovação e inovação dos da publicidade, que deveria manter seu foco nos
objetos, uma vez que o desejo está sempre aquém valores mais subjetivos de cada marca e estabelecer
da capacidade do consumidor em obter bens conexões quase emotivas com seus consumidores,
materiais e realizar assim suas inclinações. Em de modo que a necessidade da marca se
uma sociedade regida pelos signos consumistas, manifestasse das mais diversas formas na esfera
o comportamento de consumo de um indivíduo é social. O consumidor seria então levado a sentir
utilizado como referencial para classificá-lo como a presença das marcas e a poder experimentá-las

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em diversos outros momentos de sua existência, ávidos por novas formas de identificar, categorizar
além do óbvio consumo do produto. Segundo e alcançar o público, bem como buscar formas
Naomi Klein, “não há recurso explorado que não se de fidelizar este público em um mercado cada
transforme, um dia, em uma marca” (KLEIN, 2008, vez mais concorrido e dinâmico. A tarefa não
p. 454). Essa é a justificativa para se constatar, na consistia somente em estabelecer uma conexão
contemporaneidade, a assimilação de todos os sedutora com o público ou mesmo de descobrir
gostos, tendências, comportamentos, estilos e novos públicos, mas sim em gerar público para os
tribos sociais pelas grandes marcas, que agregam produtos ou produtos para os públicos existentes.
em seus nomes todas essas identidades diluídas na Tal como apresentado por Serge Latouche, “A
impessoalidade da vida ordinária e as transformam publicidade nos faz desejar o que não temos,
em disposições pasteurizadas, retirando-lhes todo e desprezar aquilo que já desfrutamos. Ela
o seu poder de contestação política. cria e recria a insatisfação e a tensão do objeto
Campanhas de “fortalecimento de marca” e frustrado” (LATOUCHE, 2009, p. 18).
de “experiência da marca” tornaram-se cada vez A atividade persuasiva da publicidade foi se
mais corriqueiras, permitindo que um público cada tornando assim cada vez mais impactante em
vez maior obtivesse contato com esses parâmetros suas técnicas expositivas, para que as marcas
conceituais de cada marca; neste processo, foram pudessem estar presentes na vida do consumidor,
agregados continuamente novos valores, que se alcançando-o fora do ponto de venda e agregando
enraizavam nas práticas culturais, nas relações os valores de uma marca com outra, propiciando
sociais e nos costumes de forma quase irreversível. novas experiências para o público e fomentando e
Estabeleceu-se então uma espécie de estética da elevação dos índices de consumo, circunstância que
publicidade pautada na apresentação imagética promove a saúde financeira da economia social.
do produto, assim como uma experiência O sistema da publicidade no decorrer da
antropológica de sociabilidade regida pelos signos era capitalista adquiriu caracteres nitidamente
das marcas e seus postulados efeitos sobre a vida técnicos e profissionais, estruturando-se e
coletiva. Conforme argumenta Naomi Klein: obtendo maior visibilidade tanto no ambiente
político quanto no empresarial, conquistando uma
Em sua maioria, as campanhas massa capaz de institucionalizar-se, auxiliando
publicitárias do final do século XIX
e início do XX usavam um conjunto no desenvolvimento econômico, conquistando a
de fórmulas pseudocientíficas sociedade como um todo, assim como diversos
rígidas: os concorrentes jamais eram
mencionados, usavam-se somente seguidores que acreditam e partilham dos mesmos
declarações assertivas e os títulos ideais que fazem parte do universo publicitário.
tinham de ser grandes, com muito A prática das ações de “experiência de marca”
espaço em branco - de acordo com
um publicitário da virada do século, vem se alastrando e vários são os exemplos das
um anúncio devia ser grande o novas formas de se comunicar valores: A Nike,
suficiente para causar impacto, mas
não poderia ser maior do que o que por exemplo, está alavancando a profunda ligação
estava sendo anunciado. (KLEIN, emocional que as pessoas têm com os esportes
2008, p.30). e a forma física, associando com os símbolos
da vitória e da superação dos limites pessoais.
A publicidade ganhou cada vez mais Naomi Klein destaca que “[...] uma grande marca
respeitabilidade e espaço entre os executivos,

