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copyright © 2017 Sonia Sueli Berti-Pinto, Miriam Bauab Puzzo, organização
Todos os direitos autorais dos textos publicados neste livro estão reservados aos autores e foram cedidos
para uso da Editora Terracota Ltda., exclusivamente para a publicação desta obra, cujo conteúdo dos
textos é de inteira responsabilidade de seus autores.
Capa
Sonia Sueli Berti-Pinto
Diagramação
Michel Guimarães
Editor responsável
Carlos Augusto Baptista de Andrade
Conselho Editorial
Ana Lúcia Tinoco Cabral (UNICSUL-Br)
Anna Christina Bentes (UNICAMP-Br)
Armando Jorge Lopes – Univ. Eduardo Mondlane – Moçambique
Benjamim Corte-Real – Univ. Nacional de Timor-Leste – Timor-Leste
Cláudia Maria de Vasconcellos (USP-Br)
Guaraciaba Micheletti (UNICSUL/USP-Br)
Maria da Graça Lisboa Castro Pinto (Univ. do Porto-Pt)
Maria Joao Marçalo (Univ. de Évora-Pt)
Maria Valiria Aderson de M. Vargas (USP e UNICSUL-Br)
Moisés de Lemos Martins (Univ. do Minho – Portugal)
Sueli Cristina Marquesi (PUC/SP e UNICSUL-Br)
Regima Helena Pires Brito (Univ. Mackenzie)
Vanda Maria da Silva Elias (PUC/SP-Br)
CDD 410
CDU 81
_____________________________________________________________________
APRESENTAÇÃO ......................................................................................... 5
PARTE I - QUESTÕES DA LÍNGUA................................................................ 9
EXPRESSÃO ORAL A PARTIR DA DÉCADA DE 1980: COLEÇÕES DIDÁTICAS - Maria
Inês Batista Campos (USP); Alana Misael Santos (USP) ......................................................... 11
NO TOQUE DAS MATRACAS E DOS PANDEIRÕES: TRAÇOS IDENTITÁRIOS DO
NEGRO E DO ÍNDIO NAS TOADAS DO BUMBA MEU BOI SOTAQUE DA ILHA - Marcelo
Nicomedes dos Reis Silva Filho (UFMA); Antônio Carlos Santana de Souza (UEMS) .................... 29
A CONTINUIDADE DA APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA POR IDOSOS:
UMA CONTINGÊNCIA DO SÉCULO XXI - Fábio Luiz Villani (FACCAMP) ......................... 45
A LÍNGUA E SUAS NUANCES: ESTUDO DAS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO
CONTEXTO DA MÚSICA ZALUZEJO - Rodrigo de Santana Silva (UNEMAT/Cáceres);
Rodrigues de Souza Bortolozzo (UNEMAT); Giseli Veronêz da Silva - (UNEMAT/Cáceres) ........... 61
MINIBIOS .................................................................................................243
Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente
da comunicação verbal, ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que
sua consciência desperta e começa a operar. (...)
Os sujeitos não ‘adquirem’ sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o
primeiro despertar da consciência. (Bakhtin, 2006 p. 111).
Portanto, por trás de cada texto está o sistema da linguagem. A esse sistema
correspondem no texto tudo o que é repetido e reproduzido e tudo que pode ser
repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o dado).
Concomitantemente, porém, cada texto (como enunciado) é algo individual, único e
singular, e nisso reside todo o seu sentido (a sua intenção em prol da qual ele foi
criado). É aquilo que nele tem relação com a verdade, com a bondade, com a beleza,
com a história. (BAKHTIN, 1998)
QUESTÕES DA LÍNGUA
Introdução
O início deste trabalho de pesquisa se deu na Iniciação Científica entre os anos de 2015
e 2016 com o tema “A prática oral no livro didático: um percurso diacrônico”. A reflexão
linguístico-discursiva procurou investigar o ensino da expressão oral da língua portuguesa em
livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II da década de 1980 até o
início do século XXI. Este estudo fez parte do Grupo de Pesquisa “Língua Portuguesa no ensino
básico e superior: dos gêneros textuais/discursivos do livro didático, acadêmicos, jurídicos e
políticos às estratégias de textualidade da oralidade e da escrita”, integrado pela professora
Maria Inês Batista Campos, junto com docentes da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Programa Nacional de Apoio
Acadêmico (Procad – Capes).
Neste artigo, o objetivo é discutir o processo de mudanças linguísticas implantadas,
particularmente, em duas coleções didáticas produzidas em épocas diferentes: Português Oral
e Escrito. Novas Lições (São Paulo: Editora Companhia Nacional),de Dino Preti, da década de
1980; e Português nos dias de hoje, de Carlos Emílio Faraco, Francisco Marto de Moura (São
Paulo: Editora Leya, da década de 2013. Para isso, foram analisadas e discutidas propostas de
expressão oral, investigando os percursos linguístico-discursivos do ensino da língua oral,
suas possibilidades de usos nas mais variadas situações de comunicação. O ponto de partida
da investigação ocorreu em três níveis: a) no eixo da oralidade nas coleções didáticas de
Português do ensino fundamental II3, b) na presença das teorias linguísticas nas atividades, c)
nas abordagens teórico-metodológicas que fundamentam as coleções do século XXI.
antes chamava “ciclo ginasial” e foi substituída por “ensino de primeiro grau da 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries” em todas
escolas a partir 1972.
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As transformações do ensino da modalidade oral no material didático
Os trabalhos de Magda Soares, centrados no delineamento da história do português na
escola, esclarecem que a disciplina “língua portuguesa” foi oficializada no fim do Império com
o propósito de ensinar “retórica, poética, gramática”, admitindo-se que “falar bem” era o
mesmo que falar correto e dirigia-se a grupos sociais economicamente privilegiados (SOARES:
2004, p. 164). Os principais materiais existentes para o estudo da língua eram as gramáticas e
coletâneas de autores consagrados e, aos poucos, o foco transferiu-se para a escrita.
Fonte: PRETI: São Paulo, Companhia Editora Nacional, Fonte: FARACO; MOURA: São Paulo, Leya, 2012.
1986.
4 Os quatro volumes foram dirigidos para o primeiro grau, o que equivale hoje ao Ensino Fundamental II.
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Antônio Alcântara Machado, Orígenes Lessa. A abertura começa com o texto “Fim-de-semana”,
de Nestor de Holanda, e na página à esquerda há uma imagem de um carro viajando por uma
estrada, referência às idas para a casa de férias que o casal da narrativa fazia aos finais de
semana.
O texto
. O sentido das palavras
. O sentido do texto (10 questões)
Outras atividades
. Exercícios de comunicação e expressão (3 atividades)
. Leitura orientada (2 atividades)
. Criatividade e redação (3 atividades)
Resumos gramaticais
. O predicado nominal. Os verbos de ligação. O predicativo do sujeito.
. Treinamento oral (Leitura de orações com predicado verbal e nominal)
. Trabalhos na lousa
. Lição de casa
Fonte: Síntese elaborada pelas autoras
No segundo exercício, o autor sugere que três alunos interpretem agentes que
trabalham em agências de turismo e que os demais interpretem seus possíveis clientes. Os
agentes farão a propaganda de seus respectivos pacotes. A atividade propõe um longo diálogo
entre cada dupla de agente e viajante, para depois o restante da sala julgue os melhores
trabalhos. No terceiro exercício, os alunos deverão recolher imagens de lugares ou pontos
turísticos e levar para a sala de aula, onde discursarão alguns minutos sobre o local
representado na imagem.
Na seção “Treinamento Oral”, a proposta é o aluno se expressar oralmente, mas o
objeto principal são quatro exercícios referentes a distinção entre predicado verbal e nominal,
verbos de ligação. Os exercícios visam ao treinamento da utilização de diferentes verbos de
ligação por meio do procedimento de substituição e à identificação de predicados como
5
A partir desse momento, chamaremos apenas por Guia o Guia do PNLD/2014.
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mais sucinto que com os demais eixos, o Guia julga que é suficiente para refletir sobre as
diferentes modalidades e os usos em diversas situações de comunicação.
No Manual do Professor, os autores destacam como objetivo a reflexão acerca dos
participantes da interlocução e da adequação do texto às condições de produção e à situação.
Explicam que trabalham com a ficcionalização de situações de comunicação real, sobretudo
por meio de jogos teatrais, encenações de diálogos, entrevistas, debates, leitura em voz alta,
seminários e exposição oral.
Para análise, foi selecionada a unidade 4 do Projeto 2, cujo nome é Clube de
Correspondências. Os temas de cada um dos projetos guiam a seleção dos gêneros que serão
trabalhados no decorrer das unidades. No quadro abaixo, podemos visualizar a estrutura de
tal unidade.
TEXTOS SEÇÕES
Considerações finais
Duas coleções didáticas produzidas em décadas diferentes mostram o quanto o ensino
com a oralidade exige uma base teórico-metodológica dos autores. Na coleção da década de
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1980, o trabalho com diferentes modalidades, registros e situações de comunicação tinha
claro encaminhamento teórico, o que permitiu manter uma proposta de produção oral e
escrita. A norma padrão ainda se manteve numa posição privilegiada, como herança da noção
de que falar bem e escrever bem. O aluno era orientado a produzir textos em níveis cultos da
língua portuguesa, ou seja, seguindo as normas urbanas de prestígio.
Assim, ainda que a gramática fosse priorizada, era colocada a serviço da comunicação e
expressão, e não mais tratada como regra absoluta de uma língua considerada um sistema. O
tratamento da oralidade transformou-se em objeto de ensino e se constituiu em um tipo de
linguagem, a “linguagem oral”, como foi identificado com clareza mesmo nos nomes das
seções.
A oralidade do livro didático analisado da década de 2012 estimula o aluno a participar
de atividades orais, embora o tratamento ainda careça de sistematizações.
Resumindo, a abordagem do eixo da oralidade pelos livros didáticos analisados ainda
precisa ser aperfeiçoada em função do que consideramos o tratamento eficiente para esse
tema, como está discutido nos documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares
Nacionais e o Guia do livro didático de Língua Portuguesa PNLD/2014. Embora a questão da
oralidade tenha sido inserida no ensino entre as décadas de 1960 e 1970 e esteja presente dos
currículos de português, há setores (como os vestibulares) tradicionais do ensino que ainda
supervalorizam os eixos da gramática e da escrita. Enquanto a relação de desvalorização da
linguagem oral e de supervalorização da modalidade escrita e do estudo da gramática se
mantiverem como um jogo de poder e de tensão das forças de quem manda mais, os manuais
didáticos não conseguirão equilibrar o espaço dado entre todos os eixos da língua.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra.
São Paulo: Contexto, 2003.
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linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad.
Michel Lahud e Yara F. Vieira. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
BRASIL. Guia de livros didáticos. 2014. Língua Portuguesa. Ensino Fundamental. Anos Finais.
MEC/SEB: Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-
guias?download=8323:livro-linguaportuguesa>. Acesso em: 18 abr 2016.
FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto de. Português nos dias de hoje. São Paulo:
Leya, 2012.
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FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O.; AQUINO, Zilda G. O. Oralidade e
escrita. Perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo: Cortez, 2007.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Hesitação. In: JUBRAN, Clélia Cândida Abreu Spinardi; KOCH,
Ingedore Grunfeld Villaça. Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Construção do
Texto Falado, v. 1. Campinas: Editora Unicamp, 2006.
PLATÃO SAVIOLI, Francisco. O percurso das gramáticas nas ações escolares. In: MOURA
NEVES, Maria Helena de; CASSEB-GALVÃO, Vânia Cristina. Gramáticas contemporâneas do
português: com a palavra, os autores. São Paulo: Parábola, 2014, p. 134-152.
PRETI, Dino. Português Oral e Escrito. Novas Lições. 6ª série. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1986.
______. Oralidade e gíria: como tratá-las no ensino. In: BASTOS, Neusa Barbosa (Org.). Língua
Portuguesa: uma visão em mosaico. São Paulo: IP-PUC-SP/EDUC, 2002, p. 193-199.
SOARES, Magda. Português na escola. História de uma disciplina curricular. In: BAGNO,
Marcos (Org.). Linguística da Norma, 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
TEIXEIRA, Lúcia. Gêneros orais na escola. Revista Bakhtiniana. São Paulo, v. 7, n. 1, p. 240-252,
jan./jun. 2012.
Introdução
1
Graduanda do Curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos pela Universidade Federal do Maranhão UFMA,
Campus São Bernardo e vinculada ao Grupo de Linguagens, Cultura e Identidades – GPLiCI da UFMA e-mail:
jeane208@gmail.com
2
Professor do Curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos da Universidade Federal do Maranhão -UFMA, Campus
São Bernardo, Doutorando em Letras – Linguagem e Sociedade pelo PPGL da Unioeste, Mestre em Educação pelo
PPGE da UCB e Pesquisador da Cátedra Unesco de Juventude, Educação e Sociedade –Universidade Católica de
Brasília –UCB e do Grupo de Linguagens, Cultura e Identidades – GPLiCI da UFMA nicomedes@gmail.com
3
Mestre e Doutor em Linguística. Docente do Programa de Mestrado em Letras da Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul. Campo Grande-MS/Brasil. E-mail: acssuems@gmail.com
4
Bumba meu boi ou boi-bumbá é uma dança do folclore popular brasileiro, com personagens humanos e animais
fantásticos, que gira em torno de uma lenda sobre a morte e ressurreição de um boi.
Conceitualmente, esta pesquisa abre espaço para discussão sobre religiões de matriz
africana e suas ligações com o folguedo, amplia a possibilidade de um entendimento sobre
cultura e identidade, especialmente sobre a toada como expressão de relações étnicas dentro
do sotaque em questão. Em suma o Maranhão estado rico em diversidade dispõe de um
considerável número de expressões culturais populares e se torna panorama de importantes
discussões em torno da cultura popular.
5
As toadas são músicas criadas e cantadas pelos amos, cantadores ou mandadores dos grupos de Bumba meu boi
acompanhadas pelo coro formado pelos brincantes e, ocasionalmente, pela coordenação da sequência de
composições apresentadas pelos outros amos/cantadores (IPHAN, 2011, p.68).
6
Vodus ou vudus (do gbe vodún, "espírito") são a designação genérica, no Brasil, das divindades do panteão jeje (ewe
e fon, falantes da língua gbe) que, nas Américas, foram parcialmente sincretizados com orixás iorubás e santos
católicos.
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gentis‖, entidades brasileiras como caboclos índios e seres da mitologia
indígena como mãe d‘água, curupira e uma infinidade de outros (SANCHES,
2003, p.12. FERREIRA et al. 2014 p. 5)
7
O tambor de Mina é uma manifestação ritual religiosa, trazida pelos negros africanos escravos para a Casa das Minas
no Maranhão, com características ao Candomblé da Bahia, e que consiste resumidamente numa dança em circular,
onde os participantes, chamados de cavalos, médiuns, ou aparelhos recebem, conforme o toque da música, a
entidade ou caboclo (MARQUES, 1996, p. 109).
8
Sincretismo é a absorção de um sistema de crenças por outro. Isto ocorreu, por exemplo, quando o cristianismo
absorveu e adaptou conceitos das religiões da Europa, moldando-os de acordo com os interesses da Igreja Católica
numa tentativa de facilitar a propagação da religião cristã no continente europeu. Um exemplo é a festa cristã do
Natal, originalmente uma festa pagã que celebrava o solstício de inverno e o nascimento anual do Deus Sol mas que a
Igreja Católica transformou na atual celebração do nascimento de Jesus Cristo.
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Constatamos que o sincretismo constitui uma das características centrais das
festas religiosas populares. (FERRETI, 2007, p 4)
9
“A afirmação da origem indígena da pajelança de terreiro se apoia principalmente: no conhecimento de uma
etimologia tupi para a palavra pajé; no uso tradicional pelos curadores e pajés de terreiro, em seus rituais, de maracá
(instrumento musical usado por pajés indígenas), cigarros para produção de fumaça, usada nos atendimentos a
clientes, e da técnica de extração de ´porcarias´ (espinhos, insetos etc.) do corpo dos clientes, para tirar feitiço -
muitas vezes chupando uma parte do corpo do cliente, também usada por pajés indígenas, conforme descrição de
METRAUX (1979)”. (In: FERRETTI, M. Cura e pajelança em terreiros do maranhão (Brasil, apresentado em 18/3/2008
no Curso de Aperfeiçoamento em Antropologia Médica – Università degli Studi di Milano Bicocca – Itália. Retoma
texto apresentado em Mesa Redonda do VIII Encontro da ABANNE – São Luís, 1-4/7/2003 – intitulado: Tambor de
curador e pajelança em terreiros maranhenses. Publicado em I Quaderni del CREAM, v.8, 2008. Disponível em:
http://gurupi.ufma.br:8080/jspui/1/197)
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aprofundamento do estudo no BMB, por sua vez, revelam os impactos e os sentidos das
dinâmicas que BMB possui.
Da mesma forma o negro tem sido essencial sob uma perspectiva sociológica no
sentido de agregar costumes, práticas, identificações e referências permeadas às questões de
identidade e cultura por isso importa frisar que a história da etnia implica nos hábitos acerca
da sua visão de mundo, sendo que suas práticas constituem um imaginário místico, um legado.
Como escreve Eagleton “A cultura pode ser entendida como um conjunto de valores, crenças,
costumes e práticas que caracterizam o modo de vida de determinado grupo social”.
(EAGLTON 2005, apud COELHO e MESQUITA. 2013, p.27). Diante dessa conjuntura a
diversidade de determinados grupos sociais com imposição de valores, crenças e costumes
que reafirmam identidades.
10
Identidade cultural é o sentimento de identidade de um grupo, cultura ou indivíduo, na medida em que este é
influenciado pela cultura do grupo a que pertença.
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A cultura como algo que não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos
casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou
os. Processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles (os símbolos) podem
ser descritos de forma inteligível_ isto é, descritos com densidade. (GEERTZ
1978, p.24 apud TURRA NETO, 2004).
Hall em seu livro A identidade cultural na pós-modernidade nos oferece uma síntese
elucidativa sobre identidade cultural
A teoria elaborada por pelo autor é importante para a análise das toadas selecionadas
por apresentar um conceito de identidade cultural a música do BMB, como será demonstrado
na análise de dados é evidente a relação entre sujeito afro indígena acerca do que dela se
escuta. A toada traz para o BMB um panorama de referenciais fixos entre um polo e outro,
assume posturas de grupos sociais negros e indígenas.
Tais etnias se afirmam constantemente na cultura popular e pode ser definida como
instrumento de reformulação de pensamento com relação ao meio em que se vive, onde o
indivíduo torna-se capaz de ampliar seu conhecimento e seu potencial criativo. Assim,
representa o mundo, o homem, a vida, pelas diversas formas que se manifesta.
Sabendo que a toada é um importante movimento na cultura popular que, necessita ser
problematizada para além dos propósitos pertinentes acerca da música, a fim de que se
compreenda sua dimensão social no sentido de colaborar na reflexão sobre identidades,
nestes termos que Ferreira et al se manifestam:
Nesta perspectiva é possível compreender que a toada está associada com a noção de
identidade cultural por estabelecer um diálogo com etnias e simbolizar o respeito na medida
em que profere discursos. Diante desses conceitos é interessante observar as relações com as
religiões afro-brasileiras na toada Reis da Encantaria do Boi de Maracanã neste caso,
proponho uma reflexão acerca do sincretismo religioso ao expor elementos de matriz africana
e ameríndia em suas argumentações ligadas a crenças e reverências à seres da encantaria
maranhense, o cantador amplia esses eventos simbólicos. Considerando os dados ora
supracitados, seguem traduzidos e transcritos, de forma explícita, quatro toadas do BMB de
Maracanã.
Com o objetivo de sintetizar a análise dos traços identitários, a seleção das músicas
ocorreu com base na notoriedade que cada uma ocupa no cenário da cultura popular
maranhense. No exemplo 1 da sessão A, coloca-se a toada Reis da Encantaria e suas possíveis
11
Guarnecer no bumba meu boi maranhense significa reunir, preparar, arrumar o conjunto para dar início à
brincadeira. Também é toda toada cantada no instante de arrumar o cordão para deslocar-se ou apresentar-se.
Guarnicê é a forma como o termo é pronunciado pelos brincantes, (AZEVEDO NETO, Américo. Bumba meu Boi no
Maranhão. São Luís: Alcântara,1983).
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relações étnicas. Sobre a análise do trecho é possível fazer as seguintes observações, de
acordo com a bibliografia analisada.
Salve os terreiros;
Que o pai Oxalá;
Turquia, Casa das Minas;
E a Casa de Nagô;
Viva Deus;
Viva as Rainhas;
E os Reis da Incantaria;
Rei Badé; rei Verequete;
O Rei da Alexandria;
Rei Guajá, Rei Surrupira,
Rei Dom Luís, Rei Dom João;
Rei dos feiticeiros, dos Exus e Rei Leão;
Rei Oxóssi, Rei Xangô;
Rei Camundá, Xapanã;
E Barão Reide Guaré;
Proteja o Boi do Maracanã;
Rei da Bandeira, o Rei da Maresia;
Rei de Itabaiana,
Salve o Rei da Bahia.
E os Reis que eu não falei em verso,
Falo no meu coração.
Salve o Rei dos Índios;
Salve o Rei Sebastião.
Com a expressão Viva Deus o amo demonstra a devoção ao ser superior do catolicismo,
visto que, o cantador expõe o respeito e fé, adiciona-se a isso, a situação difícil em que se
encontravam os escravos por não poderem expressar a fé.
A argumentação do autor deixa claro que a religião não só amplia nossa visão a partir
do momento em que expressamos a nossa própria concepção do que é colocado a nossa
existência , aos quais nos levam a descobertas e soluções práticas no mundo. Através dela o
homem é capaz de reafirmar a sua existência. Abaixo seguimos com a análise da segunda
toada.
As relações interétnicas por referência social aparecem nesta toada em duas estrofes.
Na primeira Upaon Açu é São Luís presente Tinha vinte e sete aldeias. Na toada Upaon Açu o
cantador relata aspectos inerentes ao contexto histórico da região, hoje chamada de São Luís o
cantador narra na toada às vinte e sete aldeias que povoaram a ilha e nomearam bairros,
muito tiveram os nomes modificados outros mantém como nos versos seguintes: Araçagi,
Eh Veleiro Grande
Cuidado com a pedra de Itacolomi
E touro negro anda sobre a maresia
Benzeiro Grande eu sempre canto pra ti
Morro branco de areia da praia do
De lá avistei a sereia da Baía de Cumã.
A matraca e pandeiro
É quem faz tremer o chão
Esta herança foi deixada por nossos avós
Hoje cultivada por nós
Pra compor
Tua história, Maranhão.
O sujeito cantor quis mostrar prestígio pela herança identitária, no verso Maranhão,
meu tesouro, meu torrão. Fiz esta toada, pra ti Maranhão, o cantador Humberto de Maracanã
apoia-se fundamentalmente nas características regionais que permitem por diferentes vias
expressar respeito e admiração pelo estado em que vive. Tem-se nessa toada exaltação à
natureza, às lendas místicas e imagens regionais, aos aspectos geográficos.
Na estrofe Terra do babaçu, Que a natureza cultiva Esta palmeira nativa É que me dá
inspiração, nesta perspectiva se insere o corpo social local. Como elemento determinante da
diversidade, pode-se dizer que o cantador assume a postura de levar o ouvinte a reconhecer a
dimensão cultural do estado.
Mais adiante no verso O amo canta e balança o maracá A matraca e o pandeiro É quem
faz tremer o chão Humberto de Maracanã ressalta as formas rítmicas do BMB partindo do
realce aos instrumentos de origem ameríndia, a matraca, o maracá e o pandeiro, que se fazem
presentes na maioria dos estilos de BMB e que claramente trazem um estímulo ao plano
musical da brincadeira, o cantador protagonista enfatiza suas influências musicais também, a
partir do momento que coloca o folguedo para além da estética, desse modo denota
referências a uma ancestralidade africana bem como indígena.
Considerações finais
Referências
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998. p. 295-395.
Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão. Dossiê do registro como Patrimônio
Cultural do Brasil / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. São Luís:
Iphan/MA, 2011.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução de Viviane Ribeiro. Bauru:
EDUSC, 1999.
FERRETTI, Sergio F. (Org.). Dossiê do Registro: Sincretismo religioso. 2007. IPHAN. Disponível
em <http://www.gpmina.ufma.br/pastas/doc/Sincretismo a Festa do Divino.pdf>. Acesso
em: 16 Agos. 2007.
FERREIRA, Heridan de Jesus Guterres Pavão et al. (Em) Canto de Santo: religiosidade e
identidade no Bumba-meu-boi do Maranhão. In: III Seminário Linguagem e Identidade:
múltiplos olhares, 2014, São Luís. UFMA, Disponível em:
<http://www.linguagemidentidades.ufma.br/publicacoes/pdf/4 Artigo CORRIGIDO.pdf>.
Acesso em: 02 agost. 2016.
HALL. Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira
Lopes Louro. 3ed. Rio de Janeiro: DP& A Editora, 1999.
TURRA NETO, Nécio. Enterrado vivo identidade punk e território em Londrina. Londrina:
Unesp, 2004. 284 v. (8571395365).
RANGEL, Lipe Augusto Barreto. Rações de benzedura em Itaberaba: das formações religiosas
coloniais às práticas cotidianas: rações de benzedura em Itaberaba: das formações religiosas
coloniais às práticas cotidianas. 2011. Disponível em:
Introdução
Quando se fala em aprendizagem uma série de mitos podem ser citados, que facilitam
ou dificultam o aprendizado: quanto mais jovem se é, mais fácil o aprendizado ocorre ou
quando se é mais velho, aprender é mais difícil.
Se essas afirmações são tidas como verdadeiras quando falamos em educação básica,
EJA (ensino de jovens e adultos - antigo supletivo) ou ensino superior, imagine se nos
referirmos a aprendizagem de idosos onde muitos, talvez, com um olhar incrédulo
perguntem: “velhos aprendendo na escola... para que um velho com mais de sessenta anos
desejaria voltar para a escola?”
Por mais assustadora que tal colocação pareça, ainda podemos encontrar, em pleno
século XXI, muitas pessoas que acreditam que o envelhecimento é sinônimo de recolhimento,
doenças, abandono ou saudosas lembranças de um passado longínquo.
Felizmente sabemos que essa é uma interpretação muito pessoal e que nem todos
pensam do mesmo modo ou encaram seu próprio envelhecimento da mesma maneira.
Acreditamos que ser velho ou estar velho depende, unicamente, de uma tomada de
decisões pessoais diante de situações impostas pela vida cotidiana quando se está saudável.
Neste aspecto é possível transformar a velhice em juventude ou a juventude em velhice.
São esses os aspectos que desejamos discutir neste artigo que trata de aspectos ligados
às crenças existentes sobre a capacidade de idosos voltarem a comunidades de aprendizado
após um longo período afastados das salas de aula.
O motivo principal que nos levou a desenvolver este estudo é o fato de acreditarmos
que o aprendizado pode-se dar em qualquer fase da vida, independentemente do indivíduo
possuir seis ou sessenta anos de idade.
Mas, antes, apresentaremos a metodologia utilizada para a coleta dos dados dentre o
grupo observado e analisado, haja vista que o artigo surgiu diante da necessidade de se
elaborar um estudo mais aprofundado para o atendimento da necessidade de um professor de
inglês que atuava com alunos com mais de sessenta anos e com muita motivação para
aprender a língua alvo.
Neste aspecto, a visão de sujeito do autor dialoga com as concepções de sujeito social e
histórico de Vygotsky (1994) e de Bakhtin (1999), pois ambos os autores constroem uma
A ideia de que as pessoas jovens ainda têm muito que aprender antes de participar
ativamente da vida social é um tipo de estereótipo que atualmente, parece, estar caindo em
desuso.
A ideia de que as pessoas mais velhas já sabem tudo e o conhecimento que possuem é
suficiente para viverem bem ou que já desaprenderam muita coisa e, portanto, não são
capazes de aprender coisas novas e não podem mais participar da vida moderna é um
estereótipo que permanece inalterado até o momento.
A diferença entre estes dois estereótipos é bastante clara para todos nós: os jovens têm
ocupado um novo espaço na sociedade, enquanto os velhos continuam com aquela imagem,
construída socialmente, de que não servem mais para nada, pois nada aprendem e, portanto,
nada têm a contribuir. Que seu tempo produtivo já passou.
Neste quadro, muitos idosos isolam-se, distanciando-se dos elementos sociais e muitos
dos problemas relacionados à velhice derivam-se da marginalização e do preconceito.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 47
É nesse momento que a educação pode servir como um elemento muito útil para que o
idoso seja novamente trazido “à vida” e possa dela participar de modo sadio.
Os motivos que podem levar uma pessoa de meia idade em diante aos estudos são
muitos. Estas pessoas, geralmente, procuram voltar à escola para desenvolver-se, por prazer,
não ficar dentro de casa o dia todo, ter com quem trocar ideias, viver situações interessantes,
conviver com pessoas diferentes, vencer a solidão, combater a depressão, preencher um vazio,
melhorar sua convivência com filhos ou netos... prosseguir com seu processo contínuo de
aprendizado humano. Não importa, qualquer motivação é válida desde que a possibilidade de
realizar um anseio seja concretizada.
O envelhecimento, como visto, é um fenômeno que deve ser observado por vários
ângulos para que possa ser devidamente compreendido. Neste processo concorrem tanto
fatores biológicos como socioambientais. Neste paradigma, que se torna necessária a
educação durante a terceira idade. E por que não? Do mesmo modo que há um processo
educativo que prepara as crianças para a adolescência e depois para a vida adulta, a educação
também deve preparar o indivíduo para a terceira idade, haja vista que alguns reflexos na
entrada e permanência nesta fase da vida são tão bruscas e abruptas quanto a entrada da
criança na adolescência.
Neste aspecto, os centros de convivência ou escolas para a terceira idade deveriam ter
como objetivo atualizar os conhecimentos dos idosos visando sua participação no meio social,
pois, assim como a saída da infância para a adolescência, a passagem da vida adulta para a
terceira idade é um processo irreversível, com vantagens e desvantagens, em que a opção por
ser feliz ou não, nesta fase, cabe, na maioria das vezes, ao sujeito do processo.
Ferrigno (2003 p.86/87) afirma que o objetivo maior destes centros de encontro da
terceira-idade deveria ser o de propiciar ao indivíduo a redescoberta de interesses que, uma
vez assumidos, o reequilibrem socialmente e retardem as modificações da velhice. Ainda
segundo o mesmo educador, “... a atualização de informação facilita a integração social dos
velhos a um mundo de mudanças cada vez mais aceleradas...”.
De acordo com pesquisas realizadas pela educadora Fogaça (2001 p.60), e por
constatações minhas, em atuação com os alunos dessa faixa etária, vemos que os alunos da
terceira idade têm prazer de vir à aula, o que não acontece com tanta clareza com os alunos
dos cursos regulares e dentro da faixa “aceitável” de escolarização. Após alguns meses de
participação desses idosos na escola, verifica-se, claramente, uma maior aceitação,
autovalorização e, de modo muito acentuado, o reconhecimento que vem dos outros, parentes
e amigos, em relação a estes alunos.
Uma questão principal é a forma como este processo educativo será projetado. É
ingênuo pensar em fórmulas inócuas que se dedicam a preencher um tempo livre destas
pessoas, com tentativas, às vezes constrangedoras, de infantilizar seus participantes. Se, como
tradicionalmente ouvimos, envelhecer é voltar a ser criança, seguramente não é neste sentido.
Como apontado por Cemin (2002 p.43), “... podemos sim, voltar ao passado, usando das
lembranças da infância e juventude, para refletir e analisar nossas trajetórias e recuperar o
direito de sonhar e ter desejo...”, mas é só.
Esta necessidade, muitas vezes, de infantilização pode ser encarada como uma forma
de reação ao envelhecimento. O corpo envelhece, mas a pessoa se recusa a acompanhar a
mudança. É comum vermos pessoas de 25 ou 40 anos que se vestem ou se comportam como
crianças. Segundo Schirrmacher (2004 p.15), a própria série de livros e filmes Harry Potter é
um indicador disso. Ele faz parte do fenômeno da negação do envelhecimento que existe hoje,
em virtude de fazer muito mais sucesso entre a população adulta do que necessariamente
entre as crianças, como aparentemente era o objetivo de sua autora.
Apesar de aparentemente ser linguagem comum nos discursos correntes que todos os
indivíduos possuem igualdade de direitos; diferenças nas formas de aceitação da população
idosa na sociedade costumam ser vistas com naturalidade.
de um modo geral existe o preconceito de que pessoas com mais idade são
improdutivas ou incapazes. É bem verdade que temos mesmo este tipo de
característica, pois já estamos cansados, já fizemos muita coisa na vida e nem
sempre conseguimos fazer as mesmas coisas, no mesmo ritmo dos mais jovens
(BM, 29/08/13-DR).
Ao mesmo tempo em que as pessoas desta faixa etária ficam irritadas com os
comentários negativos das pessoas mais jovens, em relação às suas capacidades de
renovarem-se e aprenderem coisas novas, outros acabam tomando algumas observações, sem
fundamento, das pessoas com quem convivem como um tipo de “decreto” sobre suas
capacidades individuais.
acho difícil que vá conseguir aprender algo nesta fase da vida. Minha cabeça
não ajuda muito, pois esqueço com facilidade por causa da idade. Todo mundo
na minha idade esquece as coisas rapidamente, por isso não sei se vou
conseguir aprender alguma coisa (MZ 29/08/13-DR).
