Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Disciplina: Teorias da História (HUM 03130)


Professor: Arthur Lima de Avila
Turma: B
Aluna: Paola Robaski Timm

Avaliação final
Levando em consideração as discussões sobre os efeitos do neoliberalismo e
sobre a condição pós-colonial, disserte sobre os lugares da história do Brasil atual.

Os primeiros economistas defensores do Neoliberalismo surgiram nos anos de


1930, quando o sistema financeiro ocidental passava pela crise de 1929. Opositores ao
keynesianismo e ao estado de bem estar social, propuseram um Estado que fosse mínimo,
este não deveria interferir na dinâmica “natural” do mercado e nem gastar o orçamento
do país promovendo uma agende de programas sociais, pois a desigualdade é uma
condição necessária ao capitalismo. Num primeiro momento, o pensamento neoliberal
não teve espaço para ser aplicado nos países desenvolvidos. Após a Segunda Guerra
Mundial, foi preciso reconstruir a Europa e o Japão e o papel do estado era imprescindível,
tanto para reanimar a economia quanto para restabelecer o estado de bem estar social.
Somente na década de 1970, que tivemos a primeira experiência prática de um país
neoliberal: o Chile. O país andino encontrava-se imerso em uma das mais violentas
ditaduras do período pós-guerra. A ditadura de Pinochet implementou uma política
econômica bastante dura: desregulamentação, desemprego massivo, repressão sindical,
distribuição de renda entre os mais ricos, privatizações de estatais. O Chile foi o precursor
de uma sociedade neoliberal e a sua experiência foi vista com grande atenção pelos
Estados Unidos e pela Inglaterra. Posteriormente, os governos Ronald Reagan e Margaret
Thatcher seriam marcados por aplicarem medidas neoliberais na economia estadunidense
e inglesa, com o objetivo de sair estagnação da produção industrial e para voltar a ter
taxas altas de crescimento estáveis. Em decorrência dos êxitos que os governos de Reagan
e Thatcher tiveram, o neoliberalismo ganhou força e reconhecimento para se expandir a
outros países como uma fórmula fácil de ser aplicada,. Quando os objetivos de promover
a deflação, o reaumento dos índices de crescimento, as políticas contra o movimento
sindical, a diminuição dos impostos cobrados sob as maiores rendas foram alcançados,
uma sociedade cada vez mais individualista e competitiva começou a emergir no final do
século XX.
Em A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, Pierre Dardot e
Christian Laval analisam o neoliberalismo não apenas como uma ideologia e um tipo de
política econômica, mas como um sistema normativo que ampliou a lógica do capital a
todas as relações sociais e a todas as esferas da vida. Apesar dos neoliberais defenderem
o Estado mínimo, uma sociedade neoliberal seria impossível sem um Estado neoliberal.
É preciso que o Estado promova medidas econômicas, como as já citadas, para que seja
possível transformar profundamente a sociedade. Com altas taxas de desemprego e de
endividamento, os indivíduos passam a concorrer entre si de maneira extremamente
desumanizada e interiorizam a ideia de que somos empresas, logo precisamos nos
comportar como tal, aumentando a nossa capacidade de flexibilidade em se adaptar as
necessidades do mercado, de produtividade e de concorrência.
A competição generalizada decorrente do desemprego, provocando o
endividamento de massas, levou às novas formas de sujeição dos assalariados como
nunca antes vistas. O fenômeno da uberização do trabalho evidencia as consequências
que uma sociedade neoliberal acarreta às pessoas e é um exemplo emblemático de que o
patrão da empresa é o próprio trabalhador: “faça você os seus próprios horários”,
“trabalhe quando quiser”. Assim, a maioria da população passou a ter uma vida
precarizada, que acaba por produzir o egoísmo social. Os trabalhadores entram em uma
luta econômica intensiva, enquanto que, as desigualdades mais profundas são justificadas
e incentivando que o indivíduo comporta-se como uma empresa.
Dessa forma, a tese defendida por Dardot e Laval é que o Neoliberalismo consiste
em uma racionalidade, a qual “tende a estruturar e a organizar não apenas a ação dos
governantes, mas até a própria conduta dos governados. A racionalidade neoliberal tem
como característica principal a generalização da concorrência como uma norma de
conduta e da empresa como de subjetivação” (2016, p. 17). A nova versão do sistema
capitalista produziu novas relações sociais, maneires de viver e certas subjetividades para
que fosse possível a surgimento da sociedade neoliberal.
A mudança foi catalisada pela globalização, todos competem entre si em todos os
âmbitos sociais numa dimensão global. Os imperativos do neoliberalismo também atinge
o sistema educacional e trazem graves consequências na formação intelectual das pessoas,
visto que, na contemporaneidade, o Estado privilegia setores privados e a elite em
detrimento dos direitos constitucionais. Nos últimos anos, a situação do ensino público
brasileiro entrou em estado alarmante, sobretudo, porque os servidores não recebem o seu
pagamento integral e as sucessivas tentativas, que de uma forma ou de outra vem dando
certo, de tornar as escola pública uma espaço de formação de mão de obra barata. Nessas
circunstâncias, as matérias de Ciências Humanas tornam-se cada vez mais desnecessárias
na formação que projeto neoliberal tem como objetivo instaurar dentro das salas de aula.
O discente não deve ser ensinando a pensar, mas a obedecer. Por essa razão, o projeto de