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enaltece – acrescenta um maior sentido de o poder dos mundos possíveis


gerados pelas marcas pós-modernas.
propósito à experiência, seja o desafio de dar o (SEMPRINI, 2010, p. 21).
melhor de si nos esportes e nos exercícios físicos
ou a afirmação de que a xícara de café que você O perfil do consumidor contemporâneo é
bebe realmente importa.” (KLEIN, 2008, p. 45). diferenciado, ele não espera apenas uma simples
A estratégia é simples: empresas devem comunicação disposta a exaltar uma determinada
oferecer ao seu público algo mais do que produtos, qualidade de algum produto; pelo contrário, ele
perfeitamente formatados e distribuídos, encontra-se psicologicamente enfadado diante
disponíveis em larga escala nos pontos de venda, dessa monotonia, e com isso espera que a marca
porque essa formatação pode ser copiada (e proporcione um discurso retoricamente mais
também superada) pela concorrência e, com amplo, profundo, atraente e espetacular, para
isso, ameaçar os investimentos de qualquer então, atingi-lo de forma eficaz, estabelecendo
negócio. Por outro lado, quando se descobre na assim um poder supressor de sua postulada
marca o ponto certo de conexão sensorial com autonomia de homem livre, sujeito de suas
a personalidade do consumidor, estabelece-se aí próprias decisões. Eis a transformação simbólica
um vínculo que dificilmente será quebrado, a não do ser humano em mercadoria comercializável,
ser talvez por outro conceito de mesma categoria. processo sobre o qual a economia industrial exerce
A marca, por sua vez, exerce grande poder de a sua especulação publicitária da propaganda
influência sobre o indivíduo, principalmente no para conquistar o poder consumidor das massas.
que diz respeito a todos os tipos de produtos, Conforme comentam Adorno e Horkheimer, “o
assim como em discursos sociais: uma mídia, um consumidor torna-se a ideologia da indústria
museu, um partido ou um homem político, uma de diversão, de cujas instituições não consegue
organização, um esportista, um cantor ou um escapar” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 148).
filme. A marca oferece ao consumidor um mundo A perda da liberdade e do senso de escolha
composto de sonhos e imaginações, fantasias individual é inversamente proporcional aos
que podem ou não se realizar. Andrea Semprini eixos sociais nos quais vigoram os dispositivos
destaca que: comerciais da moda, do consumo e da glorificação
secular das marcas. Em vista desse fator,
O mundo de Malboro é um exemplo
clássico de universo possível de Dominique Quessada afirma:
marca. A expressividade lúdica
e esperta da Smart é um outro, Cada homem que aceita uma marca
assim como o universo das viagens demonstra que sofre a tirania desta,
elegantes representa o mundo de e, aceitando-a, não pode fazer outra
Louis Vuitton e o anticonformismo coisa senão sustentar e transmitir a
e a excentricidade o de Vigin. Esses tirania. Assim, ele a propaga. Cada
mundos oferecem ao indivíduo homem que expõe uma marca se
propostas imaginárias, sistemas de mantém na servidão voluntária, e
sentido organizados que funcionam nao pode fazer outra coisa a não ser
como estímulos e recursos para transmiti-la. (QUESSADA, 2003, p.
construir sua identidade, seus 155).
projetos, seus imaginários pessoais
e sincréticos. O desenvolvimento nos
últimos anos, das marcas identitárias Conforme o avanço das configurações técnicas
(Mecca-Cola, Dia, as marcas rap e ideológicas próprias do capitalismo tardio, as
norte-americanas) só confirma