Oliveira (2004 p.19) aponta que há um grande sofrimento ético-político gerado pela
situação social de ser o indivíduo tratado como inferior e sem valor, impedindo-o de
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 51
desenvolver seu potencial humano. Singer (2002 p.54), também aponta que esses tipos de
observação contribuem para criar um sentimento de desesperança entre os membros de
qualquer grupo desfavorecido, por pautarem-se na opinião alheia.
ficar em casa vendo televisão me deprime. Quando fui dar baixa no meu Coren
(ela era enfermeira), me disseram que não podia mais atuar como enfermeira.
Não quero ser inútil. Se permitir, a sociedade vai me deixar de escanteio.
Queria ser voluntária, aplicar injeções, mas o Coren disse que não, não posso
mais. Os primeiros quinze dias que me aposentei me senti uma inútil, uma
mendiga que recebia uma aposentadoria mensal esperando um mal súbito e a
morte. Não mereço isso! Enquanto não estiver inválida vou continuar atuando
na sociedade. Os mais jovens vão ter que me aguentar (CL 28/11/13 EN).
aprender algo é bom porque se eu não fizer alguma atividade vou ficar
pensando em coisas ruins, doenças ou fazendo fofoca. Coisa de gente velha,
sabe? Prefiro ocupar minha cabeça aprendendo uma língua nova, fazendo
coisas que os mais jovens fazem. É mais inteligente (BM 28/11/13 EN ).
quem sabe aprendendo coisas diferentes poderei ser uma vovó diferente.
Quem sabe, por exemplo, aprendendo inglês, quando tiver netos, ensino para
eles. Não quero ser uma vovó que sabe tricotar e quer ensinar tricô para uma
neta que não vai querer aprender. Prefiro ser uma vovó que sabe inglês e que
pode ensinar inglês para minha neta (IB 28/11/13 EN).
Muitos idosos, atualmente, enriquecem seu dia-a-dia com atividades que não permitem
que fiquem, o dia todo, assistindo televisão e pensando em doenças ou outras coisas ruins.
Segundo depoimentos,
atualmente as pessoas vivem mais. Dessa forma parece que, hoje, uma pessoa
de 50 ou 60 anos não aparenta ter esta idade. Antigamente uma pessoa dessa
idade já seria muito, mas muito, velha. Minha mãe nessa idade era uma
velhinha... minha avó então... (MZ 24/09/14-DR)
Conforme Freire, em seu conjunto de obras aqui tomadas como inspiração, o homem é
um ser de relações sociais e, portanto, está em constante movimento. O indivíduo constitui
seu mundo interno, na medida em que atua e transforma o seu mundo externo pra que melhor
se adapte a situações diversas, em um processo ininterrupto de definição do próprio ser.
Desta maneira, a identidade do idoso é um processo contínuo de construção no qual se leva
em conta as representações de como ele está atuando no mundo que o cerca.
Nesse aspecto, podemos nos reportar à teoria vigotskiana que prioriza as relações
entre os indivíduos e dos indivíduos com o mundo. O processo de desenvolvimento dos
indivíduos, para Vygotsky, é socialmente construído, ocorrendo em um contexto em meio a
interações sociais, entre indivíduos historicamente constituídos: o outro desempenha um
papel muito importante no processo de internalização, sendo esta interação a chave do
aprendizado. Nesta abordagem, enfatiza-se a interação entre desenvolvimento e
aprendizagem, aspectos que estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida do ser
humano.
Esta teoria é concretamente reforçada, neste estudo, pela declaração de uma das
participantes:
comecei a procurar algo para ocupar meu tempo. Quero aprender inglês
porque quando era mais jovem trabalhei no Japão durante 2 anos e se
soubesse inglês teria arrumado um emprego melhor...aqui na paróquia tem
cursos de tricô, crochê, pintura, mas eu não gosto. Vou ficar quieta fazendo
um trabalho sozinha. No inglês vou ter que falar o tempo todo com outras
pessoas. É mais interessante! Se aprender tricô, por exemplo, vou acabar
fazendo algo para alguém. Se aprender inglês vou fazer algo para mim (CL
28/11/13 EN).
Importante ressaltar que a participante acima vê com grande importância o fato de que
pode fazer algo para si mesma nesta fase da vida. É claro que uma melhor convivência com os
familiares é importante para cada um deles, mas fazer algo que seja importante para sua
realização pessoal também é relevante para esta participante, assim como para a maioria dos
demais, e isso pode ser observado em todas as suas declarações.
Ferrigno (2003 p.86/87) afirma que o grande trunfo de qualquer atividade que vise à
educação da população idosa é o de propiciar ao cidadão a redescoberta de interesses que,
uma vez assumidos, possam reequilibrá-lo socialmente, retardando as modificações físicas e
emocionais advindas da chegada da velhice.
Aprender para quê? Esta é sempre a pergunta que se ouve ou se faz quando nos
deparamos com pessoas que ainda possuem o desejo de aprender algo fora dos padrões
estabelecidos para eles.
Percebe-se, pelos comentários acima, que é muito forte, nas concepções destes
participantes, a ideia de que as pessoas que as rodeiam já as consideram completas, com um
dever já cumprido, sem a necessidade de experimentarem mais nada de novo em sua
existência.
Como ressaltado por estudiosos da área gerontológica, como Cemin (2002) e Ferrigno
(2003), o desejo de aprender cria nas pessoas as condições de fazê-lo, independentemente de
onde e quando isso ocorre. As únicas condições necessárias para que o sucesso seja alcançado
no processo de aprendizagem são a predisposição, a adequação do ambiente e a existência de
alguém que também esteja disposto e capacitado para desencadear ou gerenciar todo este
processo.
Pelo fato do homem ser uma criatura que se reconstrói e se forma a cada dia, a
educação é um elemento que permeia toda a existência de cada um de nós, pela busca
constante de ser mais. E como é capaz de fazer renovadamente esta reconstrução é pela
autorreflexão que o cidadão percebe-se como um ser sempre inacabado, em constante busca
e, por isso mesmo, em constante mudança.
Mesmo com a carga negativa que, muitas vezes, é projetada sobre os idosos que ainda
sentem as mesmas vontades e ambições que os mais jovens, percebemos, claramente que no
grupo estudado as pessoas sempre desejam viver mais e melhor. Esta percepção é claramente
expressa em seus diários reflexivos, “não tenho dificuldades para aprender coisas novas, pois
tenho, agora, mais tempo para refletir e raciocinar sobre meu aprendizado. “ (CL 29/08/13-
DR).
Segundo os participantes, “acho que voltar a estudar é resgatar minha autoestima, pois
vou voltar a treinar minha memória. Sei que será prazeroso. Me sinto nas aulas como uma
adolescente no auge”. (MZ 29/08/13-DR).
Este tipo de percepção dos idosos acerca dos benefícios que o aprendizado pode lhes
oferecer é o que denominamos, conforme Singer (2002 p.54), de ação afirmativa. Segundo
Singer, esta pode ser uma forma de reduzir as desigualdades permanentes. A ação afirmativa
é frequentemente usada no contexto educacional com a finalidade de se oferecer aos
educandos formas significativas para se obter (ou resgatar) poder e status na comunidade,
diminuindo as diferenças impostas pela sociedade.
Além de fatores ligados ao resgate da autoestima por meio da volta aos bancos
escolares, há sempre nas declarações dos idosos deste estudo, de modo muito acentuado, o
sentimento de estar novamente incluído na rotina familiar. Com o aprendizado de uma língua
“moderna”, há um sentimento, por parte dos idosos, que estão novamente fazendo parte de
uma sociedade atual, sendo o aprendizado de uma língua estrangeira, no caso da língua
inglesa, um passaporte para o “mundo dos vivos, modernos e atualizados”. Segundo uma
participante, “aprendendo uma outra língua poderei dialogar com meus filhos, pois todos
falam inglês. Poderei compreender letras de música, filmes etc.” (IB 29/08/13-DR).
Isso se deve pelo desenvolvimento do perfil transversal das aulas que atualmente,
preconizado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), se oferece aos educandos.
Neste paradigma de aula, as questões de alteridade são desenvolvidas pelo fato de que
diferentes campos do conhecimento podem ser explorados sob a ótica de questões sociais que
podem ser trabalhados de forma contínua e integradas, aumentando a bagagem cultural dos
alunos, além de se aprender uma nova língua, que é o desejo de cada um deles
voltar a estudar vai me fazer ficar mais disciplinada, pois volto a ter um
objetivo definido, uma meta a cumprir, me fazendo fugir das atividades
rotineiras e sem utilidade que tenho conseguido. Sempre fui uma mulher
moderna, estou novamente no páreo (RA 29/08/13-DR).
Considerações finais
Dentre os vários motivos que levaram esses alunos à sala de aula para aprender uma
língua estrangeira destaca-se a visão da linguagem como instrumento de inclusão. Seria
ingênuo imaginar que esses alunos frequentaram um curso de inglês para aprender apenas
para eles próprios. Eles procuraram aprender uma nova língua para que pudessem ser
incluídos na família e consequentemente na sociedade.
Claro que os alunos mais idosos possuem, em alguns casos, uma maior lentidão para se
aprender alguns conceitos ou regras, mas é claro, também, que alguns dos meus alunos
adolescentes também possuem a mesma dificuldade.
As atividades desenvolvidas com esse grupo de alunos mais idosos são semelhantes às
que eram utilizadas com os alunos que estavam no auge de sua juventude na universidade. As
abordagens para o ensino não foram mudadas radicalmente e o ritmo de exposição à língua
também não foi alterado.
Pelo contrário, foi possível perceber que, muitas vezes, a vivência e a cultura
acumuladas desses alunos mais idosos eram um auxiliar extremamente eficaz para que se
pudesse caminhar de modo mais acelerado nos objetivos de desenvolvimento linguístico e
cultural deles.
Como levar o idoso de volta à escola e para fazer o quê, se torna a grande questão deste
século. Não é só uma questão de estimulá-lo a participar de festinhas sociais e dinâmicas, às
Fazer com que os idosos sintam-se seguros é importante para a aprendizagem, porque,
se o aluno não confia no ambiente escolar, como sendo protetor e gratificante, ele não se
sentirá à vontade e não aprenderá com eficiência, pois sempre se sentirá retraído para
participar das dinâmicas necessárias para seu aprendizado pelo medo de errar e sentir-se
exposto ao olhar crítico dos outros.
Viver plenamente é um processo contínuo e não um estado de ser. Por este motivo é
que o viver de modo pleno deve ser encarado como um conjunto de atitudes e atividades que
levem o idoso a perceber que está vivendo este momento da existência da mesma maneira
que viveu sua infância ou fase adulta.
Viver de modo pleno em idades avançadas nada mais é do que participar ativamente e
sem diferenciações em qualquer situação ou segmento da sociedade. É ter seu direito à fala
garantido e mais do que isso: direito de ser ouvido com respeito e atenção. Neste aspecto, não
se espera que se criem novas formas de atuação no grupo social a que o idoso pertence, mas,
sim, o de facultar a ele a permanência de forma significativa no grupo a que sempre
pertenceu.
Viver de modo pleno, desta forma, é viver bem, sentir-se inserido e bem recebido em
todos os contextos aperfeiçoando suas habilidades sociais como uma das estratégias para se
atingir uma velhice bem sucedida, pois ao se sentirem felizes e realizados e, quanto mais
atuantes e integrados em seu meio social, menos ônus trarão para a família e para os serviços
de saúde.
Observe que não me refiro a uma velhice saudável, mas a uma velhice plena que é
obtida apenas por meio da maturidade que é o reconhecimento pleno de si próprio, de suas
Para que isso ocorra, é necessário repensar o significado de se possuir uma vida plena
em termos de uma reforma intelectual, moral e ética, com amplas possibilidades de acesso e
inclusão com o direito de escolhermos aquilo em que queremos ser incluídos, reinventando as
formas de atuação na sociedade.
Como nesta fase da vida não há mais a exigência de certificados que possibilitem algum
tipo de escala no âmbito profissional, o idoso procura, novamente, estar em contato com o
aprendizado formal que a escola proporciona como forma de atuar concretamente em
comunidades de aprendizes apenas pelo prazer pessoal ou para sentir-se plenamente inserido
em sua comunidade, na maioria das vezes, familiar pelo que pôde ser observado.
Referências
FERRIGNO, J. C. Coeducação entre gerações. Petrópolis: Editora Vozes; São Paulo: SESC., 2003.
LIMA.M.P. Gerontologia Educacional: uma pedagogia específica para o idoso. Uma nova
concepção de velhice. Dissertação de mestrado em gerontologia. PUCSP, 2000.
OLIVEIRA, R. C. S. Terceira Idade: do repensar dos limites aos sonhos possíveis. São Paulo:
Editora Paulinas, 2004.
VAN MANEN. M. Researching lived experience: human science for an action sensitive
pedagogy. London: Althouse, 1990.
Introdução
A educação escolar caracteriza-se na mediação didático-pedagógica que se estabelece
entre conhecimentos práticos e teóricos. Dessa forma, seus processos e conteúdos devem
adequar-se tanto à situação específica da escola, ao desenvolvimento do aluno e aos diferentes
saberes a que recorrem. A variação da língua ensinada nas escolas de todo o País (Brasil) é a
padrão, sendo estimada como referencial e dominadora sobre as demais variedades
existentes. Nesse contexto de âmbito escolar pode ser observado ao longo do tempo que a
variedade que o aluno traz para a escola, na maioria das vezes, é desconsiderada e excluída,
ou seja, o ensino-aprendizagem se pauta na tradição normativa de língua padrão, e o que
percebemos é que esse tipo de variedade elege apenas o que é certo e errado, não mostrando
ao aluno que não há uniformidade/igualdade mesmo entre os que falam uma mesma língua,
isto é, as variações linguísticas ocorrem e sempre ocorrerão. Não obstante, essas variações
não deveriam ser consideradas uma adversidade, mas, “uma qualidade constitutiva do
fenômeno linguístico” (ALKMIM, 2001, p. 33). Em consonância com o exposto acima, Neves
(2010) diz que:
[...] toda língua de uma comunidade apresenta um padrão natural, uma forma
em si aglutinadora da heterogeneidade, da multiplicidade, da variação
linguística naquele estado de língua. [...] e por via do caráter social da língua, a
relação com a norma culta se encaminha para uma constante busca de
qualificação, elevação e prestígio. (p. 33-34).
1
Mestre em Linguística. Professor de Língua Inglesa na Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutorando em
Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística da UNEMAT/Cáceres. rodrigo.santana@unemat.br.
2
Mestrando do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT). rodriguesbortolozzo@hotmail.com.
3
Mestra em Linguística. Doutoranda em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística da
UNEMAT/Cáceres. giseliveronez@gmail.com.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 61
seres pertencentes a determinadas comunidades. Assim, é considerada um objeto histórico,
sujeito a transformações/modificações, que se alteram no tempo e se diversificam no espaço,
quer dizer, ela é maleável e flexível. Dessa forma, sabe-se que o preconceito linguístico existe e
está na maioria das escolas de nosso País, aguçando uma exclusão social a quem faz uso.
O preconceito surge da ideia de que há uma única língua, correta, exata e homogênea.
Compreendemos a importância da existência de uma norma que normalize a escrita, a
converta em homogênea e defina todas as suas regras, porém, a mesma serve como
instrumento de exclusão social, pois ela não reconhece o sistema (língua) como uma unidade
viva e variável. Dessa forma, é passada como um meio de distinção social entre aqueles que
têm acesso à educação, e os quem não têm. Isso determina a todo momento o preconceito às
construções linguísticas que variam de acordo com as regiões de todo o país.
A respeito das normas cultas e literárias impostas pelos escritores e instituições
oficiais, por exemplo, Bagno argumenta que:
Isso quer dizer então que as práticas linguísticas estão atreladas a diversos fatores,
destacando-se a questão da escolaridade, como apresentado acima. Essa língua homogênea,
pensada para atingir a toda a população brasileira, restringe-se aos cidadãos escolarizados
que, de certa forma, foram afetados pela ideologia preconceituosa impregnada na sociedade
de que quem usa a uma variação não-padrão fala ‘feio’ .
Essa reflexão é direcionada imediatamente ao espaço dedicado à formação do cidadão,
a escola. E é em relação a esse lugar que direcionamos o nosso olhar para a produção desta
pesquisa. Buscamos refletir sobre o modo como as múltiplas práticas de linguagem, as
variações linguísticas, estão atreladas a fatores principalmente de ordem cultural. Logo, se a
escola é o locus onde se educa, se prepara o cidadão para a vida, ela não pode desconsiderar a
língua que o aluno fala. Se ele fala uma variante, que é marcada culturalmente na comunidade
onde vive, diferente da norma-padrão e a escola oprime seu modo de falar, ela está
suprimindo também a sua cultura, a sua identidade. Para promover essa discussão, trazemos
à cena a música ‘Zaluzejo’ do grupo Teatro Mágico e analisamos a partir da teoria
Sociolinguística, com suporte em pesquisas realizadas por autores como Alkmim (2011),
Bagno (2003), Macedo-Karim (2012), Bortolozzo, Silva e Macedo-Karim (2014) e outros,
A variação linguística
A teoria da variação linguística ocasionou uma importante contribuição ao apresentar
uma percepção de língua em mudança e em variação, descontruindo a velha ideia de língua
homogênea preconizada pelo ensino gramatical.
As variações linguísticas acontecem na língua(gem) e podem ser compreendidas
através das variações históricas, regionais e sociais. Ela é comum desde os primórdios. A título
de exemplo, mesmo em um País com apenas um único idioma, a língua pode sofrer diversas
alterações feitas por seus falantes, pois, a linguagem não é um sistema fechado e imutável, ela
é feita de mudanças, de transformações.
Bagno (2007) afirma que:
[...] a grande maioria das pessoas acha muito mais confortável e tranquilizador
pensar na língua como algo que já terminou de se construir, como uma ponte
firme e sólida, por onde a gente pode andar sem medo de cair e de se afogar na
correnteza vertiginosa que corre lá embaixo. Mas essa ponte não é feita de
concreto, é feita de abstrato... O real estado da língua é o das águas de um rio,
que nunca param de correr e de se agitar, que descem e sobem conforme o
regime das chuvas, sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar entre
montanhas e se alargar pelas planícies. (p. 36).
A esse entendimento, Bagno (2003) afirma que: [...] “a escola tenta impor sua norma
linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 200 milhões de brasileiros,
independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica,
de seu grau de escolarização”. (BAGNO, 2003, p. 15). O que se mostra é que a escola procura
sempre impor o monolinguismo, ou seja, impor a norma de língua culta, desprezando o
multilinguismo existente no português brasileiro, estabelecendo noções de ‘certo’ e ‘errado’, o
que na verdade não se pode fazer uma vez que “a língua é essencialmente heterogênea,
variante e mutante” (BAGNO, 2007, p. 130).
Desse modo, para ensinar as variações que ocorrem na língua Portuguesa, precisa-se,
primeiramente, ensinar aos alunos, certamente, reconhecer a realidade da língua e buscar um
equilíbrio, isto é, através dos ensinamentos linguísticos sobre as transformações que ocorrem
na língua, os professores, precisam mostrar as ideologias que a língua carrega, para que o
aluno compreenda suas escolhas. Para o aluno, saber previamente sobre os conceitos
existentes na língua o ajudará a ampliar seu repertório linguístico, garantindo o acesso a
outras comunidades linguísticas, ou seja, a língua tem por finalidade estabelecer a
comunicação/interação. Ela não é algo fixo/parado, que aceita apenas uma possibilidade, mas
ao contrário, ela é flexível/maleável, adaptando-se a cada comunidade de modo diferenciado,
a questão é aceitar, admirar e respeitar o diferente.
Partindo desses olhares teóricos, destinamos, no tópico a seguir, o nosso olhar para a
música ‘Zaluzejo’, compreendendo, a partir dessa materialidade analítica, como a variação
linguística está atrelada às questões de natureza cultural e à maneira como isso é tratado no
ambiente escolar.
4
Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/o-teatro-magico/zaluzejo.html> Acesso em 15/02/2017
5
Todas as vezes em que utilizarmos o termo poetisa, estamos nos referindo ao eu-lírico da música e não ao
compositor.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 66
Em seguida, a música inicia-se com o seguinte refrão, que se repete por várias vezes
durante a música:
Essas palavras, ditas na música, são ditas no dia a dia em sua grande maioria por
pessoas que não possuem um certo grau de instrução escolar, mas qualquer indivíduo que fale
o português brasileiro, independente de onde se encontra consegue saber que se trata das
palavras psicológico, tábua, cera líquida, sucrilho, grafite, vidro, azulejo. Ainda, abaixo de cada
vez que é repetido o refrão, surge o não sei falar direito e não sei falar. Quando essa poetisa
chega a afirmar que não sabe falar direito, a reflexão que se faz é: Como ela tem essa
consciência de que não sabe falar direito? Quem disse que ela não sabe falar direito?
Esse fato ocorre na sociedade, principalmente, por causa da instituição do conceito de
certo e errado na língua. Quando alguém carrega consigo uma variante linguística
desprestigiada, automaticamente, ela tende a ser menos prestigiada também enquanto ser no
mundo. Porém, quando se atribui muito privilégio à norma padrão do português brasileiro, a
tendência é que as outras variedades da língua sejam desprezadas, com isso, acaba-se
deixando à margem a maior parte da população, pois a língua, na maioria das culturas, é um
fator de ascensão social, ou seja, quem usa o falar padrão, considerado ‘correto’, é considerado
detentor de uma cultura que é, de certa forma, prestigiada por alguns estudiosos da língua, no
caso, certos gramáticos. Em função disso, esses grupos que possuem um modo de falar
diferente do padrão são desprezados, pois são considerados não portadores de qualquer
“cultura significativa”, permanecendo, assim, socialmente marginalizados (BORTONI-
RICARDO, 2005).
Sendo a questão da cultura significativa ou insignificativa algo imposto pelo contexto
social, é importante pensar que o modo de falar que marca ou caracteriza uma pessoa, não é
algo que acontece aleatória e individualmente. Uma variante linguística é resultado da
evolução na língua, que ocorre influenciada por fatores de ordem cultural, histórica e social. E
quando falamos de cultura, tratamos da cultura popular, marcada pela variante não-padrão da
língua, que é apresentada na música ‘Zaluzejo’ no trecho a seguir:
Uma das tarefas do ensino de língua na escola seria, então, discutir os valores
sociais atribuídos a cada variante linguística, enfatizando a carga de
discriminação que pesa sobre determinados usos da língua, de modo a
conscientizar o aluno de que sua produção linguística, oral ou escrita, estará
sempre sujeita a uma avaliação social, positiva ou negativa (BAGNO, 2003, p.
150-151).
Assim, de acordo com Silva (2017) se, em um trabalho escrito, forem encontrados usos
linguísticos condenados pela gramática normativa, deve-se ter a honestidade e o bom-senso
de reconhecer que a norma-padrão tradicional oferece apenas uma das muitas possibilidades
de realização dos recursos existentes na língua, uma possibilidade que, além de única, é
também carregada de traços de obsolescência que provocam no falante nativo um
estranhamento quase semelhante ao provocado por um enunciado em língua estrangeira.
Bagno (2003) ensina que não podemos forçar os alunos a aceitar a norma-padrão
simplesmente por acharmos que ela é a melhor para o sucesso deles na sociedade. Por outro
lado, no entanto, temos a obrigação de demonstrar a eles as vantagens e desvantagens de se
utilizar umas e não outras regras gramaticais.
Dessa forma, conforme Silva (2002), “a grande rejeição de se falar de variação
linguística acontece em função da visão imposta pela gramática normativa que repudia
qualquer fenômeno ocorrido em torno da língua”. Por isso, o professor fica com
‘amedrontamento’ de trabalhar as variações linguísticas e acabam ficando ‘agarrados’ nas
gramáticas normativas, não ensinando ao aluno o conhecimento da linguagem na forma oral e
escrita da Língua Portuguesa.
Considerações finais
Nesse trabalho de pesquisa buscamos observar as variações linguísticas apresentadas
na música ‘Zaluzejo’, do grupo musical ‘O Teatro Mágico’ e propor uma reflexão à respeito de
como a escola, enquanto ambiente formador de cidadãos, lida com a questão dos diferentes
modos de falar, partindo do pressuposto de que toda variação linguística acontece movida por
fatores, principalmente, de ordem cultural.
Dessa forma, percebemos que toda a construção da música apresentada acima alerta
para o fato de que cada pessoa é influenciada diretamente pelo meio em que vive e isso é
marcado, principalmente, pelas práticas culturais e sociais das pessoas inscritas nessas
comunidades.
Portanto, cada aluno que chega à escola, traz consigo um leque de conteúdos culturais
que marcam a sua identidade, tanto enquanto cidadão quanto como falante pertencente a uma
determinada comunidade linguística. Para tratar esse aluno com igualdade frente aos outros,
não se deve fazer juízo de valor em relação à sua variedade linguística, mas sim, mostrar que
existe a norma-padrão, apenas uma outra forma de se falar e que ela está instituída como
padrão no Brasil. Mas isso não obriga ninguém a usar essa modalidade da língua em casa em
A escola precisa ter ciência de que, conforme ressaltam Coan e Freitag (2010, p. 04),
“quando se diz que a Sociolinguística é o estudo da língua em seu contexto social, isso não
deve ser mal interpretado”, pois não se trata de impor a diversidade linguística no ambiente
escolar, mas procurarmos entender o “uso da língua, no sentido de verificar o que ela revela
sobre a estrutura linguística”, sobre o sujeito que carrega todos os multilinguismos e sobre
como ocorrem as relações entre a língua e seu funcionamento, pois, a Sociolinguística defende
que a língua e as variações são inseparáveis, isto é, as variações linguísticas são construtivas
da própria língua.
Referências
ALKMIM, T. M. Sociolinguística: Parte I. In: MUSSALLIM, F.; BENTES, A. C. Introdução à
linguística: domínios e fronteiras. v.1 São Paulo: Cortez, 2011, p. 21-47.
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo:
Parábola Editorial, 2007.
______. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. São Paulo: Parábola. Editorial,
2003
BORTOLOZZO, R. de S. SILVA, R. de S. MACEDO-KARIM, J. PCN’s e o livro didático: uma
abordagem Sociolinguística. Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, v. 7, n. 01, p. 21-28,
2014.
BORTONI-RICARDO S. M. Nós cheguemu na escola, e agora? Sociolinguística & educação. 2. ed.
São Paulo: Parábola, 2005.
BRASIL. Secretaria de educação Fundamental – Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclo do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, 1998.
COAN, M.; FREITAG, R. M. K. Sociolinguística variacionista: pressupostos teórico-
metodológicos e propostas de ensino. Domínios de Linguagem: Revista Eletrônica de
Linguística, Uberlândia, v. 04, n. 02, p. 01-22, 2º semestre 2010.
FRANÇA, Simone dos Santos. BARROS, Adriana Lúcia de Escobar chaves. A abordagem da
variação linguística no livro didático “Português de olho no mundo do trabalho”. – Campo
Grande: Web-revista SOCIODIALETO, vol.2, N°2, 2012.
A importância de análise do livro didático como objeto desta e de outras pesquisas está
no fato de que, não obstante o grande avanço tecnológico e a consequente disponibilidade de
materiais didáticos digitais, tais livros ainda continuam sendo, nas escolas públicas de nosso
país, o material didático mais presente. Prova dessa presença enorme dá-se pelo crescente
número de sua aquisição e distribuição, segundo dados apresentados pelo PNDL.
Nosso olhar sobre o livro didático centrou-se nas atividades de leitura de textos visuais
e verbo-visuais da Coleção de Português do Projeto Teláris (BORGATTO, BERTIN &
MARCHEZI, 2015). Buscamos verificar como essa coleção aborda os princípios dialógicos que
determinam a linguagem na perspectiva da teoria dos gêneros de Bakhtin, uma vez que o
próprio livro, em seu Manual do Professor, deixa explícito que segue a concepção bakhtiniana
de gêneros do discurso. Ou seja, como, na abordagem dos textos visuais e verbo-visuais, dão-
se os mecanismos de construção de sentido na perspectiva dialógica?
A escolha que fizemos pelos textos de natureza visual ou vervo-visual está alicerçada
na percepção que a linguagem imagética tem sido, sistematicamente, preterida de maneira
sistemática à verbal na ambiência escolar, o que vai de encontro ao que, na realidade
extraescolar, processa-se, pois, cada vez mais, os textos do nosso cotidiano têm apresentado
uma semiose de natureza multimodal, quando não se desenvolvem, unicamente, no plano da
linguagem visual.
1
Atualmente é professor II - Secretaria Municipal de Educação de Recife e Secretaria Estadual de Educação. Tem
experiência na área de ensino, com ênfase em Português. alex2gomes@hotmail.com
2
É professora titular da Universidade Federal de Pernambuco (aposentada), professora da Universidade Católica de
Pernambuco e Pesquisadora do CNPq. dorisarrudacunha@gmail.com
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 75
Posto isso, a busca e o virtual encontro de avanços na abordagem dessa linguagem em
um livro didático pode ser uma sinalização de que a prática pedagógica está indo na direção
de contemplar a reflexão sobre a linguagem pela qual se tenta, muitas vezes, “vender,
manipular, banalizar e reproduzir o pior que a sociedade tem a oferecer” (KLEIMAN, 2005, p.
50).
3
A designação de Escola Linguística de Leningrado, cunhamos de Tylkowski (2010). Tal designação, acreditamos que
seja mais adequada que aquela que largamente se popularizou, Círculo de Bakhtin. Assim o é, porque, como nos
aponta os estudiosos da realidade daquele conjunto de autores que se debruçaram sobre o estudo da filosofia,
biologia, música, literatura, Bakhtin não ocupava um papel de liderança, o que a nomenclatura tradicionalmente
utilizada de Círculo de Bakhtin faz crer.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 76
A gênese do pensamento de Volochínov acerca dos gêneros é possível que tenha sido
formulada a partir da influência de seu professor na Universidade Petrogrado, Jakubinskij.
Afinal, em Sobre a fala dialogal, Jakubinskij traça um estudo bastante profundo acerca dos
processos que envolvem o diálogo face a face, no qual dentro dos princípios traçados, há o da
apercepção, que é, segundo o autor, um dos fundamentos para a eficiente realização do
diálogo face a face. Tal princípio seria baseado no que, hodiernamente, é denominado
“conhecimento partilhado”. De fato, Jakubinskij postula que para um interlocutor ter um
entendimento de uma determinada situação comunicativa faz-se necessário que se recupere
suas experiências anteriores para dar sentido ao que ocorre no momento de percepção. Ora,
como nossas experiências têm similaridade, tendemos, em situações parecidas, termos
comportamentos enunciativos parecidos. Dessa forma, está posto o que o linguista russo vai
chamar de enunciados-clichês, situações-clichês e temas-clichês. E isso, como nos aponta
Ivanova, é um primeiro movimento do que, posteriormente, Volochínov designará de gêneros
verbais da vida cotidiana:
De fato, o passo adiante que Volochínov dá acerca dos gêneros textuais é possível
porque ele não se prende, meramente, a questões relativas ao diálogo face a face. O discípulo,
ao contrário de seu mestre Jakubinskji, tem como objeto de suas reflexões a linguagem como
um todo. Linguagem que, para ele, está atrelada, ontologicamente, a dimensões sociais,
políticas e culturais, das quais ela é resultante e, concomitantemente, é parte constitutiva.
Para Volochívov, a realidade linguística é uma resposta à realidade extra verbal. Ou seja, a
linguagem é um exercício ideológico, é sempre um diálogo, concordante ou discordante, entre
pontos de vista que abarcam todos os aspectos sociais. Daí, a questão do gênero desenvolver-
se nas e pelas tessituras sociais, conforme o trecho abaixo nos esclarece4:
(...) cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso
na comunicação socioideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao
mesmo gênero, isto é, a cada forma discurso social, corresponde um grupo de
temas. Entre as formas de comunicação (por exemplo, relações entre
4
Não obstante a referência aponte, em Marxismo e filosofia da linguagem, para uma coautoria entre Bakhtin e
Volochínov, é uma questão específica da edição que utilizamos, uma vez que não é mais passível de grandes
discussões a autoria, unicamente, de Volochívov do supracitado livro.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 77
colaboradores num contexto puramente técnico), a forma de enunciação
(“respostas curtas” na “linguagem de negócios”) e enfim o tema, existe uma
unidade orgânica que nada poderia destruir. Eis por que a classificação das
formas de enunciação deve apoiar-se sobre uma classificação das formas da
comunicação verbal (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010, p. 44- grifos do autor).
Bakhtin, assim como Volochínov, conceitua a linguagem como algo que é indissociável
das questões sociais5. A linguagem é, para ele, resultante do ponto de vista de onde se enuncia.
Ou seja, cada falante desenvolve seus processos enunciativos a partir de sua realidade social.
Assim, um mesmo objeto da realidade concreta vai gerar uma visão, um posicionamento
axiológico diferente a depender da posição socioideológica em que o indivíduo enuncia. E é
decorrente desse “jogo” de posicionamentos que se dá, segundo Machado, o princípio
constitutivo da linguagem: “Dialogismo entendido, sobretudo, como visão de mundo
construída com a linguagem através dos sistemas de signos” (2007, p. 196 – grifos da autora).
