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O Amor Não é Egoísta

Leitura Bíblica: 1Co 13.4-8

Pregar sobre humildade é uma tarefa complicada. Afinal, este tipo de conversa
geralmente provoca algum tipo de pensamento nas pessoas, como algo do tipo:
“mas eu já vi ele sendo arrogante com alguém”. Contudo, é importante
esclarecer que este tema precisa ser abordado, visto que se trata de um
ensinamento bíblico. É importante esclarecer: Sou um homem orgulhoso
buscando humildade pela graça de Deus. Não sou nenhuma autoridade sobre o
assunto, mas um colega peregrino trilhando com vocês o caminho preparado
pelo nosso humilde Salvador.

Estamos vendo, pelo menos uma vez ao mês, o amor descrito por Paulo aos
irmãos de Corinto e ilustrando o que é ensinado por Jesus na prática. Todas as
coisas que são aqui referenciadas como o significado do amor são elementos
impossíveis de cumprirmos por nossas próprias forças e, exatamente por isso,
somos estimulados pelo exemplo de Jesus em relação a este tema.

Por hoje, vamos ficar com a porção do texto em que lemos: “o amor não
procura seus próprios interesses”. Há uma leve diferença quanto às palavras na
NTLH, o texto aparece da seguinte forma: “o amor não é egoísta”. Alternativas
para a tradução deste texto seriam: “o amor não vive para satisfazer interesses
pessoais” ou “o amor não exige que as coisas sejam feitas à sua própria
maneira”.

Para os coríntios, esta era uma tarefa demasiada complicada. Há exemplos em


1Co sobre como estavam fracassando em relação ao amor altruísta:

Quando se reuniam para celebrar a Ceia do Senhor, alguns irmãos se


apressavam para comer e beber, enquanto outros ficavam humilhados e
menosprezados (11.21,22)
Durante os cultos também havia um problema: alguns continuavam falando
enquanto era a vez de outra pessoa falar (14.26-33)

Questões como: quem tem a preferência, quem diz a última palavra e quem
tem razão marcavam aquela igreja e, exatamente por isso, Paulo precisa lhes
dirigir tal mensagem.

Infelizmente a questão do egoísmo é marcante na raça humana. Em nossa


cultura ocidental, muitos consideram o amor narcisista uma virtude. Nas
palavras do psicanalista alemão Erich Fromm nossa sublime vocação na vida é a
de “cuidar de nós mesmos com muito carinho”. E é assim que vivemos: em um
caso de amor perpétuo por nós mesmos.

Jesus não condena o amor próprio, mas o coloca na perspectiva correta. Que o
amor de nós mesmos não é ilícito é também evidente pelo fato de que a lei de
Deus faz do amor-próprio uma regra e medida pela qual nosso amor aos outros
deve ser regulado. Assim Cristo ordena: “Amarás o teu próximo como a ti
mesmo” (Mt 19.19), o que certamente pressupõe que podemos e devemos
amar a nós mesmos. Não é dito mais do que a ti mesmo, mas como a ti mesmo.
Mas somos ordenados a amar nosso próximo juntamente com Deus; portanto,
somos ordenados a amar a nós mesmos juntamente com o amor que devemos
exercer em relação ao próprio Deus.