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marcas passaram por um grande processo de experiência vivida, ele é preenchido


com glamourosos sonhos acordados.
transformação semiológica, pois atualmente elas (BERGER, 1999, p. 150).
vão muito além do seu papel significativo, pois
permitem ao indivíduo a capacidade de se enxergar Nesse contexto, a marca é de certa forma
e se autoanalisar através de uma marca, percebendo a instância que fornece um contexto dotado de
qualidades, defeitos e valores impostos ao longo de sentido a uma experiência ou a um imaginário que,
toda uma vida, construindo assim uma identidade isolados, tendem a se tornar imprecisos ou muitos
entre sujeito e objeto para melhor realização abstratos para o nível de consciência da mentalidade
econômica da sociedade de consumo. Conforme mediana. José Benedito Pinho aponta que
argumenta Ana Claudia Marques Govato:
Como regra geral, quanto mais
Do ponto de vista do consumidor, descritivo for um nome, maior o
a percepção de produto vai muito seu poder de comunicação com
além das características físicas, o consumidor. Mas tais nomes
ganhando identidade e assumindo são pouco distintivos e de difícil
personalidade própria a partir de proteção. Por outro lado, quanto
seu “comportamento”, fruto da mais arbitrário ou convencional for
performance, do tipo e da qualidade o nome, menor será o seu poder de
do relacionamento que a marca expressividade para o consumidor,
promove com o consumidor no dia a obrigando o titular da marca a
dia (GOVATO, 2007, p. 128). investir pesadamente para criar a
personalidade da marca exigida por
ele. (PINHO, 1996, p. 18).
O crescimento econômico e o desenvolvimento
tecnológico da sociedade ccontemporânea
A disseminação da oferta de grandes marcas
contribuem infinitamente para o alto investimento
e a expansão do seu portfólio de produtos,
a tudo que se refere ao processo de exaltação da
assim como novas versões e variedades dos
marca, uma vez que seu objetivo é tornar-se cada
mesmos produtos, também contribuíram para
vez mais presente na vida do consumidor, pois
essa “evolução” das técnicas de venda. Segundo
não basta apenas falar com ele, e sim fazer parte
Andrea Semprini,
da sua rotina, invadir seu mundo interior dando
ênfase ao desejo mais profundo e ilimitado de As marcas continuam a dar segurança,
consumo. O surgimento das novas tecnologias que cumprindo sua função de referência,
fator de identificação. Diante de
permeiam uma oferta infindável de produtos abriu uma hiperescolha desconcertante,
novos mercados passíveis de exploração diante o consumidor pode decidir se
da lógica capitalista de consumo que não leva em orientar graças à clareza do discurso
ou à familiaridade de uma marca
consideração as aspirações e anseios autênticos conhecida. Neste sentido, pode-se
dos indivíduos. John Berger postula que: dizer que a multiplicação da oferta
torna ainda mais necessária a presença
das marcas. (SEMPRINI, 2010, p. 39).
O abismo entre o que a publicidade
realmente oferece e o futuro que
promete corresponde ao abismo A escolha por um determinado produto
entre o que o espectador-comprador
sente que é e aquilo que ele gostaria vai além dos atributos oferecidos por ele; ao se
de ser. Os dois abismos se tornam deparar com uma imensa gama de produtos e
um. E, em vez do abismo individual serviços, o consumidor leva em consideração
ser ultrapassado pela ação ou pela