Ou seja, o dialogismo é a adoção, como parte de um discurso individual de um discurso de
outrem - quer para referendá-lo, quer para refutá-lo. E é disso que a vida se constrói, da
relação entre discursos, uma vez que não é possível se apreender a realidade tal como ela é,
isto é, “o mundo só adquire sentido para nós, seres humanos, quando semioticizado”
(FARACO, 2009, p. 49).
5
Segundo Faraco (2009), embora haja tanto em Bakhtin quanto em Volochínov uma abordagem da linguagem numa
perspectiva social, há uma diferença lapidar entre o modo como eles abordam a questão social. Bakhtin, ao contrário
de Volochínov, não faz um vínculo explícito entre a noção de vozes sociais e classes sociais/lutas de classe. Bakhtin,
também, não estabelece um horizonte de superação dos conflitos sociais, os jogos de poder, o que Volochínov aponta
como possibilidade, sem, no entanto, deixar evidente como se daria a linguagem em uma sociedade sem classes
sociais.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 78
determinados pela especificidade de um campo da comunicação.
Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
os quais demonstram gêneros do discurso (BAKHTIN, 2016, p. 11-12 – grifos
do autor).
1- compreensão responsiva: o fato de que não há passividade frente ao que é dito, ou seja,
todo indivíduo, inescapavelmente, está destinado a se posicionar axiologicamente às
práticas sociais que ele está envolvido e, por conseguinte, aos discursos que
constituem tais práticas;
2- organização composicional do gênero: modo pelo qual um determinado gênero se
organiza, isto é, a maneira pela qual se dá a diferenciação entre um gênero e outro.
Segundo Cunha (2002), a construção composicional de um texto dá-se, na escrita, por
intermédio dos elementos paratextuais e a estrutura visual. No caso específico do
nosso objeto de pesquisa, textos visuais e verbo-visuais, adotaremos como elementos
definidores da organização composicional do gênero a relação entre a representação
imagética da realidade e os aspectos materiais que realizam essa representação.
3- autoria: relação entre intenção discursiva do falante e suas escolhas, que estão
submetidas aos limites estabelecidos pela esfera de comunicação discursiva, bem como
pelas condições de produção/recepção e pelo gênero discursivo (Cf. GRILLO, 2012);
4- condições de produção/recepção: a produção e a recepção de qualquer forma de
comunicação está submetida a dois níveis de articulação: a) “um nível mais amplo, que
compreende o plano socioeconômico-político”; b) e um nível mais restrito ”que
compreende cada esfera de utilização da língua ou a situação imediata da comunicação
verbal” (GRILLO; CARDOSO, 2003).
Todos esses autores têm na própria obra de Bakhtin, assim como na de Volochínov, a
base para exercer a abordagem das relações dialógicas nos textos de natureza não verbal, pois
os trechos abaixo assim indicam essa possibilidade:
Ou seja, não há o que se opor com o trabalho que seja efetivado no âmbito das
linguagens não verbais. Afinal de contas, o princípio dialógico é um exercício que se alicerça
nas relações entre a realidade extra verbal e a linguagem, numa prática de refração e reflexão
(Cf. FARACO, 2009). E isso está na natureza de toda prática comunicativa.
Por sua vez, Grillo (2012), além de também fazer referência ao fato de que ao longo da
obra da Escola de Leningrado haver várias citações a linguagens não verbais, delineia os
fundamentos para a análise de textos verbo-visuais. Tais fundamentos, segundo a autora,
fazem-se necessário para que haja uma abordagem dos enunciados concretos de natureza
verbo-visuais. Ou seja, as noções de dialogismo, de estética e autoria. Esses fundamentos,
segundo a autora, são basilares para delimitação do objeto em questão, os textos verbo-
visuais.
Não há como negar que estamos vivendo num mundo marcadamente imagético. Isso
não é coisa que se tenha efetivado apenas com o advento e popularização da Internet. De fato,
muito antes disso, já havia a presença marcante de formas imagéticas no cotidiano das
grandes massas, as quais se expressavam por via das fotografias, bem como das imagens
televisivas e fílmicas.
A escola, no entanto, sempre relegou essas linguagens a um papel secundário. Daí que
já na década de setenta Dondis ([1973] 2007) chamava a atenção para o descuido pedagógico
6
Brait refere-se ao trabalho de Efimova e Manovich, Russsian Essays on Visual Cultura (apud BRAIT, 2013), no qual os
autores estabelecem como princípio de realização do trabalho com o visual, na perspectiva bakhtiniana, o fato de
Bakhtin, em O autor e o herói da atividade estética, fazer referência aos conceitos de excedente de visão, imagem
externa, exterioridade, vivenciamento das fronteiras externas do homem, imagem externa da ação, corpo exterior, o
todo espacial da personagem e do seu mundo (a teoria do “horizonte” e do “ambiente”). Quanto a Haynes, através da
teoria da criatividade articulada, busca demonstrar que Bakhtin, por intermédio dos conceitos de responsabilidade,
alteridade, inconclusibilidade, exterioridade, esfera, dentre outros, possibilita a interpretação da atividade estética
“como uma esfera na qual o cognitivo-teórico e ético-prático estão articulados, mas cada um enfocando a realidade
diferentemente, tratando a arte como a dimensão estética da vida” (BRAIT, 2013, p. 48).
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 81
com as imagens. Não havia, à época, segundo o autor, qualquer sistematização com o trabalho
com as imagens no ambiente pedagógico. A assistematização ainda continua décadas após,
segundo relato de Kress e van Leeuwen (1996). Esses autores dizem que não há qualquer
intuito de se dotar os alunos da competência com o trabalho com as imagens, uma vez que,
após a aquisição da escrita pelos educandos, o plano imagético assume um “secundarismo”
notório, que se expressa pela presença das imagens apenas como ilustração a textos verbais
ou através de mapas e gráficos, os quais não recebem qualquer atenção. Nessa mesma
perspectiva está Santaella (2012) que diz que a escola utiliza as imagens como um mero
exercício de visualização, e não de verdadeira leitura.
Numa perspectiva de fato vinculada à teoria dos gêneros, um mapa, uma foto, uma
tabela e um gráfico são tomados como um gênero, e não como um “recurso visual ou gráfico”.
Também incoerente parece ser a indicação que o mesmo BBC-PE estabelece:
(...) traga algum tipo de ilustração ou algum recurso gráfico, caso se trate de
textos mais longos, de forma a amenizar o esforço da leitura, principalmente
quando se destinam às séries iniciais do Ensino Fundamental (2008, p. 77).
Defendemos que a finalidade das imagens não seja servir de “amenizar o esforço” de
leitura, mas, sim, de concomitantemente com o plano verbal da linguagem, construir, nos
textos verbo-visuais, um determinado efeito de sentido.
Não obstante avanços sejam percebidos quanto ao uso dos princípios discursivos na
prática pedagógica de língua portuguesa, há problemas relevantes no uso dessa perspectiva
de linguagem no processo de ensino e aprendizagem (Cf. SUASSUANA, 2009; MARCUSCHI,
2006). Um dos mais relevantes é apontado por Geraldi (2009)7:
Geraldi mostra-nos algo que rebate no que tem persistido ser o mais profundo
paradigma na dinâmica escolar, o que seja: o papel de reprodução, isto é, o aluno como
replicador da realidade, e não de instaurador de uma realidade. E isso é possível, sim, que
esteja ocorrendo com a noção de gêneros do discurso.
7
Não desmerecemos o que nos indica Mendonça (2006) e alguns outros pesquisadores, que, muitas vezes, os gêneros
são usados para fazer análise linguística. Defendemos que isso não é “engano” teórico-pedagógico, é mera opção pela
manutenção do exercício pedagógico da normatização da prática do ensino e aprendizagem do português.
Ou seja, a inserção das imagens que constituem os textos multimodais seria uma forma
de introduzir ideologias que, muitas vezes, são antagônicas àquelas que a escola,
tradicionalmente, trabalha. Dessa forma, a manutenção do grafocentrismo pode ser uma
maneira que a escola encontrou de refutar as mundivisões que lhe são “estranhas”.
A coleção de português do Projeto Teláris: o uso dos gêneros visuais e verbo- visuais
Tal avaliação promovida PNLD é mais ampla que a realizamos, pois detivemo-nos,
apenas, na seção Outras linguagens, na qual há forte presença de textos visuais e verbo-
visuais. Mas para se conseguir ter uma visão geral da organização dos livros que compõem a
coleção, temos o quadro abaixo.
Introdução
4 Unidades
Em cada Unidade há:
.Ponto de partida
.Capítulos (dois)
.Sugestões – indicação de leituras, filmes, músicas, etc.
.Ponto de chegada – fechamento da Unidade
.O que estudamos na Unidade (atividades sobre os gêneros e sobre a língua)
.Produção de texto final
Unidade Suplementar
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Projeto de leitura
Fonte: Manual do Professor da Coleção Teláris - Português (2015).
Seções
Abertura
Leitura(as) principal (ais)
Interpretação de Texto . Compreensão
. Construção do texto
. Linguagem do texto
. Hora de organizar o que estudamos
Prática de oralidade
Ampliação de leitura: . Outras linguagens
. Conexões: entre textos, entre conhecimentos
Língua: usos e reflexão: . Estudos linguísticos e gramaticais
. Hora de organizar o que estudamos
Produção de texto
Outro(s) texto(s) do mesmo gênero
Autoavaliação
Ponto de chegada
Fonte: Manual do Professor da Coleção Teláris - Português (2015).
8
“Segundo Bakhtin (Estética da Criação Verbal, op. cit), a quantidade de gêneros é quase infinita. São textos verbais –
falados ou escritos – que circulam nas várias esferas sociais em que os seres humanos se relacionam: trabalho, família,
escola... São socialmente motivados pelas necessidades intenções (fazer rir, emocionar, convencer...) dos sujeitos que
se comunicam; inserem-se em contextos sócio-históricos determinados e em situações comunicativas específicas. A
cada circunstância, a cada interação particularizada, a cada público a que o texto é destinado, a cada mudança de
veículo/suporte, se alteram as configurações de linguagem. Consequentemente o gênero é alterado” (BORGATTO,
BETIN & MARCHEZI, 2015, p.334).
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Figura 1 – Modo de constituição dos gêneros do discurso apresentado no Manual do Professor.
Quadro 3 - Gêneros analisados nas propostas de leitura da seção Outras linguagens 10.
9
Nas atividades que há a referência a dois gêneros, na tabela acima, é porque a coleção propõe uma leitura comparativa
entre gêneros.
10
Das 33 propostas de leitura, três não trazem qualquer atividade de compreensão textual.
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Infográfico: 1 proposta Poemas concretos: 1 proposta
Artes plásticas: 1 Gráfico: 1 proposta
Foto e arquitetura (comparação): 1 Pintura, escultura e cinema
proposta (comparação): 1 proposta
Charge: 1 proposta Cartum: 2 propostas
Fonte: Coleção do Projeto Teláris – Português (2015).
COMPREENSÃO RESPONSIVA
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO/RECEPÇÃO
AUTORIA
COMPOSIÇÃO DE GÊNERO
O gráfico acima demonstra que a categoria mais presente, nas 33 atividades analisadas,
é a organização composicional do gênero, o que, de alguma forma, já trabalhávamos com a
hipótese de que isso ocorresse, pois, a prática escolar, de um modo geral, tende a tornar a
prática do ensino e aprendizagem um exercício de reprodução de “realidades”. A Coleção, no
entanto, foge daquilo que Geraldi (2009) denomina de “gramaticalização do gênero”, ou seja,
que a escola busca normatizar a organização composicional do gênero, destituindo o caráter
de relativa estabilidade que Bakhtin deu ao conceito de gêneros do discurso. De fato, na
maioria das atividades que contemplavam a organização composicional do gênero, não havia,
na coleção, uma proposta de imposição de normas acerca dos elementos composicionais do
gênero. Esse aspecto foi trabalhado, principalmente, no sentido de fazer o educando construir
o conhecimento acerca de uma possibilidade de construção do gênero que estava sendo
trabalhado na atividade de leitura.
A autoria foi trabalhada muito atrelada aos elementos composicionais do gênero, o que
é natural que tenha ocorrido dessa forma, uma vez que é dentro dos parâmetros da
construção dos elementos composicionais que há a possibilidade de que o autor estabeleça
mais firmemente suas marcas de autoria, sobretudo quando esse texto é de natureza
imagética. E isso, sem sombra de dúvida, fica mais explícito nas atividades em que havia como
proposta de leitura textos de natureza artística, pois tais textos propiciam mais liberdade do
autor frente aos elementos composicionais do gênero.
A compreensão responsiva, basilar para uma leitura que esteja forjada na relação
autor-leitor-texto, foi trabalhada nas atividades de leitura muito menos do que esperávamos.
Esse fato ocorreu, especialmente, nas atividades do livro do 6º ano, nas quais havia perguntas
que abordavam as partes explícitas dos textos visuais e/ou verbo-visuais. Mas não apenas
nesse volume deu-se isso: em várias outras propostas de leitura das outras séries, também, foi
possível constatar que havia muitas atividades que não trabalhavam com questões
inferenciais, o que estreita a possibilidade que o aluno-leitor faça uma leitura autônoma do
texto.
Para exemplificar uma proposta de leitura que orientava a construção de sentido que o
aluno-leitor faria destacamos a atividade abaixo, que desde os dados biográficos que traz, já
aponta firmemente a construção de sentido que deve ser realizada frente ao texto.
Considerações finais
Nesta nossa pesquisa, tomamos quatro noções bakhtinianas para analisar o modo
como o supracitado livro didático elabora suas atividades de leitura de textos visuais e verbo-
visuais, quais sejam: organização composicional do gênero, autoria, condições de
produção/recepção e compreensão responsiva.
Defendemos que um conjunto de atividades de leitura que não mescle essas quatro
noções não pode ser enquadrado num trabalho que contemple a perspectiva bakhtiniana. De
fato, poder-se-ia, sob a forma de um pseudotrabalho com a teoria enunciativa de Bakhtin,
sendo encoberto mais um exercício de espontaneísmo pelo qual tem sido marcado o trabalho,
no ambiente escolar, com a linguagem a visual e verbo-visual.
A conclusão que tivemos da coleção que analisamos foi relativamente satisfatória, uma
vez que, mesmo que em questões que envolviam elementos composicionais do gênero, não
havia um processo de gramaticalização do gênero, ou seja, não observamos aquilo que Geraldi
(2009) aponta como um processo de “normatização” no trabalho com os gêneros, o que
sempre ocorre quando da desconsideração da relativa estabilidade que todo gênero possui. As
marcas de autoria, que, frequentemente, estão em convergência com os elementos
composicionais, não traziam, em sua grande maioria, um viés de imposição da
intencionalidade do autor em detrimento da relação entre autor-leitor-texto. As questões que
envolviam as condições de produção/recepção, embora sendo contempladas em menos da
metade das atividades, foram trabalhadas em que questões que eram fundamentais para uma
Referências
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2005.
______. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016.
BORGATTO, Ana Trinconi; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Projeto Teláris: português:
ensino fundamental 2. 2ªed. São Paulo: Ática, 2015.
BOTA, Christian; BRONCKART, Jean-Paul. Volochinov et Bakhtine: deux approaches
radicalement opposes des genres de textes et de leur statut. Linx: Revue des linguistes de
Université Paris Ouest de la Nanterre la Defensé, Paris, nº 56, 2007, p. 73-89.
BRAIT, Beth. Olhar e ver: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Revista Bakhtiniana, São
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fica a questão dos gêneros? In: Santos, Carmi Ferraz; Mendonça, Márcia; Cavalcante, Marianne
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Paulo: Parábola Editorial, 2009. GERALDI, Wanderley. Gêneros discursivos e ensino. 2009.
Introdução
A obra “Beleza interior: uma viagem poética pelo Rio Grande do Sul” (2012), de
Fabrício Carpinejar, apresenta crônicas produzidas a partir de entrevistas que o escritor fez
durante sua viagem, de um ano realizada pelo Rio Grande do Sul, e sua experiência de vida, já
que nasceu no referido estado, na cidade de Caxias do Sul. Cada um desses textos apresenta
em sua estrutura a cidade que lhe forneceu o enredo e o título, caracterizando o personagem
que será apresentado pela crônica.
Uma dessas crônicas é intitulada “Vida de gringo”, na qual é importante ressaltar que,
de acordo com o dialeto proveniente da cidade de Caxias do Sul, local de inspiração para a
crônica em questão, o termo “gringo” se refere apenas aos italianos que migraram para a
região Sul do Brasil. Quando os gaúchos querem se referir a pessoas, advindas de outros
países, utilizam a palavra estrangeiro.
Crônica em análise
Caxias do Sul
Vida de gringo
Não age, reage, já sai discursando no cumprimento. Sempre está se explicando. Não
pergunta se vai chover, faz chover. Fala com os gestos, as mãos prolongam as cordas vocais.
Tem razão quando não tem razão. O que interessa é ser ouvido.
Como graceja o livreiro Arcangelo Zorzi Neto, o Maneco, 54 anos, a última palavra
sempre é do marido: "Sim, senhora!"
1
Aluna matriculada no Programa de Pós-graduação - Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul
e-mail – anagildassc@yahoo.com.br
Gringo não fica sozinho, está eternamente recrutando parentes. Abusa de cores fortes:
verde, vermelho, laranja. Alterna as tintas das paredes para mostrar que a morada nunca é
igual, mas variada por dentro. Também não joga nada fora. Adora colecionar cacareco. A
residência terá um quartinho, para conservar objetos e móveis antigos. Segue à risca o
mandamento de "guardar, pois pode precisar um dia".
Seu sotaque é uma assinatura no vento. Troca o "ão" do final das palavras pelo "on":
Manson, monton, avion, television. E os dois erres por um somente, numa simplicidade
infantil: Caroça, gara, sera, churasco.
O gringo criou uma coreografia peculiar nos passeios pelo centro da cidade. Famílias
andam engatadas pelos braços nas ruas Júlio de Castilhos, Sinimbu e Os 18 do Forte. Como se
fosse um arrastão, um cabo de força. Tomam a lateral da calçada.
- É uma forma de se proteger e de estar próximo dos ouvidos para falar bem ou mal dos
outros - ri Renata Paim Bossardi, 26.
As esquinas funcionam como uma seção de achados e perdidos. A tática é parar numa
delas quando um familiar some nas andanças pelas lojas. O trio de baianas, formado pela mãe
Eliana Debon, 54, e suas filhas gêmeas Thaís e Thaína, 24, adotou o hábito.
Numa conversa, a pergunta "Em que você trabalha?" vem em primeiro lugar. A segunda
questão refere-se à família: "Já casou? Tem filhos?". Descobrir o nome é de menos, inclusive
porque gringo tem apelido.
- Não ter família é ateísmo. Até hoje há a prática de interromper qualquer tarefa para
almoçar em casa – pontua o escritor Paulo Ribeiro, 50, professor da UCS.
- A gente almoça pensando na janta – descreve a artista plástica Mara de Carli Santos,
56.
Para ser mesmo gringo, um pré-requisito inadiável é contar com uma nona. Vó recebe a
promoção ao completar oito décadas.
Ilha Facchin Mantesso, 84 anos, atingiu o estágio. Viúva, vive cercada dos mimos de
seus dois filhos e dois netos, que se enraizaram no bairro Panazzolo de propósito, para vigiá-
la. “Não tem como fazer segredo em família de gringo, as coisas são às claras”.
Deitada no sofá ou secando a louça, ela não se descola da elegância. Sente-se viva em
movimento, cuidando da ordem doméstica. Diz que gringo não pede desculpa, agradece a
Deus. “Graças ao bom Pai, não fiz maldade, a não ser afogar gambá”, brinca.
- Ser gringo é carregar enxada que nem louco: saco vazio não permanece de pé –
confessa com a convicção de quem tem a alma extraordinariamente cheia.
A crônica em questão
Como propõe Martins (2012, p.41), o estudo estilístico visa à expressividade da língua
em uso, seja em sua forma falada ou escrita. Por isso, a análise busca reconhecer as
manifestações de emoções e julgamentos de valor que provocam reações afetivas em seus
interlocutores, e esses traços podem ser identificados na linguagem utilizada pelo escritor no
texto em estudo.
Na crônica "Vida de gringo", o narrador expõe as visões que seus entrevistados têm a
partir de percepções particulares acerca de um tema relacionado ao cotidiano, nesse caso, as
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 97
características e o modo de viver de migrantes italianos. A partir da representação desses
valores, verifica-se como marca do estilo de Carpinejar, o uso da linguagem poética de forma a
transmitir ao leitor sentimentos e sensações provenientes de sua narrativa.
Conforme aborda Micheletti (1997, p.154), "a linguagem poética objetiva nossas
necessidades estéticas, menos concretas e menos delimitadas", o que provoca a interação
emotiva entre o texto e o interlocutor. Valores afetivos são apresentados, por meio de
recursos estilísticos, de forma a convidar o leitor a compartilhar o modo de dizer do produtor
do texto. Assim, as vivências de mundo dos migrantes italianos são narradas e descritas na
crônica, a fim de aproximar o interlocutor da temática do texto.
Para analisar o uso dessa linguagem poética, na prosa de Carpinejar, será explorado o
recurso de repetição de léxico e de estruturas sintáticas que ocorre ao longo da enunciação do
autor. O uso da repetição recorrente exige cuidados quando aplicada em gêneros cuja
característica é a linguagem prosaica, como é o caso da crônica.
A autora ressalta, ainda, que o emprego da repetição na prosa deve ser comedido e
rígido, tendo em vista a intenção do produtor e a relação que esse recurso estabelecerá com o
interlocutor. Já que o uso em menor quantidade poderá resultar na falta de compreensão do
texto, e sua aplicação exagerada provocará o desinteresse do leitor (MICHELETTI, 1997, p.
155).
O gringo criou uma coreografia peculiar nos passeios pelo centro da cidade.
(CARPINEJAR, 2012, p. 14).
Para ser mesmo gringo, um pré-requisito inadiável é contar com uma nona.
(CARPINEJAR, 2012, p. 15).
Nesse caso, confirma-se que o gringo, ao qual se refere o narrador, é visto como um
grupo, dessa forma, para que o munícipe possa fazer parte dessa comunidade é necessário ter
algumas características imprescindíveis, assim será visto como um “gringo” legítimo.
A repetição do termo gringo ocorre, também, por meio do uso de elipses, logo, por
diversas vezes identifica-se que o autor deixa subtendido que as características discorridas
nos períodos se referem ao protagonista “gringo”, presença que se faz permanente.
Conforme Martins (2012, p.189) explica, o uso de elipses pode ser um recurso que
atribui movimento afetivo ao texto, como em
Seu sotaque é uma assinatura no vento. Troca o "ão" do final das palavras pelo "on":
Manson, monton, avion, television. E os dois erres por um somente, numa simplicidade
infantil: Caroça, gara, sera, churasco. (CARPINEJAR, 2012, p. 14).
Assim, Carpinejar recorre à elipse para apresentar seu ponto de vista, ao mesmo
tempo, que propõe a representação de seu personagem de forma mais afetuosa.
A elipse verbal, tipo mais frequente na crônica em estudo, ocorre quando há a omissão
de elementos auxiliar ou lexical (MARTINS, 2012, p.189), no texto analisado, são verificadas
recorrências de elipses verbais da palavra “gringo”.
Entende-se que o sujeito dos verbos agir, reagir, discursar e explicar é o “gringo”,
considerando que essa relação é estabelecida a partir do parágrafo que antecede o trecho em
questão:
O uso da elipse, com frequência, também pode ser reconhecido com efeito de
correlação. Tendo em vista, que a omissão do elemento, "gringo", estabelece relação de
dependência semântica entre períodos, a complementaridade entre as frases acontece a partir
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da ratificação feita pelo narrador, sempre que argumenta sobre uma característica de seu
protagonista, como ocorre em:
Gringo não fica sozinho, está eternamente recrutando parentes. Abusa de cores fortes:
verde, vermelho, laranja. Alterna as tintas das paredes para mostrar que a morada nunca é
igual, mas variada por dentro. Também não joga nada fora. (CARPINEJAR, 2012, p. 14).
Numa conversa, a pergunta "Em que você trabalha?" vem em primeiro lugar. A segunda
questão refere-se à família: "Já casou? Tem filhos?". Descobrir o nome é de menos, inclusive
porque gringo tem apelido. (CARPINEJAR, 2012, p. 14).
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estilístico vai ao encontro da proposta da linguagem poética, pois proporciona maior
relevância ao pensamento de seu produtor, como em
Além de estruturar a enunciação a partir de frases curtas, o autor também faz uso da
elipse oracional para propor mais movimento ao texto:
Famílias andam engatadas pelos braços nas ruas Júlio de Castilhos, Sinimbu e Os 18 do
Forte. Como se fosse um arrastão, um cabo de força. Tomam a lateral da calçada.
(CARPINEJAR, 2012, p. 14).
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O gringo gosta tanto de si que suas manias escapam das críticas e assumem o aspecto
simpático de eufemismos: não é gritão, é passional; não é fofoqueiro, é preocupado.
(CARPINEJAR, 2012, p. 13).
O autor revela o seu ponto de vista e dos seus entrevistados no tempo corrente ao seu
texto, já que o tempo verbal predominante no discurso é o presente, esse recurso propõe
maior aproximação com o interlocutor, pois faz com que o aproxime do tempo das ações
narradas.
Assim, Carpinejar recorre ao tempo verbal presente para apresentar ao seu "virtual
leitor" o personagem "gringo", propondo uma aproximação que resultará na construção do
protagonista, juntamente com o narrador.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 103
Esse recurso temporal é utilizado, também, nos discursos diretos que representam os
depoimentos de moradores da cidade de Caxias do Sul. Dessa forma, o discurso do narrador é
permeado pelas falas dos personagens, com o objetivo de enfatizar quem é o "gringo".
Considerações finais
A partir dessa análise, pode-se concluir que o desenvolvimento da repetição na
crônica “Vida de gringo”, de Fabrício Carpinejar, aproxima a linguagem prosaica à poética,
devido ao fato de o autor ter nascido na cidade de Caxias do Sul, local de caracterização do
protagonista de sua crônica.
Constata-se que a linguagem poética ocorre porque o autor projeta em seu texto os
sentimentos e sensações que compõem o protagonista na sua crônica, o “gringo”, que não
pode ser identificado como um simples cidadão da região Sul do país, mas como aquele que
trouxe sua cultura e características para a nova morada.
Referências
CARPINEJAR, F. Beleza interior - Uma viagem poética pelo Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Arquipélago Editorial, 2012.
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 27.
ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 104
MARTINS, N. S. Introdução à Estilística: a expressividade na Língua Portuguesa. 4. ed.
(revista). São Paulo: Edusp, 2008.
MICHELETTI, G. Repetição e significado poético (o desdobramento como fator constitutivo na
poesia de F. Gullar). Filologia e Linguística Portuguesa, São Paulo: nº 01, p. 151 – 164, 1997.
______. (org.) Enunciação e Gêneros Discursivos. São Paulo: Cortez, 2008.
______. (org.) Enunciação e estilo: práticas de análise estilístico-discursivas. São Paulo:
Terracota, 2011.
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ANÁLISE DISCURSIVA DA CHARGE DA ‘GUERRA AO
NARCOTRÁFICO EM FAVELAS DO RIO DE JANEIRO A
PARTIR DOS TONS VALORATIVOS ÉTICOS E ESTÉTICOS
Samantha Henzel1
Sonia Sueli Berti-Pinto2
Introdução
O presente artigo tem o objetivo de analisar o contexto sócio histórico por meio do
gênero discursivo “charge”, pautando-se nos pressupostos teóricos de Bakhtin. Serão
investigados por meio do discurso verbo-visual, elementos políticos, sociais, religiosos e
econômicos, descrevendo e interpretando as formas linguísticas marcadas neste gênero
discursivo. O nosso interesse é buscar saber o que está subjacente às charges; qual é a crítica
veiculada; o que pretende o autor e quais informações essas manifestações pretendem
transmitir ao leitor, além de identificar a relação desse gênero com outros textos.
A escolha do gênero jornalístico “charge” deu-se por ser um gênero que se origina por
meio de outros diálogos, sempre abre margem para diferentes interpretações, insinuações ou
subentendidos. Para entender as relações dialógicas que os implícitos estabelecem,
buscaremos entender qual a intenção do autor ao estabelecer essas relações com outros
textos publicados na mídia, por exemplo; em jornais impressos, revistas, internet e nos
noticiários da TV.
Características da charge
Bakhtin define os gêneros por meio das características básicas próprias de cada um, e
seguindo sua linha de pensamento, serão considerados os três aspectos estabelecidos pelo
filósofo: um gênero é definido pelo conteúdo temático, estilo verbal e construção
composicional.
1
Samantha, nome jornalístico adotado pela aluna Jurema Henzel, graduada em Jornalismo e mestranda em Linguística
pela Universidade Cruzeiro do Sul, Fotógrafa formada pela Academia Brasileira de Artes e colaboradora da revista
National Geographic Brasil. samanthahennzell@gmail.com
2
Profa. Dra. Sonia Sueli Berti-Pinto, pesquisadora do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro
do Sul – UNICSUL; Assinava antes como Sonia Sueli Berti-Santos. soniasul@uol.com.br
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 107
A charge apresenta um dinamismo por possibilitar a abordagem de assuntos variados
que giram principalmente em torno de assuntos relacionados à política e à sociedade, e quase
sempre traz alguma crítica social. Seu conceito temático pode ser muito abrangente, não
precisando ser exatamente sobre problemas atuais, há muitas charges atemporais que são
produzidas, inclusive propositalmente, pois caso tais problemas sociais não tenham sido
solucionados antes, a charge poderá retornar como reforço crítico, servindo de parâmetro
para uma solução, ou não, dos problemas ilustrados.
Ainda no que diz respeito à estrutura composicional da charge, o último aspecto é que
se trata de um gênero curto, geralmente se apresenta em forma de quadrado, com ilustrações
coloridas ou em preto e branco, e como dito anteriormente, nem sempre traz linguagem
verbal, e com isso, normalmente trabalha com caricaturas de pessoas públicas ou famosas
para, assim, facilitar a identificação da mensagem contida na charge. Segundo Bakhtin:
“[...] cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina e
lhe dá uma esfera de circulação” “...todos os gêneros tem uma forma e uma
função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá
basicamente pela função e não pela forma”. (MARCUSCHI, 2008, p.150)
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 108
como explica sua etimologia de origem francesa. A charge tem a função social de atacar e
criticar situações do cotidiano social e político de uma sociedade, e essa crítica é intimamente
influenciada pelo contexto sócio histórico e pelo período de tempo/espaço vigentes. Mas,
compreender a mensagem contida em uma charge nem sempre é uma tarefa fácil e simples, o
interlocutor deve ter conhecimento de mundo compatível com o conhecimento do autor da
charge, a fim de se estabelecer a interlocução, ou seja, para que seja possível uma construção
de sentidos de acordo com o contexto da charge.
Pressupostos Teóricos
O enunciado é produzido por um sujeito que se coloca como o responsável pelo que
diz. Esse locutor assume e apresenta uma atitude em relação àquilo que diz e em relação
àquele que ouve.
Para tornar ainda mais claro, trataremos da noção de “atitude responsiva ativa”, uma
das características dialógicas da linguagem que consiste em locutor (que fala ou escreve) e
interlocutor (que lê ou escuta) de um determinado discurso assumir uma posição ativa e
responsiva ao concordar ou discordar do enunciado. Bakhtin (1997) diz:
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 109
“[…] o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um
discurso adota, simultaneamente, para com este discurso, uma atitude
responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa,
adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em
elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão
desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo
locutor. A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre
acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa
atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de
uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor.
(BAKTHIN 1997:290)
Para que o interlocutor (ouvinte) possa apresentar uma atitude responsiva ativa, é
necessário que compreenda a charge, assim sendo, é imprescindível um conhecimento prévio
de mundo e interação com outros enunciados para que a leitura se torne concreta no diálogo.
Para Bakhtin, a palavra sempre está relacionada com o que já foi dito e com o que
ainda será dito, fator esse que apresenta outra característica do dialogismo, a relação entre os
enunciados,
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 110
interpretações e os mais variados efeitos de sentido dependerão do modo como cada gênero é
trabalhado. A compreensão do interlocutor dar-se-á por meio de todo o conhecimento de
mundo do leitor influencia na compreensão do enunciado, conforme discorre Berti-Santos,
quando diz:
Assim sendo, todo o resultado da construção de sentido fica intimamente ligado com
todo o conjunto de saberes que o leitor carrega dentro de si.
Por esses elementos verbo-visuais expressamos os valores que julgamos corretos, que
influenciam em nossas decisões e orientam nossa vida, determinando o que pensamos acerca
do que é considerado certo ou errado. Mas, na busca de relações mais justas, por mais sábio e
ponderado, o homem sempre ficará refém de sua época, vivenciando as coordenadas traçadas
pela moral, pelos costumes, pelos valores, pelas leis de seu tempo. A percepção fica
implicitamente ligada às malhas do discurso do período sócio-histórico-cultural a que
pertence.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 111
imagens na formação dos enunciados deixam transparecer a alteridade do sujeito, pois as
escolhas, que são posicionamentos estéticos, carregam os valores éticos do meio em que o
sujeito se insere e de seu tempo. Assim, toda escolha (estética) de materialidade discursiva
implica em valores e evidenciam posicionamentos do sujeito (ética). Estética e ética
imbricam-se na constituição de sentidos do enunciado e do sujeito.
