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Direito Constitucional I – Eric Fernandes

Aula 6 | Poder Constituinte Originário

SUMÁRIO

1. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO .............................................................. 2


1.1. CARACTERÍSTICAS ............................................................................................. 2
1.1.1. INICIAL ................................................................................................................. 2
1.1.2. JURIDICAMENTE ILIMITADO ....................................................................... 2
1.1.3. PERMANENTE .................................................................................................... 3
1.1.4. INCONDICIONADO............................................................................................ 4
1.2. NATUREZA JURÍDICA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ........ 4
1.3. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO .......................................................................... 5
1.3.1. REVOLUÇÃO VITORIOSA ............................................................................... 5
1.3.2. CRIAÇÃO DE UM NOVO ESTADO POR AGREGAÇÃO ............................ 5
1.3.3. EMANCIPAÇÃO POLÍTICA ............................................................................. 6
1.3.4. COLAPSO ............................................................................................................. 6
1.3.5. GRAVE CRISE ..................................................................................................... 7
1.3.6. GOLPE DE ESTADO ........................................................................................... 7
1.3.7. TRANSIÇÃO PACÍFICA .................................................................................... 7
1.3.8. “MOMENTOS CONSTITUCIONAIS SEM CONSTITUIÇÃO” ................... 8
1.4. QUESTÃO E JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA ILIMITABILIDADE DO
PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO .................................................................. 8
1.5. CRÍTICAS AO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ................................ 9

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1. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO


Continuando o estudo da Teoria Poder Constituinte – em que já abordamos o que é esse
poder, suas origens históricas, quem é seu titular, duas classificações que tem aparecido em
prova (difuso e supranacional) – veremos agora as características do Poder Constituinte
Originário, o poder de criar uma nova constituição.

1.1. CARACTERÍSTICAS
Pode-se ver mais ou menos características a depender do livro que se adote para o
estudo, mas as que serão apresentadas em aula encontram-se na maioria dos livros.
Podemos dizer que o Poder Constituinte Originário, de criar uma nova constituição,
uma nova ordem jurídica tendo como fundamento a nova constituição, é:
a) Inicial;
b) Juridicamente ilimitado;
c) Permanente; e
d) Incondicionado.

1.1.1. INICIAL
Diz-se inicial porque o exercício de um novo Poder Constituinte Originário representa
um marco-zero para o ordenamento jurídico. Isso não quer dizer que tudo será “resetado”,
que todas as leis deixarão de existir, pois, a Teoria da Recepção nos informa o que acontecerá
com a ordem jurídica preexistente.
Contudo, do ponto de vista de fundamento de validade novo, a nova constituição
representa uma nova ordem jurídica por trazer um novo fundamento de validade para todas as
normas infraconstitucionais.
Assim, diz-se que o Poder Constituinte Originário é inicial porque inaugura uma nova
ordem jurídica, tendo como novo fundamento de validade àquela nova constituição.

1.1.2. JURIDICAMENTE ILIMITADO


O Poder Constituinte Originário é juridicamente ilimitado porque não há, ao seu
exercício, nenhum tipo de limite existente no direito anterior à nova constituição. No Brasil
temos isso muito claro para a maioria dos autores, apesar de ser criticado.
O direito preexistente não traz nenhum tipo de limite material ao exercício do Poder
Constituinte Originário. Assim, em tese, é possível que uma nova constituição retroceda em
relação à proteção de quaisquer direitos fundamentais, de modo que, por exemplo, é possível
a previsão de pena de morte generalizada em uma nova constituição, a previsão que as
mulheres possuem menos direitos que os homens, etc.

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Um novo Poder Constituinte Originário é algo perigoso, questionável, porque não há


um controle prévio do que uma nova constituição pode tratar por ser um processo sem limites
no direito preexistente.
Por outro lado, diz-se que é politicamente* limitado porque o Poder Constituinte
Originário, em tese, encontra limites nos valores e ideologias que informam a sociedade, de
modo que para ser exercido de forma legítima também deve encontrar amparo, legitimidade,
nos titulares do referido poder. Em suma, é por isso que se diz que o Poder Constituinte
Originário é ilimitado juridicamente, mas politicamente deve corresponder de forma legítima
ao exercício pelos seus titulares.