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fatores relacionados ao universo desse produto e um bem tangível e recurso do Marketing para
toda a sua trajetória no mercado, aproximando-o transformar-se em objeto de real valor para a vida
cada vez mais de si, por meio de lembranças e de muitas pessoas na sociedade contemporânea.
situações que influenciarão significativamente Andrea Semprini comenta ainda sobre as marcas:
no processo de decisão de compra. Não obstante
a frieza do sistema capitalista e sua negação da Sua onipresença no espaço público, sua
capacidade para marcar o simbólico e
condição humana, a publicidade estabelece o imaginário coletivos, sua propensão
vínculos emocionais junto ao consumidor, que para movimentar a opinião pública
e chamar a atenção da mídia, suas
passa a ver um produto como o suporte para a funções de intermediário identitário
formação de uma “vida mais feliz”. ou de bandeira coletiva deslocam a
As marcas estão cada vez mais próximas da marca da única esfera do consumo
e a projetam no próprio cerne dos
intimidade da vida individualizada, assumindo um comportamentos sociais, das lógicas de
papel de extrema importância na reconfiguração trocas, dos mecanismos de construção
de identidade dos indivíduos e dos
simbólica das experiências cotidianas no âmbito grupos. (SEMPRINI, 2010, p. 292).
da sociedade de consumo, levando a um processo
de diferenciação existencial não em relação No decorrer do capitalismo tardio, os
aos caracteres de um dado produto, mas sim indivíduos vêm se permitindo comprar sempre
em relação aos princípios pessoais, causando mais, cedendo aos mimos, caprichos e luxos da
assim a sensação de que o fato de possuir algo insaciável era consumista, na qual os produtos
de diferente, ou seja, de “marca”, é o suficiente se inovam e renovam a cada dia, tornando-se
para transformar pessoas em singularizadas e quase que impossível acompanhá-la, ao passo
“melhores”, seja socialmente, etologicamente e que as alternativas de compra e a oferta de
até mesmo moralmente do que as outras. Oliviero produtos ampliam-se. Nessa lógica, consumir
Toscani, em sua verve caústica contra o mundo de um determinado produto preferencialmente
fantasias propagado pela sociedade de consumo, de marca está aquém das necessidades e da
defende a ideia de que: capacidade afetiva desse consumidor. Tal como
reforça Andrea Semprini,
A publicidade não vende produtos
nem ideias, mas um modelo
falsificado e hipnótico da felicidade. O consumo soube interpretar de
Essa ambiência ociosa e agradável diversas maneiras esta cultura
nao é mais do que o prazer de viver do individualismo. As novas
segundo as normas idealizadas dos tecnologias da imagem, do som, e
consumidores ricos [...] A publicidade das telecomunicações colocaram à
oferece aos nossos desejos um disposição do indivíduo uma variedade
universo subliminar que insinua que impressionante de novos instrumentos
a juventude, a saúde, a virilidade, que permitem cultivar sua curiosidade
bem como a feminilidade, dependem e seu desejo de expressão pessoal.
daquilo que compramos. (TOSCANI, As indústrias culturais e os meios
2002, p. 27-28). de comunicação disponibilizaram
ofertas cada vez mais diversificadas,
permitindo corresponder a gostos
Atribui-se uma carga excessiva de poder individualizados e tematizados.
de adesão e valorização semiológica a uma (SEMPRINI, 2010, p. 59)

determinada marca, que há muito deixou de ser

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As empresas tendem a se adaptar aos esses, por sua vez, que promovem a
satisfação do sujeito em relação a sua
gostos desses indivíduos e muitas seguem à identidade construída. (CASTILHO;
risca essa batalha pelo alcance da satisfação MARTINS, 2008, p. 30).
pessoal depositada na aquisição de um produto
que ofereça status, praticidade e comodidade Agregar valores subjetivos a determinados
para seu público. Tais adequações encontram “produtos” ou a “pessoas” é apostar na
no consumo um ambiente reativo e acolhedor felicidade em longo prazo, acreditando que
para o desenvolvimento da dita “sociedade pós- uma simples marca ou imagem positiva será
moderna”, caracterizada pela constatação do capaz de levar o sujeito à plenitude de uma
fracasso do projeto do progresso constante e vida tranquila, confortável, dotada de respeito
do estabelecimento de uma autêntica ordem e admiração na sociedade. Inicia-se o círculo
civilizacional no mundo. virtuoso de que o sucesso alimenta o sucesso,
A busca por conforto e a procura por bem- que só é possível chamar a atenção do próximo
estar faz do consumidor contemporâneo um e alcançar a popularidade pelo pertencimento
modelo exigente, principalmente em relação à aos parâmetros da “sociedade de espetáculo” tal
personalização de serviços diversos. O surgimento como apresentada criticamente por Guy Debord,
de um novo serviço ou de um novo produto seguindo o modelo determinante de consumo:
não é o suficiente para esse indivíduo, mas sim
algo que supostamente seja imediatamente Sob todas as suas formas particulares
– informação ou propaganda –
direcionado para ele, vindo assim a atender publicidade ou consumo direto
às suas necessidades existenciais e que seja de divertimentos –, o espetáculo
constitui o modelo atual de vida
único e exclusivo, além de proporcionar prazer. dominante na sociedade. É a
Contraditória em sua acepção, a moda diferencia afirmação onipresente da essência
os sujeitos ao mesmo tempo em que os torna já fei­ta na produção, e o consumo
que decorre dessa escolha (DEBORD,
mais gregários. 2006, p. 14-15).
É essa busca por diferenciação que
transforma o mundo do sujeito contemporâneo De que adianta possuir algo considerado de
em um perpétuo sistema imaginário, no qual extrema importância se as demais pessoas não
o indivíduo deposita nas marcas desejos e conhecem ou reconhecem como um bem de
acepções que serão de tamanha importância para valor? Para alguns indivíduos contemporâneos,
a sociedade de consumo, fugindo cada vez mais a satisfação pessoal não é alcançada após a
da realidade e acreditando que o fato de possuir aquisição de um produto, porém, somente a partir
algo de diferente também o torna diferente, do reconhecimento daquele produto como um
gerando assim um caminho inverso, ao passo bem na sociedade. Para Dominique Quessada:
que o aproxima ainda mais daquelas pessoas que
possuem o mesmo produto. Para Káthia Castilho e As marcas apostas às roupas fazem
com que estas, sem elas, não tenham
Marcelo Martins: nenhum modo de aparecer e de ser
vistas. Por extensão, esse fenômeno
Nos mundos ilusórios criados pela afeta até o ser do indivíduo que possui
moda, o sujeito entra em conjugação o objeto marcado. De fato, este último
com determinados produtos aos quais supostamente representa o indivíduo
são agregados valores subjetivos. São sem mediação. Ele permite a alguém