A estética, conforme aponta Bakhtin, está ligada aos valores sociais, pessoais,
ideológicos, culturais dos signos dentro das sociedades, carregados de valores éticos.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 112
social do Brasil. Para reforçar a análise das charges, trouxemos reportagens que foram
publicadas no momento sócio histórico que a charge foi produzida. Essas manchetes
jornalísticas disseminadas pelos meios de comunicação na mesma época da difusão das
charges, que se entrelaçam e dialogam entre si e com a charge embasam esta análise. Outros
elementos que serão investigados tratam da linguagem verbal e não verbal da charge, e o
conhecimento prévio para cada época que o leitor deve possuir que o permita compreendê-la
para que possa apresentar uma atitude responsiva. Somando-se a isso, foram sugeridas
possíveis interpretações para cada contexto, uma vez que o gênero está sujeito a diferentes
construções de sentidos.
Esta charge de Cícero Lopes foi copiada do site do cartunista por meio do endereço
acima citado, e publicada em 28 de outubro de 2009. Ao criar a charge, o autor-criador
imprime muito de si, porém, esforça-se para que sua identidade interfira o mínimo possível,
sobre isso Berti-Santos diz:
Neste período sócio histórico podemos trazer à luz da discussão inúmeras questões
ligadas à política, economia e cultura, podemos observá-las, também, por meio de elementos
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 113
da linguística fortemente marcados que definem situações sociais, como os tons valorativos e
atos éticos e estéticos. Para desenvolvermos essa análise, vamos abordar primeiramente os
aspectos visuais, constituindo o possível significado das cores e o modo como tudo está
disposto na charge e como se dá o contexto do conteúdo. O céu azul com poucas nuvens
brancas demonstra um dia ensolarado, típicos de cidades do sudeste do país. O conjunto de
casebres de tom amarronzado espalhados por toda a charge, conotam que o cenário em
questão remete ao das favelas do Rio de Janeiro.
4
Disponível em Época: https://goo.gl/VrFlsn / Acessado em 15 de março de 2017
5
Disponível em G1: https://goo.gl/DlzxKu - Acessado em 15 de março de 2017
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 115
A revista Veja6 na versão digital notícia, em 05 de julho de 2011, a inauguração do
teleférico do Alemão marcada para dois dias depois, mas com quatro meses de atraso, apesar
do portal R77 noticiar logo no começo do lead que a inauguração não seria adiada, constando
o mês de março como primeira data anunciada. E informa, também, que as obras ficaram
paralisadas por uma semana devido a operações policiais em novembro do ano anterior. As
obras se tornaram um verdadeiro ‘elefante branco’, de acordo o portal de notícias UOL8, de 05
de julho de 2015, o teleférico do Alemão, principal obra do PAC no morro, e tratado como
ícone do Projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) fracassa para o turismo e para o
transporte. Em outra matéria, também do UOL, de 21 de dezembro de 2016, o teleférico teria
encerrado suas atividades em setembro de 2015 a contar pela data da última matéria em
dezembro de 2016, por conta da crise.
Notícias em jornais dão conta de que nesse período sócio histórico, desde o início da
implantação do programa, a polícia recebeu ordens de não realizar ações de combate ao
tráfico para não interferir no andamento das obras, deixando a população da comunidade
vulnerável às atividades de facções criminosas, pois muitos bandidos estariam se refugiando
no conjunto de favelas do Alemão e estocando armas, conforme matéria no Jornal Extra9, onde
também foi publicada uma entrevista de uma deputada federal, Marina Maggessi, em que
acusou o Governo Estadual de fazer vista grossa à crescente presença de criminosos no
morro: “A polícia não entra no Complexo do Alemão por causa das obras do PAC. Está todo
mundo evitando tiroteio para não parar as obras do PAC. A bandidagem toda está indo para
lá.” Perguntada sobre como tinha conhecimento sobre tais informações, Maggessi declarou
que antes de ser deputada, é policial, com isso, recebe informações internas das corporações.
Mas como pudemos constatar, a medida adotada, segundo a deputada Maggessi, pela
Secretaria de Segurança Pública, não foi eficiente no que diz respeito ao cumprimento da data
de entrega da obra e, sequencialmente, de inauguração do teleférico. Vidas foram inutilmente
postas em risco.
A brecha deixada pelo poder público e a pausa na repressão ao crime, teria facilitado a
um dos líderes do Comando Vermelho, que chefiava bocas-de-fumo nos Complexos da Penha e
do Alemão (ZN), Fabiano Atanázio da Silva, o FB, arregimentar novos integrantes para a
facção com o objetivo de invadir o Morro dos Macacos na região de Vila Isabel, também Zona
6
Disponível em Veja: https://goo.gl/C6h710 - Acessado em 15 de março de 2017
7
Disponível em R7: https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/entrega-do-teleferico-no-complexo-do-alemao-
nao-sera-adiada-20101206.html / Acessado em 15 de março de 2017
8
Disponível em Uol: https://cMMcps – Acessado em 14 de março de 2017
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Disponível e Extra: https://goo.gl/KNtrBf - Acessado em: 14 de março de 2017
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 116
Norte do Rio de Janeiro, e entrar em conflito para dar apoio a outros membros do Comando
Vermelho(CV), que dominavam o Morro do São João, vizinho do Morro dos Macacos,
dominado pela facção rival, Amigos dos Amigos (ADA), liderada por Jorge Araújo Vieira, o
Bebezão. O confronto entre CV e ADA nos morros do Macaco e do São João eram frequentes, e
tomavam o noticiário pelo grau de violência e abuso. Em matéria no portal Terra10, em 17 de
outubro de 2009, relatos contam que durante esse confronto, um helicóptero da Polícia
Militar foi abatido, enquanto monitorava um protesto na entrada de uma das favelas do Morro
dos Macacos, quatro policiais estavam abordo. O piloto conseguiu fazer um pouso forçado,
porém, ao impactar o solo, dois policiais ficaram presos na ferragem e a aeronave explodiu em
seguida, carbonizando os corpos. Os outros dois ficaram gravemente feridos e foram
encaminhados para o hospital.
Além dos policiais, ainda segundo o Terra, outras quatro pessoas morreram desde o
início daquela madrugada no tiroteio entre as narcofacções. Por conta dos confrontos que
iniciaram por volta da 1h da madrugada, pela manhã, moradores das favelas dos morros do
São João e Macacos, fizeram protestos queimando pneus e outros objetos, além de tentarem
invadir uma delegacia com o objetivo de linchar presos de uma facção rival ao morro. Vidros
foram quebrados.
Intitulada “Operação Choque de Paz”, a implantação das UPP’s têm apoio das polícias
Civil, Militar, Rodoviária, Federal e Forças Armadas, e é constituída de três etapas. Na primeira
fase, a comunidade em questão é tomada por tropas policiais cuja estratégia é acompanhada
10
Disponível em Terra: https://goo.gl/Qo7ozK - Acessado em 14 de março de 2017
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 117
por oficiais do alto comando das polícias e pelo secretário de segurança, essa fase operacional
é considerada a mais delicada, pois é quando pode haver conflito entre profissionais da
segurança pública e narcotraficantes, além de se estender por tempo indeterminado.
Concluída essa fase, dá-se início a seguinte, constituída pela implantação da sede
administrativa e operacional.
Seguindo com a análise verbal, tratamos agora do título da charge, “A caixa preta
revela”, a frase em si refere-se, de fato, à caixa preta, que na verdade é laranja. Um objeto que
grava e armazena dados sobre o funcionamento da aeronave, as conversas da tripulação, e
serve também para detectar problemas e verificar suas causas durante o trajeto, desde a
decolagem até a aterrissagem, além de servir de controlador da manutenção da máquina.
11
Disponível em UOL: https://goo.gl/23gOZo- acessado em: 13 de maço de 2017
12
Disponível em Zero Hora: https://goo.gl/mv2cEU- acessado em: 13 de março de 2017
13
Disponível em O Dia: https://goo.gl/zJYaIR- Acessodo em 13 de março de 2017
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 118
O emprego do verbo revelar mostra a dimensão ética e estética da unidade discursiva,
empregada no enunciado concreto que é a charge e a importância desse dispositivo e,
analogamente, remete-nos à própria função da charge que, assim como a caixa preta, revela,
escancara, expõe publicamente uma crítica ao contexto a que está ligada. A caixa preta é a
chave para desvendar falhas e apontar culpados, assim como a charge, expõe problemas
sérios que podem eliminar vidas. A caixa preta revela o problema e, consequente, o erro, seja
humano ou técnico. A charge assume exatamente este objetivo, como ato ético, pois aponta as
falhas que os governos estadual e federal vêm continuamente causando, e, assim como a falha
técnica ou humana causada na aeronave, as falhas administrativas também causam mortes.
14
Disponível em Terra: https://goo.gl/sdnwDv- Acessado em 21 de fevereiro de 2017
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 119
área considerada nobre. Um homem que foi atingido por um tiro de fuzil, e despencou de uma
encosta.
15
Disponível em O Estado de S. Paulo: https://goo.gl/lvQITD - Acessado em 21 de fevereiro de 2017
16
Disponível em: https://noticias.terra.com.br/ 17 de outubro de 2009
17
Disponível em: http://noticias.r7com.br/ 19 de outubro de 2009
18
Disponível em: https://zerohora.com.br / 20 de outubro de 2009
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 120
Como já apontado acima, a imagem apresenta um helicóptero sendo atingido por
inúmeros disparos de fuzis, representados por onomatopeias e desenhos de projéteis vindos
das comunidades abaixo, atingindo a parte de trás da aeronave que começa a cair. De dentro
da cabine um piloto grita via rádio comunicador que a tripulação foi atingida pela política.
Deixando a entender que por questões políticas a coisas chegaram ao ponto da máxima
violência, semelhante ao que ocorre em países em guerra declarada. A imagem não deixa claro
que tipo de aeronave estaria sobrevoando as comunidades, se uma aeronave da polícia do
Estado, ou algum taxi aéreo em rota errada. Também não há exatamente uma identificação
verbal ou visual que identifique os aglomerados de barracos pertencerem a comunidades
carioca, essas evidências ficam implícitas por meio do que se tem de conhecimento sobre a
realidade do Rio de Janeiro e pelo contexto sócio histórico do período em que a charge circula.
Considerações finais
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 121
Todo o processo de construção da charge, seja pelo conteúdo temático, estilo verbal ou
a construção composicional, situam o leitor em um determinado período sócio histórico e
cultural, e permitem ao interlocutor perceber que os discursos sociais, políticos e culturais se
entrelaçam formando uma teia de fios discursivos.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. [tradução feita a partir do francês por Maria
Emsantina Galvão G. Pereira revisão da tradução Marina Appenzellerl]. São Paulo Martins
Fontes, 1997.— (Coleção Ensino Superior)
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 122
______. O problema do texto (1959-1961). In.: Estética da criação verbal. Trad.Maria Ermantina
Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992:327-358
______. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira; com a
colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e CarlosHenrique D. Chagas Cruz. ed. São Paulo: Hucitec,
1999. 196p. Bakhtin. São Paulo, Parábola Editorial, 2009.
MARCUSCHI, Luis Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
Sites:
Disponível em PAC: https://goo.gl/pVLs6K / acessado em 02 de março de 2017
Disponível em PAC: https://goo.gl/pVLs6K / acessado em 02 de março de 2017
Disponível em Época: https://goo.gl/VrFlsn / Acessado em 15 de março de 2017
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complexo-do-alemao-nao-sera-adiada-20101206.html / Acessado em 15 de março de 2017
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dois-morrem,98a85e49aa90b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
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PARTE 3
DISCURSO E IDENTIDADE
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A (DES) CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NOS
DISCURSOS DOS JOVENS DO MST: DAS CONDIÇÕES DE
PRODUÇÃO AOS SILENCIAMENTOS1
Introdução
Desde o período de colonização, a disputa por terra sempre esteve em foco no Brasil. A
luta pela terra meio que se confunde com a luta pela vida, essencialmente, para os indígenas,
quilombolas e pequenos agricultores. É uma questão que não cessa de advir. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem sido um dos movimentos sociais que mais
contribuiu, nas últimas décadas, para que o assunto da exploração da grande propriedade
privada (monopólios, agronegócio, etc.) não ficasse silenciado3.
1
Este artigo é parte de uma dissertação de Mestrado em Letras, com área de concentração em Linguagem e
Sociedade, realizada sob a orientação da professora Eliane Cardoso Brenneisen, publicada em 2008, com o título: As
condições de produção dos discursos de identidade: um estudo sobre os jovens militantes do MST.
2
Docente no Instituto Federal do Paraná (IFPR), campus Pinhais e Doutoranda no Programa de Pós-graduação pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel. E-mail: anamarialeme@hotmail.com
3
Nesse assentamento já fora realizado um estudo anterior, porém com objetivo diverso do apresentado aqui. Sobre
este primeiro estudo consulte-se BRENNEISEN (2002).
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Para tanto, neste trabalho, tentou-se entrelaçar dois eixos teóricos de análise: estudos
socioculturais sobre identidade e teoria da análise de discurso de linha francesa (AD) para
tratar da produção discursiva. No que se refere ao viés sociocultural da produção de
identidade, recorre-se aos estudos de Hall (2005); Castells (1999); Berger e Luckmann
(1994); no que concerne ao conceito de discurso, destacam-se autores como: Orlandi (2005;
2006) e Foucault (2006), os quais consideram discurso como um processo de construção
social, constituído nas relações de interação entre interlocutores. De forma que, os discursos
constituem sujeitos e são constituídos pelos sujeitos nas relações de linguagem, o que significa
dizer que “são processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de
construção da realidade.” (ORLANDI, 2005, p. 21).
Os dados para a análise foram gerados num assentamento, na região oeste Paraná, em
São Miguel do Iguaçu. Os sujeitos da pesquisa4 eram estudantes que participavam, em 2006 e
2007, do Curso Técnico em Agroecologia, os quais foram entrevistados em duas ocasiões: por
meio de uma entrevista coletiva e entrevistas individuais. Os jovens entrevistados são
assentados ou acampados, encontravam-se na faixa etária de 18 a 24 anos e estudavam nesta
escola, mas pertenciam a outras localidades do Paraná, Mato Grosso e do Paraguai. Vinte e
nove estudantes5 participaram da entrevista coletiva. Para as entrevistas individuais, foram
selecionados dez jovens, dentre aqueles que se dispuseram a colaborar. Devido à restrição da
extensão do artigo, serão abordadas somente algumas questões das entrevistas individuais e
uma da coletiva. Visando preservar suas identidades, na transcrição os sujeitos, foram
apresentados como jovens e com nomes fictícios, mas idade real (a que tinham na época). São
eles: Fabrício (20), Manoel (18), Fernandez (24), Fernando (23), Jonas (22), Lucas (18),
Leonardo (21), Laerte (20), Kássia (22), Luana (20).
Para uma melhor compreensão a respeito das condições de produção dos discursos de
identidades dos jovens selecionados neste estudo de caso, esse artigo encontra-se dividido em
três sessões. A primeira intitulada “Identidade e discurso: aspectos teórico-analíticos” procura
apresentar, em linhas gerais, a fundamentação teórica que subsidia os eixos de análise
identidade e discurso; a segunda intitulada “Condições de produção e práticas discursivas”,
analisa os discursos de militância e a recorrência nas entrevistas; finalmente, a última seção
trata dos “Silenciamentos e interdições nos discursos”.
4
A opção por sujeitos da pesquisa demonstra a abordagem social de caráter qualitativo que se pretende.
5
Houve uma entrevista coletiva que foi acompanhada de uma liderança do MST, ocupante do cargo de coordenador
pedagógico do curso e entrevistas individuais, nestas, talvez por serem dez, não houve acompanhamento.
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Identidade e discurso: aspectos teórico-analíticos
Hall (2005) assinala que a partir da segunda metade do século XX, com a aceleração do
processo de globalização econômica, social e cultural, o sujeito entra numa condição de
socialização “pós-moderna”, integra-se e interage com outras sociedades, culturas e
“mundos”, enfim, defronta-se com identidades múltiplas, tornando-se fragmentado. Segundo o
autor, é “esse processo que produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo
uma identidade fixa, essencial ou permanente” (op. cit., p. 12). Há, nesta perspectiva, uma
dissolução da noção de sujeito (identificado por um “eu”).
Hall (1987) concebe ainda a identidade do sujeito pós-moderno como uma “celebração
móvel”, pois este sujeito assume diferentes identidades em diferentes situações às quais é
exposto. Isto demonstra que a identidade possui mais mobilidade que a concepção de
construção identitária na socialização primária e secundária apresentada por Berger e
Luckmann (1994). No entanto, ambos os posicionamentos podem ser considerados
complementares, visto que concebem a construção de identidades por meio da socialização e
do processo de interação social.
Sob perspectiva semelhante (não igual), Foucault (2002) concebe a identidade como a
composição de “vários ‘eus’, em simultâneo, a várias posições-sujeitos” (FOUCAULT, 2002, p.
56-57). Para o autor não existe, então, estabilidade, estaticidade ou unicidade no sujeito.
Haveria, sim, posições a serem consideradas no processo de identificação. Neste sentido,
Castells (1999) sugere que as identidades são mais significativas que os “papéis sociais” ou
“conjunto de papéis” assumidos, visto que são compostas por um processo de subjetivação do
sujeito. Para tal, “[...] identidades são fontes mais importantes de significado do que papéis,
por causa do processo de autoconstrução e individuação que envolvem. [...] pode-se dizer que
identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções”(CASTELLS, 1999, p.
23). Assim, afirma-se que os papéis estão relacionados à função social do sujeito em
determinados momentos, já a afirmação de uma identidade é uma afirmação política.
Enunciar-se, portanto, é identificar-se em nível social, cultural e político; é “mostrar-se ao
outro”.
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uma pessoa é mutante, fluida. Então, o quem sou é influenciado por identidades locais e
globais; interpelações ideológicas que amanhã constituirão outros lugares de sujeito, posição-
sujeito que possibilite se construir através da linguagem. Na globalização6 a ideia de
pertencimento entra em colapso, gera uma crise contemporânea, e confronta-se com a
tentativa de homogeneização cultural do mercado global, gerando o distanciamento da
identidade da comunidade e da cultura local; paradoxalmente, isso pode fortalecer e
reafirmar algumas identidades nacionais e locais (cf. WOODWARD, 2005).
6
Entende-se a globalização como um processo de intercâmbio econômico, político e cultural mundial que se iniciou a
partir da década de 1960, com a expansão dos sistemas de comunicação. “A globalização não é, portanto um processo
singular, mas um conjunto complexo de processos. E estes operam de uma maneira contraditória ou antagônica”
(GIDDENS, 2000, p. 23).
7
Além do MST, outros movimentos sociais do campo compõem a Via campesina como: Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), Movimento dos Agricultores Atingidos por barragens (MAB), Movimento das Mulheres
Camponesas (MMC), Pastoral da Juventude Rural (PJR).
8
Para o MST: “A palavra mística é adjetivo de mistério [...] Na linguagem comum usa-se a palavra mistério para
concluir uma reflexão que esgotou as capacidades da razão e não consegue mais produzir luz. Ou então para indicar
intenções ou realidades escondidas ao comum dos mortais [...]. A pessoa é levada a experimentar através de
celebrações, cânticos, danças, dramatizações e realização de gestos rituais uma revelação ou uma iluminação
conservada por um grupo determinado e fechado” (MST, 1998, p. 23, 24).
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Em se tratando de discurso, nas leituras que se faz de Foucault (2005b; 2006), é
possível compreender que este caracteriza um conjunto de enunciados, criados a partir de
regras comuns de funcionamento linguístico, histórico, cultural, regulador e normatizador dos
mecanismos de produção discursiva; um conjunto de enunciados pode ser designado como
discurso quando está apoiado na mesma formação discursiva. No entanto, neste trabalho
apropria-se do conceito de discursos dos estudos de Orlandi (2005), para a qual discurso é
um “lugar específico em que se pode apreender o modo como a língua se materializa na
ideologia e como esta se manifesta em seus efeitos na própria língua” ( op. cit., p. 96); é um
espaço de materialização ideológica da língua.
Sob esse aspecto, pensar uma teoria do discurso é também pensar uma teoria da
instância da enunciação. “Esta instância de subjetividade enunciativa possui duas faces: por
um lado, ela constitui o sujeito de seu discurso, por outro, ela assujeita” (MAINGUENEAU,
1997, p. 33). Nota-se que o enunciador é submetido às regras da enunciação, mas é também
legitimado e autorizado nesta instância. Vale dizer que o discurso dos jovens Sem Terra não é
dissociável de seus lugares de enunciação; estão autorizados e legitimados para articular seus
discursos devido às posições que ocupam na condição de integrantes em formação militante
no MST, porém estão sujeitos a regras condicionantes do mecanismo de produção discursiva.
Assim, tudo pode ser dito dependendo das condições do dizer, dependendo das relações de
poder, do posicionamento e da sujeição que envolve os sujeitos do discurso.
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Para analisar a produção discursiva dos jovens Sem Terra, três conceitos tornam-se
essenciais: condições de produção, práticas discursivas e silenciamentos. Para Orlandi (2006),
“o conceito básico para a AD é o de condições de produção. Essas condições de produção
caracterizam o discurso, o constituem e como tal são objeto da análise.”( op. cit., p. 110). A
autora entende por condições de produção a relação entre sujeitos, situação e memória. Neste
sentido, a circunstância de produção do discurso “[...] é o contexto imediato. E se as
considerarmos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio
histórico, ideológico.” (ORLANDI, 2005, p. 30).
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identidade. Por este viés, procura-se compreender a subjetivação da juventude integrante do
MST no processo de objetivação de identidade, na qual os jovens, ao se identificarem - “Nós
somos militantes do MST” - revelaram seu pertencimento por meio de um pronome pessoal
(nós), da preposição (do) e da afirmação de uma verdade necessária (somos militantes). Mas
no grupo de 29 pessoas, por ocasião da entrevista coletiva, três se reconheceram na condição
de militantes, os outros se mantiveram em silêncio - embora todos estivessem se preparando
para assumir tal função. Tomar a palavra, como se sabe, é sempre um ato social que denota
identidade e, desta forma, ao enunciar algo, a pessoa se identifica. Por outro lado, observa-se
que, coletivamente não há negação da posição militante, há apenas a não declaração de tal
posição, a opção pelo silêncio.
Tomando por base tal compreensão, é interessante notar a tomada de posição nas
entrevistas individuais, pois os enunciados produzidos nestes eventos são reveladores de
identidades. Para se compreender quem são estes sujeitos e como se identificam, perguntou-
se na entrevista individual: Quem é você e quantos anos você tem? A esta questão,
responderam:
2. Eu vou dizer que sou do Movimento Sem Terra, meu nome é Fabrício, sou acampado
no município de Santa Teresa do Oeste, na antiga fazenda Singenta, agora
acampamento Terra Livre. Sou educando do curso técnico em agroecologia, sou
militante do Movimento Sem Terra e minha idade é 20 anos.
4. Sou Fernandez, sou paraguaio, tenho 24 anos e soy do... União de organização
el...Movimiento Campesino Paraguaio (MCP).viii
8. Leonardo
10. Kássia.
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Somente três dos dez jovens entrevistados disseram ser militantes, os demais se
identificaram com seus próprios nomes, não fazendo menção ao MST ou a luta, o que
demonstra qual é a identidade que se sobressai individualmente.
9
Nas entrevistas coletivas: Jovens (fala dos jovens); E (fala do entrevistador); pausa (pausas longas).
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Jovem: Pra mim é..., ser militante do Movimento Sem Terra é preencher aquele buraco
que eu havia falado no começo, que tem dentro de cada indivíduo. Preencher com um
ideal novo, com um objetivo novo, uma sociedade de esperança. Você tá sempre na
luta, você tá... você tem um ideal de vida, diferente que o capitalismo impõe para você.
Você criar seu próprio personalismo, você ser diferente.
Estes discursos, pela forma com que são expostos - em bloco, na íntegra - captam a
exteriorização do sentimento de militância. E, conforme é possível observar, as principais
características que identificam um militante, segundo suas interpretações, são o sentimento
de pertença; convicção para assumir a função que o MST determinar; defesa do Movimento;
capacidade de intervenção na realidade; desejo de uma sociedade diferente da capitalista;
entendimento dos princípios do Movimento, como um todo.
Sobre a interpretação, de acordo com a AD, é importante ressaltar que “esta é uma
marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade:
não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão
materialmente ligados” (ORLANDI, 2005, p. 47). Então, quando fala em “militante de verdade”,
o jovem apela para um tipo de sujeito que seria o verdadeiro militante e faz pressupor a
existência do militante de “mentira”, ou de sujeitos que não assumem a identidade militante;
sujeitos que não dão a vida pela causa social. A respeito da expressão “militante de verdade”,
conforme argumenta Orlandi (2005), tem uma estreita relação com a exterioridade da língua,
com as condições do dizer. No que se refere a este aspecto, informações colhidas com um
integrante esclarecem que dias antes da data da entrevista, dois alunos haviam abandonado o
curso para trabalhar em empresas da região, fato que, para alguns, pareceu traição, atitude de
quem não era “militante de verdade”.
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possa transformar o mundo, conforme ele mesmo destacou, ao responder à questão: O que é
ser militante para você?
Eu pra mim, eu.... represento uma esperança, uma esperança para humanidade até
mesmo, é um grãozinho de areia sendo criada para renovar a sociedade. Muita gente acha que
isso é mais uma esperança. Eu também acho, mas é a esperança do mundo novo. Eu
represento a esperança de um mundo novo. Não só eu, mas todos aqui estão pensando numa
nova sociedade, num mundo diferente, mais justo. Então...eu represento a esperança.
(Fabrício)
Para Leonardo ser militante representa “fazer parte de um Movimento”, ser parte de
algo, criar raízes, ter uma identidade reconhecida dentro e fora deste espaço, pelo seu olhar e
pelo olhar do outro. Ele contou que: “não parava em lugar nenhum. Foi o único lugar, única
coisa que me veio na ideia de eu fazer esse curso pra que eu parasse num lugar”. Leonardo
abandonou a casa dos pais e foi trabalhar para garantir sua sobrevivência, quando era menor
de idade. Por isso, morou em diferentes cidades, trabalhou de boia-fria, carpindo, colhendo,
dirigindo trator, etc. Agora espera ter sua própria terra, criar vínculos no MST.
O que representa pra mim? (Pensa alto) Ah...representa bastante coisa. Aqui o
militante do MST... eu não digo que vou ser militante [...]Mas aqui que você segue uma
formação pro resto da tua vida né. Aqui tu tem uma formação de sociedade (Manoel)
Militante é ser internacionalista. Principalmente é eso. Tem que ter esse pensamento
não somente de tu território, de tu país. A queston és global. Tu tem que olhar para outros
países, o que está acontecendo. É o sistema de dominação.[...]Tem que pensar no resto de
todos os países que tem no mundo também e a partir daí, a transformação seria possível.
(Fernandez)
Amparados pelos estudos da AD, explicitados por Orlandi (2005), pondera-se que as
condições de produção dos discursos de Fernandez não são as mesmas que a dos colegas,
ainda que compartilhe do mesmo contexto imediato (assentamento, aulas do curso de
agroecologia). Isto por que o contexto amplo contém aspectos que coadunam as
circunstâncias sócio-históricas e ideológicas da formação discursiva deste sujeito, cuja
experiência, em outros movimentos, reflete-se na forma de pensar a identidade militante e de
como é concebida a reforma agrária. Ao se pensar em condições de produção dos discursos,
salienta-se que o MST teve sua gênese na luta por reforma agrária, mas com o tempo ampliou
sua pauta de reivindicações e dedicou-se a formar militantes capazes de lutar por mudanças
sociais mais profundas que a reforma agrária.
10
Fernandez fala “portunhol”, não houve intervenção, tradução ou correção nas falas de nenhum deles.
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Silenciamentos e interdições nos discursos
Enquanto isso, dois deles: Manoel e Fernandez culpam o sistema capitalista pelo
controle da consciência e dos modos de vida da juventude. Já Fernando enfatiza que a redução
do número de participantes do curso deu-se por causa das etapas, da impossibilidade de
trabalhar para ganhar o próprio dinheiro; argumenta acerca das dificuldades das pessoas em
permanecerem num local em que a vivência é coletiva e que ele não estava acostumado a
viver daquela forma em seu município: “Mas lá tudo era individual, aqui tudo é coletivo”. Fala
da mudança de contexto, da vida que tinha antes e da falta de liberdade para sair. Além disso,
sobre a disciplina, esclarece: “as pessoas sentam com a gente para discutir”; porém Fernando
silencia quanto aos fatores que levam à expulsão.
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período de aulas, o MST exige que nos intervalos entre etapas sejam feitos trabalhos nos
acampamentos e assentamentos de origem de cada estudante, isto significa que não são férias,
mas sim um tempo de trabalho na “comunidade” aplicando a teoria à prática diária da
agricultura e da pecuária.
Leonardo e Laerte relatam que muitos foram expulsos por problemas indisciplinares,
mas não disseram quais problemas. Esclareceram que costumam ser avisados que “tal pessoa
está indo embora”, apenas isso, sem explicações.
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“morte do sujeito”. A condição de morte do sujeito e de nascimento do militante disciplinado.
Presencia-se tal condição na resposta à questão: Quais são seus planos para o futuro?
[...] se o Movimento, por exemplo, achar que eu devo fazer um curso em medicina, ou
achar que eu devo trabalhar no acampamento o resto da minha vida, eu vou cumprir.
(Fabrício)
[...] depende da necessidade, né, da tua base. Vou ter que trabalhar pra lá, né. Porque
nós somos a família... O MST decide. (Manoel)
Não obstante, salienta-se que isto não ocorreu apenas com as palavras, mas também
com as ações. A disciplina controla as ações por meio de horários rígidos estabelecidos pelo
MST, nas aulas em tempo integral, reuniões constantes e cronograma de atividades semanais
são importantes para ajustar sujeitos à disciplina. Um outro mecanismo usado para o controle
é o caderno de reflexão, cujo objetivo é ser um material de relatos diários dos sentimentos e
atitudes. O caderno é um material para registros pessoais, somente a coordenação pedagógica
do curso tem acesso a ele para a leitura semanal; a equipe, quando necessário, tece
considerações a respeito das anotações. Os trechos relatados abaixo são fragmentos de um
dos dias registrados:
11
Este jovem não está entre os dez da entrevista individual, portanto não foi dado nome fictício a ele, todavia como
seu “caderno de reflexões”, ao ser examinado, observou-se que continha anotações pertinentes, optou-se por
apreciá-las.
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[...] nesta reunião todos souberam uma notícia muito mal e triste porque há chance de
um companheiro ser desvinculado do curso. Então, por isso temos que dar o máximo de nós
em todas as atividades do curso. (Manoel)
Com um olhar mais atento, é possível ver que os três discursos tratam do mesmo tema:
a dificuldade de agir e se comportar como um militante, o desafio de ser um Jovem Sem Terra.
Um olhar que precisa ir buscar no cenário em que se estava inserido, em suas anotações,
compreender a opção pela linguagem figurada: “chance”, “desvinculado do curso”, “ser
militante é ser construtor”. Para entendimento do que se disse, indagou-se aos jovens qual era
o objetivo do caderno de reflexão, qual sua funcionalidade. Eles informaram:
Na verdade, reflito muito poco, as reflexões que fiz no começo foi mal interpretado,
então criei um trauma, às vezes só conto o que fiz no dia a dia (Laerte)
Ambos demonstraram preocupação com o que se pode ou não dizer, pois “eles” (era a
coordenação pedagógica do curso) interpretam de outra forma, ou a reflexão é “mal
interpretada”. São eles que leem os cadernos, por isso não foi relatado que um colega seria
expulso, ou excluído do curso, e sim “desvinculado”. Há, também, a preocupação da
construção da coletividade; o sujeito deve sentir-se como “construtor de uma ideia de
sociedade”, construtor da identidade Sem Terra.
Considerações finais
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assumidas pelos jovens12, entendimento que foi possibilitado pelo trabalho com a
materialidade linguística.
Diante dessas constatações, julga-se que não há como se constituir sujeitos com uma
identidade essencial, cuja única influência no processo de construção venha de um
movimento social, mesmo sendo um grupo tão expressivo quanto o MST. Além disso, o
próprio MST teve uma origem marcada e influenciada por diferentes discursos, tanto
religiosos como os da teologia da libertação e da Comissão Pastoral da Terra; quanto os
discursos políticos de partidos de esquerda. O processo de constituição de identidades
militantes não apaga construções identitárias anteriores, talvez as adapte ou insira a
militância em sujeitos que buscavam outras formações sociais.
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12
A dissonância entre os discursos das lideranças do MST e agricultores participantes do Movimento, também
constatada no estudo de doutorado da professora Suzi Lagazzi-Rodrigues, foi apresentada na tese: A discussão do
sujeito no movimento do discurso. 1998.
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A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE IDOSOS:
DISCURSOS CONTEMPORÂNEOS
Cristiane Schmidt1
Antônio Carlos Santana de Souza2
Introdução
A expectativa de vida das pessoas vem se acentuando gradualmente, de maneira que as
pessoas estão atingindo uma longevidade bem avançada, que alcança proporções com alta
visibilidade. Esse fenômeno está associado, inicialmente, à diminuição do índice de natalidade
e à redução da mortalidade infantil e, ao mesmo tempo, tem relacão com a melhoria das
condições socioeconômicas de vida e com os avanços recorrentes da medicina e da tecnologia,
contribuindo no nível e no ritmo do envelhecimento populacional CAMARANO, 2006; LEHR,
1999).