1.1.3. PERMANENTE
Afirma ser permanente porque o Poder Constituinte Originário não se esgota com seu
exercício. Diversas vezes na história de um país, de um Estado, é possível que esse poder seja
exercido.
No Brasil, por exemplo, tivemos 7 constituições – alguns autores entendem que a
Emenda nº 1 de 1969 foi praticamente um novo poder constituinte originário, pois apesar do
nome “emenda”, introduziu alterações drásticas, significativas quanto à separação de poderes
e restrições aos direitos fundamentais, se equiparando a um novo poder constituinte originário
e sendo considerado uma oitava constituição. Tivemos constituições escritas em:
• 1824;
• 1891;
• 1934;
• 1937;
• 1946;
• 1967;
• Emenda nº 1 de 1969 (polêmico);
• 1988.

Temos, então, essa pequena divergência, mas independente disso o fato é que o Poder
Constituinte Originário se manifesta sucessivamente tantas vezes quantas forem os chamados
momentos constituintes ou momentos constitucionais.
Os juristas Daniel Sarmento, Cláudio Pereira de Sousa Neto e Barroso falam em
“momentos constitucionais” para descrever os momentos de maior legitimidade democrática
em que o Poder Constituinte Originário é exercido.
Podemos ter esses momentos constitucionais mais de uma vez na história de um país,
por isso o poder constituinte originário é permanente (não se esgota com seu exercício).

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1.1.4. INCONDICIONADO
Também se diz que o Poder Constituinte Originário é incondicionado (não confundir
com ilimitado), pois não há nenhum tipo de procedimento preestabelecido para o seu
exercício. O Poder Constituinte Originário não possui procedimento que diga, por exemplo,
que haverá reunião em assembleia nacional constituinte, com número X de membros, votos
ou turnos, entre outros requisitos para uma nova constituição.
Cada vez que o Poder Constituinte Originário se manifestar ele mesmo preverá os meios
e termos do seu exercício. São as forças políticas daquele momento que dirão de que maneira
a nova constituição será elaborada. Assim, não há como se ter um detalhamento prévio de
como se dará uma assembleia nacional constituinte – ou sequer se o Poder Constituinte será
exercido por meio de uma assembleia nacional constituinte.
Assim, o Poder Constituinte Originário é incondicionado porque o seu procedimento,
suas formas de manifestação não são previstas por nenhuma norma jurídica anterior ao seu
exercício.

1.2. NATUREZA JURÍDICA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO


Sobre a natureza jurídica do Poder Constituinte Originário há quem diga que ele é um
poder de direito (jurídico) e há quem diga que se trata de um poder de fato (político),
entendimento este que predomina.
Essa classificação se dá porque o Poder Constituinte não é informado, limitado ou
condicionado por normas jurídicas anteriores. O direito não disciplina nem limita o poder
constituinte originário, por isso é considerado um poder de fato, pré-jurídico, anterior ao
direito, criando-o.
Assim, em questões de prova objetiva deve-se indicar a alternativa que informa que o
poder constituinte originário é um poder de fato (apesar da controvérsia).

Questão
2015 – CESPE – AGU – ADVOGADO DA UNIÃO
Julgue o item a seguir, relativo a normas constitucionais, hermenêutica constitucional e poder
constituinte.
Diferentemente do poder constituinte derivado, que tem natureza jurídica, o poder constituinte originário
constitui-se como um poder, de fato, inicial, que instaura uma nova ordem jurídica, mas que, apesar de ser
ilimitado juridicamente, encontra limites nos valores que informam a sociedade.

 COMENTÁRIO DA QUESTÃO
A questão trouxe uma definição perfeita, um resumo perfeito de tudo que foi visto até
agora em aula, de forma que é uma alternativa verdadeira.

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1.3. FORMAS DE MANIFESTAÇÃO


Como o professor disse alhures, o Poder Constituinte Originário é incondicionado, não
existindo um procedimento preestabelecido que diga como ele se manifestará. Isso é uma
verdade, mas não impede os estudiosos do Direito Constitucional de tentar esquematizar as
maneiras mais comuns por meio das quais o poder se manifesta.
Assim, cada vez que o Poder Constituinte Originário se manifesta e dá origem a uma
nova constituição pode-se apontar como se enquadrando em uma das situações que será
apresentada mais à frente.
Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, no livro “Direito Constitucional –
teoria, história e métodos de trabalho”, agrupam pelo menos 8 formas de manifestação, mas
reconhecem que essa é a apenas uma tentativa, de modo que não se trata de rol taxativo, mas
de rol meramente didático para que se visualize maneiras pelas quais uma nova constituição
pode ser elaborada.