reforma do Ensino Médio proposto, as aulas de Matemática e Língua Portuguesa têm uma
carga horária muito superior do que as demais matérias.
Contudo, as investidas mais diretas ocorre sob as Ciências Humanas. Em especial,
o conhecimento histórico produzido nas últimas décadas tem sofrido ataques de
“intelectuais” revisionistas, que conseguiram espaço de divulgação de suas ideias na
Brasil Paralelo, principal produtora desse tipo de conteúdo. Na capa da edição de maio
da “piauí" ― além de ter o Bolsonaro e o Paulo Guedes beijando-se ― tem a seguinte
manchete: “Brasil paralelo: Um filme delirante sobre o golpe de 1964”. A matéria
encontra-se na página 34 da revista e é intitulada “A direita na tela: Notas de um panfleto
audiovisual que revê 1964”, por Eduardo Escorel. O autor iniciou o seu texto abordando
o golpe de 1964 a partir do desencadeamento de acontecimentos políticos que transcorreu
após a deposição de João Goulart da presidência, desenvolvendo um raciocínio e
explicando ao leitor o que foi o golpe de Estado daquele ano. Sem medo de se posicionar,
Escorel cita uma carta que ele escreveu aos seus pais, estes moravam no exterior, sobre o
contexto político em 9 de abril. Na época, o cineasta era um jovem estudante de 18 anos,
fazia parte da UNE e estava revoltado com o que acabava de acontecer no país.
Enquanto que, a narrativa da Brasil Paralelo é diametralmente oposta a de Eduardo
Escorel. A produtora possui um projeto, muito bem articulado com os partidos políticos
brasileiros da direita conservadora, de promover um revisionismo histórico,
desconsiderando os trabalhos produzidos por historiadores nacionais e internacionais nas
últimas décadas acerca do processo histórico do Brasil. Em 1964: O Brasil entre Armas
e Livros, o produto propagandístico e doutrinário, com aparência de um inocente material
didático, tem o objetivo de mostrar a “verdade” que não foi revelada: o Exército brasileiro
salvou o país de sofrer uma revolução comunista. Eduardo Escorel destaca a narrativa
presente nos minutos finais do filme: “A revolução se transmutou das armas para os
livros. Transformou um lado da guerra em mártir, fez da história propaganda, panfletou
nas escolas, na mídia, nas universidades. Formou a nova geração brasileira. Esta geração
foi trabalhar nos meios de comunicação, nas editoras, na educação do Brasil. A
hegemonia quase apagou o passado e perpetuou uma narrativa. Um lado da guerra foi
herói e o outro, opressor. O que fizeram os heróis?”. Evidentemente, este discurso possui
a intenção de deslegitimar livros acadêmicos, filmes, músicas com posicionamento
político antagônico ao da direita conservadora. Em suma, querem colocar em descrédito
o conhecimento produzido dentro das Universidades e das escolas por todo o país.
A fim de compreender a crise no sistema educacional brasileiro, em específico, a
crise das humanidades, o historiador Rodrigo Turin, em seu ensaio Entre o passado
disciplinar e os passados práticos: figurações do historiador na crise das humanidades,
dedicasse a refletir sobre os ataques à educação e à produção histográfica. Turin destaca
ao fato da História ser uma disciplina pertencente ao período moderno e diretamente
vinculada com Estado-nação, no processo de criar identidades nacionais e passados
coletivos. Assim, o campo de conhecimento histórico só se legitima como ciência a partir
do século XIX. O autor resgata a emergência do processo de disciplinarização da História
para demonstrar como o Estado, a sociedade, a política, a educação, a econômica
modificaram-se desde então e como a hiperaceleração do tempo, consequência direta do
uso cada vez maior de tecnologias e da variedade de mídias disponíveis em nosso
cotidiano, faz com as configurações sociopolíticas modifiquem-se com uma velocidade
progressivamente maior. Portanto, é preciso aproveitar esse momento de crise das
humanidades para refletir sobre a produção historiográfica, o papel do historiador na
sociedade e, na condição pós-colonial, pensar como outras perspectivas não-eurocêntricas
possam serem também validadas como conhecimento histórico.
O papel do historiador e o seu conhecimento produzido, inegavelmente, vem sendo
questionado. As discordâncias e as disputas acerca do passado e do modo como se deve
ensinar a história se intensificaram. A Brasil Paralelo é apenas um expoente desse
movimento revisionista e com o governo Bolsonaro ganhou ainda mais força. A TV
Escola, vinculada ao Ministério da Educação, exibiu recentemente a série “Brasil: A
última cruzada”, fruto de mais um dos trabalhos da Brasil Paralelo, com erros de dados
históricos e marcada pela minimização do genocídio indígena e dos efeitos sociais da
escravidão. Assim, como muito bem aponta o historiador Rodrigo Turin, os agentes
estatais sabem que não conseguiriam modificar as disciplinas de dentro da academia, por
isso que eles mexem em sua base de reprodução: o ensino.
Referências bibliográficas

ANDERSON, Perry. “Balanço do neoliberalismo”. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo


(orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1995.

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razãodo mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo:Boitempo, 2016.

TURIN, Rodrigo. “Entre o passado disciplinar e os passados práticos: figurações do


historiador na crise das humanidades”. Tempo. Niterói:Vol. 24, n. 2. Maio/Agosto 2018.

Você também pode gostar