São comumente expressões que traduzem esse cenário, tais como ‘o Brasil está se
tornando um país de velhos’ ou ainda ‘estamos vivendo num mundo que está ficando grisalho’
(LEHR, 1999). Essa transformação demográfica representa um desafio para a família, a
sociedade, as instituições, as ciências, assim como para o próprio idoso e para cada pessoa.
Acerca da temática do envelhecimento humano e de suas implicações para a sociedade
e para a família, destacamos as obras clássicas de Simone de Beauvoir, A Velhice, no ano de
1970 e Memória & Sociedade: Lembrança dos Velhos, de Ecléa Bosi, em 1979. Essas
pesquisadoras já vinham tecendo múltiplas questões conceituais sobre a velhice e o papel dos
idosos, bem como alertando sobre a importância desses sujeitos, enquanto protagonistas de
histórias de vida.
Nesse sentido, ao longo do texto pretendemos apresentar alguns discursos pertinentes
à construção identitária, especificamente à identidade social do idoso, como aquela associada
às perdas intrínsecas do processo do envelhecimento, além da ‘Terceira Idade’, na perspectiva
da educação permanente.
1
Doutora em Letras pelo PPGLetras-UNIOESTE; Mestre em Educação pela UFRGS; Licenciada em Letras
Português/Alemão pela UNISINOS; Professora Colaboradora UNIOESTE/PR. Membro NUPESDD-UEMS. E-mail:
cris_lehrerin@hotmail.com
2
Doutor em Letras pela UFRGS; Mestre em Semiótica e Linguística Geral pela FFLCH-USP; Licenciado em Letras
Português pela FFLCH-USP; Professor Adjunto no Bacharelado em Letras da UEMS/Campo Grande. Docente
Permanente do PPGLetras-UEMS. Docente Colaborador no PPGLinguística-UNEMAT/Cáceres. Docente Colaborador
PPGLetras-UNEMAT-Sinop. Membro NUPESDD-UEMS. E-mail: acssuems@gmail.com
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Foco na(s) identidade(s): discursos em construção
O que se entende por construir a identidade? De forma intensa discute-se acerca da
constituição e do conceito de identidade. Especificamente, a constituição da identidade vem
ocupando destaque dentre diversos pesquisadores nos estudos linguísticos, sobretudo no
campo da Linguística Aplicada (LA), como em Moita Lopes (2011), Reis (2011), Bohn, (2005)
e Signorini, (2002); assim como nos Estudos Culturais Hall (2003) e Silva (2000). Entretanto,
tal noção implica, comumente, numa definição complexa, considerando seu caráter flexível e
dinâmico.
De maneira geral, no que se refere ao aspecto identitário, Bohn (2005) enfatiza que
todos os sujeitos, mesmo antes do nascimento, são ‘identificados’ pelos demais, atribuindo-
lhes uma identidade de gênero, etnia, classe social – o que concerne uma importância à
temática da constituição identitária no âmbito familiar e social. O autor destaca que a
identidade o ‘eu’ por ser sempre relacional, é feito daquilo que ‘o(s) outro(s)’ não é, ou seja, a
identidade está em constante relação com o outro e, entende-se que seja marcada pela
diferença/alteridade (BOHN, 2005).
Para Hall (2003), a identidade se forma, ao longo do tempo, mediada por processos
inconscientes, sendo que permanece sempre incompleta, estando sempre em construção. A
identidade não se caracteriza com algo inato e fixo, mas está sujeito a mudanças e pode ser
reposicionada. Essa definição entende a constituição identitária como em constante fluxo,
prestando-se a reformulações e manipulações. Em outras palavras: trata-se do entendimento
da identidade, enquanto uma construção social e histórica, sempre em processo, inacabada,
multifacetada, fragmentada e híbrida.
Nesse sentido, os estudos Hall (2003) demonstram que a identidade na atualidade se
forma, ao longo do tempo, mediada por processos inconscientes, sendo que permanece
sempre incompleta, estando sempre em construção. Logo, ela não se caracteriza com algo fixo,
mas está em constante fluxo, prestando-se a reformulações e manipulações.
Avançando na definição, Silva (2000) apresenta a identidade e sua interdependência
com a diferença, sendo ela resultante de práticas e criações linguísticas e socioculturais. Ou
seja, a afirmação da identidade e da diferença implicam necessariamente as operações de
incluir e excluir. A identidade parece ser uma positividade, como exemplo “Sou velha” –
característica que remete aquilo que eu sou. Em oposição à identidade, a diferença é aquilo
que o outro é: “Ela é jovem”. Dessa forma, a identidade e a diferença estão em relação de
estreita dependência.
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A afirmação “Sou idoso” esconde uma leitura “Não sou jovem ou criança”, “Não sou
adulto”, que são expressões negativas de identidade, de diferenças. Dizer o que somos
significa também dizer o que não somos. São pressupostos de mundo e valores culturais
implícitos nos enunciados carregados de significação.
Em relação a isso, Brandão salienta que:
A identidade pessoal nos é dada antes mesmo de nascermos, por meio das
normas da cultura, consubstanciadas mais concretamente em expectativas,
desejos e fantasias de nossos pais e demais familiares quanto ao nosso
comportamento e nossas realizações. Nossa identidade social vai se dando por
intermédio dos vínculos que vamos estabelecendo, ao longo da vida, com
grupos sociais de diversas naturezas, como grupos étnicos, religiosos,
estudantis, profissionais, de militância política, etc.
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comuns com posições sociais semelhantes. Trata-se de uma representação relativa à posição
no mundo social e, portanto, está intimamente vinculada às questões de pertencimento. A
identidade social constitui-se mediante os diversos vínculos que os sujeitos estabelecem ao
longo de suas vidas com os grupos sociais de diversas naturezas, tais como os grupos étnicos,
religiosos, estudantis, profissionais, de militância política.
Para Ferrigno (2006, p.12) “nossa identidade social vai se dando por intermédio dos
vínculos que vamos estabelecendo, ao longo da vida, com grupos sociais de diversas
naturezas, como grupos étnicos, religiosos, estudantis, profissionais, de militância política,
etc”. A identidade é, dessa forma, marcada pela diferença diante da convivência de diversas
pessoas e culturas em um mesmo espaço geográfico.
Mas a identidade social não diz respeito unicamente aos indivíduos. Todo grupo é
dotado de uma identidade que corresponde a sua definição social, definição que permite
situá-lo no conjunto social. A identidade social é, ao mesmo tempo, inclusão e exclusão: ela
identifica o grupo e o distingue de outros grupos.
Para Gusmão (2003, p. 15-6, grifo do autor):
Fixar uma determinada identidade como norma é uma das formas privilegiadas da
hierarquização das identidades e diferenças. Hall (2003) explica que dar uma norma a
determinada identidade implica em considerá-la positiva, sendo que as demais identidades,
em confronto com a mesma, terão um caráter negativo.
Outro aspecto pertinente à identidade consiste na sua conexão com as relações de
poder. Conforme Foucault, as identidades são construídas a partir da forma como são
inscritas nas relações discursivas de poder. Ao passo que o poder constrói identidades sociais
através de discursos que legitimam regimes de verdade, a resistência também é constituída
pelo poder (FOUCAULT, 1981).
Dentro da tipologia da identidade, destacamos também, a identidade cultural - a que
tem como fundamento a origem, as raízes, aquilo que define o sujeito de maneira autêntica, ao
mesmo tempo, caracteriza-se como aquela que configura o sujeito contemporâneo marcado
pelo hibridismo.
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Em toda parte, estão emergindo identidades culturais que não são fixas, mas
que estão suspensas, em transição, entre diferentes posições; que retiram
recursos, ao mesmo tempo, de diferentes tradições culturais; e que são o
produto desses complicados cruzamentos e misturas culturais que são cada
vez mais comuns no mundo globalizado (HALL, 2003, p. 88).
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Ao mesmo tempo, a velhice se constitui numa experiência heterogênea, o que implica
em constatar a existência de diferentes formas de se vivenciar o envelhecimento humano
(CAMARANO, 2006; DEBERT, SIMÕES, 2006).
Considerando esse segmento populacional enquanto uma construção social, é
fundamental considerar que “a velhice não poderia ser compreendida senão em sua
totalidade; ela não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural” (BEAUVOIR
1990, p. 20).
Corroborando com essa discussão, Both (2005) nos alerta para o fato de que a
concepção da visibilidade social das pessoas mais velhas, enquanto sujeitos, ou precisamente
uma identidade/categoria social detentora de desejos, necessidades, direitos e deveres, de
papéis sociais e de status, que implica uma modificação na organização institucional, está
ainda em processo formativo.
Nesse sentido, a sociedade atual, ao cultuar os valores da produtividade, da inovação,
da juventude e do consumo, produz uma imagem negativa do idoso, associada, geralmente a
algo ultrapassado, descartável, sem serventia e caracterizada com um processo contínuo de
perdas físicas, psíquicas e sociais.
Reiteramos que a velhice, enquanto grupo etário está em constante processo de
reconhecimento e estabelecimento de relações com o “outro” que lhes serve de mediador.
Considerando que, na sociedade contemporânea e de cultura ocidental, muitas vezes, aqueles
considerados os “outros”, são destituídos de direitos individuais e sociais, devido a suas
diferenças. São considerados marginais – velhos - aos quais não damos direito à fala e com os
quais não queremos aprender. Ou melhor: o velho já não é mais – adulto, capaz, produtivo
(Gusmão, 2003).
No momento em que fazemos menção ao grupo de idade, necessariamente implicamos
adequação a uma norma e, portanto, procuramos não fugir aos modelos sociais instituídos.
Para Magro (2003, p. 35):
Assim, visando não estarmos presos a uma idade ou a um grupo etário, vislumbramos
alguns atos transgressivos que se traduzem como uma possibilidade de entrar em contato
com o diferente, o estranho, ou o(s) outro(s). Ao passo em que lançamos um olhar mais
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flexível em relação aos comportamentos sociais prescritos dos grupos etários e de suas
formas de estar no mundo, podemos visualizar a possibilidade do confronto com o diferente.
[...] uma nova proposta de envelhecer e que podem estar sintetizadas no termo
terceira idade, classificado socialmente como mais livre dos constrangimentos
negativos da morte e da decadência humana. [...] Neste contexto, a
representação da velhice negativa é substituída por uma imagem positiva no
discurso de especialistas em envelhecimento na área médica, psicológica e na
gerontologia, e hoje, na sociedade como um todo (BARROS, 2004, p.48-9, grifo
do autor).
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Educação Permanente: possibilidade de reconstrução identitária social do idoso?
Até quando o ser humano deve educar-se? A resposta para essa inquietação advém dos
fins educativos, pois que, se a finalidade educativa estiver centrada no processo de
humanização, da formação integral do sujeito, bem como na integração e transformação
social, implicará, por conseguinte, num processo educativo permanente.
O contexto atual, marcado pela necessidade de renovação constante dos
conhecimentos e das competências - conhecida como a sociedade do conhecimento – justifica
uma educação permanente, isto é, uma educação que se prolonga durante toda a duração da
vida. Paradigma esse que pode ser estendido numa concepção de uma educação entre as
gerações, mediado pela relação de cooperação e de reciprocidade.
Conforme Palma e Cachioni (2006) a educação permanente se traduz numa tarefa,
num direito, assim como é um dever ao longo da vida. Sempre existe a possibilidade,
independente da idade cronológica ou da época, de se almejar uma educação que não se
conclui, visto que o ser humano é um projeto inacabado.
A educação permanente traduz-se como sendo uma necessidade de renovação cultural
e, acima de tudo, uma exigência nova, da autonomia dos sujeitos de uma sociedade em
constante transformação e atualização.
Uma das premissas do projeto de educação para toda a vida centra-se, portanto, na
necessidade de a pessoa sempre aprender. Isso corresponde, conforme a perspectiva
ontológica do ser humano, à existência humana que surge com a esperança de um
desenvolvimento contínuo, ao longo de toda a vida, pois que o homem é um projeto
inacabado.
Pautado no relatório de Delors (1999), sob o título Educação – Um Tesouro a
Descobrir, a educação é uma construção contínua da pessoa humana, para toda a sua vida e
deve ser um instrumento de conscientização do ser humano e do meio, assim como auxiliá-lo
a desempenhar o papel social que lhe cabe no mundo do trabalho e na comunidade.
Nesse mesmo texto, constam os pilares da educação para o século XXI, quais são:
aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, princípios que se
aplicam na educação, tanto na esfera formal e não formal, como na informal. No mundo atual,
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aprender a conviver, traduz-se num importantíssimo aprendizado, visto que desenvolve a
percepção de interdependência dos indivíduos, auxilia a administrar conflitos, a participar de
projetos comuns e a ter prazer no esforço comum.
Nessa perspectiva, insere-se o princípio da interatividade, no sentido bidirecional na
comunicação do saber e do aprender, pois que o processo educativo envolve a interação com
outros indivíduos e a interferência direta ou indireta deles. Trata-se de propor diálogos,
interação comunicativa e a participação dos sujeitos envolvidos no processo educativo.
Ao mesmo tempo, o contexto atual, marcado pela necessidade de renovação constante
dos conhecimentos e das competências - conhecida como a sociedade do conhecimento –
justifica a educação permanente. Segundo Palma e Cachioni (2006) “é uma exigência nova, de
autonomia dinâmica dos indivíduos numa sociedade em constante transformação. (...) as
pessoas adultas e idosas precisam recorrer, constantemente, aos seus conhecimentos e
capacidades de discernimento para poderem orientar-se, pensar e agir” (PALMA; CACHIONI,
2006, p. 1102). É preciso que se aprenda de forma constante, na interação e mediação com os
outros e cumulativamente.
A importância de um processo educacional continuado, segundo Oliveira (1999),
inscreve-se no inacabamento do sujeito, visto que, diferentemente de outras espécies, o ser
humano nasce prematuro física e psiquicamente, implicando num constante processo de
construção, de aprendizagem, até seu último suspiro. “A educação tem caráter permanente. A
educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado” (FREIRE,
1983, p. 28).
Face às exigências da sociedade que se impõe, fazem-se necessárias respostas de cunho
familiar, social e institucional que correspondam às necessidades de atualização constante de
conhecimentos e competências para pessoas mais velhas, a fim de que possam acompanhar as
transformações políticas, econômicas e culturais de uma sociedade cada vez mais complexa,
com novas linguagens e tecnologias.
No entanto, numa época em que o conhecimento se transforma dentro da mesma
geração, o que o idoso pode ensinar para a criança? Diante da transitoriedade e efemeridade
humana, qual é o sentido da vida e da história de pessoas com idades avançadas? Como, numa
época em que o conhecimento se transforma dentro da mesma geração, o idoso poderá
ensinar para o jovem?
Reconhecemos que se estamos diante de um fenômeno novo na história da
humanidade: pela primeira vez, geralmente as pessoas mais novas têm mais conhecimento do
que os adultos e os mais velhos. Toda a tecnologia contemporânea, a produtividade, os valores
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dominantes estão associados à juventude. Os velhos possuem outro tipo de conhecimento.
É o que bem enfatiza Medeiros (2004, p. 188): “Os netos ‘sabem’ mais do que os avós.
Nas famílias, o lugar dos mais velhos, que sabiam mais “das coisas da vida”, foi sendo ocupado
pelos mais jovens, que dominam o manejo de aparelhos e computadores com extrema
destreza”.
Na atualidade, fala-se muito na transitoriedade dos discursos provisórios, na
multiplicidade de informações, na efemeridade humana e há uma finitude quase absoluta. A
sociedade vai descartando tudo e sugere que tudo é redundante. Aprende-se que nada mais é
consistente, válido. “Uma das características do estilo de vida atual é a velocidade dos eventos
e a fragilidade dos relacionamentos. Vive-se correndo, há uma sensação permanente de
transitoriedade”. (Medeiros, 2004, p.187).
É essencial oportunizar situações que traduzam a experiência acumulada ao longo da
vida dos idosos, como também momentos para manifestação de suas preocupações ou
expectativas. A partir do momento em que se oportuniza, no contexto familiar, bem como em
outros espaços de convívio entre gerações, o confronto das ideias, o diálogo, existe a
possibilidade do reconhecimento. O idoso passa a perceber que tem importância e que está
sendo ouvido, seja no contexto familiar ou social.
No que tange especificamente na educação para com esse segmento social, entendemos
que deva ser crítica e contextualizada, como forma de eliminar as desigualdades e produzir
compreensão do que significa ser velho na sociedade. Essa prática pedagógica deve permitir
que o sujeito idoso entenda o que o limita e o condiciona, a fim de viver novas experiências e
crescer, além de entender melhor o seu entorno. Trata-se de promover o desenvolvimento de
novas habilidades e de novos horizontes (PALMA; CACHIONI, 2006).
Conforme Doll (2004), o mundo atual vem demonstrando a tendência de maior
interação e integração entre as diferentes ciências, característica que se aplica, de
sobremaneira, em relação à gerontologia e que não deve ter uma conotação negativa. A
gerontologia vem apresentando vínculos com em outras áreas de saber, e mesmo os
profissionais e estudiosos que buscam o esclarecimento em pesquisas estão assentados em
áreas que mais proximamente dizem respeito ao envelhecimento.
A diversidade de estudos e de interesses, a abordagem multidisciplinar e
interdiciplinar não inibe o desenvolvimento da ciência do envelhecimento, ao contrário,
legitima a compreensão de um novo (BOTH, 2005). “E, dessa forma, fazendo analogia à
heterogeneidade do processo de envelhecimento e das pessoas idosas, cujo bem-estar deve
ser a razão maior de toda e qualquer pesquisa gerontológica” (DOLL, 2004, p.100).
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Entendemos que toda prática pedagógica deva oportunizar o desenvolvimento integral
da pessoa, permitindo sua integração na sociedade, com vistas a uma participação proativa. A
educação em sua totalidade vem ao encontro com a luta pela desmarginalização da pessoa
mais velha e, por conseguinte, sua inclusão social e seu empoderamento, seja em âmbito
familiar, institucional e social.
Nesse sentido, a inclusão social apoia-se num apelo à tolerância e ao respeito para com
a diversidade e a diferença, como a etária. A posição social e pedagogicamente recomendada
vai ao encontro dessa perspectiva, considerando vários benefícios. Dentre esses, o aumento
da autoestima dos sujeitos excluídos, o auxílio na construção de uma sociedade mais solidária,
aceitação dos outros e o desenvolvimento do apoio mútuo.
A diversidade, no âmbito educativo, requer uma aprendizagem contínua, na qual todos
aprendem a compartilhar novos significados e novos comportamentos de relações entre as
pessoas. Trata-se de uma nova maneira de educar que parte do respeito à diversidade como
valor e que se mostra como novo paradigma, desafiando os profissionais da educação, a
comunidade escolar e a sociedade democrática.
Ao mesmo tempo, ter a oportunidade de exercitar e de se desenvolver continuamente,
além de inserir-se em espaços destinados a pessoas de outras faixas etárias, expressa-se
enquanto uma possibilidade para a reconstrução da identidade social da pessoa idosa. Assim,
reafirmamos a importância de as pessoas mais velhas terem uma educação permanente, com
ações educacionais e políticas voltadas para o encontro de novas e constantes
(re)significações para suas vidas.
Considerações finais
A percepção do sujeito e de sua identidade pessoal e social decorrente da experiência
em relação à diversidade de modos de significar o mundo e do convívio com pessoas de idades
distintas, promove uma relação mais crítica com a realidade, assim como forma sujeitos mais
tolerantes e flexíveis.
Essa tolerância se faz necessária, de modo particular, em se tratando do idoso, no
sentido de mudar a postura marcada pela sua desvalorização e marginalização. Visando-se
uma velhice digna, bem sucedida e vivenciada em sua plenitude, é fundamental a sua inserção
em contextos sociais e culturalmente valorizados.
Contextos esses que propiciem a liberdade de expressão e o resgate da experiência de
vida do idoso. São, por conseguinte, as salas de aula, os grupos de convivência e os projetos de
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terceira idade, criando oportunidades para que as pessoas idosas possam socializar seus
sentimentos, uma tarefa vital no processo de educação com esse segmento populacional.
Destacamos que a luta pela cidadania do idoso no Brasil tem se constituído em objeto
de discussões e investigações, porém, muito ainda está por fazer. Dessa forma, cabe à
educação para a velhice, a aceitação da idade, como também um recurso para a reconstrução
da identidade social do idoso, no âmbito familiar e social.
Os projetos de cunho institucional voltados para esse segmento social qualificam-se
como uma forma significativa e efetiva de inclusão da população idosa, enquanto projeto de
uma educação permanente, mesmo em idades bastante avançadas. Ao mesmo tempo, essas
ações representam modo de educar o olhar de todas as pessoas mais jovens para que passem
a considerar o envelhecimento e a finitude da vida como algo natural da existência humana.
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PARTE 4
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 159
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O GÊNERO MIDIÁTICO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA,
DISCURSO E ENSINO: UM OLHAR PARA O LIVRO
DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Introdução
Introdução
As aulas de Língua Portuguesa no cenário brasileiro têm cada vez mais aberto espaço
para um currículo centrado nas práticas sociais de linguagem e suas heterogeneidades.
Seguindo as orientações curriculares oficiais dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
1998), trata-se de considerar as práticas sociais nas quais estejam inseridos para: “conhecer a
linguagem própria desse meio, analisar criticamente os conteúdos, identificando valores e
conotações que veiculam, fortalecer a capacidade crítica e produzir interagindo com os
meios. ” (BRASIL, 1998, p. 32).
1
Mestranda em Letras, Estudos Linguísticos, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de
São Paulo. e-mail: calciene@yahoo.com.br
2
Mestranda em Letras, Estudos Linguísticos, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de
São Paulo. Bolsista CNPq. e-mail: jessicamaximo@gmail.com
3
Professor Adjunto de Língua Portuguesa no Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo e do
Programa de Pós-Graduação em Letras na mesma Universidade. e-mail: vitha75@gmail.com
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 161
Diante de uma nova configuração dos novos perfis dos alunos, dos professores e das
demandas sociais presentes e futuras em geral, constitui-se um ensino de Língua Portuguesa
mais preocupado com a realidade prática, que enfatiza, principalmente, gêneros que circulam
na comunicação de massa e nas mídias.
E, nesse sentido, há uma tendência de inserir nos livros didáticos gêneros que possam
se aproximar da realidade do aluno, na tentativa de tornar o processo de ensino-
aprendizagem mais significativo. O livro didático, ainda que apresente uma série de
problemas, os quais não se constituem como objeto de discussão neste artigo, ainda é um
importante aliado do professor na sala de aula. Trata-se de um gênero discursivo que
possibilita grande interação na sala de aula, auxilia nas atividades de leitura e produção
textual e, quando bem utilizado pelo professor, torna-se um aliado em todo esse processo.
Desta forma, textos de diferentes gêneros são selecionados, adaptados e didatizados
para elaboração de diferentes atividades de leitura, escritura, oralidade e análise linguística
presentes nos livros didáticos, tendo em vista, principalmente, as prescrições oficiais de um
lado e os estudos sobre os gêneros do discurso de outro.
Objetivamos, neste artigo, uma reflexão sobre a atividade de produção textual trazida
em um livro didático de língua portuguesa, a partir do trabalho com o gênero textual
midiático artigo de divulgação científica e sua importância no processo de ensino-
aprendizagem, considerando os aspectos linguístico-discursivos.
Para atingir o objetivo proposto, dividimos o artigo em duas grandes partes. Na
primeira, apresentamos, brevemente, algumas considerações sobre o livro didático e o
gênero discursivo midiático de divulgação científica no processo de ensino-aprendizagem. Na
segunda, trazemos a análise linguístico-discursiva de atividades de produção textual
apresentadas em um livro didático, a fim de evidenciar em que medida elas colaboram para a
formação de um sujeito de discurso e o desenvolvimento da competência escritora do aluno.
Evidentemente que, tendo em vista o limite do artigo e a complexidade do assunto,
não temos a pretensão de trazer soluções definitivas para o que propomos, mas evidenciar
algumas reflexões sobre como a inserção do gênero midiático em sala de aula pode contribuir
para a formação de um aluno crítico.
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Na década de noventa do século XX, quando foram lançados os PCN (1998), já
havia essa preocupação. O documento oficial afirma que
O ensino de Língua Portuguesa tem sido, desde os anos 70, o centro da
discussão acerca da necessidade de melhorar a qualidade de ensino no país. O
eixo dessa discussão no ensino fundamental centra-se, principalmente, no
domínio da leitura e da escrita pelos alunos, responsável pelo fracasso escolar
que se expressa com clareza nos dois funis em que se concentram a maior
parte da repetência (…) (BRASIL, 1998, p. 17)
4
Assim como Baltar (2010), entendemos os gêneros midiáticos como atividades significativas de linguagem que
abrangem as mídias que circulam na sociedade, como programas radiofônicos, notícias jornalísticas, textos de
divulgação científica, entre outros, “adaptados criativamente pela circunstância única da produção no contexto
escolar” (p.182)
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alunos de desenvolvimento crítico, tornando-se protagonistas da sociedade em que vivem.
Considerada a maior agência de letramento da sociedade atual, é na escola que crianças e
jovens permanecem por um período de tempo significativo de suas vidas. Entretanto,
segundo Baltar (2010):
A mídia (tevê, rádio, jornal impresso, portais de comunicação na internet,
blogs etc.) “concorre” cotidianamente com a escola, família, igreja entre outras
instâncias sociais, para a formação individual e social (psicológico-cognitiva e
sociodiscursiva) dos sujeitos, enquanto instância social produtora e
reprodutora de discursos. (BALTAR, 2010, p.180)
Nesse sentido, Citelli (2000), Consani (2012) e Barbosa (2005) refletem que quando a
instituição escolar insere a mídia na escola está investindo na construção do saber, do
pensamento crítico, do prazer de conhecer e criar, portanto, trata-se de uma metodologia
inserida na missão educativa das escolas, não só para utilização, mas principalmente como
instrumento que promove problematizações que envolvem o uso da mídia.
Os textos de divulgação científica, quando abordados em sala de aula, geralmente estão
associados aos livros didáticos. A utilização desse gênero midiático possibilita aos alunos a
reflexão sobre debates que ocorrem em relação a temas pertencentes a ciência e tecnologia,
por exemplo.
A divulgação científica tem por finalidade permitir que a população alcance estes
conhecimentos científicos e tecnológicos que permeiam a sociedade, através de uma
linguagem mais acessível. Desta forma, Authier (1998) caracteriza o texto de divulgação
científica sendo “uma atividade de disseminação, em direção ao exterior, de conhecimentos
científicos já produzidos e em circulação no interior de uma comunidade mais restrita.” (p.
107). Nesta mesma perspectiva, Orlandi (2001) considera a divulgação do discurso científico
como uma transferência de uma linguagem especializada para uma linguagem não
especializada, ou ainda segundo Loureiro (2003), a divulgação científica está “voltada à
circulação de informação em ciência e tecnologia para o público em geral” (p. 90). Em outras
palavras, o texto de divulgação científica é um artigo, pesquisa, relatório etc., reescrito de
forma que pessoas distantes desse universo da linguagem científica possam obter
determinados conhecimentos científicos das mais diversas áreas.
Defender este gênero midiático em sala de aula é levar em consideração algumas das
vantagens em sua utilização, como proporcionar ao aluno uma aproximação ao discurso
científico, uma integração ao mundo que amplia a visão de ciência e cultura, entre outras.
Posto isto, com as novas demandas do ensino e o desenvolvimento da sociedade, os autores de
Livros Didáticos trazem em suas obras uma maior diversidade de gêneros midiáticos, como os
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de divulgação científica, que podem aparecer acompanhados de imagens, infográficos, mapas
etc.
Deste modo, surge a necessidade de compreendermos por que e como textos de
divulgação científica foram escolhidos e adaptados, por exemplo, nas atividades de práticas de
escrita nos Livros Didáticos de Língua Portuguesa, visando refletir se as atividades capacitam
os alunos a se posicionarem criticamente sobre os diversos temas científicos que permeiam a
sociedade com vistas à “questões sociais, econômicas e ambientais associadas ao
desenvolvimento científico e tecnológico. ” (ALBAGLI,1996, p. 397), levando em consideração
que uma grande parcela de alunos possuem o Livro Didático como um dos poucos recursos de
acesso à leitura e informação.
5
A ideia do dialético, dialógico e ideológico vem do fato de conceber a sala de aula como um espaço discursivo
democrático em que ocorre um embate de vozes, caracterizando os aspectos da polifonia.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 165
O discurso não se trata apenas de uma transmissão de informação, uma vez que coloca
em funcionamento sujeitos e sentidos. Por meio do discurso, é possível perceber o
posicionamento do enunciador.
E, dentro da esfera discursivo pedagógica, vários são os gêneros que se manifestam.
Dentre eles, o livro didático. De acordo com Batista (2009, p. 41), o livro didático seria “aquele
livro ou impresso empregado pela escola, para o desenvolvimento de um processo de ensino
ou de formação”. Mas é, também, a imagem digital presa a uma tela de computador, o livro
digital, por exemplo.
Sem entrar na discussão sobre o conceito de livro didático, dada a complexidade, nós o
consideramos como um gênero do discurso híbrido e intercalado (Bunzen e Rojo, 2005), uma
vez que traz em seu interior outros gêneros, dialogando com outras vozes e outros estilos, o
que caracteriza um aspecto multimodal.
O livro didático, gênero discursivo multifacetado (Buzen, 2010), desempenha um papel
importante no processo de ensino e aprendizagem, pois ele é uma das principais fontes de
produção, transmissão e apropriação de conhecimentos, sobretudo por aqueles cuja
circulação fica a depender da escola.
Batista e Rojo (2005) realizaram um estudo da arte das pesquisas sobre o livro
didático no Brasil entre 1975 e 2003 e chegaram a conclusões de que corroboram com a
discussão que realizamos neste artigo. De forma geral, as pesquisas sobre o livro didático
apresentam um aspecto mais sincrônico do que diacrônico, ou seja, concentram-se mais na
análise de conteúdos e metodologias de ensino; elas não se atêm aos aspectos sócio-históricos
para compreensão desse objeto de investigação. Revelou-se justamente que o Programa
Nacional do Livro Didático – PNLD – passou a considerar o livro didático como um objeto de
investigação a partir da produção, circulação e consumo, considerando a avaliação do
Ministério da Educação.
Assim, há um movimento em tentar compreender o LDP em várias dimensões e
complexidade. Não é mais possível não considerar que há um envolvimento da autoria no
processo de elaboração do LDP, assim como de agentes envolvidos na produção e
distribuição, que interferem (in)diretamente no conteúdo a ser trabalhado. É preciso, então,
compreender o livro didático sob o ponto de vista de um projeto didático autorial (Rojo,
2005) e do hibridismo de outros gêneros que circulam na escola nos séculos XIX e XX
(manuais de Retórica, Gramáticas e Antologias).
Há todo um projeto didático autoral que se revela pela construção marcada por
intercalações, interdiscursividade e intertextualidade do texto didático, o que envolve, sem
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dúvida, estilo. Essa questão nos leva a compreender o livro didático como um gênero
discursivo híbrido que se forma a partir do discurso científico, didático e cotidiano. O livro
didático é mais do que um suporte de textos, mas uma construção discursiva do ambiente
escolar, em interação com outros discursos. Trata-se, assim, de um enunciado que está
intrinsecamente relacionado às esferas de produção e circulação e que, desta situação
histórica de produção, retira seus temas, formas de composição e estilo. (BAKTHIN, [1953],
2003).
Ao discutir o papel do LDP para a construção das práticas sociais, para a construção da
imagem da língua, por exemplo, o linguista pode buscar elementos teórico-metodológicos que
permitam melhor descrever os modos de inserção e funcionamento dos materiais escolares
escritos no campo sóciocultural e político. Para isso, é preciso considerar o LDP como um
objeto multifacetado, como afirmamos, o que implica a construção de um processo
metodológico processual, ou seja, “por ações orientadas mais por um plano que por um
programa fixo pré-montado, por ações orientadas e gradativamente reordenadas em função
dos meios, interesses e obstáculos em jogo”. (SIGNORINI, 1998, p. 103).
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Figura 1
O texto de divulgação científica apresentado no LDP foi escrito por um médico, circulou
na internet. É possível observar que o enunciador usa alguns termos específicos da ciência e
possui uma linguagem acessível para um público bem diversificado. Nesse sentido, atinge o
público-alvo, ou seja, alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II, no caso do livro didático que
constitui o corpus deste artigo.
É abordada a temática da obesidade. O texto expõe a ação dos hormônios no controle
do apetite e seus possíveis efeitos no corpo humano., considerando que há uma taxa
significativa de crianças e jovens que estão acima do peso. O LDP aborda uma temática bem
interessante, cujo tema é atual e merece reflexões na sala de aula.
Adotar nas propostas de ensino-aprendizagem o gênero divulgação científica pode ser
uma oportunidade para a escola trazer informações da ciência para a sala de aula, abordando
assuntos que contribuam para a formação dos sujeitos críticos, sujeitos de discurso. Mas, ao
trazer essa linguagem para o contexto escolar, o professor precisa ter clareza de que o
objetivo não é formar especialistas no assunto, mas sujeitos críticos e capazes de
compreender esse discurso, posicionando-se, colocando seu ponto de vista, valendo-se de
argumentos que possam persuadir seus enunciatários.
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A proposta de produção textual efetivamente aparece na subseção “Agora é a sua vez”.
Nela, solicita-se que o aluno desenvolva um texto de divulgação científica, cuja temática é a
obesidade, como podemos observar na figura 2 a seguir.
