O poema Navio Negreiro foi escrito por Castro Alves – tocado e totalmente
influenciado pela atmosfera libertária que empolgava a mocidade acadêmica – o poeta
abraçou o ideal abolicionista. Teria sido escrito dois meses depois da correspondência
entre Machado e Alencar, no dia 18 de abril de 1868. O poeta estava, portanto com 21
anos de idade. Hoje o poema está com 139 anos, portanto.
O que um crítico literário no ano de 2007, teria a dizer sobre um poema escrito no
século XIX, com o tema social mais polêmico daquela época? Haveria uma ponte entre
aquele tema e a nossa atualidade? O Navio negreiro foi escrito em 1850. Portanto, o
Brasil já era um país pré-republicano e a Lei Euzébio de Queiroz de 1850, proibindo o
odioso comércio de escravos, já havia sido assinada. Em 1854, outra Lei foi assinada, a
Nabuco Araújo que impedia o desembarque navios negreiros nas contas brasileiras. As
leis não estariam sendo cumpridas? Sabemos que o abolicionismo no Brasil se deu por
etapas, havia muita resistência por parte dos proprietários, que se confrontavam
abertamente com o Imperador. A Princesa Isabel só viria assinar a Lei Áurea em 1888.
Porém, conter o tráfico de escravos parecia tarefa impossível até mesmo para a poderosa
Marinha Britânica. Lembre-se que a Inglaterra foi o primeiro país a gritar contra a
Escravidão. Suspeita-se haviam barcos contrabandeando homens seqüestrados da África
até o final do Século XIX, portanto, em plena era condoreira. E hoje, a escravidão do
homem pelo homem foi realmente extinta? Castro Alves teria sido oportunista ao
levantar uma bandeira de luta já hasteada pelos republicanos? Porém, o poeta não era
apenas abolicionista, era um defensor das liberdades: a liberdade política, a liberdade
social e até mesmo a liberdade sexual. Neste sentido, Andrade (1979, 346) chegou a
dizer “Castro Alves fue entre nosotros el primer propagandista del divorcio.”
O poema Navio Negreiro, com seu subtítulo "Tragédia no Mar", é produto
genuíno da escola romântica de conteúdo liberal. O tema é realista na sua pungente
atualidade. Com uma poética presa à palavra, que depende do seu fluxo sedutor, o poeta
dos escravos preserva sua essencialidade. Vale lembrar do ensaio de Andrade (1979,
p.353); “Castro Alves, dominado por el patagruelismo da carnívoro de la oratória (...),
se ocupo de sistematizar el empleo de la palabra em su sentido exacto, iluminándola
com uma luz nueva e muy perniciosa.”
S’ tamos em pleno mar
...Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
Castro Alves recorre ao albatroz, pedindo que lhe dê asas, quer ser veloz e
alcançar o "barco ligeiro", que lhe foge. Todo o pavor na terceira parte do poema,
constituída de uma única estrofe — uma sextilha em versos dodecassilábicos. Ainda
antes, na segunda parte, em décimas de redondilha maior, com rimas alternadas, Castro
Alves insiste no objetivo do contraste, ao cantar o fado e a glória dos marinheiros de
todo o mundo:
O talento no uso das palavras, a sedução fácil, sobretudo dos adjetivos, trazem
uma enorme carga emotiva. E elas, entregues à força imanente, apoiadas na
grandiloqüência do poeta, comunicam em cheio a poesia. "... as relações de sua
linguagem ordenam-se à base de uma dinâmica que, em determinados estágios, ele já
não poderá controlar. Os sintagmas, progressivos, como que se projetam em espiral".
(GODOFREDO FILHO, 1959, apud PÓLVORA) É que a sua oratória também se
embebe de subjetividades. No fervor de suas causas, na exaltação do temperamento
libertário, o poeta pôs toda a alma e firmou, então, a arquitetura do poema.
A quinta parte, em décimas de redondilha maior, com rima variada, acentua o
exercício de indignação. O poema passa do motivo às conseqüências. A declamação
procura sensibilizar mais ainda as consciências, através da imprecação e da apóstrofe. O
Poeta interpela o Deus dos desgraçados. Apela para a fúria das tempestades, noites e
astros. Convoca o tufão a varrer dos mares o brigue dos horrores:
(*) A análise feita do Navio Negreiro é quase totalmente baseada, quase uma colagem do texto
do Pólvora, citado nas referências.
As referências 3 e 4 não estão com as datas dos ensaios, apenas com a data de acesso.
Não sei se Castro Alves leu o salmo 43 ou o sermão de Vieira sobre as armas de
Portugal contra a Holanda. A verdade é que em Vozes D´África o poeta procura por um
Deus indiferente ao sofrimento do continente africano, no qual deposita toda a sua fé e
esperança, como no salmo e no sermão de Vieira:
Salmos 43
Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa contra a nação ímpia. Livra-me do
homem fraudulento e injusto.
Pois tu és o Deus da minha fortaleza; por que me rejeitas? Por que ando lamentando por
causa da opressão do inimigo?
Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte, e
aos teus tabernáculos.
Então irei ao altar de Deus, a Deus, que é a minha grande alegria, e com harpa te
louvarei, ó Deus, Deus meu.
Por que estás abatida, ó minha alma? E por que te perturbas dentro de mim? Espera em
Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face e Deus meu.