1.3.1. REVOLUÇÃO VITORIOSA


A primeira delas, segundo os juristas acima mencionados, é a revolução vitoriosa. O
contexto revolucionário significa uma ruptura abruta e radical com o regime anterior,
normalmente com a transição de um regime autoritário para uma democracia em que se
descreve um processo democrático.
Há quem, do ponto de vista político, entenda que no Brasil tivemos uma Revolução de
1964, mas do ponto de vista do Direito Constitucional essa visão é bastante repudiada – de
modo que o professor não recomenda que se adote o referido posicionamento em uma prova.
Tivemos efetivamente golpes: civil-militar em 1964 e com a instituição do estado novo
(e a constituição de 1937 de Getúlio Vargas), de modo que se vê de forma bastante crítica tais
momentos históricos, não sendo considerados revoluções. Passamos apenas pela Revolução
de 19301.
Exemplo: Revolução Francesa. Com a ruptura, com o absolutismo francês e com
contexto pós-revolucionário, com a segunda constituição escrita do mundo tivemos uma
forma revolucionária de manifestação do Poder Constituinte.

1.3.2. CRIAÇÃO DE UM NOVO ESTADO POR AGREGAÇÃO


Como foi dito em momento anterior, as 13 colônias dos Estados Unidos quando
declararam independência da metrópole da Inglaterra (declararam guerra) assinaram um
tratado internacional que deu origem à Confederação das 13 Colônias.
Na confederação, as partes que à integram mantém sua soberania, mas por meio de um
tratado internacional dão origem a uma confederação na qual elas se comprometem a somar

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Fim da República Velha.

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esforços para um objetivo comum (no caso dos EUA: vencer a guerra) e após esse momento
há a possibilidade de secessão, de separação das partes de uma confederação. Contudo, após a
Confederação das 13 Colônias vencerem a guerra de independência, decidiram, por meio de
uma constituição, unir-se em uma federação.
A federação prevista em uma constituição é uma forma de estado indissolúvel, na qual a
soberania passa a ser do Estado soberano instituído pela constituição e os estados-membros da
federação conservam uma autonomia limitada.
O professor não irá detalhar o assunto neste momento porque será objeto de estudo na
parte de organização do Estado (em federação brasileira). Entretanto, para fins da aula de
Poder Constituinte é importante saber que os referidos autores agrupam a formação de um
novo estado por agregação como uma das formas de manifestação do Poder Constituinte
Originário.
A Constituição dos Estados Unidos de 1787 nada mais foi do que uma forma de unir as
13 colônias em uma federação dos Estados Unidos da América.

1.3.3. EMANCIPAÇÃO POLÍTICA


Uma terceira forma possível seria a emancipação política, como aconteceu, por
exemplo, no Brasil com a constituição de 1824 (em virtude da declaração de independência
em 1822). Não tivemos um processo violento de ruptura como se deu com os Estados Unidos.
A maioria dos países que tiveram contexto colonial (eram colônias) e, posteriormente,
após a emancipação criariam suas constituições, se enquadrariam nessa hipótese
(manifestação do poder constituinte originário pela emancipação política).

1.3.4. COLAPSO
Outra forma possível de manifestação do Poder Constituinte Originário é no contexto de
colapso das instituições.
A lei fundamental de Bonn, na Alemanha (de 1949), ou a constituição da Itália (de
1947) surgiram em um contexto de pós-guerra em que esses países, derrotados na Segunda
Guerra Mundial, saíram completamente arrasados, arcaram com as consequências da guerra
tanto em seu território quanto pela compensação dos Estados vencedores pelos danos
causados pela guerra, além de uma séria de restrições políticas e econômicas decorrentes
dessa guerra.
Em um contexto de reconstrução do Estado, de estado pós-colapso, novas constituições
surgem como alternativas para reestruturar e reorganizar a sociedade.