Figura 2
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Outro ponto, não menos importante, é a concepção de professor e de aluno que
permeia esse discurso. Não são vistos como sujeitos, mas como instrumentos executores de
tarefas. Ele se coloca como um discurso detentor de um saber e de um conhecimento superior
ao do professor e do aluno e que deve ser apreendido por ambos.
O texto de divulgação científica, quando escrito por especialistas no assunto
geralmente, tende a possuir as características de artigo, mas quanto escrito por jornalistas
pode aparecer no formato de notícia, reportagem, dentre outros gêneros.
O LDP apresenta inicialmente o artigo de divulgação científica e depois traz um painel
de textos com informações do universo científico. Mas o aluno não é orientado a notar as
diferenças existentes no formado e na linguagem desses diversos gêneros. Não há uma
preocupação da atividade proposta pelo livro didático de mostrar ao aluno a variação de
estrutura de acordo com o gênero, ainda que trate do mesmo assunto. Desse modo, aspectos
importantes tanto do gênero como para a construção do conhecimento não foram explorados
na atividade proposta.
Como podemos observar no enunciado da atividade, o qual orienta o aluno a
desenvolver a produção textual, demonstra preocupação quanto a necessidade do aluno
dominar a estrutura do gênero: introdução, desenvolvimento e conclusão, embora afirme que
o roteiro é uma sugestão.
Assim, o livro didático inova ao contemplar nas suas propostas de ensino-
aprendizagem o gênero divulgação científica, mas, no que tange as propostas de produção
textual, ainda está muito próxima da redação tradicional, em que a partir de um tema dado o
aluno precisa estruturar o texto.
Nesse sentido, a ideia não é incentivar o aluno a pesquisa nem desenvolver as
habilidades da escrita, mas serve apenas para a escola desenvolver a temática proposta pelo
LDP e cumprir tarefas escolares.
No processo de ensino-aprendizagem, ao propor uma atividade de produção textual, os
objetivos precisam estar bem definidos. Na atividade proposta poderia considerar a
possibilidade de o aluno pesquisar sobre outro assunto, em vários meios/suportes, buscar
compreender a intertextualidade/interdiscursividade do gênero, os aspectos multimodais que
a maioria desses textos de divulgação científica possuem, são pontos importantes que não
podem deixar de ser abordados no processo de ensino-aprendizagem.
No final da proposta de produção textual o aluno é “informado” da possibilidade de
divulgar o texto em um outro meio, que não o mural da classe. Na perspectiva dialógica da
linguagem para elaborar um texto, o enunciador precisa ter o quer dizer, para quem dizer,
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como dizer, qual suporte colocará em circulação, qual o gênero que melhor atenda aos
objetivos propostos.
Nesse sentido, essa sugestão no final da proposta se torna equivocada, uma vez que o
texto produzido para circular em um jornal impresso possui uma linguagem diferente de um
texto produzido para publicação em uma revista especializada no assunto. Portanto, para que
produza efeitos de sentido, a linguagem empregada na produção do texto precisa está
adequada ao perfil do leitor.
A revisão é uma etapa do processo de construção do texto muito importante, pois leva
o aluno a leitor do seu próprio texto. A reescrita do texto é uma importante prática para
aqueles que almejam dominar a modalidade escrita da língua, pois permite ao aprendiz
compreender o próprio processo de construção do texto. Constitui-se em uma atividade que
permite ao aluno fazer correções, checar as características estruturais do gênero, verificar se a
linguagem utilizada está de acordo com o perfil do leitor e com as exigências do gênero
discursivo, dentre outros aspectos.
A proposta de produção textual apresenta um boxe, que funciona como uma lista de
critérios que devem ser utilizados pelo aluno para conferir o texto. Vale destacar que o
processo de produção textual envolve aspectos cognitivos, conhecimento enciclopédico do
sujeito, processos inferências, escolha de estratégias linguístico-discursiva que melhor
atendam aos objetivos propostos.
Figura 3
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Como afirmamos anteriormente, trazer para as propostas de ensino-aprendizagem o
texto de divulgação científica é interessante, mas o objetivo não pode ser formar especialistas
no assunto, mas sujeitos críticos, que consigam articular os mecanismos linguístico-
discursivos, capazes de demonstrar o domínio do gênero discursivo pelo autor, no caso, o
aluno. O importante é que o aluno tenha consciência da necessidade de organizar as partes do
texto, que devem ser coesas, uma vez que dela depende o todo.
Nesse sentido, para que essas atividades sejam significativas para os sujeitos
envolvidos no processo educativo, faz-se necessária a mediação do professor, organizando os
conteúdos, as sequências das atividades e a metodologia de ensino, exercendo a função de
mediador nessa prática de (re)escrita de texto.
Considerações finais
Durante o processo de ensino-aprendizagem, vários são os gêneros trabalhados em
sala de aula, os quais estão presentes no livro didático, gênero que procura dialogar com
situações mais próximas da realidade do aluno. Nessas atividades, exigem-se do aluno o
conhecimento e a articulação de vários recursos linguísticos que visam à ampliação de sua
competência comunicativa.
Apresentamos a análise de propostas de atividades de produção textual de uma
coleção de livro didático aprovada pelo PNLD de 2014 e, por meio dessa análise, foi possível
perceber que há uma preocupação do livro didático trazer atividades com gêneros discursivos
que se aproximam da realidade do aluno. No entanto, como demonstramos, ainda existe uma
preocupação muito grande com a forma, ficando o conteúdo e um posicionamento crítico em
segundo plano.
Evidentemente que, se fizermos uma comparação entre esta coleção e algumas
apresentadas há alguns anos, é perceptível a transformação no enfoque dado ao ensino de
língua portuguesa, a preocupação que demonstram em evidenciar a necessidade de o aluno
articular as diferentes linguagens que constituem determinados gêneros.
Inserir gêneros discursivos midiáticos em proposta de produção textual de livro
didático, em especial aqueles de divulgação científica, é um salto qualitativo muito
importante. No entanto, não se pode apenas introduzir esses gêneros preocupados com a
estrutura que eles apresentam; precisam se tornar objetos de ensino de língua, a fim de
despertar no aluno um olhar crítico para as questões temáticas e estruturais que eles
apresentam; observar que os gêneros discursivos necessitam dessa articulação forma e
conteúdo para que se tornem um todo significativo.
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ESTUDO EXPLORATÓRIO DOS USOS DO ADVÉRBIO EM
UM TEXTO DE LIVRO DIDÁTICO: PERSPECTIVAS PARA O
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Introdução
Os profissionais da área da linguagem sabem que a gramática de uma língua constitui
“o próprio sistema de regras da língua em funcionamento” Neves (2003, p. 40); em
consequência, parece óbvia a importância do trabalho com gramática em sala de aula.
Devemos considerar, no entanto, que o ensino de gramática deve levar em conta o
funcionamento da língua, na forma como a utilizamos na vida. Desse ponto de vista,
assumimos com Travaglia (2011, p. 40), que, “é preciso questionar a dicotomia posta quando
se diz ‘aspectos gramaticais e textuais da fala/escrita’, pois dizer assim faz pensar que o que é
textual não é gramatical e que o que é gramatical não é textual.”
1
Mestranda em Linguística pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), e-mail: fernandafurlani14@gmail.com
2
Professora Titular da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), e-mail: altinococabral@gmail.com
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 175
compreensão do verdadeiro papel da gramática dentro da língua, que é o de contribuir para a
construção dos sentidos do texto.
A fim de cumprir nosso objetivo, este trabalho divide-se em três partes: na primeira,
para contextualizar a importância do advérbio no ensino de Língua Portuguesa, abordamos o
ensino de gramática no contexto do ensino de Língua Portuguesa, tal como postulam os PCN;
na segunda, apresentamos o advérbio do ponto de vista das gramáticas normativa e descritiva
e na visão pragmática; na terceira, trazemos a análise do texto inicial motivador da unidade
que contempla o advérbio em um livro didático, procurando traçar, com base nelas, algumas
reflexões em torno das possibilidades de exploração desse conteúdo gramatical de forma mais
ampla no Ensino Fundamental; finalmente, na conclusão, expomos nossa reflexão final.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 177
questão. A competência textual, por sua vez, é a capacidade de, em situações de interação
comunicativa, produzir e compreender textos vistos como bem formados, valendo-se de
capacidade transformativa e a capacidade qualitativa. Temos claro que, embora as línguas
naturais, em geral, organizem-se a partir das regras de um sistema (regras fonológicas,
sintáticas, lexicais), os usos podem apontar sentidos para além das regras puras. Esses
sentidos podem ser identificados e compreendidos, inclusive a partir da compreensão das
regras.
Além disso, tais regras podem ser identificadas e observadas nos diferentes textos
produzidos em determinada língua, uma vez que é por meio deles que o homem organiza seu
discurso e o mundo que o cerca; é a partir dos sentidos que os indivíduos articulam seu
conhecimento, e não apenas com base em padrões gramaticais. Tal reflexão nos permite
concluir, com os PCN (1988), que o ensino de língua deve incorporar o ensino gramatical aos
processos de leitura e escrita.
Na mesma direção, Azeredo (2007) vê a língua como uma instituição social, isto é, o
indivíduo a adquire, de maneira natural. Por meio dela, o indivíduo passa a conhecer o mundo
e a compreender a realidade e suas implicações nas relações sociais, estabelecendo efeitos de
sentido. O autor ressalta que a linguagem deve ser vista como um processo de interação. No
mesmo sentido, Travaglia (2009, p.23) postula que “a linguagem é, pois, um lugar de
interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre
interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e
ideológico.” Podemos assim compreender a importância de se compreenderem os efeitos de
sentido que cada elemento da língua assume no texto, é essa compreensão que permitirá ao
estudantes exercer sua atividade sócio-interativa.
Também os PCN entendem que o uso da língua, deve ser encarado como “ação
interativa interindividual orientada por uma finalidade específica; um processo de
interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma
sociedade, nos distintos momentos da sua história” (BRASIL, 1998, p. 23-24). De fato, por
meio da língua, atribuímos sentido ao mundo, temos acesso à informação, partilhamos e/ou
construímos visões de mundo, defendemos pontos de vista, expressamos emoções,
influenciamos o outro e somos influenciados, muitas vezes alterando a forma como o outro e
nós vemos a realidade e as sociedades e provocando re (ações).Conceber a língua como
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 178
espaço de construção de sentidos implica a criação de situações que favoreçam o seu uso
efetivo e a utilização de textos passíveis de reflexão nas práticas de ensino.
Para além da norma, há os usos da língua em uso e a sua descrição é feita pelos estudos
de Gramática Descritiva, com o objetivo de registrar e descrever a forma e o funcionamento da
língua. Segundo Travaglia (2009), os estudos descritivos são fruto de análise com base em
determinadas teorias e métodos. Observam-se, para uma determinada variedade da língua,
em uma abordagem sincrônica, as unidades e categorias linguísticas existentes, os tipos de
construções possíveis e a função desses elementos, o modo e as condições de usos deles. Os
estudos descritivos não têm objetivo normativo.
Vale lembrar, no entanto, que os falantes em geral não têm consciência desse saber,
utilizando-o de maneira espontânea. Atividades de reflexão sobre as possibilidades de uso dos
fenômenos linguísticos podem fornecer elementos para os estudantes compreenderem de
forma mais eficaz os sentidos dos textos em suas atividades de leitura na escola e fora dela e
também fazerem suas escolhas de forma mais conscientes na hora de produzir seus
enunciados.
Na mesma direção, mas de forma ampliada é a observação de Vilela (1999, p.239): “os
advérbios não modificam apenas os verbos, mas também adjectivos e mesmo outros
advérbios e frases totais.” O autor complementa
“Uma boa parte dos advérbios - como também a maior parte dos adverbiais e
as chamadas modais -, ao contrário do que acontece com as demais categorias
gramaticais, são palavras que se podem deslocar com certa liberdade na
frase”. (VILELA, 1999, p. 239)
Cunha e Cintra (2001, p.541) dedicam um capítulo ao estudo dos advérbios, definindo-
os como “fundamentalmente, um modificador do verbo”. Os dois gramáticos apresentam uma
lista das diversas espécies de advérbios, conforme a circunstância que eles evocam: afirmação,
dúvida, intensidade, lugar, modo, negação, tempo (CUNHA e CINTRA, 2001, p.543).
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O ensino gramatical na escola costuma limitar o tratamento do advérbio à classificação
exposta no parágrafo anterior, dando especial atenção aos advérbios circunstanciais de tempo
e de espaço, sobretudo nas séries em que se prioriza a leitura de textos narrativos. Sem
dúvida, os advérbios circunstanciais cumprem importante papel na organização e na
construção dos sentidos das narrativas, mas o escopo do advérbio é muito mais amplo que o
mero estabelecimento de tempo e lugar.
Cunha e Cintra (2001) salientam ainda que “alguns advérbios aparecem não raro,
modificando toda a oração”. Nesse mesmo sentido, Vilela (1999, p. 241), ensina que:
Com base nos ensinamentos desses autores, podemos afirmar que seguir apenas o que
ensinam as gramáticas limita o ensino de Língua Portuguesa, pois conhecer a gramática do
Português significa ser capaz de interagir nas diversas situações de comunicação, usando de
forma adequada as diferentes possibilidades que as variedades da língua nos oferecem.
Devemos considerar que a construção dos sentidos no uso não se dá apenas com base
nos significados prototípicos das palavras previstos pelas gramáticas, mas também pela forma
como elas são usadas pelos falantes em contextos interacionais concretos. Por isso, não basta
ao estudante adquirir somente os conhecimentos sobre estrutura da língua; eles são
insuficientes para garantir uma interação. É importante incluir no estudo do funcionamento a
língua os usos pragmáticos, ou seja, o estudo de como os falantes usam a língua para interagir
em situações concretas da sua vivência, ou como eles usam as possiblidades da língua para
construir seus textos, como afirma Cabral (2016), realizar seu querer dizer.
[...] o falante da língua será capaz de se colocar muito melhor na relação com
os outros, com a sociedade e a cultura em que vive tanto no que diz respeito à
possibilidade de estabelecer os significados, os efeitos de sentido que os
outros estão lhe propondo em interações diversas. [...] (TRAVAGLIA, 2003, p.
18)
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Considerando o uso da língua como uma atividade que envolve as diversas funções em
dada situação de interação, conforme as intenções daqueles que a utilizam, cabe explorar
algumas funções que o advérbio assume para além de marcar o tempo e o espaço ou indicar
uma maneira como as coisas acontecem.
Conforme destaca Cabral (2011, p.112), “Os advérbios constituem uma classe de
palavras que têm também a propriedade de marcar o grau de adesão do locutor ao conteúdo
do enunciado. Por isso, eles funcionam também como modalizadores.”. A autora lembra que
os modalizadores marcam uma tomada de posição do locutor frente ao conteúdo de seu
enunciado, o que leva a autora a afirmar que eles “são muito úteis nas interações verbais, seja
na linguagem oral, seja na escrita.” (CABRAL, 2011, p.112). De fato, eles são uteis pelo seu
papel argumentativo.
De acordo com Koch (2011, p.133), são modalizadores os elementos que estão
“diretamente ligados ao evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores
das intenções, sentimentos e atitudes do locutor com relação ao seu discurso.” Segundo
Dubois et al. (2014), modalização, na problemática da Enunciação, define a marca do sujeito
em seu enunciado, isto é, é o elemento que permite avaliar o grau de adesão do locutor a seu
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 183
enunciado. Kerbrat-Orecchioni ([1980],1997) também postula que a modalização restringe-se
aos processos significantes que manifestam o grau de adesão (forte ou fraca/ incerteza/
rejeição) do sujeito de enunciação aos conteúdos enunciados. Conforme Cabral (2011a), o
termo modalização, por expressar a aproximação ou o distanciamento do locutor ao conteúdo
de seu enunciado, atesta o grau de adesão do sujeito àquilo que afirma, avaliando em termos
de probabilidade / possibilidade e certeza.
Análise exploratória dos advérbios em um texto de livro didático: reflexões para o ensino de
Língua Portuguesa
Devemos considerar, no entanto, que, para além de indicações de tempo e espaço, essas
informações permitem elaborar inferências importantes para a construção dos sentidos do
texto que, se exploradas pelo professor, podem auxiliar a formar leitores mais críticos. Apenas
para tomar um exemplo, o segundo parágrafo do texto expõe:
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(1) Assim como no Brasil, o país africano é uma ex-colônia de Portugal. Na época da
escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para trabalhar
como escravos. Hoje trabalham duro na construção do país, que é independente desde
1973 e está classificado como o sexto mais pobre do mundo. (grifos nossos)
(2) Assim como no Brasil, o país africano é uma ex-colônia de Portugal. Na época da
escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para trabalhar como
escravos. (...)
É grande a lista de dificuldade de Guiné-Bissau: faltam escolas e material escolar, água
encanada e luz elétrica nas casas. (...)
Já as crianças têm energia de sobra. Nas ruas de terra batida de Bissau, capital do país,
brincam de “cerca-cerca”, como a pega-pega é conhecido. (...)
Os brinquedos são inventados com peças que encontram aqui e ali. (...)
Na brincadeira “surumba-surumba”, as crianças riscam um círculo no chão de terra com
um galho de árvore. (...) (grifos nossos)
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 185
encanada e luz elétrica nas casas), falta pavimentação (Nas ruas de terra batida de Bissau, no
chão de terra) e as crianças não têm acesso a brinquedos industrializados (Os brinquedos são
inventados com peças que encontram aqui e ali). O conjunto de advérbios “aqui e ali” indica
as crianças guineenses recolhem objetos que encontram nas ruas para transformá-los em
brinquedos. Podemos afirmar, assim, que os elementos gramaticais que marcam o espaço,
expressões adverbiais de lugar, permitem inferir o grau de pobreza da população.
Os advérbios de modo são normalmente ensinados como sendo aqueles que indicam
uma circunstância de “como” as coisas acontecem. O estudo teórico nos indica, no entanto,
que eles podem ter um caráter avaliativo e modalizador na medida em que, ao indicar o modo,
podem expressar uma avaliação do locutor frente ao conteúdo enunciado. Esse conteúdo pode
ser avaliado positivamente/negativamente, verdadeiro/não verdadeiro.
(4) Na época da escravatura, muitos guineenses foram levados à força para o Brasil para
trabalhar como escravos. Hoje trabalham duro na construção do país, que é independente
desde 1973 e está classificado como o sexto mais pobre do mundo.
(...)Sem energia, ninguém assiste à TV, usa computador ou tem aparelho de som. Internet é
para poucos. (grifos nossos)
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A locução adverbial para especificar o modo como muitos guineenses foram trazidos
para o Brasil (à força), além de indicar efetivamente a forma como o fato aconteceu, traz um
juízo de valor relativamente ao fato para o qual a expressão adverbial especifica a
circunstância. À força atribui um valor negativo à ação de “ser levado” expressa pelo verbo.
Acrescente-se o emprego da passiva, que reforça o caráter não voluntário da ação. Os
guineenses não foram para o Brasil, ao contrário, foram levados à força, o que expressa uma
avaliação de que o foi um ato de agressividade contra os africanos.
Cabe destacar que os trabalhos que os guineenses foram desenvolver no Brasil era do
modo da escravidão (como escravos), o que implica um trabalho pesado, não remunerado e,
muitas vezes, sujeito a maus tratos. O texto expõe ainda o modo como os guineenses
trabalham atualmente (duro). O adjetivo com função adverbial traz uma avaliação para o
trabalho dos guineenses, mostrando que eles ainda sofrem com o trabalho.
Considerações finais
As breves análises apresentadas neste estudo nos permitiram observar como os
advérbios constituem uma classe gramatical cujo escopo vai além da simples especificação de
circunstâncias. Pudemos verificar como as expressões adverbias, em um texto dirigido a
estudantes/ adolescentes e apresentado em um livro didático, para além de simplesmente
apresentar circunstâncias para os fatos denotados (tempo, lugar, modo), permitem refletir
sobre a construção de sentidos do texto e indicam caminhos para uma reflexão mais
aprofundada do papel do conceitos gramaticais na constituição dos discursos e da
importância do aprendizado da gramática para como possibilidades que a língua oferece para
a realização dos propósitos de dizer e da leitura crítica.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 187
língua buscando igualmente uma reflexão que possibilite ao aluno desenvolver habilidades
que lhe permitam assumir uma atitude crítica frente aos textos com que se depara no mundo.
Referências
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AZEREDO, José Carlos. Ensino de português: fundamentos, percursos, objetos. Rio de Janeiro:
Zahar, 2007.
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
CABRAL, Ana Lúcia Tinoco. A força das palavras dizer e argumentar. 2 ed. São Paulo: Contexto,
2011.
CASTILHO, Ataliba T. de. Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010.
CUNHA, Celso, CINTRA, Luís F. Lindley. A Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
DUBOIS, Jean et. al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2014.
ILARI, Rodolfo. et. al. Considerações sobre a posição dos advérbios. In: CASTILHO, A. T. de
(org.). Gramática do português falado. Campinas: Editora da Unicamp, 1996, v. 1 – A ordem,
pp. 63 – 141.
KOCK, Engedore Grunfeld Villaça. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 2011.
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO - MEC. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental - Língua Portuguesa.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática na escola. São Paulo: Contexto, 2003.
SPARANO, Magalí ; GEBARA, Ana Elvira Luciano; CABRAL, Ana Lúcia Tinoco; CARVALHO,
Helba; CURY, Beth. Gêneros Textuais construindo sentidos e planejando a escrita. São Paulo:
Terracota, 2012.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez, 2011.
______. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 14. ed. São Paulo:
Cortez, 2009.
Anexo
Mirella Domenich
Colaboração para a Folha, de Bissau
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 189
É grande a lista de dificuldade de Guiné-Bissau: faltam escolas e material escolar, água
encanada e luz elétrica nas casas. Sem energia, ninguém assiste à TV, usa computador ou tem
aparelho de som. Internet é para poucos.
Já as crianças têm energia de sobra. Nas ruas de terra batida de Bissau, capital do país,
brincam de “cerca-cerca”, como a pega-pega é conhecido. Também jogam “malha”
(amarelinha) e brincam de “surumba-surumba”.
Os brinquedos são inventados com peças que encontram aqui e ali. Meninos se
divertem empurrando pneus e criam carrinhos com qualquer roda.
DOMENICH, Mirella. Infância em Guiné-Bissau. Folha de São Paulo, 14 de maio 2011. Folhinha. In:
BORGATO, Ana Trinconi; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Projeto Teláris: Português 1 ed. São Paulo: Ática,
2012, p. 165.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 190
A POÉTICA DO MARACUJÁ: PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS PARA A ESCRITA CRIATIVA
No que se refere ao projeto Arte e Intervenção Social, trata-se de uma ação educativa
que buscou atender às relações multiculturais, considerando a realidade social e as vivências
de estudantes. A proposta foi propiciar caminhos para que os eles enfrentassem alguns
problemas próprios da periferia de Itaquera e buscassem formas de intervir socialmente por
meio de suas produções artísticas. As ações de linguagem dos alunos-poetas foram
construídas pelas palavras, já que seus poemas serviram para afirmação da história, da
cultura e da identidade deles. Destaca-se, dentre as realizações do projeto, a publicação de
duas coletâneas de poemas escritos pelos alunos-poetas. O primeiro livro é intitulado Entre
versos controversos e, o segundo, Entre versos controversos: o canto de Itaquera. Grande parte
dos textos publicados nessas obras foram compostos a partir da sequência de atividades
1
Possui graduação em Letras pela Universidade São Marcos, especialização em Língua Portuguesa pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e Mestrado em Letras pela Universidade São Paulo. Atualmente é professor na
Rede Pública Municipal de São Paulo. dangtr@hotmail.com
2
A Poética do Maracujá, assim como outras sequências de atividades poéticas, foram descritas na Dissertação de
Mestrado Poesia de resistência na escola pública: compromisso ético e formação de identidade, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Rede Nacional da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH-USP), sob orientação da Profa. Dra. Maria Inês Batista Campos.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 191
Poética do Maracujá. Levando em conta que o desenvolvimento da escrita não se realiza em
condições de imposição de regras construídas artificialmente, o que permitiu os jovens
autores a escreverem foi o fato de se reconhecerem como poetas que tinham algo a dizer.
Quando os alunos-poetas escreviam, construíam um sentido ideológico em seus discursos,
dando sentido à vida deles. Havendo sentido, eles passaram a ter o que dizer e, tendo o que
dizer, começaram a escrever, de modo a produzir cultura em sua região.
O trabalho com textos literários pode ser visto como uma luta social, na medida em que
o acesso à cultura, ao conhecimento e à informação constitui um direito negado para
determinadas comunidades. Michèle Petit (2009, p. 32) revela que, para os mediadores
culturais dos países do Sul, “os recursos culturais, de linguagem, narrativos e poéticos são tão
vitais quanto a água”, afirmação que dialoga com o que Antonio Candido escreveu em “O
direito à literatura”. Segundo o autor, a literatura é um poderoso meio de instrução e
educação e, por conta disso, é importante que se trabalhe literatura nas escolas, uma vez que
ela nos permite enriquecer nossa percepção e visão de mundo, podendo assumir um papel
significativo na formação do indivíduo e na humanização, que se refere ao processo que nos
torna mais sensíveis e abertos para a natureza, para a sociedade e para o semelhante.
Para que a arte proporcionasse esse efeito nos alunos-poetas de Itaquera, o projeto
privilegiou três dimensões da literatura, que são análogas aos três aspectos da leitura literária
apontados por Petit (2013, p. 66-67): (i) a literatura como recurso para dar sentido à
experiência dos alunos-poetas; (ii) a escrita criativa como auxílio para encontrar forças em
uma situação adversa; (iii) a leitura e a escrita literária como abertura para o outro. Contudo,
é preciso alertar que não tivemos o intuito de valermo-nos da poesia como meio para atingir
determinados fins, até porque as dimensões elencadas aqui foram resultados de um trabalho
em que a poesia era o começo, meio e fim. Evidentemente, trabalhamos diversos assuntos a
partir da leitura de poemas, entretanto, precisamos alertar para o cuidado que devemos ter
com o peso que se põe sobre a arte, evitando que se coloque uma responsabilidade sobre a
estética que não faz parte de sua natureza, “trata-se quase sempre não da educação estética
como um objetivo em si mas apenas como meio para atingir resultados pedagógicos estranhos
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 193
à estética” (VIGOTSKI, 2010, p. 324). A estética, quando a serviço da moral, do social, do
desenvolvimento cognitivo, ou ainda do sentimento do agradável e do prazer, “exerce uma
influência devastadora sobre a própria possibilidade da percepção artística e da relação
estética com o objeto”, fazendo com que uma obra de arte, sob essa concepção pedagógica da
estética, perca “qualquer valor autônomo”, tornando-se uma “espécie de ilustração”, além de
correr o risco de transmitir uma “falsa concepção da realidade como também a excluir
inteiramente os momentos puramente estéticos do ensino” (VIGOTSKI, 2010, p. 328 e 330).
Assim, nossa intenção foi fazer com que os alunos não somente lessem ou
reproduzissem, mas pudessem também escrever, com autoria, reconhecendo-se sujeitos
históricos que narram suas próprias histórias. Nosso objetivo foi fazê-los poetas (ou melhor,
fazê-los reconhecer que já eram poetas), introduzindo, dessa forma, a educação estética na
própria vida deles. Para Vigotski (2010, p. 352), esse diálogo entre arte e a vida é a tarefa mais
importante da educação estética, pois
Foi essa poesia de “cada instante” que permitiu a efetivação do projeto, uma vez que
nosso propósito era ajudá-los a desenvolver um olhar poético para (e na) vida. Em razão
disso, decidimos apresentar a sequência Poética do Maracujá, pois defendemos que atividades
que seguem as perspectivas apresentadas aqui auxiliam no desenvolvimento desse olhar
diferenciado, próprio da poesia.
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Poética do Maracujá: uma proposta de atividades para a escrita criativa
A Poética do Maracujá é uma sequência de atividades que parte da canção
“Passionflower”, do músico e compositor inglês Jon Gomm. O objetivo da proposta é fazer o
aluno compor utilizando o recurso de construção de imagens no poema.
O primeiro exercício de reflexão proposto se vale de uma música, para que as atividades
seguintes se mostrassem mais interessantes aos alunos-poetas, sobretudo a aqueles que ainda
não possuíam uma relação mais íntima com a poesia. Somente depois de analisarmos a
música, passamos para textos literários. Assim, as referências artísticas, usadas nessa
sequência de atividades, são:
A Poética do Maracujá tem como base o trabalho artístico de Jon Gomm, pois seu estilo
e virtuosismo representam uma grande ruptura com a forma convencional de se tocar um
instrumento. Sua performance contribui para a criação de um clima bastante peculiar em suas
canções, como se transportasse seu público para outro universo. Escolhemos trabalhar com a
partir de “Passionflower” por conta dessas características que, em geral, impressionam os
ouvintes, tanto que alguns alunos-poetas, após as atividades, viram em Jon Gomm, não apenas
uma referência musical, como também uma referência no que se refere à composição artística.
3
A palavra feeling, entre músicos, serve para designar sentimentos e sensações provocados no ouvinte por conta de
elementos (ou da combinação de elementos) harmônicos, melódicos e rítmicos.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 195
músico cujo trabalho fosse muito bem desenvolvimento no conceito de feeling, a fim de que
pudéssemos fazer uma analogia entre elementos musicais e recursos linguísticos e mostrar
como, tanto na música, como na literatura, é possível provocar sentimentos e sensações.
Sobre a sonoridade peculiar de Jon Gomm, ela ocorre pela sua maneira diferente de
tocar e cantar. Seu estilo, chamado por alguns de freestyle, tem como característica explorar
todos os sons de seu violão, inclusive o da própria madeira, causando, assim, sons percussivos
junto com a harmonia e melodia, o que nos dá a impressão de que há outros instrumentos
sendo tocados ao mesmo tempo. No que concerne à sua voz, pedais são conectados ao
microfone para causar determinados efeitos como, por exemplo, eco, delay e até segunda voz.
Esses elementos musicais são muito marcados em “Telepathy” e são muito diferentes
daqueles que causam uma sonoridade pop. O o músico usa uma afinação alternada 5 e, durante
a canção, Jon Gomm ainda “desafina” e “afina” o instrumento para chegar a determinados tons
e produzir um efeito semelhante ao bend.6
4
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=J9b29phQz_I>. Acesso em: 02 abril 2015.
5
Isto é, as cordas de seu violão não são afinadas segundo o padrão de afinação E-B-G-D-A-E.
6
Trata-se de uma técnica utilizada na qual a corda do instrumento é levantada ou abaixada para chegar ao som de
outra nota.
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Momento 2: a Poética do Maracujá
Após o diálogo com os alunos-poetas em torno de “Telepathy”, apresentamos outro
vídeo, referente à música “Passionflower”, também do artista Jon Gomm.
Passionflower
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Nessa sequência de atividade, não tivemos como propósito trabalhar a tradução da
música, apenas conversamos sobre o que levou Jon Gomm a escrevê-la7. O artista, em uma de
suas turnês, levou uma muda de flor-de-maracujá para ser plantada em sua residência,
situada em Leeds, norte da Inglaterra. O músico possuía um pequeno jardim no qual havia
poucas flores, uma vez que a região é muito fria e raras as vezes do ano conta com radiação
solar. No entanto, em um dia específico de muito sol, a flor-de-maracujá desabrochou e
“contagiou” as outras flores ali plantadas. Jon Gomm revela que, neste dia, seu jardim ficou
colorido, florido e tomou todo o quintal. Sendo assim, a mensagem que o músico quis criar
com a canção “Passionflower” foi: se uma flor consegue crescer dentro de um ambiente
cinzento e frio, por que nós, humanos, não podemos fazer o mesmo?8
A pergunta feita serviu para explicarmos que, assim como a música se vale de
determinados elementos para causar sensações, um texto literário também usa de estratégias
linguísticas, como, por exemplo, o uso das figuras de linguagem, tais como a metáfora, para
atingir o propósito de causar determinadas impressões. A fim de sermos mais didáticos,
classificamos para os alunos-poetas alguns recursos literários apenas como “construção de
imagens”, isto é, quando usamos uma imagem para descrever um sentimento ou para
representar uma emoção.
7
Optamos por não traduzir a letra de Jon Gomm, pois acreditamos que essa atitude poderia interferir nas sensações
que os alunos-poetas tiveram ao assistir o vídeo. Acreditamos que escolher uma música em outro idioma cooperou,
nesse sentido, para melhor fluidez da atividade, já que nosso principal objetivo não foi realizar um estudo da letra,
mas “sentir” a música.
8
Jon Gomm relatou essa história no dia 03 de abril de 2014, quando ministrou um workshop em São Paulo, na Escola
de Música & Tecnologia. Antes de apresentar “Passionflower”, ele decidiu explicá-la com receio de que o público
estranhasse, a começar pelo título “Maracujá”, o sentido dela após a tradução para língua portuguesa. Uma breve
explicação sobre a letra da canção pode ser encontrada na descrição do clip publicado no YouTube, disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=nY7GnAq6Znw>. Acesso em: 21 jul. 2015.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 198
Após conversamos bastante sobre a Arte e sua capacidade de causar sensações, demos
algumas orientações para que os alunos-poetas começassem a escrever seus próximos textos,
valorizando o sentido figurado. Explicamos a eles a importância da imagem como um
rendimento básico na linguagem do poema. Trata-se de um conceito muito presente que ajuda
a remeter, traduzir ou expressar, em outras palavras, um sentimento, uma sensação ou aquilo
que o poeta quer dizer com o texto. Essa imagem pode ser um objeto, um cenário ou até
mesmo uma situação. A partir dessa reflexão, trabalhamos somente textos literários, com o
intuito de mostrar aos alunos-poetas como um poema pode levar o leitor a sentir sensações
auditivas, visuais, olfativas, gustativas e táteis por meio da construção de imagens. Usamos,
inicialmente, dois poemas do maranhense Ferreira Gullar:
Pintura
Uma voz
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 199
a) o poema “Profundamente”, de Manuel Bandeira (2013, p. 122-123), a fim de mostrar aos
alunos-poetas como o autor usou um cenário e uma situação para tratar da morte, da saudade
e da velhice.