Vemos este amor exemplificado em Mc 10.35-45

Exposição:
O evangelho de Marcos é o evangelho da ação, onde o relato da vida de Cristo é
feito de modo simples e objetivo. Marcos parece ter a intenção de acoplar as
diversas narrativas sobre a vida de Cristo de forma a mostrar que existe uma
conexão entre elas.
1. Jesus e os discípulos caminham em direção a Jerusalém
1.1 Jesus está consciente de sua missão (“coisas que deveriam acontecer")
1.2 Jesus compartilha com seus discípulos quais são os seus sentimentos,
deixando-lhes a par de sua missão, que consiste em vir ao mundo, cumprir
seu ministério de pregação, ensino e sinais, e também ser entregue aos
principais dos sacerdotes e aos escribas, sendo condenado à morte e
ressuscitando no terceiro dia.
2. Dois discípulos e um inusitado pedido
2.1 Tiago e João pedem a Jesus uma espécie de "cheque em branco":
"queremos que nos faças o que te pedimos"
2.2 Eles pedem honra, glória, reconhecimento, fama. Podemos perceber o
tom ambicioso de suas palavras: "concede-nos que na tua glória nos
sentemos, um a tua direita e outro a tua esquerda”
3. A resposta contundente de Jesus
3.1 Os discípulos não sabiam o que estavam pedindo
3.2 Jesus fala-lhes então sobre experimentar do cálice e do batismo que
Ele próprio estaria prestes a receber. As figuras utilizadas por Jesus ("calice”e
"batismo") denotam o sofrimento que o próprio Jesus iria enfrentar. Seria um
período de esmagadora tristeza (cf. Lucas 12.50: "Há um batismo com o qual
serei batizado, e como me angustio até que ele aconteça") e de enorme
renuncia pessoal (cf. Marcos 14.36: “E dizia: Aba, tudo te é possível. Afasta de
mim este cálice; todavia não seja o que eu quero, mas o que tu queres”).
3.3 Apesar do pedido de Tiago e João, Jesus afirma que tal resolução já foi
decidida de antemão pelo eterno conselho e desígnio divino.
4. A controvérsia entre os discípulos
4.1 Ninguém queria ser o menor
4.2 O que é evidenciado pela indignação dos demais discípulos
5. Jesus, o servo por excelência
5.1 Jesus serve-lhes a perspectiva adequada do Reino
5.1.1 Nos reinos do mundo, os maiores são os governantes, que
exercem domínio e autoridade
5.1.2 No Reino de Cristo, o maior é quem serve, ou seja, aquele que se
dispõe a colocar a si mesmo em último lugar
5.2 Jesus serve a sua própria vida como um ato de serviço, reiterando que
irá morrer para resgate de muitos.

Ensino/Doutrina:
Esta narrativa nos ensina lições importantes sobre a vida cristã:
1. No Reino de Cristo, o maior é o servo
1.1 No evangelho de Marcos este conceito é intencionalmente destacado
(especialmente em contextos de discipulado):
1.1.1 Marcos 9.35: "Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo
de todos" – Os discípulos estão discutindo sobre qual deles seria o maior.
1.1.2 Marcos 10.21: “Olhando para ele, Jesus o amou e disse-lhe: Uma
coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres; e terás um tesouro
no céu; depois vem e segue-me” – O discipulado envolve renúncia pessoal e
serviço.
1.2 Os apóstolos do Senhor mais tarde teriam isto em mente em suas
correspondências às igrejas do Novo Testamento:
1.2.1 Rm 1.1: "Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apostolo,
separado para o evangelho de Deus"
1.2.2. Tg 1.1: "Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos
da Dispersão, saudações"
1.2.3 2Pe 1.1 "Simao Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo..."
1.2.4 Jd 1: "Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago”
1.2.5 Ap 1.1: "Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar a
seus servos as coisas que em breve devem acontecer. Ele enviou seu anjo
para anunciar a seu servo Joao”
Não há como servir a Cristo sem estar envolvido com a igreja. Servir a Deus
consiste em servir aos irmãos (cf. 2Co 4.5: "Pois não pregamos a nós mesmos,
mas a Jesus Cristo, o Senhor, e a nós mesmos como vossos servos por causa de
Jesus").

Transição: A lógica do Reino inverte os valores mundanos (comparar figuras de


serviço em nosso cotidiano, como garçons e garis, por exemplo). A honra do
Reino de Cristo está em servir e não em ser visto.

2. Não devemos conceber o Reino de Cristo nos mesmos moldes dos reinos
mundanos [“entre vós não será assim", v. 43]

Conta-se que um pintor fez um retrato de Oliver Cromwell. Este tinha verrugas
no rosto. O pintor, com a intenção de agradá-lo, não pintou as verrugas no
retrato. Quando Cromwell o viu, disse: "Leve-o e me pinte com verrugas e
tudo!". Os discípulos de Jesus aqui são também retratados com "verrugas e
tudo". Eles não eram um grupo de santos, mas de homens imperfeitos. Assim
como Jesus trabalhou com homens imperfeitos, ele também se propõe a
trabalhar em nós, mudando nossa realidade.
2.1 O Reino de Cristo não se fundamenta em honra humana, mas em
humildade
2.2 O Reino de Cristo não se fundamenta em domínio, mas em submissão
2.3 O Reino de Cristo não se fundamenta no reconhecimento, mas em
serviço