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1.3.5. GRAVE CRISE


Uma diferença sutil no colapso é o contexto de grave crise, de instabilidade política e
social no qual há uma antecipação das forças políticas à situação insustentável do colapso.
Antes do colapso a crise demonstra a necessidade de uma nova constituição.
Exemplo: constituição da França de 1958. Havia uma grave instabilidade política em
razão da guerra com a ex-colônia francesa da Argélia. Existia uma vontade política por parte
da sociedade de acabar com a guerra, mas os militares não desejavam isso e ameaçavam até
golpe militar naquele momento. Somente com a criação de uma nova constituição se permitiu
um contexto de governabilidade suficiente para que se evitasse uma crise democrática na
França naquele período.

1.3.6. GOLPE DE ESTADO


Outra forma de manifestação do Poder Constituinte Originário, não necessariamente
legítima, é o contexto de golpe de Estado, no qual algum grupo, normalmente por meio da
força, de alternativas não democráticas, chega ao poder e institui uma nova constituição.
Exemplo: Brasil em 1937 e 1967 (constituições).

1.3.7. TRANSIÇÃO PACÍFICA


O Poder Constituinte Originário também pode se manifestar no contexto de transição
pacífica. Exemplo: contexto de redemocratização do Brasil em 1988.
Fala-se em transição pacífica porque houve uma composição, um acordo entre os
militares e a sociedade civil. Os militares, no momento de transição política de 1988
participaram plenamente do processo de redemocratização. Vários políticos que
representavam o regime militar no congresso (especialmente MDB e Arena) participaram. O
presidente Sarney, que foi o primeiro presidente após a redemocratização (com a morte de
Tancredo Neves) foi da base de sustentação do regime militar.
Os militares também tiveram seus direitos assegurados no momento de transição, com a
Lei de Anistia, por exemplo, que anistiou os crimes praticados no contexto das lutas armadas
que aconteceram naquele período do país. Assim, tanto os crimes praticados pelos militares,
como torturas, desaparecimentos quanto crimes praticados por pessoas que lutavam contra o
regime, como sequestro, etc., foram perdoados.
O MPF possui posição firme no sentido de questionar essa lei de anistia quanto aos
crimes de tortura. Tivemos, inclusive uma ADPF que considerou recepcionada a lei de anistia
por maioria no Supremo. Por isso, todas as vezes que um membro do MPF denuncia alguém
por crimes praticados na ditadura a defesa, se valendo do precedente da APDF, ajuíza
reclamação diretamente no STF e tranca a ação penal.
Já no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos temos precedentes nos quais
a Corte sistematicamente declara como inconvencionais (incompatíveis com a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos) todas as chamadas leis de anistia dos países que

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passaram por ditadura civil-militar na América Latina. Assim, há divergência entre a Corte
Interamericana e o STF em matéria de validade da lei de anistia.
O professor tem a impressão que se o assunto for levado ao Supremo, pode haver
mudança de entendimento, tendo em vista a mudança de composição do STF. O Ministro
Roberto Barroso, por exemplo, é fortemente contra a lei de anistia.

1.3.8. “MOMENTOS CONSTITUCIONAIS SEM CONSTITUIÇÃO”


A última forma de manifestação seriam os “momentos constitucionais sem
constituição”. Essa última classificação é interessante porque os juristas lembram que
podemos ter o exercício de um poder constituinte em um momento histórico sem que o
resultado seja necessariamente uma constituição escrita.
Exemplo: criação do Estado de Israel – não existe uma constituição escrita, mas o
momento político que levou à sua criação, os valores por trás do Estado de Israel com certeza
são parte do direito costumeiro e da jurisprudência aplicada no país, tendo fundamentos de
validade superiores à legislação ordinária, mas sem uma constituição escrita que consolide
esses valores. Veremos melhor esse tema em classificações das constituições.
Assim, é possível que o poder constituinte originário se manifeste e crie um Estado,
uma nova ordem jurídica sem que o resultado seja necessariamente uma constituição escrita.

1.4. QUESTÃO E JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA ILIMITABILIDADE DO


PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Veja a questão a seguir sobre as características do poder constituinte originário:

2017 – CESPE – DPU – DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL


A respeito da evolução histórica do constitucionalismo no Brasil, das concepções e teorias sobre a
Constituição e do sistema constitucional brasileiro, julgue o item a seguir.
O poder constituinte originário e o poder constituinte derivado se submetem ao mesmo sistema de
limitações jurídicas e políticas, embora os efeitos dessas limitações ocorram em momentos distintos.