Profundamente
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
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b) O poema “Alemanha loura e pálida”, de Bertolt Brecht (2014, p. 15-16), uma vez que o texto
possui imagens muito fortes, que descrevem o cenário da Primeira Guerra Mundial, bem como
o seu sentimento de desgosto em relação ao caos em que vivia.
c) O poema “A morte a cavalo”, de Carlos Drummond de Andrade (2014, vol II, p. 260-261).
Por meio dele, conversamos sobre (i) repetição, que sugere a rapidez com que a morte chega;
(ii) aliteração, que remete ao som do galope de cavalos; e (iii) personificação, pois, no poema,
a morte recebe características humanas ao chegar cavalgando, laçar e levar as pessoas de
forma violenta.
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A morte a cavalo
A cavalo de galope
a cavalo de galope
a cavalo de galope
lá vem a morte chegando.
A cavalo de galope
a cavalo de galope
a morte numa laçada
vai levando meus amigos.
A cavalo de galope
depois de levar meus pais
a morte sem prazo ou norte
vai levando meus irmãos.
A morte desembestada
com quatro patas de ferro
a cavalo de galope
foi levando minha vida.
Revisamos algumas sensações (táteis, auditivas, visuais, etc.) que uma imagem pode
evocar e solicitamos que todos considerassem os recursos linguísticos estudados antes da
escrita. A fim de que eles se apropriassem dessa forma de compor, lemos a primeira estrofe do
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poema “Afinal”9, de Álvaro de Campos10; em seguida, realizamos uma cuidadosa explicação
em torno do Sensacionismo de Fernando Pessoa, que consiste, basicamente, nas sensações do
sujeito estético, bem como das pessoas e coisas que o rodeiam.
Para finalizar, trabalhamos com um texto de Murilo Mendes, poeta cuja imagem
precedia à mensagem em sua obra:
Começo de biografia
Depois da leitura, conversamos sobre o que eles “viam” no texto, que imagens eles
conseguiam “enxergar”. Mostramos a eles que tais imagens representam e reinventam o
sujeito estético. Combinamos o prazo de uma semana para que cada aluno-poeta construísse
seu texto.
9
“Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir./ Sentir tudo de todas as maneiras./ Sentir tudo excessivamente,/ Porque
todas as coisas são, em verdade, excessivas/ E toda a realidade é um excesso, uma violência,/ Uma alucinação
extraordinariamente nítida/ Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,/ O centro para onde tendem as
estranhas forças centrífugas/ Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.”. In: Os poemas completos de
Álvaro de Campos. Disponível em: <https://www.luso-livros.net/wp-content/uploads/2013/08/Poemas-Completo-de-
%C3%81lvaro-de-Campos.pdf>. Acesso em: 10 junho 2015.
10
Heterônimo de Fernando Pessoa
11
No projeto Arte e Intervenção Social, havia um combinado entre todos os membros: não tratar o professor
orientador como “professor”, e sim como mais um integrante da equipe, a fim de que os alunos imaginassem que tais
encontros fossem reuniões de poetas membros de um possível “Círculo Literário de Itaquera”, assim como
Dostoiévski e seus contemporâneos faziam com o Círculo Petrashevsky. A brincadeira, além de aproximar a relação
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“críticos” após a recitação dos colegas. Eles buscavam decifrar as imagens e os sentidos do
texto, bem como fazer sugestões para a melhora dos poemas.
professor e aluno, deu credibilidade ao trabalho do aluno-poeta e permitiu, a ele mesmo, considerar seus textos como
uma forma de arte. Em atividades assim, é importante que o professor assumindo o papel de poeta e também realize
os exercícios propostos e apresente seus textos, a fim de que os alunos possam, de igual modo, criticá-los e analisá-
los.
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convencionais de formalização, os códigos estão presentes nos textos de Lourraine Barbosa e
Beatriz Brasileiro, revelando e portando sentidos.
Canto de Caaguaçu
Em sua primeira versão, o título do poema era “O canto surdo”, contudo, após
estudarmos com Lourraine Barbosa a história de Itaquera, a autora preferiu mudar para
“Canto de Caaguaçu”, a fim de fazer referência à antiga fazenda cujo loteamento foi importante
para a formação do bairro de Itaquera e que hoje compreende a região do SESC-Itaquera e do
Parque do Carmo, locais que compõem o entorno escolar.
É possível extrair significados nesse poema passando pela percepção de sua estrutura,
uma vez que ela se (co)relaciona com o plano semântico. A forma do poema contribui para a
interpretação da mensagem e ainda evidencia a metáfora dos muros. Composto por duas
estrofes, uma com quatro versos e outra com cinco, o texto apresenta traços materiais que, a
partir de sua disposição na página, reproduzem a imagem de um muro. O fato de a primeira
parte estar alinhada à direita e a segunda à esquerda nos faz enxergar uma divisão entre as
duas estrofes, como se algo, um muro, pudesse separá-las na página. Cada estrofe é,
consequente, a representação de um lugar, físico e real, isto é, assim como existe uma linha
que separa as duas partes do poema, há um “muro” que segrega a Zona Leste de regiões
consideradas “nobres”.
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O “enredo” do poema trata-se da história de aves que residem de um lado do muro e
cujo canto é “inaudível”. Comparadas com aves “que gorjeiam felizes”, as aves “que piam em
baixo tom” sentem desejo de ser iguais àquelas que cantam alto e, por conta disso, buscam
voar para o lado do muro em que elas estão. O clima é diferente em cada parte do muro: do
lado das aves que podem voar, há calor; do outro lado, o frio é capaz de congelar as asas das
aves que se esforçam para cantar e voar.
O frio que congela as asas das aves faz referência a segunda parte do poema “Sobre a
esterilidade”, de Bertolt Brecht (2014, p. 141): “O galho que quebra é xingado de podre, / mas
não havia neve sobre ele?”. O frio em “Canto do Caaguaçu” tem a mesma função da neve
responsável por quebrar o galho que Brecht descreve; assim, as palavras “frio” e “neve”
representam os problemas sociais que impedem o crescimento do galho e o voo das aves.
Ao mesmo tempo que esse poema pode ser visto como uma forma de resistir à
exclusão de uma população periférica (já que faz uma crítica ao preconceito regional), ele
apresenta a tensão de um caos interior, pois exprime a frustração de quem é cobrado a atingir
determinados padrões. Além de “piar em baixo tom” (ato que revela abatimento e
desesperança), esse ser não se sente feliz e é levado a crer que somente estando do outro lado
é possível alcançar a felicidade. O texto ainda nos permite refletir (e questionar) sobre o
conceito de “mérito”, uma vez que há a tentativa de voo desse indivíduo, mas algo (o frio,
compreendido no poema como problemas sociais) o impede de seguir adiante e ocupar outros
espaços a não ser aquele em que nasceu.
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caráter social são responsáveis pela formação do indivíduo. Para reforçar tal perspectiva,
Lourraine Barbosa opera com a imagem do “fogo”. Não se trata de uma habilidade especial
que faz com que as aves do outro lado possam voar, é o fogo, “que crepita e aquece” suas asas,
que lhes permite continuar nos ares.
O mais doloroso e comovente no poema não nos parece o fato de existir o problema da
exclusão social, mas o fato de isso não ser percebido. Embora haja a queda dos pássaros que,
tentando voar, são congelados pelo frio, a atenção (portanto, a valorização) é dada somente às
outras aves, pois ainda é a voz destas que recebe destaque (“cujo canto ecoa e todos podem
ouvir” – verso 9). A segunda parte do poema evidencia a indiferença no que se refere aos
problemas particulares da periferia, uma vez que nem a morte (queda) de seus habitantes
(pássaros) é notada.
Os detentos
Houve assassinato.
As lágrimas de sangue
Caem sorrateiramente.
As vozes sufocadas
Agora se libertam
Anunciando a ausência do sol.
As grades
São apenas as janelas
Que vetam a luz das estrelas.
Existem duas paredes
Compostas de tijolos opacos
Que, um dia,
Desmoronaram sobre os ossos frágeis
De um alguém
Que mora num deserto espelhado.
De um lado,
O detento que tinha
Dentro de si
As órbitas planetares organizadas.
Do outro,
O detento que tinha
Apenas as constelações
Ocultadas pela sujeira
Que, sem pedir licença,
Abriram a porta da sociedade.
Ela, já familiarizada,
Nos deu um “salve”
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 207
E se acomodou
Nos olhos
De quem a sente mesmo sem enxergar.
Ó Pátria Amada!
Tu és
Realmente gentil?
Composto por trinta e três versos distribuídos em seis estrofes, “Os detentos” não
apresenta regularidade em sua estrutura ou métrica. Rico em imagens que explodem em
significados, todos os versos são construídos a fim de narrar um acontecimento: o
soterramento de alguém devido ao desmoronamento de duas paredes.
No primeiro verso, Beatriz Brasileiro não trata de uma morte física, mas de uma morte
de diversas vozes representadas por um dos detentos. Somente após o assassinato, ou seja,
após essas vozes serem sufocadas, elas se libertam e são capazes de denunciar a ausência de
sol, pressupondo que é no momento de maior adversidade que tais vozes encontram forças
para superação de seus problemas. É interessante observar que, antes do assassinato, havia
uma forma de prisão, manifesta na palavra “grades”, que são “janelas” que não permitem o
detento ter contato com “a luz das estrelas”. Nesse sentido, a morte no poema é o começo de
uma nova vida.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 208
Observando as semelhanças e dessemelhanças entre “Os detentos” e “Canto de
Caaguaçu”, podemos perceber como o desdobramento das imagens criadas pelas autoras,
ainda que sejam distintas, enriquecem a problematização. No poema de Lourraine Barbosa, a
queda (morte) das aves assume um caráter negativo; entretanto, no poema de Beatriz
Brasileiro, mesmo mantendo esse aspecto negativo, a morte é apresentada como
possibilidade de redenção. Assim, o evento morte é ou uma espécie de término ou
oportunidade de superação. Isso não significa que os textos sejam excludentes, mas que
oferecem aberturas interpretativas.
Beatriz Brasileiro criou dois personagens que apresentam diferenças devido ao lado da
parede/muro que ocupam. Um deles possui “as órbitas planetares organizadas”. O fato de
haver órbitas planetares dentro desse detento retrata que ele é o centro de algo, que algo gira
em torno dele. Esse personagem, portanto, representa regiões de maior prestígio social, uma
vez que diversas ações giram em torno delas, enquanto bairros desfavorecidos são colocados
à margem. O verso 19 nos lembra da atenção “que gira” em torno de lugares tais como o
Parque Ibirapuera (Zona Sul), bem como do esquecimento que muitas vezes recai sobre o
Parque do Carmo (Zona Leste), por exemplo, mesmo este sendo o segundo maior parque
urbano da cidade de São Paulo. A questão territorial é decisiva na diferença de valorização (e
de investimento) desses dois lugares. Ter os planetas organizados também remete a ideia de
melhor infraestrutura e recursos em um dos lados das paredes no poema.
Já o outro personagem possui ossos frágeis, reside atrás de grades que o impedem de
ver o sol e é soterrado pela queda das paredes que, consequentemente, causa a sujeira
responsável por ocultar suas constelações. Se do outro lado há um “astro” em torno do qual as
órbitas dos planetas são organizadas, do lado do detento de ossos frágeis, há “ausência de sol”,
isto é, há falta de recursos, infraestrutura, oportunidades, ou quaisquer outros elementos que
permitem a organização da sua vida dentro desses universos desiguais.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 209
Beatriz, de modo brilhantemente irônico, encerra seu texto com a pergunta retórica: “Ó
Pátria Amada!/ Tu és/ Realmente gentil?”. Se entendermos a palavra “gentil” como “nobre” ou
“de linhagem nobre”, talvez a Pátria seja mesmo gentil, já que são os “bem-nascidos” que
conseguem “brilhar” dentro dela. Por outro lado, é possível dizer que a Pátria não é gentil se
voltarmos ao latim gens, que originou a palavra “gentil”, termo que designava o conjunto
daqueles que possuíam origem comum, trazendo o conceito de “povo”, “nação”, “clã”. Nesse
sentido, não vemos no poema essa origem comum, e sim os nobres gentis de um lado e, de
outro, os marginalizados gentios, que são tratados, muitas vezes, como sujeitos não-
civilizados, o que nos lembra ainda a forma com que eram tratados os povos estrangeiros
pelos romanos ou como eram vistos os “gentios” (pagãos) na cultura judaico-cristã.
Considerações finais
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 210
Os dois poemas analisados neste trabalho carregam duas imagens fortes que trazem
uma crítica social e expressam os sentimentos das alunas. São elas: muros e pássaros. Os
muros representam a segregação social que existe em relação à periferia de Itaquera e os
pássaros simbolizam os jovens que buscam “voar além” dos muros, das diferenças e dos
preconceitos. Franz Kafka (2011, p. 191) escreveu que "uma gaiola saiu à procura de um
pássaro". O que as alunas-poetas expressam em seus textos é que, mesmo com os “olhares
frios” que procuram “engaiolá-los” na sociedade, os “pássaros de Itaquera” podem voar bem
alto e cantar a sua poesia.
Defendemos que pensar em aulas cujo foco esteja na experiência estética dos alunos e
respeitar a natureza de textos literários – em vez de usá-los apenas como pretexto para
exercícios de língua – pode ser uma forma de educar para a sensibilidade e de proporcionar
meios para que os alunos expressam, literariamente, resistência ao caos interior e à exclusão
social. Assim como os depoimentos recolhidos por Petit (2009, p. 34) evidenciam como
pessoas utilizaram textos literários para “desviar sensivelmente o curso de suas vidas e
pensar as suas relações com o mundo”, o contato com o caráter simbólico da literatura fez
com que os jovens do Arte e Intervenção Social, que passam por situações adversas, pudessem
interpretar o mundo de um modo diferente.
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MULTILETRAMENTOS NO ENSINO MÉDIO: ESTRATÉGIAS
DE LEITURA DE TEXTO LITERÁRIO EM DIÁLOGO DE
LINGUAGENS
Introdução
A leitura e a escrita são desafios das escolas, embora cada uma apresente sua
especificidade, por isso se faz necessário estimulá-las, possibilitando a (re)descoberta do
prazer de ler, a utilização da escrita em contextos sociais e a inserção cada vez mais ampla do
aluno no mundo letrado. Um dos grandes desafios em se ensinar a Língua Portuguesa está na
necessidade de despertar no aluno o interesse pela leitura, seja dos gêneros textuais que
circulam no cotidiano do aluno, seja dos gêneros literários com os quais ele tem contato no
ambiente escolar. De acordo com Paulino e Cosson (2009), os últimos testes nacionais e
internacionais no Brasil mostram que a proficiência de leitura dos estudantes brasileiros
encontra-se muito abaixo do esperado se comparada ao quanto o país se desenvolveu
economicamente. Segundo Martins (1991), a leitura é uma experiência individual sem
demarcações de limites, que não depende somente da decifração de sinais gráficos, mas de
todo o contexto ligado à experiência de vida de cada ser, para que ele possa relacionar seus
conhecimentos prévios com o texto e, assim, construir sentidos. Para tanto, é essencial
desenvolver as competências de leitura, assegurando reais oportunidades de construção de
conhecimentos e aprendizagens que valorizem o ler como um processo de colaboração para a
formação do cidadão em formação.
Soares (2002, p. 145) apresenta letramento como: “o estado ou condição de indivíduos
ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de
leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento”. Para promover
os eventos de letramento, o trabalho com gêneros textuais no ensino de Língua Portuguesa
deve estar pautado no desenvolvimento de aprendizagem do aluno em competências e
1
Mestra em Linguística Aplicada, da Unitau - Universidade de Taubaté (2016); Pós - Graduação em Língua Portuguesa
pela Universidade de Campinas - Unicamp (2013), graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
de São José do Rio Pardo (1991). É professora efetiva de Língua Portuguesa da Escola Estadual Professor Bernardino
Querido desde 1993. marliabruno@yahoo.com.br
2
Doutora em Letras (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa) pela Universidade de São Paulo. É
professora assistente doutora da Universidade de Taubaté, na graduação/Letras, em cursos Lato senso da área e no
Mestrado em Linguística Aplicada. Assessora técnica junto a Pró-reitorias de Graduação e de Pós-graduação da
Universidade de Taubaté/UNITAU. vera.batalha@yahoo.com.br
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 215
habilidades de leitura e compreensão dos diferentes gêneros textuais que circulam nas
diversas esferas comunicativas. O aluno adquire a habilidade de interagir por meio de textos,
nas diversas situações de produção e recepção em que esses textos circulam. É no ambiente
escolar que esses diferentes gêneros são apresentados e explorados com os alunos nas
diversas situações de produção/recepção em que circulam. Dentre eles, destacam-se os
gêneros literários com os quais a maioria dos alunos passa a ter mais contato quando chega à
escola – esta ainda a realidade brasileira.
O desenvolvimento de competências e habilidades de leitura e compreensão dos
gêneros literários é denominado letramento literário. Para Paulino e Cosson (2009),
letramento literário é visto como um processo de apropriação da literatura enquanto
construção literária de sentidos a qual implica um processo de transformação e não apenas
uma habilidade, ou seja, ler e compreender o texto literário requisita a leitura intuitiva e
perspicaz, aquela que aguça os sentidos. Ela habilita para a leitura de um universo mais
amplo, onde todas as áreas do conhecimento podem ser contempladas. Diante desses desafios
apontados pelo autor, percebe-se a necessidade de repensar as estratégias e práticas de
leituras desenvolvidas em sala de aula. Dentre elas, está o trabalho com a leitura do gênero
literário, que é uma tarefa complexa, pois demanda conhecimento para que o professor auxilie
o aluno a desenvolver habilidades mais sensíveis e complexas.
Candido (1995) aponta que a Literatura desenvolve em nós a sensibilidade, tornando-
nos mais compreensivos, reflexivos, críticos e abertos para novos olhares e possibilidades
diante da nossa condição humana. Para o autor, a leitura literária permite-nos refletir sobre o
mundo em nossa volta, abrindo nossos horizontes, ampliando os conhecimentos,
possibilitando novas perspectivas. Por isso, a pesquisa aborda o tema Multiletramentos no
Ensino Médio e propõe estratégias de leitura de texto literário em diálogo de linguagens.
O objetivo geral desta pesquisa foi de possibilitar e vivenciar com os alunos do Ensino
Médio uma prática prazerosa, efetiva e eficiente de leitura do texto literário, mediante a
construção de estratégias de leitura para o romance escolhido e para os demais gêneros
midiáticos e artísticos em diálogo.
Os objetivos específicos foram: 1º) aproximar o texto literário ao universo do aluno e
assim despertar e estimular o prazer pela leitura; 2º) levar o aluno a atribuir significados,
apropriando-se da leitura de diversas linguagens e construir práticas de multiletramentos;
3º) possibilitar a leitura do texto literário e seu diálogo com outros textos de linguagens
midiáticas e artísticas, como, por exemplo: obras literárias adaptadas em filmes e suas
possíveis releituras em transposições da linguagem literária para a linguagem da pintura.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 216
Sobre multiletramento, Rojo (2009) afirma que, na sociedade atual, já não basta mais a
leitura do texto verbal escrito – é preciso relacioná-lo com um conjunto de signos de outras
modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em movimento, música, fala) que o
cercam, ou intercalam. A proposta de releitura de texto literário também pode estar associada
a outras modalidades de linguagens apontadas por Rojo, e é o caminho escolhido neste
trabalho.
A pesquisa permitiu a realização de uma reflexão e aprendizado acerca da temática,
possibilitando a aquisição de conhecimentos, os quais foram postos em prática em sala de
aula visando tornar os momentos de leitura mais prazerosos para os alunos e também
eficazes.
Os pressupostos teóricos em que a pesquisa se baseia são multidisciplinares, a saber:
Letramento – Soares (2006), Kleiman (1995), Koch (2005); Humanização pela literatura -
Candido (1995); Letramento Literário –Paulino e Cosson (2009); Multiletramento – Cereja
(2005), Rojo (2009); A cultura midiática – Martin-Barbero (2004), Costa (2013), Baccega
(2009); A Linguagem Cinematográfica - Costa (2013), Bergala (2008); A linguagem da
pintura - Buoro (2002).
Como instrumento de pesquisa foi desenvolvida uma pesquisa-ação, sendo os sujeitos
da pesquisa alunos de uma 3ª série do Ensino Médio. A coleta de dados se deu através de
questionários aplicados aos alunos em nove fases distintas das aulas e das atividades
desenvolvidas com leitura, audiovisuais e pintura. Os questionários serviram como base para
observação sistemática e acompanhamento dos alunos frente às atividades de leitura e
possíveis redirecionamentos que foram realizados sobre a obra literária A hora da estrela, de
Clarice Lispector, em diálogo de linguagens – detalhadas mais à frente.
Antes de iniciar a leitura do romance em sala de aula, foram abordados os seguintes
aspectos: o contexto histórico da 3ª fase do modernismo no qual o romance se insere; a vida e
obra de Clarice Lispector; os elementos estruturantes da narrativa. Durante a leitura do
romance foram abordados os seguintes aspectos: os recursos linguísticos como a
metalinguagem, a metáfora e a hipérbole presentes no romance; a singularidade da linguagem
de Clarice Lispector; questões objetivas e subjetivas sobre as percepções e impressões dos
alunos mediante a leitura do romance.
Foi trabalhada a linguagem cinematográfica como preparação para os alunos
assistirem ao filme de Suzana Amaral, uma adaptação da obra. Ao final da leitura e análise do
diálogo entre as obras, foi proposto aos alunos, como produção final, um trabalho de pintura
em tela da releitura da obra literária em questão, acerca das principais passagens da narrativa
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 217
com as quais mais se emocionaram. Essas produções compuseram a exposição “Releitura de
obra literária” como espaço no qual os alunos puderam socializar suas experiências de
leitores e produtores de sentidos.
Metodologia
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 219
versão cinematográfica do romance em questão, em adaptação de Suzana Amaral, de 1985.
Passaram a entender as adaptações feitas neste, a partir de exclusões, transformações da
obra-base, o que levou à caracterização da transposição de linguagem.
Cada atividade foi devida e previamente orientada, com o estabelecimento de objetivos
de leitura tanto da obra literária como da cinematográfica, para que os alunos apreciassem os
pontos principais elencados.
A discussão, conduzida pela pesquisadora, expunha a compreensão, a observação oral
dos alunos e suas percepções de análises da obra, realizando apontamentos de diálogos entre
a linguagem do texto literário e a linguagem cinematográfica que se cruzaram. Esse
procedimento ampliou o conhecimento específico e de mundo dos alunos e despertou o senso
crítico para os problemas sociais presentes na obra.
Ao final da leitura e da análise do diálogo entre as obras literária e cinematográfica, a
pesquisadora, já previamente em articulação com a professora de Artes que orientaria a nova
etapa, propôs aos alunos, como produção final, um trabalho de pintura em tela da releitura da
obra literária em questão, a partir de um trecho escolhido. Os estudantes se empenharam na
atividade, que se configurou bastante produtiva.
A finalização da pesquisa-ação se deu com a exposição dos quadros no ambiente
escolar, com convite extensivo aos familiares, ocasião em que os alunos puderam explicar aos
visitantes e aos colegas, suas experiências com as suas produções artísticas de
multiletramento.
Todo esse procedimento metodológico possibilitou a coleta de material suficiente para
análise e discussão dos dados que serão apresentados a seguir.
Resultados e Discussão
A análise de dados foi feita por categorização que, de acordo com Bardin (1977, p.
117), “refere-se a uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto,
por diferenciação e, seguidamente por reagrupamento segundo o gênero (analogia) com os
critérios previamente definidos.” Nesse caso a análise de dados apresentada tem como
categorização o agrupamento por similaridade, ou seja, ao analisar as questões respondidas
pelos alunos, as respostas foram agrupadas de acordo com o que havia em comum. Para
Bardin (1977, p. 118), “classificar elementos em categorias, impõe a investigação do que cada
um deles tem em comum com os outros e o que vai permitir o seu agrupamento, é a parte
comum existente entre eles.”
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 220
No entanto, houve momentos em que as questões subjetivas não foram similares e,
nesses casos, foram apresentadas as respostas individuais, inclusive algumas apresentam
justificativas estritamente pessoais. Portanto, houve também a análise qualitativa e discussão
dos dados, que para Bardin (1977, p.21) “é a presença ou ausência de uma dada característica
de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem
que é tomado em consideração.
Neste artigo serão apresentadas as sínteses das análises dos dados, deixando-se de
transpor as respostas dadas pelos alunos aos questionários.
Ao analisar o questionário sobre a entrevista com a autora, confirmou-se que a maioria
dos alunos percebeu a visão particular que a autora traz sobre a felicidade porque considera
que apenas a criança é capaz de ser feliz. Também perceberam algumas respostas
contraditórias nas quais a autora se diz feliz, mas traz consigo a tristeza estampada no rosto.
Essas impressões vão ao encontro da afirmação de Bosi (2004), de que a obra de Clarice
Lispector encaixa-se entre as qualificadas como intimistas e, mais especificamente, na ficção
supra-pessoal. Isso porque durante a entrevista, ao falar da personagem principal Macabéa, a
Clarice acaba falando de si mesma, mostrando que há uma identificação entre ela e a
personagem principal do romance.
Na análise das questões sobre o conhecimento prévio, 11 alunos confirmaram em suas
respostas as hipóteses e conhecimentos prévios que tiveram anteriormente sobre a capa do
livro, na qual a personagem é apresentada como alguém triste, pessimista e deprimida.
Ao iniciar a leitura, o que impressionou a pesquisadora foi a aceitação dos alunos
quanto à lentidão da narrativa. Por terem hábitos imediatistas e impacientes, a preocupação
foi que houvesse alguma rejeição por parte dos alunos, o que não ocorreu pois aconteceu o
fascínio deles com relação a alguns recursos linguísticos, como metáforas, hipérboles e
metalinguagem utilizados pelo narrador, ao apresentar Macabéa. Essa foi a porta de entrada
para a análise da obra.
Para tanto, os questionamentos quanto às impressões desses recursos linguísticos
tiveram como resultado as respostas de 14 alunos sobre terem experiências significativas e
positivas com relação à leitura do texto literário, embora 2 alunos tivessem experiências
negativas pois apresentaram como algo triste e ruim.
Divididos em duas críticas fundamentais que a obra apresenta, os alunos souberam
identificá-las com facilidade. À medida que a leitura avançava e os momentos de socialização
foram acontecendo, criavam-se condições para que os alunos construíssem suas percepções e
desenvolvessem o senso crítico. Nesse momento da leitura o universo literário cruza com a
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 221
realidade pela qual os alunos passam a ser capazes de desenvolver a construção dialógica de
sentidos, ou seja, desenvolverem o olhar sobre o outro que também compõe seu entorno
social. Para Bakhtin (2011), a relação dialógica vai além da interação verbal entre os sujeitos,
pois há as relações de persuasão e de interpretação que envolvem sistemas de valores dos
sujeitos, os quais contribuem para a construção dialógica de sentidos.
Indo ao encontro desses desenvolvimentos críticos e dessa construção dialógica de
sentidos apresentados pelos alunos, retoma-se Candido (1995) que apresenta a literatura
como fator indispensável à humanização, pois confirma no homem a sua humanidade,
inclusive porque atua no subconsciente e no inconsciente; assim, a literatura tem sido um
instrumento poderoso de instrução e educação.
Quanto ao serem questionados sobre suas experiências de leitores, os alunos
revelaram-se através do choro de alguns, revolta de outros para com a decisão da autora em
matar a personagem, indiferença e indignação por parte de outros.
De acordo com as respostas, esses sentimentos são revelados e compreendidos de
forma mais leve. Tocados e sensibilizados com o texto, observa-se, que a estratégia de leitura
atingiu seu objetivo maior: despertar o interesse do aluno pela leitura do texto literário em
questão. Além disso, ao apresentar e justificar suas experiências de leitores, percebe-se que há
ampliação de visão de mundo e sensibilização nos termos empregados como: emocionante,
ótima, chocante, interessante, ruim, triste.
Na sequência, a análise é sobre o filme, e teve como respostas a constatação que se deu
durante a exibição: a maioria dos alunos mostrou-se perplexa com relação à escolha que
Suzana Amaral fez dos artistas para representarem Macabéa, Olímpico e Glória. Confirma-se a
indignação com as 13 respostas negativas dos alunos, pois a descrição das personagens na
narrativa fez com que eles imaginassem Macabéa mais feia, Olímpico, mais bonito e elegante e
Glória, mais bonita e atraente. O interessante dessa constatação é o processo de imaginação e
a expectativa que se cria através da leitura, como os outros 3 alunos que disseram ver os
personagens exatamente como imaginaram no livro.
Considera-se que os alunos compreenderam a opção da cineasta e os recursos que cada
arte possui, pois 5 alunos mencionaram as cenas como suficientes para narrar os fatos e nos
apresentar a personagem, diferente do livro no qual a presença do narrador foi essencial. Os
outros 11 apontaram que, se houvesse o narrador no filme, seria negativo, pois tornaria o
filme desinteressante, cansativo, longo.
Foi fundamental a intervenção da professora-pesquisadora nesse processo, pois no
início houve uma certa prevenção de alguns alunos com relação à produção dos anos 80 e pelo
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 222
filme ser brasileiro, ou seja, nada convencional ou comercial. Embora seja uma produção de
1985, com poucos recursos cinematográficos e digitais, a que estão habituados, o filme
prendeu a atenção dos alunos telespectadores, que se mostraram sensibilizados. As
discussões geradas sobre o filme foram em torno das críticas sociais abordadas nas diversas
situações vividas pelas personagens. Questionou-se, a partir das críticas sociais elencadas, a
possibilidade de verossimilhança com o intuito de aproximar a arte ao universo do aluno.
Além de apresentar o cinema como arte e explorar seus recursos específicos em sala de
aula, Bergala (2008, p. 62) afirma que é preciso atrelar a aprendizagem ao desejo e ao prazer,
isso porque “pode-se obrigar alguém a aprender, mas não se pode obrigá-lo a ser tocado”. Por
diversas vezes houve a necessidade de retomar algumas cenas com as quais se sentiram mais
impactados.
Após as questões sobre o filme, iniciou-se a proposta de realizar a releitura da obra em
tela e para essa etapa do desenvolvimento da pesquisa-ação foi proposto pela professora-
pesquisadora um trabalho interdisciplinar envolvendo a disciplina de Arte e Língua
Portuguesa. Sobre o conceito de interdisciplinaridade, Ramos (2001, p. 271) afirma que: "A
Interdisciplinaridade mantém a identidade das diferentes disciplinas, mas busca o
estabelecimento de uma intercomunicação e uma cooperação, provocando intercâmbios reais,
enriquecimento e modificações mútuas." A importância do trabalho interdisciplinar se deu
com as técnicas de pintura em tela trabalhadas pela professora de arte ao longo de quatro
aulas. Isso porque, de acordo com Buoro (2002), o ensino de arte requer formação e
informação específicas que são de ordem estrutural. A construção de objeto de arte requer um
leitor sensível e capaz de apreender significativamente os sentidos manifestos tanto no
mundo quanto no objeto de arte.
Observou-se que 4 alunos não apresentaram dificuldades em realizar a produção
porque são quatro alunos que disseram anteriormente ter experiência com a pintura. Para os
outros as dificuldades foram variadas, entre elas destaca-se a escolha da cena que seria
pintada. O processo de releitura não é simples, pois exige a tradução da significação do objeto;
conforme afirma Buoro (2002), releitura é entendida como a tradução da significação do
objeto como fundamento para uma nova construção, buscando-se nessa ação de re-
significação do mesmo objeto para re-ler, aprofundar significados, re-semantizando-os.
No entanto, os alunos se mostraram empenhados e as pinturas foram tomando formas
concretas em tela. As próximas questões foram referentes às escolhas que fizeram dos
fragmentos do romance para a releitura. Percebeu-se que em todas as respostas as escolhas se
deram a partir dos momentos da narrativa que despertou sentimentos diversos: indignação,
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 223
emoção, impacto, comoção e perplexidade. Mostraram-se sensibilizados, pois através das
produções dos quadros os alunos puderam expor seus sentimentos com relação à obra
literária. Foi o momento em que o diálogo entre as linguagens se cruzou e se fundiu,
produzindo um outro objeto de arte. Os objetos artísticos produzidos pelos alunos retrataram
os sentimentos despertos nos diversos momentos da leitura da narrativa literária.
A esse tipo de leitura, Rojo (2009) refere-se como letramento multissemiótico, que
propicia a leitura e a produção de textos em diversas linguagens e semioses, tais como: verbal
oral e escrita, musical, imagética, corporal e movimento. Essas múltiplas linguagens e as
capacidades de leitura e produção por elas exigidas são constitutivas dos textos
contemporâneos – daí a importância, na contemporaneidade, dos multiletramentos.