3. Jesus Cristo é a grande referência de serviço


3.1 Jesus, sendo Senhor e Mestre, lavou os pés dos discípulos, Jo 13.14
3.2 Jesus não se apegou ao fato de ser igual a Deus. Antes, ele esvaziou-se
a si mesmo e assumiu forma de servo. Este é o sentimento que houve em
Cristo Jesus e que deve haver em nós, Fp 2.5ss
3.3 O sumo serviço de Cristo é a sua morte pelos pecadores, Mc 10.45
Aplicações:

✓ Mesmo os líderes cristãos que nos são apresentados em o Novo


Testamento são vistos como servos de Deus e, consequentemente, servos da
igreja. Precisamos reconhecer que um ministério é um serviço prestado ao
Senhor em prol de seu corpo aqui na terra. A igreja não pode nos servir como
um caminho para lucro pessoal, em nenhum sentido. Não podemos pensar
que servir à igreja na forma de liderança consiste em julgar-se superior aos
demais irmãos. O que nos diferencia é o trabalho que o Senhor nos confiou
segundo a sua multiforme sabedoria. Não nos cabe dirigir à igreja as mesmas
palavras que Tiago e João trouxeram a Jesus: "queremos que seja feito o que
nós estamos pedindo". Nosso direcionamento, nosso aconselhamento, nossa
orientação deve ter como parâmetro a Palavra de Deus e não algum tipo de
ambição pessoal. Na prática, isto é distorcido quando lideramos por
imposição e não por serviço. Liderar segundo o Reino de Cristo é arregaçar as
mangas da camisa e trabalhar em conjunto. Há inúmeras oportunidades em
nossa igreja local para praticarmos este ensinamento: temos trabalho na
recepção, no ministério junto às crianças... Temos o trabalho de nossa
congregação que, com certeza, possui demandas de serviço igualmente
importantes.
✓ Precisamos examinar nossas motivações. Nossa busca arrogante pelo
destaque, por glória pessoal é uma procura ímpia. O sucesso segundo o
mundo não é o sucesso segundo Cristo. A lógica do Reino coloca de ponta-
cabeça os pensamentos mundanos. Para qual propósito estamos dedicando
nossas vidas? Sempre haverá um depois [ilustrar: jovem que gostaria de ser
bem sucedido em seus estudos, depois em sua profissão, depois em sua vida
familiar, mas não deu atenção ao que viria depois de tudo isto]. Em nossa
criação de filhos, devemos trazer também esta cadeia de valores apregoada
por Jesus. Não criamos nossas crianças para o mundo, mas para o Reino. Não
podemos perder de vista o ensino do Evangelho.
✓ Jesus, como sumo exemplo de serviço, entregou-se a si mesmo
sacrificialmente pelos outros. E, dado que Ele deu a vida por nós, devemos
dar a vida pelos irmãos (1Jo 3.16). Dar a vida significa dedicar tempo, das
mais diversas formas (orando juntos, compartilhando pensamentos,
visitando, confessando pecados). Inclui abrir mão do conforto pessoal e de
entretenimentos que em si mesmos não são pecaminosos em prol de servir
aos outros. Somos tentados a não nos envolvermos emocionalmente com as
pessoas, julgando que seria desgastante demais. Jesus não amava as pessoas
desta forma; antes, ele se envolvia, participava dos dilemas e problemas reais
dos indivíduos. Nossa sociedade (e por que também não dizer que também a
igreja) coloca à margem alguns tipos de pessoas (doentes, velhos, pessoas
desinteressantes), mas seguindo o exemplo de Jesus, não podemos fazer o
mesmo.
Conclusão:
✓ "Depõe contra o servo procurar ser rico, grande e honrado neste
mundo em que seu Senhor foi pobre, humilde e desprezado”- George Müller.
✓ O exemplo de Cristo, o Senhor do universo, ao tornar-se servo deve nos
constranger a não viver uma vida de prioridades ímpias; somos por Ele
estimulados a viver de modo abnegado, humildade e servidor.
✓ Jesus não veio ao mundo em busca de curtidas, mas para servir. É
possível notar tal prioridade no ministério de Jesus no texto que aparece
exatamente na sequência (cf. 10.46-52). Importante: Notar Jesus como um
servo de alguém situado à margem (lit. "junto do caminho").

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