 COMENTÁRIO DA QUESTÃO
Essa afirmativa é falsa. O Poder Constituinte Originário tem características
completamente diferentes do Poder Constituinte Derivado. Ademais, aquele não possui
limitações jurídicas.
Vejamos um precedente do STF assentando essa característica de ilimitabilidade do
Poder Constituinte Originário:
EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 2º DA
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 30, DE 13 DE SETEMBRO DE 2000, QUE ACRESCENTOU O ART.
78 AO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. PARCELAMENTO DA

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LIQUIDAÇÃO DE PRECATÓRIOS PELA FAZENDA PÚBLICA. 1. O precatório de que trata o artigo


100 da Constituição consiste em prerrogativa processual do Poder Público. Possibilidade de pagar os
seus débitos não à vista, mas num prazo que se estende até dezoito meses. Prerrogativa compensada, no
entanto, pelo rigor dispensado aos responsáveis pelo cumprimento das ordens judiciais, cujo desrespeito
constitui, primeiro, pressuposto de intervenção federal (inciso VI do art. 34 e inciso V do art. 35, da CF)
e, segundo, crime de responsabilidade (inciso VII do art. 85 da CF). 2. O sistema de precatórios é
garantia constitucional do cumprimento de decisão judicial contra a Fazenda Pública, que se define em
regras de natureza processual conducentes à efetividade da sentença condenatória trânsita em julgado
por quantia certa contra entidades de direito público. Além de homenagear o direito de propriedade
(inciso XXII do art. 5º da CF), prestigia o acesso à jurisdição e a coisa julgada (incisos XXXV e XXXVI
do art. 5º da CF). 3. A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte
(redundantemente chamado de “originário”) não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de
ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as
normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à
legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas
constitucionais às chamadas cláusulas pétreas. 4. O art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, acrescentado pelo art. 2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, ao admitir a liquidação
“em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos” dos “precatórios pendentes
na data de promulgação” da emenda, violou o direito adquirido do beneficiário do precatório, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada. Atentou ainda contra a independência do Poder Judiciário, cuja
autoridade é insuscetível de ser negada, máxime no concernente ao exercício do poder de julgar os
litígios que lhe são submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública,
na forma prevista na Constituição e na lei. Pelo que a alteração constitucional pretendida encontra óbice
nos incisos III e IV do § 4º do art. 60 da Constituição, pois afronta “a separação dos Poderes” e “os
direitos e garantias individuais”. 5. Quanto aos precatórios “que decorram de ações iniciais ajuizadas
até 31 de dezembro de 1999”, sua liquidação parcelada não se compatibiliza com o caput do art. 5º da
Constituição Federal. Não respeita o princípio da igualdade a admissão de que um certo número de
precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999, fique sujeito ao regime especial do art. 78 do
ADCT, com o pagamento a ser efetuado em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de
dez anos, enquanto os demais créditos sejam beneficiados com o tratamento mais favorável do § 1º do
art. 100 da Constituição. 6. Medida cautelar deferida para suspender a eficácia do art. 2º da Emenda
Constitucional nº 30/2000, que introduziu o art. 78 no ADCT da Constituição de 1988.
[ADI 2.356 MC e ADI 2.362 MC, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 25-11-2010, P, DJE de 19-5-2011]

Nessa decisão o próprio STF valida como corrente majoritária a que informa que o
Poder Constituinte Originário é um poder de fato. Em razão disso, surgem críticas quanto ao
caráter ilimitado do poder constituinte originário.

1.5. CRÍTICAS AO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO


Gera certa perplexidade na doutrina que seja possível que uma nova constituição
retroceda em relação a direitos fundamentais.

 Seria possível instituir a escravidão por dívida em uma nova constituição – como
era na época dos romanos? Seria possível que uma nova constituição previsse pena de morte
generalizadamente para qualquer crime, inclusive violações patrimoniais ínfimas? Seria
possível que mulheres não tivessem direitos em uma nova constituição?