Essas produções compuseram a exposição “Releitura do romance A hora da estrela”.
Durante a exposição, que aconteceu no ambiente escolar, os alunos puderam socializar suas
experiências de leitores, espectadores e produtores de arte. Na oportunidade, observou-se a
participação, a satisfação e o envolvimento dos alunos em serem autores de trabalhos
artísticos.
Ao final do percurso, da análise e discussão de dados dos questionários, avalia-se que a
experiência do trabalho com várias linguagens proporcionou aos alunos o conhecimento das
especificidades de cada uma e do diálogo entre elas.
Além disso, foi alcançada a expectativa de despertar e estimular o interesse pela
leitura e aproximar o aluno ao texto literário. A partir dessa aproximação, o aluno passou a
construir significados, apropriou-se da leitura de diversas linguagens e produziu práticas de
multiletramento, que, de acordo com Rojo (2009), refere-se ao letramento multissemiótico
que propicia a leitura e a produção de textos em diversas linguagens e semioses, como já dito
anteriormente.
Considerações finais
Considera-se que o objetivo geral proposto neste trabalho foi alcançado, pois a
professora pesquisadora encaminhou o conhecimento teórico para a vivência de uma prática
inovadora em sala de aula que motivasse os alunos para a leitura do texto literário, ao mesmo
tempo que construísse habilidades de leitura dos objetos de múltiplas linguagens da
contemporaneidade.
Em relação ao primeiro objetivo, que foi de aproximar o texto literário ao universo do
aluno e, assim, despertar e estimular o prazer pela leitura, o resultado foi satisfatório. Ao
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 224
avaliar o primeiro questionário percebeu-se que apenas 31% dos alunos afirmaram gostar de
ler textos literários como drama e romance e logo na sequência 94% deles afirmaram que a
leitura representava aquisição de conhecimento e informação. Isso significa que, antes de
iniciar as estratégias de leitura, a maioria deles não tinha o hábito de ler e não atrelava a
leitura do texto literário como algo prazeroso. Com o desenvolvimento das estratégias de
leitura esta percepção foi se modificando.
As estratégias prévias de leitura através da leitura da capa e a entrevista da autora
foram imprescindíveis para envolver os alunos e aproximá-los do texto literário, conforme os
dados revelaram. A expectativa que se criou foi de que a leitura seria interessante, traria
experiências e seria ótima. A partir dessa aproximação, os alunos passaram a se interessar
pela leitura que foi avançando por capítulos numa sequência de horas-aula. Nos
questionamentos que ocorreram durante a leitura, as respostas foram surpreendentes; os
dados apontam que houve resultado positivo quanto ao segundo objetivo proposto: levar o
aluno a atribuir significados, apropriando-se da leitura de diversas linguagens e construir
práticas de multiletramentos. Os alunos demonstraram seus valores, suas identidades e
passaram a construir significados, despertaram o senso crítico mediante as críticas sociais
presentes no romance e atribuíram sentido ao texto literário. Suas experiências foram
descritas como interessantes, chocantes, ótimas e surpreendentes. Além disso, souberam
identificar, que há fortes críticas sociais que focalizam preconceito, desigualdade social,
exploração no mundo do trabalho, situações de miséria.
O terceiro objetivo abrange e complementa os outros dois já mencionados: possibilitar
a leitura do texto literário e seu diálogo com outros textos de linguagens midiáticas e
artísticas, como, por exemplo: obras literárias adaptadas em filmes e suas possíveis releituras
em transposições da linguagem literária para a linguagem da pintura. Ao se propor a exibição
do filme adaptado da obra, também se analisou que os alunos compreenderam o diálogo
estabelecido entre a obra literária e o filme e a especificidade que cada linguagem artística
representa. Em suas respostas, puderam expor as frustrações diante das cenas não exibidas e
presentes apenas na narrativa. A partir daí, compreenderam o significado da palavra
adaptação.
Para Morin (2001), são o romance e o filme que põem à mostra as relações do ser
humano com o outro, com a sociedade, com o mundo. Para o autor, mesmo sendo, por
exemplo, um romance do século XIX, e o filme do XX, ambos nos transportam para dentro das
guerras e da paz. O autor afirma também que o milagre de um grande romance, como de um
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 225
grande filme, é revelar a universalidade da condição humana, ao mergulhar na singularidade
de destinos individuais – e isso ocorreu com os estudantes.
Os alunos reconheceram que Macabéa, a protagonista, está carregada de
representações reais de pessoas da sociedade como: os imigrantes nordestinos que sofrem
preconceito nos grandes centros urbanos, pessoas submissas que sofrem maus tratos físicos e
verbais e a mão de obra barata e explorada numa sociedade capitalista. Tanto no final da
leitura quanto no final do filme houve comoção - os alunos se mostraram completamente
envolvidos com as narrativas - sentiram-se indignados com a morte de Macabéa, pois
queriam um final feliz para ela.
Para a professora pesquisadora foi um dos momentos mais intensos e de grande
emoção que os alunos vivenciaram ao longo das estratégias de leitura, pois se mostraram
tocados pelo romance, tanto na leitura quanto na adaptação. A professora pesquisadora
através das estratégias de leitura, mediou esse processo de sensibilização, prazer e cognição.
O momento da produção em tela também tornou-se significativo, pois foi um trabalho
interdisciplinar no qual puderam se cruzar as diversas linguagens. Os fragmentos escolhidos
para serem reproduzidos em tela se deram pela própria sensibilidade do aluno em relação à
leitura da obra. De acordo com Buoro (2002), a pintura é considerada a cor construtora de
formas, que reflete visões de mundo do ponto de vista de um enunciador. O ponto de vista de
cada aluno ao retratar a morte de Macabéa, seus encontros com Olímpico, sua visita à
cartomante, o ambiente em que vivia foram retratados e expressos para sensibilizar o outro.
Esse resultado revela que houve a educação do olhar, que é observar o que está ao seu redor
com compreensão e criticidade.
Durante a exposição “Releitura do romance A hora da estrela”, que aconteceu no
ambiente escolar, os alunos tiveram a oportunidade de socializar suas produções artísticas
com os colegas e convidados. A exposição dos quadros foi identificada pelos fragmentos do
romance escolhidos pelos alunos. Foram momentos de interação e partilha. Eles se sentiram
felizes, emocionados, motivados e explicaram com detalhes e propriedade a cada pergunta
que surgia dos visitantes. Sentiram-se sujeitos autônomos na construção de seus próprios
conhecimentos e nas suas produções artísticas. Para Citelli (2004), a escola deve ser o espaço
de trabalho onde ocorre a passagem do lugar-comum para o conhecimento elaborado, num
movimento que visa fazer da matéria empírica conceito. Desse modo, ensina o sujeito a
reconhecer-se no processo de transformação.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 226
Assim, os alunos apropriaram-se da leitura de diversas linguagens e despertaram o seu
interesse e prazer pela leitura e releitura do texto literário, vivenciando práticas de
multiletramento.
Após o desenvolvimento bem sucedido dessas estratégias de leitura, pode-se
questionar sobre os motivos que levam os alunos do Ensino Médio a terem dificuldades e
interesse pela prática de leitura nas aulas de Língua Portuguesa. A resposta está em Rojo
(2009) que na sociedade atual, já não basta mais a leitura do texto verbal-escrito – é preciso
relacioná-lo com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (imagem
estática, imagem em movimento, música, fala) que o cercam ou intercalam.
Conclui-se que o desenvolvimento das estratégias de leitura foi relevante para a
mudança de visão que os alunos tinham da leitura do texto literário. A visão negativa
construída pelos alunos sobre a experiência de leitura do texto literário como algo
desinteressante, passou a ser uma visão positiva na qual eles destacaram como sendo uma
experiência de leitura: ótima, emocionante, chocante, interessante e surpreendente.
Espera-se, finalmente, que essas estratégias de leitura contribuam e tragam aos
professores de Língua Portuguesa um exemplo de construção e de conquista, um caminho
para um trabalho docente mais produtivo, que demonstrou ser possível levar o aluno a ler,
com prazer, o texto literário e seu diálogo com as outras linguagens midiáticas e artísticas.
Referências
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 227
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GÊNEROS TEXTUAIS EM AMBIENTES VIRTUAIS DE
APRENDIZAGEM
Introdução
As novas tecnologias proporcionaram a humanidade novas formas de interação. Para
Leffa (2001), a sociedade globalizada atual faz com que os homens, como participantes na
sociedade de seu tempo, interajam uns com os outros, independentemente de sua localização,
que seja no mesmo país ou em outros lugares do mundo. Mas para que isso ocorra, é preciso
adquirir conhecimentos e maneiras mais rápidas e mais precisas de se comunicar. Cada vez
mais o predomínio da voz e gestos de comunicação vem dando lugar à Internet e suas
ferramentas de interação, como por exemplo a mensagem instantânea (WhatsApp), a
mensagem de texto de redes sociais (Messenger) e mensagens textos de telefones celulares.
Ainda, no campo profissional, podemos fazer uso de vídeo conferências e conferências através
de ligações telefônicas (conference calls). No tocante à educação, muito se progrediu para que
o conhecimento pudesse atingir os seres humanos em lugares diversos: regiões distantes na
mesma cidade, no mesmo país ou em lugares diferentes no mundo. Todas essas
possibilidades, que descartam a interação presencial entre as partes, vão ao encontro do que
hoje a sociedade moderna precisa: economia de tempo, uma vez que, no que diz respeito às
interações sociais, muitas vezes famílias se separam por morar em lugares distantes, amigos
mudam para outros países e outras situações que impossibilitam o contato no dia a dia, quer
pelas longas horas na jornada de trabalho, quer pelo deslocamento moroso e trânsito intenso.
Quando pensamos em educação, essas limitações tornam difícil para que uma pessoa faça
cursos de especialização em sua área de atuação profissional, ou faça uma graduação em áreas
de interesse. Se a comunicação já havia se tornado mais eficiente com as ferramentas acima
mencionadas, as novas plataformas virtuais de aprendizagem se tornaram um alento na
realidade caótica dos tempos modernos. Estamos falando de educação a distância ( distant
education). Dentro da gama de possibilidade que a educação a distância oferece, uma
ferramenta em particular vem sendo utilizada por várias instituições de ensino, o ambiente
1
Aluna do Programa de Mestrado em Linguística Aplicada da Universidade UNICSUL, sob orientação da Profª Dra. Ana
Elvira Luciano Gebara. E.mail solange.avino@uol.com.br.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 231
virtual de aprendizagem (AVA). A partir dele, as interações professor-aluno e aluno-aluno se
tornaram mais rápidas, e efetivas.
Fundamentação teórica
Gêneros textuais de acordo com o autor com o qual baseamos a nossa pesquisa,
Marcuschi (2010, p. 19) são “entidades sociodiscursivas e formas de ação social
incontornáveis de qualquer situação comunicativa”. Para ele, toda forma de expressão
comunicativa do ser humano, dentro da sociedade a qual pertence, levando-se em
consideração contextos social e histórico, ocorre na forma de gêneros. Por pertencerem a um
determinado tempo histórico e ir ao encontro das necessidades da comunidade em qual se
inserem, eles podem desaparecer ou novos gêneros podem ser criados.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 232
A rede mundial, Internet, fez surgir novas maneiras de se considerar o texto, antes
apenas visto no papel. Uma delas ocorre em ambiente virtual, e não se dá através de interação
com textos escritos, mas no meio visual e auditivo. Em um ambiente virtual, é possível criar
novos sentidos com ferramentas multimodais, que usam palavras, imagens e sons, dentro de
um mesmo espaço.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 233
GÊNEROS TEXTUAIS EMERGENTES NA MÍDIA VIRTUAL SUAS CONTRAPARTES EM GÊNEROS PRÉ-EXISTENTES
Fonte: Gêneros Textuais Emergentes no Contexto da Tecnologia Digital (MARCUSCHI, 2004, p 15)
O que o autor coloca como incontestável é que todos os gêneros ligados à rede mundial,
internet, baseiam-se na escrita. Como ela mudou com as novas tecnologias, e o que ela
agregou à sociedade moderna, analisada por uma perspectiva histórica, também tem a ver
com o foco de nossa pesquisa, as novas formas de se ver a educação, em plataformas virtuais.
Os avanços tecnológicos não trouxeram apenas essa nova forma de se encarar a prática
escrita. A internet também possibilitou novas formas de se ver o ensino. Uma delas é
conhecida como Educação a Distância (Ead), que permite que qualquer pessoa, que tenha
algum tipo de interface digital, como um computador, um tablet ou mesmo um smartphone,
ter aulas em salas de aulas virtuais, interagindo com um professor (de forma síncrona ou
assíncrona) e com seus colegas de curso. Santos (2010), em artigo, diz:
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 234
juntos, fisicamente, mas podem estar conectados, interligados por tecnologias,
principalmente as telemáticas, como a Internet. Mas também podem ser
utilizados o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax e
tecnologias semelhantes (MORAN, 2008, p. 1).
Entre as várias possibilidades de ensino à distância, como aulas por e-mail ou chats
educacionais, há também, e cada vez mais utilizados os ambientes virtuais de aprendizagem
(AVAs).
Os AVAs são plataformas educacionais via internet utilizados por várias instituições de
ensino e empresas privadas que permitem não somente o desenvolvimento de uma disciplina
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 235
ou curso em ambiente online, mas através de seus inúmeros recursos, a interação entre
alunos e entre professor e alunos. Essas plataformas auxiliam no encurtamento de distância
entre os participantes, imprimindo ao que antes era considerado uma educação solitária, a
possibilidade de interação. É muito importante propiciar aos alunos nesses ambientes canais
de comunicação com os seus professores e com seus pares, uma vez que o contato presencial,
que sempre foi sincrônico, não mais existir. Sendo assim, fez-se necessário o desenvolvimento
de interfaces de comunicação que suprissem essa prática que remota de tempos antigos: a
educação presencial, dentro de sala de aula e com contato constante do professor auxiliando
os alunos. Na plataforma virtual existem dois tipos de contato: o síncrono, que ocorre em
tempo real, como videoconferences e chats, e o assíncrono, que não ocorre em tempo real,
fóruns de discussão, por exemplo. Neste último, no que diz respeito ao contato com o
professor, o aluno posta suas perguntas e o professor as responde tão logo as visualize e possa
fazê-lo. O material didático é disponibilizado para o aluno em links como “Material de “Aulas”,
as instruções são fornecidas e alimentadas periodicamente, com publicações feitas pelo
professor, com o cronograma de atividades elaborado no início do semestre letivo e os fóruns
de contatos utilizados como canais de feedback. Já o contato entre alunos, esse também é feito
através de fóruns. Além das possibilidades de interação, os AVAs trazem a característica
multimodal tão importante para a nova era digital: nesses ambientes podem ser encontrados
vários recursos importantes para o ensino-aprendizado, como vídeos, áudios, figuras e outros
recursos, temos então o hipertexto que em ambientes virtuais trazem para seus usuários a
multimodalidade em diversas formas de interação e aprendizagem, que é construída através
de todo o acervo e recursos disponibilizados ao aluno. Marcuschi e Xavier (2010) afirmam:
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 236
Ferramentas de Interação Professor-Aluno e Aluno-Aluno dentro de Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (Ava) – Teleduc e Moodle
O TelEduc e o Moodle são ambientes virtuais de aprendizagem desenvolvidos para a
educação a distância, e com enfoque pedagógico, baseado em contextualização de
conhecimento de forma construída, em que o aluno aprende através da colaboração e
compartilhamento do conhecimento. O aluno pode explorar o conteúdo continuamente ao
longo do curso, e o professor-tutor disponibiliza esse material em forma de arquivo ou em
páginas de hipertexto.
Acreditamos ser importante mencionar que todas essas novas tecnologias e criações
vindas delas, como os AVAs abaixo, continuam fazendo uso da escrita, e suas múltiplas formas
de expressão, para as interações humanas. Vemos nisso um exemplo de como os gêneros
textuais, como colocado anteriormente, são parte integrantes de qualquer sociedade, em
qualquer momento histórico.
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 237
chats, wikis e glossários. Para discussões assincrônicas, ela oferece os fóruns, com perguntas e
respostas, discussões únicas ou gerais. Ao traçarmos um paralelo entre gêneros emergentes e
de onde eles se originam, constatamos que os fóruns se originam das cartas e bilhetes, uma
vez que as pessoas escrevem a sua mensagem, no caso perguntas, e esperam pelas respostas
também escritas, que não são sincrônicas. Já os chats, que possibilitam uma interação
sincrônica, têm sua origem em conversas ao telefone. Neste caso, podemos dizer que esse
gênero possui um caráter híbrido: apesar da interação se dar por escrito, a oralidade se faz
presente, no caráter muitas vezes informal da maneira como os integrantes escrevem as suas
mensagens, como se os participantes estivessem conversando pessoalmente, as
webconferences, também muito comuns em plataformas AVAs, têm a sua contrapartida em
dois gêneros: a conversa ao telefone e as aulas presenciais uma vez que os seus usuários
podem escolher usar esses dois recursos ou apenas conversar. O mesmo recurso que os chats
possuem de se escrever as perguntas ou as mensagens, as videoconferences também
oferecem, ou seja, também nesse gênero é possível ver a oralidade e escrita juntas, uma vez
que as dúvidas dos alunos e as respostas do professor pode ser dada oralmente ou através de
mensagens escritas. Muitas vezes a opção adotada é a utilização da câmera e microfones, e
algumas vezes apenas a interação escrita. Quanto aos trabalhos desenvolvidos pelos alunos, o
professor pode classificá-los e comentá-los, e com os wikis, as construções de textos tornam-
se possíveis. Podemos dizer que esse gênero, wiki, é oriundo do gênero artigo de jornal ou
revista: o que o aluno produz é salvo em um arquivo e depois anexado ao sistema.
Dependendo do objetivo, também pode ser compartilhado, assim como acontece com artigos
em geral, na esfera jornalística.
O gênero textual bate-papo, assim como os chats, são formas de interação escrita com
características de conversa ao telefone, novamente a oralidade se faz presente em um gênero
textual virtual. O correio e o mural, que se assemelham aos e-mails, também podem ser
considerados formas de comunicação híbridas: apesar de escritas, a oralidade está presente
na informalidade com que as mensagens são elaboradas. O diário de bordo e portfólio, como
as wikis são gêneros textuais oriundos de reportagens de jornal ou artigos de revistas: a
construção de ideias se dá de forma gradativa, e há a possibilidade da produção ser lida por
outros integrantes dessa comunidade virtual. Os recursos que são comuns aos formadores e
alunos são: estrutura e dinâmica do curso, agenda, avaliação, atividades, material de apoio,
leituras, perguntas frequentes, mural, fóruns e discussões e bate-papo. O que se torna claro
com as características acima, que os gêneros textuais neste ambiente virtual de aprendizado
são os mesmos que os descritos em 3.1 Moodle, apenas os nomes diferem.
Para Gomes e Gomes (2004), os cursos criados nesse ambiente possuem as seguintes
características:
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 239
Um curso criado no ambiente TelEduc é elaborado em torno de um conjunto
de atividades sugeridas pelo professor, denominado “formador”. O ambiente
fornece aos alunos um conjunto de ferramentas, nas quais é disponibilizado
um conjunto de informações relacionadas à temática do curso. Além disso, o
ambiente fornece recursos de comunicação que visam possibilitar o
acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno, permitindo um
contato constante entre os participantes. (GOMES; GOMES, 2004, p. 90).
Pudemos constatar que os gêneros textuais em ambos AVAs são oriundos de gêneros já
existentes, e em vários casos, em graus variados, possuem caráter hibrido, o que reitera que a
escrita e a oralidade juntas tornaram-se comum na educação dentro dessa nova proposta de
ensino e aprendizagem: ambientes online.
Considerações finais
Procuramos com este artigo analisar a visão de Marcuschi (1999, 2004 e 2010), sobre
os novos gêneros textuais, que têm sua origem na rede mundial, internet. Constatamos que
esses gêneros textuais possuem semelhanças com vários gêneros pré-existentes, muito
utilizados pelo homem, em vários períodos históricos de sua existência (página 3). Com este
trabalho, constamos que a importância da escrita para a comunicação segue inalterada:
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 240
mesmo com as novas mídias e plataformas, o texto e suas formas múltiplas de ocorrência
ainda representam a maneira com a qual o homem interage.
Com a finalidade a que nos propusemos, acreditamos que esta pesquisa foi válida e
trouxe um pouco mais de informações sobre a importância dos gêneros textuais, aqui
chamados de emergentes, em contextos educacionais e nos ambientes virtuais de
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 241
aprendizagem, além de demonstrar, como outras pesquisas possíveis de serem encontradas
em sites de busca, que esses novos modelos de aquisição de conhecimento agregam muito a
sociedade, uma vez que produzem a inclusão geográfica e social, e possibilitam o a realização
de planos pessoas e profissionais.
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E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 242
MINIBIOS
Ana Lúcia Tinoco Cabral - Possui graduação em Língua e Literatura Portuguesas pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (1980), mestrado em Língua Portuguesa pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2000) e doutorado em Língua Portuguesa pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2005). Realizou pesquisa de pós-doutoramento na École
des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em Paris, França. Atualmente é pesquisadora
colaboradora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pesquisadora e professora do
mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul. Foi professora de redação jurídica
na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e na Faculdade Autônoma de
Direito de São Paulo (FADISP). Tem experiência na área de Linguística com ênfase em leitura
e escrita. O quadro teórico que dá suporte às suas pesquisas insere-se área da Linguística
Textual; dedica-se principalmente aos seguintes temas: linguagem argumentativa, interação
verbal escrita, linguagem jurídica, polidez linguística e uso da linguagem em práticas
educativas a distância. E-mail: altinococabral@gmail.com
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 243
do Paraná (IFPR), campus Pinhais. Tem experiência na área de Letras (Linguística Aplicada e
Análise de Discurso) com os seguintes temas: formação de professores, identidade(s),
matrimônio, representação social, discursos do MST, discurso feminino. Atualmente pesquisa
discursos a respeito da violência sexual. E-mail: anamarialeme@hotmail.com
Anagilda Siqueira Sobral Cordeiro - Licenciatura Plena em Letras com habilitação em Língua
Portuguesa e Inglesa pelo Centro Universitário Fundação Santo André em 2003. Pós-graduação lato-
sensu em Docência no Ensino Superior pelo SENAC - Santo André. Atua na área de docência desde
2000 nos ensinos fundamental II, médio e educação de jovens e adultos em instituições públicas e na
rede escolar SESI-SP. Desde 2013, exerce a função de Analista Técnico Educacional na rede de ensino
SESI-SP. e-mail – anagildassc@yahoo.com.br
Antônio Carlos Santana de Souza - Pós-Doutor em Linguística pela UNEMAT (2016). Doutor
em Letras pela UFGRS (2015). Mestrado em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade
de São Paulo (2000). Possui graduação - Bacharelado e Licenciatura em Letras
(Português/Hebraico e Respectivas Literaturas) pela Universidade de São Paulo (1998).
Atualmente é pesquisador do GELA do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas - USP e do Alma Linguae: Variação e Contatos de Línguas
Minoritárias do Instituto de Letras da UFRGS. Professor Adjunto da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul. Docente Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado
Acadêmico em Letras e PROFLETRAS) da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS). Docente Colaborador no Programa de Pós-graduação em Linguística da
UNEMAT/Cáceres. Docente Colaborador Programa de Pós-graduação em Letras da UNEMAT-
Sinop. Líder do Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguístico, Dialetológicos e Discursivos do
CNPq (NUPESDD-UEMS) e do Laboratório Sociolinguístico de Línguas Não-Indo-europeias e
Multilinguismo do CNPq (LALIMU). Avaliador de Cursos do INEP/MEC. É o Editor-chefe da
Web- Revista SOCIODIALETO (ISSN 2178-1486, www.sociodialeto.com.br, Qualis B2) desde
2010. Membro do Conselho Editorial da Web-Revista DISCURSIVIDADE Estudos Linguísticos
(QUALIS). Membro da Comissão Editorial da Revista transdisciplinar de Letras, Educação e
Cultura da UNIGRAN - InterLetras (QUALIS). Experiência na área de Linguística, com ênfase
em Sociolinguística e Dialetologia, atuando principalmente nos seguintes temas: português
falado; contatos linguísticos; linguística geral e diversidade sócio-cultural.E-mail:
acssuems@gmail.com
Cristiane Schmidt - Doutora em Letras pela UNIOESTE (2016). Mestre em Educação pela
UFRGS (2008). Graduação em Licenciatura em Letras Português / Alemão pela UNISINOS
E-book - Cadernos de Linguística: Pesquisa em Movimento. Volume 7, jun. 2017. Página 244
(1996). Tem experiência na área de Letras, Língua Portuguesa; Língua Alemã e Educação
Gerontológica. Membro do Grupo de Pesquisa Linguagem, Cultura e Ensino, do Programa de
Pós-Graduação em Letras/ UNIOESTE; do Grupo de Pesquisa e Estudos Sociolinguístico e
Dialetológico-UEMS/CG; e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de
Professores/GEPEFOP/UNIOESTE. Desenvolve pesquisa sobre livro didático no ensino de
línguas. E-mail: cris_lehrerin@hotmail.com
Daniel Carvalho de Almeida - Possui graduação em Letras pela Universidade São Marcos,
especialização em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e
Mestrado em Letras pela Universidade São Paulo. Atualmente é professor na Rede Pública
Municipal de São Paulo. E-mail: dangtr@hotmail.com
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capítulos de livros publicados em periódicos, anais de congressos e livros nacionais e
internacionais. Foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE (2002-
2003), Diretora de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPE (2003-
2008) membro da Comissão de estudo das bolsas de mestrado e doutorado no país do CNPq
(2003-2006); membro da Comissão de Consultores Científicos da área de Letras e Linguística
da CAPES para avaliação dos Programas de PG nos triênios 2004-2006 e 2007-2009; e para
avaliação de novos cursos 2004-2008. E-mail: dorisarrudacunha@gmail.com
Fábio Luiz Villani - Possui graduação em Letras pela Universidade Cidade de São Paulo (1985),
Pedagogia (1988), Mestrado (2003), Doutorado (2007) e Pós Doutorado (2010) em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Pesquisador da área de ensino aprendizagem de língua inglesa (idosos, jovens e
crianças) e das crenças dos professores da educação básica na rede pública de São Paulo. Atua
como professor do curso de Formação Docente Universitária em nível lato sensu e em outros
cursos de pós graduação da Faccamp - SP. Na mesma Instituição universitária é professor da
graduação nos cursos de logística, recursos humanos, letras, pedagogia, direito, manutenção
de aeronaves e engenharias ministrando aulas de língua portuguesa, língua inglesa, literaturas
e formação de docentes. Atuou como consultor da Comissão Própria de Avaliação Interna
(CPA) da Unicsul em São Paulo e da FACCAMP de Campo Limpo Paulista. Foi professor efetivo
da Rede Pública Estadual de Ensino de 1986 a 2008 tendo atuado como Professor de língua
inglesa, Coordenador Pedagógico, Supervisor de ensino e Formador de
Professores/Coordenadores da Diretoria de Ensino Leste 01 da capital de São Paulo.
Atualmente é Diretor de Escola efetivo da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo em
escola de ensino fundamental (ciclos 1 e 2) e já atuou como formador de professores da
SMESP, tendo sido o responsável pela implantação do ensino de língua inglesa no ensino
fundamental 01 no ano de 2012 na cidade de São Paulo. Atuou como tutor em EAD da FGV-SP
de um grupo de supervisores escolares da rede pública estadual de São Paulo. Tem
experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando
principalmente nas seguintes áreas: formação de professores de língua inglesa e portuguesa,
formação geral de educadores e formação de professores de língua estrangeiras. Como
professor tem atuado da educação infantil ao ensino universitário. É autor de artigos
científicos, livros didáticos e palestrante das áreas supra citadas. É parecerista da Revista
WEA da Faccamp e de artigos de qualificação de mestrado e doutorado da PUC de São Paulo.
E-mail: fvillani@uol.com.br
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Giseli Veronêz da Silva - Possui graduação em Letras pela Universidade do Estado de Mato
Grosso - UNEMAT e mestrado no Programa de Pós graduação em Linguística da Universidade
do Estado de Mato Grosso - UNEMAT. E-mail: giseliveronez@gmail.com
Jeane Oliveira da Silva - Possui graduação em Linguagens e Códigos pela Universidade Federal
do Maranhão (2015). Atualmente é pesquisadora do grupo de Pesquisa Linguagens, Cultura e
Identidades - GPlici da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, integra o NUPESDD -
Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos da Universidade
Estadual do Mato Grosso do Sul-UEMS. Foi Professora de canto na Escola Raimundo Poincaré
de Sousa( 2013)- São Bernardo-MA, Tem experiência na área de Língua portuguesa, como
pesquisadora/bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID.
Pesquisadora/ bolsista do Projeto Música e filosofia: Diálogos interdisciplinares. Atuando
principalmente nos seguintes temas: educação, cultura, música, linguística. E-mail:
jeane208@gmail.com
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atuando principalmente nos seguintes temas: aprendizagem, educação, Língua inglesa,
Bumba-meu-boi e Inclusão. E-mail: nicomedes@gmail.com
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Pardo (1991). É professora efetiva de Língua Portuguesa da Escola Estadual Professor
Bernardino Querido desde 1993 e atuou como Supervisora Bolsista do Subprojeto de Letras
do PIBID - Programa Institucional de Iniciação à Docência pela Universidade de Taubaté
(UNITAU) de 2010 a 2013. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua
Portuguesa, atuando principalmente no seguinte tema: leitura, ensino e práticas
pedagógicas. E-mail: marliabruno@yahoo.com.br
Solange Marques Avino - Possui graduação em Letras - Inglês pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, pós-graduação em ensino e aprendizagem do inglês para terceiro grau
pela UNISA - Universidade Santo Amaro e pós graduação em português pela Universidade
Gama Filho. Trabalha como professora universitária na Universidade Anhembi Morumbi,
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junto a Escola de Ciências Humanas e Sociais, ministrando a disciplina de Inglês instrumental
para os cursos de Administração, Marketing, Relações Internacionais, Comércio Internacional,
Turismo e Hospitalidade, do nível básico ao avançado. Elabora e ministra treinamento para
executivos de empresas multinacionais e cursos específicos para exames de proficiência na
língua inglesa. Cursa o terceiro semestre de Pós Graduação, Mestrado em Linguística, na
Universidade Cruzeiro do Sul, em fase de produção do relatório de qualificação. E-mail:
solange.avino@uol.com.br
Sonia Sueli Berti-Pinto - Graduada em Letras pelo Centro Universitário FIEO (1999), mestrado
em Semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (2002) e doutorado em
semiótica e Linguística Geral pela Universidade de São Paulo (2005). Em 2008, concluiu o
Pós-Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem sob a supervisão da Profª Drª
Elisabeth Brait, na PUC-SP, desenvolvendo o projeto de pesquisa "Memória discursiva em
práticas de leitura para alunos de graduação". Atualmente, é pesquisadora e professora do
corpo permanente do Programa de Mestrado em Linguística na Universidade do Cruzeiro do
Sul (UNICSUL). Ministra no mestrado as disciplinas: Memória, Letramento e Formação do
Leitor Crítico, Letramento Acadêmico e Prática Docente e na Graduação Leitura e Produção de
textos e Linguagens em Comunicação no curso de Comunicação Social da Cruzeiro do Sul. É
pesquisadora e uma das fundadoras do GT Estudos Bakhtinianos, da ANPOLL. Avaliadora
Institucional e de Curso, responsável por avaliação de cursos da área de Letras e Comunicação
Social, presencial e em EAD, do INEP/MEC. Tem experiência na área de Linguística com ênfase
em Análise Dialógica do Discurso, Estudos da Linguagem e Educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: análise do discurso, gênero do discurso, análise dialógica do discurso, a
linguagem verbo-visual, crônicas, charges, leitura, hipermídias, hiperdiscursividade na EaD,
discursos jornalísticos e publicitários, formação docente, leitura, desenvolvimento humano. E-
mail: soniasul@uol.com.br
Vera Lúcia Batalha de Siqueira Renda - Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras de Taubaté, Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade de
Taubaté e doutorado em Letras (Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa)
pela Universidade de São Paulo. É professora assistente doutora da Universidade de Taubaté,
na graduação/Letras, em cursos Lato sensu da área e no Mestrado em Linguística Aplicada,
atuando também na formação continuada de professores das redes pública e privada. Atua
principalmente nos seguintes temas: formação de leitores e letramento literário e
multiletramentos - Educação Infantil e Ensino Básico -, mediação em leitura e escrita no
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âmbito de textos lúdicos e estéticos. Trabalha em assessoria técnica junto a Pró-reitorias de
Graduação e de Pós-graduação da Universidade de Taubaté/UNITAU. Desenvolveu trabalhos
nos projetos CAPES de formação docente: PRODOCÊNCIA, LIFE e OBSERVATÓRIO DA
EDUCAÇÃO, respectivamente, como coordenadora da área de Língua Materna, coordenadora
adjunta e integrante. Atua no PIBID/Letras-Português, desde 2010, como subcoordenadora de
área. É Diretora editorial da Editora da Universidade de Taubaté/EdUnitau e membro do
conselho editorial das revistas Caminhos em Linguística Aplicada e Revista de Extensão da
Universidade de Taubaté. Foi Coordenadora do Mestrado em Linguística Aplicada da
Universidade de Taubaté-UNITAU, SP, de setembro/2012 a abril/2015. E-mail:
era.batalha@yahoo.com.br
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