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definir-se a si mesmo e definir outrem Consumimos sempre mais, mas nem


imediatamente, segundo uma lógica por isso somos mais felizes. O mundo
do signo; dar uma identidade a tecnicista proporciona a todos
corpos socialmente indiferenciados uma vida mais longa e, em termos
e a roupas semelhantes [...] A pessoa materiais, mais cercada de confortos.
se cobre de marcas para significar sua É algo que devemos considerar.
existência; ela se cobre de marcas Porém, isso não equivale à felicidade
para não desaparecer (QUESSADA, em si, que tenazmente escapa
2003, p. 133-134). do poder de apreensão humana.
(LIPOVETSKY, 2007, p. 51).

O valor de uma marca é fixado tanto pela


taxa de desejo quanto pela força de sonho que é A publicidade apresenta como paradoxo a
introduzida em seu público. O sucesso alcançado venda de valores, imagens e estilos, sendo que na
pelas marcas no advento da Internet serviu de verdade não se consome o valor de uso do objeto,
prova para tal conclusão. Como ressalta Andrea mas sim o imaginário criado em torno dele, e a
Semprini, a maioria das marcas de luxo soube melhor forma de se obter êxito pela propaganda
ampliar sua clientela e multiplicar o faturamento, é alcançar a subjetividade do cliente, para que
sem afetar seu valor: ele possa sentir-se satisfeito ou realizado em
relação ao processo de fruição de algum produto.
Pelas mesmas razões, a lógica de Conforme aponta André Gorz:
marca é também muito sensível
aos efeitos de redes, que permitem Persuadir os indivíduos de que os
instalar mais rapidamente uma consumos que lhes são propostos
reputação ou uma imagem e que compensam largamente os sacrifícios
aceleram consideravelmente a com os quais devem aquiescer para
difusão e popularidade de uma obtê-los e que eles constituem um
marca. Nessa perspectiva, a marca nicho da felicidade privada que permite
encontrou na Internet um aliado escapar da sorte comum, eis o que é
natural e uma forma de comunicação tipicamente assunto para a publicidade
que exalta a quintessência de sua comercial. (GORZ, 2007, p. 51).
lógica. (SEMPRINI, 2010, p. 91).