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A professora Flávia Piovesan é a maior autoridade que temos no Brasil em matéria de


Direitos Humanos, além de outros professores também influentes, como Cançado Trindade,
Valério Mazzuoli. A primeira sugere que o Direito Internacional dos Direitos Humanos
deveria ser visto como um limite ao Poder Constituinte Originário, criticando a visão clássica
ainda predominante no Brasil de que o poder constituinte originário é ilimitado.
Deve-se ter em mente que os Direitos Humanos, assim conhecidos como os direitos
fundamentais previstos em tratados internacionais, são posições jurídicas de vantagem que
asseguram direitos pertencentes à toda humanidade, que são titularizados pelas pessoas em
razão de serem humanas, e não em razão de serem nacionais de determinado Estado.
Desse modo, a professora Flávia Piovesan entende que a soberania de um Estado não
pode ser argumento para exercer um poder constituinte e comprometer direitos titularizados
pelas pessoas, independentemente das fronteiras dos Estados.
O professor Cláudio Pereira de Souza Neto também comunga dessa visão e entende que
a democracia também deve ser vista como um limite ao Poder Constituinte Originário, pois
não faz sentido que um poder que pertence ao povo seja exercido de modo a instituir um
Estado autoritário – o povo, fazendo uso desse poder, não o entregaria a outra pessoa de
forma ilegítima.
Assim, implicitamente deve fazer sentido a ideia de que o Poder Constituinte
Originário, se é titularizado pelo povo, não vai ser exercido de modo a permitir que esse poder
seja entregue a outrem, de modo que se o Poder Constituinte originário resulta de um
procedimento ilegítimo* ele se torna questionável.
 ATENÇÃO! São críticas doutrinárias, acadêmicas, sendo interessantes para uma
prova do MPF que questione a posição da instituição sobre as leis de anistia. Na prova da
magistratura é mais interessante se portar de forma mais conservadora, demonstrando o
entendimento de que existe a crítica, mas ainda predomina que o Poder Constituinte
Originário é ilimitado.
Segue uma questão cobrada na prova do MPF em 2015:
2015 – PGR – PGR – PROCURADOR DA REPÚBLICA
Assinale a alternativa incorreta:
a) O caráter ilimitado e incondicionado do poder constituinte originário precisa ser visto com
temperamentos, pois esse poder não pode ser entendido sem referenda aos valores éticos e culturais de
uma comunidade política e tampouco resultar em decisões caprichosas e totalitárias;
b) A nova Constituição pode afetar ato praticado no passado, no que respeita aos efeitos produzidos a
partir de sua vigência, o que significa dizer que as normas do poder constituinte originário são dotadas de
eficácia retroativa mínima;
c) O princípio da identidade ou da não contradição impede que no interior de uma Constituição originária
possam surgir normas inconstitucionais, razão por que o STF não conheceu de ADI em que se impugnava
dispositivo constitucional que estabelecia a inelegibilidade do analfabeto;
d) Por força do disposto no art. 125, § 2°, da CF, os Estados não estão legitimados a instituir ação
declaratória de constitucionalidade.

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 COMENTÁRIO DA QUESTÃO
OBSERVAÇÃO: Ao iniciar a análise da questão é importante ler o enunciado. Não se
trata de um conselho “bobo”, pois o cansaço da prova, além de outros fatores, pode fazer com
que o candidato não leia o enunciado e acabe errando a questão. Assim, o professor indica que
se sublinhe quando a questão pedir a alternativa incorreta.
Na assertiva “a”, considerada verdadeira, o MPF demonstra que tem uma posição mais
questionadora sobre o assunto.
A assertiva “b” também é verdadeira, como será visto mais adiante.
A alternativa “c” é verdadeira, como veremos em princípios de interpretação da
constituição o princípio da unidade da constituição, em que não há hierarquia entre normas
constitucionais originárias – não se aplica no Brasil a teoria das normas constitucionais
inconstitucionais.
Por eliminação, então, a assertiva incorreta é a letra “d”. Entende-se que no âmbito
estadual é possível que tenhamos uma ADC estadual, apesar de não ser comum. Em controle
de constitucionalidade abordaremos esse tema.
O professor trouxe a questão acima para que analisássemos a alternativa “a” que
demonstra que a visão do MPF é mais questionadora do dogma do poder constituinte
originário limitado.
Em seguida, continuaremos com as características do Poder Constituinte Derivado.

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