A questão da ilusão/promessa de caráter


Na sociedade capitalista, somos
sedutor associa a juventude, beleza e riqueza a
supostamente “livres” para escolher o que
objetos como se essas qualidades pertencessem
as mercadorias oferecem continuamente, na
naturalmente ao próprio objeto, circunstância
qual para cada desejo do sujeito deve existir
que, na maioria das vezes, vai gerar frustração
um produto que o satisfaça, ou seja, tudo
e insatisfação nesse indivíduo que procura por
deve encontrar uma solução na fruição da
um ideal de consumo inalcançável. Segundo
mercadoria, e quando o indivíduo não alcança
Dominique Quessada:
satisfação, volta a demandar. Essa decepção
é a mola propulsora do poder da mercadoria A publicidade utiliza a linguagem e os
no sistema capitalista, que jamais permite termos da política, deturpa o político
a autêntica autorrealização humana. Gilles e acaba substituindo-o. Explora um
desejo de mudança e convicções que
Lipovetsky aponta claramente tal problema ela sabe colocar a serviço de seus
existencial em nossa sociedade capitalista, interesses, apresentando-se como a
própria mudança. (QUESSADA, 2003,
destacando: p. 101).

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A DIVINIZAÇÃO DAS MARCAS PELA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA NO SISTEMA NORMATIVO DE CONSUMO

O discurso utilizado pela publicidade é tão de circulação econômica, à custa, todavia, da


fascinante que é capaz de promover na pessoa anulação de um modo de vida mais simples,
um efeito sedutor em relação ao processo de caracterizado pelo usufruto de um produto não
deliberação das escolhas, gostos e até opiniões por suas qualidades utilitárias, mas por sua magia
diante de fatores externos e sociais como um todo. de sedução e distinção social.
A partir de tais constatações, seus pensamentos
e sentimentos tornam-se vulneráveis e REFERÊNCIAS
influenciáveis dentro da dinâmica consumista da
sociedade capitalista, reconstruindo-se assim o ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética
“encantamento do mundo” que a intelectualidade do Esclarecimento: fragmentos filosóficos.
Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de
moderna tanto se esforçou por destruir em sua
Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
atividade racional-cientifica.

3 CONCLUSÃO BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de Consumo.


Tradução de Artur Morão. Lisboa: Ed. 70, 2007.
O fetiche das marcas que se caracteriza como
a associação de valores mágicos aos produtos por
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a
ela chancelados promove seus efeitos imediatos transformação das pessoas em mercadorias.
tanto na subjetividade dos consumidores como Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:
nas suas subsequentes relações socioeconômicas. Jorge Zahar, 2008.
Ocorre a distinção social mediante a detenção e
exibição pública dos produtos especiais, na qual
BERGER, John. Modos de Ver. Tradução de Lúcia
os indivíduos desprovidos do poder aquisitivo
Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
suficiente para a compra desses bens de consumo
sentem-se inferiorizados existencialmente
por sua incapacidade financeira de obtenção CANCLINI, Néstor García. Latino-americanos à
desses itens, ocorrendo assim uma espécie de procura de um lugar neste século. Tradução de
moralização normativa no seio da sociabilidade Sérgio Molina. São Paulo: Iluminuras, 2008.
capitalista, pois quem não é capaz de possuir
os objetos divinizados pela publicidade é CASTILHO, Kathia; MARTINS, Marcelo M.
estigmatizado como um consumidor falho. Nessas Discursos da moda: semiótica, design e corpo.
condições, os valores éticos que regulam as São Paulo: Anhembi Morumbi, 2008.
ações humanas sofrem interferências imediatas
das determinações financeiras. Na dimensão
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo:
econômica, a divinização das marcas conduz a
comentários sobre a sociedade do espetáculo.
uma exigência constante de elevação do poder de Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de
consumo, pois os indivíduos inseridos nessa lógica Janeiro: Contraponto, 2006.
plutocrática não podem poupar esforços para que
adquiram esses bens especiais, promovendo de
certa maneira a manutenção elevada do índice FROMM, Erich. Ter ou Ser? Tradução de Nathanael
C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Ed. LTC, 1987.

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Renato Nunes Bittencourt

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Annablume, 2004. globalização impõe produtos, sonhos e ilusões.
Tradução de Joana Angélica d’Avila Melo. São
Paulo: Futura, 2003.
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razão econômica. Tradução de Ana Montoia. São
Paulo: Annablume, 2007. SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar as novas
tecnologias: O impacto sócio-técnico da informação
digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2011.
GOVATO, Ana Claudia Marques. Propaganda
responsável: é o que todo anunciante deve fazer.
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